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Os Pensadorés Os PensadoréS Kant “A Légica deve a ventagem de seu sucesso simplesmente a sua limita- S30, pela qual esta autorizada e mes- mo obrigada 2 abstrair de tacos os b+ Jetos do conhecimento bem como das suas diferengas, de modo que nela 0 entendimento tem que lidar apenes Consiga mesmo ¢ com stia farma."* “Q tempa € uma representagio necessaria, subjacente a todas intui- ges. Com respeita 20s fentmenos em geral nio se pode suprimir 0 proprio tempo, nao obstante do tempo. se pos sa muito bem éliminar os fenémenos. © tempo é, portanto, dado a prior. So nele & passive toda 4 realidade dos fe- némencs.” “Tado © nossa conhecimente par- te dos sentides, vai dai ao entendimen- To e termina na razdo, acima da qual ndo € enconirade em nds nada mais al- to para elaburar a matéria da intaicao e levé-ia a suprema unidade do pensa- mento. Ser evidentemente nao & um pre- dicado real, isto € um conceita de qualquer coisa que possa ser acrescido ap conceito de oxtra coisa. € simples- mente 2 posiga&o de uma coisa, ou de certas determinagdes em si mesmas,” “A Filosofia € a ciéncia da relerén- ia de todo-n conhecimenta aos fins es- senciais da razéo humana tteleologia ationis humanac), ¢ 0 filsoio € nao um amtista da razéo, mas sim, 0 legisla dor da raz3o humana.”” IMMANUEL KANT: Crtice de Razdo Pura Os Pensadorés CIP-Brasil. Catalogacio-na-Publicagéo ‘Cimara Brasileira do Livro, SP 83.0718 Kant, Immanuel, 1724-1804, Critica da raziio pura / Immanuel Kant ; tradugio de Valésio Rohden © Udo Baldur Moosburger. — 2. ed. — Sio Paulo = Abril ‘Cultural, 1983, (05 pensadores) Inclui vida ¢ obra de Kant. Bibliografia, 1. Causalidade 2, Conhecimento - Teoria 3. Critica (Filosofia) 4. Filosofia alcmi 5. Razio 1. Rohden, Valério. I, Moosburger, Ude Baldur, 11, Titule. IV, Série, CDp-193 “121 “122 142.9 180 indices para catiloge sistemiticn: 1. Causslidade + Metafisica ; Filosofia 122 2. Conhecimento ; Teoria : Filosofia 121 3. Criticisme kantiano : Filosofia 142.3 4. Filosofia alema 193 3. Fildsofos alemies 193 6. Rario : Logica 160 7, Teoria de conbecimento ; Filosofla 121 HIVEIVEFZAINUEL RAINE CRITICA DA RAZAO PURA ‘Tradugiio de Valerio Rabden ¢ Udo Baldur Moosburger Kt) 1983 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Vitula original: Kritie dev eeinen Verna ‘© Copyright desta edigéo, Abril S.A, Cultural, Siete IS 2 edigio 1983, ‘Dircitos exchusivos sobre a tracugto deste volume, Abn 8,4, Cultoral, Sie Pauto, Direito eactosives sebre “Kant — Vida ¢ Obra", Abn §,A. Cultural, So Paulo, KANT VIDA E OBRA (Consultoria: Maritena de Souza Chant P ouquissimes fildsefos tiveram uma vida téo despida dos elemen- tos que geralmente se encontram nas biografias das grandes per- sonalidades quanto Immanuel Kant. Nascide numa pequena cidade da Prisssia, Kénigsberg, no dia 22 de abril de 1724, Kant era filha de um artesde humilde, que trabalhava com artigos de couro. Estudou no Calégio Fridericianum e@ na Universidade de Kénigsberg: nesta Giti- ma torou-se professor catedrético, depois de alguns anos como pre- ceptor de filhos de familias ricas. Kant nap casou nem teve filhas. Fa- leceu a 12 de fevereiro de 1804, sem jamais ter saido da cidade em que nasceu. Era um homem exiremamente metédico, de pequena es- tatura @ fisico frgil, ‘Quiros acontecimentos relatados sobre sua vida (a impressao cau- sada pela leitura das obras de David Hume (1714-1776), a admiragao incontida pelo pensamento de Rousseau (1712-1778), a timidez ao proferir a primeira aula) sio todos episédios cam um dnico denomina- dor comum: um cérebro que passou a vida Investigando © universo espiritual do homem, & procura de seus fundamentos uiltimos, neces- sdrios e universais. Ponto de convergéncia do pensamento filosdfico anterior, a obra de Kant constitui, a2 mesmo tempo, fonte da qual brota a maior parte das reflexdes dos séculos XIX © XX. © universo espiritual, submetido por Kant ao crivo da andlise cri- tica, compunha-se de elementes variados ¢ contraditérios; apesar des+ sa dificuldade, esses elementos podem ser sintetizadas cm torne de duas grandes questées, a partir das quais se desdobram indmeras ou- tras. A primeira dessas questées diz respeito ao conhecimente, suas possibilidades, seus limites, suas esferas de aplicagao. Com relagio a esses problemas, a filosofia do século XVIII defrontava-e com duas ciéncias que se apresentavam cemo conjuntos de conhecimentos cer- os e indiscutiveis: a matemidtica e a fisica. A matematica tivera gran- de desenvolvimento a partir da Renascimento — sobretudo devido a criagao da geometna analitica por Descartes (1596-1650) e do calcu- lo infinitesimal por Newton (1642-1727) e Leibniz (1646-1716) _ constituinde-se no préprio modelo do canhecimento cientifico, grac Mill KANT gas a Seu carater absolutamente necessério € universal. A fisica mate- MAtica, embora fosse uma disciplina jovem (nao tinha mais de dois sé- culos), triunfara de maneira completa com a sistematizagao realizada por Newton, também se constituinds num conjunto de proposigaes hecessérias € universais. Seus resultados no estude do mavimento dos Corpas e na astronomia indicavam o caninho a ser seguide por todos que pretendessem conhecer os fendmenos naturais. Ao lado da mate- matica © da fisica, persistiam ainda no. pensamento ocidental os gran- des sistemas metafisicos — na Alemanha de Kant, imperava o sistema leibniziano na versio de Christian Wolff (1679-1754) — que preten- diam dar respostas para os problemas da realidade dltima das coisas. A metalisica, contudo, ndo era matéria pacifica, capaz de olerecer so- lugdes eceitas unanimemente, apesar de tentar demonstracées rigoro- sas. Kant foi “‘despertado do sano metafisico”’ pelo pensamenta de David Hume cujas andlises, especialmente do conceito de causalida- de, demoliam as pretensdes de dogmatisma metafisico de afirmar ver- dades cternas a respeito da esséncia tiltima de todas as coisas. A segunda grande questéo que sintetiza o universo das idéias a0 tempo de Kant ¢ 0 problema da agdo humana, ou seja, © problema Moral. Tratava-se de saber nao o que o homem conhece ou pode co- nhecer a respeito do mundo € da realidade Gitima, mas do que deve fazer, de come agir em relacao a seus semelhantes, de come proce- der para obter a ielicidade ou alcangar 0 bem supremo. Essa drea da reflexdo filaséfica e sua oposigdo a racdo apenas cognitiva foi revel: da a Kant sobretudo pelas obras de Rousseau, que formulou uma fi sofia da liberdace e defendeu a autonomia ¢ 6 primado do sentimer to sabre a razio Kigica. Por outro lado, Kant, embora vivendo na dis- tante K6nigsberg, longe de Paris ¢ dos grandes centros, sempre teve plena consciéncia des problemas sociais e politicos da época ¢ to- mou partido favorével & Revolugdo Francesa, na qual via nao apenas um proceso de transformacao econdmica, social @ politica, mas so- bretudo um problema moral, ‘A essas duas grandes questées aliaram-se no espirito de Kant os problemas da apreciacao estética & das formas de pensamento da bio- logia, cujas peculiaridades em relacda ao problema do canhecimento € ao problema da moral articuiou numa visdo sistematica das fungées € dos produtos de razio humana. Todos esses problemas foram anali- sados por Kant em indmeras obras, redigidas e publicadas desde 1746 até 1798. Entre elas destacam-se: Historia Geral da Natureza ¢ Teoria do Céu (1755), O Unico Argamenta Possivel para uma De- monstracdo dz Existéncia de Deus (1763), Sonhos de um Visionario, Interpretados Mediante os Sonhos da Metafisica (1766), Dissertacio sobre a Forma @ os Principios do Mundo Sensivel e de Mundo intetigi- vel (1770), Prol 108 @ Qualquer Metafisica Futura que Possa Vir @ Ser Considerada como Ciéncia (1783), Fundamentagao da Metafisi- ca dos Costumes: (1785). Mas foi sobretudo em tes obras que todas: a8 questées filosdficas compareceram diante de um tribunal, especial. mente formado para julgar a razio: a critica. G problema de conheci- mento & examinade na Cottica da Razdo Pure (1781); a Critica da Ra- #do Prética (1786) analisa a problema moral; € a Critica da Faculdade de Julgar (1790) estuda 2 beleza natural e artistica e 0 pensamento bioldgico. VIDA E OBRA IX ‘Come € possivel conhecer Analisando a faculdade de conhecer, na Critica da Razdo Pura, Kant distingue duas formas de conhecimento: 0 empirico ou a poste riori, © 0 puro ou @ priori. O conhecimento empirico, como diz a pré- bria expressao, reduz-se aos dados fornecidos pelas experiéncias sen- sivels. Quando se diz, por exemplo, “a poria estd aberta”, expressa- se um conhecimento que ndo pode ser desvinculado de uma impres- sao dos sentides. Q conhecimento puro au a priori, ao contrario, nao depende de qualquer experiéncia sensivel, distinguindo-se do empiri- co pela universalidade @ necessidade. Tal € © caso da proposicao “a linha reta € a disténcia mais curta entre dois pontos'. Nessa praposi- ga nada se afirma a respeito de determinada linha reta, mas de qual- quer linha reta (universalidade); por outro lado, nao se declara que a linha reta 6 2 mais curta em certas condigdes, mas em quaisquer con- digées (necessidade}. A experiencia sensivel por si sé — mostra Kant — jamais produz juizos necessérios e universais, de tal forma que to- das as vezes que se esta diante de juizos desse tipo tem-se um conhe- cimento puro ou a priori. Ao lado da distincdo entre a posterior! ou empitico, e a priori ou Puro, impde-se — segundo Kant — distinguir entre jufzo analitico ¢ juizo sintético. No primeira, o predicada jd esté contido no sujeito, de tal forma que 0 juizo em questdo consiste apenas em um proceso de andlise, através do qual se extrai do sujeito aquile que j4 estd conti- do nele. Para Kant, 0 juizo “os corpos sio extensos” ¢ desse tipo, ois Oo predicado “extensos’’ estd contido implicitamente no sujeita “corpos'’. Isso significa que nao 6 possivel pensar o conceito de cor- poreidade sem pensar, ao mesmo tempo, 0 conceito de extens4o. Os. juizos sintéticos, aa contrario, unem 9 conceito expresso pelo predi- cado ao conceito do sujeito, constituindo 0 Gnico tipo de julzo que enriquece © conhecimento. A esse tipo perience o juiza “todos 0s cor- Pos se movimentam’”. Feitas as distingSes entre a priori e 2 posteriori, © entre analitico e sintético, pode-se classificar os julzos em trés tipos: analitico, sintéti- €o a posteriori € sintético a priori. Os jufzos analiticos ndo teriam maior interesse para a teoria da ciéncia, pois, embora universais e ne- cessirios, n3o representam qualquer enriquecimento do conhecimen to, na medida em que sao tautoldgicos. Os juizos sintéticos a posterio- ri também carecem de importincia porque sda todos: contingentes © particulares, referindo-se a experiéncias que se esgatam em si mes- mas. Portanto, o verdadeira nucieo da teoria do conhecimento situar- se-ia no terreno dos juizas sintéticos a priori, os quais, ao mesmo tem- pO, 340 universais ¢ necessdrios, enriquecendo e fazendo progredir o Conhecimento, Kant vinculou essa conclusao: ao fato de que a matemitica e a fi- sica apresentavam-se constituidas por verdades indiscutiveis, enquan- toa metafisica pretendia a mesma validez, Assim, © problema do co- nhecimento foi formulado por Kant em torno de trés questées: “como S40 possiveis 0s juizos sintéticos a prior! na matematica’”’; “coma sao Possiveis os julzas sintéticos a priori na fisiea?”; "580 possiveis os jut 205 sintéticos a prior! na metafisicaz’ Kant pretendeu solucionar esses problemas mediante uma revalu- x KANT cae {compardvel & de Copémico na astronomia) no modo de encarar as relacGes entre o conhecimento © seu objeto. A revolugso consisti- ria em, ao invés de admitir que a faculdade de conhecer se regula pe- lo objeto, mostrar que © objeto se regula pela faculdade de canhecer, A filosofia deveria investigar a possivel existéncia de certos principios 4 priori, que seriam responséveis pela sintese dos dados empiricos. Es- tes, por sua vez, deveriam ser encontrados nas duas fontes de conhe- Cimento, que seriam a sensibilidade e 0 entendimento. A primeira parte da Critica da Razdo Pura investiga os principios aprioristicos da sensibilidade, intitulando-a “Estética Transcenden- lal”. Pela primeira expressio Kant entende ndo uma tearia do belo, mas uma teoria da sensibilidade; com o termo “transcendental”, Kant denomina todo canhecimente que, em geral. se ocupa nao tanto com ‘cbjetos, mas com o modo de conhecé-los, na medida em que esse co- nhecimento deva ser poss(vel a priori. Na “Estética Transcendental” ‘encontram-se os fundamentos aprioristicos da matemétics, Uma se- gunda parte da Critica da RazSo Pura, a “‘Analitica Transcendental", analisa os elementos aprioristicos do entendimento e traz a [uz a estru- tura do conhecimenta na fisica. Finalmente, a “Dialética Transcen- dental” scupa-se com o uso que a razéo pode fazer com as catego- tias do eniendimento, criando a metafisica. ‘As formas do espago e do tempo Na “Estética Transcendental’’, Kant define a sensibilidade como uma faculdade de intuigéo, através da qual as objetos $80 apreendi- dos pelo sujeito cognoscente. E necessirio distinguir na sensibilidade mostra Kant — dois elementos constitutivos: um, material e recepti- voi outro, formal © ativo. A matéria do canhecimento séo as impres- S6e8 que oO sujeito recebe dos abjetos exteriores, enquanto a forma ex- prime a ordem na qual essas impressdes sfio colocadas. Sao duas as formas da sensibilidade: 0 espaco & 0 tempo. Kant analisa-as_detidamente, procurando demonstrar como siio formas aprioristicas e, portanto, independentes da experiéncia sensivel. Para Kant, nao € porque o sujeito cognoscente percebe as coisas como ex- {criares a si mesmo e exleriores umas 4s outras que ele forma a nogso de espago; 20 contrario, ¢ porque passui o espago come uma estrutu- fa inerente 3 sua sensibilidade que o sujeito cognoscente pode perce- ber os objetos como relacionados espacialmente, Kant mostra ainda que é possivel abstrair todas as coisas que estéo no espaco, ndo se po- dendo fazer o mesmo com 0 proprio espago. A argumentacaa kantiana com relacio ao tempo é fundamental- Mente a mesma: a simultaneidade das coisas e sua sucessdo ndo po- deriam ser percebidas se a represemtacde do tempo nao Ihes servisse de fundamento; acrescente-se a isso 0 fato de que todas as coisas que se enquadram dentro do tempo podem desaparecer, mas 0 proprio tempo nao pode ser suprimido, Espaco e tempo seriam, assim, duas condig&es sem as quais é im- possivel conhecer, mas © conhecimento universal © necessario nao se esgota neles. E preciso também o concurso dos elementos aprioristi- cos do entendimento. MDAEQ@ERA = XI ‘Categorias do entendimento Para encontrar os elementos aprioristicos do entendimento, Kant parte, na '*Analitica Transcendental” da Critica da Razao Pura, dos di- ferente tipos de julzo, classificados pela ldgica tradicional, desde Aris- toteles (384-322 2.C.). Essa classificagao apresenta doze tipos de juf- 208, agrupados em quatro grupes de trés: quantidade {universais, par- ticulares, singulares); qualidade (afirmativos, negatives e indefinidos); relacao (categéricos, hipatéticos, disjuntivos); e modalidade (proble- miticos, assertérios, apoditicos|. As categorias correspondentes se- riam, respectivamente: unidade, pluralidade, totalidade, realidade, negacao, limitagdo, substancia, causa, comunidade (au acao recipro- ca), possibilidade, existéncia e necessidade. A demonstracdo da legitimidade dessas calegorias constitul o nG- cleo da “Analitica Transcendental”. Kant designa-a pela expressio "dedugae transcendental”, usando a palavra “dedugdo’” no antigo sentido juridico de justificagao ou prova legal. O primeira argumento de Kant em favor da legitimidade das categorias 6 0 de que as diver- sas representacées formadaras do conhecimento necessitam ser sinte- tizadas, pois de outra forma nao se poderia falar de propriamente co- nhecimento. Tal sintese pode ser estudada desde o ponto de vista da atividade do sujeito. Sua premissa fundamental é a consciéncia da di- versidade no tempo, a qual produz, por um lado, a consciéncia de um eu unificadg (ndo metafisico ou empirico, mas transcendental) e, de outro lado, a consciéncia de algo que constitui o objet, enquanto objeto de conhecimento. O transite da diversidade a unidade reali zar-se-ia de trés modos: mediante sintese da apreensdo na intuicso ou consciéncia da simultaneidade © nao sucessividade de varios ele- mentos; mediante sintese de reprodugao na imaginacdo, que possibili- ta nova apresentagio das representacées; ¢, finalmente, mediante sin- tese de reconhecimento do conceito, que permite 0 reconhecimento da persisténcia dos mesmos elementos. Todas esses modos teriam suas raizes numa condicio fundamental, chamada por Kant "apercep- Gio transcendental ou pura", que se distingue da “apercepcao empiri- ca’. Esta ¢ propria de um sujeite que possui um sentido interno do flu- xo das aparéncias, J4 a apercepgao transcendental seria a pura cons- ciéncia original e inalierdyel, ndo uma realidade prapriamente, mas aquilo que torna possivel a realidade enquanto realidade para um su- jeito, Trata-se, portanto, de condigio de toda percepgiia: “O eu pen- so deve poder acompanhar tadas as minhas representacdes (...), caso contrario, algo seria representado em mim que nae poderia ser pensa- do, e isso equivale a dizer que a representagdo seria impossivel ou, pelo menos, que nao seria nada para mim”. A apercepedo transcendental, niiclea de todas as sinteses do en- tendimento, nao tem caréter subjetivo; pelo contrario, & totalmente objetiva no sentido de que representa a condicdo de toda possivel ob- jetividade. Assim, a dedugao transcendental, nela fundamentada, mostra as condicées a priori da experiéncia possivel em geral, como condigdes da possibilidade dos objetos da experiéncia. A deducao transcendental nada impée de subjetivo 2 realidade, nem é constitui- da por uma indugdo a partir dos dados da experiéncia. £ antes um modo de mostrar como se constitul 9 objeto como objeto de comhect- XL KANT mento, na medida em que esse objeto em geral encontra-se ligado aos objetos reais empiricos. A teoria transcendental das categorias a priori do entendimento como fuuncées sintetizadoras do sujeito cognoscente, tal coma justifi- cadas pela dedugao transcendental, nao pareceu contudo suficiente a kant para dar conta do problema das relacées entre o entendimento & as intuigées do espaco e do tempo. Por isso, 0 filésofo desenvolveu na Critica da Razdo Pura a teoria do esquematismo transcendental, culas dificuldades ele mesmo poe em relevo ao afirmar que “se trata de uma arte oculta nas profundidades da alma humana, cujos mados reais de atividade a Natureza nda nos permite jamais descobrir” © problema poderia ser calocado nos seguintes termos: como ¢ possfvel que duas coisas heteruyéneas, comp so as Categorias, por um lado, & os fendmenos, por outro, passam ligar-se entre si? Em ou- tras palavas, qual 0 elemento intermedidrio existente entre os concei- tos ¢ a tealidace? A resposta deveria ser encontrada em algo que fosse, par um la= do, sensivel e, por outro, inteligivel. Esse elemento intermediario, que Kant chama “esquema transcendental”, @ fornecido pelo tempo, © qual, por um lado, 6 homogéneo ao sensivel por ser a prépria con. dice do sensivel e, por outro lado, ¢ universal e necessdrio, enquan- to conceito, © esquema transcendental é sempre produto da imagina- ¢a0, Nao se tratando, parém, de imagem propriamente dita; é antes “idéia de um procedimento universal da imaginagao" que torna posst- vel uma imagem do canceito. Enquanto a imagem é produto da facul- dade empirica da imaginacao reprodutiva, 0 esquema dos conceitos sensiveis € um produto e, por assim dizer, um monograma da pura imaginagéo a priori, mediante 0 qual tomam-se possiveis as imagens. Q esquema da substincia, por exemplo, é a permanéncia do real no tempo; 0 esquema da causalidade ¢ a sucesséo temporal da diversida- de, de acordo com uma regra. Em sintese, a teoria desenvolvida por Kant na “Estética’’ ¢ pa “Analitica’’ tanscendentais mostra que todo conhecimento € consti= tuido por sinteses dos dados ordenados pela intuigSo sensive! espaco- temporal, mediante as Categorias aprioristicas do entendimento. Por Conseguinte, nao seria possivel conhecer a noumenon, as coisas em si_mesmas, mas tio somente o fendmeno, as aparéncias, ou Seja, os ‘bjetos tais como resultam das sinteses aprioristicas da proprio alo de conhecer. A matemética e a fisica, por se constituirem dentro dessas condigdes, podem arrogar o titulo de disciplinas cientificas, O proble- Ma colocade em seguida por Kant (na “Dialética Transcendental”) foi ode saber se o mesmo direito poderia ser pretendido pela metafisica. As antinomias da razao A metaiisica analisada por Kant é a disciplina que sempre preten- deu dar respostas dltimas e definitivas para os varios problemas, pro- surando conhecer as coisas em si mesmas. Nesse sentide a metatisica tradicional afirma a imortalidade da alma humana; diz o que é © uni- versa enquanto totalidade; procura provar, de maneiras diversas, a existéncia de um ser supremo. Todas essas afirmacdes, segundo Kant, VIDA E OBRA XIIL ndo sao legitimas porque resultam de um emprego do entendimento humano fora dos limites definidas nas partes anteriores da Critica da Razao Pura. A metafisica, ultrapassando esses limites — tentando atin- gir 0 absoluto ¢ tratando de objetos que nao sido apreendidas empiri- camente —, nao seria, portanto, uma forma de canhecimento. Nos dominios da metafisica ¢ possivel “pensar”, mas nao € possivel “‘co- nhecer'’. Tratando da psicologia racional (disciplina metaffsica que tem co- mo cbjeto a alma e sua imortalidade), Kant diz que ela repousa, des- de Descartes, na propasigéo “eu penso’’, cuja verdade ¢ incontesta- vel. N&o se pode, contudo, tirar dela a conseqiéncia de que 0 eu exista coma um objeto real. Para a apreensio de um objeto & necess4- ria uma intuigdo € no caso em quesiao se esté diante unicamente da forma do pensamento, Pelas mesmas raz6es, nao seria legitimo recor- rer ao conceito de substancia e afirmar a alma como substancia pen- sante, pois o conceito de substancia, para se aplicar a um abjeto, tam- bém supde uma intuicic. Em outras palavras, ndo hd coisa alguma NO espage e Ne tempo que possa ser considerado alma, nao havendo, perlanto, nenhuma percepcgdo sensivel, e esta € uma das condigées fundamentais do conhecimento. ‘As mesmas dificuldades, além de outras, encontram-se na cosmo- logia racional, parte da metafisica que se ocupa da totalidade do uni- verso. Nesse caso, Kant procura mostrar como a razao é conduzida a afirmativas antitéticas, a antinomias resultantes do fato de ola ultrapas- sar 0s limites da intuicdo sensivel espago-temporal # de sua sintese pe- las categorias do entendimento, Quando especula sobre a totalidade do universo, a razio tanto pode chegar & coneluséo de que o univer- so tem um principio no tempo e limites no espaco, quanta pode afir~ mar exatamente 9 contrério: @ universo 6 infinita no tempo ¢ no espa- 0. Assim pensando metafisicamente, poder-se-ia dizer que © univer- So teve necessariamente um comego no tempo porque, caso contrd- rio, nao teria sentido aquilo que o homem chama “lacontecer’, ou se- Ja, © fato de que tudo comega a existir num certo momento e cessa de existir num outro momento. A antitese, contuda, tem a mesma for- a Idgica: se 0 universo teve um comes no tempo, © que existia an- tes dele? Para que o universo tenha vindo a existir ¢ necessdrio que te- nha existide algo antes dele, mas esse algo abviamente faz parte do universo, porque o universo é totalidade das coisas. A segunda antinomia da razdo refere-se a esirutura do universo na espaco. Sua tese diz: tudo quando existe no universo ¢ composto de elementos simples e indivisivels; a antitese afirma que o universo é composta de elementos infinitamente divisiveis. O adepto da tese ar- gumentaria que se algo existe e é divisivel, como realmente as coisas sig, a divisio desse algo deveria cessar num certo momento, sem o que se chegarla 4 absurda conclusda de que esse algo é uma soma de nadas. Por outro lado, o adepte da antitese poderia argumentar, com a mesma forga Kigica, que as particulas, supostamente finais da divi- sao, j4 que constituem paniculas espaciais, possuem uma certa di- mensao € nesse Caso sa0 divisiveis. Ao mesmo resultado contraditério chegam as afirmagées sobre uma primeira causa do universo (terceira antinomia) © sobre a existén- cia au nia existéncia de um ser necessario, dentro ou fora do universo. XIV KANT ‘Tanto quanto a psicologia e a cosmologia racionais, a teologia ra- clonal (terceira disciplina metafisica) padeceria dos mesmos deicitos. Kant analisa as provas da existéncia de Deus elaboradas no curso da histérla de pensamento ctistéa, agrupando-as em tés argumentos principais: © argumento ontol6gico, o cosmoligica € o fisico-teoldgi- co. © argumento_ontolégica, encontrado em Santo Anselmo (1033-11091 e em Descartes, afirma que o homem tem idéia de um Ser perfeito, que necessariamente deve existir porque se néo existisse nao seria perteito. Kant mosira que a existéncia é uma das categorias @ prior’ do entendimento © como tal nao tem qualquer validez (como a demonstrara na *‘Analitica”) a ndo ser quando, aplicada 4 intuigso espago-temnporal, © argumento cosmoldgico para provar a existéncia de Deus can- siste na enumeracao de causas dos fendmenos até se chegar a urna causa ndo causada, que seria Deus. Para Kant © erro dessa argumenta- a0 € Sbvio: nda hd motive algum para se cessar a aplicagao da cate- goria de causalidade. Finalmente, o argumento fisico-teoldgico ttodos os seres da natu- feza cumprem algurn fim, server para alguma coisa, logo deve haver um fim Gitimo: Deus) utiliza indevidamente o conceito de fim, Kant Mostra que se trata de um conceita metodelégi¢o, empregado para descrever a realidade, mas do qual no se pode extrair qualquer outra conseqiiéncia, como fazem os tedlogos. Nao & licito, sem se sair dos limites da experiéncia, tirar da adequacéo a finalidades quaisquer conclusées referentes a um ser superior, Em sfntese, a metafisica ultrapassaria todas as lim tages ineren- tes a0 ato de conhecer (tal como definido na “Estética” e na “ ca" transcendentais), fazendo afirmacdes inteiramente ilegttima: aplica as categorias a priori do entendimento fora dos limites da intui- 40 sensivel; os julzos sintéticos com os quais se apresenta sio na vor dade falsos, porque so sinteses no vazio. A metafisica pretende co- nhecer as colsas-em-si ¢ essa ¢ uma pretensio contraditéria: 0 ato de conhecer, pela sua propria natureza, transforma as supostas coisas- em-si em fenimenos, isto é, apartncias, ‘A metafisica, contudo, existia hd séculos ¢ Kant se bergunta quais terlam sido as razoes dese fato. € perfeitamente legitima inda- Bar sé no haveria um autro fundamenta que pudesse, ndo validé-la como forma de conhecimento tedrico, pois isso & impossivel, mas dar conta de sua existéncia. Com essas questées, transita-se para o segun- do grande problema que preacupou 6 fildsofo: 0 problema moral. O imperative categ6rico Na pare final da Critica da Rezao Pura, Kant afirma que a razao nao é constituida apenas por uma dimensao tedrica, que busca conhe- cer (e ultrapassa os limites do cenhecimento), mas também por uma dimensdo pratica, que determina seu objeto mediante a agéo, Ness sentido, a razdo cria'o mundo moral e € nesse dominio que podem Ser encontrados os fundamentos da metafisica, Para dar canta do pro- blema da moral, Kant escreveu, depois da Critica da Razdo Pura, a Fundamentacdo da Metafisica dos Costumes (1885) e a Critica da Ra- 240 Pratica, suas obras mais importantes nesse terreno. Na Fundamentacdo da Metafisica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se formular uma filosafia moral pura, despida, partan- to, de tudo que seja emairico. Repetia, assim, no que diz respeito a agdo humana, as linhas mestras do projeto que formulara ao abordar © problema do conhecimento. Dentro dessa perspectiva, a moral é concebida come independente de tados os impulsos e tendencias na- turais Ou sensiveis; a agao moralmente boa seria a que obedecesse vnicamente a lei moral em si mesma. Fsta somente seria estabelecida pela razdo, o que leva a conceber a liberdade como postulado neces- sario da vida moral. A vida moral somente & possfvel, para Kant, na medida em que a razSo estabeleca, por si s6, aquilo que se deva obe- decer no terreno da conduta. Na Critica da Razao Pritica, 0 método kantiano é invertido, em relagio A Fundamentagde da Metalisica dos Costumes. Nesta, a vida moral aparece come forma através da qual se pode conhecer a liber- dade, enquanto na Critica da Razio Pritica a liberdade ¢ investipada come a razdo de ser da vida moral. Na Critica da Razdo Pritica, Kant demonstra que a lei moral provém da idéia de liberdade ¢ que. por- tanta, a raz3o pura & por si mesma pritica, no sentido de que a idéia facional de liberdade determina por si mesma a yida moral e com is- so demonstra sua prépria tealidade, Em suma, a incondicionado @ ab- soluto (inatingivel pela raz3o no terreno do conheciments) seria alcan- gado verdadeiramente na esfera da tmoralidade; a liberdade seria a coisa-em-si, 9 Noumenon, almejado pela razdo. Nesse sentido, a ra- 240 pratica tem primazia sobre a razao pura. A Critica da Razdo Prdtica foi dividida por Kant da mesma forma que a Critica da Kazdo Pura, mas ndo se encontra nela uma “Estéti- ca. Isso se deve ae fato de que, enquanto as fungées de conhecimen- to im come fundamento a sensibilidade espaco-temporal, @ faculda- de pratica € a atividade moral opdem-se a toda determinacéo sensi- vel. O elemento sensivel na comportamento moral ndo pode ser pres- suposio, Mas, a0 contrdria, deve set deduzida da racionalidade pura. Esse € 0 objeto da parte da Critica da Razdo Pratica intitulada “Analtti. ca”. A “Analitica”’ da Critica da Razéo Pratica distingue, inicialmen- te, as maximas morais das /eis morais. As primeiras seriam subjetivas, contendo uma condigdo considerada pelo sujeito come valida somen- te para sua vontade. As leis morais, ao contrario, seriam objetivas, contenco uma condicao valida para a vontade de qualquer ser racio- nal, Feitas essas distingdes, Kant demonstra que todas os principios praticos que pressupsem um objeto ou materia do querer so empiri Cos @ nao podem proparcionar leis praticas. Esse objeto material do querer é a felicidade e ela depende da natureza empirica de cada su- jeito particular, Por conseguinte, as leis praticas sé podem ser for mais. Uma vontade determinada apenas pela forma da lei e, por con- seqiéncia, independente de todo estimulo empirico é livre; par isso a liberdade e a lei pratica incondicionada mantém entre si uma corres pondéncia reciproca. Essa lei é chamada por Kant “imperative categi- fico”, € ele o distingue dos “imperatives hipotéticos”. Estes enun- ciam um mandamento subordinado a determinadas condicées (se XM KANT queres sarar, toma remédio), enquanto o imperativo categérico & intel- ramente desvinculado de qualquer condi¢do, O imperativo catepéri- C0 formula-se nos seguintes termos: “Age de tal maneira que o moti- vo que te levou a agir possa ser convertido em lei universal”, Segue- se do imperativo categérico que, assim como ele contém apenas a for- ma da raz4o (universalidade sem contradicao), a azo pura nele im- Plicada & por si mesma pratica, dando ao hemem uma lei universal Ge conduta, que se chama lei moral. Em suma, 0 imperative categéri- Co afirma a autonomia da vontade como dnico principio de todas as leis morais © essa autonomia consiste na Independéncia em relacde a toda a matéria da lei ¢ na determinacao do livre arbitrio mediante a simples forma legislativa universal de que uma maxima deve ser cae paz. A seguir, Kant, na Critica da Razdo Prdtica, ocupa-se cam estabe- lecer 0 conceito da razéo pura enquanto pritica, isto 6, a objeto que seja um efeito possivel da liberdade, do ponto de vista moral. Kant en- contra-o no “bem”, que deve ser distinguido do “agradavel”’, O bem deve ser determinado apricristicamente, isto 6, independentemente de todo canteddo empirica em que se revele; nao deve, pois, ser de- terminado antes da lei moral, mas sé depois dela e mediante ela. Da liberdade, postulado da razdo pritica e seu principio puro, deve-se deduzir toda atividade moral. A terceira parte da “Analitica’’ da Critica da Razifo Pratica é dedi- cada ao estudo dos motivos morais, ou seja, aos motivos subjetives determinantes da vontade moral. Os motives devem ser empiricos, sem contudo terem origem empirica e natural, tais como o proveito pessoal € a felicidade. Assim, © motivo fundamemal da moralidade, segundo Kant, s4 pode ser o respeito pela lei em si mesma. Esse sent mento de respeito ¢ produzido per um principio intelectual ¢ ¢ 0 Gni- co que se pode conhecer a priori e cuja necessidade pode ser com- preendida. Poder-se-ia dizer que o respeito pela lei nao é apenas um motor da vontade, mas a propria moralidade, considerada subjetiva- mente como motivo, A “Dialética” da Critica de Razdo Pritica estabelece que o sumo bem € 0 sujeito completo e absolute da “razio pura pritica”’. ©. su- mo bem, definide come o acorda entre a felicidade e a virtude, con- tém uma antinomia: por um lado, o desejo de felicidade deve ser a causa motora para a maxima da virtude, o que é impossivel, confor- me demonstra a “Analitica’ da razdo pratica; por outra lado, a maxi- ma da virtude deve sera causa eficiente da félicidade, o que também ¢ impossivel porque no mundo reina uma conexda de causas e efei- 08, que ndo se conforma com as intengées morais da vontade. A solu- $80 86 pode ser encontrada admitindo-se a primazia da razSo pritica, mediante a {é moral na imortalidade da alma e a existéncia de Deus, que ressurgem, assim, no sistema kantiano, como postulados da “rac 240 pura peditica’’. A fé moral na imortalidade da alma é necessaria Para que se conceba uma vida supra-sensivel na qual a virtude possa receber seu prémio. existencia de Deus, por outro lado, & necessa- ria enquanto afirma um ser cuja vontade e cujé intelecto criam um munda no qual néo ha abismo algum entre o real ¢ 0 ideal, entre o que 40 que deve ser, VIDA E OBRA XVIl A Critica da Facuklade de Julgar A Critica da Razdo Pura e a Critica da Razdo Prética opoem a ra- Zio tedrica a atividade moral, o mundo sensivel ag reino do inteligi- vel, © real ao ideal. Poder-se-ia afirmar que constituem dois momen- tos antitéticos de um proceso dialético. A Critica da Faculdade de Jul- gar constituiria 9 momento de sintese, no qual Kant investiga o senti- mento de prazer e desprazer como uma terceira faculdade fundamen- tal, indagando se ela, como as demais, passui principios a priori, Na Critica da Faculdade de Juigar, Kant quer ainda saber se existem for- mas universais © necessdrias de subordinagéo do mundo natural, do- minado pela necessidade, a0 mundo da liberdade, no qual domina a idéia de fim, tal como almeja a 1azao pratica. Kant distingue na faculdade de julgar dois tipos de juizos: 0 jutzo ‘“determinante”’ e 9 juizo “reflexionante”, Este ultima, a diferenca do primeiro, refere-se a representacio de um objeto, nae a um conceito; efere-se as exigéncias e estados subjetivos do homem. O sentimento de prazer e desprazer constitu: a fonte do jufzo reflexionante, que concilia @ faculdade de conhecer ¢ a de desejar, na medida em que subordina um conteddo representativo a um fim. Para Kant, existem cuas espécies de juizos reflexionantes: os te- leologicas € os estéticos, Nos teleolégicos, 0 objeto é considerade, se- gundo as exigéncias da razio, como correspandendo a uma finalida- de objetiva; adaptando-se aquelas exigéncias, suscita um sentimento de prazer. Nos juizos estéticos, 0 objeto é relacionade com um fim subjetivo, ou seja, com o sentimento de eficdcia sentido pelo homem diante desse objeto. Depois de estabelecidas essas distingdes, Kant passa, na pris parte da Critica da Faculdade de Julgar, a analisar os juizos estéticos. Em primeiro lugar, distingue © belo do agradavel e do util, mostrando que © sentimento relativo a estes ditimos tem como condicdo uma correspondéncia entre o abjeto € um interesse meramente individual € contingente Ou puramente racional. Ae cantrrio, no sentimento do belo, do ocorre esse tipo de condicionamento: a finalidade a que corresponde 0 objeto deve ser inteiramente desprovida de qualquer intengao e consistir simplesmente no efeito que produz no modo de Considerar as coisas, prescindindo da realidade empirica do objeto. © que importa no sentimento do belo ¢ apenas a ferma da representa- $40, na qual se realiza a plena harmonia entre as fungdes cognosciti- va, sensivel e intelectual, Como essa harmonia 6 inteiramente inde- pendente do conteddo empfrico da representagéo e dos condiciona- mentos individuais, o sentimento do belo resultante € aprioristica @, coma tal, fundamenta a validez universal e necessdria dos juizos esté- ticas. Por isso também, segundo Kant, 0 sentimento da belo é comu- nicdvel, embora nao possa ser passivel de demonstracao. A beleza pura ow de todo interesse pode ser obtida, segun- do Kant, somente num jogo de formas em que se realiza a harmonia do pensamento com a sentiment, por si mesmo € sem nenhum signi- ficado: nas flores, nos arabescas, na natureza iditica, Depois de analisar o belo, Kant estuda o sublime, pelo qual en- tende um estado subjetivo determinado par um objete cuja infinidade XVIIL KANT Cronologia se alcanga com © pensamento, mas ndo se pode captar pela intuicao sensivel, Essa discrepancia humilha o homem enquanto ser sensivel, mas 0 sublima enquanto ser racional, danda-the consciéncia de triun: fo do supra-sensivel sobre 0 sensivel. © sublime, tanto quanto o belo, € fonte de sentimento de prazer e é universal, A obra de arte é concebida per Kant como produgae consciente de objetos que geram a impressao de terem sido produzides sem in- tengao. Sua faculdade especifica é 0 génio que atua conscientemen- te, com necessidade semelhante a das formas naturais, sempre de ma- neira original c distinguindo-se da atividade cientifica. A segunda parte da Critica da Faculdade de Julgar trata do juizo teleolégico, segunda forma de ligagdo do sensivel ao inteligivel, do real ao ideal, da necessidade a liberdade, do tedrico ao pritico, Aqui também Kant indaga quais as condicoes de possibilidade a priori de lais juizos, examinando a exigéncia racional que leva o homem a con- siderar a natureza do ponto de vista da finalidade. Para Kant, entre o conhecimento a priori da natureza, dado pela matemética e pela ffsi- ¢a, © © conhecimento dos fendmenos particulares, dado pela expe- riéncia, existe una correspondéncia finalista. Contudo, conhecer de modo universal € necessério 6 processo pelo qual se realiza tal corres pondéncia somente seria possivel por uma inteligéncia criadora das formas e, ao mesmo tempo, do contetido de suas representagdes, em vez de receber o contetido como um dado. A existéncia de tal espfri- to niio pode ser demonstrada; trata-se de postulado da razdo pratica que formula um juizo teleolégico geral, solucionande a antitese entre mundo sensivel ¢ lei moral na totalidade da natureza e subordinando © primeira & segunda, Os juizos teleoldgicos particulares (nas quais se afirma a adequa- Gio de um fendmeno particular a determinado fim) somente $80 possi- veis com relagdo a objetos nos quais o prdéprio fim seja imanente a eles, Isso significa que se trata de objetos de criagdo humana. Contu- do, embora na natureza domine em geral o mecanicismo, existem os fendmenos biolégicos que se apresentam “como se” a idéia de todo, enquanto fim, determinasse a estrutura de cada parte do ser vivo. O conhecimento clentifico deveria investigar até onde é possivel 0 nexo causal entre os fendmenes biokégicos, mas o fato inexplicdvel da vida em geral imporia, segundo Kant, a passagem ao juizo telealégico, 1724 — lnmanuel Kent nasce a 22 de abril em Konigsberg, Prissia. 1727 — Morre lsaac Newton. 1738 — Publicagéo do Tvatada sabre a Naturez2 Humana, a principal obra de David Hume. 1762 — Nasce Johann Gotlieb Fichte. 1763 — Publicagao de G Unico Argumento Possivel paia uma Demonstra: Gao da Enisténcia de Deus, de Kant, 1766 — Publicam.se os Sonhos de um Visiondtin, Interpretados Mediante ‘08 Sonhas de Metafisica, de Kant. 1770 — Kant apresenta + Universidade de KOnigsberg 2 Dissertagio sobre a Forma @ 03 Principios do Munda Sensivel e do Mundo Inteligivel. Nasce George Wilhelm Friedrich Hegel. Bibliografia 1781 — Kent publica a primeira edigdo da Critica da Razio Pura, 1783 — Publica os Prolegamenos a Qualquer Metafisica Futura que Poss Vira Ser Considerada como Ciéncia. 1785 — Publica as Fundamentos da Metalisica dos Costumes, 1788 — Publica a Critica da Razdo Pratica, 1789 — A 14 de julho, eclode a Revolugao Francesa: 0 powo toma a Basti- tha. 1790 — Publicagdo da Critica da Faculdade de julyar. 1783 — Kant publica A Religido dentro dos Limites da Sinapies Raza. 1798 — Publica O Conflito das Faculdades. 1804 — Moartre a 12 ce feverein, Brows, E.: Histiria de fe Filosofia, 3 vols., Editorial Suelanwevicara, Buenas Ai- res, 1962. Pascal, G.: Pour Connaltre la Pensée de Kant, Editions Bordas, Paris, 1957, Duca, G.: La Philosophie Critique do Kant, Prosses Universitaires de France, Paris, 1967. Cassmee Es Kant: vida y Doctrins, Fondo de Cultura Economica, Mexico, Lagu Px Uidéaisme Kanten, Libratre. 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La Métaphysique de Kant, Paris, 1951, 1 —S il CRITICA DA RAZAO PURA DE IMMANUEL KANT Professor em KOnigsberg, Membro da Academia Real das Ciéneias de Berlim Segunda edicio revista ¢ melhorada. 1787* “Thulo da segunda edigho alema: Crit der reiaer Verwanft von Imrannuel Kant, Professor in Kinigsberes der Konigh Akademie der Wissenschaften in Berlin Mitglied, Zweyte hin und wieder verbesserte Auflage. Riga. bey Johann Friedsich Hartkeogh 1787. ee RES ane = NOTA SOBRE A PRESENTE TRADUCAO Esta tradugao brasileira da Critiea da Razdo Pura de Immanuel Kant apre- senta © texto completo da segunda edigdo original de 1787. Sobre a primeira edi¢ao de 1781, a nova versio kantiana contém ampliagdes ou reelahoragées da Introdugao, de partes da Estética Transcendental, da Dedugio dos Conceitos Puras do Entendimento, do capitulo sobre o Principio da Distingaio de Todos os Objetos em Geral em Fendmenos ¢ Noumenos, da Refutagao do Idealismo, da Nota Geral sobre 0 Sistema dos Principios ¢ do capitulo sobre os Paralogis- mos da Razao Pura. Das vantagens da segunda edi¢da em confronto com a pri meira o préprio Kant informa-nos no Prefacio correspondente. Até a sétima edigia de 1828 reproduziu-se somente o texto desta segunda edigda. A partir de 1815, entretanto, teve inicio com Jacobi uma discussao sobre as vantagens ¢ desvantagens das duas primeiras edigdes entre si, A proposito dessa discussio, que ainda envolveu sobretudo Schopenhauer, Erdmann ¢ Fis- cher, 0 leitor interessado obteri informagGes no Prefacio de G. Gentile 4 sua tradugio italiana da Critica, Bari, Editore Laterza, 1959, pagina XII e seguintes. ‘Nossa traducdo teve por base o texto alemao editado por Wilhelm Weische- del em Insel-Verlag Wiesbaden, 1956, reproduzido pela Wissenschafiliche Buch gesellschaft, Darmstadt, 1968: Immanuel Kant, Werke in zehn Banden, vols, IIT e1V, Para consultas recorremos constantemente a edigao da Critica de Raymund Schmidt, 1930*, reproduzida fielmente por Verlag von Felix Meiner, Hamburg, 1956, bem como ao texto da Koeniglich Preussischen Akademie der Wissens: chaften, vol. III, segunda edigio de 1787, reeditado por Walter de Gruyter, Ber lin, 1968. Para dirimir dividas, sempre que nos pareceu necessario cotejamos nossa tradugio com outras, ora adotando suas suigestées, ora do mesmo modo que clas seguindo uma interpretagdo propria do freqiientemente am Kantian. Foram as seguintes as wradugaes de que fizemos uso: a ingtesa de Norman Kemp Smith (1929), editada por St. Martin's Press, New York; a italia- na de G. Gentile ¢ G. Lombardo-Radice (1909) ma sua versdo revista por V. Mathieu (1958), editada por Laterza Bari; a italiana de Giorgio Colli (1957), editada por Giulio Einaudi: a francesa de Tremesaygues et Pacaud (1905), edita- da por Presses Universitaires de France, Paris: a espanhola de Juan B. Bergua (19707), editada por Clasicos Rergua, Madrid, Foi nos impossivel incluir em nossa tradugdo as variantes da primeira edi- 4 KANT giao de 1781. Em notas referimos as Drincipais discordancias entre as varias edi g6es ulteriores @ respeito de alguns termos empregados por Kant, carentes de sentido ou contendo supostamente erros de impressiio, Com o fim de facilitar a0, leitor o confronto com © texto original, incluimos a margem a paginagao da segunda edigdo de 1787, também denominada Edigdo B. Procedemos a uma cuidadosa reviso do texto parcialmente publicado no volume XXV de “Os Pensadores”; Kant, primeira edigdo de 1974. O mesmo fizemos com respeito a0 texto completo que entregaramos anteriormente a Edito- ra Abril, melhorando sensivelmente a tradugdo em conjunto. Sobre muitos tet- mos ensaiamas uma primeira tradugio brasileira, na esperanga de que o critica Icitor fornega a sua contribuigae para aperfeigad-la no futuro. Pois fazemos nos sas as palavras de Gentile: “in questa specie di lavori, per sforzi che si faccia di acuratezza, non é dato mai di toccare la perfezione”. A participagio de Udo Baldur Moosburger deve-se que a tradugaa tenha Podido ser levada a termo com algum sucesso. Hein: A. W. Bunse merece © nosso reconhecimento pela tradugao das citagées latinas, e Jorge A, H. Pozzo- bon pela colaboragao na revisio do texto em conjunto. Resta destjar que esta tradugdo contribua para a renovagao ¢ a criatividade filosoficas em nosso meio, de acorda com o espirito da Critica da Razdo Pura que é 0 de formagao de um pensamento critico ¢ independente. Se deste modo quisermos avangar além de Kant, teremos que percorrer antes com ele o caminho que ele proprio abriu e que nos defronta com a dnica alternativa do pensamento do futuro: “Somente o caminho critica ainda esta aberto”, Valerio Rohden Em 8 de setembro de 1978,

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