Sei sulla pagina 1di 122

CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

Adriana Regen

Alta-costura e cinema: o papel da estrela no roteiro da moda

São Paulo

2007

ADRIANA REGEN

Alta-costura e cinema: o papel da estrela no roteiro da moda

Dissertação de mestrado apresentada ao Centro

Universitário Senac – Campus Santo Amaro, como

exigência parcial para obtenção de grau de

Mestre em Moda, Cultura e Arte.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Lucia Bueno Ramos

São Paulo

2007

II
Regen, Adriana
R333a Alta-costura e cinema: o papel da estrela no roteiro
da moda. – São Paulo, 2007.
116 f. : il. color.

Orientador: Profª Drª Maria Lucia Bueno Ramos


Dissertação (Mestrado em Moda) – Centro
Universitário Senac, São Paulo, 2007.

1. Moda 2. Estilo de Vida 3. Estrela 4. Indústria


Cultural. I. Ramos, Maria Lucia Bueno II.Título

CDD 391

III
ADRIANA REGEN

Alta-costura e cinema: o papel da estrela no roteiro da moda

Dissertação de mestrado apresentada ao Centro

Universitário Senac – Campus Santo Amaro, como

exigência parcial para obtenção de grau de

Mestre em Moda, Cultura e Arte.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Lucia Bueno Ramos

IV
Sumário
Agradecimentos.....................................................................................................VI

Resumo................................................................................................................VIII

Abstract...................................................................................................................IX

Introdução................................................................................................................1

Capítulo 1 A Estrela e o Star System.................................................................. 6

1.1 A Fábrica de Estrelas......................................................................... 9

1.2 A Estrela-Deusa................................................................................12

1.3 A Estrela Humanizada......................................................................17

1.4 A Estrela-Mercadoria........................................................................22

1.5 Produtos para todos os gostos.........................................................30

Capítulo 2 Audrey Hepburn, uma mulher moderna ..........................................34

2.1 Na vida como no filme.......................................................................43

2.2 Entre o patinho feio e o cisne............................................................47

2.3 O pai e os pares................................................................................57

2.4 Mulheres modernas...........................................................................61

2.5 O cisne se afirma...............................................................................63

Capítulo 3 Alta-costura e cinema: Trajetórias paralelas e colaborações............73

3.1 Audrey e Givenchy.............................................................................80

3.2 Figurinistas e criadores.....................................................................84

3.3 O marketing por trás do glamour..................................................... 90

3.4 Novos rumos no campo da moda................................................... 94


Bibliografia...........................................................................................................104

Filmografia............................................................................................................110

Índice das Ilustrações.............................................................................................111


Agradecimentos

Tenho absoluta convicção de que este projeto não teria se concretizado sem

a ajuda e o incentivo de algumas pessoas.

Em primeiro lugar, agradeço à minha amiga de sempre, Ellen Igersheimer,

que acreditou que eu seria capaz de empreender este projeto antes mesmo que

eu o fizesse. Sem o seu empurrão eu não teria sequer pensado em concorrer a

uma vaga neste mestrado.

Agradeço o apoio incondicional, afetivo e financeiro, dos meus pais, Jayme

Bayer Regen e Mina Regen, que não mediram esforços ou palavras de confiança

em todo este longo processo. Aos meus queridos irmãos, Artur, pela paciência e

ajuda com o inglês, e Renata, por ter mandado livros aos quais eu não teria acesso

no Brasil, além do eterno carinho e apoio emocional.

Obrigada à minha amiga Ruth Rebelo, excelente revisora, por ter tido paciência

de ler e reler esta pesquisa, sempre apontando caminhos gramaticais adequados.

E ao meu amigo Moacir Samea, pela bonita diagramação que transformou páginas

maciças de texto em uma encadernação de leitura agradável.

Agradeço ao meu tio Dr. Aron Diament pelo olho clínico que não deixou

escapar qualquer erro na leitura atenciosa que fez desta pesquisa desde o

primeiro capítulo, além dos elogios que foram muito importantes para que eu

seguisse em frente.

Obrigada à amiga Samia Rios, por ter se disposto a uma última leitura

atenciosa em busca de quaisquer problemas remanescentes.

À minha querida prima, Profª. Dra. Iris Kantor, que durante sua pesquisa

de pós-doutorado nos Estados Unidos encontrou tempo para garimpar trabalhos

acadêmicos que abordassem temas tangentes ao meu, suprindo-me com três

dissertações que muito contribuíram na realização deste trabalho.

À amiga e eterna incentivadora, Profª. Dra. Rejane Cantoni, cuja

contribuição foi muito útil, principalmente nos momentos finais, quando a


VI
dificuldade de fechar o texto parecia intransponível.

À minha querida orientadora, Profª. Dra. Maria Lucia Bueno, de uma

generosidade e disponibilidade únicas, que seguiu ao meu lado em cada passo

desta jornada, sempre com palavras de incentivo que não me deixavam desanimar,

além de apontar caminhos coerentes e certeiros para todas as minhas angústias e

dúvidas. Agradeço a sorte de tê-la tido como orientadora e retribuo todo o carinho e

dedicação por ela oferecidos. Gostaria também de isentá-la da responsabilidade por

algumas passagens melodramáticas do texto, palavras excessivas sistematicamente

por ela criticadas, mas que a porção “fã” desta pesquisadora não pôde eliminar,

tamanho o envolvimento emocional que desenvolveu com o objeto da pesquisa.

Agradeço também à Profª. Dra. Maria Claudia Bonadio, professora e amiga,

que me deu suporte durante a estadia de seis meses de Maria Lucia em Paris, e

que manteve seu apoio e incentivo durante todo o processo desta pesquisa.

Às outras professoras do Mestrado em Moda, Cultura e Arte do Senac, Ana

Lucia de Castro, Denise Bernuzzi Sant’Anna e Eliane Robert Moraes, pelas excelentes

aulas que tanto acrescentaram à minha pesquisa e pela leitura atenciosa dos textos

produzidos para suas disciplinas, que foram compondo aos poucos este projeto maior,

sem perda de tempo com assuntos que fugissem aos meus interesses.
Não posso esquecer a atenção e dedicação da Juliana e da Tissyana, nossos

braços direitos na secretaria do mestrado. Obrigada pela paciência e agilidade.

Agradeço também aos colegas de mestrado Cristiane Gurgel, Célia Menezes,

Alexandra Riquelme, Gabriela Ordones Penna, Mauro Fioravante e Oneide de

Carvalho. Foi muito bom compartilhar este caminho com vocês.

Agradeço a CAPES pela bolsa concedida nos últimos seis meses, um alívio

na reta final desta pesquisa.

Finalmente, quero agradecer ao meu companheiro José Gilberto Cukierman

pelo incentivo, apoio, força, dedicação, amor e, principalmente, pela paciência que

teve comigo durante esses dois anos e meio, desculpando os maus humores e as

ausências sem nunca negar uma palavra de carinho. Obrigada, meu amor.
VII
Resumo da Dissertação

Esta pesquisa visa investigar a colaboração entre os estúdios de cinema

de Hollywood e a alta costura-francesa, com ênfase no período após a Segunda

Guerra Mundial. A proposta é pesquisar o star system e o trabalho dos figurinistas

e costureiros na construção da imagem de glamour das estrelas, bem como a

maneira como essa imagem influenciou e difundiu os novos estilos de vida e as

transformações sociais do período.

Pretende-se demonstrar que tanto a alta-costura como o sistema de

produção dos estúdios de Hollywood tiveram trajetórias paralelas, tendo ambos

atingido o auge nas décadas de 1920 e 1930, entrando depois em declínio,

seguido de uma reestruturação no período entre 1950 e 1960. Com o intuito

de driblar a crise, moda e cinema desenvolveram estratégias de marketing

centradas na figura da estrela como “vitrine” da moda, uma relação comercial

que trouxe visibilidade para todos os envolvidos.

A parceria estabelecida entre a atriz Audrey Hepburn e o costureiro francês

Hubert de Givenchy será usada como estudo de caso, exemplificando a relação entre

moda, cinema e os novos estilos de vida a partir da segunda metade do século XX.

VIII
Abstract

This research aims at investigating the relation between Hollywood movie

studios and the French haute couture, focusing on the post-war period. The objective

is to investigate the star system and the role of costume designers and French

creators on movie-star image-building, as well as to understand how such image has

influenced and spread the new lifestyles and social-economics changes of the period.

The present study intends to show the parallel course of both the French

haute couture and the Hollywood movie production system in the 20th Century, from

their peak in the 1920s and 1930s until their decline and overall restructuring in the

1950s and 1960s. In order to overcome the crisis, the fashion and movie industries

developed marketing strategies focusing on the movie-star as a “fashion window”, a

commercial relationship that brought visibility to all the involved sides.

The partnership developed between the movie-star Audrey Hepburn and

the fashion designer Hubert de Givenchy will be used here as a case study,

exemplifying the relationship between fashion, the movie industry and the new

lifestyles as of the second half of the 20th century.

IX
Introdução
Sou uma profissional da área de moda há mais de vinte anos, mas a minha

ligação com o cinema é anterior, talvez herança genética de uma família de assíduos

freqüentadores que, desde a infância, nunca me permitiram perder a estréia de um

desenho animado da Disney nas sessões matinais de domingo. A ligação afetiva

se manteve ao longo da juventude, passada em salas escuras de cineclubes, onde

se podia assistir a filmes antigos e menos comerciais que os de Hollywood. A idéia

de juntar meus dois temas de interesse, moda e cinema, me acompanha há muitos

anos, desde que comecei a estudar história da moda e vê-la através dos filmes de

época, que para mim se apresentaram como inesgotável fonte de pesquisa.

Moda, com o nome de alta costura, e cinema, como cinematógrafo, surgiram

na segunda metade do século XIX e têm retratado, desde então, os costumes e

estilos de vida das populações ao longo do tempo. Tanto a moda quanto o cinema

desenvolveram sistemas de produção e distribuição eficientes e lucrativos a partir dos

anos 1900. Pode-se estabelecer um paralelo entre os dois processos, já que ambos

tiveram seu auge nas décadas de 1920 e 1930, uma retração durante a Segunda

Guerra Mundial, que prejudicou mais a alta costura, e um último fôlego nos anos

1950, entrando depois numa fase de declínio, seguida de uma reestruturação.

Além da trajetória paralela, moda e cinema firmaram uma parceria que foi

de grande ajuda para ambos os sistemas, centrada na figura da estrela. As atrizes

usavam a roupa da alta costura para enfatizar seu glamour, dentro e fora das

telas, levando ao mimetismo milhares de mulheres em todo o mundo, enchendo as

platéias ao mesmo tempo que davam a conhecer os nomes dos criadores. Estes,

por sua vez, atingiam uma clientela numerosa e internacional, principalmente

americana, que dificilmente viria por outros canais de divulgação. O nome do

costureiro sobrepunha-se ao do figurinista, contribuindo para a imagem de glamour

dos filmes de Hollywood.

  BRUZZY, Stella, Undressing cinema – clothing and identity in the movies. London/New York:
Routledge, 1997, p. 3.

Nas primeiras décadas do século XX o público de cinema era formado, em

sua maioria, pela camada mais pobre da população. Era um entretenimento barato

e sem pretensões culturais, que mostrava histórias cômicas ou mitológicas, de fácil

compreensão, a fim de contentar indivíduos de várias culturas que se encontravam

nas cidades. No primeiro capítulo demonstro que, ao longo dos anos, tanto a

freqüência cinematográfica quanto os enredos dos filmes se diversificam e se

ampliam, modificando também as relações entre o público e a figura da estrela.

“As estrelas são seres que têm as propriedades


simultaneamente do humano e do divino, análogas
em certos aspectos aos heróis mitológicos ou aos
deuses do Olimpo, suscitando um culto, mesmo uma
espécie de religião”.

Apresento o processo de “fabricação” de estrelas inventado por

Hollywood, o star system, que colocou atrizes em posição de ícones de

moda e beleza, não somente através de suas personagens nos filmes, mas,

principalmente, pelas fotografias em revistas, cartazes, programas de rádio

e, mais tarde, vinculando suas imagens à publicidade e à televisão. As

estrelas dos primeiros tempos do cinema, consideradas deusas inatingíveis,

vão se modificando a partir dos anos 1930, chegando mais perto do público

e despertando maior identificação com a audiência.

“As estrelas participam desde então na vida cotidiana


dos mortais. Não são mais astros inacessíveis, mas
mediadoras entre o céu da tela e a terra. Garotas
formidáveis, mulheres de estrondo, suscitam um
culto em que a admiração substitui a veneração. São
menos marmóreas, mas mais enternecedoras, menos
sublimes mas bem mais amadas”.

  MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Lisboa: Livros Horizontes, 1980.


  MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 30.

Na segunda metade do século XX o número de espectadores sofre um declínio,

exigindo dos estúdios uma mudança de estratégia e originando novos modelos de

produção. Com o intuito de manter o interesse do público, Hollywood lança mão

de novos recursos, como a tela grande do Cinemascope e a generalização dos


filmes coloridos. Incentivada pelos estúdios, a publicidade se apodera da imagem

das estrelas na venda de produtos de todos os tipos, de roupas e sabonetes a

eletrodomésticos e objetos de decoração.

O sociólogo Edgar Morin, cujo livro As estrelas de cinema foi uma importante

fonte para esta pesquisa, chama esse período de “crepúsculo do star system”.

Thomas Schatz, autor que relata os meandros e políticas dos grandes estúdios de

Hollywood em O gênio do sistema, é menos dramático e explica que o fim do sistema

de estúdio não significou o encerramento dos estúdios, pois estes continuaram a

ter os melhores equipamentos para produção. Mas o abandono daquele sistema

marcou o fim do período clássico, da “idade de ouro” de Hollywood.

As mudanças econômicas e sociais que ocorreram nos Estados Unidos

após a Segunda Guerra Mundial são abordadas no segundo capítulo, com

foco na postura das mulheres em relação ao trabalho externo e ao consumo,

além do surgimento dos jovens como grupo social independente. Os novos

parâmetros são discutidos através da atriz Audrey Hepburn e de seus filmes,

por representarem a imagem de uma nova feminilidade que começa a se

esboçar na década de 1950. A udrey foi uma mulher fora dos padrões instituídos

pela moral dominante na sociedade americana da época, ajudando a quebrar

paradigmas estéticos, mas também de atitudes, comportamento e estilo de

vida. Sua magreza e agilidade contrastavam com as estrelas curvilíneas que

faziam sucesso naquele período. Além disso, ela estabeleceu uma parceria

inédita com o costureiro francês Hubert de Givenchy, que a vestiu em sete

filmes e também fora das telas.

  SCHATZ, Thomas, O gênio do sistema. São Paulo: Companhia das letras, 1988, p. 480.

“Após tantas garçonetes de drive-in tornando-
se estrelas...enfim, a classe. Nesta categoria só
ouve Greta Garbo, a outra Hepburn, e talvez Ingrid
Bergman. É uma rara qualidade, mas meu amigo, você
a reconhece quando encontra.”

Esta relação entre a estrela e o costureiro é analisada neste trabalho

como um exemplo da colaboração entre o cinema e a moda, que funcionou

como ferramenta de marketing para ambas as indústrias ao longo do século

XX. O terceiro capítulo aborda as parcerias entre a moda e o cinema desde

as primeiras décadas do século, com foco nos mecanismos de produção das

casas de alta-costura e sua relação com as estrelas. Audrey vestia Givenchy

em todas as ocasiões públicas ou nos lançamentos dos filmes e posou como

modelo para fotos de inúmeras coleções, beneficiando-se da nova estética

proposta por ele, em sintonia com a imagem de mulher moderna que ela

representava. Ele, por sua vez, ganhou visibilidade internacional e uma

clientela americana fiel graças à fama da atriz.

A partir de meados dos anos 1960 a alta-costura, assim como o cinema,

começa a perder seu público. A fragmentação dos estilos de vida na nova sociedade

de consumo, com as mulheres no mercado de trabalho e os jovens se afirmando

como grupo social específico, resulta numa abertura de mercado para atender

às novas necessidades. A indústria da moda e a indústria cultural em geral se

diversificam, aliando-se aos avanços tecnológicos que possibilitam o aumento da

oferta de produtos para todos os gostos, como explica a socióloga Diana Crane.

Surge o prêt-à-porter, com roupas práticas de boa qualidade, que atendem clientelas

das classes alta e média. A mulher moderna, com sua vida movimentada, não quer

mais perder tempo com provas no atelier do costureiro.

  Comentário do diretor William Wyler sobre Audrey Hepburn. In: DUNCAN, Paul; FEENEY, F.X.,
A. Hepburn. Koln: Taschen, 2006, p. 48.
  CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade nas roupas. São Paulo:
Senac, 2006..

“Os modernos dos anos 1960 têm uma nova
concepção de ‘distinção’, deixando de considerar
o chique sofisticado, valorizando uma elegância
modernizada e sem rigidez” .

A presença dos jovens ganha importância e cria novas demandas de produtos

de moda, e novos estilistas para supri-las. Londres surge como pólo de tendências,

ofuscando a hegemonia de Paris. A moda de rua, produzida espontaneamente por

e para grupos sociais distintos, destina-se aos mais jovens, de várias camadas e

rendimentos distintos, onde a alta moda passará a se inspirar.

A segmentação e os novos ritmos de vida fizeram a alta-costura perder muito

do seu público, assim com a televisão prejudicou a audiência cinematográfica. Para

ambos os sistemas, da moda e do cinema, só restava mudar para sobreviver.

  VINCENT-RICARD, Françoise, As espirais da moda. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 67.

Capítulo 1

A Estrela e o Star System

O cinema surgiu no final do

século XIX na França em forma de

pequenos filmes que documentavam

imagens em movimento do dia-a-dia.

Desde então caracterizou-se como

o primeiro veículo de comunicação

a reunir espectadores de todas as

classes sociais, urbanas e rurais,

Publicidade de espetáculo paralelamente aos jogos esportivos,


cinematográfico em 1896
por ter um caráter de entretenimento

acessível à maioria da população.

Foi inicialmente nos Estados Unidos que esta nova arte se profissionalizou,

desenvolvendo um sistema de produção de filmes eficiente e lucrativo e atingindo

uma hegemonia sem precedentes na indústria cultural mundial. Este processo,


iniciado nos anos 1910, toma forma na década seguinte, alcança a maturidade

a partir de 1930 e o auge durante a Segunda Guerra Mundial, entrando em

declínio entre 1950 e 1960, como veremos ao longo deste trabalho.

“Assim como outras indústrias modernas, que


precisavam produzir e vender em grande escala, o
cinema desenvolveu sua própria versão do sistema
de linha de montagem, com uma adequada divisão e
subdivisão de trabalho”.

 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p, 23.


 Utilizo o conceito de indústria cultural como sendo o desenvolvimento técnico que permitiu a
reprodução de vários e diferentes itens de consumo, inclusive culturais. MORIN, Edgar, Cultura de
massas no século XX – O espírito do tempo – vol. 1. São Paulo: Editora Brasiliense, 2002, p. 22.
 SCHATZ, Thomas, O gênio do sistema. Op cit, p. 36.

O parágrafo acima foi extraído do livro O gênio do sistema, de Thomas
Schatz, onde ele apresenta o processo de profissionalização do cinema de

Hollywood até se tornar uma indústria ativa e lucrativa. Credita-se o implemento

de um sistema eficiente de produção para os estúdios ao produtor Irving

Thalberg, que trabalhou na Universal no início dos anos 1920, passando depois

para a MGM. Na primeira década do século essas empresas instalaram seus

escritórios em Nova York e a eles cabia cuidar da publicidade e do marketing para

o lançamento dos filmes. A Califórnia foi escolhida para sediar as estruturas de

produção e filmagem por ser um estado de vastas terras desabitadas e baratas,

além do clima favorável o ano todo. Os grandes estúdios (MGM, Paramount,

Warner Bros e 20th Century-Fox) possuíam uma rede própria de salas de

cinema, divididas entre as de primeira e as de segunda linha. As películas

também se dividiam nessas categorias, sendo que os filmes “A”, de primeira

linha, tinham estrelas como protagonistas e, em geral, os melhores diretores.

Os “B” contavam com atores, atrizes e diretores experientes, acostumados

a rodar um filme por semana, de baixo orçamento, com histórias que

incluíam efeitos especiais para atrair o público. Os filmes “A’, chamados

de star-vehicles (veículo para estrelas, em português), eram mais caros e

produzidos em menor quantidade, mas garantiam uma grande audiência

por muitas semanas. Assim a programação das salas de exibição estava

sempre garantida. Nas de primeira linha ficavam em cartaz as produções “A”,

enquanto houvesse público. Depois, os mesmos passavam para as salas de

segunda, que durante a maior parte do ano ofereciam programas variados de

filmes “B”, curtas metragens e sessões duplas para toda a família.

Astros e estrelas representavam a mercadoria mais valorizada e eram

contratados dos estúdios, assim como diretores e roteiristas. Irving Thalberg instituiu

um controle central sobre a produção, preocupando-se com os cronogramas e o

tempo de filmagem, assim como com a quantidade de filme gasto pelo diretor.

Thomas Schatz descreve o processo:



“Louis Mayer controlava as estrelas e as tinha
sob contrato. Irving Thalberg, por sua vez, as
mantinha ocupadas (...) Isso exigia cronograma
e desenvolvimento de roteiro meticuloso; estreita
colaboração com os vários chefes de departamento
para assegurar a eficiência e garantir os valores
de produção; e ainda uma cuidadosa supervisão
de cada filme. Thalberg contava com um grupo
de assistentes que facilitavam o seu trabalho
(...) eles preparavam os projetos para produção
e depois monitoravam as filmagens, sempre de
olho no orçamento e no cronograma, bem como nas
atividades do dia-a-dia do estúdio”. 

Na primeira década do século XX, os atores famosos do teatro foram

requisitados para o cinema e filmados em cenários e papéis teatrais, mas logo

se percebeu que o resultado não causava o mesmo efeito do palco. Atores

anônimos passaram então a ser contratados para representar personagens de

histórias em série como Fantomas e Nick Carter, tornando-se conhecidos apenas

pelos nomes de seus personagens. Os heróis cômicos foram os primeiros a se

libertar dos personagens, passando a ser identificados por seus nomes próprios

ao interpretar diferentes heróis em diferentes filmes. O ator começava a se impor

sobre o personagem. Gilbert M. Anderson, intérprete de Broncho Billy, o primeiro

cowboy, apareceu pela primeira vez no filme The great train robbery, de 1907,

e ficou conhecido por interpretar mais de quinhentos filmes entre westerns e

comédias familiares. Para o sociólogo Edgar Morin, este é o momento da origem

do estrelato, quando o nome do ator torna-se tão forte que passa a ser o principal

fator de interesse do público no filme.

 SCHATZ, Thomas, O gênio do sistema. Op cit, p. 58.


 O grande roubo do trem, Edwin S. Porter, EUA, 1907.
 MEDINA, Francisco, Gran historia del cine. Madrid: SARPE, 1984.
 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 19.

1.1 A Fábrica de Estrelas
Os espectadores das primeiras décadas do cinema nos Estados Unidos

eram imigrantes pobres, vindos de várias partes do mundo e com culturas

diferentes. Despojados de seus divertimentos rurais, incompatíveis com o ritmo

da vida urbana, encontraram no cinema um entretenimento barato e de fácil

compreensão, já que os enredos desta época eram evasivos e universais,

mostrando lendas e histórias de heróis fantásticos. Na medida em que o tema

do amor começa a ganhar importância junto ao público através de roteiros

inspirados em folhetins e romances melodramáticos, a câmera passa a mostrar

o rosto feminino cada vez mais próximo, cultuando a estrela na pele da heroína

e oferecendo-a à projeção-identificação do espectador.10 No livro The celluloid

sacrifice, Alexander Walker sugere que a diferença básica na identificação da

platéia com os atores de cinema, em relação aos do teatro, é a descoberta

do rosto, da expressão revelada de perto pela câmera, levando o público a

compartilhar a emoção do personagem em cena.11

O sociólogo e pesquisador de cinema Andrew Tudor, em seu livro Image

and influence, explica que a identificação pode acontecer de diferentes maneiras.

Numa versão leve, a audiência está interessada no filme ou é atraída por uma

característica do ator ou do personagem com o qual se identifica. Em caso de

uma auto-identificação, o espectador coloca-se na mesma situação da estrela

no filme como se fosse o próprio personagem. Na imitação, mais comum entre

os jovens, a relação com a estrela extrapola o filme, tornando-se um modelo

estético para a vida do fã ao imitar o cabelo, as roupas e a aparência em geral.

O último estágio é o da projeção, quando o espectador procura imitar o estilo de

 BUENO, Maria Lucia, Artes plásticas no século XX: Modernidade e globalização. Campinas:
Editora da Unicamp, 1999, p. 105.
 Projeção: “operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa
– qualidades, sentimentos, desejos e mesmo ‘objetos’ que ele desconhece ou recusa nele”.
Identificação: “processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade,
um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro”.
LAPLANCHE E PONTALIS, Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
10 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 20.
11 WALKER, Alexander, The celluloid sacrifice. London: Michael Joseph, 1966.

vida da estrela, não se limitando somente

a vestir-se igual, mas pensando, falando e

agindo conforme imagina que ela o faria.12


Entre 1913 e 1919 a figura da estrela se

cristaliza, passando a ser a principal demanda do

público e o aspecto que mais influencia o fenômeno

de projeção-identificação do cinema com o

espectador. O vedetismo de alguns atores nasce

do próprio imaginário, a partir de determinado

personagem representado na história. Outros

viram ícones e despertam interesse em qualquer

papel, tornando-se o próprio chamariz e a garantia

de sucesso de qualquer filme, uma espécie de


Florence Lawrence,
seguro anti-risco para o estúdio.13 O sistema de
a 1ª estrela a ter seu
nome nos créditos
estúdio, que controla os conteúdos, a direção e a
em 1910.
publicidade dos filmes, aperfeiçoa-se em relação a

seus atores e atrizes, dando início ao star system,

o sistema de fabricação de estrelas. O processo começa com a descoberta, passa pelo

trabalho de desenvolvimento dos potenciais, pela estratégia de lançamento e, por fim, à

monitoração do sucesso, traduzida em lucro para os produtores. A operação exemplifica

bem o significado do conceito de indústria cultural.

Em princípio qualquer pessoa poderia tornar-se uma estrela, já que os

Estados Unidos são uma terra de grande mobilidade social e de oportunidades

para todos. Este sonho motivou exércitos de mulheres, na primeira metade do

século XX, a procurar concursos de beleza e escolas de atores na esperança de

serem “descobertas” por um caçador de talentos. Theodor Adorno14 observa que

12 TUDOR, Andrew, Image and influence. London: Allen & Union, 1968, p. 80.
13 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 20.
14 Theodor Adorno foi um filósofo da escola de Frankfurt que realizou pesquisas sobre a cultura de
massa nos Estados Unidos nos anos 1930, e cunhou o termo “indústria cultural” nos anos 1940.
10
as atrizes e atores escolhidos por estes profissionais eram tipos ideais da nova

classe média, o que favorecia a identificação do público. A estrela na personagem

de uma simples empregada é a auto-imagem idealizada pela mulher comum, mas

na cena seguinte ela já aparece com um belo vestido de festa. A pessoa comum

se vê na atriz que chegou lá, porque pensa que também poderia chegar, mas ao

mesmo tempo percebe a imensa distância entre elas. A identificação ingênua é

prontamente desmentida.15
Edgar Morin descreve o processo de fabricação de uma estrela a partir de

dois pré-requisitos básicos: beleza e juventude. Após alguns testes fotográficos a

jovem vai para Hollywood, tem sua imagem transformada pelas mãos de vários

profissionais da estética, inclusive dentistas e, eventualmente, um cirurgião. Aprende

a andar, cantar, dançar e falar sem sotaque. Faz testes de gravação e consegue

um papel secundário. É posta sob contrato, o que significa que o estúdio passa

a escolher tudo em sua vida, do carro ao animal de estimação.16 Se o número de

cartas dos fãs for significativo, o escritório de publicidade começa a fabricar notícias

a seu respeito, até mesmo um romance com um ator famoso, publicadas nas

revistas especializadas. Fotos glamurosas alimentam as colunas sociais e várias

informações sobre sua personalidade aparecem na imprensa. Por fim é colocada

como atriz principal de uma grande produção e, a partir da reação do público, pode

tornar-se uma estrela. Os publicitários dos estúdios trabalham para perpetuar seu

estereótipo em sintonia com a personagem que interpreta em cada filme. Também

são responsáveis por criar os produtos de merchandising, explorando ao máximo

sua imagem.17 A quantidade de correspondências que a estrela recebe é a medida

do investimento que o star system fará nela.

O sucesso do estrelato dependia desta manipulação, nem sempre bem

sucedida, uma vez que era impossível exercer um controle total sobre o gosto

da audiência. Apesar de alguns fiascos, a estrela torna-se cada vez mais um

15 ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 45.
16 MORIN, Edgar. As estrelas de cinema. Op cit, p. 44.
17 DYER, Richard. Stars. London, BFI Publishing, 1986, p. 13.
11
elemento vital da economia de Hollywood, uma garantia de lucro, mesmo que o

seu salário seja a maior porção do orçamento de um filme.

O especialista em cinema Richard Dyer, em seu livro Stars, cita uma frase
famosa de um dos principais produtores da época áurea de Hollywood, Samuel

Goldwin: “Deus faz as estrelas. Cabe aos produtores encontrá-las”. Atores podem

tornar-se estrelas por seu talento, mas este não é um requisito fundamental,

já que há exemplos de estrelas sem talento e de atores e atrizes excelentes

que não alcançaram esse estatuto. O estrelato depende de um conjunto de

fatores subjetivos, como a presença frente à câmera, o charme, o sex-appeal, a

fotogenia, além da personalidade, que também pode ser “fabricada”.18 A questão

dialética da estrela como fenômeno de produção e de consumo é complexa. O

star system a fabrica conforme a demanda do público, ou este está aberto a

consumir qualquer produto oferecido pelo cinema? A indústria cinematográfica

controla o gosto da audiência ou o alimenta? O que é claro é que a estrela tem

uma função econômica e que o estúdio de cinema é uma empresa capitalista

que visa o lucro como qualquer outra.19

1.2 A Estrela-Deusa
A estrela confere glamour ao

cinema de Hollywood. Este adjetivo

remete à magia e ao encantamento,

desperta o desejo de admirar e de se

apropriar de uma imagem atraente e

fascinante. Uma técnica utilizada por

Hollywood para enfatizar o glamour


Glamour na imagem da
estrela-deusa Marlene das atrizes era a iluminação do filme,
Dietrich, vestida por
Travis Banton. que eliminava as sombras e destacava

a figura do fundo, formando um halo

18 DYER, Richard, Stars. Op cit, p. 18.


19 DYER, Richard, Op cit, p. 10.
12
brilhante em volta da personagem em cena. O gel nos cabelos e outros materiais

brilhantes e reflexivos no cenário ajudavam a provocar distanciamento20, fator

importante para despertar a admiração do público e perpetuar o lugar mitológico e

inatingível da estrela.

O filósofo Walter Benjamim questiona essa “aura” produzida artificialmente

pelo cinema, assim como a falsa construção da personalidade da atriz. Para ele,

“o culto da estrela, que favorece o capitalismo dos produtores cinematográficos,

protege essa magia da personalidade que há muito está reduzida ao encanto

podre de seu valor mercantil”.21 Ele não está criticando o fato de o filme ser uma

reprodução, pois reconhece que o cinema é uma arte que depende do número de

cópias para ser economicamente viável. A crítica é a respeito da divulgação de uma

imagem enganosa, forjada para causar atração e encantamento no espectador.

A estrela das primeiras décadas do cinema estava numa posição equivalente

à da aristocracia, inatingível ao grande público,

e os estúdios se esmeravam em manter

esta imagem mitológica. Outro autor que

identificou a aura do close cinematográfico foi

Roland Barthes, que em Mitologias publicou

um ensaio sobre o rosto de Greta Garbo.

“Garbo pertence ainda a essa fase do cinema em que


o enfoque de um rosto humano deixava as multidões
profundamente perturbadas. (...) O rosto de Garbo
representa o momento frágil em que o cinema está
prestes a extrair uma beleza existencial de uma beleza
essencial, em que o arquétipo está se infletindo em
direção ao fascínio pelos rostos perecíveis, em que
Greta Garbo,
“A Divina”. a clareza das essências carnais cederá lugar a uma
lírica da mulher.”22

20 MASSEY, Anne, Hollywood beyond the screen. Oxford-New York: Berg, 2000.
21 BENJAMIM, Walter, “A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica”, In: LIMA, Luiz
Costa (org.), Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 221.
22 BARTHES, Roland, “O rosto de Garbo”, In: Mitologias. São Paulo: Difel, 1982, p. 47.
13
Diversos autores, como Edgar Morin,

Alexander Walker e Richard Dyer, já descreveram

a trajetória de mutação da imagem das estrelas.

Até o início da década de 1930 elas eram

consideradas deusas mitológicas, originando

verdadeiros cultos às suas personalidades.

Sublimes e excêntricas, construíam castelos

e piscinas, andavam em limusines, vestiam-se


A imagem doce
e desamparada de maneira luxuosa e viviam eternamente em
de Lilian Gish.
festas. Eram amadas e admiradas como

modelos ideais de comportamento

por milhares de fãs, mesmo que suas

vidas estivessem muito acima do que

pudesse sonhar uma pessoa comum.

Na tela, protagonizavam personagens

que se enquadravam em arquétipos,


Theda Bara,
a primeira mulher como a virgem inocente ou rebelde, muitas
fatal do cinema.
vividas por Lilian Gish ou Mary Pickford, a “noiva

da América”; ou Theda Bara, a mulher fatal, que

pode ser vampe ou prostituta; ou ainda uma

mistura da virgem com a vampe, misteriosa e


sofredora, como a divina Greta Garbo.

Entre os arquétipos masculinos podemos

citar os heróis cômicos, os aventureiros, como

Robin Hood ou outros personagens de Douglas

Fairbanks, os justiceiros, como o mascarado

Zorro ou o mosqueteiro D’Artagnan, ou ainda o


Mary Pickford, a sedutor, do qual Rudolph Valentino é o maior
noiva da América.
representante e exemplo de devoção ao mito, já
14
que duas mulheres se suicidaram no dia da sua morte. 23
Um elemento de suma importância na composição da estrela era o cuidado

com a imagem. Roupas, cabelo e maquiagem foram observadas e copiadas por

fãs no mundo todo. Nos primeiros anos do cinema os atores traziam suas próprias

roupas para as filmagens. Os figurinistas desse período só desenhavam as peças

de época para filmes históricos. Os figurinos para westerns eram alugados em

empresas especializadas nesse tipo de vestimenta, que supriam também os

habitantes da região que lhes servia de cenário. Em função da diversificação dos

enredos e do crescimento do prestígio das estrelas, o papel do figurinista em

Hollywood foi ganhando importância ao longo da década de 1920.24

Claire West, que estudou em Paris e trabalhou com D. W. Griffith em

Intolerance25, foi a primeira figurinista contratada por Cecil B. DeMille para

a Paramount, e este, por sua vez, foi o primeiro diretor a dar importância ao

figurino. Ele disse a Howard Greer, que substituiu Claire West em 1924: “quero

roupas que façam as pessoas ficarem ofegantes quando a vêem. Não quero que

qualquer um possa comprá-las numa loja”.26 Howard Greer contratou Edith Head

como sua assistente em 1925. Futura ganhadora de muitos Oscars, a partir dos

anos 1940 foi nomeada chefe do departamento de figurino da Paramount, onde

permaneceu até o final da década de 1960.

O modernismo europeu dominou a estética a partir de 1920, e o cinema de

Hollywood retratou esta vanguarda em seus cenários aerodinâmicos e geométricos

e no mobiliário art déco. Desde 1925 os designers americanos visitavam Paris em

busca de inspiração, mas também para copiar as últimas tendências da moda e da

decoração. O figurino glamoroso mostrado nos filmes americanos seguia o estilo

da alta costura parisiense.27

23 COSTA, Antonio, Compreender o cinema. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1987, p. 67.
24 CHIERICHETTI, David, Edith Head – the life and times of celebrated costume designer. New
York: Harper Collins, 2003, p. 13.
25 Intolerância, D.W.Griffith, EUA, 1916.
26 CHIERICHETTI, David. Edith Head – the life and times of celebrated costume designer. Op cit, p.14
27 MASSEY, Anne. Hollywood beyond the screen. Op cit, p. 29.
15
Mudanças na moda poderiam arruinar

um longa-metragem, já que o lançamento

demorava até dois anos após o término das

filmagens. Aconteceu, por exemplo, quando a

alta-costura francesa alongou o comprimento

dos vestidos em 1929, decretando uma nova

estética para a próxima década. O resultado:

muitos rolos de filme jogados no lixo. Nesta

época Hollywood declarou sua intenção de

superar Paris como líder na inovação da


moda.28 Adrian, figurinista da MGM de 1928

A atriz Joan Crawford a 1942, dizia que a moda para o cinema


fotografada em
cenário art dèco. precisava estar fora das tendências da época

para se tornar tendência dois anos depois.

Para isso, os figurinistas deveriam se informar com antecedência, como já faziam

os designers e compradores de Nova York.29 Hollywood não lançava roupas, e


sim imagens de moda, porém a França estaria sempre na posição de “ditadora”

de novidades para o consumo, e o star system precisava manter suas estrelas

atreladas a esta imagem de glamour.

A quebra da bolsa de Nova York em 1929 seguida do período da Depressão

nos primeiros anos da década de 1930 causaram uma retração no consumo da

população e na produção industrial. A indústria cinematográfica foi exceção, tendo

mantido um alto nível de crescimento em função dos ingressos vendidos a preços

muito baixos. Juntamente com o rádio, que também viu suas vendas aumentarem,

o cinema era o entretenimento mais barato e ampliou sua audiência no período,

com a adesão da nova classe média às salas de exibição. O cinema falado, iniciado

em 1927 com o The jazz singer30, assim como os primeiros filmes coloridos a partir

28 BRUZZY, Stella, Undressing cinema – clothing and identity in the movies. Op cit, p. 4.
29 MASSEY, Anne. Op cit, p. 77.
30 O cantor de jazz, Alan Crosland, EUA, 1927.
16
de 1932 ajudaram a atrair um público cada

vez maior e mais diversificado.31


Em 1931 Samuel Goldwin teve a idéia

de contratar, pelo salário de um milhão de

dólares por ano, Coco Chanel, então a mais

moderna das criadoras da moda francesa,

para desenhar o guarda-roupa pessoal e o

figurino das principais atrizes da MGM. Sua

idéia era modernizar o visual delas, cujos

estilos extravagantes não combinavam

com os novos tempos de depressão. A

experiência não deu certo, já que as estrelas

não pretendiam vestir-se de forma simples. O

choque de egos também parece ter sido um


Coco Chanel veste
roupa de malha típica motivo forte para o abandono do projeto, já
de seu estilo em 1929.
que Chanel estava acostumada a dar ordens

até para suas clientes da aristocracia.32

1.3 A Estrela Humanizada


A ampliação e a diversificação da audiência, a partir da crise de 1929,

trouxeram mudanças significativas para a indústria cinematográfica. Com o intuito

de se aproximar do novo público, as estrelas se humanizaram, incorporando os

comportamentos típicos da sociedade americana. Isso concedeu-lhes uma dupla

natureza, ao mesmo tempo divina e humana, facilitando e ampliando a identificação

com a platéia. O espectador passa a viver a vida intensa e amorosa dos seus ídolos,

sua liberdade de movimento, suas paixões e seu lazer. O estilo de vida da estrela

torna-se o modelo projetivo-identificativo da felicidade moderna, e o amor o tema

central desta felicidade e o arquétipo dominante da cultura de massa.33

31 BUENO, Maria Lucia, Artes plásticas no século XX: Modernidade e globalização. Op cit, p. 82.
32 HAYE, Amy. Chanel: The couturiere at work. Londres: The Victoria & Albert Museum, 1995.
33 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 71.
17
“A estrela tornou-se efetivamente familiar (no
duplo sentido do termo). Antes de 1930 ignorava
o casamento burguês e só se ligava a estrelas da
mesma categoria. Posteriormente, pôde, sem se
rebaixar, desposar atores secundários, industriais,
médicos. Já não habita o castelo semifeudal ou o
templo pseudogrego, mas o apartamento ou a vila, ou
mesmo o rancho. Exibe com toda simplicidade uma
vida de interior burguês: põe um avental desbotado,
acende o fogão, prepara ovos com presunto. Antes
de 1930, a estrela não podia engravidar, depois de
1930 pode ser mãe, e mãe exemplar”.34

Alguns autores citam o início do

cinema sonoro como ponto de transição

para esta transformação, pois o som da voz


A estrela Bette Davis
saindo do camarim
tornava os atores mais reais.35 Edgar Morin
em 1935.
refere-se ao “aburguesamento” dos enredos

cinematográficos como principal motivo para a mudança. Os filmes das duas

primeiras décadas eram basicamente épicos (Ben Hur36, The birth of a nation37),

comédias (com Charlie Chaplin, o “gordo” Roscoe Arbuckle, Harold Lloyd e Buster

Keaton) ou westerns. As histórias de mitologia e contos de fadas mostravam um

universo muito além da realidade.

Na nova sociedade do século XX, valores burgueses como a ética do trabalho,

a família, a moral e os interesses econômicos passaram a ser o ideal de vida das

classes trabalhadoras. Com o intuito de atrair um público cada vez mais amplo e de

todas as classes sociais, os enredos tornaram-se menos melodramáticos e mais

alegres, elaborados e inspirados no romance burguês, aproximando o imaginário

do real. As intrigas ficaram plausíveis, os cenários reais, com os atores atuando

de maneira menos teatral e mais natural, provocando simpatia e tornando-se uma

34 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 30.


35 DYER, Richard. Op cit, p. 24.
36 Ben Hur, Fred Niblo, EUA, 1925.
37 O nascimento de uma nação, D.W. Griffith, EUA, 1915.
18
espécie de sósia do espectador.38 Os
filmes dirigidos por Frank Capra, por

exemplo, faziam muito sucesso por

retratarem o cotidiano e a dura realidade

das pessoas durante a Depressão.39 As

histórias passaram a investir no amor,

Mr Deeds goes to town, na aventura, na família e em temas do


comédia de Frank Capra
com Gary Cooper cotidiano, mas quase sempre os heróis
e Jean Arthur, 1936.
venciam, se encontravam, sobreviviam e

se amavam. Hollywood instituiu o happy

end (final feliz, em português) obrigatório e a comédia ligeira no início da década de

1930, a fim de ajudar o público a esquecer os tempos difíceis.40

Os gêneros dos anos 1930 se diversificaram em comédias românticas,

musicais, policiais ou ainda filmes de terror e suspense, cheios de efeitos especiais

como King Kong41 e Frankenstein42. Até o divórcio começou a aparecer em vários

filmes, caso de Awful truth43, de 1937, com Irene Dunne e Cary Grant, onde eles

se divorciam e voltam a casar no final feliz. Alguns estúdios se especializaram em

determinados gêneros, caso da MGM com os musicais e da Universal que investiu

nos filmes de detetive, os chamados noir, na década de 1940.44

Os arquétipos também se modernizaram e se multiplicaram, aproximando-

se dos tipos reais encontrados na sociedade americana. A vampe se humanizou

e se fundiu nos outros arquétipos, diluindo o amor e o erotismo por todas as

personagens. Assim, a jovem casadoira e virgem passa a ter um certo sex-

appeal, e ao mesmo tempo pode ser uma boa amiga. Em A Star is born45, Janet

38 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 91.


39 BUENO, Maria Lucia. Op cit, p. 91.
40 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 23.
41 King Kong, Marian C. Cooper, 1933.
42 Frankenstein, James Whale, 1931.
43 Cupido é moleque teimoso, Clarence Brown, EUA, 1931.
44 COSTA, Antonio, Compreender o cinema. Op cit, p. 95.
45 Nasce uma Estrela, William Wellman, EUA, 1932.
19
Gaynor vive o sonho de todas as garotas americanas, a menina comum do

interior que vai para Hollywood tentar ser atriz. Determinada, casa-se por amor

com um ator famoso e decadente. Em nome do amor, hesita entre a carreira que

tanto quer e a vontade de cuidar do marido e do casamento.46 Os valores morais


instituídos na puritana sociedade americana daquele período estão embutidos

nos enredos dos filmes, que tentam espelhar o estilo de vida do público, ou ao

menos fazê-lo sonhar com possibilidades reais e melhores de futuro.

A vampe vai revelar-se, no final do

filme, uma moça de bom coração que só

desejava encontrar um verdadeiro amor.

Entra em cena a good-bad-girl (a boa-má-

menina, em português), da qual Marilyn

Monroe é o principal exemplo, e também

o good-bad-boy (o bom-mau-menino, em

português), ou brutos de bom coração,

como Clark Gable e Gary Cooper. 47 Marilyn,

loura e voluptuosa, é a síntese da pin-up


Marilyn Monroe,
a estrela pin-up. e da estrela 48, metamorfoseando-se entre

a mulher fatal de Niágara 49, seu primeiro

filme como protagonista, e a jovem casadoira de alma boa em “River of no

return” 50 ou The seven year itch 51.

Esta mistura de tipos num só personagem demonstra que as pessoas podem

ter personalidades complexas, mas ficam felizes quando acatam os padrões de

conduta da sociedade americana. Assim, astros e estrelas mantêm as normas de

decência e dão bons exemplos ao público. O Código Hayes foi instituído em 1933

46 LODGE, Jack. Hollywood 60 great years. London: Prion, 1985.


47 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 27.
48 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 45.
49 Torrentes de Paixão, Henry Hathaway. EUA, 1953.
50 O Rio das Almas Perdidas, Otto Preminger. EUA, 1954.
51 O Pecado Mora ao Lado, Billy Wilder 1955.
20
como um conjunto de regras para o cinema, uma

espécie de censura moral. As roupas das atrizes não

podiam mais ser demasiado sexy ou decotadas, e os

enredos eram obrigados a seguir os temas permitidos,

de forma que o espectador não simpatizasse nunca

com o lado do mal, do crime ou do pecado.52 Os


vestidos com decotes nas costas, em voga nesta

década, serviram para driblar as leis de pudor. A

nova mulher dos filmes é trabalhadora e honesta e

os enredos, para toda a família, estão de acordo com

os valores culturais da classe média protestante e

provinciana do país.53

Edgar Morin considera esta mudança

temática uma evolução radical e significativa para o

comportamento do público. A mistura desta corrente

realista com o herói simpático humanizado mais o

happy end provocam no espectador uma confusão


A atriz Myrna Loy
em traje de noite
entre o imaginário e o real e despertam o mecanismo
com decote
nas costas.
de identificação e projeção. Pesquisas indicam que

a estrela favorita de uma pessoa tende a ser do

mesmo sexo, mostrando que a relação do espectador com a estrela não ocorre

por atração sexual, mas sim por identificação.54

O cinema representa uma íntima união entre o real e o imaginário, já que

possui seus deuses, astros e estrelas, e seus diabos, os vilões. Oferece aventuras

para vidas sem aventura e consolo para tudo o que falta no cotidiano do público. A

identificação aparece nos temas amorosos e de felicidade dos heróis, enquanto os

temas agressivos ou aventureiros, que não podem ser realizados de fato, projetam-

52 CHIERICHETTI, David. Op cit, p. 35.


53 MASSEY, Anne. Op cit, pg. 71.
54 DYER, Richard. Op cit, p. 19.
21
se no imaginário, liberando virtualmente os instintos mais violentos ou os desejos

censurados. É como se a violência dos filmes, ou os temas da morte e da guerra,

fossem vividos passivamente pelo espectador, acalmando os seus desejos reais.55


As estrelas compensam o espectador pelas qualidades que faltam em

suas vidas, realizando suas vontades e expectativas no personagem do filme.56

O herói na tela não está sujeito à lei dos homens. Pode matar sem que seja preso

ou fazer justiça com as próprias mãos, como no western, por exemplo. É capaz

de liberar seus instintos mais violentos, seus medos e angústias sem reprimi-

los, ao contrário dos mortais na vida real. Consegue conquistar a mocinha mais

bonita, e sempre é feliz para sempre.

O tema da felicidade é central na cultura de massa57. Os heróis dos filmes

estão felizes com a sua vida de risco e aventura, ou atingem todos os seus

objetivos no happy end, que une o sonho pessoal com o encontro de um grande

amor, eternizando o presente. A felicidade no cinema tem um caráter projetivo ao

mascarar culpas, angústias ou fracassos e enaltecer o amor acima de tudo, como

se este superasse todos os conflitos.

1.4 A Estrela-Mercadoria
As transformações quantitativas na vida urbana que ocorreram nas

primeiras décadas século XX, como a elevação do poder aquisitivo e o aumento

do tempo livre, operaram mudanças qualitativas na vida privada dos cidadãos.

Quando a luta pela sobrevivência se atenua, abre-se espaço para novos valores

como bem-estar e felicidade. São valores abstratos que a própria indústria

se encarregou de materializar em produtos e imagens. Através do cinema, a

indústria cultural ofereceu uma tradução estética dos conteúdos do imaginário,

o que facilitou a identificação do público com a nova arte. Por meio desta

55 MORIN, Edgar, Cultura de massas no século XX. Op cit, p. 110.


56 DYER, Richard. Op cit, p. 32.
57 Utilizo aqui o conceito de massa como um aglomerado de indivíduos de uma mesma sociedade,
para quem são produzidos bens segundo normas maciças de fabricação industrial e técnicas também
maciças de difusão. MORIN, Edgar, Cultura de massas no século XX. Op cit, p. 14.
22
manifestação espetacular de imagens

idealizadas estabeleceu-se também uma

relação de consumo imaginário.


A identificação do público com as
histórias e os personagens colocou o cinema
numa posição de difusor em grande escala,
não somente de valores ou idéias, mas
também de moda e estilo de vida. O homem
é um ser social e a experiência da vida em
sociedade é fundamental no processo de
desenvolvimento do indivíduo, inclusive no
Propaganda de plano estético. O homem social quer parecer-
produto de beleza
com a assinatura se com o grupo a fim de fazer parte dele.
de Hollywood.
Nesta busca por uma identidade coletiva, a
imagem que alguém faz de si mesmo está
ligada à maneira como os outros o percebem. A satisfação de não estar sozinho
em suas ações assim como a necessidade de similaridade com o grupo social
explicam a tendência à imitação.58 Copiar as estrelas garante um certo status, tanto
quanto imitar a moda da classe alta.
Produto fundamental da indústria cultural, o cinema tem a comunicação de
massa e a propaganda como veículos para a sua difusão. Assim, valores abstratos
são padronizados em grandes temas, transformando os arquétipos e estereótipos
em clichês. Os filmes têm situações-tipo e personagens-tipo; oferecem amor, ação
e humor, além de misturar conteúdos agressivos, femininos, juvenis e adultos, tudo

para satisfazer o maior número possível de espectadores. Todo sistema industrial

visa o máximo de consumo e de lucro. A indústria cultural pretende homogeneizar

os consumidores, atenuando as barreiras entre as classes sociais, os sexos e as

idades, dirigindo-se a um homem imaginário e universal.59

58 SIMMEL, Georg. “La mode”, In: La Tragédie de la culture, Paris: Editions Rivales, 1988. p. 89.
59 MORIN, Edgar, Cultura de massas no século XX. Op cit, p. 35-43.
23
Esta capacidade de transformar os enredos em fórmulas padronizadas e

simplificadas de reprodução da vida e do mundo foi muito criticada pelos filósofos

da Escola de Frankfurt. Para estes intelectuais europeus, acostumados a uma arte

culta e erudita, que chegaram na década de 1930 aos EUA fugindo do nazismo,

foi um choque deparar-se com os esforços para nivelar a arte a um produto de

consumo, e mais ainda destiná-la igualmente a várias classes sociais e a diferentes

níveis de educação. Os próprios governos totalitários da Europa usavam a arte como

propaganda para manipular o povo. Foi realmente um período de banalização e

simplificação da arte e da cultura, até então destinadas ao público intelectualizado.

Theodor Adorno reflete sobre o que chama de atrofia da imaginação do espectador

em roteiros que “imitam” a vida, mas são carregados de lições de moral, onde quem

é bom acaba bem e quem é mau tem a morte ou o castigo que merece.60
Para a psicanalista Maria Rita Kehl, a produção cinematográfica norte-

americana tenta estabelecer uma mitologia que relaciona a cultura americana

com a ordem divina, as leis da América com os mandamentos de Deus. Este

cinema mostra, freqüentemente, um ato de rebeldia contra a ordem estabelecida,

seguido da reconstituição da mesma ao final. E sempre esta luta é obra de

um homem só, o herói americano que enfrenta sozinho o trabalho de destruir

e reconstruir o mundo. 61 Nesta mesma linha de raciocínio, Antonio Costa usa

o exemplo do western para enfatizar que este herói solitário está sempre de

passagem, vindo não se sabe de onde, e indo embora no final, a cavalo, o que

remete à aventura e à solidão. A mulher sempre fica, enfatizando sua posição

que simboliza o amor e a estabilidade.62

Laura Mulvey, em sua visão feminista, critica Hollywood pela manipulação

habilidosa do prazer visual do espectador. Para esta autora, o cinema de Hollywood

dissemina a ordem patriarcal da sociedade americana, ao codificar a mulher nos filmes

60 ADORNO, Theodor W. Op cit, p. 55.


61 KEHL, Maria Rita, “Cinema e imaginário”, In: XAVIER, Ismail (Org.), O cinema no século. Rio de
Janeiro: Imago, 1996, p. 108.
62 COSTA, Antonio. Op cit, p.101.
24
como objeto erótico do olhar masculino. Os espectadores no escuro, isolados da tela e

também uns dos outros, experimentam a ilusão de espionar um mundo que não é o seu.

O olhar escopofílico, que implica no prazer de observar e ser observado, dirigido pelo

espectador masculino à personagem feminina, é um estímulo sexual, uma projeção

das suas fantasias. Ao mesmo tempo, seu olhar em relação ao protagonista masculino

do filme é narcisista, de identificação, já que é através desse herói que o espectador vai

realizar suas fantasias de dominar a mulher, o espaço, a história e a vida. Nos enredos

de Hollywood as mulheres são sempre lindas, frágeis e dependentes dos homens,

enquanto esses são os representantes do poder, controladores e perfeitos63.


O cinema americano imbuiu-se de uma função civilizadora ao narrar em

seus enredos o mito da construção da América. Além disso, desejou ter uma

função expansionista, situando os Estados Unidos em posição de destaque em

relação ao mundo e alargando suas fronteiras culturais. 64 Os filmes de Hollywood

levavam com eles imagens de produtos e do próprio estilo de vida americano,

criando desejos de consumo em outros países.

Os filmes podem ser considerados catálogos animados de venda de idéias,

roupas, vida e conforto.65 Erwin Panofsky, outro crítico da indústria cultural, sintetiza

essa idéia ao afirmar que “os filmes é que moldam, mais do que qualquer outra

força isolada, as opiniões, o gosto, a linguagem, a vestimenta, a conduta e até

mesmo a aparência física de um público que abrange mais de sessenta por cento

da população da Terra”.66 O crítico de arte Clement Greemberg junta-se ao coro

de críticas: “na cultura de massa não há descontinuidade entre a arte e a vida”. As

mesmas leis regulamentam revistas, jornais, rádio, televisão, filmes, e também o

consumo de alimentos, cosméticos e eletrodomésticos.67

63 MULVEY, Laura, “Prazer visual e cinema narrativo”. In: XAVIER, Ismail (Org.), A experiência
cinematográfica. São Paulo: Graal, 2003. p. 437.
64 KEHL, Maria Rita. Op cit, p.107.
65 MASSEY, Anne. Op cit, p. 35.
66 PANOFSKY, Erwin, “Estilo e meio no filme”, 1947. In: LIMA, Luiz Costa (Org.), Teoria da cultura
de massa. Op cit, p. 346.
67 GREEMBERG, Clement, “Avant-garde et kitsch”. In: LES CAHIERS du Musée National d’Art
Moderne, nº 19-20, junho, 1987.
25
Hollywood e seus filmes constituíram

importante forma de propaganda, promovendo

uma versão simples e consumista da vida68,


transformando as estrelas em veículos de

comunicação para os produtos da indústria

e da cultura de massa. Para a escritora

feminista Elizabeth Wilson, “Hollywood foi,

em tempos, a fábrica que transformava

algumas mulheres ‘as estrelas’ em obras

Vestido desenhado de arte permanentes (não obstante tê-las


por Adrian para
Joan Crawford em destruído enquanto mulheres)”.69
Letty Linton.
Os enredos mais próximos da vida real

mostraram-se uma boa estratégia para vender

produtos além do próprio filme, divulgando

tendências de moda e despertando uma

corrida para a produção em massa de

imitações das roupas usadas pelas estrelas.

O próprio star system desenvolveu braços

comerciais para produzir em larga escala as

roupas desenhadas para suas atrizes, que

ganharam até uma marca, a Miss Hollywood


Elizabeth Taylor
vestida por Edith Junior, vendida em lojas de departamento.
Head em A place
in the sun. Entre os exemplos de maior sucesso estão

o vestido branco com babados nas mangas

que Adrian desenhou para Joan Crawford em Letty Linton70, e o estilo New Look

usado por Elizabeth Taylor em A place in the sun71, desenhado por Edith Head.72

68 BREWARD, Christopher, Fashion. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003, p. 132.
69 WILSON, Elizabeth, Enfeitada de sonhos. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 171.
70 Redimida, Leo McCarey, EUA, 1931.
71 Um lugar ao sol, George Stevens, EUA, 1951.
72 BRUZZY, Stella. Undressing cinema – Clothing and identity in the movies. Op cit, p. 4..
26
Tal estratégia fez crescer a carreira de diretores de filmes femininos, das próprias

estrelas e também dos figurinistas.73


Os produtos que aparecem nos filmes agregam um novo valor que

ultrapassa a sua função, tornam-se um signo que representa ideais projetados

na figura da estrela, como dinamismo, elegância, poder e feminilidade. Gilles

Lipovetsky analisa que o consumo na sociedade contemporânea deixa de

ser somente utilitário para se transformar numa fonte de prazer e satisfação

individual. Ele observa que o consumo de luxo pode ser uma busca por distinção,

mas o consumo de massa não se limita ao desejo de imitação, pois representa

também uma vontade genuína de conforto e bem-estar.74

“Os filmes não só exibem uma nova moda para uma


platéia massificada, eles não apenas proporcionam
à indústria da moda um brilhante mostruário; porque
vemos essa moda dentro de um contexto narrativo, os
filmes também investem a moda de complemento e
conotações inconscientes”.75

Apesar de ter mantido uma boa audiência durante a Segunda Guerra Mundial,

logo depois o cinema sofreu uma queda significativa de público, em conseqüência

da disseminação da televisão e do aumento de entretenimentos por parte da

indústria cultural. Otto Friedrich, que dissecou a Hollywood dos anos 1940 em seu

livro A Cidade das redes, descreve a situação:

“Alguns especialistas achavam que o público havia


mudado depois da guerra. As pessoas estavam mais
sérias, diziam, mais sofisticadas, menos dispostas a
aceitar os filmes superficiais e essencialmente bobos
que as oficinas da MGM continuavam a fabricar. (...)
Outros especialistas diziam que o público tinha se

73 BREWARD, Christopher. Fashion. Op cit, p. 149.


74 LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
75 YOUNG, Íris Marion, “Mulheres recuperando nossas roupas”. In: BENSTOCK, Shari; FERRISS,
Suzanne. Por dentro da moda. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p.217.
27
cansado do cinema, preferindo gastar tempo e dinheiro
em viagens, roupas, esportes, tudo o que compõe a
chamada boa vida. No entanto, a competição letal
vinha de uma nova mania, a televisão. (...) De repente
milhões de pessoas pararam de ir ao cinema. A
freqüência de 80 milhões por semana, em 1946, caiu
para 67 em 1948, 60 em 1950, e continuava a cair”.76

Hollywood e o star system lançaram mão de novas estratégias, como a tela

gigante do Cinemascope e a generalização dos filmes coloridos. Além disso, aliaram-

se à imprensa e à publicidade para relançar suas novas estrelas humanizadas.

Através das revistas femininas e dos programas de televisão, as estrelas entraram

em casa e passaram a fazer parte da vida do público. Edgar Morin refere-se a elas

como “estrelas-mercadoria”, pois têm suas vidas fabricadas pelo star system para

serem consumidas pelo público. “A estrela é uma mercadoria total: não existe um

centímetro do seu corpo, uma fibra da sua

alma ou uma recordação de sua vida que não

possa ser lançada no mercado”.77

A publicidade se apodera da imagem

das atrizes que, como ícones de beleza que

representam, são ideais para vender qualquer

tipo de produto, de sabonetes, detergentes,

maquiagem e roupas até gestos, palavras,

comportamentos e penteados. Tornam-se

modelos de um estilo de vida baseado na

sedução, no amor, no luxo e na felicidade.


Propaganda do A estrela tinha seu preço, que seguia as
sabonete Lux com
Marilyn Monroe. variações de oferta e procura do mercado.

Quando uma atriz deixava de empolgar o

76 FRIEDRICH, Otto, A cidade das redes: Hollywood nos anos 40. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988, p. 340.
77 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 80.
28
público, o star system se encarregava
de “fabricar” outra.

“Na propaganda, adquirir o produto é obter as


qualidades prometidas, que são as da star. Mas
não apenas a maciez de sua pele, o perfume
dos cabelos ou o tom dos lábios. Nas promessas
da propaganda está a própria personalidade
dos astros, seus atributos morais, qualidades e
modos de vida”.78

Em Poeira de estrelas79,

Cristina Meneguello ressalta que é

importante perceber que, no período

áureo de Hollywood, os signos do

âmbito cinematográfico circulavam por

diferentes campos, como os cartazes

dos filmes, as revistas especializadas,

as propagandas, as músicas e a
Cartaz do filme
Niagara com crítica. Essa rede de comunicação de
Marilyn Monroe.
massa aproximava a estrela do seu

público, formando ideais estéticos, de

comportamento e de estilos de vida. As estrelas tornaram-se conselheiras experientes

sobre diversos assuntos em matérias de revistas femininas. Para a autora, o cinema

de Hollywood foi articulador de condutas ao fazer uso de temáticas e valores de

seu tempo, apresentando não somente padrões superficiais de moda e beleza,

mas também valores morais de justiça, esforço e determinação, contribuindo para a

difusão mundial do ideal democrático americano. Por seu caráter universal, o cinema

americano acabou impondo sua estética e seus valores para todo o planeta.

78 MENEGUELLO, Cristina, Poeira de estrelas. Campinas: Editora Unicamp, 1996, p. 103.


79 MENEGUELLO, Cristina, Poeira de estrelas. Op cit, p. 16.
29
1.5 Produtos para todos os gostos
As estratégias de marketing e publicidade baseiam-se em tabelas que

classificam os estilos de vida e são usadas para definir os diferentes tipos de

consumidores. Eles são divididos conforme idade, gênero, educação, renda, além

dos hábitos, interesses e gostos. Mulheres jovens, por exemplo, tendem a ser mais

preocupadas com a aparência e propensas à inovação, portanto mais interessadas

em moda, independente da renda mensal.

A indústria pretende atender a uma diversidade de gostos, proporcionando

ofertas para todas as demandas. Segundo o antropólogo e sociólogo Pierre

Bourdieu, as diferentes classes sociais desenvolvem seus capitais culturais em

consonância com o grau de instrução e educação. Nestes termos, a classe alta

seria a mais apta a conferir valor e eleger os itens de bom gosto, sendo seguida

pela classe média em busca de ascensão. A classe operária estaria presa

ao consumo das necessidades mais básicas e dos produtos mais baratos da

indústria cultural. 80 No entanto, a partir de meados do século XX as sociedades

urbanas ocidentais tornam-se cada vez mais segmentadas, proporcionando

uma profusão de gostos numa mesma classe social, além de grande mobilidade

entre os diferentes estratos da população.

A socióloga Diana Crane, em seu livro A moda e seu papel social, cita

o conceito de estilo de vida segundo Douglas B. Holt como sendo um “padrão

coletivo de práticas de consumo baseadas em estruturas culturais compartilhadas

que existem em contextos sociais específicos”. Pode-se dizer que o consumo de

bens culturais, tais como música, cinema e moda, é um indicador mais eficiente

que o status econômico para determinar o estilo de vida de um indivíduo ou

grupo. Isto porque, na sociedade contemporânea, a distinção de classes é menos

importante que o estilo de vida, o gênero, a idade ou a preferência sexual, no

que se refere às escolhas de consumo. Nesta sociedade fragmentada ocorrem

80 BOURDIEU, Pierre, “A Metamorfose dos gostos”. In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro:
Marco Zero, 1983, p.131.
30
muitas subdivisões dentro de uma mesma classe social, além de um certo grau

de mobilidade entre as classes. Os interesses culturais e os estilos, também

segmentados, são mutáveis e evoluem com o tempo.81


O indivíduo tem mais liberdade para se vestir conforme os códigos que

quer comunicar e as atividades de lazer e consumo são os símbolos que os

representam. As pessoas constroem suas identidades sociais a partir do que

consomem, de como se vestem e das atividades de lazer que praticam. Os

produtos são usados para expressar um autoconceito, são signos do “eu” que o

indivíduo quer comunicar à sociedade.82

“Nos 50’s e 60’s, a publicidade transforma produtos


em agentes ativos de interação social. Coisas de casa,
comidas e roupas eram munidos de características
humanas, levando a um conhecimento do papel do
produto para marcar a individualidade e estilo de vida
do consumidor num mercado segmentado”.83

A indústria cultural produz objetos e bens de consumo sempre novos,

dotando-os de significados externos à sua função utilitária através da propaganda

e da comunicação de massa. O público desconhece a necessidade de determinado

produto até tê-lo à sua disposição para ser consumido. O desejo de ter é despertado,

entre outras coisas, pela necessidade de pertencer ao grupo e firmar uma identidade

social. O que move a indústria de produtos de massa até hoje, inclusive culturais,

é um movimento dialético criado por essa mesma indústria, visando seu próprio

crescimento ininterrupto, de lançar e produzir objetos de desejo e garantir, através

de sua difusão maciça, que estes se tornem imprescindíveis para a felicidade dos

indivíduos desta sociedade.

Durante a Segunda Guerra Mundial, apesar da crise na Europa, Hollywood

81 CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade nas roupas. Op cit, p. 35.
82 MIRANDA, Ana Paula Celso de, “Mitos femininos do cinema: uma tipologia de consumidoras de
moda”. In: Fashion Theory nº 1, Edição brasileira, março, 2002.
83 BREWARD, Christopher. Op cit, p. 117.
31
manteve uma audiência elevada e internacional. Nos anos que se seguiram, porém,

a situação política nos Estados Unidos deflagrou uma perseguição intensa aos

comunistas, uma verdadeira “caça às bruxas”, que atingiu em cheio a indústria

cinematográfica americana. Centenas de roteiristas, atores e diretores foram

perseguidos, presos ou deportados a seus países de origem, contribuindo para

uma desconfiança por parte do público. Apesar da retomada do consumo em todo

o mundo após a guerra e nos Estados Unidos este período ter sido de grande

abundância e crescimento econômico, a freqüência cinematográfica diminuiu

drasticamente, até o cinema se limitar a ser mais um entretenimento entre tantos

oferecidos pela indústria cultural. Para Otto Friedrich, a caça aos comunistas pode

ser considerada, juntamente com a televisão, como um dos fatores que contribuíram

para o declínio do público:

“Em 1939, o ano de E o vento levou, Ninotchka, O morro


dos ventos uivantes e O mágico de Oz, os principais
produtores de Hollywood podiam, com certa razão,
considerar-se grandes conquistadores. (...) Apenas
uma década depois, Hollywood mal se equilibrava, seus
maiores estúdios perdiam dinheiro, as celebridades
eram acusadas de influência comunista e as platéias
se voltavam para a televisão”.84

Ainda segundo este autor, um outro fator importante foi a desvinculação,

exigida pelo Ministério da Justiça em fins de 1949, entre os estúdios de cinema

e as salas de exibição, acabando com um monopólio exercido ilegalmente desde

os primórdios da indústria cinematográfica.85 O fim do controle sobre a exibição

significou a perda de uma função poderosa e lucrativa para os estúdios.

O público continuou a cair nos anos 1960. Em 1962 o mundo assistiu

ao suicídio de uma das maiores estrelas da década de 1950, Marilyn Monroe,

simbolizando o colapso dos meios de produção de Hollywood em geral, e do star

84 FRIEDRICH, Otto, A cidade das redes: Hollywood nos anos 40. Op cit, p. 340.
85 FRIEDRICH, Otto. Op cit, p. 347.
32
system em particular. O esgotamento das fórmulas dos enredos e do próprio

sistema abriu a brecha para o surgimento de novos modelos.

Neste período começa a surgir um novo cinema, de orçamento mais baixo,

cuja estrela é o próprio autor, um cinema de idéias e com uma estética nova. A

Nouvelle Vague francesa foi o seu maior exemplo, mas também em Hollywood

produtores e diretores começaram a se desligar dos estúdios para trabalhar de

forma independente, investindo em filmes baratos e muitas vezes sem estrelas.86

As ricas produções com estrelas não deixaram de ser realizadas, mas os

grandes estúdios abriram suas portas a profissionais independentes, dando-lhes

liberdade estética e de conteúdo, a fim de diversificar o sistema. Com enredos

mais sérios inspirados na literatura, o final feliz dá lugar a situações reais de

um mundo individualista, revelando suas carências, fragilidades, depressões e

problemas conjugais.87 O público parecia estar mais maduro.

“(...) o rosto de Audrey Hepburn, por exemplo, é


individualizado, não só pela sua temática particular
(mulher-criança, mulher-gata), mas também pela sua
própria pessoa, por uma especificação quase única
do rosto, que nada mais tem de essencial, mas que é
constituído por uma complexidade infinita de funções
morfológicas. Como linguagem, a singularidade de
Garbo era de ordem conceitual, a de Hepburn é de
ordem substancial. O rosto de Garbo é a idéia, o de
Hepburn o fato.”88

86 COSTA, Antonio. Op cit, p. 116.


87 MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Op cit, p. 120.
88 BARTHES, Roland, O rosto de Garbo. Op cit, p. 48.
33
Capítulo 2

Audrey Hepburn,

uma mulher moderna

“(...) personalidade mais que beleza: o osso do nariz


parece fino demais para o seu comprimento, que
termina numa ponta redonda com surpreendentes
narinas, como um bico de pato. Sua boca é larga,
com uma fenda embaixo dos lábios, profunda demais
para uma beleza clássica; o queixo delicado parece
ainda menor em contraste com a largura exagerada
dos maxilares (...)”89

O objeto do comentário acima, nada lisonjeiro, é a atriz Audrey Hepburn,

na descrição de um dos grandes fotógrafos do pós-guerra e diretor de arte de

Hollywood, Cecil Beaton, responsável pelo seu figurino em My fair lady90. Numa

matéria para a revista Vogue, em 1954, o mesmo comenta: “magra de doer, de peitos

achatados, ex-dançarina cujo rosto não se aproxima nada da beleza convencional,

Audrey Hepburn parece uma escolha esquisita para o ‘novo ideal feminino’ da

revista Vogue”.91

De fato, alta, muito magra e quase sem busto, a imagem da atriz é a antítese

do padrão estético “ampulheta” da década de 1950, onde reinavam as mulheres

voluptuosas e cheias de curvas, como as atrizes Marilyn Monroe, Rita Hayworth

e Jane Russell, entre outras.92 O diretor de cinema Billy Wilder decretou: “Essa

menina pode tornar peitos uma coisa do passado”. O jornalista e biógrafo de estrelas

Barry Paris revela um termo usado para descrevê-la no começo de sua carreira,

89  Comentário de Cecil Beaton. In: HOWELL, Georgina, In Vogue. New York: Schocken Books,
1975, p. 216.
90  Minha adorável dama, George Cukor. EUA, 1964.
91  BEATON, CECIL, “Audrey Hepburn”. Vogue, 01 Nov 1954, New York, p.129.
92  SMITH, Kate Elizabeth, The influence of Audrey Hepburn e Hubert de Givenchy on American
fashion 1952-1965. Dissertação de Mestrado em Artes, Michigan: State University, 2001.
34
“unmarilynmonroeish”,93 cuja tradução seria

algo como “não-marilynmonroeniana”. A

expressão demonstra que era mais fácil defini-

la pela negação, referindo-se a um exemplo

oposto ao da sua imagem. “Audrey era a

idéia feminina de beleza, enquanto Marilyn

era a idéia masculina de beleza”.94 Ela era

única e não se assemelhava a nenhum “tipo

hollywoodiano” de atrizes. “Miss Hepburn não

se encaixa em nenhum clichê e nenhum clichê

se encaixa nela”.95 Nestas circunstâncias,

como explicar um sucesso tão meteórico,

pois é já no primeiro filme americano de sua

carreira, Roman holiday96, que ela atinge o

estrelato e ganha seu único Oscar?97


A atriz Rita Hayworth
em Gilda.
“Parte do seu sucesso se deve ao estilo europeu. Ela
oferece um antídoto, exótico e descaradamente sexy,
para as loiras esvoaçantes como Marilyn Monroe
e Jayne Mansfield, populares em Hollywood na
época”.98

Uma das características da modernidade é a profusão de opções e a

liberdade de escolha dos indivíduos para forjar suas auto-identidades. Os meios

de comunicação de massa trazem acontecimentos distantes para a vida íntima,

influenciando e reorganizando as relações sociais. Numa época de mudanças

93  PARIS, Barry, Audrey Hepburn. New York: GP.Putnam’s Sons, 1996.
94  KEOGH, Pamela Clark, Audrey Style. Op cit, p. 80.
95  “Princess apparent”. New York: Time, Set 1953, p. 60.
96  A Princesa e o plebeu, William Wyler. EUA, 1953.
97  Audrey Hepburn foi indicada ao Oscar de melhor atriz mais quatro vezes: Sabrina (1954), The
nun’s story (1959), Breakfast at Tiffany’s (1961) e Wait until dark (1967).
98  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 78.
35
estruturais complexas, pequenos hábitos do cotidiano incorporam e refletem os

novos valores, dando ao indivíduo mais autonomia, mas também responsabilidade

sobre suas escolhas. O conceito de Anthony Giddens elucida a questão, reforçando

o caráter mutável e reflexível que um universo de múltiplas opções permite:

“Um estilo de vida pode ser definido como um conjunto


mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo
abraça, não só porque essas práticas preenchem
necessidades utilitárias, mas porque dão forma
material a uma narrativa particular de auto-identidade.
(...) Os estilos de vida são práticas rotinizadas, as
rotinas incorporadas em hábitos de vestir, comer,
modos de agir e lugares preferidos de encontrar os
outros; mas as rotinas seguidas estão reflexivamente
abertas à mudança à luz da natureza móvel da auto-
identidade.”99

O cinema, por seu caráter universal e acessível a todas as camadas da

sociedade, foi um veículo importante na disseminação de hábitos e estilos de

vida, ainda que restritos aos padrões instituídos pela indústria de Hollywood. Para

Giddens, mesmo sem apresentar todas as opções de diversificação e fragmentação

existentes, a mídia oferece acesso a ambientes com os quais alguns indivíduos

poderiam nunca entrar em contato.100 Ainda segundo o autor, é um erro comum

associar o termo “estilo de vida” ao consumo das classes abastadas, muito em

função da apropriação do termo pela publicidade. É fato que os mais ricos têm mais

possibilidades de escolha e um leque maior de oportunidades. Porém, o termo se

refere a todas as decisões e ações dos indivíduos para o curso da vida, mesmo que

as condições materiais sejam limitadas.101 O cerne da questão é a escolha individual

a partir de inúmeras possibilidades, influenciada não só pelo modelo disseminado

99  GIDDENS, Anthony, Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002, p.79.
100  GIDDENS, Anthony, Modernidade e identidade. Op cit, p. 82.
101  GIDDENS, Anthony. Op cit, p.13.
36
nos meios de comunicação, mas também

por fatores éticos, políticos e econômicos do

grupo social no qual está inserido.

A mobilidade também é uma

característica deste conceito e a década de

1950 presenciou mudanças importantes,

principalmente no que se refere ao estilo de

vida da mulher. Para Richard Dyer, um dos

elementos cruciais da imagem de Audrey

Hepburn é o fato de ela ter quebrado os moldes

instituídos para as estrelas de cinema102,


trazendo a possibilidade de uma nova estética
Audrey Hepburn, para as mulheres. Ela fez sucesso numa
uma mulher em
movimento, em época em que os ideais femininos estavam
cena do filme
Funny face. em transição e rodeados de contradições, um

período de busca, ou mesmo de construção

de uma nova identidade feminina.

“Como Chanel, mudou não somente a maneira de vestir


das mulheres, mas a maneira como se viam, aumentou
a definição de beleza, oferecendo um modelo sexual
universal, não submisso e menos barulhento.”103

Após ocuparem posições no mercado,

suprindo a falta de mão-de-obra masculina

durante a Segunda Guerra Mundial, as

mulheres viam-se agora impelidas a ceder o

102  DYER, Richard. Op cit, p. 34.


103  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 13..
37
espaço conquistado. Se, por um lado, o governo americano encorajou o trabalho,

o sacrifício e a determinação delas durante o conflito, no pós-guerra o incentivo

foi em relação aos papéis tradicionais de casamento e maternidade, uma nova

idealização da esposa no lar, direcionando toda sua energia de trabalho para

o marido e os filhos.104 Retornava-se ao tradicional padrão divisório de tarefas,


onde o masculino era da esfera pública e instrumental e o feminino da esfera

privada, estética e afetiva.

As escolas para meninas incentivavam, desde os anos 1930, o estudo das

prendas domésticas e da administração do lar. A casa era o lugar de autonomia

da mulher e dela dependia a boa gestão da economia familiar. Eficácia, ordem,

limpeza e controle sobre o consumo e os gastos, além da educação dos filhos,

eram obrigações da boa dona-de-casa.105

Neste mesmo período, o desenvolvimento tecnológico começava a facilitar

as tarefas domésticas, inicialmente através das redes de saneamento e energia

elétrica e, a partir da segunda metade do século, com a produção dos novos

eletrodomésticos, como a geladeira, a máquina de lavar roupas, o ferro de passar,

o aspirador de pó e a enceradeira, além das comidas semi-prontas e em conserva,

dos papéis descartáveis e das novas fibras têxteis sintéticas.106 Menos tempo para

o trabalho doméstico, mais tempo para a mulher pensar em si própria e escolher

novos hábitos para o cotidiano.

A Segunda Guerra Mundial proporcionou uma oportunidade inédita para

a mulher ingressar na vida pública e no trabalho assalariado, maciçamente

incentivada pela propaganda governamental e pelos anúncios publicitários, que

clamavam pela ajuda das cidadãs nos esforços de luta e vitória. No pós-guerra a

mensagem mudou de direção, já que os homens estavam de volta ao país e ao

104  TAYLOR, Dabrina Anne, Fair lady, huckleberry friend: Feminity and freedom in the image of
Audrey Hepburn, 1953-1967. Tese de doutorado em filosofia. Universidade de Maryland, 1997, p.7.
105  PASSERINI, Luisa, “Mulheres, consumo e cultura de massa”. In: DUBY, George; PERROT,
Michelle, História das mulheres 5 - O Século XX. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p. 387.
106  LEFAUCHER, Nadine, “Maternidade, Família, Estado”. In: DUBY, George; PERROT, Michelle,
História das mulheres 5 - O Século XX. Op cit, p. 492.
38
mercado, mas as coisas já não poderiam voltar atrás. Pesquisas demonstram que

as americanas gostaram de ocupar aquele espaço, e que a maioria teria preferido

manter o emprego após o término da guerra. O número de mulheres empregadas,

na verdade, cresceu entre 1945 e 1955,107 a despeito de todas as campanhas de


incentivo para que retornassem à casa e à família.

É importante frisar que o trabalho feminino era comum nas classes baixas, ou

nas famílias onde o marido não conseguia suprir sozinho as despesas domésticas.

Porém, as novas necessidades de consumo vão levar essa realidade às camadas

mais abastadas da hierarquia social. Se antes a sociedade via a maternidade como

contraditória em relação a uma atividade externa, a partir dos anos 1950 inicia-se

um novo ciclo histórico com a mulher no trabalho, que vai transformar não somente

a maneira como as meninas encaravam os estudos, mas também a relação entre

os sexos e os papéis no interior da família tradicional.108

Eric Hobsbawn caracteriza este período de mudanças estruturais na

sociedade ocidental como uma revolução cultural, quando se estabeleceram novos

paradigmas tanto nas relações entre os sexos, quanto entre as gerações.109

Valores longamente instituídos, como o casamento formal e o núcleo familiar

tradicional (casal com filhos), foram abalados por novas leis que legalizaram

o divórcio; a invenção da pílula anticoncepcional liberou a mulher, e os casais

em geral, para o prazer do sexo sem gravidez; o número de pessoas morando

sozinhas aumentou consideravelmente, inclusive moças, que passaram a

trabalhar e sustentar uma casa própria.

Além disso, o incremento espantoso da quantidade de estudantes nas

universidades fez surgir um novo agente social independente, uma camada jovem

que desenvolveu uma cultura própria e um estilo de vida específico. Esse grupo

107  TAYLOR, Dabrina Anne, Fair lady, huckleberry friend: Feminity and freedom in the image of
Audrey Hepburn, 1953-1967. Op cit, p. 36-37.
108  LIPOVETSKY, Gilles, A terceira mulher – Permanência e revolução no feminino. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 204.
109  HOBSBAWN, Eric, Era dos extremos – O breve século XX : 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
39
passou a entrar em conflito com a geração de seus pais e professores, instituindo

novos comportamentos e uma moda autônoma, transformando-se no principal

mercado consumidor da segunda metade do século XX.110


A década de 1950 presenciou conflitos sociais e culturais até então

inéditos. A tentativa dos governos de manter os valores tradicionais entrou em

choque com as novas demandas da economia de mercado, numa época de

riqueza e fartura. Em sua tese de doutorado sobre a imagem de Audrey Hepburn,

Dabrina Anne Taylor enfatiza que a dualidade do pós-guerra nos Estados Unidos

alternava euforia e ansiedade.

A euforia devia-se à própria vitória da democracia sobre o nazismo e aos

efeitos de uma abundância sem precedentes, gerada pela cultura e pelo consumo

de massa. É forte a imagem da família ideal americana, com o pai provedor, a

mãe dona-de-casa e os filhos brincando no jardim de uma residência de subúrbio,

onde um carro novo brilha na garagem.111 O cinema de Hollywood colaborou na

difusão desta imagem, que serviu como baluarte contra a ansiedade causada

pelo medo da depressão econômica, da ascensão do comunismo e da força

destruidora da bomba atômica.

O aumento da delinqüência juvenil gerou preocupação e ajudou a reforçar

a importância da esposa em casa, acompanhando os estudos dos novos filhos

da América, futuros cérebros que deverão conter a ameaça russa e confirmar os

Estados Unidos como o país mais poderoso do mundo. Ainda segundo Taylor,

a mulher personificou a tensão entre euforia e ansiedade, tornando-se sujeito

do conflito que opunha a ordem instituída para a contenção feminina no lar e as

novas condições culturais que a empurravam para a emancipação. Os meios de

comunicação da época também eram contraditórios em relação ao papel delas

na sociedade do pós-guerra, ora enaltecendo a contenção, ora a educação, o

trabalho e a liberdade.112

110  HOBSBAWN, Eric, Era dos extremos – O breve século XX : 1914-1991. Op cit, p. 318.
111  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 33.
112  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 35-40.
40
A publicidade e as revistas femininas do período incentivavam o consumo

das novidades para a casa, e também de cosméticos e produtos de beleza.

Cuidar da aparência, mantendo-se jovem e bela, fazia parte das obrigações da

nova mulher. Gilles Lipovetsky analisa o paradoxo que o estímulo à consumidora

representou para esta sociedade patriarcal. Se a idéia inicial era suprir a dona-de-

casa de todas as facilidades, reforçando a imagem positiva da esposa moderna

no lar, o desejo de adquirir todas as ofertas trouxe a necessidade de uma renda

a mais na família. Numa economia baseada na criação incessante de novidades,

o salário do marido já não seria suficiente. A fim de aumentar o poder de compra,

muitas mulheres optaram por trabalhar fora, provando a influência emancipatória

desta nova cultura consumista.113 A propaganda colaborava, ao associar produtos


a padrões de qualidade de estilos de vida.

“O que antes era um luxo tornou-se o padrão do


conforto desejado, pelo menos nos países ricos: a
geladeira, a lavadora de roupas automática, o telefone
(...) Em suma, era agora possível o cidadão médio
desses países viver como só os muito ricos tinham
vivido no tempo de se us pais – a não ser, claro, pela
mecanização que substituíra os criados pessoais”.114

Denise Bernuzzi Sant’anna cunhou o termo “produtos confortáveis” para

designar uma ampla produção industrial que tem por objetivo facilitar o exercício

de ações cotidianas, ou ao menos proporcionar bem-estar a quem as executa.

“Liberdade e flexibilidade deixam de ser signos de desleixo na medida em que

incorporam o imaginário fomentado pela emergente indústria do conforto, produtora

de equipamentos domésticos, meios de transporte, móveis e roupas que amaciam

o contato do corpo com o mundo”.115

113  LIPOVETSKY, Gilles, A terceira mulher – Permanência e revolução no feminino. Op cit, p. 228.
114  HOBSBAWN, Eric. Op cit, p. 259.
115  SANT’ANNA, Denise Bernuzzi, “Horizontes do corpo”. In: BUENO, Maria Lucia e CASTRO,
Ana Lucia de, Corpo território da cultura. São Paulo: Annablume, 2005, p. 126.
41
A democratização do consumo, da beleza e do lazer incentivada pelos

meios de comunicação de massa promoveu o crescimento de setores de atividade

que vieram a favorecer o trabalho feminino. Elas encontraram emprego em lojas,

escritórios, escolas e também nas áreas de saúde e assistência social. Aos

poucos os homens começaram a aceitar e até admirar o trabalho das mulheres,

ocasionando uma lenta evolução de ordem qualitativa da atividade profissional


feminina.116 O reconhecimento do direito ao emprego proporcionou-lhes uma vida

particular independente, em sintonia com os novos valores difundidos pela cultura

de massa, como bem-estar, lazer e felicidade individual.117

Hobsbawn enfatiza que este novo grupo de assalariadas, principalmente as

mais jovens, foram as principais responsáveis pelo extraordinário aumento nas vendas

de artigos tipicamente femininos como roupas, cosméticos e música popular, da qual

participavam ativamente como fãs, comprando discos e freqüentando concertos.118

Maria Lucia Bueno evoca Thomas Crow para explicar que, na nova cultura urbana,

o lazer está ligado ao universo do prazer, que, por sua vez, remete à diversão e à

aquisição das novidades divulgadas pelos meios de comunicação de massa. “Em

escala ampliada, a indústria cultural é fonte de lucro porque permanece um reduto de

prazeres. O rádio, o cinema, a televisão operam no domínio do lúdico”.119

Estas mulheres também seguiam à risca a moda ditada pelas revistas e

pelas estrelas de cinema, colaborando na difusão e no consumo das tendências,

tanto de produtos quanto de comportamento e estilos de vida. “As imagens de

estrelas de cinema com sorriso branco e cabelos brilhantes vendendo creme dental

e xampu anunciavam novas práticas, difundiam uma nova maneira de lidar com o

corpo e um novo conceito de higiene”.120

116  LIPOVETSKY, Gilles. Op cit, p. 227-228.


117  BASSANEZI, Carla, “Mulheres dos anos dourados”. In: PRIORE, Mary Del (Org.); BASSANEZI,
Carla (Coord. de textos), História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, p. 624.
118  HOBSBAWN, Eric. Op cit, p. 321.
119  BUENO, Maria Lucia. Op cit, p. 105.
120  CASTRO, Ana Lucia de, “Culto ao corpo: Identidade e estilos de vida”. In: BUENO, Maria Lucia
e CASTRO, Ana Lucia de, Corpo território da cultura. Op cit, p. 139.
42
2.1 Na vida como no filme

“Os filmes ofereciam um cardápio com tantos gestos,


tantas poses, tantas atitudes, tantas expressões, tantas
falas que, se alguém quisesse poderia até acabar
adotando toda uma vida.”121

O cinema como arte democrática ofereceu modelos e padrões de referência

para os espectadores, tanto em questões triviais de moda e comportamento,

quanto em relação aos valores e expectativas para a própria vida, fornecendo

novas experiências que eram compartilhadas por toda a população. Os filmes se

misturaram ao dia-a-dia de maneira até então nunca vista em relação a outros

entretenimentos, transpondo a linha que separa a realidade da ficção.122 No

caso específico de Audrey Hepburn, atriz e personagens estiveram de tal forma

emaranhadas que é difícil distinguir se foram os roteiros que imitaram a vida ou

vice-versa. Ela exerceu grande influência, não somente estética, mas também de

atitudes, comportamento e estilo de vida.

Hepburn personificou o paradoxo da nova mulher: forte, independente e

trabalhadora, mas também charmosa, elegante e delicada. O senso comum era de

que sua verdadeira beleza vinha de dentro.123 Uma triste história de vida ajudou a

formar a imagem popular de uma pessoa do bem, já que passou o fim da infância e

início da adolescência na Holanda ocupada pelas tropas nazistas, onde vivia com

a mãe, separada do pai. A magreza extrema foi interpretada como sinal de controle

sobre o próprio corpo, sinônimo de movimento e agilidade, apesar de se saber que

teve problemas de saúde em função da fome e privação sofridas durante a guerra124.

Ainda assim, carregou bilhetes da resistência escondidos nos sapatos a caminho da

121  GABLER, Neal, Vida, o filme. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 188.
122  GABLER, Neal, Vida, o filme. Op cit, p. 54-59.
123  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 50.
124  SMITH, Kate Elizabeth, The influence of Audrey Hepburn and Hubert de Givenchy on American
fashion 1952-1965. Op cit, p.18.
43
escola, uma prova concreta de sua coragem e determinação.125 Em Londres, após
o término da guerra, tentou de todas as maneiras ser bailarina, enquanto a mãe

trabalhava para sustentá-las. Quando soube que nunca seria a melhor, resolveu

trabalhar como corista e atriz em pequenos papéis para ajudar a mãe no sustento

da casa.126 Característica predominantemente masculina, seu espírito trabalhador e

assertivo remete à imagem idealizada da mulher sintonizada com os novos tempos

do pós-guerra e na contramão do estilo feminino vigente.

O cinema clássico de Hollywood teve um papel importante na definição

dos sexos na cultura de massas. A mulher, representada como objeto do prazer

masculino, só encontraria um final feliz nos braços do herói, seu lugar na ordem

patriarcal da sociedade. Caso fugisse aos padrões de comportamento instituídos ou

se desviasse das normas, um castigo adequado a esperaria no final.127 O homem

tinha o poder de sustentar a história e levar a narrativa adiante, controlando tudo

perfeitamente. Através do personagem masculino, o espectador ganhava o controle

e a posse da mulher128, situação que refletia a ideologia dominante. Restaria à

espectadora torcer para que a heroína, ao contrário dela própria, conseguisse

satisfazer seus desejos de amor.129

Os filmes protagonizados por Audrey não fugiam à ordem instituída, mas

já apresentavam as personagens em situações menos convencionais, muito em

função da própria imagem diferenciada da atriz. A capacidade de se transformar de

“moleca” em dama sofisticada, o corpo esguio e ágil, sua delicadeza exterior em

contraste com a força interior encarnaram as contradições vividas pela mulher da

década de 1950. Esta metamorfose da menina simples em mulher elegante, ou do

patinho feio que desabrocha num belo cisne tornou-se também sua assinatura, uma

marca particular que aparece nos enredos da maioria de seus filmes. Não faltam

125  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 52.


126  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 57.
127 HIGONNET, Anne, “Mulheres, imagens e representações”. In: DUBY, George; PERROT,
Michelle, História das mulheres 5 - O Século XX. Op cit, p. 416.
128  MULVEY, Laura, Prazer visual e cinema narrativo. Op. cit, p. 446.
129  KAPLAN, Ann , A mulher e o cinema. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995, p. 78.
44
exemplos: A princesa que brinca de plebéia em Roman holiday; a filha do motorista
apaixonada pelo filho do patrão em Sabrina130; a vendedora de livros intelectual que se

torna modelo em Paris, em Funny face131; a adolescente apaixonada que conquista um

experiente “Don Juan” em Love in the afternoon132; a florista que aprende as regras de

higiene e bom comportamento em My fair lady; ou ainda, desafiando todas as normas

de conduta da sociedade, a garota de programa de Breakfast at Tiffany’s133.

Um olhar mais atento aponta para outros padrões nos filmes protagonizados por

Audrey Hepburn, onde freqüentemente ficção e realidade se misturam. Metamorfoses à

parte, “moleca” ou “dama”, suas personagens sempre foram inteligentes, trabalhadoras,

curiosas, transgressoras, andrógenas, determinadas e ativas, características pelas

quais a própria atriz era reconhecida. “Ela é

honesta, mesmo na tela acreditamos nela”.134

Outro ponto coincidente é o fato de os enredos

se passarem geralmente na Europa ou fazerem

alusão à nacionalidade estrangeira, destacando

sua elegância identificada com a alta-costura

francesa. As roupas foram um personagem à

parte em seus filmes, a maioria delas desenhada

pelo costureiro francês e amigo Hubert de

Givenchy. Suas heroínas viviam somente com

o pai viúvo ou simplesmente não tinham família.

E ainda, na maioria das vezes, tiveram como

Casamento de Audrey
par romântico um homem bem mais velho, na
Hepburn e Mel Ferrer
em 1954. O vestido
vida real protagonizado pelo ator Mel Ferrer,
de noiva foi desenhado
por Pierre Balmain.
com quem Audrey se casou em 1954, aos 25

anos, doze a menos que ele.

130  Sabrina, Billy Wilder. EUA, 1954.


131  Cinderela em Paris, Stanley Donen. EUA, 1957.
132  Amor à tarde, Billy Wilder. EUA, 1957.
133  Bonequinha de luxo, Blake Edwards. EUA, 1961.
134  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p.18
45
Hepburn e Ferrer contracenaram juntos em Ondine, musical da Broadway
cuja atuação valeu a ela um prêmio Tony em 1954, mesmo ano em que ganhou

o Oscar por Roman holiday. O casamento alimentou a mídia americana por

muito tempo, apesar da cerimônia discreta na Suíça. Se uma parte da imprensa

aproveitou a notícia para encorajar o discurso instituído do matrimônio como

caminho natural para a felicidade da mulher, não em menor número foram as

matérias que demonstraram preocupação em relação ao fato. Audrey declarava-

se livre, independente e viciada em trabalho, o que parecia incompatível com a

vida de esposa.135 Mel era mais velho e estava no terceiro casamento. E, apesar

dos rumores logo desmentidos de que o marido a dominava, a popularidade da

atriz aumentava na mesma proporção que o salário,136 que foi maior que o dele

quando trabalharam juntos em War and peace137.

De fato não era um casamento convencional e o casal não tinha residência

fixa. Sempre em viagens e vivendo em hotéis, já que a grande maioria dos

filmes dela foram rodados fora dos Estados Unidos, a relação foi classificada

pela imprensa como um “casamento sobre rodas”. 138 Na vida e na tela, Audrey

Hepburn era uma mulher cosmopolita.

Esposa independente que trabalha e tem rendimentos superiores aos do

marido, mas que é também doce, apaixonada e até consegue ser mãe (seu filho

Sean nasceu em 1960), a atriz resume em sua história o conflito maior do pós-

guerra americano, entre a independência feminina e a contenção da esposa no

lar. Os enredos dos filmes de Hollywood mostravam protagonistas femininas

buscando um futuro incerto até encontrarem a felicidade no casamento,

confirmando a ideologia dominante. Algumas das narrativas protagonizadas por

Hepburn também esboçaram o final feliz ao lado de um homem, mas sempre

com uma ponta de constrangimento, em parte devido à diferença de idade em

135  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 59 a 63.


136  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 72.
137  Guerra e paz, King Vidor. EUA, 1956.
138  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 82.
46
relação aos seus pares, mas também em função das pequenas transgressões

morais de suas personagens.

2.2 Entre o patinho feio e o cisne


Gamine foi um adjetivo utilizado pela imprensa da época para se referir à

atriz. Um termo francês originalmente masculino, gamin, teve que ser transformado

a fim de incluí-la na descrição. A palavra remete a um garoto vadio que anda pelas

ruas, o moleque. Esta Audrey gamine é o patinho feio do início dos filmes, que passa

pelo processo de transformação

ao longo das histórias, culminando

numa linda mulher. De fato, foi essa

sua porção “moleque” que a levou

aos Estados Unidos, ao chamar

a atenção da famosa escritora

Colette no lobby de um hotel em

Monte Carlo, em 1951, enquanto

trabalhava para um pequeno filme


Audrey com Colette,
autora de Gigi. inglês. A autora do romance “Gigi”,

que estava sendo adaptado por

Anita Loos para a Broadway, buscava uma protagonista jovem, alegre, elegante

como uma francesa, leve e espirituosa. Encontrou tudo isso em Audrey Hepburn.139

“Parecia ter uma aura desenhada em seu redor, daquelas que só as crianças

possuem. Ela destacava-se em tudo que fazia”.140

Antes ainda de se transferir para Nova York, foi chamada para um teste do

estúdio americano Paramount. Procuravam alguém para o papel de uma princesa

européia e o filme seria rodado em Roma. Audrey saiu-se bem, mas ao final a câmera

permaneceu ligada sem que ela soubesse, e foi nesse momento de descontração

139  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 64.


140  Comentário de Anita Loos, que adaptou Gigi para a Broadway, sobre Audrey Hepburn. In:
DUNCAN, Paul; FEENEY, F.X.. Op cit, p. 38.
47
e naturalidade que o diretor William Wyler foi rendido. Eis as suas palavras: “Ela

me impressionou por ser muito alerta, muito inteligente, muito talentosa e muito
ambiciosa”.141 Não falou em beleza ou sensualidade. Era algo além, diferente, a

representação de um novo jeito de ser em sintonia com o estilo de vida moderno.

Hepburn trouxe frescor e abrangência ao papel da mulher e à própria estética feminina

da época, quebrando padrões e incluindo outros tipos físicos na moda. O comentário

do filósofo e sociólogo Ian Jarvie, especializado em cinema, ilustra a questão:

“É curioso que quando Hepburn aparece como estrela,


as meninas de repente adotam figura de garoto e
aspecto de duendes. Mas, claro, essa metamorfose é
fácil de explicar. Uma função da estrela é marcar um
tipo de beleza, a fim de ajudar certo tipo físico a se
identificar e se realizar. Então o que acontece quando
Audrey aparece é que muitas garotas com aparência
semelhante a ela passam a explorar o estilo que ela
usava. Com essa finalidade elas usam roupas que
acentuam sua magreza, cortam o cabelo e usam
maquiagem nos olhos para um efeito lacrimoso”.142

Toda a América se curvou diante deste novo rosto, e o sucesso do primeiro

filme em Hollywood, Roman holiday, lhe rendeu um Oscar de melhor atriz, graças

ao olho apurado do diretor William Wyler, que merece os créditos por ter lançado

a novata diretamente ao estrelato.143 Há diferenças entre as personagens que

Hepburn interpretou no início de sua carreira, nos anos 1950, em relação às da

década seguinte. A transformação de menina ingênua em mulher elegante é

característica das primeiras, com exceção de My fair lady, que volta ao tema em

141  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 66.


142  JARVIE, I. C., Movies and society. New York: Basic Books, 1970, p. 149.
143  William Wyler era um diretor consagrado que já tinha dois Oscars de melhor filme na bagagem,
por Mrs. Miniver (Rosa de esperança, em 1942), e por The best years of our lives (Os melhores anos
de nossas vidas, de 1946). Além de Audrey, com quem voltaria a trabalhar em The children’s hour
(Infâmia,1961) e How to steal a million” (Como roubar um milhão de dólares, 1966) outras atrizes
ganharam o prêmio da Academia sob sua direção, como Olívia de Havilland por The heiress (Tarde
demais, 1950). Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/William_Wyler

48
1964. Embora suas heroínas fossem muitas vezes mais novas que a própria atriz,

a ingenuidade e o ar infantil eram características constantes que sempre marcaram

sua interpretação.

As personagens de Hepburn se modificam com a ajuda de uma poderosa

ferramenta, a alta-costura, que além de luxo remete a uma cultura diferenciada,

concedendo à indumentária poderes para influenciar a personalidade de quem a

veste. Esta “roupa culta” é inerente a uma distinção social nitidamente européia

e traz em si algo mais que elegância, muito longe do que a moda americana

jamais conseguiu incorporar, principalmente em conseqüência de estilos de vida e

repertórios culturais tão diferentes. Para Maria Lucia Bueno, os europeus sentiam-
se superiores aos americanos nesta questão, em função da legitimidade que o

acúmulo de conhecimento, história e tradição proporcionam.144


Hepburn, filha de uma baronesa holandesa, possuía um senso estético

discreto e refinado, figura ideal para tornar verossímeis as mudanças de suas

personagens. O grau de instrução e toda a aprendizagem adquirida durante a

infância e no contato com a família e com a cultura européia eram visíveis no seu

jeito de ser e se comportar. Segundo Bourdieu, o habitus, ou seja, todo esse capital

familiar adquirido e incorporado, se apresenta sob a aparência de algo inato.145 Sua

elegância era natural e sem exageros, na medida exata para uma mulher moderna,

cuja vida movimentada exige que a roupa a acompanhe em vez de restringir. A

definição de Françoise Vincent-Ricard para a palavra “chique” ilustra o impacto que

a imagem da atriz significou:

“Elegância natural, inata. Transparece cultura, um


certo à vontade na arte de viver (...) modo simples de
usar coisas luxuosas, mas também um jeito mais livre
de usar coisas simples com classe”.146

144  BUENO, Maria Lucia. Op cit, p. 99.


145  BOURDIEU, Pierre, “O Mercado lingüístico”. In: Questões de sociologia. Op cit, p. 105.
146  VINCENT-RICARD, Françoise, As espirais da moda. Op cit, p.140.
49
Em Roman holiday vemos pela primeira vez a transformação da menina
Audrey Hepburn em mulher, através da história de uma jovem princesa em

viagem de trabalho por vários países que, cansada de protocolos e obrigações,

é acometida por uma crise de nervos. Antes que o sedativo dado pelos

empregados pudesse fazer efeito, a moça foge de casa e acaba adormecendo

no meio da rua. Gregory Peck faz o papel do jornalista que a encontra, descobre

sua verdadeira identidade e percebe aí a oportunidade para uma reportagem

exclusiva, seguida de uma boa remuneração. Sem se identificarem um ao outro,

passam o dia perambulando juntos pela cidade e acabam por se apaixonar, o

que impede o herói de publicar a história.

O filme mostra uma vida de princesa desglamorizada e cansativa, um

trabalho tedioso, longe dos contos de fada que idealizam a felicidade da realeza.

Roma é um espetáculo alegre e sensual, com jovens e casais pelas ruas, nos

cafés e nas fontes, um dia-a-dia ao qual ela não tem acesso. A jovem anda de

motocicleta, corta o cabelo, troca os sapatos altos por sandálias e vai, aos poucos,

inventando uma nova persona, escapando da vida protocolar e programada.147 Nesta

transformação inicial, um pouco às avessas, a princesa vai se tornando uma garota

comum. Ela antes precisa despir-

se da precoce incumbência de

exercer um trabalho de adulto,

para depois descobrir por si própria

pequenos prazeres até então

desconhecidos. No final a tradição

predomina, já que as convenções

sociais não permitiriam que eles

ficassem juntos. Mas a heroína


Audrey e Gregory
Pack em cena de já não é mais a mesma, e retorna
Roman Holiday.
amadurecida ao cumprimento das

147  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 107..


50
obrigações. Prova disso é que escolhe suas próprias palavras para discursar, em

vez de simplesmente ler o texto oferecido pelos assessores.

Os enredos de Hollywood enfatizavam o amor como fator de amadurecimento

da mulher, em geral seguido pelo casamento. A transformação da menina para

a vida adulta passa pelo contato com esse nobre sentimento, que a leva a ter

consciência da verdadeira vocação para a vida familiar. Nos Estados Unidos dos

anos 1950, maturidade significava ocupação profissional para os homens e, para

as mulheres, formar e cuidar de uma família.148


O filósofo francês Gilles Lipovetsky argumenta que, para elas, o amor era

o motivo único da existência e seu alimento, a ponto de renunciarem a si mesmas

em função de um parceiro. Isso legitimaria o seu confinamento na esfera privada,

dependente do marido e incapaz de realizar-se por conta própria. Já o homem quer

possuí-la, exibi-la e alimentar-se dela, mas esta não é a razão exclusiva da sua

vida.149 Na sociedade patriarcal a mulher é o objeto supremo, a possessão que

complementa a subjetividade dele, e as próprias instituições contribuem para que

ela sinta prazer em satisfazê-lo.150

No caso desta personagem, ela abriria mão da “profissão” em função do

matrimônio, se pudesse. Esta é a contradição que a narrativa nos apresenta em

relação às novas idéias feministas que começaram a circular neste período, onde

a vida doméstica seria a privação e o trabalho, a liberdade. Esse movimento

questionava os ideais românticos veiculados pela cultura de massa, que incitavam

a dependência e relegavam a mulher à condição de objeto. O efeito se fez sentir

mais intensamente na década seguinte, quando elas conquistaram direitos e

passaram a conciliar os afazeres da casa com estudos e atividade profissional,

embora continuassem a sonhar com um grande amor.151

Em uma passagem do filme, Audrey apresenta-se como uma potencial dona-

148  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p.131.


149  LIPOVETSKY, Gilles, A terceira mulher – Permanência e revolução no feminino. Op cit, p. 22.
150  YOUNG, Íris Marion, “Mulheres recuperando nossas roupas”. In: BENSTOCK, Shari; FERRISS,
Suzanne. Por dentro da moda. Op cit, p. 220.
151  LIPOVETSKY, Gilles. Op cit, p.27.
51
de-casa ao dizer ao jornalista que sabe cozinhar, limpar e costurar, embora não

tenha tido a chance de fazê-lo ainda. Para ela, viver ao lado de um homem e cuidar

da casa significaria ser livre, enquanto o uso da coroa remete a uma prisão.152
A história polariza a escolha entre a “carreira” de princesa, uma vida pública e

reprimida, e o dia-a-dia “normal” e romântico de uma esposa. O casamento aparece

aqui no terreno da idealização, enquanto o trabalho implica sacrifício e monotonia.

A transformação da menina para a maturidade se faz presente também em

Sabrina, do diretor Billy Wilder153, segundo filme de Audrey Hepburn nos Estados

Unidos e o primeiro em que usa roupas de Givenchy, embora só Edith Head tenha

recebido os créditos e o Oscar pelo figurino do filme. Assim como a princesa do

enredo anterior, neste filme Sabrina está separada do seu amor por diferenças

de classe social e econômica, nesse caso, a oposição patrão/empregada. Ela é a

filha do motorista de uma família muito rica, enviada pelo pai para estudar culinária

em Paris, a fim de esquecer a

paixão por um dos filhos do dono

da mansão. Volta completamente

transformada, chique como uma

francesa, tornando-se objeto da

disputa entre os dois irmãos.

As roupas são a ferramenta

mais importante para a mudança

de imagem de Sabrina. “Roman


Audrey veste
as roupas
holiday fez de Audrey Hepburn
de Sabrina
antes da
uma estrela da noite para o dia,
tranformação
mas Sabrina fez dela um ícone

152  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 113.


153  Billy Wilder fazia sucesso em Hollywood desde a década de 1930, quando era somente
roteirista, e atingiu o auge como diretor após dirigir Gloria Swanson em Sunset boulevard (Crepúsculo
dos deuses, 1950). A partir de Sabrina fixou-se no gênero da comédia, voltando a trabalhar com
Hepburn em Love in the afternoon (Amor à tarde, 1956). Da lista dos cem filmes mais engraçados do
American Film Institute, cinco são dele e o primeiro lugar é de Some like it hot (Quanto mais quente
melhor, 1959, com Marilyn Monroe). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Billy_Wilder
52
fashion”.154 No início do filme, com figurino de Edith Head, ela usa vestidos de

saias rodadas com sapatilhas, típicos do “Sweetheart Line”, nome pelo qual se

popularizou o estilo New Look nos Estados Unidos dos anos 1950.155 Sua postura é

andrógena e infantil, com os cabelos presos num rabo de cavalo, sentada no galho

de uma árvore.

Na primeira cena após a estadia em

Paris, de pé na estação de trem, Sabrina

está irreconhecível. Vestida com um conjunto

de saia e casaco cinza bem justo (o filme é

em preto e branco), chapéu, luvas e até um

cachorrinho, ela é a própria francesa chique.

Esta roupa foi uma das três de Givenchy que

ela usou no filme. A segunda foi um traje

de noite tomara-que-caia branco com flores

pretas bordadas para a cena do baile, onde

destoa de todas as outras, apesar da saia


Audrey como Sabrina volumosa. A falta de seios é acentuada e o
em traje de baile de
Givenchy. traje abre-se lentamente até o chão, dando-

lhe um ar mais moderno que erotizado. Sua

rival na história, a noiva do irmão mais novo, parece uma matrona ao seu lado. A

terceira roupa do costureiro francês que ela escolheu é um vestido preto de decote

bateau com lacinhos sobre os ombros. Ideal para esconder seus ossos da clavícula,

muito acentuados, o modelo ficou famoso e conhecido desde então como “decote

Sabrina”. Edith Head afirmou até sua morte que a peça foi feita por ela a partir de um

desenho de Givenchy,156 informação controversa que outras fontes não confirmam.

As outras roupas que Audrey veste em Sabrina são as que enfatizam o seu lado

andrógeno, bem-humorado e um pouco transgressor, para mostrar que a personagem

154  CHIERICHETTI, David. Op cit, p.134.


155  MASSEY, Anne. Op cit, p. 145.
156  CHIERICHETTI, David. Op cit, p.135.
53
amadureceu, mas não perdeu todas as características que a individualizam. De calça

justa, pulôver e sapatilhas, ela vai quebrar a seriedade e conquistar o coração do

irmão mais velho, o homem de negócios vivido por Humphrey Bogart. A própria

protagonista sente-se dividida, percebendo-se ora amadurecida, ora criança, e

assim as roupas ajudam a construir essa mulher que inclui as duas maneiras de ser,

a feminina e a ativa, a delicada e a forte. Audrey Hepburn era tudo isso também fora

das telas e o estilo de Givenchy acentuava estas qualidades.

O costureiro voltou a vesti-la em Funny face, de Stanley Donen157, filme


no qual roupas e criador foram personagens centrais. Uma verdadeira história de

Cinderela, como a tradução do título no Brasil confirma, a transformação do patinho

feio em cisne é o tema desta produção que selou a parceria entre Audrey Hepburn

e Givenchy. A história é sobre uma intelectual de Greenwich Village que se torna

modelo da principal revista de moda americana e símbolo de uma nova imagem

para a mulher moderna, devido à sua “graça, elegância e personalidade”. Numa época

em que inteligência e cultura em excesso não eram qualidades bem vistas para uma

mulher158, a modelo que pensa despontava como uma raridade. No filme como na

vida, um novo padrão de beleza se insinuava, em que a perfeição estética já não seria

suficiente. Inteligência e atitude passaram a compor o quadro de exigências, requisitos

que tanto a atriz quanto suas personagens possuíam em demasia.

“Com seu look distinto e individual, (...) ela também


alargou as fronteiras da beleza feminina para a próxima
década. Há que lembrar que escolher um estilo
moderno como esse era radical para a época. Numa
época de cabelos elaborados, saias justas, suéteres
também justos, Jane Russel, a figura de menino de
Audrey, com cabelo curto e sapatilhas de ballet era
uma marca de individualidade”.159

157  Stanley Donen vinha do sucesso de Singing in the Rain (Cantando na Chuva, 1952), que
dirigiu em parceria com Gene Kelly, e voltaria a trabalhar com Audrey em Charade (Charada, 1963)
e Two for the Road (Um caminho para dois, 1967).
158  BASSANEZI, Carla, Mulheres dos anos dourados. Op cit, p. 626.
159  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p.39.
54
No início do filme sua roupa é

disforme e deselegante, um vestido

trapézio sobre calça justa, assim como

nas primeiras cenas em Paris, quando a

personagem anda pela Rive Gauche, bairro

boêmio no qual uma americana da época

jamais andaria desacompanhada. De

calça comprida e suéter pretos, sapatilha

e um casaco por cima, a atriz assemelha-


Audrey, com Fred Astaire se a um moleque. Já nas cenas em que
e Kay Thompson,
vestindo roupas de veste as roupas do costureiro e é objeto da
moleque em Funny face.
admiração do fotógrafo através da lente,

sendo dirigida por ele numa seqüência de

cenários em Paris, a moça começa a se

ver como ele a vê, elegante e feminina.

A última roupa é um vestido de noiva e

o cenário, um jardim com uma igreja

ao fundo. É quando a personagem se

descobre apaixonada. O final do filme

confirma a ideologia dominante do

amadurecimento através do amor e da

felicidade encontrada no casamento.

E é vestindo as maravilhosas roupas

da alta-costura francesa que ela sente


Amadurecimento
através do casamento segurança para amar, incorporando
em Funny face.
através da vestimenta o seu lado

mulher, pronta para encarar os desafios da vida de esposa.

Outro enredo no qual o amadurecimento da protagonista se dá em função de

uma paixão é Love in the afternoon. Audrey é uma adolescente parisiense, estudante
55
de música e filha de um detetive particular.

Sua androginia aparece nas roupas que usa

em casa, calças e pulôveres velhos, e também

na escolha do instrumento, o violoncelo,

pesado e pouco feminino.160 Sempre curiosa


em relação ao trabalho paterno, outra

característica masculina, acaba por conhecer

a história de um libertino americano, por

quem fica obcecada e apaixonada. Como a

princesa que finge ser o que não é em Roman

Audrey veste
holiday, a adolescente constrói para si uma
Givenchy em Love
in the afternoon.
persona inspirada nas investigações e nos

arquivos do pai, cheios de histórias de sexo e

adultério. A menina incorpora uma mulher que teve casos com vários homens, uma

coquette, a versão feminina daquele que tenta conquistar. Em todas as cenas fora

de casa ela veste Givenchy, ferramenta que lhe dá segurança e reforça a imagem

da mulher madura e elegante que deseja parecer.

Os dois ficam juntos no final, partindo num trem sob o olhar preocupado

do progenitor. A versão européia acaba assim. Já na americana, uma voz em

off entra para explicar que os dois se casam e vivem felizes para sempre nos

Estados Unidos, funcionando como uma confirmação moral do happy end. Mais

uma vez o casamento aparece para enfatizar a maturidade da protagonista. O

filme foi um fracasso de bilheteria na América, o primeiro da carreira de Audrey

Hepburn, considerado indecente por mostrar uma relação com tanta diferença

de idade, praticamente um incesto161, além de cogitar que uma menina estivesse

familiarizada com histórias tão imorais. A imprensa considerou que a heroína agiu

contra os padrões de comportamento recomendados para as moças de família,

160  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 158.


161  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 165.
56
como respeito, obediência aos pais e, principalmente, não ter contatos íntimos

antes do casamento. Esta personagem se assemelha mais às chamadas “moças

levianas”, aquelas que os rapazes namoravam, mas não casavam.162

2.3 O pai e os pares


Contracenar com pares românticos mais velhos é outro padrão recorrente

nos filmes protagonizados por Audrey Hepburn, um dos muitos pontos em que arte e

vida se misturam. Quando não aparecem como namorados, estes atores veteranos

interpretam o pai da protagonista, embora a mãe nunca apareça. Em geral temos

situações onde o progenitor é viúvo e cria a filha sozinho, ou então a família não

é mencionada na história. Pode-se analisar esta questão como um elemento

erótico ou um desejo incestuoso, pois a figura paterna é sempre substituída por um

pretendente quase da mesma idade.

É importante ressaltar que estes astros em idade avançada eram líderes

de bilheteria nos Estados Unidos, atraindo uma platéia de ambos os sexos e de

todas as faixas etárias. A escritora e crítica de cinema Molly Haskell comenta

que Hollywood precisava deles para incrementar o sucesso dos filmes, mas

estes senhores ficariam ridículos contracenando com mulheres muito sedutoras.

A vulnerabilidade é o ponto que os liga a Audrey, que com sua juventude e

ingenuidade resgata-os romanticamente de sua iminente decadência.163 As

pesquisas da época indicavam a preferência feminina por homens mais velhos,

apesar da baixa média de idade do público, por volta dos vinte anos. Além

disso, os espectadores declaravam não querer ver mulheres maduras em cenas

românticas. Astros como Cary Grant, Gary Cooper e William Holden, entre muitos

outros, lideravam a audiência, enquanto somente quatro atrizes figuravam

nesta lista: Marilyn Monroe, Audrey Hepburn, Doris Day e June Allyson. Delas,

somente Marilyn fazia o gênero voluptuosa. 164

162  BASSANEZI, Carla. Op cit, p. 610.


163  HASKELL, Molly, “Our Fair Lady”. In: Film Comment. Mar-Abr 1991, p.14.
164  VANCE, Young, “For Man Only”. In: Hollywood Screen Parade, Jul. 1958, p.33.
57
Em Love in the afternoon a
diferença de idade em relação a

Gary Cooper, então com cinqüenta

e cinco anos, extrapolou todas as

convenções. Ela estava com vinte

e sete anos na época que fez o

filme, mas sua personagem tinha

dezessete.165 Este não é o único

Audrey com Gary Cooper incômodo que o filme sugere,


em Love in the afternoon.
A diferença de idade pois além de muito mais velho, o
causou desconforto.
personagem de Cooper é um típico

“Don Juan”, sempre cercado de

mulheres, inclusive casadas. Mesmo que as relações sexuais masculinas fossem

encorajadas pela moral dominante e consideradas símbolo de virilidade166, as

críticas julgaram inconcebível a passividade do pai frente à situação, fato que pode

justificar o fracasso de público e crítica.

“Os conservadores criticavam a influência do cinema


americano por mostrar hábitos condenáveis como
mocinhas ousadas e cheias de iniciativa que não
respeitam os mais velhos ou que não vêem mal algum
em passar horas com um rapaz em seu carro ou
apartamento”.167

Além do citado Love in the afternoon, onde a adolescente sai de casa

para se casar com um homem que já passou dos cinqüenta, em Sabrina a

protagonista também é filha única de um viúvo amoroso e se envolve com

Humphrey Bogart, uma diferença de vinte e um anos. 168 Esteticamente ela

165  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p.156.


166  BASSANEZI, Carla. Op cit, p. 613.
167  BASSANEZI, Carla. Op cit, p. 610.
168  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p.142.
58
combinaria melhor com o irmão mais novo, vivido por William Holden. Em
Funny face, a personagem apaixona-se por um Fred Astaire trinta anos

mais velho, fotógrafo experiente e acostumado a muitas mulheres, destino

parecido com o da adolescente de Love in the afternoon. Finalmente, em

Charade, o par romântico é Cary Grant, vinte e seis anos a mais que ela.

Audrey teve um pai viúvo

também em The nun’s story 169, filme

que assinala uma ruptura em sua

carreira. Prestes a completar trinta

anos, abandonou as personagens

muito jovens, partindo para papéis

mais maduros e dramáticos sem

perder, no entanto, um certo ar

de infantilidade, “molecagem” ou

transgressão. Neste filme ela é

filha e assistente de um cirurgião

famoso, especializada em doenças

Audrey como freira tropicais, que se torna freira a fim de


em The nun’s story.
conseguir trabalhar como enfermeira

no Congo. Apesar do hábito religioso

que veste durante todo o filme, somente com o rosto à mostra, a moça é

tão bela que desperta o interesse de um médico vivido por David Finch.

Aqui o par romântico não é um homem muito mais velho e o caso não se

concretiza. Inteligente, boa profissional e atraente, ela representa o ideal da

nova mulher que está sendo esboçada entre 1950 e 1960. As qualidades de

Audrey Hepburn continuam incorporadas em suas personagens, mesmo ao

representar uma freira. Mulheres fortes, determinadas e que adoram quebrar

as regras estabelecidas pela sociedade.

169  Uma cruz à beira do abismo, Fred Zinnemann. EUA, 1959.


59
O pai viúvo apareceu

ainda em dois filmes da década

de 1960. Em My fair lady ele


é um bêbado que só quer se

aproveitar da filha, mas ela

encontra proteção na figura do

professor de boas maneiras,

um homem também mais velho

vivido por Rex Harrisson. A


Audrey Hepburn ambigüidade da relação não
em My fair lady.
deixa claro se ele seria somente

um substituto da figura paterna ou um marido para a personagem. O filme é

inspirado no mito de Pigmalião, que esculpe a mulher perfeita e se apaixona

por sua obra, Galatea, trazendo-a para a vida. O enredo se passa em

Londres no início do século passado e remete à idéia dominante da mulher

como troféu a ser exibido pelo homem. Higgins, o professor, coloca-se a

incumbência de transformar a rude vendedora de flores numa dama a ser

apresentada à rainha. Apesar do esforço da protagonista, é ele quem colhe

os louros por ter “esculpido” uma verdadeira dama.

Já o pai de How to steal a million é um milionário que gosta de falsificar

obras de arte por hobby e depende da filha para salvá-lo da prisão. Porém, nesse

filme, ela faz par com Peter O’Toole, num dos raros casos em que a diferença

de idade não é acentuada. Aqui, a heroína transgride as regras sociais ao

encomendar e participar de um roubo. Atitudes pouco convencionais para uma

mulher constituíram também um padrão recorrente nos filmes protagonizados

pela atriz, enfatizando sua personalidade moderna e sintonizada com os novos

estilos de vida do pós-guerra.

60
2.4 Mulheres Modernas

“Ativa, com o entusiasmo de um explorador,


sem qualquer traço da lassidão ou languidez
dos símbolos sexuais voluptuosos e materiais,
como Elizabeth Taylor e Ingrid Bergman, ou o
ardor excessivo de Marilyn Monroe”.170

Além da presença do homem

mais velho e da transformação

das personagens de meninas em

mulheres, o próprio jeito de ser e a

personalidade das heroínas de Audrey

Hepburn apresentaram características


Modernidade e tecnologia
em Audrey Hepburn. semelhantes em diversos filmes.

Elementos do comportamento masculino

como independência, obsessão, curiosidade e liberdade são encontrados de

diferentes maneiras em todas as suas personagens, bem como na própria atriz.

No primeiro filme temos a princesa que gostaria de não o ser e foge,

transgredindo as regras, andando livremente por uma cidade desconhecida. Em Funny

face, a funcionária da livraria trabalha e reside em Greenwich Village, bairro boêmio

que denota um estilo de vida fora dos padrões. Este espaço da cidade de Nova York

era ocupado por artistas de vanguarda e intelectuais durante os anos 1940 e 1950,

tornando-se também um reduto de jovens nas décadas seguintes, ponto de encontro

que combinava contracultura e indústria cultural.171 Ao tornar-se uma modelo que

pensa, esta personagem representa um novo paradigma para a mulher moderna, com

inteligência além da beleza. Para Elizabeth Wilson, esse estilo “margem esquerda”

era a imagem do existencialismo no cinema172, assim como a roupa preta e o bar de

170  Comentário de Molly Haskell. In: DUNCAN, Paul e FEENEY, F.X., A. Hepburn. Op cit, p. 105
171  BUENO, Maria Lucia. Op cit, p. 218.
172  WILSON, Elizabeth, Enfeitada de sonhos. Op cit, p. 251.
61
intelectuais que a personagem freqüenta no bairro boêmio de Paris.

Para Dabrina Taylor, a moça caminhando pela Rive Gauche em Funny face
poderia remeter a uma espécie de apropriação hollywoodiana do flâneur, ou flâneuse

no feminino, uma pessoa que anda pela cidade observando tudo e produzindo

seu próprio conhecimento sobre a vida. Descrito inicialmente por Baudelaire, este

personagem da literatura é um homem, mas o lado contestador de Audrey Hepburn

incorpora a transgressão naturalmente. Ela é a flâneuse/gamine que explora a

paisagem urbana sem medo e com alegria, a “moleca” feliz.

A obsessão de Sabrina pelo irmão mais novo, assim como da adolescente

pelo libertino, além da desobediência ao pai em ambos os filmes, combinam com a

imagem de determinação e vontade atribuídas a Audrey e ultrapassam os parâmetros

de passividade feminina aconselhados pela moral instituída do período. O mesmo

se pode dizer da personagem que se torna freira somente para poder trabalhar como

enfermeira na África. Ela é inteligente e com uma educação além do normal para as

mulheres da época, mas, por conta de suas idéias avançadas, encontra dificuldade

na vida religiosa quanto à questão da obediência, não conseguindo submeter-se às

regras impostas sem questioná-las. Prática e determinada, prefere renunciar aos

votos a aceitar passivamente as injustiças, ainda que sejam a vontade de Deus173.

Essa é mais uma personagem com um forte traço masculino, uma mulher corajosa

e à frente do seu tempo, moderna como as novas mulheres dos anos 1950, mesmo

num filme cuja história se passa vinte anos antes.

Avançada é um termo também apropriado à sua personagem em War

and peace. Suas falas seriam já repreensíveis numa jovem americana do pós-

guerra, mas impensáveis para uma adolescente russa em princípios do século

XVIII. A garota afirma que adoraria ser um rapaz para poder se divertir indo à

guerra, lutando ou bebendo nos bares, além de dizer que prefere ser bailarina

a se casar. Ela se envolve com dois homens mais velhos ao longo da história,

Mel Ferrer e Henry Fonda. Os filmes de época atualizam alguns aspectos e

173  DUNCAN, Paul e FEENEY, F.X.. Op cit, p.21.


62
incluem elementos do período em que

são produzidos, principalmente nos


figurinos174 e nos diálogos românticos,

como forma de facilitar a identificação

do público com a história.

Os filmes que Audrey protagonizou

ao longo dos anos 1950 ficaram marcados

principalmente pela imagem da gamine, a

garota cheia de atitudes que desabrocha

Audrey como a para a vida adulta. Na década seguinte a


adolescente moderna
em War and peace. atriz torna-se mãe e passa a representar

uma mulher sofisticada e elegante,

embora continue divertida e zombeteira. No entanto, seu tipo físico magro e sem

curvas mantém uma imagem jovem, principalmente em contraste com os homens

grisalhos com os quais contracena.

2.5 O cisne se afirma

“A antiga cultura puritana orientada para a


produção exigia e honrava o que chamava de
caráter, que era uma função da fibra moral
das pessoas. A nova cultura orientada para
o consumo, por outro lado, exigia e honrava
o que chamava de personalidade, que era
uma função daquilo que se projetava para os
outros. Ou seja, a cultura puritana enfatizava
valores como trabalho árduo, integridade e
coragem. A nova cultura da personalidade
enfatizava o charme, o fascínio e a
capacidade de se fazer amado”. 175

174  WILSON, Elizabeth. Op cit, p. 228.


175  Comentário de Warren Susman. In: GABLER, Neal. Op cit, p.188.
63
Durante a década de 1960 as personagens de Audrey Hepburn amadureceram

como a própria atriz, embora tenham mantido certas características dos primeiros

filmes. Independência e transgressão continuaram a fazer parte, mas o humor

tornou-se uma marca, assim como a moral duvidosa e ligeiramente vigarista de

suas heroínas. A transformação da menina em mulher deixou de existir, já que o

“estilo Givenchy” passou a estar presente desde o início das tramas. O próprio

costureiro atualizou suas peças nesta década, adequando-as a uma modernidade

mais jovem e casual, incorporada pela atriz em seu cotidiano e nos filmes.

A partir de Breakfast at Tiffany’s a imagem da atriz liga-se definitivamente


à alta-costura. O título faz referência a uma das joalherias mais tradicionais e

caras dos Estados Unidos, sonho de consumo da protagonista, texana que vive

em Nova York e trabalha como garota de programa. Ela é elegantíssima em seu

vestido preto Givenchy, olhando as jóias na vitrine ao amanhecer, apesar do café

em copo de papelão, enquanto os créditos desfilam na tela ao som de Moon river,

de Henry Mancini. Na cena seguinte,

aparece fugindo de um homem que diz

ter pagado a conta do restaurante para

ela e seus amigos, e ainda ter-lhe dado

cinqüenta dólares para ir ao toalete, o

que deveria garantir-lhe alguns direitos.

O espectador percebe aqui a

ocupação da personagem, mas fica

com a impressão de que ela não chega

às vias de fato com seus clientes. Um

toque de vigarice da moça, que faz

este trabalho para sobreviver e poder

comprar suas roupas e acessórios

Cena de abertura de luxuosos. A oposição entre o vestido


Breakfast at Tiffany’s.
de noite que ela usa e o horário da
64
manhã, e entre o pobre café da manhã em saco de papel e as jóias na vitrine

demonstram a originalidade da heroína. A moral duvidosa da garota de programa

se dilui e é remistificada, transformada em ícone de moda, excêntrico e alegre.176


Os “trambiques” são perdoados em função da leveza bem-humorada e da elegância

com que ela os realiza.

Consumo e comércio de objetos e sexo se misturam. A protagonista é ao

mesmo tempo consumidora e mercadoria. Hollywood, em seus tempos áureos,

exerceu forte influência sobre as compras e os gastos das mulheres, tendo

a tela como uma imensa vitrine. “As pessoas vão ao cinema como para um

animado catálogo de idéias, roupas, vida e conforto”.177 O filme causou uma

corrida por colares de pérolas falsos, vestidos pretos sem manga e óculos

escuros enormes, além da avalanche de encomendas de gatos laranja listados

(a produção usou catorze gatos diferentes).178 Neste caso, a própria seqüência

inicial descrita acima poderia ser uma propaganda da Tiffany’s e, na verdade,

funcionou como tal, tornando a joalheria mundialmente conhecida.

Neste filme, o sexo está ligado ao dinheiro e todos parecem ter seu preço.

Além da protagonista, também o vizinho,

interpretado por George Peppard, é

sustentado por uma namorada rica,

relação na qual a troca sexual fica mais

explícita. Moralmente, o argumento

rompe com a tradição da Hollywood dos

anos 1950, pois ainda que o assunto da

prostituição seja levemente mencionado,

Moral flexibilizada a heroína não tem um final trágico. O


em cena de
Breakfast at Tiffany’s. bom humor e a excentricidade dela

conquistam o espectador, que torce pelo

176  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 174.


177  MASSEY, Anne. Op cit, p. 35.
178  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 132.
65
final feliz, esse sim, a recuperação moral das personagens através do amor.
É interessante analisar que a imagem de moda de Audrey Hepburn nunca

esteve ligada ao sexo, ao contrário de outras estrelas do período. Seu corpo magro e

sem curvas foi sempre coberto por roupas retas, sem decotes, no estilo minimalista

elegante de Givenchy, que se tornou o seu próprio. Práticas e sem excessos, estas

peças favoreciam o movimento e remetiam aos valores masculinos de seriedade

e competência, contribuindo para a construção de uma nova feminilidade ligada

à vida pública e ao trabalho. “Quarenta anos antes de Armani, Audrey Hepburn

nos ensinou que não há nada mais moderno que a abstinência de excessos”.179

Se na década anterior a atriz vestia-se de maneira diferente das outras mulheres,

subvertendo o exagero dos trajes femininos, na primeira metade dos anos 1960 ela

passou a reforçar e lançar as tendências de moda, dividindo seus conselhos com

as fãs em revistas e programas de televisão.

“Sex appeal é algo que você sente internamente.


É mais sugerido que mostrado. Eu não sou tão
bem proporcionada como Sophia Loren ou Gina
Lollobrigida, mas há mais no sex appeal do que
somente medidas”.180

Nesta época surgiram mudanças culturais importantes na maneira como

a feminilidade era construída e experimentada, entrando em choque com a idéia

de contenção da mulher no papel de esposa e mãe. Em 1963, Betty Friedan

publicou A mística feminina, um marco da literatura feminista, que trouxe à tona a

infelicidade das donas-de-casa frente ao seu destino. A postura das representantes

desse movimento em relação à moda era controversa. Elizabeth Wilson ressalta a

dificuldade de se contrapor questões políticas às emocionais, pois, entre a tese que

considera a moda um fator de opressão e submissão da mulher ao olhar masculino,

179  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p.145.


180  Comentário de Audrey Hepburn. In: KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 82.
66
e o prazer que uma roupa nova proporciona, não pode haver síntese possível.181
O surgimento da pílula anticoncepcional ajudou a legitimar a revolução

sexual em curso, servindo implicitamente como uma permissão para o sexo

antes do casamento. As revistas femininas também passaram a incentivar e

reforçar a independência financeira através do emprego, desviando seu foco da

mulher no lar para as que já exerciam uma profissão.182

Hepburn sempre interpretou

mulheres que exerciam atividades

profissionais, embora suas roupas

fossem tão elegantes que denotavam

tratar-se de uma integrante da classe

alta. Citando somente os filmes da

década de 1960, ela foi datilógrafa em

Paris when it sizzles183, tradutora para

a UNESCO em Charade, e em How

to steal a million exercia um trabalho

com americanos que não fica bem

explicitado. Neste último ela vive a


Audrey Hepburn em filha de um milionário, portanto em total
cena de Charade.
harmonia com o figurino de Givenchy.

Numa cena humorística de auto-referência, o personagem de Peter O’Toole

entrega-lhe um vestido de faxineira, que ela deverá usar na noite do crime,

dizendo: “esta noite você dá uma folga ao Givenchy”.

Para as feministas, Audrey significou um paradoxo. Se, por um lado, seu

senso de liberdade e suas roupas simples quebraram os moldes tradicionais e

excessivos da vestimenta, trazendo uma imagem de mulher ativa e determinada,

sua ligação com a alta costura representava um incentivo ao consumo de artigos

181  WILSON, Elizabeth. Op cit, p. 308.


182  TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 225.
183  Quando Paris alucina, Richard Quine. EUA, 1964.
67
tipicamente femininos. Havia também o constrangimento quanto às relações com

homens mais velhos e com a felicidade ligada ao casamento em quase todos os

filmes. Para Elizabeth Wilson, a rejeição da moda por parte das representantes deste

movimento devia-se em primeiro lugar à maneira como esta reforçava a imagem

da mulher como objeto sexual, mantendo-a limitada a estereótipos de feminilidade

e beleza, desconfortável e indefesa em saltos altos e cinturas apertadas.184 Além


disso, associavam-na ao consumo conspícuo185 e ao posicionamento das mulheres

como bens econômicos ou propriedades.

A personagem de Breakfast at Tiffany’s,

embora represente liberdade e independência,

quando está em frente à vitrine imersa em seu

sonho idealizado de consumo, é o retrato do

confinamento e da mercantilização da mulher.

Ela, como todas as outras, é escrava do desejo

de possuir os objetos que podem lhe conferir um

status na sociedade. “Na tela, como na vida real,

a roupa é usada para comunicar personalidade

e identidade, além de sugerir contexto social”.186

Este filme é também um bom exemplo da

imagem da mulher de classe que Audrey

representou. Sua personagem é uma moça do

Texas que faz de tudo para aparentar riqueza e

elegância compatíveis com a cidade de Nova


Ênfase nos acessórios York, inclusive aulas de francês para dissimular
em Breakfast at Tiffany’s.
o sotaque caipira. Ela abusa de acessórios de

184  WILSON, Elizabeth, “Fashion and the postmodern body”. In: ASH, Juliet; WILSON, Elizabeth,
Chic thrills: A fashion reader. Los Angeles: University of California Press, 1993.
185  A expressão “consumo conspícuo” foi cunhada por Thorstein Veblen no livro A teoria da classe
ociosa, de 1904, para designar o consumo exagerado da alta burguesia com o intuito de demonstrar
riqueza e demarcar a divisão de classes. VEBLEN, Thorstein, A teoria da classe ociosa. São Paulo:
Livraria Pioneira, 1965.
186  BREWARD, Christopher. Op cit, p. 131.
68
moda como chapéus, óculos escuros e colares, a fim de causar tal impressão, já que

usa somente dois vestidos pretos durante o filme, um longo para noite e um curto para

o dia. Lição extrema de minimalismo, os trajes neutros se transformam com a ajuda

dos acessórios, dando sempre a impressão de uma roupa nova, ao mesmo tempo em

que deixa transparecer a condição financeira insuficiente da heroína.

A possibilidade de burlar a verdadeira posição na hierarquia social através

dos códigos de vestimenta, é uma característica da moda democrática surgida

com a industrialização e a produção massificada de roupas. Até o início do

século XX era possível distinguir ricos e pobres pela maneira de vestir. Diana

Crane aponta que, a partir dos anos 1950 a moda de classe é substituída pela

moda de consumo, na qual a motivação para se adotar uma tendência passa a

se basear no estilo de vida e na identificação com grupos distintos, independente

da posição na hierarquia social. Os modelos são extraídos da cultura de massa,

copiados das estrelas do cinema e da música. 187

“Com a emergência da sociedade de consumo e a


efemeridade que a caracteriza, a moda e seus signos
estéticos de sedução deixam de ser inacessíveis às
classes populares e passam a atravessar todas as
camadas sociais”.188

A heroína de Breakfast at Tiffany’s subverte a sua verdadeira condição ao

exibir uma imagem rica e sofisticada, criando para si uma identidade diferente. É

inegável que o fato de Audrey ser realmente uma mulher de elegância européia

ajuda a compor uma personagem convincente. Sofisticação com naturalidade

e incorporada ao cotidiano é característica também das outras personagens

vividas pela atriz. O humor torna-se um elemento mais acentuado na segunda

fase de sua carreira, ora em função dos olhares arregalados, ora de situações

atrapalhadas e divertidas que as comédias proporcionam.

187  CRANE, Diana. Op cit, p. 274.


188  CASTRO, Ana Lucia de, “Culto ao corpo: Identidade e estilos de vida”. Op cit, p. 140.
69
“Audrey era tão engraçada quanto bonita. Ela
era uma combinação mágica de elegância e
espirituosidade”.189

A maioria das suas personagens

nos filmes da década de 1960 apresentam

o humor como característica, sempre

aliado aos trajes que, embora elegantes

e modernos, muitas vezes contribuíam

com um toque divertido. A garota de


Audrey como a
datilógrafa chique de programa tem as piadas na ponta da
Paris when it sizzles.
língua e surpreende com uma mistura

de ingenuidade e vigarice. A datilógrafa

de Paris when it sizzles, com suas roupas chiques de última moda, usa os truques

da imaginação para levar adiante a história do escritor, rumo ao final feliz que os

coloca lado a lado. Uma moça que vive daquele trabalho dificilmente teria condições

de se vestir desta maneira, mas isso é um detalhe perdoado em função da imagem

de moda acoplada a Audrey Hepburn. Já a personagem de How to steal a million,

está coerente na pele de uma milionária que veste Givenchy no dia-a-dia, embora

a mulher de classe esconda o lado vigarista que encomenda e realiza um crime.

Por fim, em Charade ela é uma americana elegante em Paris que precisa de muitos

truques para fugir dos perseguidores de seu finado marido.

Em todos os filmes o humor está presente nas expressões e gestos da

atriz, enquanto cada traje é uma aparição, um acontecimento em si. O figurino de

Givenchy não esteve sempre subordinado à narrativa ou à personagem, era um

pouco intruso e impositivo de um estilo particular que Audrey Hepburn incorporou. A

primeira roupa de How to steal a million, por exemplo, toda branca com um chapéu

atado embaixo do queixo e grandes óculos escuros brancos com lentes pretas,

189  Comentário de Gregory Pack. In: KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p.124.
70
mistura humor e estranheza com uma

modernidade elegante e tem a função

de causar impacto, enfatizando o estilo

de vanguarda da protagonista. Audrey

Hepburn sentia-se à vontade nas roupas

de Givenchy, por mais incomuns que

fossem, e isso trazia autenticidade e

Traje de impacto na credibilidade às suas personagens.


primeira cena de
How to steal a million. A partir da segunda metade da

década de 1960 ocorreram mudanças

importantes no rumo da alta-costura e da moda em geral. As transformações

sociais e econômicas dos anos 1950, principalmente no que se refere ao papel

da mulher e ao surgimento dos jovens como grupo social autônomo, refletiram

no comportamento, no estilo de vida e em todas as manifestações estéticas

da sociedade ocidental. Surgiram novos criadores, como o francês Andre

Courrèges, mas principalmente estilistas jovens e modernos, ligados à nova

estética juvenil da vida em movimento.

“Adotar um estilo jovem torna-se imperativo, numa


sociedade na qual o processo de envelhecimento
passa a ser compreendido como algo a ser evitado e
negado”.190

Two for the road foi o último filme protagonizado por Audrey Hepburn,

antes de interromper a carreira por mais de dez anos. É a história de um

casal mostrada através de várias viagens que fazem pelo sul da França ao

longo de vinte anos. O figurino denota a passagem do tempo, sempre com

as últimas tendências, já que a personagem é bem moderna. Todas as peças

foram compradas em butiques de novos estilistas, como Paco Rabanne e Mary

190  CASTRO, Ana Lucia de. Op cit, p. 140.


71
Quant.191 Na fase que simboliza o presente

no filme, 1966, as roupas são extremamente

vanguardistas: minivestidos com estampas

psicodélicas, ou feitos de plástico, ou ainda

de esferas metálicas, além de um conjunto

de calça e jaqueta em vinil preto. Em fases

anteriores, quando a personagem está mais

jovem, ela veste calça jeans, short e até

uma minissaia.

Audrey declarou, na ocasião, não

se sentir nem um pouco à vontade nestas

roupas, e sua sintonia com a moda de


Audrey com roupa
de vinil em cena de vanguarda foi deixando de acontecer.
Two for the road.
Tornou-se uma imagem clássica de

elegância, até hoje uma referência para mulheres de várias partes do mundo.

“A impressão de Miss Hepburn é absoluta, totalmente presente e onipresente

para sempre. Goste-se ou não, ela será o look do Século XX”.192

“Quando a beleza gamine que a caracterizava se


desvaneceu, Hepburn tornou-se uma presença moral.
Abandonou com naturalidade a carreira de atriz – a
própria vida tornou-se prioritária”.193

191  DUNCAN, Paul e FEENEY, F.X. Op cit, p.156.


192  KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p. 37.
193  DUNCAN, Paul e FEENEY, F.X. Op cit,p. 21.
72
Capítulo 3

Alta-costura e cinema:

Trajetórias paralelas

e colaborações

As colaborações entre a moda

e o cinema têm acontecido, com

diferentes intensidades, desde o tempo

do cinema mudo e das estrelas-deusa,

Audrey Hepburn funcionando como uma estratégia para


fotografa coleção
verão 1963 incrementar o glamour tanto das atrizes
de Givenchy
quanto da própria moda. Figurinistas e

criadores da alta-costura esmeravam-se

em enaltecer suas criações através da imagem das estrelas, que eram admiradas e

copiadas por espectadoras de diversos países.

A parceria entre Audrey Hepburn e Hubert de Givenchy, mencionada no

capítulo anterior, foi um grande impulso na carreira do costureiro, já que era jovem e

praticamente desconhecido quando a atriz bateu à porta de sua maison194 em 1953.

Sua trajetória na moda começou aos dezessete anos, quando largou a faculdade

de direito e foi para Paris trabalhar na casa do costureiro Jacques Fath. Após uma

passagem de um ano pelo atelier do clássico Robert Piguet, trabalhou seis meses

com Lucien Lellong, uma grande oficina com mil e quinhentos funcionários, por onde

já haviam passado Christian Dior e Pierre Balmain,195 que não resistiu aos efeitos

da guerra e fechou as portas em 1947. Muitas casas de alta-costura encerraram

suas atividades neste período, como Molineaux e Robert Piguet em 1950 e Marcel

194 Maison significa casa em francês, e é como são chamadas as lojas que vendem alta-costura.
A palavra atelier também é usada aqui com o mesmo significado.
195 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 44.
73
Rochas em 1952,196 em função da crise que se abateu sobre o dispendioso sistema
de produção de roupas dos ateliers.

Em 1947 Givenchy tornou-se assistente de Elsa Schiaparelli, onde conheceu

a verdadeira elegância e teve permissão para criar. Amiga dos surrealistas, seus

tecidos eram estampados por artistas de vanguarda e o jovem usufruiu deste

ambiente de liberdade total de criação, além de ter conhecido mulheres parisienses

modernas, cosmopolitas e elegantes.197 Ali desenhou as primeiras peças separadas

e coordenadas, os “separables”, saias e blusas que podiam ser combinadas de

diferentes maneiras ou compradas avulsas, além de acessórios como bijuterias,

bolsas, cintos e lenços para compor o guarda-roupa, que eram vendidos na butique

de Schiaparelli da Place Vendôme. O então assistente percebeu a necessidade e

o desejo das mulheres por roupas simples e mais fáceis de usar que a tradicional

alta-costura, e fez desse conceito a sua fórmula e a base do seu trabalho.198 Suas

criações vendiam muito e Schiaparelli ficou decepcionada quando o jovem resolveu

sair para montar sua própria casa de alta-costura. O tempo áureo dela já havia

passado e sua loja encerrou definitivamente as atividades em 1953.

Uma prima distante de Givenchy, Hélène Bouilloux-Laffont, pediu dinheiro

a um tio, proprietário da rede Printemps, para abrirem juntos uma casa de alta

costura. O tio desistiu na última hora, mas um cunhado, Louis Fountaine, dono da

Prisunic, aceitou investir no projeto. Assim, em janeiro de 1952, aos vinte e quatro

anos de idade, Hubert de Givenchy instalou sua maison numa mansão neogótica

da rua Alfred de Vigny, em Paris.199

A rotatividade de um costureiro por várias maisons era comum e

os mais talentosos usufruíam do aprendizado junto aos experientes e já

estabelecidos, para depois fundarem suas próprias casas, como aconteceu

com Givenchy, mas também com Dior, Balmain, Cardin, Courrège e Ungaro,

196 PALLAIS GALLIERA, Givenchy, 40 years of creation. Catálogo da exposição no Pallais Galliera,
Paris-Musées, 1991.
197 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 66.
198 PALLAIS GALLIERA, Givenchy, 40 years of creation. Op cit, p. 115.
199 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 69.
74
entre outros. Pierre Bourdieu analisa este movimento como a base que

garante a continuidade do campo da alta-costura: 200

“Este mecanismo tende, como se vê, a assegurar a


mudança dentro da continuidade: de fato, tudo se
passa como se a posse de um capital que só pode
ser conquistado na relação com as maisons antigas
constituísse a própria condição das rupturas bem-
sucedidas. Os recém-chegados são, na maior parte
das vezes, desertores das maisons estabelecidas, que
devem seu capital inicial de autoridade específica à sua
passagem anterior por uma grande maison (sempre
lembrada em suas biografias).”201

Givenchy ainda não pertencia à Chambre Syndicale de la Haute Couture,

órgão que comandava o campo da alta-costura impondo uma série de regras a

seus membros. Para pertencer ao sindicato, era necessária uma estrutura de salas

de trabalho adequadas, um número grande de empregados, além da realização de

desfiles diários mostrando a coleção202, quesitos que o jovem não tinha condições

de cumprir, assim como outros de sua geração.

Antes da Segunda Guerra, as empresas de moda pertenciam a um criador e a

atividade principal era a confecção de roupas sob medida. As casas mais importantes,

que dominavam o campo, possuíam um grande número de empregados, clientelas

estáveis e homogêneas, principalmente européias e americanas da classe alta,

além de dançarinas e artistas de teatro e cinema. Para citar somente dois exemplos,

200 O sociólogo Pierre Bourdieu cunhou o termo “campo” para definir uma área de interesses
específicos com um conjunto de leis de funcionamento invariantes, respeitadas por todos os agentes
que têm o mesmo habitus, a mesma maneira de se comportar. A base do campo é um mercado
de bens restritos aos seus agentes, que lutam entre si pela autonomia, sendo que os que estão
estabelecidos há mais tempo são os dominantes e os novos que chegam, os dominados. O motor
do campo são as disputas entre dominantes e dominados que lutam para se estabelecer, porém
sem transgredir as regras do jogo. BOURDIEU, Pierre, “Algumas propriedades dos campos”. In:
Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
201 BOURDIEU, Pierre, “O costureiro e sua grife”. In: A produção da crença: Contribuição para uma
economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004, p. 139.
202 GOMES, Susana Helena de Avelar, Moda – entre arte e consumo. Tese de doutorado em
Comunicação e Semiótica, PUC-S, São Paulo, 2005, p. 44.
75
em 1935 Jean Patou tinha mil e duzentos funcionários e Chanel, quatro mil.203
A maioria dos criadores de moda das primeiras décadas do século XX

eram de origem humilde vindos das classes trabalhadoras. Chanel, filha de um

caixeiro viajante, e Vionnet, de um cobrador de pedágio204, representavam, junto

com Schiaparelli, as maiores referências da alta-costura na década de 1930.205 O

envolvimento com a arte foi usado como estratégia para atrair uma clientela de elite

e alçar os criadores de moda ao lugar de autoridades da estética e do gosto.

Os grandes costureiros da década de 1950, ao contrário, vieram de famílias

abastadas e ligadas à arte e à cultura. Viviam em casas luxuosas, entendiam de

decoração e antiguidades, sendo portadores de um repertório estético e intelectual

mais extenso.206 Givenchy, nascido em Beauvais, na França, era conde e seu

pai, marquês. O interesse pela moda começou na infância, influenciado pelo avô,

comerciante têxtil que foi diretor da famosa tapeçaria Gobelins. Com ele aprendeu

que cada tecido tem sua própria vida. Era um amador da arte e desenvolveu uma

paixão por casas de diferentes estilos, jardins, objetos raros e decoração.207

Após a guerra, a maior parte das empresas de alta-costura estabelecidas

anteriormente desapareceram, se não em função da brusca queda no consumo

durante o conflito, mas por serem incapazes de competir com as indústrias de

confecção em série nos anos que o seguiram. Porém, novos modelos de casas de

moda surgiram na França, propondo uma organização diferente, na qual o criador

não era mais o administrador ou o dono do dinheiro. Christian Dior foi o primeiro

exemplo do novo modo de gestão ao abrir sua casa, em 1946, em parceria com um

magnata da indústria têxtil.208

Alguns costureiros, além de se associarem a investidores, passaram a

trabalhar com licenciamento de produtos, método eficiente de exploração de

203 CRANE, Diana. Op cit, p. 285.


204 CRANE, Diana. Op cit, p. 301.
205 GAMIER,Guillaume, Paris-Couture-annés trente, Paris: Edition Paris-Musées et Société de
L’Histoire du Costume, 1987, p. 242.
206 CRANE, Diana. Op cit, p. 302.
207 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 8.
208 CRANE, Diana. Op cit, p. 286.
76
uma marca em troca de porcentagem sobre

os lucros. O pioneiro, desta vez, foi Pierre

Cardin, que em 1959 assinou sua primeira

linha de roupas produzidas em larga escala.209

No caso de Givenchy, a prima Hélène ficou

responsável pela administração da maison,

mas sua casa não aderiu às licenças até

1960, quando o costureiro aceitou assinar

uma linha de sapatos para a fábrica Jourdan

et Mancini.210

Quando Givenchy abriu sua

maison em 1952, Christian Dior estava

em plena ascensão, após o sucesso do

seu New Look, e Cristobal Balenciaga,

já estabelecido e membro da Chambre


O New Look
de Christian Dior,
Syndical, encontrava-se no pólo dominante
lançado em 1947.
do campo da alta-costura. Embora ambos

trilhassem caminhos de sucesso, as rotas

escolhidas por cada um eram contrastantes no conceito de moda. O espanhol

Balenciaga era apologista da liberdade de movimentos, das linhas puras e

de poucos detalhes, permitindo à roupa adaptar-se ao corpo da mulher que

a vestia. 211 Sua construção era complicada, embora aparentasse extrema

simplicidade. Dior, ao contrário, criou verdadeiras engenharias internas a fim

de esculpir com as roupas os corpos de suas clientes. 212

É importante considerar que o sucesso e a disseminação do New Look

aconteceram graças a Hollywood e seus figurinistas, apesar do impulso inicial

209 MENDES, Valerie; HAYE, Anne, A moda no século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 169.
210 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 103.
211 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 116.
212 MENDES, Valerie; HAYE, Anne, A moda no século XX. Op cit, p. 129.
77
dado pelas principais revistas de moda dos Estados Unidos. Recebido friamente

na Europa, que em 1947 ainda sofria influências da economia de guerra, o estilo

foi duramente criticado em função da grande quantidade de tecido necessária

para confeccionar um único vestido. “A americana média revoltou-se contra essa

roupa caríssima, mas as revistas americanas como Vogue e Harpers Bazaar

consagraram Dior como um gênio”213.

A figurinista Edith Head dizia que o modelo ajudava a disfarçar coxas

grossas e ombros pequenos, e ensinava às leitoras de revistas como transformar

roupas já existentes em New Look, acrescentando tecido à roda das saias.214 Ela

foi a primeira a desenhar um vestido desse estilo em Hollywood, quando vestiu

Bette Davies no filme June bride215, em 1948.216 Após algumas simplificações

em relação ao modelo original da alta

costura, o visual cintura fina e saias

rodadas foi produzido em larga escala e

tornou-se a principal silhueta dos anos

1950. “Na indústria americana adapta-

se o New Look com rayon substituindo

a seda, prensas automáticas para

engomar forro e enchimentos, e os

vestidos saem por 20 dólares”.217

Givenchy nutria grande admiração

pelo estilo de Balenciaga, tendo sido o

primeiro atelier onde o jovem procurou

trabalho quando chegou a Paris, sem


Vestido de sucesso. Menos de uma década depois,
Balenciaga, 1955.
o costureiro inaugurava sua própria

213 VINCENT-RICARD, Françoise, As espirais da moda. Op cit, p. 24.


214 CHIERICHETTI, Davis. Op cit, p. 89.
215 A noiva da primavera, Bretaigne Windust, EUA, 1948.
216 MASSEY, Anne. Op cit, p. 155.
217 VINCENT-RICARD, Françoise. Op cit, p. 24.
78
casa. Para a ocasião, escolheu as

manequins mais conhecidas de Paris e

uma delas, Bettina Graziani, era também

sua diretora de relações públicas. Ela

esteve pessoalmente na redação da

revista Vogue a fim de convencer os


editores de moda a não negligenciar a

estréia deste novo talento.218

A primeira coleção era baseada

em duas cores, preto e branco, e a idéia

Foto tirada durante


das peças separadas se estendia até os
o primeiro desfile de
Givenchy em 1952.
trajes de noite. Blusas de algodão com

grandes mangas e amarradas na cintura

podiam ser usadas com calças justas ou com saias para o dia. As mesmas peças,

em versão noturna, com tecidos nobres e saias longas, poderiam ser compradas

praticamente sem provas. A coleção era jovem, fresca, fácil de usar, feminina e cheia

de charme, um sucesso monumental. A Vogue América divulgou: “Os aplausos na

sua prémière foram altos, inqualificáveis e longos”.219

Os editores de moda mais importantes da França e dos Estados Unidos

levaram o nome de Givenchy para a fama imediatamente e as clientes elegantes

da alta-costura não tardaram, competindo para comprar os novos modelos que

as revistas exibiam. O movimento inesperado trouxe momentos de turbulência

para o costureiro, já que não conseguia encontrar profissionais qualificados em

número suficiente para dar conta de tanta demanda. Graças ao sucesso entre

as americanas, foi convidado a viajar para Nova York e lá apresentado, por

acaso, ao mestre Balenciaga.220

Givenchy sempre o tivera como referência e os dois tornaram-se amigos

218 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 115.


219 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 115.
220 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 115.
79
rapidamente. Tinham em comum o gosto pela arte, arquitetura, antigüidades e

jardinagem. Passavam horas discutindo a melhor construção para uma manga,

técnica aperfeiçoada pelo mestre, que a cortava junto ao corpo, sem uma costura

que ligasse as duas partes. Com ele, aprendeu a respeitar o tecido, construir a

roupa como um arquiteto e a dar importância ao corte perfeito e à ausência de


excessos.221 Preocupado com a grande quantidade de trabalho do jovem pupilo,

Balenciaga enviou-lhe duas ótimas funcionárias, que se tornaram seus braços

direitos no atelier: Madame Gilberte e Mademoiselle Carmen.222 Foi também graças

a esta amizade que Audrey Hepburn chegou a Givenchy, tornando-se a intérprete

perfeita para o seu estilo.

3.1 Audrey e Givenchy


Ao ser contratada para Sabrina em 1953, após o sucesso de Roman holiday,

Audrey sugeriu ao diretor Billy Wilder que as roupas da protagonista, após a estadia

em Paris, fossem realmente francesas. A esposa de um diretor da Paramount sugeriu

Balenciaga, mas o mestre estava muito ocupado e indicou o jovem amigo.223 A atriz,

que se interessava pessoalmente pela alta-costura, viu as roupas de Givenchy pela

primeira vez quando filmava em Monte Carlo, mas na ocasião não tinha dinheiro

para comprá-las. Ela confessou, porém, que investiu num casaco dele com o salário

que ganhou em Roman holiday.224

Audrey estava ansiosa pelo encontro. No dia marcado, o costureiro esperava

por Miss Hepburn, de Hollywood, e levou um susto ao deparar-se com aquela jovem

magricela de olhos enormes. A Hepburn famosa era a Katharine. Mesmo encantado

com o charme da moça, estava em véspera de lançamento da nova coleção e não

teria tempo de produzir nada especialmente para o filme. Combinaram que ela

escolheria três trajes de coleções passadas, e ele deixou-a à vontade para fazê-lo.

221 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 74.


222 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 10.
223 CHIERICHETTI, Davis. Op cit, p. 133.
224 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 85.
80
Givenchy surpreendeu-se com as peças

eleitas, todas perfeitas para o corpo

esguio da atriz. Ela sabia exatamente

o que queria e tinha noção perfeita de

suas proporções e defeitos, magra e

alta demais, pescoço muito comprido

e pés grandes, além das profundas

“saboneteiras” entre o pescoço e os

ossos da clavícula.225
Quem não gostou da situação foi

a figurinista Edith Head. Ela desenhou

as roupas menos glamorosas de Sabrina

Audrey Hepburn e e de outros personagens. Seu contrato


Edith Head, figurinista
da Paramount. com o estúdio Paramount especificava

que ela seria a única a ter créditos de

figurino, nem mesmo os nomes de seus assistentes poderiam aparecer. Como

as peças do costureiro não haviam sido desenhadas especialmente para o filme,

ninguém se incomodou que ela assinasse sozinha.226 Edith ganhou o Oscar e

Audrey não gostou do fato de Givenchy não ter sido mencionado. Mesmo assim,

o costureiro se beneficiou do sucesso com uma ótima estratégia de marketing, já

que lançou sua coleção de verão-1955 no mesmo dia do lançamento de Sabrina

em Paris, e com a presença da atriz. A Paramount organizou uma grande operação

publicitária e um concurso em algumas cidades como Toulouse, Argel e Tunis, com

o título “Parecida com Sabrina”.227

No filme seguinte, Funny face, o roteiro foi entregue diretamente a ele

para que desenhasse as roupas, e os créditos foram devidamente escritos: “Miss

225 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 22-30.


226 CHIERICHETTI, Davis. Op cit, p.134.
227 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 85.
81
Hepburn’s Paris Wardrobe by Givenchy”,

e “Costume Design by Edith Head”.228 O

relacionamento entre Edith Head e Givenchy

tornou-se símbolo da divergência entre

figurinistas e costureiros. Tanto em Sabrina

quanto em Funny face e Love in the afternoon,

ela desenhou as roupas para Audrey pobre ou

caseira, enquanto ele cuidou das peças para

Audrey chique, pós-transformação.229

Funny face, lançado no mesmo ano que

Love in the afternoon, selou definitivamente a

parceria entre a estrela e o costureiro, embora

só voltassem a trabalhar juntos quatro anos

depois, em Breakfast at Tiffany’s. Os filmes

que ela fez durante esse período pediam

figurinos específicos: a freira de The nun’s story

e uma índia no western de John Huston The


Audrey fotografa a unforgiven230. Mas a ligação de Audrey Hepburn
coleção de Givenchy
em 1963. com a moda se manteve fora das telas, pois

vestia e fotografava as coleções de seu criador

predileto, fotos essas publicadas em revistas como Vogue e Life. Eles se associaram

em todas as aparições públicas, estando a atriz presente na primeira fila de todos

os desfiles e sendo vestida por ele em qualquer evento cinematográfico. Graças a

Givenchy, desde 1957 Audrey esteve presente na lista das mulheres mais bem vestidas

do mundo pelo New York Couture Group231, consagrando o sucesso do costureiro entre

as mulheres americanas, além de contribuir para o próprio estrelato da atriz.

228 CHIERICHETTI, Davis. Op cit, p.136.


229 BRUZZI, Stella. Op cit, p. 6.
230 Os imperdoáveis, John Huston. EUA, 1960.
231 TAYLOR, Dabrina Anne. Op cit, p. 206.
82
“Audrey Hepburn fez a Maison Givenchy tornar-
se conhecida e fez com que muitas americanas
decidissem ‘vestir Givenchy’. Graças a ela as clientes
de Givenchy tornaram-se essencialmente anglo-saxãs.
(...) Audrey Hepburn, filme após filme, usou as roupas
com tamanha graça e talento que criou um estilo
que teve enorme impacto na moda. Seu lado chique,
jovem, sua postura e silhueta foram muito celebrados,
envolvendo Givenchy numa aura de luz que ele nunca
poderia imaginar”.232

O estilo de Givenchy priorizava a linha e a forma, construídas para envolver

o corpo de cada cliente numa elegância atemporal. Apaixonado por tecidos desde

a infância, incitava seus fornecedores a criar novas texturas e tramas. Inovador,

introduziu os casacos sem colarinho e com mangas ¾, além do vestido assimétrico

e das peças separadas e coordenadas.233 Ele

desenhava para a mulher em movimento,

oferecendo uma simplicidade sofisticada,

de proporções equilibradas e feminilizada

por detalhes sutis e inesperados. Entre

suas clientes, artistas e aristocratas como a

Duquesa de Windsor, a família Whitney, Maria

Callas, Grace Kelly e Jaqueline Kennedy,

além da própria Audrey.234

Givenchy chegou a vestir outras

estrelas, tanto em filmes americanos como

europeus, entre elas Lauren Bacall, Anouk

Aimée, Michèle Morgan, Jean Seberg,


Mme. Patrick Guiness Deborah Kerr, Brigitte Bardot, Juliétte
veste Givenchy.
Gréco, Elizabeth Taylor, Liza Minelli, Jeanne

232 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 10.


233 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 44.
234 KEOGH, Pamela Clark. Op cit, p.167.
83
Moreau e Capucine.235 Mas com Audrey a

relação era especial, os dois tinham muito

em comum e sua ligação se manteve

até a morte da atriz, quando ela já não

tinha condições financeiras para vestir as

roupas do amigo.

“Para mim ela foi um presente do céu. Tudo com


ela era feito com amizade. Devido à sua graça e
generosidade, nós sempre tivemos muito prazer na
companhia um do outro. Era como se houvesse um
pacto secreto entre nós”.236
A atriz Capucine
veste Givenchy.

Além de Givenchy, outros representantes

da alta-costura colaboraram com o cinema. A parceria começou muito antes, nas

primeiras décadas do século XX, quando as atrizes levavam suas próprias

roupas para as filmagens, divulgando a alta costura-francesa que muitas já

vestiam fora das telas.237

3.2 Figurinistas e criadores

“Quando os salões em todas as cidades e vilas foram


transformados em cinemas, aí então a alta costura
pôde ser vista por todas as pessoas”.238

O filme de moda mais antigo encontrado por Elizabeth Leese data de

fevereiro 1910 e foi produzido em Londres com o título Fifty years of Paris

235 MOHRT, Françoise. Op cit, p. 201.


236 Comentário de Givenchy sobre Audrey Hepburn. In: MOHRT, Françoise. Op cit, p. 88.
237 LEESE, Elizabeth, Costume design in the movies. New York: Dover Publications, 1991.
238 LEESE, Elizabeth, Costume design in the movies. Op cit, p. 9.
84
fashions – 1859 - 1909. Nesta

época, produtoras francesas

como Pathé e Gaumont faziam

filmes curtos contendo dois ou

três assuntos diferentes, e sempre

mostravam as últimas novidades

da moda parisiense. Muitas vezes

as películas eram colorizadas à

mão.239 Estes curta-metragens,


Fotograma de
um filme de feitos para documentar desfiles
moda de 1910.
e lançamentos de coleções, aos

poucos foram progredindo para pequenas histórias que giravam em torno das

roupas. Eram comuns as produções que mostravam as atrizes freqüentando

casas de alta costura, mas suas roupas eram, na maioria das vezes, desenhadas

pelos próprios figurinistas dos estúdios, alguns formados por costureiros, como

Adrian, Howard Greer e Travis Banton.240

Adrian, um dos primeiros figurinistas de Hollywood, trabalhou na MGM

de 1928 a 1942, quando saiu para montar sua própria casa de alta-costura. Ele

estudou em Paris antes de se transferir para a Califórnia, passando a vestir as

maiores estrelas do período, como Joan Crawford e Norma Shearer, com seu estilo

de linhas retas, ombros quadrados e muita lantejoula, além dos contrastes de preto

e branco.241 Ele fez o famoso vestido que Joan Crawford usou em Letty Linton, uma

das peças mais copiadas da história do cinema, mencionado no primeiro capítulo.

Somente a loja Macy’s, de Nova York, diz ter vendido 500.000 cópias da peça.242

Christopher Brewer analisa e tenta explicar o sucesso do famoso traje:

239 LEESE, Elizabeth. Op cit, p. 9.


240 LEESE, Elizabeth. Op cit, p.12.
241 SMITH, Kate Elizabeth. Op cit, p.15.
242 NACIF, Maria Cristina Volpi. Obra consumada: uma abordagem estética da moda feminina no
Rio de Janeiro entre 1932 e 1947. Dissertação de mestrado em História da Arte. Rio de Janeiro:
Escola de Belas Artes/UFRJ, 1993. p. 13.
85
“Esse vestido e outros similares estão implicados
numa rede simbólica que conecta a identidade
própria de Crawford, manipulada pelo star system,
mas essencialmente em conformidade com o mito da
garota-classe-trabalhadora transformada em “lady”,
com o princípio de auto-melhoria que está no coração
da moralidade consumista da América da metade
do século XX. Isto está relacionado com a própria
auto-imagem de Hollywood como gerador de valores
sociais produtivos e sua menos comprometida função
de vendedor de sonhos de fazer dinheiro”.243

Outro figurinista importante foi Howard


Cópia do vestido
desenhado por Adrian Greer, que começou a carreira na casa
para Joan Crawford
em Letty Linton. de alta costura que mais colaborou com o

cinema nas décadas de 1910 e 1920, Lucille,

da designer inglesa Lady Duff Gordon, com

lojas em Londres e Paris, além de Nova York

e Chicago. Após a Primeira Guerra, Greer

foi para Paris e trabalhou com Paul Poiret e

Molyneaux, antes de ser contratado como

figurinista-chefe da Paramount, onde ficou até

1927, quando inaugurou sua própria loja em

Beverly Hills. O figurinista continuou a suprir

o guarda-roupa de várias atrizes e manteve

uma certa colaboração com os estúdios,

mesmo como independente.244


Traje de Howard Travis Banton foi contratado pela
Greer para The
trouble with wives, Paramount em 1924, vindo de Nova York, e
de 1925.
acabou substituindo Howard Greer, passando

243 BREWARD, Christopher. Op cit, p. 150.


244 BRUZZI, Stella. Op cit, p. 4.
86
a vestir, além das estrelas, também as

americanas da alta sociedade.245 Banton

manteve Edith Head na equipe, que depois

ficaria em seu lugar até o final da década

de 1960. Enquanto trabalharam juntos, ela

vestia os atores e atrizes e ele cuidava

das estrelas. O contrato de Banton com a

Paramount incluía uma viagem por ano a

Paris, onde se informava sobre as novidades

da alta-costura e comprava roupas de

costureiros para usar nos filmes, sem dar-

lhes o devido crédito. Isto permitiu a Edith

assumir o figurino das grandes produções

que aconteciam durante a ausência dele.


A atriz Marlene
Dietrich vestida Foi assim que, em 1933, ela vestiu Mae
por Travis Banton
em Desire. West pela primeira vez no filme She done

him wrong246, e desde então tornaram-

se amigas. Edith também cobria as faltas de Banton sempre que este bebia

demais, o que começou a ser cada vez mais freqüente, principalmente no final

da década de 1930, quando as novas leis de decência praticamente eliminaram

os roteiros exóticos e sofisticados. Como conseqüência os figurinos tornaram-

se menos glamorosos e mais conservadores, na medida exata do que Edith Head

fazia, mas ao contrário do que era então a marca de Travis Banton.247

Em 1938 Edith substituiu Banton como figurinista principal da Paramount. Sua

formação se deu dentro do estúdio, já que aprendeu tudo com seus antigos chefes,

Howard Greer e Travis Banton. Ela mal sabia desenhar quando foi contratada, mas

245 CHIERICHETTI, Davis. Op cit, p. 20.


246 Uma Loira para três, Lowell Sherman, EUA, 1993.
247 CHIERICHETTI, Davis. Op cit, p. 35-36.
87
mostrou-se incansável no trabalho e flexível no trato com estrelas e diretores.248
Ficou na Paramount até 1967, tendo a seguir colaborado com outros estúdios, além

de fazer programas de rádio e televisão onde dava dicas sobre roupas e respondia

dúvidas das espectadoras. Edith foi nomeada para o Oscar de figurino trinta e

quatro vezes, levando oito estatuetas.249

Outros profissionais da área também foram famosos em Hollywood, e

muitos chegaram a trabalhar com Edith Head, como Mitchell Leisen, Orry-Kelly,

Robert Kalloch, Walter Plunkett, Cecil Beaton, Jean Louis e Irene, entre outros.

O advento do Technicolor trouxe problemas para os figurinistas, já que estavam

habituados a combinar contrastes, e não cores. Assim, sabiam bem transformá-las

em tonalidades de cinza, mesmo que não combinassem a olho nu. Além disso, as

cores filmadas mudavam de tom, dificultando ainda mais o trabalho.250

Artists and models251, filme lançado pela Paramount em 1937 sob a direção

de Mitchell Leisen, figurinista que se tornou diretor, foi o primeiro longa-metragem

a usar assumidamente roupas da alta-costura francesa. Ficou a cargo de uma

representante da revista Harpers Bazaar em Paris, Lilian Fischer, coletar as peças

de Lanvin, Maggie Rouff, Paquin, Jean Patou, Schiaparelli, Lucien Lellong e Worth.252

A própria Paramount produziu uma refilmagem com o mesmo título em 1955, desta

vez com figurinos de Edith Head.253 Lançado no mesmo ano de 1937 e do mesmo

estúdio, I’d give my life254 trazia a atriz Frances Drake vestindo Schiaparelli, Lucille,

Lanvin, Charles Creed e Victor Stiebel, sob comando de Travis Banton.255

Elsa Schiaparelli trabalhou para muitos filmes ingleses nos anos 1930, mas

também vestiu atrizes americanas como Mae West em Every day’s a holiday256 e

248 CHIERICHETTI, Davis. Op cit, p. 14.


249 LEESE, Elizabeth. Op cit, p.163.
250 SMITH, Kate Elizabeth. Op cit, p. 16.
251 Artistas e modelos, Mitchell Liesen, EUA, 1936.
252 LEESE, Elizabeth. Op cit, p. 13.
253 http://en.wikipedia.org/wiki/Artists_and_Models
254 I’d give my life, Ewin L. Marin, EUA, 1936.
255 LEESE, Elizabeth. Op cit, p. 14.
256 A vida é uma festa, A. Edward Sutherland, EUA, 1937.
88
Zsa Zsa Gabor em Moulin Rouge257. O costureiro inglês Norman Hartnell colaborou

com o cinema britânico durante quarenta e cinco anos. Em 1941 apareceu no filme

Fashion fantasy258, filmado dentro do seu atelier e que mostrava o processo de

fabricação de um vestido e um grande desfile no final.259 Chanel, já mencionada

no primeiro capítulo, esteve sob contrato com a MGM por um breve período no

início da década de 1930, mas a relação com as estrelas do estúdio foi conflituosa,

especialmente com Gloria Swamson.260

Depois da Segunda Guerra, designers associados à retomada da alta-

costura, como Givenchy e Dior, encontraram em Hollywood uma fonte importante

de marketing e patrocínio.261 A Maison Dior vestiu muitas atrizes dentro e fora das

telas, desenhando para filmes americanos, ingleses e franceses, mesmo depois

da morte prematura de seu criador, em

1957, quando foi substituído por Yves

Saint Laurent na direção artística da

casa. Entre as estrelas que vestiram

Dior no cinema, nomes famosos como

Ingrid Bergman em Indiscreet262 e

Goodbye again263, Olívia de Havilland

em Libel264, Light in the piazza265 e

The ambassador’s daughter266, Gina


Jane Russel
veste Christian Lollobrigida em Woman of straw267,
Dior em 1954.
além do glamoroso guarda-roupa de

257 Moulin Rouge, John Huston, EUA, 1952.


258 Fashion fantasy, Richard M. Grey, UK, 1941.
259 LEESE, Elizabeth. Op cit, p. 17.
260 HAYE, Amy; TOBIN, Shelley. Chanel, the couturiere at work. Londres: The Victoria and Albert
Museum, 1995, p. 67.
261 BREWARD, Christopher. Op cit, p. 132.
262 Indiscreta, Stanley Donen, EUA, 1958.
263 Mais uma vez adeus, Anatole Litvak, EUA, 1961.
264 A noite é minha inimiga, Anthony Asquith, EUA, 1959.
265 Luz na praça, Guy Greene, EUA, 1962.
266 A filha do embaixador, Norman Krasna, EUA, 1966.
267 A mulher de palha, Basil Deardem EUA, 1964.
89
Marlene Dietrich em Stage fright268. Pierre

Balmain colaborou em diversos filmes,

tendo vestido Rita Hayworth em Fire down

below269, Lana Turner em Betrayed270,

Sophia Loren em The millionairess271 e Cyd

Charisse em Two weeks in another town272,

entre outras.

3.3 O marketing por trás do glamour


Funny face foi o primeiro longa-

metragem de um grande estúdio de

Hollywood cuja estrutura abrigou um


Vivien Leigh veste
Pierre Balmain em desfile como parte da narrativa.273 O
The deep blue see.
costureiro francês do filme é o próprio alter

ego de Givenchy e são dele as roupas que

encantaram as platéias. Ele beneficiou-se deste sucesso e da parceria com Audrey,

firmando seu estilo através da jovem atriz que representava a nova mulher, prática,

ativa e trabalhadora, sem tempo a perder com infindáveis provas no atelier.

A colaboração de criadores de moda com estrelas e filmes tem acontecido desde

o começo, mas a relação de Givenchy com Audrey Hepburn pode ser considerada

diferente em função da intensidade, que ultrapassava o contrato esporádico de

trabalho, estendendo-se para uma amizade duradoura e uma simbiose constante. A

naturalidade da relação, em função de tantas afinidades, não deixava transparecer

claramente os interesses comerciais envolvidos. Uma verdadeira estratégia de

marketing desenhava-se, onde os dois lados colhiam os benefícios de terem seus

268 Pavor nos bastidores, Alfred Hitchcock, EUA, 1950.


269 Lábios de fogo, Robert Parrish, EUA, 1957.
270 Atraiçoado, Gottfried Reinhardt, EUA, 1954.
271 Com milhões e sem carinho, Anthony Asquith, EUA, 1960.
272 A cidade dos desiludidos, Vincente Minnelli, EUA, 1962.
273 BRUZZI, Stella. Op cit, p. 4.
90
nomes atrelados. Um tornou-se a cara do

outro. O costureiro encontrou uma manequim

muito parecida e com as mesmas medidas da

atriz, Jacky, contratada do atelier e sempre à

disposição para materializar as idéias do criador

para sua musa.274

Givenchy supriu o guarda-roupa da

atriz em sete filmes, praticamente todos os

roteiros onde os figurinos não eram históricos

ou específicos. Audrey tornou-se uma

“vitrine viva” de Givenchy, e a naturalidade

com que vestia suas criações demonstrava

Jackie, modelo de
total afinidade entre roupa e personalidade,
Givenchy, tinha as
mesmas medidas
justamente por manter o mesmo estilo
de Audrey Hepburn.
dentro e fora das telas. Nesse sentido

também se mostrou uma estrela diferente,

pois seu visual não foi fabricado pelo star system. Trouxe seu próprio estilo para

o cinema, que casou perfeitamente com o de Givenchy, transformando-os numa

dupla indissociável. É quase impossível pensar em um, sem lembrar do outro.

No lançamento de My fair lady, em 1964, Audrey vestiu trajes diferentes de

Givenchy em cada cidade americana onde aconteceram prémières.275 O costureiro

não teve nenhuma relação com os figurinos do filme, mas mesmo assim levou

fama, já que a Vogue fez um editorial de moda com chapéus feitos por Givenchy

inspirados em My fair lady.276 Em 1982 ele lançou um perfume, L’Interdit, dedicado

à atriz, e em 1985, na “Noite da Elegância” organizada pela Ópera de Paris, ela

deu-lhe uma prova especial de fidelidade ao declarar publicamente: “Meu único

mérito é ter vestido, durante trinta anos, os vestidos de Monsieur de Givenchy, de

274 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 85.


275 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 85.
276 TAYLOR, Dabrina. Op cit, p. 237.
91
quem eu aprecio desde sempre o talento

e a amizade”.277 Mesmo após a morte

da atriz, o costureiro nunca deixou de

se referir a ela em suas entrevistas. “Em

toda coleção uma parte do meu coração,

do meu lápis, do meu desenho, vai para

Audrey. Audrey agora partiu, mas eu

ainda comungo com ela”.278

O auge do sucesso de Givenchy

aconteceu entre a segunda metade dos

anos 1950 e o final da década seguinte.

Em 1956 o costureiro possuía cinco


Foto de Audrey
para campanha do ateliers em seu espaço da rua Alfred
perfume L’Interdit
de Givenchy. de Vigny. Gilberte e Carmen cuidavam

dos dois que faziam somente vestidos,

enquanto Jean Claude e Colette eram responsáveis por ternos e casacos e Francine

ficava com os chapéus. Cada um abrigava uma média de sessenta empregados.

Em 1959 mudou-se para um espaço maior, na Avenue George 5, passando a ter

sete ateliers sob sua responsabilidade.279

Nesta época, além das clientes pessoais que visitavam as maisons,

os maiores compradores de alta-costura eram as lojas de departamento e as

butiques de luxo em várias cidades dos Estados Unidos e Europa, mas também

de outros países mais periféricos. Em São Paulo, por exemplo, o Mappin

Stores vendia alta-costura francesa nas décadas de 1920 e 1930, assim como

luvas, chapéus e perfumes, além de realizar desfiles com “modelos vivas”, uma

exclusividade naquele tempo.280

277 Comentário de Audrey Hepburn sobre Givenchy. In: PALLAIS GALLIERA. Op. cit, p. 85.
278 Comentário de Givenchy sobre Audrey Hepburn. In: MOHRT, Françoise. Op cit, p. 84.
279 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 73.
280 BONADIO, Maria Claudia, Moda e sociabilidade: Mulheres e consumo na São Paulo dos anos
1920. São Paulo: Editora Senac, 2007, p. 103/113.
92
A importação de vestidos da alta-costura implicava na compra da tela,

ou seja, um protótipo do modelo confeccionado em tecido cru, que vinha

acompanhado de referências para os tecidos, botões e aviamentos adequados,

além de etiquetas com a assinatura do costureiro, atestando a originalidade

do modelo. A peça era finalizada na loja que a comprava e adaptada ao corpo

da cliente. Outra possibilidade, mais barata, era a compra somente do molde

em papel, que não permitia muitas reproduções em função da fragilidade do

material. Era possível ainda adquirir uma peça pronta diretamente de Paris, a

ser ajustada posteriormente, modalidade mais cara de importação. 281 Até o final
dos anos 1950 as vendas eram constantes e as maisons chegavam a fazer três

desfiles por dia para atender a todos os compradores.282

Uma década mais tarde o

sistema entrou em crise em função

dos novos estilos de vida que se

apresentaram como opção para

as mulheres, além dos avanços

tecnológicos que permitiram a

produção de roupas prontas de boa

qualidade, levando os compradores

de alta-costura a desaparecer.

Alguns compravam um ou dois

modelos de tela e reproduziam

infinitamente, com tecidos diferentes

ou pequenas alterações de modelo.

O licenciamento de produtos e a
Modelo veste
coleção Inverno profusão de acessórios e perfumes
67-68 de Givenchy.
foram estratégias usadas pelos

281 GOMES, Susana Helena de Avelar, Moda – entre arte e consumo. Op cit, p. 63.
282 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 102.
93
costureiros para diversificar seus ganhos, além da introdução de roupas

prontas, ou prêt-à-porter 283. O alto custo da matéria prima e da mão-de-obra


especializada obrigou-os a reduzir gastos. Se antes um vestido demorava

entre 150 e 200 horas para ser confeccionado, na década de 1970 esta

média caiu para 45 a 90 horas. Givenchy enxugou sua estrutura para quatro

ateliers e cinqüenta funcionários. 284

Até meados dos anos 1960 suas propostas foram inovadoras e

conseguiram trazer jovialidade para a tradicional alta-costura. Pode-se

dizer que ele iniciou um movimento de transição no campo, preparando-o

para a revolução deflagrada nesta década por André Courrèges e por um

grupo de jovens estilistas ingleses,

que ameaçaram o domínio de Paris

como principal pólo de produção e

mudaram definitivamente as regras

do mundo da moda.

3.4 Novos rumos no campo da

moda

“Por um lado, os muros brancos e o tapete cinza,


os monogramas, as vendedoras de uma certa
idade, das velhas maisons de prestígio e de
tradição, situadas nos santuários da rive droite
(...); por outro, o metal branco e ouro, as formas
e os volumes implacavelmente modernos,
além dos vendedores audaciosamente
Prêt-à-porter moderno de
“santropezianos” das butiques de vanguarda,
André Courrèges em 1968.
implantadas na área chique da rive gauche.”285

283 O termo prêt-à-porter pode ser traduzido como “pronto-a-vestir”, e consiste em roupas de
alta qualidade e de marcas ligadas ao segmento de luxo, mas que são compradas prontas em
butiques.
284 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 73.
285 BOURDIEU, Pierre, O costureiro e sua grife. Op cit, p. 115.
94
A crescente presença e relevância dos jovens como parcela significativa

do mercado consumidor de produtos de moda fez surgir, ainda na década de

1950 e dentro das maisons estabelecidas, linhas exclusivas de alta-costura que

visavam atingir esse novo segmento da sociedade. Estas butiques tinham uma

decoração moderna e vendiam roupas e acessórios a preços mais acessíveis que

suas matrizes, além de se localizarem em bairros de maior concentração juvenil.

A loja destinada ao jovem mantinha certas características da marca-mãe, como

qualidade e perfeição no acabamento, mas apresentava uma imagem inovadora

no ambiente descontraído e na postura das vendedoras, mostrando que, como

observa Bourdieu, “se pode ser tradicional e, ao mesmo tempo, moderna, em suma,

burguesa e estar na moda”.286

Diana Crane explica que a moda de consumo, caracterizada por uma

maior diversidade de estilos e destinada a atender as demandas de uma

sociedade fragmentada em grupos sociais distintos, implicou na substituição

de um único gênero, a alta-costura, por três categorias: moda de luxo, prêt-

à-porter e moda de rua.287 Cada uma

delas mantém divisões internas, a fim

de atingir indivíduos com identidades

e estilos de vida diferentes. Assim, a

moda de luxo, acessível somente às

classes de maior poder aquisitivo,

lança linhas específicas para atender

às filhas de suas clientes, que já não

querem se vestir como as mães. Estas


Jovens em 1964, linhas jovens são desenhadas por
descobrindo
novos códigos costureiros ou estilistas que também
de vestimenta.
assinam seus nomes em perfumes e

286 BOURDIEU, Pierre, O costureiro e sua grife. Op cit, p. 118.


287 CRANE, Diana. Op cit, p. 273.
95
acessórios, produtos que representam grande fonte de renda para a marca.

O prêt-à-porter passa a dar o tom nos anos 1960, criado por grandes
confecções e normalmente contando com uma equipe de estilistas que captam

as principais tendências e adaptam-nas ao maior número possível de pessoas e

grupos. Inspiram-se na moda das ruas e na de luxo simultaneamente, oferecendo

um grande leque de opções aos consumidores. Utilizam a mídia e a publicidade

para criar uma marca competitiva, com anúncios e catálogos sofisticados, nos

quais os produtos aparecem relacionados aos diferentes estilos de vida.

Já a moda de rua é gerada pelas subculturas urbanas e é, portanto, muito

segmentada e até misturada, sem regras precisas.288 Apesar de atender um público

de menor poder aquisitivo e formado por diferentes grupos de jovens, cada qual

com seus modismos, tornou-se a grande fonte de inspiração para a moda das

classes altas a partir dos anos 1960.

“(...) se um dado look de uma subcultura ou de uma


classe subordinada é apropriado pela indústria de
moda, é porque sua força ideológica e sua aparente
bravura não podem mais ser ignoradas – porque
ganhou não só uma guerra de estilos, mas uma batalha
cultural”.289

Christopher Brewer aproxima a moda do cinema ao defini-la como uma

indústria cultural, já que incorpora economia, sociologia e psicologia às experiências

estéticas290, garantindo uma produção em sintonia com as demandas do público.

Em função da necessidade de acompanhar as mudanças da sociedade, a maioria

das marcas de alta costura lançou linhas próprias de prêt-à-porter desenhadas

pelo costureiro da casa, mas confeccionadas em grande escala por indústrias

terceirizadas. Givenchy inaugurou a sua Givenchy Nouvelle Boutique, na Avenue

288 CRANE, Diana. Op cit, p. 273.


289 SILVERMAN, Kaja, “Fragmentos de um discurso de moda”. In: BENSTOCK, Shari; FERRISS,
Suzanne. Por dentro da moda. Op cit, p. 211.
290 BREWARD, Christopher. Op cit, p. 101.
96
Victor Hugo, em 1968. Depois vieram

Givenchy Gentlemen (masculino), Givenchy

en Plus (somente nos EUA e Alemanha,

com tamanhos maiores), Givenchy Play

(sportswear), Givenchy Prémiers Pas

(infantil) e Givenchy Tókio Soir (vestidos para

cerimoniais, somente no Japão).291

Estilistas e criadores especializados

em prêt-à-porter começaram a firmar seus

nomes no mercado, alguns vindos da alta


Yves Saint Laurent com
modelo de minissaia em costura, como Yves Saint Laurent, Pierre
frente a sua nova butique
Rive Gauche em 1966. Cardin e Courrèges, outros realmente novos,

como Daniel Hechter, Emmanuèlle Kahn e

Sonia Rykiel, na França, e Mary Quant e Hardie Amies na Inglaterra. A Chambre

Syndicale flexibilizou as regras e em 1974 criou uma subdivisão para atender

aos novos profissionais, a “Chambre Syndicale du Prêt-a-Porter des Couturieurs

e des Créateurs”.292 A alta-costura manteve-se pela tradição, funcionado ainda

como laboratório de criação, sem preocupações comerciais, já que a maioria das

maisons continuou atrelada a uma marca de prêt-à-porter e perfumes, produtos

que garantem, ainda hoje, a sobrevivência dos grandes nomes de moda.

Bourdieu associa estas mudanças no campo da moda a uma combinação

entre os avanços tecnológicos de fabricação e comercialização, por um lado,

e às transformações do habitus, por outro, como se o prêt-à-porter e a moda

de rua fossem a tradução ou representação material da segmentação dos

novos estilos de vida. 293 A esses fatores podem-se agregar as inovações

estéticas propostas pelos jovens estilistas, que captaram as necessidades

da nova mulher na sociedade moderna.

291 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 103.


292 PALLAIS GALLIERA. Op cit, p. 130.
293 BOURDIEU, Pierre. Op cit, p. 172.
97
“A moda como um poderoso meio de
expressão, o estilo como um meio de acesso
a outra vida, a sensação de possibilidade
numa compra – a conexão entre roupas
e a política de liberação nunca foi tão
pronunciada desde a década de 20”. 294

A moda é adotada como

ferramenta para expressar o estilo

de vida dos novos tempos. A mulher

moderna e dinâmica encontra-se

representada nas roupas práticas,

funcionais e esportivas de Courrèges,

coerentes com seu novo habitus. Os

jovens conquistam autonomia e vão

se espelhar em novos ídolos, mais


Roupa de Pierre Cardin
inspirada nas conquistas próximos da sua idade, como as
espaciais, 1969.
bandas de rock’n roll de Elvis Presley e

dos Beatles, ou os filmes de James Dean295 e Marlon Brando296, que introduzem

o uso da calça jeans como a indumentária juvenil por excelência.

Esta nova estética juvenil é retratada com criatividade e bom humor pelos estilistas

londrinos, que vêm quebrar as convenções na conservadora sociedade inglesa. Mary

Quant e sua minissaia, Jean Muir, Hardy Amies, ou ainda as butiques Biba e Bazaar, que

vendiam roupas baratas e divertidas, foram responsáveis por desviar temporariamente

o foco da moda, destituindo Paris do papel de lançadora de tendências.297 Na verdade,

Paris estava em plena atividade e também tinha seus “modernos”, com destaque para

o futurismo de Pièrre Cardin, Paco Rabanne e o já citado Courrèges.

294 DELIBERO, Linda Benn. “A garota do ano: uma história pessoal e crítica de Twiggy”. In:
BENSTOCK, Shari; FERRISS, Suzanne. Por dentro da moda. Op cit, p. 54.
295 East of Eden, (Vidas amargas), Elia Kazan, EUA, 1954 e Rebel without a cause, (Juventude
transviada), Nicholas Ray, EUA, 1955.
296 The wild one, (O selvagem), László Benedek, EUA, 1953.
297 FOGG, Marnie, Boutique: a 60’s cultural phenomenon. London: Mitchell Beazley, 2003.
98
“O discurso de Courrèges transcende amplamente
a moda: ele não fala mais de moda, mas da mulher
moderna, que deve ser livre, descontraída, esportiva,
à vontade. Na realidade, acho que uma revolução
específica, algo que inicia um novo período num
determinado campo, é a sincronização de uma
necessidade interna com algo que se passa fora, no
universo que o engloba. O que faz Courrèges? Ele não
fala de moda; fala de um estilo de vida.”298

A sintonia entre a moda e as mudanças na sociedade nas décadas de 1950

e 1960 culminou numa revolução estética, que nada mais foi que o reflexo da

própria revolução social em curso no mundo ocidental. O avanço tecnológico e o

aumento das comunicações encurtaram distâncias, o movimento de pessoas em

áreas urbanas aumentou, mulheres e jovens entraram no mercado de trabalho

e de consumo, alimentando indústrias

dos mais variados produtos. Neste

novo universo, tanto o cinema quanto

a moda precisaram se diversificar para

sobreviver.

Diversidade e segmentação para

as massas pode parecer inicialmente,

um contra-senso, já que “massa” remete

a um bloco homogêneo de pessoas.

Porém, a sociedade moderna ocidental

fragmentou as massas, dividindo-as

segundo critérios de estilos de vida,

desde idade e gênero, até práticas


Butique psicodélica
em Carnaby Street, esportivas, preferências culturais e
Londres.
gostos. Tanto a indústria cinematográfica

298 BOURDIEU, Pierre, “Alta costura e alta cultura”. In: Questões de sociologia. Op cit, p.157.
99
quanto a indústria da moda buscam atender a uma clientela variada, diversificando

os gêneros, no caso dos filmes, e os estilos, em relação a roupas e acessórios, sem

jamais esquecer o objetivo maior, ou seja, o lucro.

“Em 40 anos passou-se de um modelo de criação


que dita a lei para todos os segmentos sociais a
uma verdadeira eclosão de agentes de criatividade.
Consumidores estão mais atentos e com iniciativa
criadora”.299

Nos últimos quarenta anos o processo de fragmentação da sociedade se

intensificou e os hábitos de consumo já não se restringem ao Ocidente. Podem-se

encontrar empresas de moda e de cinema em diversos países do mundo, assim

como estilistas e cineastas trabalhando fora do seu local de origem. Porém as

grandes empresas, aquelas que realmente geram lucro, são as que pertencem a

conglomerados, grupos financeiros que administram várias marcas.

O maior exemplo, no caso da moda, é o grupo LVMH (Louis Vuitton – Moët

Henessy), criado em 1987 e que controla as grifes Emilio Pucci, Christian Dior,

Givenchy, Kenzo e Louis Vuitton. A Gucci pertence sessenta por cento ao grupo

Pinault-Printemps-Redoute300 e controla, além da própria Gucci, Yves Saint-Laurent

Rive Gauche, Balenciaga, Alexandre McQueen e Stella McCartney.301

Em relação aos grandes estúdios de cinema não foi diferente. Hoje a

Paramount pertence ao conglomerado CBS Corporation, que começou com uma

fábrica de eletrodomésticos, a Westinghouse, e hoje é um dos maiores grupos de

mídia do mundo, dono de várias redes de televisão e rádio, gravadora, editora e

empresa de jogos para Internet, além dos estúdios Paramount e Dreamworks.302

Estes acontecimentos são resultado das mudanças iniciadas nas décadas

299 VINCENT-RICARD, Françoise. Op cit, p. 136.


300 Este grupo empresarial detém a loja de departamentos Printemps, o catálogo de vendas pelo
correio La Redoute e a casa de leilões Christies.
301 CASTARÈDE, Jean, O luxo, um dos segredos dos produtos mais desejáveis do mundo. São
Paulo: Editora Barcarolla, 2005, p. 89/90.
302 http://en.wikipedia.org/wiki/CBS_Corporation#Paramount_Parks
100
de 1950 e 1960, reflexos de uma nova dinâmica mundial, onde pessoas e

informações passaram a circular cada vez mais rápido, o comércio e o consumo

aumentaram consideravelmente, ativando as economias e incluindo vários países

na disseminação dos estilos de vida ocidentais.

No mundo atual a estrela não perdeu seu papel, mas passou a dividi-lo com

outras profissionais da imagem, como as modelos e as cantoras. As primeiras foram

elevadas à categoria de celebridade já no final dos anos 1980, encabeçadas por

nomes como Linda Evangelista, Naomi Campbell e Claudia Schiffer, que teve uma

parceria constante com Karl Lagerfeld, estilista da Chanel. Chamadas na época de

“supermodelos”, representaram a mais importante ferramenta de marketing para as


marcas de prêt-à-porter de luxo, dando início

ao culto que se intensificou nos dias de hoje

com as “Übermodels”303, da qual a brasileira

Gisele Bündchen é a maior representante.

Já a cantora Madonna é um exemplo

de grande estrela da música, um camaleão

de estilos, que sempre teve o cuidado de

associar seu visual a um grande estilista,

conforme a imagem que desejava comunicar.

Ficou célebre a sua parceria com o irreverente

Jean Paul Gaultier ao longo dos anos 1990,

principalmente na turnê do álbum Blond

Ambition, quando vestiu um sutiã com bojos

em forma de cone. Outra marca de luxo que

ela veste é Versace, e sua presença nos


A cantora Madonna
desfiles destas marcas é motivo de destaque
veste corselet de
Jean Paul Gaultier na
na mídia que cobre os eventos, trazendo
turnê Blond Ambition.
publicidade e reconhecimento internacional.

303 “Über”, palavra em alemão para designar algo muito grande, maior que “super”.
101
“Privilegiando a criação da imagem, da aparência e da moda na produção da

identidade, Madonna reforça as normas da sociedade de consumo e os produtos

da indústria da moda”.304
Os grandes nomes da moda de luxo continuaram a colaborar com o cinema

e a vestir seus atores e atrizes. Giorgio Armani, por exemplo, vestiu Richard Gere

em American gigolo305, em 1980. Desde então colabora constantemente com o

diretor Martin Scorcese e veste o ator George Clooney, nos filmes e fora deles. Os

eventos cinematográficos, principalmente a entrega do Oscar, em Los Angeles, e o

Festival de Cannes, na França, provocam a cada ano uma verdadeira disputa entre

os estilistas para vestirem as estrelas, que são fotografadas pela imprensa de todo

o mundo, trazendo enorme visibilidade para as marcas.

No Brasil, o principal veículo de disseminação de estilos hoje é a televisão,

principalmente as novelas da Rede Globo, de onde as atrizes têm as roupas

copiadas, mesmo que não façam parte das tendências da estação. A maioria das

marcas de moda empresta, ou até oferece gratuitamente suas roupas para que as

estrelas usem, dentro e fora das telas. Associar seu nome a estrelas ou celebridades

que estejam em evidência nos meios de comunicação, faz parte do investimento

em marketing de qualquer empresa de moda.

A diferença principal entre Audrey Hepburm e as atuais estrelas/

celebridades, no que se refere às parcerias com a moda, está no fato de que

ela construiu sua personalidade com autonomia, atrelando sua imagem à de

Givenchy com a naturalidade que seu habitus legitima. A mulher que teve uma

educação de alta cultura e viveu em ambientes refinados, lembrando Vincent-

Ricard, transparece o modelo de elegância das elites européias de maneira tão

internalizada que parece inato, embora, como nos assegura Bourdieu, estas

qualidades sejam adquiridas no próprio ambiente familiar. O costureiro contribuiu

para realçar um padrão de elegância que fazia parte do hábitus social da atriz

304 KELLNER, Douglas, “Madonna, moda e identidade”. In: BENSTOCK, Shari; FERRISS, Suzanne.
Por dentro da moda. Op cit, p. 190.
305 Um gigolô americano, Paul Schrader, EUA, 1980.
102
como uma segunda pele, sem esforço. Aquelas roupas, para ela, nunca foram

somente um figurino, mas seu próprio guarda-roupa. Em relação às mudanças

de paradigma que ela representou, em questões de atitudes e comportamento,

é difícil imaginar uma atriz atual que desempenhe esse papel.

Nesses primeiros anos do século XXI, o principal fator de mudanças parece

vir dos avanços tecnológicos. A palavra de ordem é “customização”, que poderia ser

definida como “à maneira do cliente”. Roupas podem ser compradas pela Internet

e customizadas de acordo com o gosto ou a vontade do consumidor. A tecnologia

digital permite que qualquer pessoa faça um filme e coloque-o na Internet para ser

assistido do outro lado do planeta. Até o telefone celular pode ser considerado uma

mídia, já que possui câmera e tela. Todos podem ser autores e criadores.

Seria a massificação da individualidade? Ou da criatividade individual? No

futuro, os grupos sociais serão menos uniformizados ou mais diversificados? Ter

uma imagem individualizada, ser diferente, pode se tornar sinônimo de inserção?

Nesse caso, quem serão os próximos excluídos?

São muitas as questões, e qualquer tentativa de resposta pode ser

precipitada. Talvez daqui a alguns anos, olhando em perspectiva para um

passado recente, seja possível analisar as novas organizações que a nossa

sociedade de consumo certamente fará para continuar atuando dentro dos

moldes do capitalismo moderno.

103
Bibliografia
ADORNO, Theodor W, Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra,
2002.

ASH, Juliet e WILSON, Elizabeth, Chic thrills: A fashion reader. Los Angeles:
University of California Press, 1993.

BARTHES, Roland, Mitologias. São Paulo: Difel, 1982.

BASSANEZI, Carla, “Mulheres dos anos dourados”. In: PRIORE, Mary Del (Org.);
BASSANEZI, Carla (coord. de textos), História das mulheres no Brasil. São Paulo:
Contexto, 1997.

BENJAMIM, Walter, “A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica”.


In: LIMA, Luiz Costa (Org.) Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra,
2000.

BENSTOCK, Shari; FERRISS, Suzanne. Por dentro da moda. Rio de Janeiro:


Rocco, 2002.

BONADIO, Maria Claudia, Moda e sociabilidade: Mulheres e consumo na São


Paulo dos anos 1920. São Paulo: Editora Senac, 2007.

BOURDIEU, Pierre, Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

___________, A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens


simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004.

BREWARD, Christopher, Fashion. New York: Oxford University Press, 2003.

BRUZZI, Stella, Undressing cinema – clothing and identity in the movies. London:
Routledge, 1997.

BUENO, Maria Lucia, Artes plásticas no século XX: Modernidade e globalização.


São Paulo: Editora Unicamp, 1999.

______________; CASTRO, Ana Lucia, Corpo território da cultura. São Paulo:


Annablume, 2005.

CASTARÈDE, Jean, O luxo, um dos segredos dos produtos mais desejáveis do


mundo. São Paulo: Editora Barcarolla, 2005.

CASTRO, Ana Lucia de, “Culto ao corpo: Identidade e estilos de vida”. In:
BUENO, Maria Lucia; CASTRO, Ana Lucia de, Corpo território da cultura. São
Paulo: Annablume, 2005.

CHARNEY, Leo; SCHWARTZ, Vanessa (Org.), O cinema e a invenção da vida


moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

CHIERICHETTI, David, The life and times of Hollywood’s celebrated costume


designer Edith Head. New York: HarperCollins, 2003.
104
COSAC & NAIFY, Beleza do Século. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000.

COSTA, Antonio, Compreender o cinema. Rio de janeiro: Editora Globo, 1987.

CRANE, Diana, A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade nas roupas.
São Paulo: Senac, 2006.

DELIBERO, Linda Benn, “A garota do ano: uma história pessoal e crítica de Twiggy”.
In: BENSTOCK, Shari; FERRISS, Suzanne, Por dentro da moda. Rio de Janeiro:
Rocco, 2002.

DUBY, George; PERROT, Michelle, História das Mulheres 5 - O Século XX. Porto:
Edições Afrontamento, 1991.

DUNCAN, Paul; FEENEY, F.X., A. Hepburn. Koln: Taschen, 2006.

DURAND, Gilbert, A imaginação simbólica. São Paulo: Editora Cultrix/Editora da


USP, 1988.

DURAND, José Carlos, Moda, luxo e economia. São Paulo: Babel Cultural, 1988.

DYER, Richard, Stars. London: BFI Publishing, 1986.ECO, Humberto, Psicologia


do vestir. Lisboa: Assírio e Alvim,1982.

ERNER, Guillaume, Vítimas da moda. São Paulo: Senac, 2005.

FERREIRA, Gloria; COTRIM, Cecília, Clement Greemberg e o debate crítico. Rio


de Janeiro: Funarte/Zahar, 1997.

FIEMEYER, Isabelle, Coco Chanel: Um parfum de mystère. Paris: Recit, 2002.

FRIEDRICH, Otto, A cidade das redes: Hollywood nos anos 40. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.

GABLER, Neal, Vida, o filme. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

GAMIER,Guillaume, Paris-Couture-annés trente, Paris: Edition Paris-Musées et


Société de L’Histoire du Costume, 1987.

GIDDENS, Anthony, Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Editora, 2002.

GREEMBERG, Clement, “Vanguarda e kitsch”. In: FERREIRA, Gloria; COTRIM,


Cecília, Clement Greemberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Funarte/Zahar,
1997.

GRUMBACH, Didier, Histoires de la mode. Paris: Seuil, 1993.

HAYE, Amy, Fashion source book – a visual reference to the twentieth century
fashion, New Jersey: The Wellfleet Press, 1988.

__________, Chanel: The couturiere at work, Londres: The Victoria & Albert
Museum, 1995.

105
__________; MENDES, Valerie, A Moda no Século XX. São Paulo: Martins Fontes,
2003.

HIGONNET, Anne, “Mulheres, imagens e representações”. In: DUBY, George;


PERROT, Michelle, História das Mulheres 5 - O Século XX. Porto: Edições
Afrontamento, 1991.

HOBSBAWN, Eric, Era dos extremos – O breve século XX : 1914-1991. São


Paulo: Companhia das Letras, 1995.

HOLLANDER, Anne, O sexo e as roupas – a evolução do traje moderno. Rio de


Janeiro: Rocco, 1996.

HOWELL, Georgina, In Vogue. New York: Schocken Books, 1975.

JARVIE, I. C., Movies and Society. New York: Basic Books, 1970.

KAEL, Pauline, 1001 noites no cinema. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

KAPLAN, Anne, A Mulher e o cinema – os dois lados da câmera. Rio de Janeiro:


Ed. Rocco, 1995.

KAWAMURA, Yunika, The japanese revolution in Paris fashion. New York: Berg,
2004.

KELLNER, Douglas, “Madonna, moda e identidade”. In: BENSTOCK, Shari;


FERRISS, Suzanne, Por dentro da moda. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

KEOGH, Pamela Clarke, Audrey Style. New York: Harper Collin Publishers, 1999.

KEHL, Maria Rita, “Cinema e imaginário”. In: XAVIER, Ismail, (Org.), O cinema no
século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

LAPLANCHE E PONTALIS, Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins


Fontes, 1991.

LAVER, James, A roupa e a moda – uma história concisa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989.

LEESE, Elizabeth, Costume design in the movies. New York: Dover Publications,
1991.

LEFAUCHER, Nadine, “Maternidade, família, estado”. In: DUBY, George; PERROT,


Michelle, História das Mulheres 5 - O Século XX. Porto: Edições Afrontamento,
1991.

LIMA, Luiz Costa., Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

LIPOVETSKY, Gilles, O império do efêmero. São Paulo: Companhia das Letras,


1989.

___________, A terceira mulher – Permanência e revolução no feminino. São


Paulo: Companhia. das Letras, 2000.

106
LODGE, Jack; TAYLOR, Russel; TURNER, Adrian; JARVIS, Douglas; KERMODE,
Mark; CASTELL, David, 1930 – 1990 - Hollywood – 60 great years. London: Prion,
1992

LURIE, Alison, El lenguaje de la moda, Barcelona: Piadós Contextos, 1994.

MASSEY, Anne, Hollywood beyond the screen. Oxford/New York: Berg, 2000.

MEDINA, Francisco, Gran historia del cine. Madrid: SARPE, 1984.

MELLO E SOUZA, Gilda, O espírito das roupas – A moda no século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.

MENEGUELLO, Cristina, Poeira de estrelas. Campinas: Editora da Unicamp,


1996.

MOHRT, Françoise, The Givenchy Style. Paris: Assouline, 1998.

MORIN, Edgar, As estrelas de cinema. Lisboa: Livros Horizonte, 1980.

________, Cultura de massas no século XX – O espírito do tempo – Vol. 1. Rio de


Janeiro: Forense Universitária, 1974.

MULVEY, Laura, “Prazer visual e cinema narrativo”. In: XAVIER, Ismail (Org.), A
experiência cinematográfica. São Paulo: Graal, 2003.

MUNIZ, Rosane, Vestindo os Nus – O figurino em cena. Rio de Janeiro: Senac,


1968.

PALLAIS GALLIERA, Givenchy, 40 years of creation. Catálogo da exposição no


Pallais Galliera, Paris-Musées, 1991.

PANOFSKY, Erwin, “Estilo e meio no filme”. In: LIMA, Luiz Costa (Org.), Teoria da
cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

PARIS, Barry, Audrey Hepburn. New York: GP.Putnam’s Sons, 1996.

PASSERINI, Luisa, “Mulheres, consumo e cultura de massa”. In: DUBY, George;


PERROT, Michelle, História das Mulheres 5 - O Século XX. Porto: Edições
Afrontamento, 1991.

PRIORE, Mary Del (Org.); BASSANEZI, Carla (Coord. de textos), História das
mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.

RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda. Brasília: Editora UNB,


2002.

RAMOS, José Mario Ortiz. Cinema, televisão e publicidade: Cultura popular de


massa no Brasil nos anos 1970-1980. São Paulo: Annablume, 2004.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi, “Horizontes do corpo”. In: BUENO, Maria Lucia;


CASTRO, Ana Lucia de, Corpo território da cultura. São Paulo: Annablume, 2005.

107
SCHATZ, Thomas. O gênio do sistema. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

SILVERMAN, Kaja, “Fragmentos de um discurso de moda”. In: BENSTOCK, Shari;


FERRISS, Suzanne. Por dentro da moda. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

SIMMEL, Georg, “La Mode”. In: La Tragédie de la cultura. Paris: Editions Rivales,
1988.

TUDOR, Andrew, Image and influence. London: Allen & Union, 1968.

VEBLEN, Thorstein, A teoria da classe ociosa. São Paulo: Livraria Pioneira, 1965.

VINCENT-RICARD, Françoise. As espirais da moda. São Paulo: Paz e Terra,


1987.

WALKER, Alexander, The celluloid sacrifice. London: Michael Joseph, 1966.

WILSON, Elizabeth, Enfeitada de sonhos. Lisboa: Edições 70, 1985.

_______________, “Fashion and the postmodern body”. In: ASH, Juliet e


WILSON, Elizabeth, Chic thrills: A fashion reader. Los Angeles: University of
California Press, 1993.

WORSLEY, Harriet, Décadas de Moda. Alemanha: Könemann, 2004.

XAVIER, Ismail (Org.), A experiência cinematográfica. São Paulo: Graal, 2003.

___________, O cinema no século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

YOUNG, Íris Marion, “Mulheres recuperando nossas roupas”. In: BENSTOCK,


Shari; FERRISS, Suzanne. Por dentro da moda. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

Periódicos
BEATON, CECIL, “Audrey Hepburn”. Vogue, 01 Nov. 1954.\

HASKELL, Molly, “Our fair lady”. Film Comment, Mar/Abr. 1991.

VANCE, Young, “For Man Only”. Hollywood Screen Parade, Jul. 1958

MIRANDA, Ana Paula Celso de, “Mitos femininos do cinema: uma tipologia de
consumidoras de moda”. In: Fashion Theory nº 1, edição brasileira, Mar. 2002.

“Princess Apparent”, Time, Set. 1953.

108
Teses e dissertações
SMITH, Dina M., Taking off at 1954: Poor white mobility and fifties culture. Dissertação
de Mestrado em Filosofia. Florida State University, 2000.

SMITH, Kate Elizabeth, The influence of Audrey Hepburn and Hubert de Givenchy
on American fashion 1952-1965. Dissertação de Mestrado em Artes. Michigan
State University, 2001.

TAYLOR, Dabrina Anne, Fair lady, huckleberry friend: Feminity and freedom in the
image of Audrey Hepburn, 1953-1967. Tese de Doutorado em Filosofia. Maryland
State University, 1997.

GOMES, Susana Helena de Avelar, Moda – entre arte e consumo. Tese de Doutorado
em Comunicação e Semiótica. São Paulo: PUC-S, 2005.

NACIF, Maria Cristina Volpi. Obra consumada: uma abordagem estética da moda
feminina no Rio de Janeiro entre 1932 e 1947. Dissertação de Mestrado em História
da Arte. Rio de Janeiro: Escola de Belas Artes/UFRJ, 1993.

Arquivos Digitais
CLINTON, Paul, Legendary director Billy Wilder dead at 95. CNN, 20/01/2006.
Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Billy_Wilder 

CAIRNS, David, William Wyler. Março, 2005. Disponível em:


http://www.sensesofcinema.com.contents/directors/05/wyler.html 

NEIBAR, James L. e OKUDA, Ted, The Jerry Lewis films, na analythical


filmography of the Innovative Comic. Mc Farland & Company, 1995.
Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Artists_and_Models 

GNU Free Documentation License, CBS Corporation. Disponível em:


http://en.wikipedia.org/wiki/CBS_Corporation#Paramount_Parks

109
Filmografia
Roman holiday (A princesa e o plebeu), William Wyler. EUA, 1953.
Sabrina (idem), Billy Wilder. EUA, 1954
War and peace (Guerra e paz), King Vidor. EUA, 1956.
Funny face (Cinderela em Paris), Stanley Donen. EUA, 1957.
Love in the afternoon (Amor à tarde), Billy Wilder. EUA, 1957.
The nun’s story (Uma cruz a beira do abismo), Fred Zinnemann, EUA, 1959.
Bonequinha de luxo (Breakfast in Tiffany’s), Blake Edwards. EUA, 1961.
The children’s hour (Infâmia), William Wyler, EUA, 1961.
Charade (Charada), Stanley Donen, EUA, 1963.
Paris when it sizzles (Quando Paris alucina), Richard Quine, EUA, 1964.
My fair lady (Minha bela dama), George Cukor, EUA, 1964.
How to steal a million (Como roubar um milhão de dólares), William Wyler, EUA,
1966.
Wait until dark (Um clarão nas trevas), Terence Young, EUA, 1967.
Two for the road (Um caminho para dois), Stanley Donen, EUA, 1967.

110
Índice das Ilustrações
Capítulo 1
pág. 6 – Cartaz de espetáculo cinematográfico de 1896. Fonte: Gran
história ilustrada del cine

pág. 10 – Atriz Florence Lawrence. Fonte: Gran história ilustrada del cine

pág. 12 – Marlene Dietrich vestida por Travis Banton. Fonte: Décadas de moda

pág. 13 – Greta Garbo. Fonte: Beleza do século

pág. 14 – Lílian Gish. Fonte: Gran história ilustrada del cine

pág. 14 – Theda Bara. Fonte: Beleza do século

pág. 14 – Mary Pickford. Fonte: Beleza do século

pág. 16 – Joan Crawford em 1929. Fonte: Décadas de moda

pág. 17 – Coco Chanel em 1929. Fonte: Décadas de moda

pág. 18 – Bette Davies em 1935. Fonte: Décadas d e moda

pág. 19 – Gary Cooper e Jean Arthur em 1936. Fonte: 500 Grandes filmes

pág. 20 – Marilyn Monroe. Fonte: Hollywood: 60 great years

pág. 21 – Myrna Loy. Fonte: Décadas de moda

pág. 23 – Propaganda da Max Factor. Fonte: Beleza do século

pág. 26 – Joan Crawford em Letty Linton. Fonte: Costume design in the movies

pág. 26 – Elizabeth Taylor em A place in the sun. Fonte: The life and
times of Hollywood’s celebrated costume designer Edith Head

pág. 28 – Propaganda de sabonete com Marilyn Monroe. Fonte: Beleza do século

pág. 29 – Cartaz do filme Niagara. Fonte: Hollywood: 60 great years

Capítulo 2
pág. 34 – Audrey Hepburn. Fonte: A. Hepburn

pág. 35 – Rita Hayworth em Gilda. Fonte: Costume design in the movies

pág. 37 – Audrey Hepburn em Funny face. Fonte: A. Hepburn

pág. 45 – Casamento de Audrey Hepburn e Mel Ferrer. Fonte: Décadas de moda

pág. 47 – Audrey Hepburn e Colette. Fonte: A. Hepburn

111
pág. 50 – Audrey Hepburn e Gregory Pack em Roman Holiday. Fonte: A. Hepburn

pág. 52 – Audrey Hepburn em Sabrina. Fonte: A. Hepburn

pág. 53 – Audrey Hepburn em Sabrina. Fonte: http://dilettanteville.files.worpress.com

pág. 55 – Cena de Funny face. Fonte: A. Hepburn

pág. 55 – Audrey Hepburn e Fred Astaire em Funny face. Fonte: http://i.imdb.com

pág. 56 – Audrey Hepburn em Love in the afternoon. Fonte: Givenchy, 40 years of reation

pág. 58 – Hepburn e Gary Cooper em Love in the afternoon. Fonte: A. Hepburn

pág. 59 – Audrey Hepburn em The nun’s story. Fonte: A. Hepburn

pág. 60 – Audrey Hepburn em My fair lady. Fonte: A. Hepburn

pág. 61 – Audrey Hepburn. Fonte: Beleza do século

pág. 63 – Audrey Hepburn em War and Peace. Fonte: A. Hepburn

pág. 63 – Audrey Hepburn. Fonte: A. Hepburn

pág. 64 – Audrey Hepburn em Breakfast at Tiffany’s. Fonte: A. Hepburn

pág. 65 – Hepburn e George Peppard em Breakfast at Tiffany’s. Fonte: A. Hepburn

pág. 67 – Audrey Hepburn em Charade. Fonte: A. Hepburn

pág. 68 – Audrey Hepburn em Breakfast at Tiffany’s. Fonte: A. Hepburn

pág. 70 – Audrey Hepburn em Paris when it sizzles. Fonte: A. Hepburn

pág. 71 – Audrey Hepburn em How to steal a million. Fonte: A. Hepburn

pág. 72 – Audrey Hepburn em Two for the road. Fonte: http://audrey1.com

Capítulo 3
pág. 73 – Audrey Hepburn para coleção verão 63 de Givenchy. Fonte:
Givenchy, 40 years of creation

pág. 77 – New Look de Christian Dior. Fonte: Fashion source book

pág. 78 – Vestido de Balenciaga. Fonte: Décadas de moda

pág. 79 – Primeiro desfile de Givenchy em 1952. Fonte: Décadas de moda

pág. 81 – Audrey Hepburn e Edith Head. Fonte: The life and times of
Hollywood’s celebrated costume designer Edith Head

pág. 82 – Audrey Hepburn para coleção verão 63 de Givenchy. Fonte:


Givenchy, 40 years of creation

112
pág. 83 – Mme. Patrick Guiness veste Givenhy. Fonte: Givenchy, 40 years of creation

pág. 84 – Atriz Capucine veste Givenchy. Fonte: Givenchy, 40 years of creation

pág. 85 – Fotograma de filme de moda, 1910. Fonte: Costume design in the movies

pág. 86 – Cópia do vestido do filme Letty Linton. Fonte: Décadas de moda

pág. 86 – Vestido de Howard Greer, 1925. Fonte: Costume design in the movies

pág. 87 – Marlene Dietrich vestida por Travis Banton. Fonte: Costume design in
the movies

pág. 89 – Christian Dior veste Jane Russel. Fonte: Décadas de moda

pág. 90 – Vivien Leigh veste Pierre Balmain. Fonte: Costume design in the movies

pág. 91 – Jackie, modelo de Givenchy. Fonte: Givenchy, 40 years of creation

pág. 92 – Audrey Hepburn para perfume L’Interdit de Givenchy. Fonte:


Givenchy, 40 years of reation

pág. 93 – Modelo da coleção inverno 67-68 de Givenchy. Fonte: Givenchy, 40


years of creation

pág. 94 – Prêt-a-porter de André Courrèges, 1968. Fonte: Décadas de moda

pág. 95 – Jovens dançando em 1964. Fonte: Décadas de moda

pág. 97 – Fachada da butique Yves Saint Laurent Rive Gauche. Décadas de moda

pág. 98 – Traje de Pierre Cardin, 1969. Fonte: Décadas de moda

pág. 99 – Butique psicodélica em Carnaby Street. Fonte: Décadas de moda

pág. 101 – Madonna veste Jean Paul Gaultier. Fonte: http://absolumentmadonna.com

113

Potrebbero piacerti anche