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Repensando o conceito
A maior parte dos golpes de estado inventariados por Luttwak tiveram
por protagonistas facções do exército e seu livro considera o golpe
predominantemente como uma operação militar tática. O golpe militar
é, sem dúvida, a forma predominante durante o século XX. Isso fez com
que muitas vezes o copu d’état fosse identificado exclusivamente com
sua variante militar. É o que ocorre na definição que David Robertson
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Poderíamos acrescentar que, de acordo com o conceito de Luttwak, os levantes militares de 1922 e
1924 e até mesmo o putsch comunista de 1935 no Brasil seriam golpes de estado fracassados
promovidos por “facções esquerdistas do exército”, enquanto a chamada Revolução de 1930 seria um
golpe bem sucedido promovido pela mesma fração.
oferece em The Routdlege Dictionary of Politics: “Coup d’état descreve
a derrubada repentina e violenta de um governo, quase invariavelmente
por militares ou com a ajuda de militares” (ROBERTSON, 2004, p. 125).
Mas a uma definição tão limitada não permite considerar a hipótese de
golpes promovidos por grupos do poder Legislativo ou Judiciário ou por
uma combinação de vários grupos e facções. Esse parece ser o caso
brasileiro em 1964, quando a mobilização militar encontrou o respaldo
no Senado, que declarou “vaga a presidência da República” e no
Supremo Tribunal Federal, que realizou uma sessão na madrugada do
dia 3 de abril para empossar Ranieri Mazzili na presidência.
Recentemente, os golpes que derrubaram Manuel Zelaya em Honduras,
no ano de 2009, e Fernando Lugo no Paraguai, em 2012, tiveram por
protagonistas facções do poder Legislativo. O conceito precisa, portanto,
ser alargado. Aquela ideia inicial de Naudè pode ser retomada com esse
propósito, mas como um ponto de partida. O conceito deve deixar claro
quem é o protagonista daquilo que se chama coup d’état, os meios que
caracterizam a ação e os fins desejados.
O sujeito do golpe de estado moderno é, como Luttwak destacou, uma
fração da burocracia estatal. O golpe de estado não é um golpe no
Estado ou contra o Estado. Seu protagonista se encontra no interior do
próprio Estado, podendo ser, inclusive, o próprio governante.
Os meios são excepcionais, ou seja, não são característicos do
funcionamento regular das instituições políticas. Tais meios se
caracterizam pela excepcionalidade dos procedimentos e dos recursos
mobilizados. O fim é a mudança institucional, uma alteração radical na
distribuição de poder entre as instituições políticas, podendo ou não
haver a troca dos governantes. Sinteticamente, golpe de estado é uma
mudança institucional promovida sob a direção de uma fração do
aparelho de Estado que utiliza para tal de medidas e recursos
excepcionais que não fazem parte das regras usuais do jogo político.
Também aqui o espírito de Machiavelli se faz presente. Compreender o
que é um golpe de estado é o primeiro passo para poder enfrenta-lo.
Substituir o conceito por slogans pode ter efeitos positivos para a
mobilização das pessoas. Mas não é um recurso que permita
compreender a realidade presente. A própria mobilização obtida é, por
essa razão, incapaz de uma ação política eficaz. Frequentemente ela
aponta para a direção errada. Um componente importante da atual crise
da esquerda está em sua recusa a compreender a realidade. Prefere
sempre a comodidade das antigas fórmulas. A análise torna-se, assim,
serva da política. Mas sem o controle do pessimismo do intelecto, o
otimismo da vontade transforma-se em ativismo verbal. E às vésperas
de um coup d’état no Brasil, o que não tem faltado é esse inócuo
ativismo verbal.
Referências bibliográficas
AUGERAUD, W. Le coup d’état du 18 brumaire et ses conséquences.
Bruxelles: J.-H. Briard. 1853.
FAILLY, Jules. Jugement du coup d’état et de la Révolution de 1830. Paris:
Delaunay, 1830.
GABRIEL, Alexandre. Le coup d’Etat de décembre 1851 dans le Var.
Draguignan: imp. de Gimbert fils, Giraud ,1878
HUGO, Victor. Napoléon le Petit. Bruxelles: A Mertens, 1852.
HUNTINGTON, Samuel P. The third wave: democratization in the late
twentieth century. Norman: University of Oklahoma, 1991.
LUTTWAK, Edward. Golpe de Estado: um manual pratico. Rio de Janeiro,
RJ: Paz e Terra, 1991 [1969].