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Gêneros Musicais e Cultura Midiática nos anos 1950: Um estudo sobre mídias,

performances e imagens1

Raphael Fernandes Lopes Farias2


Universidade Paulista – UNIP, São Paulo, SP

Resumo

Este trabalho procura discutir o cenário midiático dos anos 1950 por meio da produção musical e radiofônica.
Sendo a década de 1950 no Brasil muito marcada pela mídia radiofônica e apresentando uma confluência de
gêneros musicais, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista musical, sofre uma lacuna de estudos, faz-se
importante a discussão. Gêneros musicais hispânicos, com destaque para o bolero, exerceram forte influência
na música nacional, havendo uma hibridização, criando subgêneros como o sambolero – ou samba abolerado,
tratando-se de uma fusão do samba-canção com o bolero – marcando estéticamente o período aqui estudado e
amplamente difundido via intépretes célebres. Por meio do estudo da programação musical de importantes
rádios do período abordado, das gravações de sucesso, da análise das performances e dos projetos gráficos dos
discos, têm-se um panorama estético e midiático da época, auxiliando na compreensão da música popular
brasileira e nas relações midiáticas do país.

Palavras-chave

Anos 1950; cultura midiática; rádio; samba-canção; bolero.

1. Música para todos, o rádio como mídia: introdução

A década de 1950 no Brasil aparece como período frutífero e relevante do ponto


de vista estético e musical, época na qual análises e pesquisas tem negligenciado tendo em
vista o destaque dado à bossa nova, à tropicália, ao samba até os anos 1940, entre outros. A
própria sigla MPB – Música Popular Brasileira – exclui de seu tradicional repertório, a
música do período aqui estudado.
A discussão proposta a seguir, compõe pesquisa desenvolvida no Centro de
Estudos em Música e Mídia, que já apresentou resultados em outras oportunidades e aqui
continua com suas análises e questionamentos. Busca-se compreender o cenário musical e
midiático dos anos 1950, a relação da criação musical com as mídias e descortinar questões

1
Trabalho apresentado no GT História da Mídia Sonora, integrante do 11º Encontro Nacional de História da Mídia.
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista –UNIP.
Pesquisador do Centro de Estudos em Música e Mídia – MusiMid. E-mail: rapharias20@gmail.com

1
que vão além dos nomes de intérpretes e concursos de rádio, mas que se relacionam
intimamente com este contexto.
Levando em conta a hegemonia exercida pelo rádio como veículo de
comunicação na época, o debate transcorre por pesquisas em acervos de antigas emissoras
de rádio, de discotecas, listas montadas por colecionadores, cinematecas, revistas e uma
vasta bibliografia. A partir do rádio, desponta um cenário midiático composto justamente
por revistas, filmes, gravadoras de disco – 78 RPM e posteriormente, Long Plays, - projetos
fotográficos e tantas outras mídias geradoras de signos e de estéticas.
A natureza acústica do rádio possibilitou que a música ocupasse destaque em
sua programação, levando à busca por aparatos que possibilitassem sua produção e difusão,
desde aparelhos e microfones até auditórios e a contratação de orquestras, cantores e
arranjadores. Emerge, então, o que talvez fosse a primeira mídia de massa no Brasil e os
primeiros artistas contemplados por multidões. Suas vidas pessoais, as novidades de sua
carreira, entre outras coisas, tornaram-se alvo de especulação, abrindo caminho para
veículos de comunicação que explorassem tais informações.

2. A radiodifusão e os gêneros musicais hispânicos3

O Brasil dos anos 1950 recebe uma enorme influência da música latino-
americana. Ocorre aí uma conformação das mídias sonoras no país, do auge do rádio à
consolidação de uma indústria fonográfica. Muitos gêneros musicais se criam em
consequência da fonografia, dos discos, como explica Delalande (2007), citando a exemplo,
o jazz: “as músicas de tradição oral são gravadas, reprodutíveis e analisáveis” (BARTÓK
apud DELALANDE, 2007, p. 51). Tal como ocorreu com o jazz nos Estados Unidos, o
mesmo se deu com alguns gêneros hispânicos na América Latina, que voltaram seus
processos de criação pensando nas mídias.
De todos os gêneros musicais hispânicos da época, há evidências de que o
bolero é o mais arraigado e difundido na América Latina (KNIGHTS, 2003), gerando uma
espécie de identidade entre as diferentes nações que compõem este enorme conglomerado

3
Escolheu-se o termo “hispânico” para designar as músicas vindas de países da América Latina falantes de
língua espanhola

2
social. Essa forte presença e a difusão do gênero, se deve principalmente ao fortalecimento
das mídias.
O samba, gênero musical brasileiro que gozava de imenso prestígio desde os
anos 1920, encontrou no samba-canção uma outra forma de expressão, mais próximo das
canções, isto é, com ênfase nas melodias e em letras de teor romântico, desacelerando o
andamento, deslocando acentos rítmicos e mudando formações instrumentais, resultando
em “uma adaptação em que a melodia canta como canção e o ritmo marca o samba e acaba não
sendo nada propriamente” (LYRA apud TINHORÃO, 1975). Os gêneros hispânicos, a partir de
dado momento, entram nessa nova composição de samba, formando um subgênero que,
para alguns, representa uma decadência da música nacional. Para demonstrar a entrada da
música hispânica via rádio no Brasil, vale observar um pouco da programação das rádios da
época. A programação das rádios situada neste intervalo de tempo apresenta em separado
músicas estrangeiras de música brasileira e, ao mesmo tempo, demonstra como se deu a
entrada dos gêneros hispânicos no país. Exemplo disso é a programação da Rádio Difusora
e da Rádio Tupi, de São Paulo, em 1944. Dos 20 programas da Difusora, haviam 11
dedicados à música, o que revela a importância da música – e, mais especificamente, da
presença da música hispânica - na grande de programação:
Ritmo alegre, Canções do México, Canta Brasil, Melodias Inesquecíveis,
Escola de Samba, Miscelânea Sonora, Arraial da Curva Torta (programa
sertanejo), Programada Saudade, Calouros de Otávio Gabus Mendes,
Programa Orquestral, Ritmo Clube”. (MAIA, 2007, p. 11).

A Tupi era uma emissora mais voltada à informação, entretanto, é possível


verificar uma grande diversidade na programação musical apresentada:
Bazar de Ritmos, Vozes Favoritas, Carnaval na Onda, Em Tempo de
Valsa, Programa Segunda Frente Sonora (auditório), Orquestra de Salão
Tupi, Sílvio Mazzuca e sua Orquestra, Alma Del Bandonéon, Ritmo de
Havana, Sucessos do Momento, Orquestra Sinfônica, Valsas Inesquecíveis
com a orquestra sinfônica Tupi. (MAIA, 2007, p. 11).

A promoção das rádios e de sua programação por meio de concursos – algo que
se tornaria muito popular - aparece nesses fins dos anos 1940 na Rádio Tupi. Houve, por
exemplo, categorias que concorriam em votação feita pela imprensa: “Orquestras de salão,
Jazz, Típicas, Caipiras, Orquestras de Música Fina, Grupos Vocais, Canções, Canções
Mexicanas, Folclore, Samba.” (MAIA, 2007, p. 11).

3
Em paralelo, a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, produzia o programa Nas
Asas de um Clipper, que foi transmitido em 1947 retratando o cenário musical do México,
da Argentina e de Cuba – transmitido também em cada um desses países. Durante seis
semanas cada um dos países era retratado e um concurso que levaria algum ouvinte a visitar
os países envolvidos era promovido. Ocupava o horário das 21h30 das sextas-feiras,
portanto nobre, e era realizado ao vivo, com a orquestra Típica Corrientes, associada ao
maestro Eduardo Patané, mas sob a regência de Radamés Gnattali (PINTO, 2012).
Os anos 1950, sobre análise de Claudia Matos (2013), se apresentam como o auge
da conjunção entre o samba-canção vindo dos anos 1920, ou o samba-de-meio-de-ano, e a
música hispânica que adentrava no Brasil desde as décadas anteriores. Dessa época são as
canções de Lupicínio Rodrigues, cunhador da expressão “dor-de-cotovelo”, referindo-se às
mágoas e dores de amor afogadas em copos de bar, com os cotovelos sobre o balcão. As
interpretações célebres de cantoras como Ângela Maria, Maysa, Nora Ney etc. e a figura da
“diva” são concomitantes a esse apogeu do samba abolerado, do sambolero.

3. Muito bonito, mas não é samba: a censura ao gênero

Em meio a todo o sucesso, houve uma negação do bolero e subgêneros por parte
de algumas alas de artistas e profissionais, principalmente em dois momentos:
primeiramente, com os entusiastas do samba em suas vertentes tradicionais; mais adiante,
os ditos fundadores da bossa nova. Esta última teve como seus idealizadores jovens
músicos, compositores e intelectuais, e, nas palavras de Silvio Merhy, “o gênero [do bolero]
estava associado a valores considerados socialmente retrógrados e inaceitáveis para uma
classe universitária que se destinava a assumir lideranças políticas e sociais” (2012, p. 187).
O que não impediu que, alguns anos depois – e com um peso de necessidade de
conscientização social menor - a partir da década de 1970, o bolero fosse reavivado:

(...) desobrigado de satisfazer às partilhas prévias – musicais, políticas ou


sociais – e revitalizado por uma cultura potente o bastante para reelaborá-
lo e valorizá-lo. Tom Jobim, João Donato, Elis Regina, Nana Caymmi,
Caetano Veloso, Dori Caymmi, Chico Buarque, João Bosco cultivaram o
bolero com carinho e criaram várias interpretações que o valorizaram e o
mantiveram pronto para o consumo. (MERHY, 2012 p.187).”

No grupo dos sambistas, o radialista Henrique Fróes Domingues, conhecido


como Almirante, passou a produzir o programa “Pessoa da Velha Guarda”, na Rádio Tupi,

4
de 1947 a 1952. Almirante tinha ao seu lado músicos como Pixinguinha, Benedito Lacerda
e Jacob do Bandolim, além de uma orquestra que executava arranjos de Pixinguinha
(PINTO, 2012). Era uma intenção, de preservar a tradição da música brasileira, isto é, o
samba em suas formas mais tradicionais, frente às músicas estrangeiras que se infiltravam
no país e se misturavam com a produção musical da época.
No final dos anos 1940, Vasco Mariz (apud MATOS, 2013, p. 130) observou
que o samba vinha se abolerando e “graças a esse novo estilo amolengado, está perdendo o
ritmo que conquistou o mundo”. Ainda mais radical, Augusto de Campos classifica esse
período como “fase de decadência e de transição da música popular brasileira que precedeu
a revolução da bossa-nova”. (apud MATOS, 2013, p.130).
No entanto, como observa Cláudia Matos, o declínio da música de carnaval
constrói uma direção nova, o chamado “samba de fossa” - e aí aparecem canções como as
de Lupicínio Rodrigues – “música de boate”, que “constituirá o samba-canção moderno, no
qual se cultivam procedimentos melódicos e harmônicos que ajudam a preparar o advento
da bossa-nova” (2013, p. 130). Esse “samba-canção moderno”, típico dos anos 1950, é que
apresenta uma confluência de gêneros como o samba-canção e o bolero, de um lado, ao
mesmo tempo que se constroi com elementos orquestrais ricos e harmonias inusitadas para
o que por muitos ainda era classificado simplesmente como samba-canção, tudo isso graças
à habilidade de arranjadores e maestros das rádios. Caracteriza-se, portanto, um subgênero
musical e peculiar ao período.

4. Performances do exagero: um pacto com a dor


A instrumentação volumosa, a forte presença feminina e as capas de disco que
destacavam cantoras nas figuras de divas, as temáticas românticas das letras, dentre outras
características, revelam um panorama midiático marcante de uma época - revistas e
veículos de comunicação despontavam e davam luz ao noticiário de celebridades no
Brasil. Muito comum era o tema amor; o romantismo exagerado, o fracasso amoroso, a
saudade e as dificuldades entre pares apaixonados - comum nos boleros de forma
geral (ARAÚJO, 1999). Como já cantava Dalva de Oliveira, “Errei sim, manchei o teu
nome, mas foste tu mesmo o culpado (...)”, e seu parceiro de música e de
amor, Herivelto Martins, em resposta, “Não, eu não posso lembrar que te amei, não, eu

5
preciso esquecer que sofri (...)”, travam um diálogo da vida íntima na vida pública,
construindo a imagem pública com a vida privada.
A expansão do bolero, segundo Vanessa Knights (2011), se deve principalmente
a sua capacidade de inter-relacionar-se com uma gama muito ampla de formatos vocais e
instrumentais. Constituiu-se em um gênero flexível, capaz de se manifestar de
forma independente ou associado a outros gêneros, e suas letras alcançam uma universalidade de
diálogo, travando diálogos entre um “yo/eu” e “tu/você” indeterminados e um discurso em que
cada um se sente identificado (ou identificada) e ao mesmo
tempo, gratificado pela mensagem que chega em uma voz, familiar ou
desconhecida, que converte magicamente seu problema pessoal em algo
mais impessoal, generalizado o arquetípico, aliviando assim a culpa
própria e o sentimento de solidão e abandono. (ACOSTA, apud
FERNANDEZ Daisy, 2011, p. 8).4

Vanessa Knights (2011) faz uma leitura do bolero com um discurso dos
excluídos da cultura dominante, que acabou sendo incorporado por esta mesma cultura. O
discurso bolerista permite às mulheres expressarem seus desejos, ao mesmo tempo em que
permite que o patriarca imponha suas vontades sobre as mulheres em sua vida. Em uma
leitura aplicada ao México, o bolero reflete a modernidade cosmopolita e o nacionalismo
do caudilismo revolucionário.
O samba-canção, por sua vez, emerge da necessidade de se fazer samba fora das
datas comemorativas ou dos locais típicos da roda de samba. Por isso, deu-se também o
nome de samba-de-meio-de-ano, isto é, o samba feito entre um carnaval e outro. Como o
nome sugere e como já fora dito, no samba-canção, ocorre uma relação entre a canção/
melodia e o acompanhamento rítmico, sendo que, este último passa a exercer mais a função
de acompanhamento das primeiras. Conforme Bia Borges (1982), as letras do samba
passam a ser mais rebuscadas, em uma tentativa dos compositores de ascensão social via
erudição (ou tentativa de). Para o canto, não poderia ser muito diferente, tampouco para os
arranjos. Logo, temos aí linhas melódicas mais arrojadas que entoam letras mais
sofisticadas. A influência do bolero trouxe uma marcação rítmica diferente, bem como
formações de grupos musicais que vão além do pandeiro e do violão. Bem como os temas
dos boleros encontraram território fértil na produção de muitos dos sambistas-de-meio-de-
ano.

4
As traduções deste trabalho são feitas pelo autor

6
Em suma, estas são pistas para contextualizar o gênero e seus hibridismos no
Brasil, buscando fornecer uma leitura mais ampla de sua concepção e performance. O
termo performance deve aqui ser entendido como o
conceito enunciado por Zumthor (1997), que o define como um ato comunicativo, que não
se limita na relação entre emissor e receptor da mensagem, mas põe em jogo as condições
de transmissão e recepção da mensagem.

5. Da fruição acusmática5 à cara das vozes: as capas e seus signos

A capa do disco, no conjunto das representações visuais da canção (e seus


intérpretes), é relativamente recente: até o surgimento do longplay, muitas capas eram
meros envelopes, em papel pardo; a identificação da época se fazia, unicamente, pelo selo
da gravadora e pelo material de que era feito o disco (LAUS, 2006). Com o passar do
tempo, a capa ganhou importância comunicativa e artística, ultrapassando a função de mero
invólucro protetor, para incorporar outras funções, tais como a legitimação do próprio selo,
a distinção do público-alvo, iconização do intérprete etc.
Com isso, as vozes acusmáticas do rádio ganhavam fisionomia e corpo através
das revistas especializadas e, mais tarde, pelas capas de disco. No Brasil, títulos
como Revista do Rádio, Radiolândia ou outras mais generalistas, como O Cruzeiro e tantas
outras mostravam as feições e a atitude dessas pessoas que as câmeras captavam, de
maneira mais ou menos espontânea. Mas estas imagens não podiam abarcar o movimento –
algo somente viável no cinema e, posteriormente, na televisão. Nesses termos, a imaginação
e o imaginário do ouvinte atuavam sob um estímulo muito forte.
Se, anteriormente ao surgimento da fotografia, conhecer as feições de alguém só
era possível através do contato pessoal, o retrato (geralmente, pintura a óleo) era privilégio
de poucos. Assim, pode-se avaliar a notoriedade de um artista, ao percebê-lo retratado por
um grande mestre. Com a invenção da fotografia, as imagens começariam a proliferar-se,
de várias maneiras.
Há de se ter em conta que uma imagem jamais será descompromissada. Ela
exerce uma função que justifica a sua existência: um novo hit, nova turnê, biografia
etc. Após a década de 1950, as capas de disco ganham o status - de signos de grande

5
O termo grego advindo das experiências de Pitágoras designa o som deslocado de sua fonte, ou seja, o som que ouvimos,
mas não vemos quem ou o que o emite.

7
relevância - ao adquirir papel semântico: de invólucro, a capa fará parte integrante do
projeto criador e identificará o intérprete etc.
As capas dos discos, portanto, tornaram-se parte da atmosfera musical,
conteúdo circunstancial da mensagem. As ilustrações cederam espaço para os rostos dos
intérpretes, que por sua vez, transmitem algo de sua performance por meio da
fotografia. Observando o bolero – e também o samba-canção, no Brasil – gêneros tão
escutáveis quanto dançantes e, este último caso, “propicia o erotismo pela grande
proximidade dos pares, em adição a seu ritmo cadenciado que permite apreciar o texto
enquanto se dança” (FERNANDÉZ, 2011, p.). É um canto sentimental,
centrado no amor romântico o que leva o ouvinte a buscá-lo não apenas em momentos
de dor e tristeza, mas também de solidão, reencontro e até alegria, promovendo um
processo catártico.

6. Acordes que choram, imagens que amam... Breve análise de algumas capas

Buscando uma materialidade maior do que se discute neste trabalho, faz-se


interessante observar algumas capas de discos da época. O critério para a escolha usado
aqui foi o do sucesso das intérpretes e ou das obras cantadas, atestados por pesquisa
bibliográfica ou listas de colecionadores, como Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello
(1999).

8
Figura 1: Lp O Encantamento do Bolero, Odeon, 1962

Vicentina de Paula Oliveira, conhecida como Dalva de Oliveira, fez imenso


sucesso na década de 1940 e 1950. Foi Rainha do Rádio em 1952 e ficou conhecida
também pelas brigas com seu parceiro e marido, Herivelto Martins, com quem travou uma
guerra midiática que envolvia criações musicais em forma de recado e resposta.
O disco O Encantamento do Bolero, de Dalva de Oliveira (figura 1), mostra na
capa uma fotografia, ocupando o canto direito, em que figura uma mulher debruçada sobre
um sofá em veludo vermelho, em trajes íntimos – o que alude claramente à vida privada e à
sensualidade erótica. A própria Dalva empresta seu semblante à imagem, unindo à
intérprete vocal o corpo que vive a narrativa anunciada. No entanto, o sorriso e a direção do
olhar à câmera/espectador incitam o leitor a uma interpretação subliminar... As faixas do
disco, na contracapa, não parecem estar em sintonia com o convite que se sugere na capa:
Minha oração; Nem Deus, nem ninguém; Tu me acostumaste (Tu me acostumbraste); E a
vida continua; Lembrança; Sabor a mi; Sem ti; Meu último fracasso (Mi último fracaso);
História de um amor; Ai de quem; Loucura, loucura A barca (La barca). Muitas dessas são
boleros traduzidos e arranjados, o que demonstra a forte penetração do gênero, no Brasil.
Os títulos abarcam a temática do amor e suas variantes e vão ao encontro da imagem da
capa e das questões já suscitadas acerca do bolero e sua temática enquanto gênero musical.

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Figura 2: Lp Ângela Maria - A Rainha Canta, Copacabana, 1955

Ângela Maria, nome artístico de Abelim Maria da Cunha, foi a recordista de


votação no concurso Rainha do Rádio, sendo eleita em 1954. No disco A rainha canta
(figura 2), de 1955, ela interpreta as músicas Escuta; Sempre Tu; Talvez seja você; Foi um
Sonho; Coisas do passado; Rua sem Sol; Caminhos Diversos; Acordes que Choram.
O semblante da cantora somado a posição das mãos próximas à face, com dedos
arqueados, aludem a um sofrimento, a um suplício, ao mesmo tempo que a boca aberta
demonstra uma situação performática, a cantora em ação. A maquiagem feita, o batom e as
unhas vermelhas, as joias e o traje dourado, de gala, demonstram uma mulher elitizada em
um ambiente noturno. Tais elementos se unem aos nomes das canções, que criam um
cenário idílico e de sofrimento amoroso, contudo, nota-se a presença de um Eu lírico mais
ativo.

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Figura 3: Lp Nora Ney, Rca Victor, 1958

Nesse Lp de Nora Ney, nascida Iracema de Sousa Ferreira, percebe-se a


intéprete em ambiente doméstico, que não olha para a câmera, mas para algo distante...
talvez as lembranças, como sugerem os títulos das faixas. Maquiagem discreta, flores ao
fundo e rosa na mão. As músicas são: Solidão; Tudo Passa; Quando a Chuva não vem;
Para falar com meus botões; Pobre de mim; Ser bom; Vai, mas vai mesmo; O que...; Pedro
manduca; O que passou, passou.
Aqui, percebe-se uma mulher mais passiva com sua dor, lamentando memórias
românticas. Vale citar um trecho de uma das faixas, a Pedro Manduca, que somente pelo
nome não revela muita coisa, mas sua letra traduz muito do espírito do Lp: “Pedro
Manduca/Não chorava, não sorria/E certa noite morria/Sem uma queixa se quer/Foi quando
viram/No seu braço tatuado/Um coração transpassado/E o nome de uma mulher”.
Cabe dizer que Nora Ney era dona de um timbre de contralto, portanto, grave e fazia
uso de pouca extensão vocal. Empregava bastante o sottovoce6, e pronunciava com ênfase seus
“erres” e “esses” cariocas, diferentemente do sotaque midiático em voga na época.

6
Técnica em que se canta de forma quase sussurrada, dando por vezes a impressão de proximidade com o ouvinte.

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Figura 4: Lp Doleres Duran Canta para você dançar nº2, Copacabana, 1957

Ao cantar alguns boleros no apartamento de Lauro Paes de Andrade, segundo relata Ruy
Castro (2015), aquele sugeriu que Adilea da Silva Rocha adotasse o nome de Dolores Duran. A
inspiração provavelmente veio da atriz estadunidense Dolores Moran. Neste Lp, que já traz a
intenção de fazer dançar em seu nome, Dolores canta: Scapricciatiello; Por Causa de Você;
Ohô-ahâ; Quem Foi?; Feiura Não é Nada; Que Murmuren; Coisas de Mulher; Viens;
Conceição; Se Papai Fôsse Eleito; Mi Último Fracaso; Camelot; Only You; Estatuto de
Boite.
A ideia é trazer à sala de quem escuta um baile, com suas músicas da moda, sua
ambientação noturna e seus enlaces e desenganos amorosos. Na capa, Dolores aparece
sentada em uma mesa, olhando para a câmera, segurando uma bebida e ladeada por mais
bebidas. Um homem, sentado à sua direita, a olha diretamente, sugerindo um flerte. Ao
fundo, a banda toca e um casal dança. Tem-se uma ilustração de um típico “Estatuto de
Boate”, citando uma das faixas do disco. A expressão da intérprete na foto, no entando, nao
é de felicidade...

Com todas as diferenças entre si, esses discos se encontram na temática do


sofrimento romântico, no ambiente instrospectivo – seja doméstico ou noturno, de boate -,
nos adereços luxuosos e na presença feminina. As músicas – algumas desde o título do

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disco – convidam o ouvinte a dançar; a dançar enquanto se sofre de amor, tal como em um
processo catártico já citado, prórpio do bolero e do samba-canção, por conseguinte, do
sambolero.
É necessário considerar ainda que cada uma dessas intérpretes, por meio de sua
performance, revelam a estética, o gosto e as implicações tecnológicas de uma época.
Como lembra Valente (2007, p. 84),
certo estilo pessoal, marcado pela impostação da voz, pela respiração, pelo
olhar, pelos gestos: a forma de expressão torna-os imediatamente
identificáveis pelo ouvinte; basta pensar em nomes como Louis
Armstrong, Frank Sinatra, João Gilberto, Mick Jagger, Billie Holiday;
para se ter uma ideia clara a esse respeito. Assim,
essas performances marcam uma época, pelo estilo peculiar do intérprete
que, invariavelmente, encontra-se subordinado às possibilidades que a
tecnologia oferece no momento.

7. Cosiderações Finais

Se a radiodifusão deu ao mundo uma nova forma de comunicação, pela primeira


vez instantânea e simultânea, abriu caminho também para que as poéticas de diferentes
lugares viajassem e se encontrassem. A intensificação do processo de mediatização deu-se
muito em função das novas mídias que ampliaram sua capacidade temporal e espacial,
gerando todo um diálogo entre linguagens midiáticas. Do rádio, vieram as revistas - que
midiaticamente são mais antigas, no entanto, encontraram sua função de divulgar a vida das
celebridades radiofônicas, por exemplo – a determinação de quem gravaria discos – por
meio da audiência, do sucesso de tal intérprete -, os filmes – quais músicas deveriam
constar em quais filmes e quais cantores deveriam aparecer etc.
O design e a fotografia encontraram um nicho nas capas dos discos, que outrora
meros envelopes catalogados, passaram a ser objeto estético carregados de uma
materialidade. Pensou-se como simbolizar a interpretação musical de um intérprete e sua
personalidade – vocal, inclusive - por meio de um conceito imagético. A imagem a partir do
som, ou, para quem vê na vitrine, a imagem que soa.
Personagens que emprestaram sua vocalidade para transmitir sentimentos de
uma composição, de uma letra e, porque não, de uma época. É importante destacar ainda, a
importância do papel feminino neste cenário. Além de emprestarem suas vozes para
celebrizar canções, essa vocalidade feminina imprime todo um aspecto da situação da

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mulher em meados do século XX. Muitas, inclusive, não apenas interpretavam, mas
também compunham, a exemplo, Maysa e Dolores Duran. Tal situação deve ser observada,
pois inverte o papel do Eu lírico, que passa a ser naturalmente feminino desde a concepção
da canção; isso ainda em tempos em que a voz socialmente dominante era masculina.
A década de 1950 no Brasil se apresenta como conjunção de mídias, gêneros
musicais, personagens, e sonoridades. Estas últimas, protagonistas de um tempo em que as
mídias hegemônicas eram mais sonoras e o audiovisual como conhecemos hoje, ainda
tomava força e fazia seus experimentos.

Referências

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