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05/12/2014

Clarissa Peixoto: Música e História


Para iniciar a reflexão sobre a música e sua problematização no movimento modernista, é
relevante situá-lo no tempo, em intersecção com os acontecimentos políticos e sociais que
serviram de fundo para o campo da arte e da cultura.

Por Clarissa Peixoto*, no blog Para Não Desaprender

O modernismo nasce no início do século XX, sob o fim da Primeira Grande Guerra, período
em que se esgotam também os elementos que sustentam o espírito da Belle Époque. É um
momento em que “a intensificação do interesse dos intelectuais europeus pela busca de
identidades culturais calcadas no espírito nacionalista” (CONTIER, 2004, p. 10), é a insígnia
resultante do processo pós-guerra.

Para os modernistas, o debate central concretizava-se na busca da identidade do homem, da


sua singularidade. É desse aspecto que surgirá uma identidade nacional. O modernismo
brasileiro busca elevar através da produção intelectual e artística as especificidades da cultura
brasileira, em detrimento aos modelos importados da Europa.

Na concepção de Mário de Andrade, um dos principais nomes do movimento, era necessário,


para consolidar uma produção artística genuinamente nacional, voltar-se para a cultura
popular, com efetivo destaque às expressões do folclore brasileiro.

Nesse sentido, Andrade compreende a música como a expressão máxima dessa junção entre a
cultura popular – enquanto inspiração – e a produção artística erudita. Segundo, ele apud
Lamb & Bergold

a “música artística” seria desenvolvida (e assim conviria à constituição de uma cultura nacional) a partir
de uma “observação inteligente do populário”, incorporando traços do folclore, porém, não se abdicando
do procedimento intelectual. Seu ideário, portanto, está longe de considerar a brasilidade como uma
referência a exotismo ou primitivismo. (LAMB & BERGOLD, 2010, p. 222)

Andrade, “conferiu à música parte das suas atenções, tomando-a como uma fértil expressão
cultural e uma potencial catalizadora dos esforços de apreensão/compreensão da cultura”
(Lamb & Bergold, 2010, p. 218). Nessa perspectiva, a música – e consequentemente as
demais expressões do movimento modernista – encontraria o distanciamento necessário da
cultura europeia, por tanto tempo fielmente reproduzida, sem negá-la, bem como a cultura
ameríndia e a africana. Haveria assim, inspirada em aspectos genuinamente brasileiros, uma
cultura e uma arte genuinamente brasileiras.

No intuito de fomentar essa concepção, as pesquisas folclóricas de Mário de Andrade,


empreendidas durante a década de 30 do século XX, aparecem como um esforço de
constituir uma coletânea de elementos culturais que subsidiasse a arte brasileira modernista,
reunindo pressupostos para que ela pudesse forjar-se.

Segundo Contier (2004, p. 13), o compositor modernista encontrou caminhos na consolidação


da música de matiz brasileiro quando utilizou, em paralelo, novos elementos técnicos
‘introduzidos nas linguagens musicais contemporâneas – polimodalidade, polirritmia,
politonalidade’, compatibilizando-os com a temática folclórica.

A música para o movimento modernista teve papel fundamental. Reinventando-se através de


componentes da musicalidade regional em conformidade com as concepções da música
erudita; e incorporando a diversidade presente na cultura popular brasileira, através da
absorção da temática cultural e folclórica, com raízes no que havia de mais representativo da
cultura popular brasileira.

O samba no início do século XX: pressuposições

Quando se fala em música brasileira, o samba é essencialmente marcado pela sua


singularidade cultural e sua relação, por um lado com as massas populares e por outro com o
espírito nacionalista que toma corpo. Em Paranhos (2003) o samba, traz para a cena: a) o
espaço/tempo da explosão desse segmento da cultura, no Rio de Janeiro do início do século
XX; e b) sua constituição social, que perpassa pela manifestação cultural mais genuína das
camadas sociais empobrecidas, pela produção cultural mais elitizada até atingir o status de
símbolo nacional. Paranhos destaca que

Como música popular industrializada, sua expansão girou, e nem poderia ser diferente, na órbita do
crescimento da indústria de entretenimento ou, como queira, da indústria cultural. Para tanto jogaram um
papel decisivo a própria urbanização e a diversificação social experimentada pelo Brasil nas primeiras
décadas do século XX. (PARANHOS, 2003, p. 83)

O samba, ainda em disputa na sociedade, é uma manifestação gestada nesse novo ambiente
urbano. Enquanto componente de uma tradição nacionalista, influenciada também pelos
ventos do modernismo, vai sendo inventado “como elemento essencial da singularidade
cultural brasileira por obra dos próprios sambistas” (PARANHOS, 2003, p. 83).

O autor procura relacionar o samba através do tempo, considerando a sua ruptura com o
marginal; a dicotomia entre morro x cidade; as disputas no seio dessa manifestação, do
“samba amaxixado” ao samba de novo ritmo produzido no Estácio. Trata também do
preconceito ao samba e ao sambista, das tentativas de higienização do ‘produto’, de sua
nacionalização e apropriação pela indústria cultural e da conciliação social em torno dele.
Nesse último ponto, Paranhos diverge da ideia de utilização da música enquanto ferramenta
do Estado para consolidar a unidade nacional. O centro da reflexão desse autor está na
produção, no sambista e no cenário que se desenha para a consolidação de uma
cultura/identidade nacional.

Em Kerber (2002), a reflexão sobre a figura de Carmen Miranda enquanto ícone da música
brasileira daquele período toma como pressuposto metodológico o conceito de representação,
no qual o autor relaciona a força simbólica da artista sobre o imaginário popular/social,
consolidando uma identidade cultural brasileira. Neste aspecto, a música interpretada por
Carmen Miranda reflete o nacionalismo vigente, assim como constitui simbologias sobre a
brasilidade, sobre a figura do/a homem/mulher brasileiro/a.

Carmen Miranda – interprete e não compositora – não se apresenta em Kerper enquanto uma
portavoz de uma política de Estado, mas enquanto uma figura que, em sendo representante
de uma indústria cultural já bem estabelecida, reforça uma ideia vigente que necessita de
consolidação.

Considerando a questão da musicalidade, Kerper releva aqui a força da imagem


representativa, enquanto aparece em segundo plano o produto musical em si. Seu olhar vai
voltar-se ao fenômeno de massa.

Carmen teve mais popularidade entre as camadas populares do que qualquer compositor das músicas que
interpretava. Isso ocorreu, em grande parte, pelo fato de o intérprete ter um relacionamento mais próximo
com o ouvinte do que o compositor. E o intérprete que leva a música diretamente para o público, e não, o
compositor. É o intérprete a figura mais amada pelo público. Além disso, não está se falando, no caso, de
qualquer intérprete: está-se falando em Carmen Miranda, o maior nome da música popular brasileira dos
anos 30. O sucesso das músicas estava intimamente associado ao carisma de Miranda, que dava
legitimidade às representações que ela difundia (KERPER, 2002, p.01*).

Se ambos os autores procuram refletir sobre a musicalidade e a constituição de uma


identidade nacional, diferenciam-se, sobretudo, no objeto que trazem à luz da compreensão
histórica. Para Paranhos, a centralidade está na produção, na música brasileira –
especificamente o samba – enquanto uma manifestação dos diversos atores sociais que, em
processo dialético, compuseram o cenário artístico e cultural que refletem na vida brasileira
até a atualidade.

Para Keper o centro da discussão fica em torno da figura, da interpretação e da constituição


simbólica que é Carmen Miranda e aquilo que ela carrega de discursivo em sua produção
artística.

Em Paranhos, o central é o samba e o sambista, a luta intrínseca entre os atores sociais, as


disputas culturais vividas em paralelo a um esforço do Estado na consolidação da unidade
nacional através da cultura. Já em Kerber, a figura de Carmen Miranda aparece como
coautora de uma defesa dessa mesma unidade nacional, através da música, consonante ao
espírito modernista e também estadonovista, mesmo que intrinsecamente. No primeiro autor
encontramos a tentativa do resgate da música enquanto instrumento de resistência. No
último, a música apresenta-se, embora não monoliticamente, como um instrumento de
massificação.

No contexto, as referências ficam no campo da subjetividade, que embora material, não


considera os elementos que a constituem materialmente. A música reflete um determinado
contexto, sendo extrato de uma luta de ideias onde se conjuga elementos da realidade social.
A disputa sedimentada no samba é o complexo de manifestações populares, preceitos do
modernismo, nacionalismo ascendente e indústria cultural, refletindo a disputa de uma
sociedade classista.

*É jornalista e blogueira do Portal Vermelho

Referências:

BERGOLD, R. B.; LAMB, R. E. História e Música. In História, Arte e Cultura. Ponta


Grossa: UEPG, 2010, p. 209-253.

CONTIER, A. D. O nacional na música erudita brasileira: Mário de Andrade e a questão da


identidade cultural. In Revista Fenix. Vol. 1. N. 1. São Paulo: Makenzie/USP, 2004.

KERBER, A. Carmen Miranda e as representações da Nação brasileira nos anos 30: a


legitimação do nacionalismo. In Revista Métis: história & cultura. Caxias do Sul, v.1, n.1,
p.135-147, 2002.

PARANHOS, A. A invenção do Brasil como terra do samba: os sambistas e sua afirmação


social. In História. São Paulo, 2003.

TONI, F. C. Missão: as pesquisas folclóricas. Encarte. São Paulo: Sesc/PMSP, 2006.

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