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IMAGINÁRIO

“A compreensão do mito talvez tivesse


Antropologia salvo Lúcio. Mas quem iria falar em mito?
O científico seria a lobotomia. A luta entre
poética da deuses e titãs foi reduzida a uma luta entre
gato e rato.”
comunicação: Nise da Silveira

esse ancestral
homem moderno1 COMO NA METÁFORA DA CAVERNA de Platão,
onde luz e trevas se mesclam na projeção
Resumo da sombra, há que se tomar o enunciado
O universo cultural de nossas civilizações se desencantou e, acima como uma imagem carregada de
só na poesia a natureza continua povoada de almas e sujeita frag men tos de sentido; um enunciado
a metamorfoses. aberto, parcial. Uma meia-verdade.
Se é razoável afirmar que o mundo
Abstract das tecnicidades declarou guerra
The disenchantment of the cultural universe of our civilization ao mito, é, no mínimo, aconselhável
has shown that only in the realm of poetry can nature continue vasculhar os po rões desse ancestral
to be settled by souls and to be submitted to metamorphoses. homem moderno, para observar mais
que explicar, com pre en der mais que
traduzir os dispositivos a um só tempo
mito/lógicos que presidem a estrutura
do simbólico, da cultura e da his tó ria
humana – ontem, hoje e amanhã. As
reflexões que surgiram aqui nada mais
são que combinações, reformatações,
recortes, por vezes certamente mutilações
e de for ma ções, do estoque de idéias
de pen sa do res contemporâneos que,
visceralmente im preg na dos de seu
tempo, abriram mão dos pertencimentos
históricos patologizantes que dissolvem o
homem na sincronia da cultura e limitam
o conhecimento ao artifício de traduções
datadas. Muitos fantasmas me visitaram
na escritura dessa co mu ni ca ção, mas
sobretudo Joseph Campbell, Claude Lévi-
Strauss, Edgar Morin, Nise da Silveira e
Gilles Deleuze povoaram a minha solidão
quando me pus a pensar a permanência do
dispositivo mítico. Viajei com esses autores.
Como duendes, eles me contaminaram
do necessário medo, diria mes mo, do
Maria da Conceição Xavier de pavor, das idéias justas, que, conforme
Almeida provocação de Deleuze, “são sempre
UFRN
aquelas idéias conforme as significações
do mi nan tes ou as palavras de ordem

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estabelecidas”2. guer ri lha, portuário de classificações
A idéia justa talvez seja aquela in ter mi ná veis, capacetes, cacetetes,
que encarcera o mito nas configurações an ti dis tô ni cos, pa la vras de ordem,
societais denominadas tribais, primitivas, ordem do dia? Contra quem e contra o
selvagens. A idéia justa toma o enunciado que estamos em guerra? Por que tanta
mí ti co como um ensaio, um estágio armação? Será mes mo esse hóspede
incipiente do pensamento; uma linguagem indesejável pela cultural Aldol, tão forte?
ainda débil, uma prefiguração arquetipal, Parece que sim! Ele é impossível!!! como
mas incompleta, do dispositivo científico. aquele menino que joga a biloca na vidraça
A idéia justa cadastra o mito conforme a da velha ranzinza!
hierarquia simplificadora do paradigma Ora, quase tudo nos leva a crer que
ocidental e reduz a uma linguagem da essa luta é inglória. Há, parece, uma parte
negatividade e da ausência. O mito seria, in sub mis sa, uma potência criadora, um
assim, uma fa bu la ção sem sentido, a dispositivo do pensamento pouco afeito
negação do tempo, a supressão da história, às conformações historicizantes. Há um
o embotamento das contradições e conflitos sentimento de dor inscrito no conceito.
sociais. A pergunta a ser feita é: de que Retorno às palavras iniciais desse texto,
sentido, tempo e história estamos a falar? para re pen sar o desencantamento. Na
Será o ideário científico assim tão narcísico, verdade, o universo de nossas civilizações
intransigente e reacionário que não permite lutou para se desencantar. Mas, ao
a enunciação de outras histórias, tempos e dissolver as antigas mitologias, a história
sentidos que não os nossos? contemporânea recolhe, da polifonia social,
Não me ponho aqui ao exercício novos materiais a partir dos quais regenera,
de responder a uma tal pergunta, nem num estilo pro pri a men te moderno,
de sis te ma ti zar ensaios – alguns já o pensamento sim bó li co/mitológico/
consagrados, outros ainda em construção mágico. Apesar de desfeita a ancestral
– que tangenciam a problemática da força analogia antropo-sócio-cósmica, a forma
do paradigma. Ao invés disso, expresso paradigmática que lhe dava sustentação
meu estranhamento e desacordo com as continua viva nas nossas ex pe ri ên ci as
idéias justas do nosso tempo que, em sua afetivas, na poesia, na psicanálise, nas
expressão má xi ma, separou o homem religiões, nas idéias de salvação, progresso
do resto do mundo, opôs a natureza à e Estado-nação, ao mesmo tempo em que
cultura, cindiu a harmonia conflitante da contamina a razão e a ciência.
ordem/desordem, fra tu rou a di a ló gi ca Um tal enunciado sugere o alerta
cérebro/espírito, corpo/alma. Imaginando contra a simplificação das interpretações
um homem sem ima gi na ção, o grande que cindem a organização complexa, digo,
paradigma do ocidente em bru te ceu a a um só tempo mito/lógica das idéias,
razão, sacralizou-a, transformou-a em mito. da cultura e da história. Mais que isto,
Para fazer jus a esse ideário, para reativa os circuitos de uma memória sócio-
tor nar operacional essa fabulação, o histórica. Mais que isto, reativa os circuitos
mundo moderno se armou até os dentes. de uma memória sócio-histórica, repondo
Um arsenal normativo de poder, inibidor da as com bi na ções mutantes entre mito e
pulsão criadora, cerceador das liberdades, racionalidades. Possibilita a compreensão
in tran si gen te com o múltiplo e com o de que o pensamento mitológico evoluiu,
diverso, tirano com o desvio, instalou-se des lo cou-se, transformou-se e produziu
nos corpos, nas almas, no aparelho de neomitos que se fixam em idéias. Assim,
Estado, nas escolas, nas ruas, campos, o neomito, forma historicizada do estilo
construções. mítico, espiritualiza e diviniza uma idéia a
Por que tanta trincheira, guerra de partir de seu núcleo interior. Sem retirar

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o sentido racional da idéia que parasita, tempo, como na expressão lendária e na
o neomito imprime aí uma sobrecarga de literatura funcional. Refaz a unidade entre a
sentido que, por vezes, transforma a idéia. busca e a experiência do sentido. Superpõe
A pergunta é, então: o nosso século planos, dimensões. Abre as identidades à
está realmente menos mitificado que os polifonia arquetipal que dissolve o herói no
chamados tempos míticos? – Respondo anti-heróico e vice-versa; vagabundeia nas
ne ga ti va men te, mas devo precisar que encruzilhadas entre o real e o ideal; funde
acepção de mito estou a falar. mundos opostos; culturaliza a natureza
Aqui, deixo de lado o mito enquanto e imprimi-lhe subjetividade ao fabular a
um enunciado, uma forma de linguagem, história animal e vegetal; antropomorfiza o
um recurso imagético de expressão da universo e imprime ao homem caracteres
cultura codificada. O meu caminho é outro. cosmológicos. Portador de uma capacidade
Nem mais, nem menos importante, apenas sintética por excelência, o dis po si ti vo
outro caminho, no qual me movo de mítico desterritorializa, define e reordena o
forma... não mais familiar, mas de um jeito estoque simbólico da construção humana.
mais faceiro, vagabundo. “O mito é a máquina de supressão do
Tomo o mito como um itinerário tempo”, sugere C. Lévi-Strauss.
do pen sa men to (E. Morin), como uma
estratégia de ver/pensar o mundo (C.
Lévi-Strauss), como um modo de pensar Mas nem só de mito vive o Homem...
do homem (Cassirer). O dispositivo mítico
é pois, assim, um estilo do pensamento Bem vistas as coisas, ao estilo mítico
humano. de pensar corresponde um outro: o lógico/
Como itinerário/estratégia/estilo, o racional. E, se é plausível afirmar que
pensamento mítico tece conjuntamente o nenhuma comunidade humana sobrevive
simbólico, o imaginário e eventualmente sem o cimento mitológico, é igualmente
o real. Pul são sobretudo criadora e inconteste que, das civilizações arcaicas às
liberta das cronologias e temporalidades modernas, o ingrediente empírico/técnico/
pa ra dig ma ti za das, a expressão mítica racional tem tecido, conjuntamente com
responde pelo ar ti fí cio de ordenação, o dispositivo mítico, a história errante do
reordenação e deformação simbólica da homem no planeta Terra.
história humana. O mito obedece a uma A produção da cultura e da história,
lei polilógica fundada no paradigma da numa palavra, a condição humana,
unidualidade que institui a um só tempo é pa ra si ta da pela unidualidade do
a identidade e a realidade. O mito é o pensamento. O homem é um animal mito-
“coagulum” do sentido. Como um jogo lógico, pro du to e produtor da dialógica
simbólico e imaginal, esse estilo de pensar entre duas es tra té gi as, dois modos de
comporta uma proliferação semântica e um decodificação do mundo. “Os dois modos
excesso de significações que, em muito, coexistem, en tre a ju dam-se, estão em
transcende a objetivação das expressões constantes interações como se tivessem
culturais. uma necessidade permanente um do
Resistindo a conceitualizações outro; podem por vezes confundir-se, mas
im pos tas pelo pensamento racional, sempre provisoriamente. Toda renúncia
a construção mí ti ca responde pelo ao crescimento empírico/técnico/racional
processo fun da men tal de projeção/ conduzia os humanos à morte; toda a
identificação humana. Sem foco preciso, renúncia às suas crenças fundamentais
as imagens míticas encadeiam seqüências desintegraria a sua sociedade.” 3
acontecimentais, quer his tó ri cas, quer É possível, sim, falar da permanência
imaginárias, quer as duas ao mes mo do mito como um recurso imagético do

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pensamento humano universal, a-histórico, não ascender à objetividade; e o racional é
antropológico. Se nos distanciamos da carenciado se for cego para a subjetividade;
desconfiança impressa pelas configurações o mythus alimenta mas confunde o
en du re ci das das significações datadas, pensamento; o logos não consegue vencer
se não nos deixamos embrutecer o obstáculo da contradição. É necessário,
pelos códigos, pela tirania da palavra, pois, entender as relações de antagonismo
pela cegueira da ra ci o na li za ção; se e complementaridade entre os movimentos
concordamos com Deleuze e Guattari dis tin tos do pensamento humano. Para
que “o conceito de um pássaro não está tal, é igualmente necessário livrar-se da
em seu gênero ou em sua espécie, mas armadilha da clareza e da obscuridade
na composição de suas posturas, de excessivas; a primeira mata a verdade, a
suas cores e de seus cantos” 4, ou com segunda a torna invisível.
Bachelard que “não se inventam idéias O homem é, pois, um ser mitológico
sem retificar um passado” 5; se exercitamos e, “quem quer que exerça os dois
outras formas de ver o mundo, uma vez que pensamentos, o empírico/técnico/racional
“mudar de método, às vezes, é se dar uma e o simbólico/mitológico/mágico, vive muito
chance suplementar de se instruir” 6; talvez naturalmente de uma maneira una e dúplice
possamos decifrar, contemplar e conviver a consubstancialidade dos dois mundos
com esse ancestral homem moderno que diferentes”. 8
somos nós.
Não há, parece, um paradigma do
homem arcaico e um paradigma do homem É hora de parar
moderno. Se ontem a distinção empírico/
técnico/racional e simbólico/mitológico/ As palavras também cansam. Batalha
mágico não se constituía em dois pólos difícil essa, do pensamento com as
se pa ra dos, mas num universo duplo, palavras! As que aqui entraram em cena
unidual, também hoje, sob um manto de um estão cansadas – talvez pela consciência
deus ciumento que desclassificou todos os mesmo de ter mutilado ou deixado de lado
outros, ao lado de uma razão narcísica que tantos outros sentidos, segredos. Mas
expurgou a imagem, a poética e a fantasia ainda há convidados a falar: devolvo a eles
(ao domesticar a pulsão imaginal criadora), as últimas palavras.
o paradigma enigmático do homem unidual O filósofo marinheiro Michel Serres
permanece. Nas palavras de Edgar Morin, parece estar a falar da sofrida separação
“o problema dos dois pensamentos não entre mito e razão: “Então, cansado de
é, portanto, um problema original, e sofrer, cada um abre os braços, como
um problema histórico ultrapassado; é faziam outrora os suplicantes, e cada
um problema de todas as civilizações, mão encontra uma mão a sua esquerda
inclusive contemporâneas: é um problema e outra a sua direita” 9. Gaston Bachelard
antropossocial fundamental” 7. confessa: “Permaneci ávido por conhecer,
Daí por que fica sem sentido afirmar a cada vez em maior número, as construções
polarização dos dois estilos de pensamento con cei tu ais e, como nunca, igualmente
que presidem a odisséia humana. Assim as belezas da imaginação poética (...), é
como cada lado de um mesmo rosto preciso moderar ou é preciso exagerar?
não configura isoladamente um rosto, a Rendo-me aos dois mo vi men tos” 10 .
ne ga ção de um dos dois pensamentos Deleuze chega também, não para falar,
dissolve o homem no reino da fabulação ou mas para fazer falar o mito que nos
no reino da materialidade. Os dois estilos pergunta: “Mas o que você sabe de mim,
de leitura do mundo são carentes um do uma vez que acredito no segredo – quer
outro: o pensamento mítico é carenciado se dizer, na potência do falso – mais do que

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nos relatos que revelam uma deplorável
crença na exatidão e na ver da de?” 11.
Deleuze recolhe-se então à sua solidão de
pensador errante, não sem antes balbuciar
estas palavras finais: “Desde o começo do
mundo, os mergulhadores do pensamento
voltam à superfície com os olhos injetados
de sangue” 12 .

Notas

1 Conferência apresentada na III Semana de Humanidades.


Natal, 1994. Publicado In: Odisséia. Revista do Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN. N. 2 – 3.
Natal: EDUFRN, mar/out, 1995.

2 Deleuze, G. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34,


1992.
3 Morin, E. O método III. O conhecimento do conhecimento/
1. Portugal: Europa-américa, s.d.

4 Deleuze, G. e Guattari, F. O que é filosofia. Rio de Janeiro:


Editora 34, 1992.

5 Bachelard, G. Fragmentos de uma poética do fogo. São


Paulo: Brasiliense, 1990.

6 Bachelard, G. op. cit.

7 Morin, E. op. cit.

8 Morin, E. op. cit.

9 Serres, M. Filosofia mestiça – le tiersinstruit. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

10 Bachelard, G. op. cit.

11 Deleuze, G. op. cit.

12 Deleuze, G. op. cit

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