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Denilson Meireles Barbosa

História da África e
da Cultura Afro

Montes Claros/MG - 2011


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2011
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Maria Elvira Curty Romero Christoff
Autor
Denilson Meireles Barbosa
Professor do Departamento de História - Unimontes
Mestre em Ciências da Religião - PUC-SP
Membro do Núcleo de História e Cultura Regional - NUHICRE
Professor de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Unidade 1
Introdução ao estudo da África . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1.1 A África: uma tradição ancestral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.2 O Egito: uma civilização de africanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1.3 Geografia histórica da África . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

1.4 A África Islâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1.5 Influências do Cristianismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

1.6 Culturas partilhadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Unidade 2
Diáspora africana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2.1 Os grupos influenciadores da cultura brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

2.2 A escravização do índio e do negro no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

2.3 Escravidão e resistência negra no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

2.4 A religiosidade como forma de resistência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

2.5 O Abolicionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

2.6 A cultura Afro-brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Unidade 3
Cultura e identidade africana e afro-descendente: uma nova forma de interpretação . 45

3.1 História e cultura africana e afro-brasileira: uma nova abordagem . . . . . . . . . . . . . 45

3.2 Expressões da cultura afro-brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

3.3 A Construção da identidade no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49


Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

Unidade 4
Temas e problemas da cidadania afro-brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.1 Afro-descendente: identidade híbrida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.2 A questão racial no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

4.3 - Educação e cidadania Afro-brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

Referências básicas e complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

Atividades de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
História - História da África e da Cultura Afro

Apresentação
A inclusão de uma nova disciplina “His- e entendimento por parte da História, como é
tória da África e da cultura Afro-Brasileira” nos o caso da cultura afro-brasileira.
currículos da educação básica e do ensino su- No caso específico da cultura africana e
perior tornou-se nos últimos anos um tema afro-brasileira a leitura proposta pelos espe-
de grande interesse nos debates que tratam da cialistas, sobretudo pesquisadores Afro e Afri-
questão identitária no Brasil e na América Latina. canos, só será possível a partir de um novo
Vários pesquisadores e estudiosos das processo metodológico que evidencie a tra-
mais variadas áreas do conhecimento têm dição oral, refazendo o percurso diaspórico
depositado toda a sua energia intelectual no no sentido das origens identitárias da cultura
sentido de entender as contribuições de povos Afro, considerando a interdisciplinaridade na
africanos e outras culturas, sobretudo no con- interpretação das temáticas correlacionadas.
tinente americano. Diante dessa temática, duas perguntas
A historiografia que tratou do negro no que nos cabe são:
Brasil, como força de trabalho nas grandes • Por que estudar História da África e cultu-
fazendas, a partir das relações escravocratas, ra Afro-Brasileira?
deixou de fora muito da expressão cultural • Qual é o lugar da África na História?
africana, que influenciou a cultura brasileira.
A nova metodologia proposta a partir do
campo da História em diálogo com outras áre-
as da ciência, sobretudo com a antropologia,
tem possibilitado avanços na abordagem me-
todológica quanto às velhas e novas expressões
culturais africanas que, a partir do processo de
diáspora, foram ressignificadas no contato com
as práticas cristãs católicas e com a diversidade
de formação no passado colonial brasileiro.
A cultura é o campo que nos possibilita
visualizar e entender de forma mais coerente ◄ Figura 1: Ritos e
e dinâmica a teia de relações estabelecidas en- símbolos da expressão
tre identidades culturais diferentes. Num cons- cultural africana
tante confronto de negociações e recriações Fonte:www.pluricom.com.
br Acesso: 08/02/2011
simbólicas, configura-se um certo lugar de
identidade. Lugar que ainda carece de estudos

Tentando responder a estas questões, dividiu-se esse texto em 04 unidades, a saber:

Unidade 1

Nesta primeira unidade, entramos no universo histórico e cultural africano para apresentar
aspectos importantes da África, a partir do lugar histórico da sociedade egípcia. As espoliações
sofridas, os interesses econômicos e financeiros externos que provocaram fortes mudanças na
formação da identidade daqueles povos. A influência européia na reorganização do espaço. Bem
como possibilitar um diálogo crítico sobre os equívocos e, a construção, ao longo do tempo,
da negação das culturas africanas pela historiografia, que não se preocupou em contemplar a
história dos povos do continente africano.

Unidade 2

Repensando a diáspora dos povos africanos desde a dominação romana, nesta unidade
buscamos apresentar para reflexão o lugar da África na História. Bem como o comércio de afri-
canos pelas rotas atlânticas, sobretudo, na direção do Brasil. Destacamos também, os grupos
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UAB/Unimontes - 6º Período

que mais influenciaram a formação cultural da identidade afro, a partir da escravidão e das for-
mas de resistência no Brasil, país em formação no contexto colonial, conforme critérios estabele-
cidos pela coroa portuguesa.

Unidade 3

Tentando entender a construção da identidade no Brasil a partir da África tradicional, a uni-


dade III, intitulada “Cultura e identidade afro-brasileira”, refaz o processo Histórico da diáspora
africana. Apresentamos os vários elementos simbólicos que, de forma definitiva, são fundamen-
tais para a interpretação da identidade cultural afro-brasileira e as expressões Afro-descentes no
Brasil pluriétnico.

Unidade 4

Na quarta e última unidade do caderno apresentamos as possibilidades de leitura sobre a


formação étnica do Brasil. As características que marcam a identidade brasileira, tomando como
referência a matriz cultural africana que sempre foi apresentada como resultado de um longo
processo de luta pela liberdade de expressão e pelo respeito.
A contribuição africana, embora seja notória, nem sempre é reconhecida como de fato de-
veria naquilo que se constituiu como cultura afro-brasileira. Nesta unidade, portanto, procura-
mos criar um espaço de debate que contemple esta construção social e cultural da sociedade
brasileira.

Bem mais que estudar o conteúdo proposto, devemos, a partir das provocações expostas no
texto, repensar estereótipos e preconceitos construídos ao longo do tempo nas representações que
fazem referência ao universo simbólico africano e à cultura afro-brasileira.
Esse conjunto de designações construídas para se referir ao outro (africano/afro-descendente) é
passível de análise pela importância em entender as influências culturais na nossa história ou na his-
tória de nossas práticas culturais.
Novos conceitos norteiam, a partir do campo cultural, nova proposta metodológica que aborda
as culturas africana e afro-brasileira, esquivando-se de estereótipos eurocentristas.
É importante que se leve em consideração as imagens intercaladas ao longo do texto. Elas são
muito importantes para que possamos compreender as características dos deferentes espaços, das
diferentes culturas e do tipo de relação estabelecida no contexto colonial, com destaque para a for-
mação cultural do Brasil.
Uma nova visão e mudança de atitudes quanto à identidade cultural de outros povos é emer-
gente e fundamental. Sobretudo, quando avançamos, a partir do campo da história, para uma visão
crítica e, portanto, sensibilizadora da consciência. A formação da pessoa humana para uma prática de
cidadania possibilita o aperfeiçoamento e encurta distâncias nas relações interpessoais e dos diferen-
tes grupos étnicos que constituem uma sociedade.
Nesse sentido, as discussões aqui propostas devem ser consideradas a partir de uma perspectiva
de mudanças quanto à desconstrução de conceitos estereotipados, eurocêntricos e raciais.
Boas discussões!
O autor

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História - História da África e da Cultura Afro

Unidade 1
Introdução ao estudo da África
No percurso histórico de construção da historiografia, a história Africana sempre foi relega- ATIVIDADES
da. Principalmente em função daquilo que se convencionou estabelecer, como meio elementar Procure localizar no
para interpretação da história, como sendo, a fonte documental. mapa do continente
africano, a extensão da
ocupação dos povos
Banto, relacionando e
apontando as caracte-
rísticas dos mesmos.

◄ Figura 2: Mapa dos


antigos povos africanos
Fonte: www. boca-
berta.org. Acesso em:
24/01/2011

Outro fator que, possivelmente, causou tudaremos nesta primeira unidade as trans-
essa exclusão, teria sido a dificuldade em lidar, formações sofridas pelo continente africano no
interpretar ou até mesmo, aceitar a existên- contato com outros povos, sobretudo europeus,
cia de núcleos de sociedades tão complexas que possibilitaram o movimento de diáspora
como as africanas. africana (na direção do continente americano).
Nesta perspectiva, vários são os estereó- Retornar à África pela História é princípio
tipos criados para dar um lugar secundário na fundamental para, a partir da compreensão da
história à cultura africana. Assim, a historiogra- sua diversidade cultural, entender a formação
fia produzida ao longo do tempo não contem- da cultura afro-brasileira.
plou a história do continente africano nas suas Seis tópicos norteiam esta primeira uni-
fortes e diversificadas tradições, que, durante dade:
o processo de colonização da América, disper- 1- Introdução ao Estudo da África
sou-se de forma considerável pelo continen- 1.1 - A África: uma tradição ancestral
te, sobretudo no Brasil através da colonização 1.2 - O Egito: uma civilização de africanos
portuguesa. 1.3 - Geografia Histórica da África
Para entendermos os valores e a dinâmi- 1.4 - A África Islâmica
ca cultural de influência afro que marcaram 1.5 - Influência do Cristianismo
o processo de formação cultural do Brasil, es- 1.6 - Culturas Partilhadas

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UAB/Unimontes - 6º Período

1.1 A África: uma tradição ancestral


A África, e mais especificamente, o povo negro, mostra-se como fruto de um passado histó-
rico longínquo que trouxe consigo fortes traços de elementos de continuidade em relação aos
seus ancestrais. Sendo assim, a vivência, as crenças e as práticas sociais dos africanos estão dire-
tamente ligadas a um passado que sobrevive graças aos fortes laços arraigados na tradição oral.

Figura 3. Escarificações ►
antigo costume dos
povos africanos.
Fonte: www.triboda82.
blogspot.com.Acesso em:
08/02/2011

Figura 4: Representação ►
mitológica da África.
Fonte:www.usp.
br/iac/iac_m.htm
Acesso em: 08/02/2011

12
História - História da África e da Cultura Afro

Nesse contexto, há um fato que não pode deixar de ser ressaltado, isto é, o papel que exer- GLOSSÁRIO
ceram os deuses da natureza na formação do modo de vida do povo africano. Os deuses confi- Olodumaré: na mito-
guram-se como peças fundamentais na vida daquele povo, pois, a partir da crença nestes, todo logia ioruba, é o deus
um conjunto de práticas sociais e culturais foi elaborado e repassado de geração para geração. supremo que estabe-
Sabe-se também que os primeiros “pais” da África são concebidos num verdadeiro leceu a existência e o
panteão, que se mostra de suma importância para a vida e estrutura social dos diversos povos universo.
africanos. Sob tal panorama percebe-se que a atuação dos deuses relaciona-se ou diz respeito Obatalá: na mitologia
principalmente a questões da vida cotidiana, fenômenos da natureza e às aspirações da vida ioruba é o criador do
prática, sendo alguns deles especialistas em alguns setores da vida do ser humano. Por isso, tem mundo, dos homens,
o poder de influenciar na existência humana. animais e plantas. É
Nesse sentido, pode-se afirmar que a formação cultural e ideológica africana relaciona-se considerado o maior de
todos os orixás
com a história dos deuses africanos. Nesse enfoque, Olodumaré encontra-se como uma es-
pécie de deus dos deuses e está em um nível bem elevado da hierárquica divina, sendo por isso Odudua: divindade
inacessível ao homem. A ideia dessa divindade sugere insignificância do ser humano diante do propulsora da criação.
sagrado. Juntamente a este há Obatalá. Este é: No Brasil foi um rei que
teria unido o leste, no
O proprietário do Ala (pano) branco, da coisa sagrada, de uma corrente da cor momento das corren-
do céu, onde permanece como um enxame de abelhas. Faz todas as coisas se- tes migratórias causada
rem brancas. É a cabeça coroada de contas segui o proprietário de muito mel, a por uma invasão Ber-
divindade dos olhos alegres e todos os seus dias são dias de festa. É tranqüilo e bere no Egito.
julga tranquilamente, sustenta quem diz a verdade, mas destrói completamen-
te o malfeitor (LEITE, 2008, p. 128). Sango ou Xangô: de
origem ioruba, seu
mito conta que foi rei
Em relação aos deuses, temos também Odudua. Há autores que atribuem o princípio da cidade de oyo. Orixá
feminino a esta divindade, mostrando que esta se uniu a Obatalá, deus de princípio masculino dos reios, trovões,
na criação. A história dessa divindade é problemática devido à heterogeneidade de explicação a grandes cargas elétri-
seu respeito. Mas o mais importante a se destacar é a contribuição que a crença nessa divindade cas e do fogo.
oferece no que diz respeito à vida social ou individual dos seus seguidores. Entre outras divinda- Ogum: na mitologia
des importantes como, Oranmiyan e Sango têm Ogum. (LEITE, 2008, P.140). iorubá é o orixá ferrei-
Dando maior enfoque a Ogum, sabe-se que esta divindade caracteriza-se pela praticidade ro, senhor dos metais.
e pela objetividade. Apresenta relações diretas com o metal, sendo por isso, conhecido como o Seu culto é restrito aos
deus da guerra, visto que homens.

seu caráter violento, guerreiro e sanguinário: corta as pessoas em pedaços,


mata os maridos, mulheres e crianças. Matando e destruindo, faz tanto à direita
como à esquerda e não poupa ninguém. É o passo pesado nos campos de ba-
talha e seu divertimento predileto é a guerra (LEITE, 2008, p.137).

As heranças mitológicas ancestrais e os ri-


tos devotados à ancestralidade, principalmen-
te no que diz respeito à tradição religiosa, são
inúmeras e não se finda somente com a elabo-
ração acima descrita.
Contudo, é importante ressaltar que a
herança ancestral chegou às gerações poste-
riores principalmente por meio da oralidade,
sobretudo a que se dava entre as diferentes
tribos. Dessa forma, os contos sobre os mitos
fundadores já se dava em tenra idade, a partir da
qual se começava a absorver os exemplos funda-
mentais do comportamento social e da vivência
das tradições culturais (READER, 2002, p. 133).

Figura 5: Ritual de ►
Candomblé
Fonte: www.ocandomble.
wordpress.com. Acesso em:
08/02/2011

13
UAB/Unimontes - 6º Período

A partir do momento em que as riquezas culturais foram repassadas às crianças, criou-se


um ciclo de manutenção e reafirmação do mundo, então, concebido pelos primeiros “pais” ou
“ancestrais”. Porém, com as mudanças estruturais decorrentes do tempo passado, esse “mundo”,
anteriormente construído, passou a sofrer mudanças significativas. Mas as estruturas principais
tendem a manterem nas mesmas bases.


Figura 6: Representação Para Fábio Leite:
ancestral das forças que
regem a natureza Esses ancestrais constituem, pois as novas fontes de explicação e legitimação
Fonte: www.damataba-
das práticas históricas, situando-se aí a alteração vital referida: sem prejuízo
balorixa.blogspot.com. das concepções generalizantes acerca da concretude do papel dos ancestrais
Acesso em: 08/02/2011 no interior da sociedade – conquista definitiva do pensamento negro-africano
até nossos dias -, esses novos ancestrais representam uma síntese das transfor-
mações históricas. Em outros termos, a explicação e a legitimação ancestral da
realidade constituem, na dependência dos fatos, um processo histórico e uma
ação diferencial e dinâmica da sociedade. (2008, p.258).
para refletir
Heródoto de Hali- Como pode ser percebida, a ancestralidade exerce um papel fundamental na vida do afri-
carnasso: historiador cano, inserindo aí a relevância dos deuses, visto que o mundo e a vida em geral são concebidos
grego (485-430 a.C) foi muito mais numa concepção religiosa. Dessa forma, até mesmo a morte é vista como uma espé-
o primeiro a se preocu-
cie de passagem a um mundo imaterial e não como uma separação entre os entes familiares.
par com o passado his-
tórico. Foi para o Egito Diante disso, o que se vê de forma direta e indireta é uma relação com a ancestralidade, que
e estudou sua origem por sua vez envolve a crença nas divindades, tendo também a função de preservar os laços co-
e sua religiosidade, munais e a ordem familiar (GIORDANI, 1985). Sendo assim, a existência das práticas culturais afri-
num período que se canas e suas respectivas consequências encontram justificativa na ancestralidade.
registravam somente
crônicos e épicos. Pela
sua obra, é conhecido
como o pai da História.

14
História - História da África e da Cultura Afro

1.2 O Egito: uma civilização de


africanos
ATIVIDADES
Compare o antigo
com o mais recente
mapa do continente
africano e, estabeleça
as diferenças quanto
à formação dos povos
africanos e sua geopo-
lítica.

◄ Figura 7: O continente
africano e seus
respectivos países
Fonte: www.suapes-
quisa.com. Acesso em:
08/02/2011

O Egito Antigo, classificado no contexto


dos grandes impérios e civilizações, não era de
fato apresentado, historiograficamente, como
civilização de africanos.
Era uma sociedade admirada pelos gre-
gos, conforme relatos do historiador Heródo-
to, e de estreitas relações comerciais com o
Império romano. Na sua capacidade de produ-
ção e desenvolvimento cultural, como têm re-
velado as pesquisas mais recentes, não teve o
devido reconhecimento, pela posição geográ-
fica que sempre ocupou em terras africanas.
Assim, aprendemos a falar do Egito en-
quanto uma grande civilização. Porém, enten-
dendo a África enquanto uma mescla de po- ◄ Figura 8: historiador
vos “primitivos” e “tribais” sem tradição e sem grego Heródoto
história. O Egito aparecia como uma civilização Fonte:www.curtahistoria-
fora da África. cef2.blogspot.com Acesso
em 25/01/2011

15
UAB/Unimontes - 6º Período


Figura 9: Tribo africana Estereótipos e preconceitos diversos foram construídos e consequentemente absorvidos
de Daomé (hoje Benin) por muitos. A tradição oral, forte característica dos povos africanos, não foi elemento de fácil
e os Daomeanos – compreensão por parte daqueles que tentaram interpretar as sociedades africanas.
século XIX
Embora contando com a existência do papiro, há centenas de anos, para registros diversos,
Fonte: www.torredahisto-
riaiberica.blogspot.com. a tradição oral sempre se constituiu como importante fator social e cultural não só da sociedade
Acesso em: 25/01/2011 egípcia, mas também dos vários povos espalhados pelo continente africano.

Figura 10: um dos mais ►


antigos diagramas de
Euclides matemático
grego.
Fonte: www.prof2000.
pt/users/miguel/histmat
Acesso em: 25/01/2011

As civilizações africanas às margens do Nilo deixaram grandes legados e descobertas como


os papiros médicos com descrição de diversos procedimentos, como o uso de óleos, anestésicos
e cicatrizantes.

Figura 11: Procedimento ►


cirúrgico no Egito
Fonte: www.2bp.blogspot.
com. Acesso: 10/02/2011

16
História - História da África e da Cultura Afro

Além de outros consideráveis avanços na química e na física. GLOSSÁRIO


O Papiro: é uma
planta muito comum
nas margens dos rios
da África. Foi usada
pelos egípcios depois
de transformada em
papel, para que os es-
cribas pudessem fazer
registros diversos.

◄ Figura 12: Papiro


cirúrgico de Edwin
Smith.
Fonte: www.dererummun-
di.blogspot.com. Acesso
em: 25/02/2011

É por essas e outras realizações, como as aplicações do ouro e da metalurgia em geral, não
só no Egito como em outras sociedades, que devemos repensar o lugar da África na História.

Figura 13:
transformação de
metais
Fonte: www.artistoria.files.
wordpress.com Acesso:
25/02/2011

17
UAB/Unimontes - 6º Período

1.3 Geografia histórica da África


Quando se pensa ou se fala em África, a assimilação deve ser obviamente, a de um conti-
nente e não de um país, como muitos costumam fazer referência.
Após passar por vários momentos históricos, consolidaram-se no continente africano várias
nacionalidades. Foram muitas as influências internas e externas, geradoras de inúmeros confli-
tos. Nesse processo a África influenciou e recebeu influências de importantes povos e nações,
como gregos e romanos.

Além dos gêneros alimentícios, o império romano retirou da África uma quan-
tidade enorme de animais selvagens, de escravos e de gladiadores para o exer-
cito, os palácios, os latifúndios e os jogos sanguinários do circo. No século XVI
começa a sinistra era do tráfico de negros. Finalmente, no século XIX assistimos
à consagração da dependência pela ocupação territorial e pela colonização.
(KI-ZERBO, 1982, P.756)

Essas e outras influências modificaram de forma considerável a geopolítica africana.

Figura14:Continente ►
africano após a
colonização européia.
(Mapa político atual)
Fonte: www.oguiageogra-
fico.wordpress.comoguia-
geografico.wordpress.
comoguiageografico.
wordpress.cwwwwwo-
guiageografico.wordpress.
com. Acesso: 24/01/2011

18
História - História da África e da Cultura Afro

1.4 A África Islâmica


ATIVIDADES
Pesquise sobre as
influências da cultura
muçulmana, no conti-
nente africano e, quais
foram os povos que
aderiram ao islamismo,
no continente.

◄ Figura 15: A inserção do


Islã na África
Fonte:www.2.bp.blo-
gspot.com.Acesso em:
02/02/2011

Iniciado na península arábica, o islamismo se estende por todo mediterrâneo, tornando-se


um império político-religioso de grandes proporções geográficas. Suas características expansio-
nistas são percebidas também pela sua inserção na África, ainda no século VII, através do Egito
pelos califas sucessores de Maomé.
Décadas depois, o norte da África assistia a outra fase de conquista Islâmica, imposta pelos
califas Omíadas. A habilidade comercial dos árabes islâmicos favorecia a ampliação do comércio
com outros povos.

◄ Figura 16: Expansão


do Islã
Fonte: civilizacoesafrica-
nas.blogspot.com
Acesso: 24/01/2011

19
UAB/Unimontes - 6º Período

Assim, caravanas circulavam por regiões africanas, ampliando as rotas comerciais no conti-
para refletir
nente africano e abrindo espaço para a inserção e a consolidação da fé islâmica.
O Califado Omíada: foi
uma dinastia Árabe- Nessas investidas islâmicas, o cristianismo perdia espaço no continente afri-
-muçulmana instituída cano. Espaços, até então, legitimados pelas conquistas do Império Romano.
a partir do ano 661. Du- No norte da África, a oeste do Egito, o cristianismo desapareceu aos poucos, de uma ma-
rou cerca de um século, neira pior. Sempre intrigou os historiadores que uma Igreja cuja vitalidade pode ser sen-
depois de expandir seu tida nos escritos de seus fundadores, como Tertuliano, Cipriano e Agostinho, tivesse se
império para a Ásia, Eu- extinguido como ‘aconteceu sob o islã. Parte da explicação pode se encontrar no fato de
ropa e norte da África que o processo de conquista islâmico foi mais demorado e destrutivo no norte da África
do que havia sido no Egito e na Síria (FLETCHER, 2004, P.52).

Ainda no norte da África encontrou resistência de vários povos. Mesmo diante dos inúme-
ros conflitos, estabeleceu-se e expandiu para outras regiões, conseguindo a adesão de grandes
contingentes populacionais. No Egito, apoderou-se do território fundando um califado que se
estendeu pelo território ainda nos primeiros séculos de conquista.

Figura 17: Expansão ►


do Islã
Fonte: civilizacoesafrica-
nas.blogspot.com
Acesso: 24/01/2011

Hoje se encontra espalhado por quase todos os países da África com números elevados de
crescimento.

1.5 Influências do Cristianismo

Figura 19:Sacerdote ►
paramentado.
Fonte: www.viajeaqui.
abril.com.br
Acesso em: 01/02/2011

20
História - História da África e da Cultura Afro

A formalização do cristianismo como religião oficial do Império Romano possibilitou a ex-


pansão dessa prática religiosa em todo território submetido. Foi assim que o cristianismo se es-
tabeleceu e ampliou o seu domínio no norte do continente africano ainda nos primeiros séculos
de sua história.

Várias regiões da África, tais como Etiópia, Marrocos, Núbia, dentre outras, experimentaram ▲
as práticas devocionais cristãs já no primeiro século do cristianismo, que partiu do Egito e ex- Figura 20: Implantação
pandiu-se por todo norte desse continente. do cristianismo
Com a expansão islâmica, o cristianismo perdeu forças a partir do século VII, ressurgindo Fonte: www.integral.br
nos séculos XV e XVI com as incursões portuguesas no continente africano. Acesso em 29/01/2011
Missionários Franciscanos, Dominicanos, Capuchinhos e Agostinianos colaboraram através
de várias missões cristãs no processo de colonização portuguesa.
À medida que a coroa portuguesa dominava a região costeira do continente, ia asseguran-
do à Igreja Católica a expansão nos domínios africanos,
◄ Figura 22: Santo
Elesbão
Fonte:www.jornalaga-
xeta.com.br. Acesso em
01/02/2011


Figura21: São Martin de Porres
Fonte:www.Jornalagaxeta.com.br. Acesso em 01/02/2011 21
UAB/Unimontes - 6º Período

desde o domínio das Ilhas Canárias no inicio do século XV, passando pela criação do Bispado em
São Tomé e Príncipe, em meados do século XVI até as reformas internas da coroa no século XVIII,
culminando no cerceamento do poder exercido pelas missões em possessões coloniais portu-
guesas.

Figura 23: Peregrinação ►


de cristãos em Uganda
Fonte:www.comshalom.
org.
Acesso em 23/01/2011

ATIVIDADES Não se pode deixar de considerar o contexto das influências de outros países europeus em
busca por rotas comerciais, que pudessem ampliar os seus mercados consumidores de produtos
Pesquise e organize industrializados. A Inglaterra influenciou de forma destacada nesse processo de disputas mer-
num quadro, diferen-
ciando as fases de ex- cantis
pansão do cristianismo A Europa igualmente influenciou na reorganização do espaço e da cultura africana. Primei-
no continente africano. ro, com a retirada e negociações de milhares de africanos para suprir a mão de obra em regiões
coloniais, sobretudo da America Portuguesa; segundo, pela ocupação realizada pelos vários pa-
íses europeus, que partilharam entre si territórios africanos segundo seus respectivos interesses.

PARA REFLETIR
1.6 Culturas partilhadas
Com o capitalismo em Em meados do século XIX, a França iniciou o processo de inserção para exploração e con-
franca expansão, ne- quista dos territórios africanos.
cessitando de matéria
prima, os países da A Inglaterra, a exemplo da França, adquiriu grandes porções de terras. Outros países como
Europa promoveram a Itália, Alemanha, Bélgica e Espanha também tiveram suas posses legalizadas.
ocupação do continen-
te africano, dividindo
entre si grandes exten-
sões territoriais, no que
ficou conhecido como,
partilha da África.

22
História - História da África e da Cultura Afro

◄ Figura24: Mapa da
partilha da África
Fonte : www. infoescola.
com
Acesso em 02/01/2011

A partilha para administração colonialista não considerou as diversas etnias existentes e os


seus respectivos territórios. Isso provocou e continua provocando ainda hoje sérios e sangrentos
conflitos entre os próprios africanos. Vários foram os interesses que refletiram o domínio colo-
nial. Além dos interesses políticos e religiosos, havia o fator econômico em função da necessida-
de de matéria-prima para abastecer a indústria e a ampliação do mercado consumidor europeu
pela elevada produção de bens de consumo.

Referências
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: USP, 1971.

FLETCHER, Richard. A Cruz e o Crescente: cristianismo e islã, de Maomé à Reforma. Rio de Janei-
ro: Nova Fronteira, 2004.

GIORDANI, Mário C. História da África. Petrópolis: Vozes, 1985.

KI-ZERBO, Joseph. (Org.). História Geral da África. São Paulo: Ática, 1982.

LEITE, Fábio. A Questão Ancestral. São Paulo: Palas Athena, 2008.

READER, John. África: biografia de um continente. Portugal: Europa-América, 2002.

23
História - História da África e da Cultura Afro

Unidade 2
Diáspora africana
A diáspora, entendida como a dispersão de senvolvimento e influência das mais variadas
milhares de africanos para os demais continen- e ricas práticas culturais em outras regiões. O
tes, constitui também num movimento interno Brasil, por exemplo, se caracterizou como uma
vivenciado pelos os povos africanos. Até mesmo das nações que mais se viu influenciada pela
em função das características dos povos nôma- cultura africana.
des que habitavam as regiões desérticas do con- Nesta unidade propõe-se discutir, a partir
tinente, sobretudo a região norte do continente. do movimento da diáspora, a diversidade de
Embora a diáspora interna seja uma ca- influências sofridas pelo Brasil com a chegada
racterística dos povos africanos, não podemos, de representantes de várias culturas africanas.
obviamente, justificar a saída forçada de mi- Para nortear melhor as discussões, propomos
lhões de africanos. Estes, com seu suor e san- cinco tópicos:
gue, contribuíram enormemente na constituição 2.1- Os Grupos Influenciadores da Cultura
das nações do continente americano, servindo Brasileira
de sustentáculo ao domínio econômico e ao en- 2.2 - A Escravização do Índio e do Negro
riquecimento de muitos países da Europa. 2.3 - Escravidão e Resistência Negra no Brasil.
Esse movimento forçado e de grande 2.4 - O Abolicionismo
contingente de africanos, possibilitou o de- 2.5 - A cultura Afro-Brasileira

2.1 Os grupos influenciadores da


cultura brasileira
Como já foi discutida por vários autores, a formação da cultura brasileira se deu a partir da ATIVIDADES
junção de povos diferentes, nas suas respectivas experiências culturas, com destaque para a eu-
Organize um quadro
ropéia, a indígena e a africana (FREYRE, 1998). Diante de tal contexto é que devemos buscar as
estabelecendo as dife-
possibilidades de localização dos grupos influenciadores da cultura brasileira. Nesse panorama, renças, entre os grupos
no qual acontecem profundas trocas culturais, se inserem os grupos africanos. étnicos africanos que
influenciara na forma-
ção cultural do Brasil.

◄ Figura25: Rota do
tráfico negreiro
Fonte :florao-da-america.
blogspot.com
Acesso em 10/02-2011

25
UAB/Unimontes - 6º Período

Como se sabe várias etnias com suas práticas culturais diferenciadas compuseram o elemen-
to humano do continente africano. Assim, além das práticas inerentes ao povo africano, havia
também práticas culturais oriundas de povos cristãos mundo árabe-islâmico. Devido a lutas tri-
bais existentes até então na África (século XV), muitos africanos de localidades e culturas diversas
foram vendidos e escravizados para alimentar o lucrativo tráfico negreiro realizado pelos euro-
peus (IGLESIAS, 1993).
Nesse período, os negros africanos escravizados foram recebidos aos milhares no Brasil, pois
a colonização brasileira necessitava das qualificações existentes nesses elementos escravizados.

Figura26: Etnias ►
africanas: (1) Angola, (2)
Congo, (3) Bengüela, (4)
Monjolo, (5) Cabinda,
(6) Quiloa, (7) Rebolo,
(8) e (9) Moçambique,
(10 ) Mina. As etnias
de 1-5 e 7 são da África
central, 8-9 são do
sudeste africano e 10 é
da África ocidental
Fonte: www.cienciahoje.
uol.br
Acesso em 24/01/2011

No contexto da chegada dos africanos no Brasil, sabe-se que os primeiros grupos eram “ori-
ginários do litoral oeste da África, da região chamada Costa de Escravos” (CAMARGO, 1973, p.
164). Esse primeiro grupo era conhecido como sudaneses.

As civilizações sudanesas representadas especialmente pelos iorubá (nagô, ije-


xá, egbá, ketu, etc.), pelos daomeanos do grupo gege (ewe, fon...) e pelo Grupo
fanti-axanti chamado na época colonial mina, enfim pelos grupos menores dos
krumans, agni, zema, timini. (BASTIDE, 1971, p. 67).
PARA REFLETIR
Colônia portuguesa de Seu número era extenso e sua localização se concentrava mais a costa setentrional do Gol-
1446 a 1974, a Guiné fo da Guiné. Mais tarde, “com a intensificação do tráfico negreiro e a crescente necessidade de
portuguesa, hoje, mão-de-obra, o comércio de escravo atinge a região centro-oeste do continente africano” (CA-
Guiné Bissau, foi um
dos maiores mercados MARGO, 1973, p.164), esses novos elementos foram chamados de bantos. Esses eram encontra-
de escravos no período dos principalmente na região do congo, do Golfo da Guiné e de Angola. Porém, em relação aos
auge da colonização. sudaneses, os bantos eram menores numericamente.

◄ Figura 27: Indivíduos de


cinco noções da etnia
bantos.
Fonte: www.brevescafe.
oi.com.br/trafico
Acesso em 24/01/2011

26
História - História da África e da Cultura Afro

Além dos sudaneses e bantos, vieram também para o Brasil os hamitas, os berberes, os fu- PARA REFLETIR
los e povos da África oriental. Além dessas outras levas de escravos pouco conhecida, também
foram trazidos para as terras brasileiras os fula-fulos “provenientes da Senegâmbia, Guiné Portu- A Revolta dos Malês:
foi um movimento
guesa e costas adjacentes” (FREYRE, 1998, p. 302). revoltoso que ocorreu
Os diversos povos africanos foram separados estrategicamente para que a concretização da em Salvador no ano
colonização fosse “mais segura”. Conforme Bastide, já na África: de 1835, liderados por
negros islamizados.
Os negreiros operavam uma primeira seleção nesse gado humano que vivia Protestavam contra a
nos casebres de tábua, os pés carregados de pesados ferros, os ombros marca- discriminação racial,
dos por ferro em brasa. Recusavam-se a comprar indivíduos por lotes. Olhavam religiosa e social. Os
detidamente os dentes, os olhos, os braços e as pernas, os órgãos sexuais para negros muçulmanos
averiguar a força dos escravos, sua saúde, seu poder de reprodução, e esta se- ou malês foram proibi-
leção fazia que no navio a heterogeneidade étnica fosse ainda mais incitada, dos de circular à noite.
uma vez que os lotes se achavam fragmentados em indivíduos. (BASTIDE, 1971,
p.65).

Nesse sentido, os bantos, sudaneses e outros que iam chegando eram enviados para as mais
diferentes regiões do território brasileiro. Contudo, a distância que os separava da África não im-
pediu que os mesmos expressassem sua cultura, revivendo importantes tradições e reinventan-
do seu mundo simbólico de práticas e crenças que acabou influenciando a cultura brasileira e se
consolidando no universo do catolicismo.
Nesse enfoque, percebe-se que os bantos eram considerados um povo inferior culturalmen-
te. Assim mostra Freyre, ao transmitir o pensamento, com respeito aos escravos no Brasil no sé-
culo XIX, dizendo que aqueles oriundos de Angola eram pouco propensos a uma cultura mais Figura 28: captura
refinada. Eram “tão robustos que nenhum trabalho os cansa” (FREYRE, 1998, p. 301). de africanos para o
Em relação aos escravos bantos advindos da Guiné, Cabo e Serra Leoa, Freyre considera que mercado de escravos.
os mesmos eram “maus escravos, porém, bonitos de corpo. Principalmente as mulheres. Daí se- Fonte: www.achetudoe-
regiao.com.br. Acesso em
rem as preferidas para os serviços domésticos; para o trabalho das casas-grandes” (FREYRE, 1998, 24/01/2011
p. 301). ▼

27
UAB/Unimontes - 6º Período

ATIVIDADES Já os sudaneses eram conhecidos por apresentarem uma cultura superior aos demais ne-
gros. Seu vestuário, fala e comportamento eram diferentes sem falar do seu nível educacional,
Identifique em textos
sobre a história do Bra-
principalmente, os de cultura islâmica.
sil colônia, revoltas que
tiveram a participação Importaram-se para o Brasil, da área mais penetrada pelo Islamismo, negros
de negros africanos e/ maometanos de cultura superior não só à dos indígenas como à da grande
ou afro-descendentes. maioria dos colonos brancos- portugueses e filhos de portugueses quase sem
instrução nenhuma, analfabetos uns, semi-analfabetos na maior parte (FREYRE,
1998, p. 299).

A superioridade sudanesa não pode ser explicada por uma questão genética, mas por ou-
tros fatores, tais como os estruturais, pois a região onde se encontrava esse povo era mais evo-
luída política e economicamente. Somando-se a isso, se sabe também que grande parte desses
escravos recebeu influência islâmica. Esta religião praticamente obrigava seu seguidor a ter pelo
menos uma educação básica (saber ler), já que faz parte da religiosidade a leitura dos escritos
sagrados muçulmanos.
Esta superioridade sudanesa foi reconhecida por diversos pesquisadores e percebida, so-
bretudo, na revolta do Malês na Bahia. O desenvolvimento de algumas regiões da África possibi-
litou a muitos escravizados exercerem suas experiências nas regiões coloniais.
No caso do Brasil:

Vieram-lhe da África “donas de casa” para seus colonos sem mulher branca;
técnicos para as minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de
GLOSSÁRIO gado e na indústria pastoril; comerciantes de panos e sabão; mestres, sacerdo-
tes e tiradores de reza maometanos (FREYRE, 1998, p. 308).
O Candomblé: é uma
religião afro-brasileira
Em relação aos dois principais grupos de escravos que vieram para o Brasil podemos perce-
que cultua as forças da
natureza (Orixás). Mes- ber que vários traços culturais oriundos desses passaram a influenciar a cultura brasileira como
mo discriminados des- um todo. Nesse sentido, nota-se o quanto os bantos influenciaram a cultura brasileira com o can-
de os tempos coloniais, domblé, a macumba e alguns cantos religiosos em língua portuguesa. Já os sudaneses contribuí-
africanos vindos para ram para o estabelecimento do candomblé mais tradicional, em especial, na formação da cultura
o Brasil reorganizaram
afro-brasileira (KAVINAFÉ, 2009).
parte da sua experiên-
cia religiosa, através do
Candomblé.

Macumba: é um temo
de várias acepções.
É um instrumento
musical de origem
africana. É também, um
termo usado para fazer
referência às religiões
de matriz afro como, o
Candomblé e a Umban-
da.

▲ ▲
Figura 29: Orixás Figura 30: Ritual de
Fonte: www.94fm.com.br Umbanda
Acesso em 24/01/ 2011 Fonte: 94fm. Com.br
Acesso em 24/01/2011

Dentre as influências das duas principais correntes de escravos africanos, podemos citar
também as crenças místicas, principalmente as relacionadas à sexualidade, no sentido de assimi-
lar tais práticas com o ocultismo.

28
História - História da África e da Cultura Afro

No caso dos negros escravos e forros, sua difícil condição de sobrevivência era GLOSSÁRIO
de algum modo compensada com a prática da feitiçaria. Detentores de sabe-
res “mágicos”, a fama pública fazia-os requisitados também por brancos, o que Tambor de Crioula:
geralmente elevava seu “status” em sua própria comunidade e possibilitava, é uma manifestação
através das curas, feitiços amorosos e confecção das mandingas, a obtenção cultural de matriz
de ganhos materiais não só em dinheiro, mas ainda em gêneros. (CALAINHO, africana, tradicional no
2008, p.109). estado do Maranhão.
Típica manifestação da
Além da religiosidade e das crendices populares, os negros bantos e sudaneses, ainda que cultura afro-brasileira.
de forma diferenciada, contribuíram para a realização dos primeiros batuques de carnaval, para
a forma muitas vezes despojada de vestir e para a prática da exposição corporal do brasileiro. Po-
rém, uma das principais contribuições dos citados grupos de escravos foi na área da lingüística.
Os bantos foram o principal grupo a influenciar a língua portuguesa falada no Brasil, enquanto
que os sudaneses contribuíram com o tão conhecido iorubá (CASTRO, 2001).
Diante de tal contexto, nota-se que, apesar da preponderância numérica dos sudaneses em
relação aos bantos em termos de influência cultural, não há superioridade alguma entre estes,
mas complementaridade. Sendo assim, é importante olhar para os dois grupos como uma matriz
de influências para a formação cultural brasileira.
Ao interpretar a cultura e os ritos africanos, é salutar fazer referência a um dos mais repre-
sentativos símbolos da cultura africana: Os tambores.


Revestidos de sentidos e significados que somente o sentimento mais profundo, fio condu-
tor que interliga as margens atlânticas através da memória e, portanto, da identidade com afini- Figura 32: Tambor de
Crioula: Manifestação
dades ancestrais, é capaz de interpretar. cultural do Maranhão
Este símbolo de imponência mística e sagrada assegura muito mais que elementos natu- Fonte: www.caravanacul-
rais. O sobrenatural tem ali profundas representações ancestrais. Estão em conexão intrínseca tural.zip.net. Acesso em
com os ritos, a musicalidade e aos frenéticos sentidos corporais, expressados por aqueles que 24/01/2011
descendem de tão rica cultura.

29
UAB/Unimontes - 6º Período

ATIVIDADES
Procure informações
sobre o Tambor de
Crioula, seu rito, sím-
bolos e a importância
dessa importante ma-
nifestação cultural.

Figura 33:Tambor de ►
Crioula: manifestação
cultural do Maranhão
Fonte:www.caravanacul-
tural.zip.net. Acesso em
24/01/2011

No Brasil, esses traços são fortemente representativos. Mesmo islamizados, vários negros
que compunham o considerável contingente de escravos, apesar dos limites impostos pelas re-
gras gerais da colonização, souberam dar vida à sua expressividade cultural fora da África. Resis-
tiram com o seu poder de recriação e enfrentamento às forças dominantes.
Nesse caso, podemos perceber a tentativa de recriação do mundo através da ressignificação
dos elementos simbólicos, através dos quais podemos atestar o sentido da cultura e da identida-
de afro-brasileira.

2.2 A escravização do índio e do


negro no Brasil
PARA REFLETIR A colonização brasileira diferentemente da Norte-Americana caracterizou-se pelo regime
Devido a acordos eco- de exploração e deve ser entendida sob o viés das necessidades econômicas européias. Nesse
nômicos entre Portugal sentido, o Brasil configurou em um dos principais pontos de apoio para a movimentação finan-
e Inglaterra, as riquezas ceira de Portugal, mas principalmente da Inglaterra.
que saíram do Brasil,
Para a efetivação da exploração colonial foi necessário o uso de mão-de-obra escrava. No
serviram para impulsio-
nar a economia inglesa, entanto, distintamente das treze colônias da América do Norte, em que o próprio colono traba-
gerando capital para lhava, aqui se usou o trabalho escravo, primeiramente do nativo e, em seguida, do negro africano.
realização da Revolu-
ção Industrial

30
História - História da África e da Cultura Afro

◄ Figura34 : Trabalho
escravo no Brasil
Fonte:WWW.professorjosi-
mar.blogspot.com. Acesso
em 24/01/2011

Nesse sentido, Francisco Iglesias entende que a escravização dos índios se deu quando os
portugueses efetivamente passaram a mostrar interesse pelas terras brasileiras em vista do imi-
nente perigo francês (IGLESIAS, 1993).

◄ Figura35 : Trabalho
escravo no Brasil
Colonial.
Fonte :wwwprofessorjosi-
mar.blogspot.com. Acesso
em 24/01/2011

O uso dos nativos nas atividades da colônia foi limitado, por não conseguirem realizar as
tarefas propostas de acordo com as necessidades de sustentação do sistema colonial. O ideal de
lucro não fazia parte das atividades costumeiras do nativo brasileiro.

Os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e regu-


lar e mais ainda compulsório, como pretendido pelos europeus. Não eram va-
dios ou preguiçosos. Apenas faziam o necessário para garantir sua subsistên-
cia, o que não era difícil em uma época de peixes abundantes, frutas e animais.
(FAUSTO, 2002, p.49)

Somando-se a isso, havia também a questão do clima e da vegetação, favorável ao “ócio”, ATIVIDADES
visto que tais elementos propiciavam uma grande diversidade na flora e na fauna e, assim, as ne-
Pesquisar sobre a
cessidades dos índios eram supridas por produtos naturais sem muita necessidade de execução chegada e organização
de trabalho árduo. Porém, isso não era a regra entre os nativos, pois havia tribos mais avançadas das bases coloniais
que viviam da “caça, pesca cultura de mandioca, tabaco e coca, e em menor extensão de milho, portuguesas na África,
inhame ou cará, jerimum, pimenta” (FREYRE, 1998, p. 96). no século XV.

31
UAB/Unimontes - 6º Período

Como se percebe, a agricultura já era conhecida por várias tribos indígenas. Tendo em vis-
ta a familiaridade indígena com a atividade agrícola, foram estes tentados à atividade agrícola
colonial por tal experiência. Contudo, os portugueses perceberam que, ao somar os elementos
prós e contra a escravização dos nativos, a empreitada não se configurava tão lucrativa e por isso
optou pelo uso do escravo africano, que já atuava em algumas colônias portuguesas na costa
africana e nas ilhas do Atlântico. Porém,

[...] A história da ocupação das ilhas do atlântico é bem diferente do que ocor-
reu na África. Nelas os portugueses realizaram experiências significativas de
plantio em grande escala, empregando o trabalho escravo. Após disputar com
os espanhóis e perder para eles a posse das Ilhas Canárias, conseguiram se im-
plantar nas outras ilhas: na Madeira, por volta de 1420, nos Açores, em torno de
1427, nas Ilhas de Cabo Verde, em 1460, e na de São Tomé, em 1471 (FAUSTO,
2002, p.29).

PARA REFLETIR Além das qualidades técnicas dos africanos, havia o fator da lucratividade obtida no tráfi-
co negreiro (NOVAIS, 2001). O mesmo não ocorria com os índios brasileiros que já eram nativos.
Os Jesuítas, assim
como outras ordens Assim, o negro passou a ser o principal braço de trabalho na colônia. Contudo, nem todos os
religiosas, foram braço colonos brasileiros tinham condições de comprar escravos, a exemplo de grande parte dos pau-
direito da coroa por- listas que fizeram do apresamento e da escravização do nativo, uma das suas principais fontes de
tuguesa na conquista renda até meados do século XVIII (MACHADO, 1972).
e colonização da costa Esse tipo de relação na colônia assinala para a continuidade do uso da mão-de-obra escrava
africana a partir do
século XV. A inserção indígena no Brasil mesmo que em menor proporção em relação ao escravo negro.
da ideologia cristã, nas Ao contrário do que ocorreu com o negro, a escravização do indígena teve um menor espa-
possessões portu- ço de tempo no Brasil. Sabe-se que a escravização do indígena foi condenada pela Igreja, porém,
guesas, contribuía de usada pelos missionários católicos, na fundação e organização de comunidades em toda exten-
forma significativa na são colonial.
expansão da empresa
colonial

Figura 36: Padres José ►


de Anchieta e Manoel
da Nóbrega num
encontro com índios
Tamoios
Fonte: www.imagenshisto-
ricas.blogspot.com
Acesso: 30/12/2010

Foi importante para a Igreja Católica reco- negros eram resgatados da ignorância em que
nhecê-los como possuidores de alma, porque, viviam” (VIOTTI da COSTA, 1982, p. 17).
sendo passíveis de cristianização, poderiam Dessa forma, a conversão do negro con-
ser convertidos e educados no sistema cristão. figurava tão somente como uma forma de le-
O clero católico, sobretudo os jesuítas, foi bem gitimação para sua escravização. Sendo assim,
atuante no processo de conversão dos nativos. podemos perceber que a Igreja foi um fator
Ao contrário do que parece, a religião foi adjetivo e não substantivo para a não escravi-
o fator primordial que levou à libertação dos zação do nativo. Isto é, outros interesses, prin-
índios, pois o reconhecimento de “alma” no cipalmente internacionais, se mostraram mais
silvícola ajudou para que este não fosse escra- prementes no processo de escravidão do ne-
vizado. O mesmo não aconteceu com o negro, gro e libertação do nativo no século XVIII.
visto que “muitos chegavam a justificar a es- Boris Fausto relaciona vários fatores ao
cravidão, argumentando que graças a ela os tratar da escravização do índio e do negro.

32
História - História da África e da Cultura Afro

Para o autor: PARA REFLETIR


As ordens religiosas tiveram o mérito de tentar proteger os índios da escravi-
dão imposta pelos colonos, nascendo daí inúmeros atritos entre colonos e pa- Adam Smith: filósofo
dres. Mas estes não tinham também qualquer respeito pela cultura indígena. e economista, semeou
Ao contrário, para eles chegava a ser duvidoso que os índios fossem pessoas. Pa- idéias de grande influ-
dre Manoel da Nóbrega, por exemplo, dizia que “índios são cães em se comerem ência no século XVIII.
e matarem, e são porcos nos vícios e na maneira de se tratarem”. (2002, p.49). Sua teoria colaborou
no desenvolvimen-
to do capitalismo. É
Acerca da escravidão no Brasil, Fernan- era livre, e, portanto, não consumia. Con-
considerado o pai do
do Novais observa que o tráfico negreiro se sequentemente não gerava lucro para tais liberalismo.
mostrava lucrativo para as classes burguesas classes (NOVAIS, 2001).
européias, pois estas lucravam tanto na Áfri- Nesse panorama o que se vê é que vários
ca como na América, sobretudo com a venda fatores influenciaram na efetivação da escravi-
do negro, figura o comércio de escravos, mas dão no Brasil e, ao mesmo tempo, vários fato-
o mesmo não podia ser feito com respeito res também influenciaram no fim dessas rela-
ao índio brasileiro em vista de dificuldade de ções escravocratas no Brasil.
adaptabilidade cultural e biológica com as de- Esses fatores devem ser considerados no
mais civilizações.Ou seja, era difícil apresá-los contexto histórico a que pertencem. O mes-
e vendê-los. Somando-se a isso, se sabe que mo contexto que influenciou a colonização
em um momento posterior o tráfico passou a portuguesa, o tráfico e o uso da mão-de-obra
ser visto como prejuízo pelas mesmas classes escrava. Tais questões configuram-se como
burguesas influenciadas pelas ideias liberais reflexos do plano internacional de expansão
de Adam Smith, que entendia a escravidão europeia na busca de riquezas através da dis-
como algo oneroso, pois o escravizado não puta e ampliação de mercado consumidor.

2.3 Escravidão e resistência negra


no Brasil
O Brasil foi um dos últimos países a abolir e aportes metodológicos possibilitaram novas ATIVIDADES
a escravidão na América. Por mais de trezentos visões e interpretações que muito acrescen- Assistir, analisar e
anos, grande contingente de africanos represen- taram no entendimento das relações escra- relacionar pontos im-
tou a mola mestra do desenvolvimento colonial. vistas no Brasil. portantes do filme, “O
Pagador de Promessas”,
Correntes historiográficas de diferentes A partir do campo cultural, vê-se um le- e, criar um espaço de
tendências procuraram atender aos interesses que de situações possíveis de interpretação, debate sobre o sincre-
das classes dominantes no Brasil relegando trazendo no bojo da história, novas e impor- tismo no Brasil.
por muito tempo um papel passivo do negro tantes informações acerca da sociedade bra-
frente à escravidão (IGLESIAS, 1993). sileira. A questão da resistência do negro na
Nesse contexto podemos citar, mesmo sociedade escravocrata é uma dessas impor-
que indiretamente, Gilberto Freyre (1998), que tantes informações e análises da historiografia
trata da postura do negro na sociedade colo- revisionista, que apresenta novas ferramentas,
nial brasileira quase que de forma complacen- teóricas e metodológicas para interpretação
te com a escravidão. Porém, as novas leituras da história.

◄ Figura 37: Jogo de


capoeira num cais da
Bahia.
Fonte: www.portalda-
capoeira.comAcesso:
25/02/2011

33
UAB/Unimontes - 6º Período

2.4 A religiosidade como forma de


resistência
No contexto colonial, aconteceram muitos conflitos envolvendo senhores e escravos. Os ne-
gros encontravam formas diversas de resistência frente ao jugo imposto pelos seus senhores.
No Engenho de Santana, em Ilhéus no século XVIII, por exemplo, estourou uma rebelião es-
crava que buscava melhorias nas condições de trabalho. Nesse levante, o supervisor dos escravos
foi morto e os negros impuseram para os seus senhores várias condições para se entregarem,
entre elas podemos destacar,

[...] folga nas sextas e sábados, mais tempo para dedicar aos seus lotes de terra
e ao cultivo de suas hortas, transporte para levar seus produtos ao mercado,
tratamento especial para as mulheres (menos tempo na lida) e até o controle
do engenho, além de recusar certas tarefas tidas como sujas, que deveriam ser
delegadas aos pretos mina. (DEURSEN, 2009, p.32).

ATIVIDADES Junto a tal episódio na Bahia, típico de resistência em Pernambuco, vários outros levantes
Pesquise na obra “Casa que também procuraram resistir a dominação, entre estes podemos destacar, o movimento polí-
Grande e Senzala” de tico-religioso do crioulo protestante, Agostinho José Pereira, que criou a Seita do divino Mestre.
Gilberto Freyre, passa-
gens em que o autor
Tal seita angariou muitos adeptos no Recife em meados do século XIX. Caracterizava-se por uma
sugere a passividade ideologia religiosa mais liberal principalmente com respeito aos negros, pois
do negro, diante da im-
posição da escravidão. [...] Seguindo o princípio da livre interpretação das escrituras, o pregador negro
Grande e Senzala” de identificava-se com os seus fiéis, pois recriava o cristianismo dentro da pers-
Gilberto Freyre, passa- pectiva do escravo, ao enfatizar as passagens que falavam da libertação do ca-
gens em que o autor tiveiro. A própria Bíblia tornava-se um instrumento de resistência e não de con-
sugere a passividade formismo. A partir das escrituras ficava também demonstrada a superioridade
do negro, diante da im- moral do negro sobre o branco, afogado no pecado de escravizar o próximo
posição da escravidão. (CARVALHO, 1998, p. 4).

No período colonial, a resistência negra se deu de várias formas, porém, esta pode ser nota-
da com mais constância na área religiosa, pois a religião católica, além de legitimar a escravidão,
servia para a manutenção da estrutura dominante. Assim, muitos escravos procuravam pactuar
com o diabo indo de encontro ao sistema vigente. Nesse enfoque,

[...] As supostas relações com o Diabo eram um refúgio para as mazelas sofridas
pelos escravos. Clamavam por ele em momentos de raiva e desespero, o que
em alguns casos se configurava como um pacto explícito. Nas condições em
que viviam, a figura do Demônio aparecia como aplacadora de castigos, auxi-
liar de tarefas e consolo para a inquietação vivificada pelos africanos no Reino
(CALAINHO, 2008, p. 241-242).

A religião, além de servir como instrumento direto de resistência, serviu também como me-
canismo indireto de luta dos escravos contra seus senhores. Dessa forma, os negros tinham a es-
perança de se vingarem de seus opressores principalmente em meio a visitações do Santo Ofício.
Porém, esse caso não era a regra, pois comumente eram os escravos perseguidos pela Inquisição
que, por muitas vezes, recorriam a feitiços e mandingas com intenções de até mesmo matar seus
senhores em uma clara postura de resistência à escravidão (MELLO e SOUZA, 1986).

Adoecer os senhores e provocar-lhes um mal mais direto eram ações que tam-
bém compunham o leque de manifestações dos escravos, embora seja impor-
tante frisar que a feitiçaria praticada por eles em Portugal – e também no Bra-
sil – não visava uma oposição frontal e direta ao sistema escravista, encetando
rebeliões ou mesmo libertação, fosse violentamente, fosse pela via da alforria.
Estava em jogo sobretudo uma questão de sobrevivência, muito mais do que
propriamente uma resistência frontal ao sistema.(CALAINHO,2008,p.107).

Como se vê, a escravidão, embora tendo sido imposta com todo vigor no Brasil, não foi acei-
ta com passividade pelos negros. Não há como negar que os escravos resistiram de diversas for-
mas à situação em que se encontravam. Tanto em luta direta como no embate indireto contra
seus agressores, como por exemplo, através da religião.
34
História - História da África e da Cultura Afro

Como um exemplo básico da resistência negra na sociedade colonial, podemos destacar os


elementos de continuidade cultural em que os negros escravizados relegaram à sociedade brasi-
leira além das últimas tendências de afirmação da identidade negra na sociedade brasileira (FER-
REIRA, 2004).

2.5 O Abolicionismo
A escravidão, que vigorou no Brasil do século XVI ao XIX, foi a última a ser abolida no oci- ATIVIDADES
dente. O fim desta instituição se deu nos anos finais do século XIX (1888) com o decreto de liber-
Faça uma breve discus-
tação assinado pela princesa Izabel. são sobre a abolição
da escravidão no
Brasil, considerando o
contexto de expansão
econômica européia

◄ Figura 38: Documento


que torna extinta a
escravidão do negro no
território brasileiro.
Fonte: www.portalsao-
francisco.com.br
Acesso: 01/02/2011

Depois da abolição consumada, a histo- Em linhas gerais, podemos dizer que o


riografia tradicional transformou a regente do abolicionismo foi um movimento político e
trono imperial brasileiro em uma espécie de cultural que influenciou a sociedade brasileira,
heroína, salvadora dos escravizados. de meados do século XIX até as décadas finais
Considera-se, portanto, que, em história, daquele século, na luta contra o regime de es-
a explicação dos fatos não se dá de forma tão cravidão. De acordo com Joaquim Nabuco, o
simplista. É necessário entender os fatos no abolicionismo pode ser entendido como uma
contexto em que ocorreram, considerando os forma de protesto contra a escravidão e “con-
elementos a eles subjacentes. Nesse sentido, tra o expediente de entregar à morte a solu-
é que se insere o abolicionismo. A promulga- ção de um problema que não é só de justiça e
ção da libertação dos escravizados está direta- consciência moral, mas também de previdên-
mente ligada a tal movimento. cia política” (NABUCO, 2000, p. 4).

35
UAB/Unimontes - 6º Período

vez mais dependente dessa potência, tanto que,


nos tratados comerciais de 1810 entre as cláusulas
contratuais, previa-se o fim do tráfico negreiro que,
por sua vez, alimentava a escravidão.
Em 1822, o Brasil proclama sua indepen-
dência de Portugal, enquanto que, ao mesmo
tempo, consolidava sua dependência da Ingla-
terra. Assim, o Brasil teve que se submeter aos
ditames ingleses observados principalmente
na questão do tráfico negreiro, pois “para o re-
conhecimento da independência, em 1826, In-
glaterra e Brasil concordavam com a existência
do tráfico só até 1830” (IGLESIAS, 1993, p. 177).
Contemporâneo a esse período, José
Bonifácio já criticava tanto o tráfico negreiro
como a escravidão. Para Bonifácio, tais práticas
configuravam em elemento de atraso do
Brasil em relação aos demais países. Para
ele “era impossível ter uma constituição
duradoura num país em que a grande parte da
população era escravizada” (VIOTTI DA COSTA,
1986, p. 20). Juntamente a Bonifácio, havia
alguns elementos simpatizantes do partido
liberal. Mas de pouca ascensão social.
Mesmo o tráfico negreiro sendo critica-
do pela principal potencia internacional e por
parte da sociedade brasileira, os interesses das
oligarquias prevaleceram e o tráfico e a insti-
▲ Não podemos entender o movimen- tuição desumana continuou.
Figura 39: Joaquim
to abolicionista desvinculado dos aconte- Até esse momento não se podia falar da
Nabuco
cimentos do século XIX. Nesse período a existência de um movimento abolicionista,
Fonte:www.portalsaofran-
cisco.com.br. Acesso em Inglaterra, consolidara sua hegemonia mas somente algumas críticas esporádicas à
24/01/2011 econômica. Ademais, mostrou-se como o escravidão. A formação do movimento abo-
principal protetor de Portugal durante as licionista só se deu a partir de 1850 com a lei
guerras napoleônicas (NOVAIS, 2001) Eusébio de Queiroz, oriunda da pressão ingle-
Concomitante a isso, o Brasil tornava-se cada sa. Conforme a citada lei,

[...] a importação de escravos foi considerada ato de pirataria e como tal deve-
ria ser punida. As embarcações envolvidas no comércio ilícito seriam vendidas
com toda a carga encontrada a bordo, sendo seu produto entregue aos apre-
sadores, deduzido um quarto para o denunciante. Os escravos apreendidos
seriam reexportados, por conta do governo, para os portos de origem ou qual-
quer outro porto fora do império (VIOTTI DA COSTA, 1986, p. 28).
ATIVIDADES
Procure se informar so- Após a promulgação dessa lei, gradativa- mitante a isso, se sabe que nesse momento a
bre quais eram, o perfil mente o tráfico foi sendo abolido. Contudo, sociedade brasileira passava por várias trans-
e o que defendiam os vários mecanismos foram inventados para formações, como crescimento das cidades e
abolicionistas.
burlar o sistema de fiscalização enquanto do trabalho livre, assim como a implantação
que as autoridades brasileiras se mostravam de algumas fábricas, mesmo que insipientes
cada vez mais apáticas com a questão da fis- (PRADO JR,2007).
calização. Tal apatia levou algumas pessoas A mudança a que passava a sociedade
que não simpatizavam com a relação escra- brasileira, em tal ocasião, era patente a todos.
vista na sociedade brasileira a iniciarem o Da literatura, as críticas à escravidão passaram
movimento abolicionista. para o meio político. Nesse contexto, uma ala do
Na crítica à escravidão, alguns escritores, partido liberal mostrou-se crítica à escravidão e
tais como, Gonçalves Dias – “A Escrava”, José favorável à abolição (VIOTTI DA COSTA, 1986).
de Alencar – “O Demônio Familiar”, Joaquim Em contrapartida, nos meios políticos,
Manoel de Macedo – “Vítimas e Algozes”, den- a guerra do Paraguai fez calar o eco contra a
tre outros, se destacaram pela forma como escravidão, mas, se por um lado a guerra cha-
faziam referência ao sistema vigente. Conco- mou toda a atenção para si, o fim desta fez

36
História - História da África e da Cultura Afro

chamar a atenção para os negros, pois foram relações com os senhores” (IGLESIAS, 1993, p. 178). ATIVIDADES
estes que substituíram os filhos dos brancos Como se vê, de acordo com o teor da lei Destaque a importân-
na campanha da guerra. em questão, os senhores de escravos conti- cia de Joaquim Nabuco
Ao fim da guerra, “cresce a onda favorá- nuariam a explorar seus escravos por mais de durante o movimento
vel à extinção de escravatura” (IGLESIAS, 1993, vinte anos, impedindo, assim, um regime de abolicionista
p. 178). Isto é, depois da guerra, o número de pretensa igualdade no Brasil.
críticos à escravidão aumentou motivado, As décadas de 1870 e 1880 foram impor-
principalmente, por um número crescente de tantes para a questão antiescravista no Brasil,
jornais, associações e profissionais liberais di- especialmente para o movimento abolicio-
versos, que simpatizavam com o movimento nista, pois aumentaram a pressão internacio-
abolicionista e que não concordavam com o nal para o fim da escravidão, o trabalho livre
tal sistema indigno. cresceu potencialmente no Brasil com a vinda
No panorama das pressões que se se- de imigrantes, muitos deles italianos. O trans-
guiam no dia 28 de setembro de 1871, promul- porte passou a se modernizar, sobretudo, com
ga-se a lei do ventre livre. Esta lei declarava a expansão das linhas férreas além do cresci-
livres todos os filhos de escravos nascidos de- mento das reivindicações nas cidades contra o
pois da sua aprovação e trazia consigo algu- regime escravocrata.
mas normas a serem observadas com respeito a

◄ Figura 40: Barão de


Cotegipe
Fonte: www. portalsao-
francisco.com.br
Acesso em 24/01/2011

Indo de encontro às rápidas mudanças sociais aqui observadas no plano político, o impera-
dor procurou retroceder substituindo o ministério liberal de Souza Dantas pelo conservador do
Barão de Cotegipe.
Essa jogada política atrapalhou os planos dos abolicionistas que eram em sua maioria libe-
rais que, por sua vez, saíram da cena política por alguns anos.
Nesse sentido, as jogadas políticas não puderam calar a opinião pública visto que,

[...] A abolição passara a ser uma causa nobre; a defesa da escravidão, odiosa.
Alistar-se nas fileiras do abolicionismo era também combater as oligarquias
que se apegavam à escravidão. Para uns, a abolição era uma convicção; para
outros, um expediente (ou talvez ambos) e, cada vez mais, as fileiras do aboli-
cionismo recebiam novos recrutas (COSTA, 1982, p.63).
37
UAB/Unimontes - 6º Período

Nesse clima efervescente de luta contra a escravidão, o movimento abolicionista teve papel
preponderante na aprovação da lei dos sexagenários no ano de 1885. De acordo com esta, os es-
cravos com mais de 65 anos foram libertos. Essa legislação foi uma vitória dos abolicionistas. De
teor paliativo, a lei se mostrava oportunista, visto que servia para protelar mais uma vez o regi-
me, já que escravos com essa idade não apresentavam muitos lucros, mas, sim, prejuízos, devido
aos custos da sua manutenção.


Figura 41: Propaganda
abolicionista
Fonte: www.soteropolita-
nosculturaafro.wordpress.
com
Acesso em 24/01/2011

Figura 42: Luiz Gama ►


Fonte: www.historiabr-
sileira.com. Acesso em
24/01/2011

38
História - História da África e da Cultura Afro

◄ Figura 43: André


Rebouças.
Fonte:www.portalsaofran- PARA REFLETIR
cisco.com.br
Acesso em 24/01/2011 Em termos morais uma
das principais mudan-
ças, nesse contexto,
era com os ideais de
uma sociedade mais
livre. Economicamen-
A partir da promulgação da lei dos sexagenários a escravidão no Brasil fica praticamente in- te, sugeriam-se as
sustentável, aumentando potencialmente os protestos e lutas contra o regime. vantagens do trabalho
Nesse panorama, o movimento abolicionista mostrou-se mais uma vez instrumento subs- livre em relação à
escravidão. Em termos
tancial, servindo para incentivar a luta e a fuga dos escravos. O movimento também manipulou políticos, ainda que o
a opinião pública, assim como o meio político. Lançou livros e diversos artigos condenando a negro fosse massa de
escravidão. Recebeu apoio internacional para a causa e aplausos, principalmente, da população manobra seria uma
brasileira urbana. força a mais no cenário
No calor da luta várias pessoas do movimento abolicionista como Luiz Gama e André Re- político brasileiro
bouças se destacaram. Porém, o principal deles foi Joaquim Nabuco, que tecia ferrenhas críticas
à escravidão. Nabuco entendia que,

[...] a escravidão, assim como arruína economicamente o país, impossibilita o


seu progresso material, corrompe-lhe o caráter, desmoraliza-lhe os elementos
constitutivos, tira-lhe a energia e a resolução, rebaixa a política; habitua-o ao
Figura 44: A vida dos
servilismo, impede a imigração, desonra o trabalho manual, retarda a aparição
escravos no Brasil
das indústrias, promove a bancarrota, desvia os capitães do seu curso natural,
afasta as máquinas, excita o ódio entre classes, produz uma aparência ilusória Fonte:www.profze.blog-
ger.com.br
de ordem, bem-estar e riqueza, a qual encobre os abismos de anarquia moral,
Acesso em: 01/02/2011
de miséria e destituição, que do Norte ao Sul margeiam todo o nosso futuro

(NABUCO, 2000, p. 81).

Diante de toda a pressão dos aconte-


cimentos das décadas finais do século XIX,
os parlamentares entenderam que a abo-
lição era inevitável e, mais que depressa,
a câmara dos deputados e o senado apro-
varam a lei para o fim da escravidão. As-
sim, no dia 13 de maio de 1888 a prince-
sa Izabel somente validou os desejos de
uma sociedade que ansiava por mudanças.

39
UAB/Unimontes - 6º Período

No contexto da abolição o movimento abolicionista foi um fator primordial e configurou-se


como uma expressão de mudanças no cenário internacional.
Serviu também de porta-voz da sociedade brasileira que, então, passava por mudanças es-
truturais. A crítica que recai ao movimento abolicionista é que, com seu objetivo concretizado,
ou seja, o fim da escravidão, o movimento entrou no esquecimento e não lutou para a afirmação
do negro na sociedade, ficando os ex-escravos à margem da sociedade com sérios reflexos exis-
tentes até os dias atuais. (VIOTTI DA COSTA, 1986).

2.6 A cultura Afro-brasileira


ATIVIDADES A colonização brasileira e sua respectiva exploração econômica se deram sob o uso de mão
de obra escrava, principalmente africana (PRADO JR, 2007). A chegada dos primeiro africanos no
Depois de uma breve
pesquisa, discuta com Brasil iniciou-se a partir do século XVI e perdurou até o final do século XIX.
os colegas pontuando A escravidão no Brasil que durou mais de trezentos anos deixou consequências diversas
a intencionalidade no tanto para os negros quanto para o país em geral. Nesse sentido, podemos lembrar o racismo
uso do termo “demo- estrutural ao negro e a tudo que lhe diz respeito (PINSKY, 2006), mas também se pode destacar a
cracia racial”, para se
miscigenação da sociedade brasileira já percebida nos altos índices de negros, já em meados do
referir à questão étnica
no Brasil. século XIX,

[...] A significativa presença de africanos e afro-brasileiros na sociedade brasi-


leira pode ser constatada pelos indicadores de população no fim do período
colonial. Negros e mulatos representavam cerca de 75% da população de Mi-
nas Gerais, 68% de Pernambuco, 79% da Bahia e 64% do Rio de Janeiro. Apenas
São Paulo tinha uma população majoritariamente branca (56%) (FAUSTO, 2003,
p. 68).

A chegada dos africanos no Brasil e consequentemente a sua dispersão, contribuiu de for-


ma direta e indireta para a afirmação da cultura afro-brasileira. Nesse sentido, pode-se designar
de cultura afro-brasileira a cultura formada no Brasil que se configura como a soma das manifes-
tações culturais dos africanos, mas também dos europeus (portugueses) e dos índios (FREYRE,
1998). Sendo assim, não há como fazer a desvinculação entre a cultura popular então predomi-
nante no Brasil e a cultura afro-brasileira. Dessa forma, percebe-se que a cultura afro-brasileira
pode configurar-se até mesmo em uma espécie de resistência ao dominador, visto que

[...] Apesar da influência marcante da cultura de matriz européia por força da


colonização ibérica em nosso país, a cultura tida como dominante não conse-
guiu, de todo, apagar as culturas indígena e africana. Muito pelo contrário, o
colonizador europeu deixou-se influenciar pela riqueza da pluralidade cultural
de índios e negros (FERNANDES, 2005, p. 37

Figura 45:Manifestação ►
do movimento negro
Fonte:www.bra-
silcultura.com.br
Acesso: 26/02/2011

40
História - História da África e da Cultura Afro

Com respeito aos elementos africanos inseridos na cultura brasileira, sabe-se que estes fo-
PARA REFLETIR
ram por muito tempo esquecidos e até mesmo estigmatizados, pois pregavam mais respeito ao
negro do que ao branco. Desde a promulgação
Nas primeiras décadas do século XX predominou no Brasil a ideologia da democracia racial da Constituição Federal
de 1988, no artigo 215,
(DOMINGUES, 2005). Sob tal ideologia buscou a realização de um “depuramento” da sociedade inciso 1º, está previsto,
brasileira com vistas ao seu branqueamento. Tal postura levantada principalmente pelas auto- por parte do estado,
ridades brasileiras trazia consigo o pano de fundo de negação dos valores culturais indígenas e, proteção às manifes-
sobretudo, africanos. tações da cultura afro-
Os anos 1950 deram início no Brasil a uma série de movimentos que propunham a valoriza- -brasileira.
ção do negro e da sua cultura, mas somente a partir da década de 1970, a temática emerge no
país sob a égide dos

movimentos sociais de consciência negra, que lutam, em todo o país, contra


quaisquer formas de preconceito e discriminação racial, bem como pelo direito
à diferença, pautada no estudo e valorização de aspectos da cultura afro-brasi-
leira (FERNANDES, 2005, p. 381).

Grande parte das lutas sociais principalmente no que diz respeito às questões raciais foi
consubstanciada formalmente nos finais da década de 1980 com a promulgação da atual cons-
tituição federal.
Como se vê, paulatinamente, foi acontecendo uma mudança de postura por parte da so-
ciedade em geral com relação à cultura afro-brasileira em nosso país na medida em que esta é
cada vez mais reconhecida como característica principal do ser brasileiro. Nessa perspectiva de
análise, Rita Amaral entende que os “valores da chamada cultura afro-brasileira vem sendo mais
e mais reconhecida como elemento marcante da cultura e sociedade brasileiras por todo o mun-
do” (AMARAL, 2001, p. 1). Entre tais valores, podemos destacar a música e a comida, mas também

as festas, a capoeira e a religião, mas também elementos menos concretos


como um “jeito de ser” herdado dos africanos, têm sido reconhecidos e divul-
gados como valores nacionais que, inclusive, exportamos para países da Euro-
pa e da Ásia, entre outros. O berimbau, o pandeiro, a terrina de feijoada, os ori-
xás, são abertamente valorizados como elementos de nossa cultura, do mesmo
modo que o rebolado, o jeito extrovertido, a malícia e a jocosidade (AMARAL,
2001, p. 1).

◄ Figura 46: As faces do


Brasil
Fonte: www.kama-
leão.com. Acesso em
10/02/2011

41
UAB/Unimontes - 6º Período

A influência do negro africano na sociedade brasileira é tão marcante que há pesquisadores


que reconhecem elementos afros até mesmo no pentecostalismo, religião marcadamente con-
trária às práticas culturais africanas. Entre esses pesquisadores destaca-se Paulo Bonfatti. Este au-
tor entende que os elementos da cultura negra foram introjetados de tal forma na sociedade que se
transformaram em uma parte integrante da consciência cultural brasileira (BONFATTI, 2000).
O reconhecimento, tanto nacional quanto internacional, da influência dos traços culturais
africanos para a formação cultural brasileira configura-se como uma forma de reconhecimento
da importância do sujeito “negro” na formação e construção de nossa história.
O que fica patente diante do contexto brasileiro é que tal reconhecimento tem-se dado
principalmente devido à afirmação da identidade do negro no Brasil com suas respectivas ex-
pressões culturais, ou seja, passo a passo o negro tem perdido a vergonha de ser negro e tem
procurado afirmar sua expressão ou traço cultural tanto em nível macro como também em nível
micro social, como pode ser percebido nas comunidades quilombolas do interior de Minas Ge-
rais, por exemplo.

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História - História da África e da Cultura Afro

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VIOTTI da COSTA, Emília. A Abolição. São Paulo: Global, 1986.

43
História - História da África e da Cultura Afro

Unidade 3
Cultura e identidade africana e
afro-descendente: uma nova
forma de interpretação
A interpretação da África nos dias atuais tem exigido que se faça um novo percurso. As vá- GLOSSÁRIO
rias ciências que se desenvolvem no continente tentam explicar a partir da antiguidade as rela- Sincretismo: é uma
ções sociais e culturais que ainda não foram contempladas pelas leituras feita até então. expressão de origem
Outra questão a ser enfrentada pelos novos intérpretes da história dos povos africanos é grega, utilizada pela
trabalhar na desconstrução dos preconceitos e estereótipos existentes. historiografia para
Considerando esta questão, dividiu-se esta unidade em três tópicos: fazer referência às
práticas religiosas
3.1 – História da África e da Cultura Afro-brasileira: uma nova abordagem; dos africanos e dos
3.2 – Expressões da Cultura Afro-Brasileira; afro-descendentes no
3.3 – A Construção da Identidade no Brasil; Brasil, em consonância
com o catolicismo.
Trata-se de um concei-
to pouco utilizado na

3.1 História e cultura africana atualidade

e afro-brasileira: uma nova


abordagem
Vários foram os conceitos utilizados pela muitas observações equivocadas para inter- PARA REFLETIR
historiografia para designar a cultura africana pretar tal cultura.
Charles Darwin (1809-
e os afro-descendentes. Porém, percebeu- Nessa perspectiva, conceitos como mo- 1882), naturalista
-se que as especificidades culturais, africana dernidade, sincretismo e tantos outros con- britânico que formu-
e afro, continham um nível de complexidade ceitos eurocêntricos não servem de forma lou estudos sobre a
que não poderia ser colocada sob a tutela de autêntica à interpretação da história das evolução das espécies,
conceitos generalizantes. Para tanto, a histo- sociedades africanas e afro-descendentes, proporcionou grandes
debates sobre a vida
riografia eurocentrista, que citava de forma servem muito mais para distanciar a história dos humana, contribuindo
rara alguns momentos históricos da África, povos africanos da história dos “civilizados”. para o desenvolvimen-
precisou de uma metódica revisão crítica. As teorias raciais, profundamente debati- to da ciência
Há duas situações que devemos destacar das a partir das proposições Darwinistas sobre
quanto à leitura a ser feita sobre a África e, por a evolução da espécie humana, no século XIX,
extensão, sobre a cultura afro. se por um lado, serviram para fazer o homem
A primeira é o olhar de fora para dentro. repensar a sua própria história, contribuindo
Nesta experiência de interpretação, o diálogo com a evolução do pensamento cientifico, por
é estabelecido a partir das experiências exter- outro, criou também um cenário de ódio, ra-
nas do leitor ou do pesquisador; não se tem cismo e uma verdadeira cultura da negação do
referências internas sobre a cultura da qual se mundo africano e sua extensão via tráfico ne-
fala. Sendo assim, a carga de intencionalidade, greiro pelo mundo afora. A realidade mudou
ao se produzir a história, deixa margem para sensivelmente a partir do momento em que:

Os europeus haviam iniciado a conquista do continente e o domínio de suas


populações. Como essas tentativas pareciam necessitar de uma justificativa
moral, as considerações hegelianas foram reforçadas pela aplicação dos princí-
pios de Darwin. O resultado sintomático disso tudo foi o aparecimento de uma
nova ciência, a Antropologia, que é um método não-histórico de estudar e ava-
liar as culturas as culturas e as sociedades dos povos “primitivos”, os que não
possuíam “uma história digna de ser estudada”, aqueles que eram “inferiores”
aos europeus e que podiam ser diferenciados destes pela pigmentação de sua
pele. (FAGE. In: KI-ZERBO, 1982, p. 50). 45
UAB/Unimontes - 6º Período

ATIVIDADES Uma historiografia tendenciosa acompanhou o ritmo dessas discussões e não conseguiu
desvencilhar-se dos preceitos morais cristãos, colaborando de forma intensamente na afirmação
Pesquise objetos e de estereótipos amplamente desqualificados das identidades africanas e afro-descendentes.
símbolos, bem como
seus respectivos signi- Tornou-se comum a demonização das práticas e ritos com raízes nas tradicionais socieda-
ficados para a cultura des africanas. A cultura do medo e consequentemente da negação se estabeleceu por vários lu-
afro-brasileira. gares como uma estratégia de “domínio cultural” do branco europeu cristianizado.
Uma segunda situação que rompe com qualquer tentativa de desqualificar os elementos
oriundos da cultura africana é o olhar de dentro para fora. Aqui o diálogo e as interpretações são
estabelecidos a partir das experiências vivenciadas no universo africano e afro.
Preparando ferramentas teóricas e metodológicas para possibilitar uma leitura mais profun-
da da história da África

[...] Uma geração de intelectuais africanos que havia dominado as técnicas eu-
ropéias de investigação histórica começou a definir seu próprio enfoque em
relação ao passado africano e a buscar nele as nele as fontes de uma identida-
de cultural negada pelo colonialismo. Esses intelectuais refinaram e ampliaram
as técnicas da metodologia histórica desembaraçando-a, ao mesmo tempo, de
uma série de mitos e preconceitos subjetivos, (FAGE. In: KI-ZERBO, 1982, p.58).

Nesse caso, os referenciais são quase sempre estabelecidos pelos próprios pesquisadores
africanos e afro-descendentes. A possibilidade de crítica aos modelos conceituais e referenciais
metodológicos já estabelecidos parece tomar rumos muito diferentes quando se trata de inter-
pretar os elementos dessa cultura. Trata-se antes de uma experiência real, em que a historia é
contada e interpretada pelo próprio sujeito, cuja identificação se dá de forma direta, ou seja, o
próprio pesquisador africano falando das suas representações culturais, e indiretamente através
dos afro-descendentes dispersos pelo mundo. Estes, arraigados à cultura africana, tentam des-
mistificar as suas tradicionais afinidades africanas, através da História.


Figura 47: Objetos de Nesse caso, é necessário refazer a travessia atlântica e buscar na África tradicional os ele-
Figura 47: Objetos de culto afro.
mentos
culto afro. que caracterizam a diáspora, porque
Fonte: www.farm4.
Fonte: www.farm4.static.flickr.com.
static.flickr.com. [...] Desde sua origem, a diáspora africana não pôde ser reduzida e retraduzida
Acesso em 08/02/2011 na dinâmica nacional da política contemporânea. Ao contrário, sempre se veri-
Acesso em 08/02/2011 ficou uma tensão entre a busca de homogeneidade étnica no contexto de na-
ções modernas e a presença de escravos negros e, depois, de seus descenden-
tes, tratados como inferiores e ameaças aos projetos nacionais (SERGIO COSTA,
2006.p.118).

46
História - História da África e da Cultura Afro

Os africanos não vieram sós, não se despiram de sua cultura para atravessar o Atlântico. ATIVIDADES
Trouxeram consigo todo aparato místico do seu universo cultural, as suas manifestações, ritos Pesquise e estabeleça
sagrados e suas representações simbólicas. a diferença entre esses
três segmentos religio-
sos de matriz africana.

3.2 Expressões da cultura afro-


A Umbanda, a Quim-
banda e o Candomblé

brasileira
Como muito já se falou a esse respei-
to (FREYRE, 1998), a formação da sociedade
brasileira se deu a partir da união de etnias
distintas que, na sua junção, formou um país
multicultural. Apesar de tal panorama, o Brasil
apresentou um paradoxo, pois, mesmo com
toda a riqueza cultural aqui existente, houve
uma marcante tendência de valorização dos
elementos da cultura branca (europeia). Contu-
do, mesmo diante de tal situação, não há como
negar que vários elementos culturais tanto dos
ameríndios como dos negros sobressaíram.
Porém, não nos espaços de preponderân-
cia do poder, mas nos chamados espaços mar-
ginais, ou seja, em espaços culturais e sociais
desconsiderados pela cultura dominante.
Diante de tal contexto, destacam-se alguns elementos subjacentes à cultura africana, ou da ▲
Figura 48: Cotidiano das tribos indígenas antes da invasão portuguesa
chamada cultura afro-brasileira, que podem ser encontrados em várias áreas da sociedade brasi- Figura 48: Cotidiano das
Fonte: www.2.bp.blogspot.com tribos indígenas antes
leira. Nesse sentido, percebe-se que na questão religiosa os negros,
Acesso: 08/02/2011 da invasão portuguesa
[...] Inicialmente vieram para o Nordeste, Bahia e Rio de Janeiro, grupos origi- Fonte: www.2.bp.
nários do litoral oeste da África, da região chamada “costa de Escravos”. Cons- blogspot.com. Acesso:
tituindo o maior contingente numérico, sua religião torna-se também a mais 08/02/2011
importante entre as de origem africana (CAMARGO, 1973, p.164).

A prática religiosa desses primeiros africanos foi passo a passo se misturando às práticas re- ATIVIDADES
ligiosas católicas aqui já influenciadas pela cultura local, dando assim “origem às religiões afro-
Considerando que o
-brasileiras” (CAMARGO, 1973, p. 164). Isto é, a Umbanda, a Quimbanda e o Candomblé. rito é um momento
A Umbanda teve crescimento relevante nas décadas de 1940 e 1960 e, importante na cultura
religiosa investigue
a partir de 1970, passou a haver maior difusão do Candomblé, que atualmen- sobre a importância do
te é a religião de matriz afro, mais conhecida e divulgada, sendo considerada mesmo para as religi-
como a mais correta, servindo de modelo às demais” (FERRETTI, 2005, p. 1) ões de matriz afro.

◄ Figura 49: Ritual no


Terreiro de Umbanda
Fonte: www.farm4.
static.flickr.com. Acesso:
08/02/2011

Figura 49: Ritual no Terreiro de Umbanda


47
fonte: www.farm4.static.flickr.com
Acesso: 08/02/2011
UAB/Unimontes - 6º Período

Ao analisar o contexto religioso brasileiro, percebe-se a relevância da religiosidade inserida,


visto, principalmente, na formação da matriz religiosa brasileira (BONFATTI, 2000). Sendo assim,
até mesmo nas religiões concorrentes como o pentecostalismo, há elementos característicos da
religiosidade afro-descendente, claro que de forma ressignificada (MARIANO, 2005).
As expressões da cultura afro, percebidas, sobretudo no campo religioso, encontraram mui-
tas variantes no Brasil, amoldas de acordo com as subculturas locais. Considerando as especifi-
cidades das comunidades quilombolas do interior de Minas Gerais, percebe-se um conjunto de
práticas fundidas entre o catolicismo de cunho popular e os mais variados elementos das práti-
cas cultuais africanas (BRANDÃO, 1980). A folia de reis, mas

[...] Além da foli-de-reis, foram identificadas outras expressões musical-religio-


sas, como o batuque, o congo, a marujada, a caretada, o candombe, o lundum,
o lundum-de-pau, a chula, o caxambu, a tapuiada, a dança de São Gonçalo, a
umbigada, o sapateado, o catopé, o caboclo, o moçambique e o jongo. (SAN-
TOS; CAMARGO, 2008, p. 67).

Como se vê, a questão religiosa é assunto de extrema relevância para entender as expres-
sões culturais afro-brasileiras tendo em vista que da religiosidade africana deriva toda uma práti-
ca comportamental.

Figura 50: Prática ►


cultural afro-brasileira
Fonte:www.1.bpblogspot.
com
Acesso em 25/02/2011

Nesse sentido, observa-se que da questão religiosa derivam várias outras formas de expres-
sões culturais na sociedade brasileira. Elas serviram na caracterização dos ritos que compõem a
identidade afro-brasileira.
Nesse sentido, podemos notar que vários tipos de arte, como a música e a dança, conheci-
dos tanto no Brasil quanto internacionalmente, a exemplo do carnaval baiano, mostram-se como
expressões marcantes da cultura afro-brasileira. Nesse panorama podemos lembrar também as
palavras de Rita Amaral quando diz que,

[...] O berimbau, o pandeiro, a terrina de feijoada, os orixás, são abertamente


valorizados como elementos de nossa cultura, do mesmo modo que o rebola-
do, o jeito extrovertido, a malícia e a jocosidade. Exportamos o samba, o carna-
val e as “mulatas” para todo o mundo; o candomblé e a umbanda para a Argen-
tina, Venezuela, Chile, a Itália, Suécia, França, Alemanha, Estados Unidos e até
para o Japão (AMARAL, 2001, p. 1).

48
História - História da África e da Cultura Afro


Dessa forma, nota-se que os elementos derivados da cultura africana e que se mostram Figura 51: Traços da
como expressões da cultura afro-brasileira estão, de tal forma, inseridos na sociedade brasileira cultura afro-brasileira
que parece não ser possível entendê-la separadamente de tais elementos. Fonte:www.professorlei-
Expressões que, se vistas somente de forma geral, ainda assim, acusam a configuração dos teiro.blogspot.com. Acesso
em 10/02/2011
traços da cultura afro-brasileira.

3.3 A Construção da identidade no


Brasil
O negro na sociedade brasileira herdou marcas profundas de seu passado de escravidão.

O ex-escravo foi abandonado à sua própria sorte. Suas dificuldades de ajusta- Figura 52: Negros de
mento às novas condições foram encaradas como prova de incapacidade do ganho
negro e da sua inferioridade racial. Chegou-se a dizer que era mais feliz na situ- Fonte: www.defigueire-
ação de escravo do que na de homem livre, pois não estava apto a conduzir a do.fr/imagens/historia
própria vida (VIOTTI da COSTA, 1986, p. 341) Acesso em 10/01/2011

Sem uma prévia preparação estrutural o
negro se inseriu na sociedade brasileira que
por si só já era marcada pelo racismo e pre-
conceito contra este. Porém, com a inserção
dos africanos, as práticas culturais oriundas
dos negros foram paulatinamente dissemina-
das na cultura brasileira (FREYRE, 1998).
Sob esse ponto de vista observa-se que
“o desenvolvimento da identidade do brasilei-
ro está absolutamente condicionada à partici-
pação dos africanos” (FERREIRA, 2004, p. 40).
Apesar da contribuição do negro na mis-
cigenada formação cultural brasileira, geral-
mente tudo o que lhe é próprio ou que lhe diz
respeito está associado a algo negativo.

49
UAB/Unimontes - 6º Período

Ao se reportarem à identidade do afro-descendente, é muito comum as pesso-


as categorizarem os indivíduos quanto às suas características étnico-raciais de
maneira reducionista, baseando-se exclusivamente na cor da pele – classifican-
do-os em negros e brancos (FERREIRA, 2004, p.67).

Essa atitude negativa em relação aos negros serve para engrandecer tudo o que é relacio-
nado ou que diz respeito ao branco, portanto, contribui para a permanência da dominação das
elites então no poder. Somando-se a isso se sabe também que,

[...] O processo de negação da importância dos elementos da cosmovisão afri-


cana determina aos afro-descendentes uma desvalorização pessoal e desen-
volve a “perspectiva do direito de dominar para os grupos humanos que se
consideram mais adiantados que outros” (FERREIRA, 2004, p. 41).

Diante de tal contexto de degradação do negro enquanto indivíduo, como também en-
quanto classe, é que têm surgido vários movimentos que têm procurado revalorizar o negro em
nossa sociedade construindo ou reconstruindo sua identidade então manchada pelo racismo.
Ferreira entende que a “identidade é uma categoria efetivamente importante para compreen-
dermos como o indivíduo se constitui, determinando sua autoestima e sua maneira de existir”
(2004, p.48).


Figura 53: Imagem do
racismo no Brasil
Fonte: www.historia-
net.com.b. Acesso em
10/02/2011

50
História - História da África e da Cultura Afro

Sendo assim, nota-se que, para a construção de uma nova história em que o negro seja efe- atividades
tivamente sujeito da mesma, é necessário que este abandone a estigmatização dos elementos cultu-
Faça um breve histórico
rais do seu passado, promovendo concorrentemente a revalorização de sua história. Fato que, parece, sobre a promoção da
está diretamente relacionado à promoção e inserção do negro na sociedade brasileira. identidade do negro
Nesse sentido, Lima entende que a promoção da identidade do negro é uma atitude no Brasil, nas últimas
política (2008). Na perspectiva do autor, a partir de tal promoção, os próprios negros pode- décadas e discuta com
rão ter uma nova visão primeiramente de si mesmos na sociedade em que estão inseridos, os colegas.
e em seguida poderão olhar o contexto ao seu redor com olhar mais crítico. Logo, sua ação
social tende a ser mais participativa e engajada.
Como um exemplo de valorização da identidade negra no Brasil, se pode perceber a reafir-
mação das heranças dos antepassados existentes nas práticas culturais e religiosas nas comuni-
dades quilombolas.
Sendo assim, o que se percebe é a mudança de postura em relação a tais práticas, pois no passado as
práticas religiosas afros eram discriminadas e muitas vezes escondidas pelos próprios praticantes.
◄ Figura 54: comunidade
quilombola Brejo dos
Crioulos na Norte de
Minas.
Fonte: www.
monicaaguiarsouza.com
Acesso: 08/02/2011

ATIVIDADES
Referindo-se à questão da identidade e das possibilidades de resistência imposta pelos ne- Considerando que, no
Brasil, há inúmeras co-
gros, Calainho salienta que munidades de tradição
quilombola, pesquise
[...] As mandingas também representaram uma das várias maneiras através das sobre a origem e o con-
quais os africanos buscaram reconstruir sua identidade, criar laços sociais e se ceito de quilombo.
reorganizar fora da África, incorporando também, aos resquícios de seu passa-
do cultural e religioso, Elementos da cultura européia. (CALAINHO, 2008, p. 60).

Um fato interessante e que não pode deixar de ser ressaltado é que a construção da identi-
dade do negro no Brasil não pode se dá somente sob o ponto de vista da cor. Porém, esta deve
ser associada “a uma referência coletiva, compartilhada por um grupo de pessoas, fundada na
percepção do indivíduo de compartilhar uma herança racial comum a um grupo particular” (FER-
REIRA, 2004, p. 67).

◄ Figura 55 : Negro na
periferia
Fonte:www.static.blosto-
rage.hi-pi.com
Acesso em 11/01/2011

51
UAB/Unimontes - 6º Período

Nesse sentido, a luta pela construção e reconhecimento da identidade do negro no Brasil é


também a luta dos oprimidos que não tiveram a oportunidade devida na sociedade brasileira,
vivenciando, assim, as agruras de longas décadas de marginalização, exclusão e opressão social.

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52
História - História da África e da Cultura Afro

Unidade 4
Temas e problemas da cidadania
afro-brasileira
Considerando a cultura brasileira a partir da hoje limitações impostas por parte do estado, ATIVIDADES
África, muitos dos espaços (re)construídos no Brasil é possível perceber avanços consideráveis no
nos levam por afinidade àquele continente. debate que tematiza a cultura afro-brasileira Recolha dados, através
dos quais, possamos
A cultura africana se estendeu pelo Bra- pela sensibilização por parte da sociedade e, analisar a força do
sil desde o século XVI, se impondo também principalmente, dos afro-descendentes. comércio de escravos
nas suas formas expressivas apesar das mais Para discutir esta questão organizou-se africanos no período
variadas formas de opressão impostas pela em três tópicos a referida unidade: colonial.
elite colonial. 4.1 - Afro-descendentes: identidade hibrida
Estas duas realidades se estendem no 4.2 – A Questão Racial no Brasil
período pós-colonial. Embora existam ainda 4.3 – Educação e Cidadania Afro-Brasileira

4.1 Afro-descendente: identidade


híbrida Figura 56: Captura
de africanos para o
mercado de escravos.
Estabelecendo-se na África e expandindo por diversas regiões, o cristianismo provocou for- Fonte: www.ache-
tes mudanças na mentalidade de numerosos povos naquele continente. Com a chegada de vá- tudoeregiao.com.br
Acesso em: 01/02/2011
rios países europeus, a assimilação das práticas cristãs e da cultura europeia tornou-se cada vez ▼
mais influente.

53
UAB/Unimontes - 6º Período

GLOSSÁRIO Na fase inicial da colonização portuguesa atlântica na medida em que, durante dias ou
foram várias as instituições cristãs que conquis- meses de viagem rumo às regiões coloniais,
Minkisi: divindade da
mitologia banto. taram vastas áreas para ampliação do território mantinham contato com outras etnias.
catequizado. Consequentemente, o comércio di- O rito de despedida parece não ter provo-
Baconga: etnia de fundido há séculos foi ampliado em função das cado o esquecimento pretendido àqueles que
referência banto em necessidades econômicas da Europa. da terra mãe foram arrancados. Das mais varia-
angola. Migraram para
A demanda pela mão de obra ampliou o das formas, os seus traços ressurgem ao longo
diversas regiões duran-
te as guerras coloniais mercado de escravos em várias direções atlân- do período de colonização.
se misturando a outros ticas. Milhões de africanos foram obrigados a No caso do Brasil, há uma variedade de prá-
povos. seguir as rotas comerciais mapeadas pelos eu- ticas, costumes, ritos e manifestações que nos
ropeus interessados nos lucros desse comér- colocam em sintonia com o berço africano.
cio. Essa prática provocou o esfacelamento de Conforme Marina de Mello e Souza, a
muitos povos pela retirada dos membros das identidade afro tem sua constituição a par-
diversas famílias ali organizadas. tir da proximidade de elementos rituais entre
Embora em muitos casos a cultura de ou- a África, Portugal e Brasil (2006, p.209). Nesse
tros povos (não africanos) já tivesse sido assi- sentido, os símbolos que identificam tradi-
milada dentro da própria África, os retirados cionalmente essas diferentes culturas per-
carregaram já na saída o desafio de aprender manecem historicamente de forma alterada
a conviver em outro território cultural. Assim, conforme a necessidade de cada grupo em
as suas experiências começariam a ser reela- resguardar a sua identidade cultural. Segundo
boradas nos primeiros momentos da travessia Homi Bhábha,

[...] A articulação social da diferença, da perspectiva da minoria, é uma nego-


ciação complexa, em andamento, que procura conferir autoridade aos hibridis-
mos culturais que emergem em momentos de transformação histórica, (2007.
p. 21)

ATIVIDADES Esse “novo lugar” da cultura afro configura-se, portanto, numa nova dimensão da identida-
de brasileira com fortes traços africanos.
Pesquisar identifican-
do, santos católicos
Podem-se perceber, as especificidades da tradição de matriz afro pela diversidade e força
que, no Brasil ganha- ritual existentes no universo simbólico reconstruído a partir do seio colonial.
ram ressignificação No destacado campo da religiosidade:
devocional, na fusão
com a cultura religiosa Há imagens de Santo Antônio e São Benedito esculpidas em madeira que se
trazida pelos negros parecem com os minkisi e também com imagens de Santo Antônio esculpidas
africanos. em angola, onde são reconhecidas por Toni malau. (...).A identificação de san-
tos católicos com minkisi integrantes da religiosidade baconga existiu na África
antes de se desenvolver na América portuguesa.Desde os primeiros tempos da
conversão, as imagens católicas foram incorporadas ao catolicismo africano,
nele desempenhando funções dos minkisi.(SOUZA, 2006, p. 223)

Figura 57: sincretismo Analisando as práticas devocionais afro-brasileiras, José Carlos Pereira (2004, p.19) afirma
religioso afro-brasileiro que as diferentes etnias estabelecidas no Brasil reconfiguraram as suas práticas enquanto ele-
Fonte:www.g1.globo.com mentos de resistência num contexto de dominação branca.
Acesso em: 24/01/2011

Há também as festas de santos conside-
rados protetores dos negros. Entre estas devo-
ções, algumas já existiam no continente africa-
no demonstrando que muitos africanos vindos
para o Brasil já eram cristianizados em territó-
rio africano. Portanto, as práticas devocionais
híbridas eram conhecidas no caso de algumas
regiões africanas desde fins do século I através
da expansão do Império romano.
Também em Portugal, tornou-se comum
as experiências culturais afro pela inserção de
africanos convertidos ao catolicismo na metró-
pole portuguesa.
Os movimentos migratórios (internos) no
Brasil possibilitaram a diversidade cultural em
tons afro em todas as regiões. A instituição das

54 fazendas de engenho no litoral, sobretudo na


História - História da África e da Cultura Afro

região nordeste do país a partir do século XVI, fomentou destacadamente elementos da cultura
africana.
Com a crise açucareira a mão de obra escrava ostentada em torno das casas-grandes e das
senzalas dispersou-se para as regiões mineradoras, sendo fundamental na manutenção desta
economia. Cidades como Diamantina e Ouro Preto assistiram um ritmo elevado de crescimento
populacional. Porém, com fortes traços da cultura afro destacadamente nas práticas culturais, co-
tidianas e religiosas.
Anderson Oliveira concluiu importante trabalho de pesquisa sobre os santos pretos devo-
cionados no Brasil. Numa abordagem histórica, o autor analisa a tradição do culto a santo Eles-
bão e Santa Efigênia iniciado no período colonial. Destacando acerca da intencionalidade na
difusão desse culto, afirma que o objetivo era o de atingir tanto os africanos quanto os seus des-
cendentes (2008, p. 214). Afirma ainda que:

A dissipação das dúvidas e a necessidade de afirmar a certeza sobre a cor frisa-


vam, diante das concepções expostas, que o local de origem dos santos era a
África, pátria dos “pretos”. Os oriundos desta pátria ou os que tivessem a mes-
ma cor de seus naturais, a exemplo dos santos, poderiam também ser virtuo-
sos. (OLIVEIRA, 2008, p. 187).

São questões como estas que dão sentido àquilo que se constitui enquanto um processo
identitário na sociedade brasileira.
No século XIX, com ascensão da lavoura cafeeira, além dos que migravam para as regiões
cafeeiras, nos portos brasileiros desembarcavam milhões de cativos africanos, trazendo consigo toda
uma experiência cultural, que posteriormente se mesclou a outras práticas já existentes, encontrando
as mais variadas formas de resistência como mecanismo de perpetuação da sua identidade.
Como observou Boris Fausto:
ATIVIDADES
A concentração da entrada de escravos pelos portos ao sul da Bahia, com am-
plo destaque para o Rio de Janeiro, cresceu enormemente. Esses portos rece- Identifique comidas de
beram 53% do total de escravos importados entre 1811 e 1820 e 69% do total influência afro na cultu-
entre 1821 e 1830. A maioria dos cativos foi enviada pára as lavouras cafeeiras ra alimentar do Brasil.
do vale do Paraíba ou ficou no Rio de Janeiro. Foi aliás, a importação e não o
deslocamento de escravos da região de Minas Gerais, como se pensava há al-
guns anos, a principal fonte de suprimento de cativos nessa fase da economia
cafeeira, (FAUSTO,2002, p.192).

Quanto aos dados apresentados acima, há de se considerar que muitos africanos e afrodes-
cendentes, que se deslocavam, constituíam famílias ou algum outro laço de afinidade na região
e acabavam ali mesmo se estabelecendo. Neste caso, a importação da mão de obra era direcio-
nada conforme a necessidade local.
Outra realidade que compõe esse momento de constituição cultural no Brasil, com consi-
deração à questão afro, é o fim da “legalidade” da escravidão. O estado, sem as mínimas estrutu-
rações necessárias, concede a liberdade ao negro no Brasil sem direcioná-lo socialmente. Assim,
permaneceu a trágica condição humana e social dos ex-cativos que, destituídos de laços polí-
ticos, passaram a vislumbrar os espaços periféricos das áreas urbanas ou estreitar laços com as
tradicionais comunidades rurais com as quais se identificavam distantes das cidades e próximas
das fazendas que antes serviram como escravos.
Nesse complexo movimento diaspórico, foram muitas as mudanças provocadas pelos ne-
gros estabelecidos ou nascidos no Brasil.
Dentre as contribuições e mudanças provocadas, Gilberto Freyre destaca a cultura alimentar
dos africanos. O autor fala da predominância do alimento africano, principalmente na Bahia, em
Pernambuco e no Maranhão.

Desses três centros de alimentação afro brasileira é decerto a Bahia o mais im-
portante. A doçaria de rua aí desenvolveu-se como em nenhuma cidade bra-
sileira, estabelecendo-se verdadeira guerra civil entre o bolo de tabuleiro e o
de doce feito em casa. Aquele, o das negras forras, algumas tão boas doceiras
que conseguiram juntar dinheiro vendendo bolo. É verdade que as senhoras
de casas-grandes e abadessas de convento entregaram-se às vezes ao mesmo
comércio de doces e quitutes; as freiras aceitando encomendas, até para o es-
trangeiro, de doces secos, bolinhos de goma, sequilhos, confeitos e outras gu-
loseimas. (FREYRE, 1998, p.454).

55
UAB/Unimontes - 6º Período

Devemos considerar que no campo social não houve a devida atenção aos problemas e à
condição humana do afro-descendente. O acesso ao trabalho, à educação e à moradia foi negli-
genciado, possibilitando, assim, a marginalização histórica do negro na sociedade brasileira.
Em espaços públicos, como escolas, universidades, partidos políticos, clubes sociais, dentre
outros, geralmente bem vigiados, se negava acesso ao negro em conformidade com o que se
convencionou chamar de igualdade de direitos e/ou direitos à cidadania.
A histórica negação da Cidadania ao afro-descendente possibilitou não só a periferização,
como também a criação de vários estereótipos que estigmatizaram a cultura afro, configuran-
do-se uma verdadeira cultura de negação. Portanto, a denominação das expressões religiosas,
a exclusão no campo social, a ausência de oportunidades no campo político e educacional são
espaços que demandam uma séria revisão quando se trata de inclusão do afrodescendente.
Considerando estágios de mudança social na construção da identidade afro-brasileira, Ri-
cardo F. Ferreira conclui que

[...] Após o período de conflito no qual o afro-descendente vê desarticular-se


a estrutura da subjetividade provedora de sustentação e segurança, inicia-se
um processo de intensa metamorfose pessoal, em que ele vai, gradualmente,
demolindo velhas perspectivas e, ao mesmo tempo, passa a desenvolver uma
nova estrutura pessoal referenciada em valores etno-raciais de matrizes africa-
nas (FERREIRA, 2004, p. 79).

A cultura de origem é importante fator na reconstrução da identidade social do negro nas


sociedades coloniais.

4.2 A questão racial no Brasil


O Brasil, apesar de se apresentar como um país que em tese busca exaltar a dignidade de
seus cidadãos, ainda traz consigo as manchas de seu passado, ou seja, vários dos problemas que
ainda permanecem em nossa sociedade têm profundas ligações com a estrutura histórica brasi-
leira.

Figura 58: O racial no ►


Brasil
Fonte www. casose-
crases.blogspot.com
Acesso em 26/02/2011

56
História - História da África e da Cultura Afro

A instituição da escravidão é um dos piores legados das sociedades européias. Tal institui- ATIVIDADES
ção desumanizou o ser de diferente etnia, tornando-o mero objeto de uso, opressão, discrimina- Além das que você
ção e força abusiva de trabalho sob o domínio dos senhores coloniais. conhece, pesquise
Conforme Fernando Novais, a escravidão foi instituída no Brasil estritamente por questões frases e dizeres de
econômicas, ou seja, para obtenção de lucros no comércio do tráfico negreiro e para exploração cunho racista, e,discuta
de mão de obra na colônia, tornando-se peça fundamental para a manutenção do pacto colonial com os colegas sobre
a intencionalidade ou
(NOVAIS, 2001). não, das mesmas.
Legitimada pelo pensamento católico, a escravidão serviu em muitos momentos como sus-
tentáculo ao poder religioso exercido na colônia. As Irmandades constituídas no Brasil são exem-
plo da realização de poder institucional da Igreja Católica. Instrumento ideológico de dominação
das elites coloniais, mas enquanto uma hierarquia se mostrou apática em relação à situação dos
negros.

A ordem social era considerada expressão dos desígnios da providência divina


e, portanto não era questionada. Acreditava-se que era a vontade de Deus que
alguns nascessem nobres, outros vilões, uns ricos, outros pobres, uns livres, ou-
tros escravos. De acordo com essa teoria, não cabia aos homens modificar a or-
dem social (VIOTTI da COSTA, 1986, p. 17)

No século XVIII, as práticas escravistas passaram a receber duras críticas dos iluministas e,
em especial, de Adam Smith que procurou demonstrar que a escravidão era uma instituição que
não gerava lucros, mas, sim, prejuízos na medida em que não criava um mercado consumidor li-
vre (NOVAIS, 2001, p.100-101). Apesar das críticas e posicionamentos diversos que foram surgindo
contra o regime escravocrata, ele foi sustentado até os anos finais do século XIX.
Figura 59: Escravos
A questão que sustenta as nossas observações é o que está diretamente relacionada à es- juntos ao seu senhor.
cravidão, ou seja, entender as consequências advindas dessa instituição. Fonte :www.blufiles.
Nesse sentido nota-se que o racismo, um dos principais resultados da escravidão, vigorou storage.live.com
fortemente em épocas anteriores e ainda vigora nos dias atuais. Acesso em 02/01/2011.

57
UAB/Unimontes - 6º Período

ATIVIDADES Discutindo essa questão, Jaime Pinsky entende que a situação atual do negro no Brasil é uma re-
sultante de todo um contexto histórico racista, que ainda está enraizado na estrutura atual do Es-
Explique o que é cida-
tado brasileiro. Para este autor, foi o racismo que vigora e vigorou no Brasil que gerou diversas
dania, e reflita sobre
as possibilidades de teorias (biológicas, políticas e econômicas) que inferiorizaram os negros e os colocaram à mar-
o negro exercê-la na gem da sociedade. Segundo ele, ainda é o racismo que deixa o negro à margem da sociedade
sociedade brasileira. (PINSKY, 2006).
Rafael Guerreiro Osório, ao analisar as relações raciais da década de 1940 aos dias contem-
porâneos, percebeu que os negros, “tendiam a permanecer na mesma posição relativamente su-
balterna de seus pais” (2008. p.82). Seguindo a mesma ideia de Osório, Mario Theodoro entende
que

[...] No país que convive e vive da desigualdade, o negro, ao perder o lugar


central no mundo do trabalho, não deixou de exercer um papel social como o
núcleo maior dos pobres, prestadores de serviços aos quais as classes médias
recorrem ostensiva e sistematicamente. (THEODORO, 2008, p.40)

No contexto de detecção do racismo nas estruturas sociais brasileiras, não é difícil perceber
a predominância negra nos grupos que têm menor índice de participação e acesso às institui-
ções políticas e sociais.
Completando o cenário racista brasileiro, José Jorge de Carvalho entende que “apenas 2%
da população universitária brasileira são de alunos negros” (CARVALHO. 2001. p.17) e os cursos
mais bem pagos são essencialmente ocupados por pessoas brancas. Nos dados apresentados
pelo autor,

[...] num curso como Odontologia, um curso de prestígio, que garante altos sa-
lários, apenas 0,7% dos alunos que se formaram no ano 2000 eram negros, pre-
tos e pardos juntos. Ou seja, Odontologia é um curso branco. O mesmo pode
ser dito para o curso de medicina e direito, para citarmos apenas dois. Medici-
na é um curso completamente branco, Direito é um curso branco. (2001, p. 17)

Como se pode notar, o racismo ainda está intrinsecamente ligado à estrutura social brasilei-
ra, configurando-se como um dos principais fatores de impedimento à dignidade do ser humano
negro no Brasil.

Figura 60: Baiana do ►


acarajé
Fonte : www.jangadabra-
sil.com.br
Acesso em 02/01/2011

58
História - História da África e da Cultura Afro

4.3 - Educação e cidadania Afro-


brasileira
A educação brasileira desde os tempos coloniais sempre atendeu aos interesses das classes
dominantes. As primeiras instituições de ensino, segundo Alcântara Machado, iniciaram no sécu-
lo XVIII.

Não há institutos oficiais de ensino. Só mais tarde, em 1772, se fundam, à custa


do subsídio literário, na metrópole e nas colônias, as escolas menores. O colé-
gio dos jesuítas, com aulas de gramática (Simão de Vasconcelos), é o único a
ministrar os rudimentos de humanidades (MACHADO, 1972, p. 91).

Porém, antes da criação das instituições oficiais de ensino, as crianças na colônia já apren-
diam as primeiras letras mesmo em casa, sobretudo com os padres, os professores contratados
ou familiares (FREYRE, 1988). Diante de tal contexto surge uma questão a ser lembrada. A edu-
cação brasileira, em todo o período colonial e até mesmo em meados do século XX, privilegiou
os estratos que têm mantido o poder no Brasil. Tal afirmativa se dá no sentido de que o sistema
educacional brasileiro, na maior parte de sua história, intencionalmente esqueceu os valores da
identidade afro-brasileira inseridos em nossa cultura enquanto privilegiava as práticas, ideolo-
gias e valores do branco (europeu).

◄ Figura61: Mídia e
racismo
Fonte: www.4bp.blogspot.
com.br
Acesso em 08/02/2011

Nesse sentido, José Ricardo Oriá Fernandes entende que

[...] Apesar desse fato incontestável de que somos, em virtude de nossa forma-
ção histórico-social, uma nação multirracial e pluriétnica, de notável diversida-
de cultural, a escola brasileira ainda não aprendeu a conviver com essa realida-
de e, por conseguinte, não sabe trabalhar com as crianças e jovens dos estratos
sociais mais pobres, constituídos, na sua grande maioria, de negros e mestiços
(2005, p. 379).

Tratando da questão educacional, podemos dizer que, historicamente, a cultura e a história


afro foram deixadas de fora dos conteúdos disciplinares, seguindo o mesmo padrão de margina-
lização do negro no Brasil.
Não que tivesse que existir de forma curricular nas suas especificidades. Mas ainda há gran-
de dificuldade de inclusão dessa temática nos debates escolares. As resistências aparecem de vá-

59
UAB/Unimontes - 6º Período

ATIVIDADES rias formas. Dado que ainda carece de sérias pesquisas e envolvimento no sentido de provocar e
Analise criticamente o sensibilizar para que ocorram significativas mudanças.
teor da Lei 10.639/2003, Sabe-se que na década de 1970 eclodiram vários movimentos sociais com destaque para
e confronte, pontos os movimentos afro que reivindicaram seus direitos, sobretudo, em relação às questões raciais.
positivos e negativos A garantia de direitos iguais foi contemplada, pelo menos em parte, no ano de 1988 com a nova
da mesma.
constituição federal (AVELAR & VALENTIM, 2010).
Como reflexo das lutas sociais empreendidas pelos negros no Brasil, houve as reformas edu-
cacionais da década de 1990. Contudo, os Parâmetros Curriculares Nacionais, então elaborados
pelo Ministério da Educação e Cultura, recebem críticas por apresentarem nos temas transversais
“uma visão eurocêntrica que institui um determinado modelo de identidade nacional” (AVELAR
& VALENTIM, 2010, p. 2).
No ano 2000 e anos subsequentes, as lutas empreendidas pelos negros e pelas entidades
que os representam potencializaram e no ano de 2003, depois de muitas lutas e manifestos, pro-
mulga-se a Lei 10.639 que alterou os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

ao incluir o artigo 26-A, o qual torna obrigatório o ensino da temática História


e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio
das redes pública e particular do país (AVELAR & VALENTIM, 2010, p.3).

De acordo com a lei em questão, tal temática deve ser trabalhada em todas as disciplinas,
mas principalmente nas naquelas que compõem a área de humanas.
A lei de 2003 que tornou obrigatório o ensino da história da cultura africana e afro-brasilei-
ra nas escolas configura-se como uma vitória em termos de reconhecimento das lutas e da resis-
tência que os negros apresentaram em toda trajetória de formação do Brasil.
Ainda com respeito à lei 10.639 de 2003, Fernandes mostra que essa nova legislação

[...] reconheceu a relevância de uma data histórica já consagrada pelo movi-


mento negro em nosso país e que agora passa a integrar o calendário escolar.
Estamos nos referindo ao dia 20 de novembro, em que se comemora o “Dia
Nacional da Consciência Negra”, em alusão à morte do líder negro Zumbi dos
Palmares (, 2005, p.384).

Sendo assim, o contexto do 20 de novembro pode configurar-se como um marco onde to-
dos possam analisar e refletir a importância histórica e cultural do negro com suas respectivas
contribuições para a sociedade brasileira. Não há como negar que esta lei, que trouxe a obrigato-
riedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas instituições de ensino brasileiras, possi-
bilita um grande debate em torno da questão.
Pensando nos desafios e perspectivas que essa possibilidade de discussão apresenta, Fer-
nandes observa que

[...] Sem sombras de dúvida, a Lei representa um avanço ao possibilitar a cons-


trução de um multiculturalismo crítico na escola brasileira, ao tempo em que
reconhece uma luta histórica do movimento negro em nosso país, cuja bandei-
ra de luta consistia em incluir no currículo escolar o estudo da temática “histó-
ria e cultura afro-brasileira”. Por outro lado, não podemos esquecer que muito
ainda precisa ser feito para que a Lei não se torne letra-morta e venha contri-
buir, de fato, para uma educação multicultural (2005, p. 384).

Diante de tais desafios e perspectivas expostos acima, o que fica patente é que, mesmo com
a obrigatoriedade do ensino da história afro na educação brasileira, a luta por igualdade racial
deve continuar. A legislação que o tornou obrigatório deve ser entendida como um passo inicial
e não como o fim na caminhada por uma sociedade justa e igualitária.

60
História - História da África e da Cultura Afro

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61
História - História da África e da Cultura Afro

Resumo
A necessidade de interpretar a cultura No caso da influência dos europeus, na
afro-brasileira e os fenômenos relacionados a fase de colonização, muitas mudanças ocorre-
essa temática têm possibilitado amplas e pro- ram ou foram provocadas, ou, se preferirmos,
fundas discussões. impostas aos povos africanos. A saída forçada
A sociedade parece começar a perceber de africanos para regiões distantes é uma des-
a necessidade de se abrir a tão importante sas ações que marcaram negativamente as re-
debate nos dias atuais. Uma sociedade que se lações entre os dois continentes.
acostumou a negar os traços reais, e por que Referindo-nos mais detidamente no
não dizer, edificadores da sua identidade. caso do Brasil, contextualizamos a realida-
Diante dessa questão, propomos um ma- de histórica brasileira pelas influências so-
terial que nos possibilita entender, a partir da fridas principalmente da coroa portuguesa
África, a construção da identidade brasileira. e da Inglaterra.
Traços inegáveis das suas manifestações cultu- Tomado a História como processo, pen-
rais, que resistiram às imposições senhoriais, à sou-se na emergência em debater as questões
chibata e à corrente, cerceadora da liberdade. étnicas e raciais que, parece, nunca encontra-
O objetivo dessa disciplina, portanto, foi o ram como agora disposição para se debater,
de que pudéssemos retornar ao tempo histórico, sobretudo, no espaço escolar apesar de ainda
e um retorno na direção da África, cujo passado podermos avançar mais nesse debate.
muito nos aproxima, analisando e reelaborando As políticas de afirmação ou de promo-
questões fundamentais para os dias atuais. ção da cidadania ainda não contemplaram, a
Nesse sentido, pretendeu-se criar um es- contento, os afrodescendentes. E talvez seja
paço de debate, onde se pudesse rever práti- esta uma questão chave na luta por uma so-
cas e conceitos estabelecidos numa sociedade ciedade que seja capaz de garantir, igual e ple-
plural, mas que ainda encontra dificuldade namente, a participação cultural, social e inte-
aceitar abertamente as suas origens africanas. lectual daqueles que sempre foram colocados
Como proposta inicial de discussão, apre- à margem da história, os afrodescendentes.
sentamos o desenvolvimento e a produção A questão essencial não é se a lei vai re-
cultural africana, tomando o Egito como refe- solver o problema racial e da disparidade so-
rência, e, consequentemente, as influências cial vivenciada pelo afro-descendente. Mas,
sofridas numa trajetória de constantes diáspo- sim, qual é a nossa predisposição para sairmos
ras. Sejam em relação aos povos antigos em dos becos escuros do silêncio e da omissão, e
geral, seja internamente o continente africano enfrentarmos o debate conforme a realidade
viveu intensamente as experiências migratórias. se apresenta à nossa frente.

63
História - História da África e da Cultura Afro

Referências
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65
História - História da África e da Cultura Afro

Atividades de
Aprendizagem
1) A democracia racial no Brasil tinha em sua essência:

a) ( ) A igualdade entre brancos , negros e índios que são as etnias que compõem a sociedade.

b) ( ) Defender a igualdade entre brancos e negros.

c) ( ) Negar os valores culturais indígenas e africanos.

d) ( ) Propagar a herança africana e valorizar cultura afro-brasileira.

2) Quanto à realidade das etnias africanas no Brasil colonial, podemos afirmar que:

a) ( ) Foram enaltecidas pelo grande número de ritos trazidos.

b) ( ) São incorporadas ao novo espaço cultural com garantias de continuidade de suas práticas
culturais.

c) ( ) Somente os bantos podiam manifestar livremente a sua cultura.

d) ( ) Reconfiguraram as suas práticas enquanto elementos de resistência num contexto de do-


minação branca.

3) As instituições religiosas gozaram de proximidade em relação ao estado colonial em todo o


continente americano. No caso do Brasil, a instituição que acompanhou de perto todas as fases
da colonização foi:

a) ( ) A Igreja Luterana

b) ( ) A Igreja Católica

c) ( ) O Catolicismo

d) ( ) A Instituição religiosa indígena

4) Considerando a historiografia pós-colonial e os argumentos que tratam da história da África e


dos afro-descendentes é correto afirmar:

a) ( ) Na relação do branco com o negro, as diferenças étnicas, sociais e culturais não refletem
grandes problemas.

b) ( ) A figura do negro sempre foi enaltecida pela sua bravura.

c) ( ) O argumento eurocentrista sempre privilegiou a figura do branco em relação ao negro.

d) ( ) nenhuma das alternativas.

67
UAB/Unimontes - 6º Período

5) O Egito, embora esteja localizado na parte norte do continente africano, contraditoriamente


se coloca no contexto dos grandes impérios e civilizações. Isso se explica por quê:

a) ( ) O Egito pertencia à Europa e foi posteriormente anexado à África.

b) ( ) As grandes civilizações são reconhecidas por si só e não pelo continente que pertencem.

c) ( ) O Egito não possui características africanas.

d) ( ) Na parte norte da África, encontra-se grande contingente populacional provindo de etnias


brancas.

6) A expressão religiosa que destaca o mundo africano, ditando valores e conduta étnicas e or-
ganizando o mundo de maneira mística, refere-se :

a) ( ) Ao animismo, religião tradicional africana caracterizada pelo culto devoto a deus e às for-
ças da natureza.

b) ( ) À religião católica com seus ritos e símbolos.

c) ( ) Ao islamismo, pela sua postura quanto à educação dos africanos.

d) ( ) Ao protestantismo que facilita a vida dos africanos prometendo a salvação.

7) O cristianismo católico e o islamismo, historicamente, sempre disputaram espaço no conti-


nente africano. Considerando o crescimento dessas denominações religiosas, NÂO é correto afir-
mar que:

a) ( ) O cristianismo influencia em escala menor no norte da África.

b) ( ) O islamismo domina toda região sul do continente africano.

c) ( ) O cristianismo não conseguiu se impor, cedendo espaços ao islamismo.

d) ( ) O islamismo influencia a maior parte da região norte da África.

8) Os ancestrais são entidades fundamentais para a continuidade dos valores africanos, sobretu-
do, religiosos. Eles exercem importantes funções na manutenção tradição africana. Nesse caso:

a) ( ) Eles se limitam a serem lembrados nas estórias, contos e cantigas em lugares públicos.

b) ( ) A ancestralidade africana é considerada a partir da Europa, perdendo a sua originalidade.

c) ( ) Através da escrita no papirus está assegurada a tradição.

d) ( ) Através da oralidade, o passado liga-se ao presente, sendo ela importante função dos an-
cestrais.

9) Considerando a tradição e sua importância para compreensão das culturas africanas, pode-se
destacar:

a) ( ) O discurso da tradição é revelador do conjunto de usos, costumes e valores éticos que con-
dicionam um povo quanto à representação do passado.

b) ( ) Pela tradição os africanos conseguem ligar o passado ao futuro através da magia dos san-
tos.

c) ( ) A tradição possibilita a concentração de diferentes grupos étnicos em um mesmo espaço


por revelar a história dos mesmos;

68 d) ( ) A tradição confere ao africano identidade única no continente.


História - História da África e da Cultura Afro

10) Ao longo do tempo a história africana foi relegada pela historiografia até mesmo por con-
ta dos seus autores, geralmente europeus, que sempre deram ênfase às fonte documentais, não
vendo na África a possibilidade de construção historiográfica. Aponte a alternativa que se rela-
ciona melhor a esta questão:

a) ( ) A história africana se baseia em contos míticos de pouco interesse para a história.

b) ( ) A história africana é de pouca importância para a compreensão da evolução do homem.

c) ( ) A historiografia abordou de forma reduzida a história do continente africano por conside-


rá-lo muito distante da Europa.

d) ( ) A historiografia se pautou por princípios excludentes, privilegiando as fontes escritas, des-


considerando a tradição e a oralidade africana.

69

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