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performances e imagens1
Resumo
Este trabalho procura discutir o cenário midiático dos anos 1950 por meio da produção musical e radiofônica.
Sendo a década de 1950 no Brasil muito marcada pela mídia radiofônica e apresentando uma confluência de
gêneros musicais, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista musical, sofre uma lacuna de estudos, faz-se
importante a discussão. Gêneros musicais hispânicos, com destaque para o bolero, exerceram forte influência
na música nacional, havendo uma hibridização, criando subgêneros como o sambolero – ou samba abolerado,
tratando-se de uma fusão do samba-canção com o bolero – marcando estéticamente o período aqui estudado e
amplamente difundido via intépretes célebres. Por meio do estudo da programação musical de importantes
rádios do período abordado, das gravações de sucesso, da análise das performances e dos projetos gráficos dos
discos, têm-se um panorama estético e midiático da época, auxiliando na compreensão da música popular
brasileira e nas relações midiáticas do país.
Palavras-chave
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Trabalho apresentado no GT História da Mídia Sonora, integrante do 11º Encontro Nacional de História da Mídia.
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista –UNIP.
Pesquisador do Centro de Estudos em Música e Mídia – MusiMid. E-mail: rapharias20@gmail.com
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que vão além dos nomes de intérpretes e concursos de rádio, mas que se relacionam
intimamente com este contexto.
Levando em conta a hegemonia exercida pelo rádio como veículo de
comunicação na época, o debate transcorre por pesquisas em acervos de antigas emissoras
de rádio, de discotecas, listas montadas por colecionadores, cinematecas, revistas e uma
vasta bibliografia. A partir do rádio, desponta um cenário midiático composto justamente
por revistas, filmes, gravadoras de disco – 78 RPM e posteriormente, Long Plays, - projetos
fotográficos e tantas outras mídias geradoras de signos e de estéticas.
A natureza acústica do rádio possibilitou que a música ocupasse destaque em
sua programação, levando à busca por aparatos que possibilitassem sua produção e difusão,
desde aparelhos e microfones até auditórios e a contratação de orquestras, cantores e
arranjadores. Emerge, então, o que talvez fosse a primeira mídia de massa no Brasil e os
primeiros artistas contemplados por multidões. Suas vidas pessoais, as novidades de sua
carreira, entre outras coisas, tornaram-se alvo de especulação, abrindo caminho para
veículos de comunicação que explorassem tais informações.
O Brasil dos anos 1950 recebe uma enorme influência da música latino-
americana. Ocorre aí uma conformação das mídias sonoras no país, do auge do rádio à
consolidação de uma indústria fonográfica. Muitos gêneros musicais se criam em
consequência da fonografia, dos discos, como explica Delalande (2007), citando a exemplo,
o jazz: “as músicas de tradição oral são gravadas, reprodutíveis e analisáveis” (BARTÓK
apud DELALANDE, 2007, p. 51). Tal como ocorreu com o jazz nos Estados Unidos, o
mesmo se deu com alguns gêneros hispânicos na América Latina, que voltaram seus
processos de criação pensando nas mídias.
De todos os gêneros musicais hispânicos da época, há evidências de que o
bolero é o mais arraigado e difundido na América Latina (KNIGHTS, 2003), gerando uma
espécie de identidade entre as diferentes nações que compõem este enorme conglomerado
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Escolheu-se o termo “hispânico” para designar as músicas vindas de países da América Latina falantes de
língua espanhola
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social. Essa forte presença e a difusão do gênero, se deve principalmente ao fortalecimento
das mídias.
O samba, gênero musical brasileiro que gozava de imenso prestígio desde os
anos 1920, encontrou no samba-canção uma outra forma de expressão, mais próximo das
canções, isto é, com ênfase nas melodias e em letras de teor romântico, desacelerando o
andamento, deslocando acentos rítmicos e mudando formações instrumentais, resultando
em “uma adaptação em que a melodia canta como canção e o ritmo marca o samba e acaba não
sendo nada propriamente” (LYRA apud TINHORÃO, 1975). Os gêneros hispânicos, a partir de
dado momento, entram nessa nova composição de samba, formando um subgênero que,
para alguns, representa uma decadência da música nacional. Para demonstrar a entrada da
música hispânica via rádio no Brasil, vale observar um pouco da programação das rádios da
época. A programação das rádios situada neste intervalo de tempo apresenta em separado
músicas estrangeiras de música brasileira e, ao mesmo tempo, demonstra como se deu a
entrada dos gêneros hispânicos no país. Exemplo disso é a programação da Rádio Difusora
e da Rádio Tupi, de São Paulo, em 1944. Dos 20 programas da Difusora, haviam 11
dedicados à música, o que revela a importância da música – e, mais especificamente, da
presença da música hispânica - na grande de programação:
Ritmo alegre, Canções do México, Canta Brasil, Melodias Inesquecíveis,
Escola de Samba, Miscelânea Sonora, Arraial da Curva Torta (programa
sertanejo), Programada Saudade, Calouros de Otávio Gabus Mendes,
Programa Orquestral, Ritmo Clube”. (MAIA, 2007, p. 11).
A promoção das rádios e de sua programação por meio de concursos – algo que
se tornaria muito popular - aparece nesses fins dos anos 1940 na Rádio Tupi. Houve, por
exemplo, categorias que concorriam em votação feita pela imprensa: “Orquestras de salão,
Jazz, Típicas, Caipiras, Orquestras de Música Fina, Grupos Vocais, Canções, Canções
Mexicanas, Folclore, Samba.” (MAIA, 2007, p. 11).
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Em paralelo, a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, produzia o programa Nas
Asas de um Clipper, que foi transmitido em 1947 retratando o cenário musical do México,
da Argentina e de Cuba – transmitido também em cada um desses países. Durante seis
semanas cada um dos países era retratado e um concurso que levaria algum ouvinte a visitar
os países envolvidos era promovido. Ocupava o horário das 21h30 das sextas-feiras,
portanto nobre, e era realizado ao vivo, com a orquestra Típica Corrientes, associada ao
maestro Eduardo Patané, mas sob a regência de Radamés Gnattali (PINTO, 2012).
Os anos 1950, sobre análise de Claudia Matos (2013), se apresentam como o auge
da conjunção entre o samba-canção vindo dos anos 1920, ou o samba-de-meio-de-ano, e a
música hispânica que adentrava no Brasil desde as décadas anteriores. Dessa época são as
canções de Lupicínio Rodrigues, cunhador da expressão “dor-de-cotovelo”, referindo-se às
mágoas e dores de amor afogadas em copos de bar, com os cotovelos sobre o balcão. As
interpretações célebres de cantoras como Ângela Maria, Maysa, Nora Ney etc. e a figura da
“diva” são concomitantes a esse apogeu do samba abolerado, do sambolero.
Em meio a todo o sucesso, houve uma negação do bolero e subgêneros por parte
de algumas alas de artistas e profissionais, principalmente em dois momentos:
primeiramente, com os entusiastas do samba em suas vertentes tradicionais; mais adiante,
os ditos fundadores da bossa nova. Esta última teve como seus idealizadores jovens
músicos, compositores e intelectuais, e, nas palavras de Silvio Merhy, “o gênero [do bolero]
estava associado a valores considerados socialmente retrógrados e inaceitáveis para uma
classe universitária que se destinava a assumir lideranças políticas e sociais” (2012, p. 187).
O que não impediu que, alguns anos depois – e com um peso de necessidade de
conscientização social menor - a partir da década de 1970, o bolero fosse reavivado:
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de 1947 a 1952. Almirante tinha ao seu lado músicos como Pixinguinha, Benedito Lacerda
e Jacob do Bandolim, além de uma orquestra que executava arranjos de Pixinguinha
(PINTO, 2012). Era uma intenção, de preservar a tradição da música brasileira, isto é, o
samba em suas formas mais tradicionais, frente às músicas estrangeiras que se infiltravam
no país e se misturavam com a produção musical da época.
No final dos anos 1940, Vasco Mariz (apud MATOS, 2013, p. 130) observou
que o samba vinha se abolerando e “graças a esse novo estilo amolengado, está perdendo o
ritmo que conquistou o mundo”. Ainda mais radical, Augusto de Campos classifica esse
período como “fase de decadência e de transição da música popular brasileira que precedeu
a revolução da bossa-nova”. (apud MATOS, 2013, p.130).
No entanto, como observa Cláudia Matos, o declínio da música de carnaval
constrói uma direção nova, o chamado “samba de fossa” - e aí aparecem canções como as
de Lupicínio Rodrigues – “música de boate”, que “constituirá o samba-canção moderno, no
qual se cultivam procedimentos melódicos e harmônicos que ajudam a preparar o advento
da bossa-nova” (2013, p. 130). Esse “samba-canção moderno”, típico dos anos 1950, é que
apresenta uma confluência de gêneros como o samba-canção e o bolero, de um lado, ao
mesmo tempo que se constroi com elementos orquestrais ricos e harmonias inusitadas para
o que por muitos ainda era classificado simplesmente como samba-canção, tudo isso graças
à habilidade de arranjadores e maestros das rádios. Caracteriza-se, portanto, um subgênero
musical e peculiar ao período.
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preciso esquecer que sofri (...)”, travam um diálogo da vida íntima na vida pública,
construindo a imagem pública com a vida privada.
A expansão do bolero, segundo Vanessa Knights (2011), se deve principalmente
a sua capacidade de inter-relacionar-se com uma gama muito ampla de formatos vocais e
instrumentais. Constituiu-se em um gênero flexível, capaz de se manifestar de
forma independente ou associado a outros gêneros, e suas letras alcançam uma universalidade de
diálogo, travando diálogos entre um “yo/eu” e “tu/você” indeterminados e um discurso em que
cada um se sente identificado (ou identificada) e ao mesmo
tempo, gratificado pela mensagem que chega em uma voz, familiar ou
desconhecida, que converte magicamente seu problema pessoal em algo
mais impessoal, generalizado o arquetípico, aliviando assim a culpa
própria e o sentimento de solidão e abandono. (ACOSTA, apud
FERNANDEZ Daisy, 2011, p. 8).4
Vanessa Knights (2011) faz uma leitura do bolero com um discurso dos
excluídos da cultura dominante, que acabou sendo incorporado por esta mesma cultura. O
discurso bolerista permite às mulheres expressarem seus desejos, ao mesmo tempo em que
permite que o patriarca imponha suas vontades sobre as mulheres em sua vida. Em uma
leitura aplicada ao México, o bolero reflete a modernidade cosmopolita e o nacionalismo
do caudilismo revolucionário.
O samba-canção, por sua vez, emerge da necessidade de se fazer samba fora das
datas comemorativas ou dos locais típicos da roda de samba. Por isso, deu-se também o
nome de samba-de-meio-de-ano, isto é, o samba feito entre um carnaval e outro. Como o
nome sugere e como já fora dito, no samba-canção, ocorre uma relação entre a canção/
melodia e o acompanhamento rítmico, sendo que, este último passa a exercer mais a função
de acompanhamento das primeiras. Conforme Bia Borges (1982), as letras do samba
passam a ser mais rebuscadas, em uma tentativa dos compositores de ascensão social via
erudição (ou tentativa de). Para o canto, não poderia ser muito diferente, tampouco para os
arranjos. Logo, temos aí linhas melódicas mais arrojadas que entoam letras mais
sofisticadas. A influência do bolero trouxe uma marcação rítmica diferente, bem como
formações de grupos musicais que vão além do pandeiro e do violão. Bem como os temas
dos boleros encontraram território fértil na produção de muitos dos sambistas-de-meio-de-
ano.
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As traduções deste trabalho são feitas pelo autor
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Em suma, estas são pistas para contextualizar o gênero e seus hibridismos no
Brasil, buscando fornecer uma leitura mais ampla de sua concepção e performance. O
termo performance deve aqui ser entendido como o
conceito enunciado por Zumthor (1997), que o define como um ato comunicativo, que não
se limita na relação entre emissor e receptor da mensagem, mas põe em jogo as condições
de transmissão e recepção da mensagem.
5
O termo grego advindo das experiências de Pitágoras designa o som deslocado de sua fonte, ou seja, o som que ouvimos,
mas não vemos quem ou o que o emite.
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relevância - ao adquirir papel semântico: de invólucro, a capa fará parte integrante do
projeto criador e identificará o intérprete etc.
As capas dos discos, portanto, tornaram-se parte da atmosfera musical,
conteúdo circunstancial da mensagem. As ilustrações cederam espaço para os rostos dos
intérpretes, que por sua vez, transmitem algo de sua performance por meio da
fotografia. Observando o bolero – e também o samba-canção, no Brasil – gêneros tão
escutáveis quanto dançantes e, este último caso, “propicia o erotismo pela grande
proximidade dos pares, em adição a seu ritmo cadenciado que permite apreciar o texto
enquanto se dança” (FERNANDÉZ, 2011, p.). É um canto sentimental,
centrado no amor romântico o que leva o ouvinte a buscá-lo não apenas em momentos
de dor e tristeza, mas também de solidão, reencontro e até alegria, promovendo um
processo catártico.
6. Acordes que choram, imagens que amam... Breve análise de algumas capas
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Figura 1: Lp O Encantamento do Bolero, Odeon, 1962
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Figura 2: Lp Ângela Maria - A Rainha Canta, Copacabana, 1955
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Figura 3: Lp Nora Ney, Rca Victor, 1958
6
Técnica em que se canta de forma quase sussurrada, dando por vezes a impressão de proximidade com o ouvinte.
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Figura 4: Lp Doleres Duran Canta para você dançar nº2, Copacabana, 1957
Ao cantar alguns boleros no apartamento de Lauro Paes de Andrade, segundo relata Ruy
Castro (2015), aquele sugeriu que Adilea da Silva Rocha adotasse o nome de Dolores Duran. A
inspiração provavelmente veio da atriz estadunidense Dolores Moran. Neste Lp, que já traz a
intenção de fazer dançar em seu nome, Dolores canta: Scapricciatiello; Por Causa de Você;
Ohô-ahâ; Quem Foi?; Feiura Não é Nada; Que Murmuren; Coisas de Mulher; Viens;
Conceição; Se Papai Fôsse Eleito; Mi Último Fracaso; Camelot; Only You; Estatuto de
Boite.
A ideia é trazer à sala de quem escuta um baile, com suas músicas da moda, sua
ambientação noturna e seus enlaces e desenganos amorosos. Na capa, Dolores aparece
sentada em uma mesa, olhando para a câmera, segurando uma bebida e ladeada por mais
bebidas. Um homem, sentado à sua direita, a olha diretamente, sugerindo um flerte. Ao
fundo, a banda toca e um casal dança. Tem-se uma ilustração de um típico “Estatuto de
Boate”, citando uma das faixas do disco. A expressão da intérprete na foto, no entando, nao
é de felicidade...
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disco – convidam o ouvinte a dançar; a dançar enquanto se sofre de amor, tal como em um
processo catártico já citado, prórpio do bolero e do samba-canção, por conseguinte, do
sambolero.
É necessário considerar ainda que cada uma dessas intérpretes, por meio de sua
performance, revelam a estética, o gosto e as implicações tecnológicas de uma época.
Como lembra Valente (2007, p. 84),
certo estilo pessoal, marcado pela impostação da voz, pela respiração, pelo
olhar, pelos gestos: a forma de expressão torna-os imediatamente
identificáveis pelo ouvinte; basta pensar em nomes como Louis
Armstrong, Frank Sinatra, João Gilberto, Mick Jagger, Billie Holiday;
para se ter uma ideia clara a esse respeito. Assim,
essas performances marcam uma época, pelo estilo peculiar do intérprete
que, invariavelmente, encontra-se subordinado às possibilidades que a
tecnologia oferece no momento.
7. Cosiderações Finais
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mulher em meados do século XX. Muitas, inclusive, não apenas interpretavam, mas
também compunham, a exemplo, Maysa e Dolores Duran. Tal situação deve ser observada,
pois inverte o papel do Eu lírico, que passa a ser naturalmente feminino desde a concepção
da canção; isso ainda em tempos em que a voz socialmente dominante era masculina.
A década de 1950 no Brasil se apresenta como conjunção de mídias, gêneros
musicais, personagens, e sonoridades. Estas últimas, protagonistas de um tempo em que as
mídias hegemônicas eram mais sonoras e o audiovisual como conhecemos hoje, ainda
tomava força e fazia seus experimentos.
Referências
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