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Obras musicais e cultura

midiática: da sala de
concerto à publicidade
audiovisual
RAPHAEL FERNANDES LOPES FARIAS1

RESUMO:

O presente artigo analisa de que maneira o uso da música de concerto


na publicidade audiovisual gera uma apreciação e escuta musical mul-
tifacetadas, criando sentidos diversos para obras musicais, bem como
proporciona o deslocamento da obra por diversos nichos culturais e a
direciona, com os mais variados recursos musicais, imagéticos e midi-
áticos para a criação de símbolos no imaginário social dos consumires.
Como ferramenta de análise, faz-se uso de estudos em sonologia e pai-
sagem sonora, semiótica e da teoria da comunicação e cultura.

PALAVRAS-CHAVE: música; escuta; publicidade; ressignificação

ABSTRACT:
Raphael Fernandes Lopes Farias

This article analyzes how the use of concert music in audiovisual ad-
vertising generates a multi-faceted form of musical appreciation and
listening and creates different meanings for musical works, as well as
the displacement of the work through different cultural niches and
directs it with the more varied musical imagery and media resources
for the creation of symbols in the social imaginary of the consuming.
As a tool of analysis, apply studies in sonology and sound landscape,
semiotics and the theory of communication and culture

KEY WORDS: music; listening; advertising; transfer.

Trama: Indústria Criativa em Revista. Dossiê: Paisagens sonoras midiáticas


Ano 3, vol.5, agosto a dezembro de 2017: 220-227. ISSN: 2447-7516 87
INTRODUÇÃO

Admitida como código (BARTHES, 1977; MARTINEZ, 1991), repleta de


signos e qualidades internas, a música, ao mesmo tempo, representa uma
linguagem autorreferente, abarcadora de todo tipo de semântica, um tex-
to cultural que recebe sentidos diversos vindos de outras linguagens.
Levando em conta que as músicas podem gerar diferentes respostas
na recepção das pessoas, criaram-se usos e atrelaram-na as semânticas
diversas ao longo da História: O simbolismo sagrado, a homogeneiza-
ção social, a experiência estética, os sinais de alerta... a memorização.
Esta última, ligada a fatores como a persuasão, mecanismo indispensá-
vel para setores como a publicidade. Em uma peça publicitária, a música
pode ser considerada como um dos recursos mais eficazes no convenci-
mento do espectador/consumidor pelo fato de que ela “atrai a atenção
e se mantém por vezes na memória dos públicos durante muito tempo,
chegando por vezes a sobreviver ao próprio ciclo de vida do produto ou
serviço que ajudou a promover” (CARDOSO et al, 2010, p.16).
Além de compreender os fenômenos de memorização e simbolismos
gerados pela música, é importante apontar para o deslocamento que a
música, em especial a de concerto, sofreu e pode sofrer com adventos
tecnológicos, destacando-se a ruptura que a invenção dos meios grava-
ção e reprodução de áudio causaram em toda a perspectiva musical. O
deslocamento da música para o ambiente doméstico (IAZZETTA, 2009)
levou consigo uma série de produtos audiovisuais, por meio do rádio,
primeiro, e depois pela televisão. A televisão, mídia que entra na casa
e no cotidiano das pessoas a partir dos anos 50 do século XX, levanta
uma série de questões e traz consigo, uma série de novos usos da mú-
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sica e modificações nos modos de escuta: todos atrelados à imagem.


Se, como admite Santaella (2009), as comunicações e as artes estão
convergindo e cada vez mais gêneros artísticos tradicionais usam as
mídias tecnológicas como suporte ou ferramenta, o caso da música na
publicidade não foge a isso. Ouve-se música enquanto se assiste à tele-
visão, enquanto se está comprando em uma loja ou quando se assiste
a um comercial que tentará persuadir o espectador a consumir algo e,
nisso, ele consome já automaticamente as sonoridades que ali estão.
A trilha sonora é comumente estudada quando se fala em cinema,
mas pouco se tem sobre o tema em peças publicitárias. De fato, há

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muitas proximidades entre o filme e o comercial televisivo, mas é
inegável a diferença no intuito da mensagem em ambas, o tempo de
duração e as relações sonoras, portanto, que acabam gerando pecu-
liaridades em cada situação.
A música utilizada na publicidade levanta uma série de questões,
por exemplo, acerca dos modos de escuta, da descontextualização,
da recriação, da simbologia. Muito do que se escuta hoje, musical-
mente falando, é involuntário. Da mesma forma que o cidadão que
está na rua ou em um shopping é surpreendido ou bombardeado
por músicas em anúncios, rádios institucionais etc, o telespectador
recebe propagandas inúmeras e ouve músicas sem estar procurando
por uma experiência auditiva. Entra em contato com obras musicais
e sons que já estão completamente atrelados ao consumo de algo ou
embalam o comportamento consumista.
Entre o ano de 2016 e o começo de 2017, o autor deste texto pode
verificar ao menos sete comerciais veiculados amplamente na televi-
são aberta no Brasil que fizeram uso de obras músicas de concerto.
Foram marcas de carro, produtos alimentícios como café e choco-
late, perfume, tempero e lojas. Para o carro, usou-se a Abertura da
ópera William Tell, de Gioachino Rossini, e a Cavalgada das Valquírias,
trecho da ópera A Valquíria, de Richard Wagner; Para o café, o Can
Can da Opereta Orpheu no inferno, de Jacques Offenbach; O chocolate
foi anunciado ao som de No salão do rei da montanha, da Suíte Peer
Gynt, obra de Edward Grieg. O perfume tentou cheirar à fina ópera
de Giacomo Puccini, por meio da audição de Mio Bambino Caro; para
temperar a comida, escuta-se Dança Macabra, de Camile Saint-Saëns;
e o Rondó Alla turca, parte final de uma sonata de Mozart, embala o
anúncio de uma loja de móveis e decoração. Quanto ao arranjo das
Raphael Fernandes Lopes Farias

músicas, muitas eram utilizadas em recortes da execução real – fiel


à partitura – outras, faziam uso de palavras que corroboram para a
mensagem da venda, incorporadas pelo texto do jingle. De qualquer
modo, todas se tornam um jingle, de maneiras ainda que diferentes.
Visando relacionar reflexões sobre a reprodutibilidade técnica de
obras musicais, modos de escuta e usos publicitários inseridos nos
produtos audiovisuais, este trabalho se debruça sobre algumas das
facetas da veiculação da música de concerto no ambiente doméstico
por meio da publicidade audiovisual, de modo a analisar a hibridiza-
ção de linguagens, a apropriação de discursos e processos de trans-

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ferência, bem como perceber os processos ressignificação e desloca-
mento sofrido pelas obras quando veiculadas em peças publicitárias.
Para tanto, faz uso de estudos sobre modos de escuta e evolução
dos meios de gravação e reprodução, bem como das possibilidades de
recortes e adaptações musicais apresentados por autores como Fer-
nando H. Iazzetta (2009); a paisagem sonora e o uso da música como
ambiência – moozak - de Shaffer (2011), o conceito de transferência
aplicado à música por Edson Zampronha (2006; 2013) e as relações
entre som e imagem nas mídias audiovisuais, abordados por autores
como Michel Chion (2008). Serão levadas em conta reflexões como
as de T. Adorno (1986) e W. Benjamin (2012) sobre a indústria cultu-
ral, a recepção e percepção da escuta e a reprodutibilidade técnica,
e as análises culturais de Garcia-Canclini (2006), a fim de estabelecer
relações e efeitos socioculturais do tema. Serão ainda confrontados
estudos sobre cultura das mídias de autoras como L. Santella (2012) e
H. Valente (1999); além de outros autores que reforçam esse diálogo.
O texto transita, sobretudo, por áreas como Música, Artes e Comu-
nicação, além de emprestar conceitos da Publicidade e da semiótica.

AS TECNOLOGIAS E OS MODOS DE ESCUTA: A MÚSICA ENLATADA

Historicamente, os sons sempre foram carregados de sentidos, como


demonstra Schafer (2011). A música de concerto, entretanto, buscou
principalmente a partir do século XVIII criar uma experiência estética
pura, apenas pela audição da obra. No século XX, a Música Concreta
potencializa essa busca, eliminando distinções entre objetos musicais e
não musicais e dissociando o som da fonte sonora. Entretanto, alguns
compositores admitiram ainda um uso musical diferente, ilustrativo,
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como Erik Satie, na virada do século XIX para o XX. Há ainda linhas de
pensamento que admitem a música como código independente, outras
que consideram impossível desvinculá-la de outros sistemas simbólicos.
Obras musicais, em sua grande maioria, foram pensadas para se-
rem tocadas na sala de concerto ou em ambientes fechados; câmaras,
igrejas, salões e, mais recentemente, estúdios. A escuta foi pensada
para ocorrer de forma direta, isto é, performance-público ou ainda
mais recentemente, por meio de gravação ou transmissão televisual.
Tendo em vista que a maior parte da História da música ocorre antes
da invenção das mídias de gravação e reprodução, cria-se um para-

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doxo quando nos deparamos com seu uso em “recortado” nos mais
variados tipos de produção audiovisual, por exemplo, campanhas pu-
blicitárias e comerciais: primeiramente, o deslocamento proporciona-
do pelas mídias de gravação e reprodução, que retiram a obra de seu
ambiente de escuta idealizado e anulam parte do processo da perfor-
mance (IAZZETA, 2009). Por conseguinte, uma peça publicitária coloca
a música em um contexto de deslocamento duplo, ou seja, a modifi-
cação do ambiente de escuta, natural do meio midiático e o direcio-
namento proposital da mensagem, intrínseco à mensagem comercial.
A mensagem publicitária, por natureza, preza pelo convencimento,
dessa maneira, todos os meios empregados em um comercial devem se
harmonizar para realizar essa tarefa. Rebouças (2010) afirma que toda
linguagem publicitária “utiliza procedimentos tradicionais como: poesia,
música, teatro, imagem familiar”. Todos esses procedimentos possuem
um mesmo objetivo em comum, o de “convencer e persuadir o receptor”.
A música então surge como elemento colaborativo e essencial nesse pro-
cesso, entretanto, obras musicais trazem uma bagagem cultural consigo,
levando simbologias difusas a um comercial, sendo devolvidas a públi-
co, por vezes, com alguma ressignificação, havendo um possível choque
simbólico. Elevando isso a outro patamar, a publicidade se apropria da
obra e da possibilidade da reprodução técnica e, direcionando a obra
para uma mensagem tipicamente persuasiva, faz usos, cria estereótipos,
reforça conceitos e manipula hábitos culturais por meio da música.
Outro fato relevante é a presença de obras de concerto em comer-
ciais. Em uma breve observação, foi possível perceber algumas relações
e tipos de uso. Alguns comerciais usam a obra como trilha constante e
representativa da mensagem; outros comerciais apresentam uma trilha
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sonora que compartilha a música de concerto com outras (colocando


lado a lado gêneros distintos). Alguns comerciais empregam a obra ori-
ginal, outros fazem uma recomposição da obra, alteram sonoridades,
ritmos, acrescentam sons dentre outras modificações para adequar a
música à mensagem. Há propagandas que usam a música de concerto
apenas como trilha sonora, sem alguma referência direta à obra; outras
fazem uso do suposto glamour, da “aura” da obra, como diria Walter Ben-
jamin ([1936] 2012), para elevar a categoria dos produtos; outras ainda,
apresentam a música como algo complexo, anacrônico ou enfadonho,
usam de modo a reforçar uma ideia pejorativa de produtos da concor-

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rência, em contraponto com produtos “bons” que tem como trilha a mú-
sica [pop]ular, os hits, ou alusões musicais a estes “gêneros” da moda.
Por exemplo, As Quatro Estações, de Antônio Vivaldi2 aparecem em
inúmeras peças publicitárias comerciais, desde carros a cosméticos.
Foram usadas para reforçar conceitos de produtos comerciais e per-
petuar marcas. Com a Chopsticks Waltz3, de Euphemia Allen, ocorre
um fenômeno em que a obra passa a representar um produto de for-
ma a perder sua identidade. A melodia recebe letras carregadas de
conceitos atribuídos ao produto e a obra sofre inúmeras adaptações.
O deslocamento é tal, que existe até um funk fazendo alusão ao pro-
duto e utilizando a melodia da obra.
Sobre a reinterpretação das obras, é possível levantar uma série de
questões. Uma vez veiculada como trilha publicitária e ouvida numa si-
tuação particular, recuperaria seu sentido quando de volta ao contexto
original de concerto? As várias alterações estruturais, usos e recortes
que uma música pode sofrer para se adequar ao contexto pretendido
corroboram até que ponto e como para a perda da obra no tempo-es-
paço da cultura das mídias? Conforme Iazzeta (2009, op. cit. p. 41):

Não se pode esperar que um trecho da Ária na Quarta Cor-


da da Suíte n° 3, de Bach, seja escutado do mesmo modo
numa sala de concerto, como música e fundo em um res-
taurante, ou como acompanhamento de uma cerimônia
de casamento. Competências e estratégias diferentes são
exigidas para situações diferentes. Por exemplo, os meios
de gravação, ao colocarem música de épocas diferentes
para serem reproduzidas de um mesmo modo e dentro
de um mesmo ambiente, forçaram o estabelecimento de
uma nova compreensão do repertório musical.
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O repertório musical, hoje suscetível às mais diversas possibilida-


des de reprodutibilidade e veiculação sofrida pelas artes (BENJAMIN,
[1936] 2012, op. cit), não mais é constituído de uma relação direta obra-
-ouvinte, ou ainda, num contexto puro de apreciação-ouvinte. Há for-
mas distintas de se conhecer obras assim como de apreciá-las e uma
delas é a publicidade. Mas não a publicidade de um disco, a promoção
direta da reprodução técnica e sim, a aplicação da obra como trilha na
divulgação de outro produto. Isso gera novas interpretações, novos
padrões de apreciação, novas dinâmicas de difusão e novas relações

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entre público-obra. Além das mudanças e recortes feitos nas próprias
obras a fim de uma adequação à ideia da veiculação comercial.

Há diferentes modos através dos quais esta re-interpre-


tação que caracteriza o discurso retórico pode ocorrer
na música. Esta re-interpretação pode ocorrer na rela-
ção entre os próprios eventos sonoros dentro de uma
obra. Pode ocorrer na relação de distorção que a obra
estabelece com certas convenções de escuta. Ou, ainda,
pode ocorrer nas relações que uma obra estabelece com
outras obras anteriores a ela. (ZAMPRONHA, 2006, p.01).

A escuta atual enfrenta, além do constante deslocamento contextu-


al, a fragmentação. “(...) Trechos de árias de ópera ou motivos de sin-
fonias passaram a ser extraídos de seus contextos para tornarem-se
pequenas peças musicais autônomas. A fragmentação tornou-se há-
bito. (IAZZETA, 2009, op. cit. p. 41)”. Não é estranho, então, que a publi-
cidade selecione trechos de obras para empregar em suas mensagens
comerciais. Selecionar apenas um trecho de alguma sinfonia, o tema
de alguma canção ou uma ária de ópera, facilitariam a memorização
e as transferências simbólicas. Ou ainda, usar qualquer trecho que se
adeque as imagens e à mensagem, anulando qualquer possibilidade de
apreciação contextualizada da obra, ou ainda, de “escuta atenta”.
Quando a música se torna objeto auxiliar da mensagem publicitária,
segue na contramão do que desejavam músicos e compositores, como
Pierre Shaeffer e seu conceito de “escuta reduzida” (apud CHION, 1983).
Ocorre um fenômeno acúsmático – no caso, melhor é o termo esquizo-
fonia4, de Schafer (2011, op. cit.) - mas a escuta se mantém completa-
mente presa às imagens e cargas simbólicas extramusicais.
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Sobre os meios de reprodução técnica, García-Canclini (2006) expli-


ca que não podemos classificá-los nem como cultos nem como popu-
lares, uma vez que ocorre uma grande mistura cultural e referencial
e um grande deslocamento semântico. Sobre os videoclipes, que po-
dem se comparar, em termos de linguagem, e em certa medida, com
filmes publicitários, o autor diz:

(...) É o gênero mais intrinsecamente pós-moderno. In-


tergênero: mescla de música, imagem e texto. Trans-
temporal: reúne melodias e imagens de várias épo-

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cas, cita despreocupadamente fatos fora de contexto;
retoma o que haviam feito Magritte, e Duchamp, mas
para públicos massivos. Alguns trabalhos aproveitam a
versatilidade do vídeo para gerar obras breves, ainda
que densas e sistemáticas: Fotoromanza, de Antonioni,
Thriller, John Landis, All Night Long, de Bob Rafelson,
por exemplo. Mas na maioria dos casos toda a ação é
dada em fragmentos, não pede que nos concentremos,
que busquemos uma continuidade. Não há história da
qual falar, nem sequer importa a história da arte ou da
mídia; saqueiam-se imagens de todas as partes, em
qualquer ordem (GARCÍA-CANCLINI, 2006, p. 305).

Nesse sentido, é possível traçar uma analogia de comerciais audio-


visuais com a paisagem “lo-fi”, proposta por Schafer (2011, op. cit.).
Se, em um comercial, pensemos em um televisivo, há um produto, há
uma cena, uma mensagem intrínseca que é, ao mesmo tempo, oculta
e compreendida de antemão – uma vez que é sabido que um anúncio
visa vender – uma música, somada a uma voz, textos escritos... como
se dá o processo de escuta? Mais ainda, os próprios comerciais, são
em si uma paisagem “lo-fi” que compõem o cenário “lo-fi” das cidades
e desempenham papel importante de status quo neste ambiente.

MARCAS, PRODUTOS E IDENTIDADES SONORAS: A


TRANSFERÊNCIA SIMBÓLICA DA MÚSICA

A partir da industrialização e da produção crescente, a necessidade


de vender tornou-se premissa para qualquer produto. Logo, táticas
para tornar um produto supostamente essencial e fazê-lo conquis-
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tar o maior numero possível de pessoas emergiram. A publicidade,


então, passou a estar presente no dia a dia da sociedade, sempre
atrelada as mais diversas mídias.
Antes do surgimento das mídias audiovisuais modernas, a publici-
dade se fazia de maneira oral. Como relata Sergl (2007. p. 01), a res-
peito de uma forma mista de música e anúncio chamada “pregão”.
“O pregão sempre foi o meio mais eficiente da venda direta de um
produto. Os arautos informavam os vassalos a respeito das leis e nor-
mas estabelecidas pelas autoridades, pelo senhor feudal ou pelo rei.
Também cabia aos arautos alertar a comunidade sobre invasões e

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possíveis saques. Eles foram os primeiros ‘vendedores de ideias’. E
convenciam os cidadãos pela performance da voz.”
No entanto, a partir da invenção de meios de gravação e repro-
dução sonoros, a música sofre a possibilidade do deslocamento e
da difusão em massa, o que contribui muito para o uso publicitá-
rio. Além disso, com o avanço dessas tecnologias, tornou-se possível
a fusão da música com imagens e a dita “sociedade de consumo”
(BURKE; BRIGGS, 2006), criada pela expansão industrial passa a ser
bombardeada pela publicidade, que a todo o momento tenta ven-
der os mais variados produtos. Nesse sentido, a música surge como
ferramenta agregadora no processo de convencimento do consumi-
dor. A música pode levar a um reconhecimento, uma identificação
com um produto; pode, criar a ambiência que o elaborador da peça
publicitária deseja alcançar; pode agregar valores e símbolos a um
produto; pode criar – chamados jingles - e ou adaptar melodias para
facilitar a memorização; entre outras possibilidades.
O deslocamento da música para o ambiente doméstico (IAZZETTA,
2009) levou consigo a publicidade audiovisual, por meio do rádio pri-
meiro e depois pela televisão. A televisão, mídia que entra na casa e
no cotidiano das pessoas a partir dos anos 50 do século XX, levanta
uma série de questões e traz consigo, uma série de novos usos da mú-
sica e modificações nos modos de escuta: todos atrelados à imagem.
Os pregões e os jingles puderam então ser transmitidos em mas-
sa. E mais, obras musicais dos mais diversos gêneros puderam ser
difundidas como parte de mensagens publicitárias, sendo ampla-
mente difundidas, o que para alguns gêneros, principalmente na
música popular, levando em conta a questão comercial – tendo em
vista, por exemplo, considerações sobre Música Popular de Adorno
Raphael Fernandes Lopes Farias

(1986) – passou a ser um negócio interessante, auxiliando a divulga-


ção e a venda tanto das músicas (bens simbólicos) quanto dos pro-
dutos anunciados, gerando uma troca de valores. Por sua vez, as
músicas de concerto (sobretudo as de domínio público, termo, aliás,
que já carrega consigo um sentido de uso descompromissado), pas-
saram ser usadas à revelia, completamente descontextualizadas e
passando a representar marcas ou produtos, levando a público uma
simbologia que pouco ou nada tem a ver com a ideia da composição.
A memorização, fator extremamente importante para a publicida-
de, usa fortemente da audição para promover sua mensagem. Como

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sugere Baitello, “Porque o homem teria rompido com a sua origem
primata? Temos duas razões: uma funcional e uma estética. A razão
da melhor comunicabilidade do auditivo, da voz, que não exige o cam-
po visual, e a razão estética: a imitação dos pássaros e talvez outros
vocalizadores” (1997, p.12). Evidencia-se, dessa forma, a importância
do fator sonoro-musical para a comunicação.
O que a publicidade faz é trazer a música, independente de gênero,
para o contexto da repetição, da familiaridade e, por conseguinte, da
memorização, atrelando-a a outros códigos a carregando-a de simbo-
lismos. Segundo Castarède (apud Valente, 1999), o papel da repetição é
comunicar, e para isso faz uso de motivos musicais repetidos e figuras
essências das musicas do mundo inteiro. Mecanismos musicais como
o ritmo, acompanhamentos, cadências, são usados para criar uma
ambiência que favoreça ao ouvinte a memorização da mensagem e,
consequentemente, o não esquecimento do produto ou da empresa.

No contexto da relação entre consumidor e mensagem,


a música pode ser um mecanismo eficaz para captar a
atenção, sendo este o processo através do qual a infor-
mação se torna disponível para ser processada. Porém,
não basta que essa informação seja relevante para o in-
divíduo: tem também de lhe transmitir algum tipo de sig-
nificado (ALLAN apud CARDOSO et al., 2006, p.16).

O significado latente de uma música pode estar menos ligado à


questões intrínsecas do código musical e mais à questões culturais,
de um capital simbólico. Eis a questão da transferência simbólica en-
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tre célebres obras musicais, ditos “clássicos” ou, no caminho inverso, a


transferência de um produto sucesso de vendas – a uma obra musical.
A relação entre as duas é abordada de modo que uma transfira valo-
res à outra, tendenciado toda uma rede de interpretações.

Em casos nos quais “B” é mais conhecido ou mais familiar


que “A”, a transferência pode inverter-se, confirmando
que sempre ocorre do evento mais familiar ao menos fa-
miliar. O uso de uma música clássica em uma publicidade
pode estabelecer uma associação tão forte e habitual en-
tre produto e música que, se um ouvinte habituado a esta

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associação escuta a música clássica original em um con-
certo, pode chegar a pensar que um compositor do sécu-
lo XVIII ou XIX está citando a música de uma publicidade
do século XXI. E mesmo quando o ouvinte é consciente
de que a obra que escuta no concerto é a música original
usada pela publicidade, possivelmente não se livrará da
transferência, podendo haver certa interferência da pu-
blicidade na escuta da obra. (ZAMPRONHA 2013, p. 14).

Nesse sentido, obras de concerto que são utilizadas como trilha


para peças publicitárias audiovisuais criam uma relação peculiar de
recepção e apreciação, que ocorre da obra para o anunciado ou do
anunciado para a obra. Por um lado, obras musicais são difundidas
na mídia audiovisual, por outro, algumas se tornam jingles dos pro-
dutos que arbitrariamente ajudam a anunciar. Uma obra pouco co-
nhecida torna-se símbolo de uma marca, de um produto. Entretanto,
uma obra conhecida transfere seu valor para um produto ou marca.
Quantos conheceriam a música Chopsticks e sua compositora, Eu-
phemia Allen, como tais? A música é utilizada há décadas como trilha
dos comercias da Danone e seu Danoninho, pelo menos no Brasil. Ou-
tro exemplo, ainda que não exatamente nas propagandas, é o que
ocorre com a Für Elise, de Beethoven, que soa como espécie de moo-
zak (SCHAFER, 2011, op. cit.) em secretárias eletrônicas, chamadas
telefônicas em espera e muitas outras coisas que se pode encontrar.
Assim, algumas obras se tornam símbolos de produtos, marcas,
situações e escutas recortadas, particulares. Se a gravação desloca
obras de seu habitat, se elimina, de certo modo, a performance (IA-
ZZETTA, 2009, op. cit.) numa primeira instância, esses tipos de usos
da obra a deslocam duas vezes. García-Canclini (2006, op cit, p. 197),
Raphael Fernandes Lopes Farias

ressalta ainda que “a televisão apresenta propagandas nas quais o


prestígio dos monumentos é usado para contagiar, com suas virtudes,
um carro ou um licor”.

UM SENTIDO A SER REECONTRADO: CONSIDERAÇÕES FINAIS

A publicidade audiovisual, aparente nas mídias de massa como o


cinema, o rádio, a televisão e mais recentemente na internet, faz am-
plo uso da música como objeto de reforço em suas mensagens co-
merciais e tipicamente persuasivas. Por um lado, desloca e adapta

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uma obra musical, por outro, constrói sistemas musicais por meio de
sonoridades que atendam a sua necessidade: divulgar e persuadir.
Para se chegar a esse fim, é preciso construir uma relação bastante
harmônica e peculiar em cada peça publicitária veiculada nas mí-
dias audiovisuais para que, ao elaborar uma mensagem persuasiva
impregnada de outros sentidos e símbolos culturais, não ocorram
choques simbólicos e ruídos de comunicação, tendo em vista que
a publicidade se dirige à massa, mas esta última é composta por
indivíduos com bagagens culturais múltiplas e relações de reconhe-
cimento e afeto, inclusive com a questão musical.
Seguindo esse raciocínio, ao fazerem uso de músicas de domínio
público e ao mesmo tempo, celebrizadas, fica evidente o apelo à me-
mória e aos símbolos culturais compartilhados por povos e socieda-
des, de maneiras como: 1) As músicas suscitam uma afetividade e um
simbolismo no público e, por já serem conhecidas, facilitam a lem-
brança de um produto que pode ter seu jingle cantarolado de pronto;
2) Ao fazer uso de estribilhos das obras musicais mais presentes no
repertório de concerto, cria-se um elo de memória, tradição e repro-
dução ao passo que se perpetua essa mesma música no imaginário
coletivo; 3) Modifica-se timbres, coloca-se os atores da peça publi-
citária para produzir parte da música ouvida, acrescenta-se trechos
musicais externos a obra, enfim, uma série de recortes e colagens
com a obra a fim de criar uma descontração e uma aproximação com
o público, abrindo maior caminho para uma recepção afetiva.
Em outra análise, ainda que não haja um conhecimento profundo
da maioria do público das origens precisas das obras e seus reais
sentidos estéticos, há o conhecimento de um tipo de performance,
de um espaço performático, que leva em conta onde, quem, como e
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quando se executam/escutam tais obras. Em outras palavras, emer-


ge o valor “aurático” da obra, que viaja das salas de concerto para as
telas de televisão dentro de casa, e estão prontas para serem consu-
midas em forma de produtos, (con)fundindo a obra com o produto e
valores anunciados.
Por fim, é necessário levar em conta que, nesta sociedade midiati-
zada, onde, seguindo o pensamento de Norval Baitello Jr (2014), há um
predomínio do visual sobre o auditivo, ou seja, época em que é dada
mais atenção ao que se vê do que ao que se ouve, há um atrelamento
da música ao audiovisual, seja por meio de videoclipes, de filmes, de

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peças publicitárias e as mais variadas produções – e aos usos frag-
mentados que por vezes essas produções fazem de obras musicais.
É preciso, então, atentar para a música como linguagem in-
dependente sendo extremamente atual e importante analisar o
que se tem feito com a escuta, e com todo o potencial semânti-
co do discurso musical: quais informações latentes ele carrega.

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NOTAS

1. Mestrando (previsão de defesa para fevereiro de 2018) do programa de pós-gra-


duação em comunicação e cultura midiática da Universiade Paulista. Graduado em
Comunicação Social hab. jornalismo e Licenciado em Música.

2. Exemplos: Campanha da marca de cosméticos, Vinólia, 1998, com a modelo Gisele


Bündchen: <https://www.youtube.com/watch?v=tXsh1bZHYNY>. Acesso em 13 de jun
de 2017.

3. A música também é conhecida como “O Bife”.

4. Schafer assim enuncia o conceito de esquizofonia: “(Do grego schizo = partido e pho-
ne = voz) – empreguei este termo (...) referindo-me à separação entre o som original e
sua reprodução eletroacústica. Os sons originais são ligados aos mecanismos que os
produzem. Os sons reproduzidos por meios eletroacústicos são cópias e podem ser
representados em outros tempos e lugares”. (SCHAFER, 2011, op. cit. p 364).
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