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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE
CURSO DE GEOGRAFIA

BRUNO LIMA DOS SANTOS


KAREN DA SILVA ARAUJO SANTOS
MÔNICA DOS SANTOS ROCHA
SARITA PRATI MARIN

NARRATIVAS, COTIDIANOS ESCOLARES, FORMAÇÃO DE


PROFESSORES, ENSINO DE GEOGRAFIA E CORPOS LGBT+: O
QUE ESSES CORPOS NOS CONTAM?

VITÓRIA – ES
2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE
CURSO DE GEOGRAFIA

BRUNO LIMA DOS SANTOS


KAREN DA SILVA ARAUJO SANTOS
MÔNICA DOS SANTOS ROCHA
SARITA PRATI MARIN

NARRATIVAS, COTIDIANOS ESCOLARES, FORMAÇÃO DE


PROFESSORES, ENSINO DE GEOGRAFIA E CORPOS LGBT+: O
QUE ESSES CORPOS NOS CONTAM?

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Geografia da
Universidade Federal do Espírito Santo
como requisito parcial para obtenção
do grau de licenciatura em Geografia.
Orientador: Prof. Dr.Soler Gonzalez

VITÓRIA – ES
2017
BRUNO LIMA DOS SANTOS
KAREN DA SILVA ARAUJO SANTOS
MÔNICA DOS SANTOS ROCHA
SARITA PRATI MARIN

NARRATIVAS, COTIDIANOS ESCOLARES, FORMAÇÃO DE


PROFESSORES, ENSINO DE GEOGRAFIA E CORPOS LGBT+: O
QUE ESSES CORPOS NOS CONTAM?

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Geografia da
Universidade Federal do Espírito Santo
como requisito parcial para obtenção
do grau de licenciatura em Geografia.

Vitória, 15 de dezembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dr. Soler Gonzalez

________________________________________
Prof.ª Drª. Kiusam Regina de Oliveira

________________________________________
Prof. Dr. Marcos Antonio de Oliva Gomes
AGRADECIMENTOS

A Universidade Federal do Espírito Santo e todo seu corpo docente, além da


direção e a administração, que realizam seu trabalho com tanto amor e
dedicação, trabalhando incansavelmente para que nós, alunos, possamos contar
com um ensino de extrema qualidade e por ter possibilitado a oportunidade de
realizar este curso.

Agradecemos ao Orientador Professor Doutor Soler Gonzalez por toda


orientação, paciência, dedicação e ensinamentos que possibilitaram que nós
fizéssemos este trabalho.

Agradecemos às mães e aos pais, pelo amor, carinho, paciência, seus


ensinamentos, por não medirem esforços para que nós pudéssemos levar nossos
estudos adiante.

Agradecemos aos nossos amigos, por confiarem e estarem do nosso lado em


todos os momentos da vida.

Agradecemos também as pessoas que colaboraram com a nossa pesquisa e


possibilitaram este trabalho.

Agradecemos ao Universo, Deus e Deuses nos quais cada um de nós acredita


por nos dar forças e ânimo para concluir mais uma etapa de nossas vidas.
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal estabelecer os vínculos entre os


cotidianos escolares, as práticas pedagógicas e os corpos LGBT+. A partir do
espaço habitado apresentamos contextualizações e problematizações desta
temática, assim como reflexões, nomenclaturas e termos que envolvem os corpos
LGBT+, como possibilidades e potencialidades pedagógicas que entendemos
serem relevantes aos processos formativos. Os objetivos específicos desta
pesquisa são compostos pela análise dos processos educacionais, por meio das
narrativas orais e fontes bibliográficas, envolvendo problemáticas que atravessam
os cotidianos escolares e o ensino de Geografia escolar. Diante disso, partimos
da aposta metodológica de trazer e problematizar as narrativas que os corpos
lésbicos, gays, bissexuais, transsexuais e travestis têm desse espaço habitado
heteronormativo que é o cotidiano escolar, os conteúdos geográficos e suas
relações com outros espaçostempos, dentre eles, as famílias, a vida cotidiana, os
espaços e territórios que esses sujeitos transitam, e que são considerados
também como espaços formativos e de resistências aos preconceitos, pensando
nesses entrelaçamentos como potencialidades que abarcam a formação crítica do
corpo docente e suas práticas pedagógicas com o ensino de Geografia. A
constituição da sociedade brasileira decorre de processos onde as figuras de
destaque são - em sua maioria - brancas, heteronormativas e heterossexistas,
religiosa (cristianismo) e altamente patriarcal. Consequente a isso, o ato de
tensionar a sensibilidade e as resistências cotidianas nesses indivíduos é o
sentimento de exclusão. A pesquisa abrange também as rotas de fuga possíveis
por meio de práticas pedagógicas, dos documentos curriculares e das tensões
que essa temática vem sofrendo na sociedade a partir de forças conservadoras.
Apresenta e problematiza como esses corpos atuam reterritorializando o cotidiano
escolar, o ensino de Geografia e a formação de professores/as, na busca pela
representatividade, na afirmação da vida e de sua identidade de gênero e de
orientação sexual.

Palavras-chave: corpos LGBT+, cotidianos escolares, ensino de Geografia,


narrativas e formação de professores/as.
ABSTRACT

The main objective of this paper is to establish the links between everyday school
life, pedagogical practices and LGBT + bodies. From the inhabited environment
we present contextualization and problematizations concerning this theme, as
reflections, nomenclatures and terms that involve group LGBT+, as possibilities
and pedagogical potentialities that we consider to be relevant to the formative
processes. The specific objectives of this research are composed by the analysis
of educational processes, through oral narratives and bibliographic sources,
involving problems that cross daily school and school geography teaching.
Regarding this, we start from the methodological approach of bringing and
problematizing the narratives that the lesbian, gay, bisexual, transsexual and
transvestite have in this heteronormative inhabited environment that is the
scholarly daily life, the geographic contents and their relations with other spaces,
such as, families, daily life, geographic spaces and territories that these people
pass through, and which are also considered as areas of education and
resistances to prejudices, thinking of these interlacings as potentialities that
embrace the critical formation of teachers and their pedagogical practices in the
Geography teaching. The constitution of Brazilian society arises from processes
in which the most prominent figures are - white, heteronormative and heterosexist,
religious (Christianity) and highly patriarchal. Consequently, the act of stressing
the sensitivity and daily resistance in these individuals is the feeling of exclusion.
The research also covers possible escape routes through pedagogical practices,
curricular documents and the tensions that this theme has been suffering in
society from conservative forces. It presents and problematizes how these bodies
act by reterritorialization everyday school life, the Geography teaching and the
teachers formation, searching for representativeness, the affirmation of life and its
gender identity and sexual orientation.

Keywords: LGBT+ bodies, everyday school life, geography teaching, narratives


and teacher formation.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................... 08
2. REFLEXÕES ACERCA DA ATUALIDADE E O EMPREGO CORRETO
DOS TERMOS E NOMENCLATURAS ...................................................... 12
2.1 Contextualização da atual sociedade ............................................... 12
2.2 Desmistificando conceitos e nomenclaturas em contrapartida ao
preconceito ................................................................................................ 18
3. DISCENTES LGBT+: ESSES CORPOS PERTENCEM A ESCOLA? SUAS
HISTÓRIAS O QUE PRODUZEM? ........................................................... 29
3.1 O que o migrar produz na minha história de vida? ........................... 29
3.3 A esfera das Práticas Pedagógicas ao corpo discente LGBT+ ......... 34
3.3 O que as DCNs, BNCC, DNEDH e a LDB nos dizem sobre a esfera
discente dentro do grupo de minoria dos LGBT+? ............................ 42
4. DOCENTES E SUAS FORMAÇÕES SÃO IMPORTANTES PARA
SOCIEDADE ATUAL? ............................................................................... 53
4.1 Como as práticas pedagógicas possibilitam a vida e existência? ..... 54
4.2 Se não houver permissão, o professor tem que se calar diante dessa
temática? ........................................................................................... 56
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 62
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 65
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho deseja problematizar, com os cotidianos escolares, questões
ligadas aos processos educacionais e sua relação com os corpos LGBT+,
sabendo que a sociedade brasileira foi e é constituída por processos onde as
figuras de destaque são - em sua maioria - brancas, hetoronormativas e
hetorossexitas, cristãs e patriarcais.
Diante disto, a partir dos cotidianos escolares, reunimos narrativas e histórias que
os corpos lésbicos, gays, bissexuais, transsexuais e travestis têm desses espaços
habitados por eles e as contribuições políticas e pedagógicas que suas narrativas
e experiências trazem para pensarmos a formação docente, as relações
cotidianas e o ensino de Geografia.

Ao entender os cotidianos escolares (GOMES, 2016) como espaçostempos que


atravessam a vida cotidiana e social, sabemos que por hora ele empregará, em
quase todos os seus enredos, narrativas e corpos, regras normativas,
transformando-se também em espaços de resistência ou opressão para esses
sujeitos que divergem dessa normativa, neste caso os LGBT+.

A autora Guacira Louro (2013) atribui tanto à sexualidade quanto às


representações de gênero, um caráter eminentemente político, identificando-os
como um campo de disputa, de negociações, de atravessamentos, de luta. As
palavras e narrativas dos sujeitos e corpos desta pesquisa, nos falam dos
silêncios, dos ocultamentos, dos segredos e mentiras cultivadas na instituição
escolar e nos seus currículos, e ajudam a compreender como esta instituição
moderna que é a escola, tem, historicamente, se munido de diferentes estratégias
disciplinares para normalizar indivíduos.

Sabendo disso e pensando nos cotidianos escolares, quais práticas pedagógicas


e modelos de ação que se deve empregar para possibilitarmos a existência e a
convivência com corpos tidos como “diferentes”? A produção de dados da
pesquisa se deu a partir dos convites à conversa com representantes do grupo
LGBT+, abrindo espaços para as narrativas desses estudantes, tornando-os
assim sujeitos de nossa pesquisa, com o desejo de ouvirmos suas experiências

8
de como se reinventam perante as forças externas que marginalizam seus corpos
nos cotidianos escolares.

Para Spink (2008) o apelo figurativo para os micro-lugares, neste caso da


pesquisa pensado como a vida cotidiana e os cotidianos escolares, é um apelo
para a importância dos pesquisadores se conectarem com os fluxos constantes
de pessoas, falas, espaços, conversas e objetos, de assumir-se como também
atuante (SPINK apud LATOUR, 2004).

O convite veio por intermédio da abertura a vida da pessoa, quando ela se sentiu
pertencente a esse grupo, e como ela reagiu a essa força conservadora que a
oprime, e esse convite a conversa abre espaço para a compreensão do que é a
escola e os cotidianos escolares para estes corpos.

O objetivo consiste em problematização, por meio das conversas, narrativas dos


corpos LGBT+, às práticas pedagógicas e às práticas de resistências, que esses
sujeitos enfrentam nos cotidianos escolares e suas contribuições políticas e
pedagógicas aos contextos da formação docente.

Compõem como parte dos objetivos específicos desta pesquisa analisar e


problematizar, por meios de narrativas e fontes bibliográficas e documentais as
questões relacionadas aos grupos LGBT+ e os cotidianos escolares. Diante disto,
desejamos tensionar, com essas narrativas, fontes bibliográficas e os cotidianos
escolares, seus posicionamentos políticos e pedagógicos em relação ao ensino
de geografia e a formação de professores/as, na intenção de percebemos em
suas experiências e saberes narrados, as geografias menores (OLIVEIRA JR.
2009) e, as outras geografias possíveis.

Pensando na dimensão ética da pesquisa, adotamos aqui nomes fictícios na


distinção dos sujeitos colaboradores e participantes da pesquisa, alunos-
colaboradores vinculam-se diretamente com a orientação sexual e a identidade de
gênero, tendo como exemplo a participação de uma aluna transexual que trajou o
nome Tracy, assim como Gael e Gabriel que se identificam como gays. As
referências e inspirações teóricas da pesquisa se aproximam dos pensamentos e
obras dos seguintes autores: bell hooks, Carlos Eduardo Ferraço, Guacira Lopes

9
Louro, Inês Barbosa de Oliveira, Marco Antonio Oliva Gomes, Paulo Freire, Peter
Kevin Spink e Tomaz Tadeu da Silva.

Juntamente com esses pensadores e suas obras, dialogamos também com os


documentos oficiais, que regulamentam a Educação e as políticas de currículos,
que são, a Base Nacional Curricular Comum, as Diretrizes Curriculares Nacionais,
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/1996, as Diretrizes Nacionais para
a Educação em Direitos Humanos, e, o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei
8069/1990.

Ao garantir a existência de corpos e vidas que fogem a regra normativa social,


submete-se às novas noções e/ou conceitos, que por vezes não tem seu real
significado empregado no dia a dia, e, com isso, criam-se relações tendenciosas,
como por exemplo, a mudança da sigla GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes),
usada nos anos 90, para a sigla LGBT+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transsexuais e Travestis), e qual teor político e social das mesmas.

Neste sentido, a sensibilidade que as narrativas tensionam nesses indivíduos é o


sentimento de exclusão, opressão, o não-pertencimento à escola, os
silenciamentos desses sujeitos e corpos nos conteúdos disciplinares, e, no nosso
caso, no ensino de Geografia escolar, nos cotidianos escolares, e como isso,
desencadeando processos de negação, diminuição e de “não-afetividade” para
com esses sujeitos/corpos, consequentemente, não há criação de vínculos, logo é
muito mais fácil se desvencilhar desse espaço público.

Optamos por um estilo de escrita a partir de fragmentos de narrativas, com


pequenos exemplos que evidenciam a complexidade da temática e suas
contribuições políticas, ética, estéticas e pedagógicas para os múltiplos contextos
formativos, no ensino de Geografia e em nossas vidas cotidianas.

A pesquisa abrange também as rotas de fuga que são traçadas com as práticas
pedagógicas e como se efetivam essas fugas, criando outras geografias e modos
de resistências.

Mostra como esses sujeitos e corpos atuam reterritorializando o espaço escolar e


as práticas pedagógicas, na contemplação da representatividade e na afirmação
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de sua identidade de gênero e orientação sexual, sendo que a presença desses
sujeitos e corpos LGBT+ possibilitam a abertura de outros espaços e relações de
ensino, aprendizagem, formação, por disporem de outras territorializações.

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2. REFLEXÕES ACERCA DA ATUALIDADE E O EMPREGO
CORRETO DOS TERMOS E NOMENCLATURAS

Neste capítulo faremos uma contextualização e problematização das notícias


veiculadas nas mídias e redes sociais envolvendo a comunidade LGBT+. Diante
disto, o pensar dentre a perspectiva crítica com a finalidade do levantamento de
pautas favoráveis a essa discussão nos cotidianos escolares, na formação
docente e no ensino de Geografia.

2.1 Contextualização da atual sociedade

Apesar de que o reconhecimento das diferenças e dos grupos LGBT+ terem


sofrido alguns avanços no Brasil, encontramos também, de forma bastante
crescente, os movimentos de repressão e de opressão a esses corpos LGBT+.
Um dado apresentado pela ONG Grupo Gay da Bahia, mostra que um indivíduo,
que se encontra nesta parcela da população, é assassinado a cada dois dias, por
motivo LGBTfóbico, sendo que este crime não tem agravante penal, pois são
definidos como agressões, ao contrário da maneira que ocorre no caso do
racismo, que possui legislação específica.

A justiça brasileira tem lidado com esse grupo, dito como minoria, mas que
segundo dados não é mais minoria, porém, ainda não existe uma legislação
específica para os homossexuais. O que há, segundo fonte do site Catraca Livre,
são apenas decisões do Poder Judiciário que outorgam direitos aos mesmos, mas
que podem ser protestados, por não constarem na Constituição Federal, gerando
uma insegurança jurídica, tendo em vista que essas decisões podem divergir de
juiz para juiz.

Os diversos aspectos como segurança, adoção, casamento foram conquistadas


em algumas legislações, através de muita luta a nível nacional para tratar a
temática de orientação sexual e identificação de gênero, segundo Barroso (2017)
tais como:

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a. Nenhum estabelecimento pode recusar a atender uma pessoa
baseado em preconceito (art. 39 do Código de Defesa do
Consumidor);
b. Casamento homoafetivo: Cartórios de todo o Brasil não podem
recusar a celebração de casamentos civis de casais do mesmo sexo
ou deixar de converter em casamento a união estável homoafetiva
(Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça);
c. Adoção de crianças por casais homoafetivos: "preenchidas as
condições para a adoção, não se discute mais a respeito de qualquer
impedimento em decorrência da orientação sexual dos
pretendentes." (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277/Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 132),
d. União Homoafetiva é entidade familiar (Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4277/Arguição de Descomprimento de Preceito
Fundamental 132),
e. O campo de "nome social" deve existir em todos os Boletins de
Ocorrência do país (Resolução 11, De 18 de Dezembro De 2014,
promulgada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos),
f. Os benefícios previdenciários de pensão por morte e auxílio-reclusão
também valem para casais homossexuais (art. 30 da Instrução
Normativa do INSS nº 20, de 10 de outubro de 2007),
g. Transexuais e travestis podem usar seu nome social em todos os
órgãos públicos, autarquias e empresas estatais federais. Essa
medida vale para funcionários e também usuários. (Decreto
Nº 8.727, de 28 de Abril de 2016),
h. A constituição federal tem como objetivo promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (art. 3º da Constituição Federal).
(BARROSO, 2017)

Na figura 01 evidencia-se os passos que são dados em direção a uma sociedade


mais equiparativa e justa para com suas e seus integrantes. Isso nos mostra que
há um esforço (mesmo que sendo sempre tensionado por grupos que defendem
as causas das minorias), para garantia e efetivação da existência desses corpos,
nesse caso dos corpos transsexuais e travestis, com o reconhecimento do nome
social em documentos oficiais como o Cadastro de Pessoa Física (CPF).

1
Figura 01 - Nome social no CPF.
Fonte: Portal G1 notícias.

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Em contraste aos avanços da igualdade de direitos na área de identidade do
gênero, como o nome social, em determinados espaços notou-se, os retrocessos
com repercussões nacionais, tendo como exemplo a cura gay, a escola sem
partido e o kit gay.

De acordo com a plataforma online, o Programa Escola sem Partido consiste em


uma proposta de lei, que torna obrigatória a afixação de um cartaz com deveres
que decorrem da Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio, restringindo
a liberdade na prática docente.

O projeto salienta aos estudantes sobre seus direitos de não serem doutrinados
por seus professores, tão quanto informar e educar os/as professores/as sobre os
limites éticos e jurídicos da sua liberdade de ensinar.

Entretanto, a proposta criada em 2004, tenciona limites evidentes à capacidade


de reflexão crítica, ou seja, tendo como obrigação apenas formar seres para o
campo profissional e não seres pensantes, proibindo assim temas como
homossexualidade, política e temas da área econômica, ficando na função dos
educadores, apenas tratar a matéria curricular de forma independente sem
colocá-la em escalas de análises, reflexões e problematizações.

A proposta tende a ser autoritária e conservadora, implementando o ensino


religioso e tradicional, o que causaria uma maior aversão aos que não enquadram
nos padrões propostos no ambiente escolar, sobretudo sob a ótica de que a
homossexualidade e a sexualidade não seriam tratadas em salas de aula e de
forma política e pedagógica nos cotidianos escolares.

Para complementar a análise crítica acerca do Escola sem Partido, foi criado
também a ideia de um kit anti-homofobia, lançado em 2004 pelo Governo Federal,
via Programa Brasil sem Homofobia, que tinha o objetivo de erradicar a violência
e o preconceito contra os mesmos e parte desse projeto destacaria a formação de
educadores para lidar com diversas situações relacionadas a sexualidade no
ambiente escolar, e, o material foi duramente criticado pela sociedade
conservadora e tradicional e teve a sua distribuição interrompida.

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Segundo Santos (2012), o preconceito às pessoas contrárias aos padrões
impostos é gritante. Esses materiais que compunham o kit não foram distribuídos
pelos órgãos governamentais responsáveis, segundo a ameaça de atos
rebelionários, organizados pelas bancadas evangélica e católica do Congresso.

Logo, os maiores prejudicados configuram no corpo discente, os quais sem o


acesso a informação de combate à homofobia, compõem uma maior parcela da
população deficiente de uma educação mais humana, diversa, ética e igualitária.

Outro ponto deste viés, caracterizado por diversas opiniões é a decisão liminar, do
Juiz Federal da 14ª Vara do Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, que
autorizou a terapia de reversão sexual ou reorientação sexual, conhecida como
“cura gay”, prática que havia sido proibida pelo Conselho Federal de Psicologia
desde 1999.

Essa decisão foi resultado do pedido da psicóloga Rozângela Alves Justino, em


processo aberto contra o colegiado alegando que a resolução do Conselho
Federal de Psicologia, afetava a liberdade científica e o direito de tratarem as
aflições dos pacientes, tendo em vista que, após essa resolução os profissionais
da área tiveram medo de ter o seu registro profissional cassado e a palavra
homossexualidade, se tornou palavra proibida dentro dos consultórios, o que
impedia o atendimento, mesmo que voluntário, de pacientes aflitos com situações
relativas a sua sexualidade.

A liminar causou polêmica e reflexões, uma delas é que a Organização Mundial


da Saúde (OMS) desconsidera, desde o final dos anos 1990, a homossexualidade
como patologia. A perspectiva adotada pelo Conselho Federal de Psicologia
expediu a resolução de 1999 restringindo os profissionais do ramo a participarem
de qualquer tipo de terapia de orientação sexual.

Consequente a isso, a homossexualidade não pode ser classificada como


doença, e sim uma variação natural da sexualidade humana a qual consiste cerca
de 10% a 17% da população brasileira. Desqualificou-se qualquer tratamento
perante a comprovação que essas ações ocasionam um aumento das aflições

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sofridas pelos indivíduos, inclusive considerada uma tortura psíquica. Na figura 02
temos uma manchete que busca evidenciar o que foi abordado.

Figura 02 - Manchete cura gay.


Fonte: Plataforma online do Estadão.

Recentemente um tema abordado nas mídias é a sexualização das obras de arte.


Um caso polêmico que ocorreu em Porto Alegre (RS) foi a exposição
Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, que após muitos
protestos contrários foi cancelada devido a manifestações de extrema direita
alegando conteúdo de pedofilia e zoofilia.

A polêmica gerada em torno desta mostra, que apresentava trabalhos que


discutiam diversidades de gêneros e de sexualidade, trouxe à tona o debate de
até onde a arte deve ser censurada, por ser considerado imoral pela sociedade
tradicional, restringindo o direito à liberdade de expressão e o acesso à cultura por
todos.

O que é dito como diferente causa estranheza e dificuldade de aceitação, as


obras de arte muitas vezes são más interpretadas. O que ocorre nos museus
também pode ser visto nos cotidianos escolares, na vida cotidiana, nas redes

16
sociais, na internet e em outros espaços educativos, dentre eles, as bibliotecas
que adotam o restrito acesso à informação nos computadores.

Esses conceitos e essas problemáticas devem estar dentro desses ambientes,


que por serem espaços de grande socialização todos devem ter o direito a arte e
a informação, fazendo parte do autoconhecimento individual e como importante
meio de construção do indivíduo.

Figura 03 - Exposição Queermuseu


Fonte: O Globo.

A figura 03, evidencia que a intolerância pode ser traduzida e revertida por
sexualização, possibilitando assim notícias que se vinculam de maneira
tendenciosa, reforçando a ideia do que seria “certo e errado”, pois ao se
depararem com obras de artes que fogem do tradicional e “bonito de se ver”,
movimentos contrários surgem para desvincular todo um ato cultural e político
dessa temática.

Como podemos perceber, ainda temos muito o que mudar em prol de uma
sociedade que aprenda a conviver com a diversidade e a diferença. Mas, também
não pode se negar que pautas que anos atrás, eram verdadeiros Tabus hoje
estão um pouco mais em evidência.

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2.2 Desmistificando Conceitos e Nomenclaturas em contrapartida ao
preconceito

Ao possibilitar vivências e experiências a certos grupos, pessoas, movimentos


políticos vemos que há inclusão de conhecimentos das/os mesmas/os, como por
exemplo: legitimações políticas, culturais, sociais, dentre outras/os. Isso
acrescenta ao desenvolvimento das identidades das/os envolvidas/os na suas
práticas territoriais, pois se tornam confrontantes ao conservadorismo social
latente, já que por vezes há a deslegitimidade dos discurso dessas minorias por
argumentos como: “isso é imoral”, “no meu tempo não existia essas coisas”, mas
ao pensar desta maneira seria no mínimo de ingenuidade sem tamanho, já que
historicamente o comportamento homoafetivo é datado e registrado
historicamente.

Para entendermos alguns aspectos, abaixo estão listados alguns termos e seus
conceitos baseados no Caderno de Propostas da 3ª Conferência Nacional de
Políticas Públicas de Direitos Humanos de LGBT e no Glossário LGBTI, da Rede
Ex Aequo (Associação de jovens LGBTI e Apoiantes), salvo alguns termos cujo
conceito está descrito em plataformas online identificadas de acordo. Assim
obtemos as seguintes determinações:

● Atividade sexual: A orientação sexual não está vinculada ao desempenho


sexual com o(a) parceiro(a). A sexualidade, independentemente da
orientação, envolve um conjunto de fatores emocionais, afetivos, sociais,
históricos e biológicos que vão muito além do ato genital. Embora haja
curiosidade do público em geral com a atividade sexual dos LGBT, é direito
de todo cidadão preservar seu comportamento sexual. E a atividade sexual
nada tem a ver com a orientação sexual ou a identidade de gênero das
pessoas e não pode ser relacionada a distúrbios comportamentais, como
promiscuidade e pedofilia, por exemplo.
● Bissexual (Bi): Pessoa que se sente atraída fisicamente, emocionalmente
e psicologicamente por pessoas quer do mesmo sexo quer por pessoas de
sexo diferente.

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● Bissexuais: São indivíduos que se relacionam sexual e/ou afetivamente
com qualquer dos sexos. Alguns assumem as facetas de sua sexualidade
abertamente, enquanto outros vivem sua conduta sexual de forma fechada.
● Cisgênero: Pessoa cuja identidade de gênero corresponde àquela que lhe
foi atribuída à nascença.
● Drag: Diz respeito à adaptação de roupas e de papéis que
tradicionalmente estão relacionados com um sexo diferente do seu. O
objetivo é o jogo, o entretenimento ou o erotismo. Os homens que adotam
elementos convencionais da mulher denominam-se Drag Queens e as
mulheres que adotam elementos convencionais do homem denominam-se
Drag Kings. Esta palavra não deve ser confundida com a palavra
crossdresser. Outras palavras comuns para Drag em Portugal são
transformista ou travesti.
● Drag Queen: Homem que se veste com roupas femininas de forma satírica
e extravagante para o exercício da profissão em shows e outros eventos.
Uma drag queen não deixa de ser um tipo de “transformista”, pois o uso
das roupas está ligado a questões artísticas – a diferença é que a
produção necessariamente focaliza o humor, o exagero.
● Empoderamento: Conceito empregado na área de gênero e
desenvolvimento e pela pedagogia feminista, a partir do reconhecimento de
que o poder é fonte de opressão em seu abuso e de emancipação em seu
uso. Refere-se ao processo de esclarecimento, conscientização,
mobilização e organização coletiva para mudar a posição subordinada de
um indivíduo ou grupo – no caso das mulheres, a posição subordinada de
gênero. Envolve tanto uma dimensão individual quanto uma dimensão
coletiva: o desenvolvimento da autossuficiência e de habilidades de fazer
coisas, definir as próprias agendas de mudança social, organizar-se
coletivamente e colocar demandas ao Estado. Implica, assim, tanto
controle da própria vida (ganhar voz, mobilidade, presença pública) quanto
controle sobre as estruturas de poder para transformá-las em favor de si e
de seu grupo. O empoderamento dos sujeitos dominados requer, portanto,
o aprendizado crítico sobre a cultura do poder, suas relações e formas, a
fim de ampliar sua participação social, intelectual e política. A Conferência

19
Mundial de Mulheres de Beijing, em 1995, apontou a necessidade de se
estudarem as conexões entre educação e empoderamento.
● Feminicídio: De acordo com o Relatório Final da Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (2013), é a instância
última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte.
Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a
um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação
da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual
associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela
mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da
mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.”
● Feminino/a: Termo criado para descrever as características físicas,
emocionais e sociais convencionalmente atribuídas e impostas às
mulheres.
● Gay: 1) diz-se de um homem que se sente atraído fisicamente,
emocionalmente e psicologicamente por um outro homem. 2) usado por
vezes como sinônimo de homossexual. Em inglês o termo gay engloba
quer o homem homossexual quer a mulher homossexual.
● Gays: São indivíduos que, além de se relacionarem afetiva e sexualmente
com pessoas do mesmo sexo ou do mesmo gênero, tem um estilo de vida
de acordo com essa sua preferência, vivendo abertamente sua
sexualidade.
● Gênero: 1) Sistema de classificação que atribui qualidades de
masculinidade e de feminilidade aos corpos do homem e da mulher. As
características de gênero são muitas vezes arbitrárias e podem mudar quer
ao longo do tempo quer de cultura para cultura. 2) Muitas vezes confunde-
se o conceito de gênero com o conceito de sexo biológico. Separar os
conceitos é bastante útil para compreender os diferentes comportamentos
e também para a compreensão de fatores que dizem respeito ao desejo
sexual e à expressão de gênero ou identidade. 3) Conceito formulado nos
anos 1970 com profunda influência do movimento feminista. Foi criado
para distinguir a dimensão biológica da dimensão social, baseando-se no
raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie humana, no entanto, a

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maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Assim,
gênero significa que homens e mulheres são produtos da realidade social e
não decorrência da anatomia de seus corpos.
● Gênero (expressão de) – Diz respeito aos maneirismos, forma de vestir,
forma de apresentação, aspeto físico, gostos e atitudes de uma pessoa.
● Gênero (identidade de): Identificação pessoal, subjetiva e
autonomamente determinada que cada indivíduo tem relativamente ao seu
gênero. Pode, ou não, estar de acordo com o gênero associado ao sexo
que lhe foi atribuído à nascença
● Heterofobia: Consiste nas reações de medo e de ódio tidas por pessoas
homossexuais em relação a pessoas heterossexuais.
● Heterossexual: Pessoa que se sente atraída física, emocional e
psicologicamente por pessoas de sexo diferente do seu.
● Heteronormatividade: Expressão utilizada para descrever ou identificar
uma suposta norma social relacionada ao comportamento padronizado
heterossexual.
● Heterossexismo: 1) Atitude condizente com a ideia de que a
heterossexualidade é a única forma sadia de orientação sexual. O termo é
utilizado na mesma acepção que caracteriza as palavras racismo e
sexismo. Heterossexualidade compulsória: Consiste na exigência de que
todos os sujeitos sejam heterossexuais, isto é, se apresenta como única
forma considerada normal de vivência da sexualidade. Essa ordem
social/sexual se estrutura através do dualismo heterossexualidade versus
homossexualidade, sendo que a heterossexualidade é naturalizada e se
torna compulsória. Isso ocorre, por exemplo, quando buscamos as causas
da homossexualidade. 2) é o pressuposto social de que todos/as são
heterossexuais e que a heterossexualidade é de alguma forma superior à
homossexualidade. Heterossexismo é um termo mais abrangente que a
homofobia, já que este último remete imediatamente para a noção de fobia.
O heterossexismo está presente em frases como: “ela enlouquece
qualquer homem” ou “ele é o marido de sonho para todas as mulheres”,
frases que partem do pressuposto de que a heterossexualidade é a única
orientação que existe ou que importa.

21
● Homoafetivo: Adjetivo utilizado para descrever a complexidade e a
multiplicidade de relações afetivas e/ou sexuais entre pessoas do mesmo
sexo/ gênero. Este termo não é sinônimo de homoerótico e homossexual,
pois conota também os aspectos emocionais e afetivos envolvidos na
relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo/gênero. É um termo muito
utilizado no mundo do Direito. Não é usado para descrever pessoas, mas
sim as relações entre as pessoas do mesmo sexo/gênero.
● Homofobia: 1) Termo usado pela primeira vez pelo psicólogo George
Weinberg (1972) no livro de sua autoria intitulado A Sociedade e o
Homossexual Saudável, em que se refere à homofobia como sendo medo
irrealista ou irracional ou como uma aversão à homossexualidade e/ou a
pessoas homossexuais. A homofobia é uma doença social que se tem
vindo a prolongar devido aos estereótipos negativos e aos conceitos
errados associados geralmente à homossexualidade. A homofobia pode
levar ao ódio, à discriminação e à violência contra homossexuais e
bissexuais. 2) A homofobia pode ser definida como o medo, a aversão, ou
o ódio irracional aos homossexuais, e, por extensão, a todos os que
manifestem orientação sexual ou identidade de gênero diferente dos
padrões heteronormativos. Consiste em um problema social e político dos
mais graves, mas que varia de intensidade e frequência, de sociedade para
sociedade. Esse conceito ganhou o domínio público, no ativismo, na
academia e também na mídia, ainda que seja pouco preciso para
descrever o largo espectro de fenômenos aos quais se refere.
● Homossexual: Pessoa que se sente atraída fisicamente, emocionalmente
e psicologicamente por uma pessoa do mesmo sexo.
● Homossexuais: São aqueles indivíduos que têm orientação sexual e
afetiva por pessoas do mesmo sexo ou do mesmo gênero.
● Homossexualidade: A homossexualidade é a atração afetiva e sexual por
uma pessoa do mesmo sexo. Da mesma forma que a heterossexualidade
(atração por uma pessoa do sexo oposto) não tem explicação, a
homossexualidade também não tem. Depende da orientação sexual de
cada pessoa. Por esse motivo, a Classificação Internacional de Doenças
(CID) não inclui a homossexualidade como doença desde 1993.

22
● Homossexualismo: Termo incorreto e preconceituoso devido ao sufixo
“ismo”, que denota doença, anormalidade. O termo substitutivo é
homossexualidade, que se refere da forma correta à orientação sexual do
indivíduo, indicando “modo de ser”.
● Identidade de gênero: É uma experiência interna e individual do gênero
de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no
nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por
livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios
médicos, cirúrgicos e outros) e outras expressões de gênero, inclusive
vestimenta, modo de falar e maneirismos. Identidade de gênero é a
percepção que uma pessoa tem de si como sendo do gênero masculino,
feminino ou de alguma combinação dos dois, independente de sexo
biológico. Trata-se da convicção íntima de uma pessoa de ser do gênero
masculino (homem) ou do gênero feminino (mulher).
● Identidade sexual: É o conjunto de características sexuais que
diferenciam cada pessoa das demais e que se expressam pelas
preferências sexuais, sentimentos ou atitudes em relação ao sexo. A
identidade sexual é o sentimento de masculinidade ou feminilidade que
acompanha a pessoa ao longo da vida. Nem sempre está de acordo com o
sexo biológico ou com a genitália da pessoa.
● Intersexual/intersexo: 1) Indivíduo que tem órgãos genitais/reprodutores
(internos e/ou externos) masculinos e femininos, em simultâneo, ou
cromossomas que não são nem XX nem XY. De acordo com a Intersexed
Society da América do Norte em cada 2.000 bebés que nascem um é
intersexo (aproximadamente). 2) É o termo geral adotado para se referir a
uma variedade de condições (genéticas e/ou somáticas) com que uma
pessoa nasce, apresentando uma anatomia reprodutiva e sexual que não
se ajusta às definições típicas do feminino ou do masculino.
● Lésbica: 1) Mulher que se sente atraída fisicamente, emocionalmente e
psicologicamente por uma outra mulher. 2) Terminologia utilizada para
designar a homossexualidade feminina.

23
● Lesbofobia: Palavra criada para representar a rejeição e/ou aversão às
lésbicas. A expressão está mais relacionada às ações políticas
diferenciadas do movimento LGBT.
● Masculino/a: Termo criado para descrever as características físicas,
emocionais e sociais convencionalmente atribuídas e impostas aos
homens.
● Movimento Gay (também conhecido por movimento GLBT ou LGBT):
É o esforço ao longo da história para obter compreensão e tratamento igual
para gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. É usado frequentemente
para designar as lutas contra a discriminação, pelos direitos legais e
também as associações que levam a cabo essas lutas.
● Orientação Sexual: Atração física, sexual, emocional e/ou psicológica de
um indivíduo a um sexo em particular. É definida pela Associação
Psicológica Americana como um dos quatro componentes da sexualidade
e distingue-se pela atração emocional, romântica, sexual ou atração afetiva
por indivíduos de um determinado sexo.
● Patriarcado: Sistema social baseado na autoridade masculina nos
domínios público e privado. Envolve o estado, a economia, a cultura, a
comunicação, a família, a educação, a sexualidade. Também denominado
de “sexismo sistêmico institucionalizado”, o patriarcado é sustentado
ideologicamente pela heterossexualidade compulsória, violência masculina,
socialização de papéis de gênero, e modos de organização da vida e do
trabalho em que os homens dominam as mulheres, econômica, sexual e
culturalmente, a partir do lar. Portanto, exclui as mulheres de posições de
poder/autoridade/privilégio, exceto quando a serviço do sistema. Segundo
as feministas marxistas, o patriarcado e o capitalismo se apoiam
mutuamente já que a mulher é explorada tanto como trabalhadora
assalariada quanto como dona de casa, ao sustentar o trabalhador com o
trabalho doméstico gratuito. A Sociologia do Gênero explica que nas
sociedades industriais as mulheres são socializadas para assumirem uma
personalidade feminina e uma identidade de gênero específica; são
relegadas ao âmbito privado do lar e excluídas das atividades públicas; são
alocadas a atividades produtivas restritas, inferiores, mal pagas e

24
degradantes; e são submetidas a ideologias estereotipadas que as definem
como fracas e emocionalmente dependentes do homem. O conceito de
patriarcado foi criticado por seu caráter monolítico e por apontar o homem
como inimigo. Todavia, os estudos da masculinidade retomaram o
conceito.
● Queer: Termo que diz respeito à forma como algumas pessoas expressam
a sexualidade ou a identidade de género. Por vezes é usado como
sinónimo da comunidade LGBT. Note-se que por detrás deste termo está
geralmente um elevado nível de ativismo político dentro da comunidade
LGBT. Refira-se ainda que está associada a este termo uma teoria –
Teoria Queer – que se desenvolveu nos anos 80 nos Estados Unidos com
a publicação do livro Gender Trouble de Judith Butler.
● “Sair do Armário”: Assumir publicamente sua orientação sexual e/ou
identidade de gênero.
● Sexismo: Conjunto de estereótipos quanto a aparência, atos, habilidades,
emoções e papel apropriado na sociedade de acordo com o sexo. Apesar
de o homem também ser estereotipado, o sexismo reflete com maior
frequência preconceitos contra o sexo feminino. A mulher geralmente é
apresentada como vítima indefesa, mãe ou sedutora, e o homem, como
“machão”, poderoso e/ou conquistador. .
● Sexual (identidade): A auto definição do comportamento sexual. Etiquetas
como assexual, heterossexual, homossexual, gay, lésbica, bissexual,
pansexual, queer, indeciso entre outros.
● Sexualidade: Refere-se às elaborações culturais sobre os prazeres e os
intercâmbios sociais e corporais que compreendem desde o erotismo, o
desejo e o afeto, até noções relativas à saúde, à reprodução, ao uso de
tecnologias e ao exercício do poder na sociedade. As definições atuais da
sexualidade abarcam, nas ciências sociais, significados, ideias, desejos,
sensações, emoções, experiências, condutas, proibições, modelos e
fantasias que são configurados de modos diversos em diferentes contextos
sociais e períodos históricos. Trata-se, portanto, de um conceito dinâmico
que vai evolucionando e que está sujeito a diversos usos, múltiplas e

25
contraditórias interpretações e que se encontra sujeito a debates e a
disputas políticas.
● Sexo Biológico: Sistema de classificação tendo como base características
geno ou fenotípicas de um indivíduo. Os indivíduos podem ser
classificados, geralmente, como sendo do sexo masculino ou feminino.
Existem diversos fatores que contribuem para a classificação do sexo
biológico de uma pessoa: cromossomos (XY, XX, ou outras combinações),
genitais (estruturas reprodutivas externas), gónadas (presença de
testículos ou ovários), hormonas (testosterona, estrogênios), entre outros.
● Teoria Queer: Teoria que surge na década de 1990, onde Tomaz Tadeu
em seu livro Documentos de Identidade, apresenta um panorama amplo
contendo as discussões sobre a identidade homossexual (“queer”, termo
de difícil tradução para o português, é um dos sinônimos para
“homossexual”, em inglês, podendo significar também “estranho”). Esta
teoria propõe a desconstrução das identidades sexuais via discurso. Os/as
teóricos/as queer, no contexto do movimento queer, contestam a
naturalização ou a essencialização de qualquer noção de identidade,
criticando as normas e os dispositivos de normatização e normalização
identitária e denunciando que o discurso de atribuição identitária posiciona,
julga e regula os sujeitos. Contra as categorias de orientação sexual, a
teoria queer defende, por exemplo, que não há simplesmente identidades
hétero, homo ou bissexual, mas práticas sexuais conduzidas por sujeitos
sem identidades fixas. Segundo tal perspectiva, todas as pessoas
apresentam múltiplas identidades e o potencial para a variabilidade do
desejo sexual. A perspectiva queer, coloca-se portanto, como uma postura
problematizadora das chamadas “políticas de identidade”, que foram
cruciais para as lutas de grupos oprimidos (como negros, mulheres, gays e
lésbicas), os quais encontraram na afirmação de suas identidades um
importante instrumento para a criação e o fortalecimento do senso de
pertencimento a uma comunidade discriminada e para a reivindicação de
seus direitos. A teoria queer recebeu diversas críticas em função de sua
ênfase (considerada excessiva) nos discursos e de seu relativo
desinteresse nos movimentos sociais. bell hooks lembra que é fácil

26
renunciar a uma identidade quando se tem uma, lembrando a importância
das políticas de identidade. A perspectiva feminista queer considera
interseccionalidade entre gênero, sexualidade, cor, raça, etnia, classe
social, etc., e, por isso, insiste na necessidade de construções teóricas e
políticas que assegurem um engajamento crítico para o enfrentamento
político dos quadros de opressão. Alguns consideram que a teoria queer,
ao privilegiar discursos, deixa em segundo plano o concreto, a sexualidade
encarnada, a subjetividade corporificada, levando à produção de discursos
vazios de significado social e político e produzindo esvaziamento do
espaço público. Críticas feministas acusam a teorização queer de
restringir-se à experiência gay, invisibilizando a experiência lésbica. Outras
críticas, ainda, apontam que o queer tornou-se um tipo de não-identidade
da moda, transgressora das fronteiras da heterossexualidade normal,
portanto (e paradoxalmente) ela mesmo uma identidade.
● Transfobia: 1) Ódio, medo ou repulsa irracionais e injustificados por
pessoas trans. 2) Palavra criada para representar a rejeição e/ou aversão
às transexuais. A expressão está mais relacionada às ações políticas
diferenciadas do movimento LGBT.
● Transgénero: 1) Termo abrangente que inclui qualquer pessoa que, por
qualquer razão, não se identifica com o género associado ao sexo que lhe
foi atribuído à nascença. Pode, ou não, fazer algum tipo de transição. 2)
Terminologia utilizada que engloba tanto as travestis quanto as
transexuais. É um homem no sentido fisiológico, mas se relaciona com o
mundo como mulher.
● Transsexual: Termo médico, que data de 1850, criado para referir as
pessoas que desejam que o seu sexo biológico corresponda à sua
identidade de género, mudando assim o seu corpo através de hormonas
e/ou cirurgias. Refere-se a indivíduos que não se identificam com o género
associado ao sexo que lhes foi atribuído à nascença. Frequentemente
descrevem sentir disforia de género e fazem algum tipo de transição com o
objetivo de aliviar essa disforia.
● Transexuais: São pessoas que não aceitam o sexo que ostentam
anatomicamente. Sendo o fato psicológico predominante na

27
transexualidade, o indivíduo identifica-se com o sexo oposto, embora
dotado de genitália externa e interna de um único sexo.
● Travesti: 1) Pessoa que se veste com roupas do sexo oposto por prazer
ou diversão. Um travesti não é necessariamente um homossexual. Em
Portugal, o termo é usado para designar drag queens ou crossdressers,
indiferentemente. 2) Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino,
mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico,
assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade.
Muitas travestis modificam seus corpos por meio de hormonioterapias,
aplicações de silicone e/ou cirurgias plásticas, porém, vale ressaltar que
isso não é regra para todas (definição adotada pela Conferência Nacional
LGBT em 2008). Diferentemente das transexuais, as travestis não desejam
realizar a cirurgia de redesignação sexual (mudança de órgão genital).
Utiliza-se o artigo definido feminino “A” para falar da Travesti (aquela que
possui seios, corpo, vestimentas, cabelos, e formas femininas). É incorreto
usar o artigo masculino, por exemplo, “O“ travesti Maria, pois está se
referindo a uma pessoa do gênero feminino. Definição fornecida pela
Articulação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA.

Com essas novas leituras do espaço espera que a partir do acesso a informação,
os termos sejam socialmente empregados da maneira correta, para que não haja
a falta de respeito para com o próximo.

28
3. DISCENTES LGBT+: ESSES CORPOS PERTENCEM A
ESCOLA? SUAS HISTÓRIAS O QUE PRODUZEM?

Pretendemos aqui analisar e problematizar as narrativas dos sujeitos


colaboradores e que fazem parte do grupo LGBT+ e que nos remete às suas
histórias de vida, experiências, as leituras das práticas pedagógicas e dos
documentos legais para o ensino de Geografia, como as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC)

3.1 O que o migrar muda na minha história de vida?

Sabemos que os estudantes, como sujeitos da história ao chegarem no sistema


educacional trazem consigo, suas histórias de vida, suas leituras de mundo Freire
(1996) e formações pré-concebidas do espaço habitado, e que, a partir disso,
começam a experienciar o mundo da maneira que lhes são permitidas.

Assim, também acontece com os estudantes que são LGBT+, pois suas
experiências, em certos pontos, se tornam diferenciadas dos demais estudantes,
já que a escola e os cotidianos escolares, ao estar inserida numa sociedade, que
carrega boa parte dos estigmas sociais do que se entende como “certo e errado”,
perpassa enquanto instituição, tais regras normativas, como por exemplo: padrão
de beleza, os papéis que socialmente são atribuídos a figura masculina e
feminina, e também, os padrões heterossexistas de comportamento sexual.

A partir das narrativas dos estudantes colaboradores (Letícia, Gabriel, Gael,


Bernardo, Bianca e Tracy) evidenciaremos como suas histórias de vida e
formações familiares e sociais, contribuem para seus caminhos escolares, ora por
ser de maneira negativa e ora de maneira positiva.

Com as narrativas, experiências e histórias de vida dos sujeitos e corpos que


colaboraram com a pesquisa, percebemos que ao migrarem para outros âmbitos
escolares, migram também as incertezas, medos, opressões e segregações.

29
Letícia: - [...] Eu depois de todos esses anos do Ensino Fundamental I, conclui
esse primeiro ciclo e tive que mudar de escola, indo para uma escola que tinha o
Ensino Fundamental II e sucessivamente para o Ensino Médio. [...]

Gael: - [...] No fim do Ensino Fundamental I entre a 3ª e a 4ª série, eu tive a


primeira experiência enquanto terceiro de LGBTfobia, havia um outro menino da
mesma idade que eu, nisso todos os outros estudantes tiraram chacotas ou
agrediram ele, como espectador eu incentivava as práticas opressoras, pois
acreditava que isso era o certo. Quando eu vou para outra escola esse primeiro
ano é muito tranquilo. [...]

Bernardo: - [...] Com a chegada do fim do Ensino Fundamental, tenho que mudar
de escola novamente tive que procurar a minha atual escola que é de Ensino
médio. [...]

Após esse momento de migração e reinvenção do espaço, o processo de


ressocialização dos territórios é o que possibilita a existência de novas
perspectivas de vidas, ocasionando assim mudanças, onde com essas novas
configurações, elas e eles, enquanto parte de uma instituição, tendem a vivenciar
novas experiências, a existência e resistência para que suas trajetórias de vida
sejam de “corpos de sucesso”.

As narrativas abaixo nos fazem pensar o que ambos esperam desses novos
ambientes:

Letícia: - [...] Meus dois primeiros anos, foram bem tranquilos já que até então não
havia visto nenhuma manifestação de preconceito aos LGBT+ e também não me
lembro se havia até esse momento indivíduos assumidos ou pessoas que eram
tachadas como tal. Já quando eu chego a 7ª série e encontro uma nova estudante
que estava na minha sala, eu mudei a minha percepção de amor. [...]

Gabriel: - [...] Quando eu cheguei no 1º ano do ensino médio, acreditava que as


coisas poderiam mudar e eu esperava muito que isso acontecesse. Mas, isso logo
de cara não acontece. [...]

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Bianca: - [...] Após isso eu utilizo minhas redes sociais - facebook, twitter, entre
outras - para desabafar e relatar minha indignação com o caso que comigo,
mesmo sabendo que nada mudaria nessa escola onde eu estava, já que era meu
último ano ali e que no ano seguinte eu deveria ir para uma nova escola. [...]

Tracy: - [...] Depois que eu terminei a 8ª série e meus pais vendo o que estava
acontecendo decidem mudar junto comigo para uma outra cidade e por isso a
gente veio morar na Região da Grande Vitória (ES), já que aqui, mesmo sabendo
que também poderia ser díficil eu sentia que as coisas poderiam ser diferentes.[...]

Esses dois processos que foram evidenciados, criam reações em cima destes
corpos já que eles ocupam e habitam o espaço/território, e, partir disso, as
formações pré-concebidas, suas leituras de mundo dialogam com a escola e seus
cotidianos, isso fica evidenciado na fala de Oliveira (2007).

Nosso maior educador dizia que a leitura do mundo precede a


leitura das palavras e que o importante no ensino/aprendizagem
da leitura é o diálogo com a leitura de mundo dos alunos. Esse
diálogo, ainda segundo Paulo Freire, não só potencializaria a
aprendizagem da leitura em si como permitiria aos educandos
irem reconstruindo seus modos de estar no mundo, em razão da
melhor compreensão que atingiria a respeito deste mesmo
mundo. (OLIVEIRA, 2007, p. 48).

A partir disso “o migrar” e “o que vem depois?” se tornam importantes para a


construção desses sujeitos, pois a todo momento, se encontram em processos
formativos formais e informais de conhecimento, e, devido a essa acepção, os
olhares dos educadores para os educandos devem realçar, sua construção de
cidadania. Quando os estudantes estão nos seus processos de autoconhecimento
é um momento crucial para determinar suas trajetórias, tanto dentro do
movimento gay, quanto socialmente.

Leticia: - [...] Quando eu percebi que minha noção de amor ou gostar de pessoas
mudou foi aí que as coisas começaram a ficar boas, pois eu estava gostando de
alguém, mas ao mesmo tempo amedrontadora já que por ter presenciado
agressões no passado comecei a achar que isso ia acontecer comigo. A partir
desse momento começo a me perguntar como e por quê estava gostando de uma

31
menina? Nesse meio tempo nós começamos a nos aproximar. E isso se torna
muito importante para mim já que aí eu me afirmo lésbica mesmo que dentro do
armário. [...]

Gabriel: - [...] Mesmo eu tendo me descoberto e me aceitado gay ainda tive que
manter isso meio que escondido, pois enquanto espectador eu presenciei um
agressão a outro LGBT+ e isso foi muito significativo. [...]

Gael: - [...] Depois quando o ano acaba e eu vou para 6ª série, eu começo a ser
alvo de comentários acerca da minha sexualidade, pois quase todos os meninos
da minha sala estavam na fase da “paquera” e eu ainda não tinha “perdido o BV”
e por isso passo a ser chamado de “viadinho”, “bicha” e dentro outros e isso
começou a me deixar com dúvidas para saber se eu realmente era gay, tempo
depois isso quase chegando no Ensino Médio eu aceito que sim sou gay. [...]

Bernardo: - [...] Nesse processo de mudança de uma escola para outra e com
várias outras coisas acontecendo na minha vida pessoal, isso tudo é o que
possibilita a minha descoberta de mim mesmo, admitindo a minha
bissexualidade.[...]

Bianca: - [...] Quando eu ainda estava no ensino fundamental, isso na 8ª série em


uma certa publicação eu me assumo Bissexual e aí que eu começo a sofrer
diretamente com o preconceitos, pois havia muitos comentários negativos como
“Para com isso sua escrota, vai caçar macho para você” - disse uma das meninas
que estudavam comigo, outra garota disse “- Vira gente e para de safadeza”, um
dos meninos da minha sala disse “ - Isso aí é para chamar a atenção?”. Isso me
deixou bastante amedrontada e receosa e por isso quando eu cheguei no Ensino
Médio eu decido encarar a realidade e ser quem eu sou. [...]

Tracy: - [...] A minha trajetória de vida enquanto mulher trans começa muito cedo,
mas só lá na 7ª série eu entendo que realmente não era um menino, mas sim
uma menina, só que a 4 anos atrás não sabia o que fazer, sendo que meu corpo

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tinha os traços e trejeitos que dialogavam com a minha identidade de gênero, mas
não sabia o que fazer para me projetar para a sociedade. [...]

Então, esse processo de autoconhecimento para esses corpos dialogam com as


palavras de de OLIVERIA que diz:

A compreensão de que as formas de ver o mundo são


desenvolvidas a partir das experiências sociais, embora quase
lugar-comum nos discursos hegemônicos sobre a construção das
subjetividades e identidades individuais e coletivas, infelizmente
não se tem feito acompanhar do devido aprofundamento quando
se trata de buscar compreender em que condições concretas de
possibilidades se inscreveram os diferentes fazeres docentes e
discentes nos cotidianos das diferentes e incontáveis escolas dos
diferentes sistemas de ensino. (OLIVEIRA,2007,p.49)

E com isso pensamos como é fundamental que o fazer educativo e a formação


docente mantenham as relações de respeito e de convivência, para garantir a
existência de vida em sua diferença e diversidade.

Essa busca por diversidade é o que vai tornar os corpos dos estudantes LGBT+,
juntamente com suas história de vidas e formações pré-concebidas de todo um
meio, gerando assim, ambientes de resistência, para que suas vidas sejam
asseguradas durante o processo de escolarização e nos cotidianos escolares.

Então, para que possamos visualizar sempre os corpos de sucesso, precisamos


pensar que esses sujeitos e corpos tenham suas projeções de vida como é
evidenciado na fala de uma das nossas colaboradoras, temos a seguir:

Tracy: - [...] Mesmo que eu ainda esteja no 2º ano do Ensino Médio, quero muito
fazer um curso de ensino superior, penso ainda mais alto quero que ele seja na
Universidade Federal do Espírito Santo e no curso de Direito ser a primeira
Estudante Transsexual do Curso e isso eu tenho muito que agradecer as/os
minhas/meus professoras/es, pois muitos deles hoje me compreendem e torcem
por mim o fato delas/es acreditarem também permite que eu acredite que sou
muito capaz.[...]

33
Dessa maneira, ao entender a formação de um sujeito como um processo
contínuo e infindável, se possibilita para que mais projeções, como a anterior,
sejam produzidas em cotidianos escolares, como diz OLIVEIRA.

Indo ainda mais longe, se a busca é, como já foi dito, por


descobrir/inventar novos modos de ver/ler/ouvir/sentir o mundo e
dos diferentes fazeres/saberes/valores e emoções que nele
circulam e dialogam é preciso correr riscos. [..] (OLIVEIRA,2007,
p.57)

Sendo assim precisamos incentivar as descobertas, novas experiências e


vivências para que só assim obtermos “bons frutos”, “boas histórias de vida”, para
as próximas gerações se sentirem seguras da sua existência.

3.2 A esfera das Práticas Pedagógicas ao corpo discente LGBT+

As narrativas dos estudantes perpassam as práticas pedagógicas, que de acordo


com Freire (1996), o ponto de partida de toda prática educativa é a realidade
assim como o meio existencial. A realidade resulta da experiência vivida, a
referência como agente transformador das relações econômicas, políticas e
sociais, sendo o momento reflexivo da práxis.

A escola e os cotidianos escolares compõem diferentes realidades, participando


de uma perspectiva, que até então não incorporava quaisquer outros agentes,
senão aqueles que pertencem ao meio, de modo dualista: os professores e os
funcionários da escola, de um lado, enquanto distinto - os estudantes.

De acordo com Freire (1996), não é o translocar do conhecimento, e sim


compreender que as práticas educadoras possibilitam o ser, no caso o aluno, à
criação desse conhecimento, partindo contra quaisquer reproduções de educação
bancária, corroborando a hierarquia do sistema. Ao propiciar o próprio aluno a
ser-pesquisador, prolongamos a formação da sala de aula para além - formando
também um cidadão sendo contrário ao pragmatismo de mão-de-obra
especializada.

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bell hooks (2013) realça a diferença entre a educação como prática de liberdade,
e a educação que só trabalha para reforçar a dominação. Cuja prática docente
atualiza o aluno, reforça a importância da participação, convocando-o ativamente
a agregar dentre os espaços construídos, que o espaço da sala de aula seja um
um local de transgressão. Onde tratar de conteúdos através de práticas dentro do
ambiente da escola com a finalidade de que nenhuma diferença, seja de gênero,
sexualidade ou etnia seja quesito para diferença no contexto do socializar.

A homofobia se faz presente nas narrativas dos estudantes e professores


repetidas vezes, e isso não é algo inovador que o trabalho apresenta, contudo
quais práticas pedagógicas permitem elaborar ou conceber a diferença entre as
que motivam perspectivas distintas?

Na maioria das vezes, os alunos e alunas se fazem discretos, escondem a sua


orientação sexual por receio do preconceito, agressões físicas. Como posso
apresentar uma temática de perspectivas distintas e destituir um conceito pré-
concebido erroneamente?

Como apresentar modos de vivenciar esse cotidiano escolar, sem que haja
traumas na premissa básica de aceitação no meio, ou mesmo reafirmação de
práticas de resistência? Por estes equívocos/indagações a escola e seu cotidiano
criam nesses indivíduos, uma desintegração social, um desestímulo para dar
continuidade a sua trajetória.

A ideia da contraposição, a convenção do aceitar o que não é tradicional-usual-


comum, o que não é desenvolvido pelo sistema. Uma linha de fuga, como
apresenta Freire (1996), reforça a ideia de um sistema educacional produzido por
um Estado, que ao transmitir uma propaganda de neutralidade religiosa, também
conhecido como laico se contradiz ao aderir a feriados de origem católica, cuja
religião patriarcal, eurocêntrica e machista não deveria ser atrelada a um sistema
de governo que que ordena ou não os dias letivos dentre um calendário. Essa
mesma religião transmite a ideia de rejeição a quem dela não participa. O
colaborador Gabriel nos conta no trecho a seguir um fato negativo que ocorreu
com seu irmão que o envolveu diretamente, vejamos:

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No ano passado quando estava no 2º ano, comecei a ver que a escola estava
tomando o rumo para se tornar mais representativa, pois havia um professor de
Sociologia assumidamente homossexual que tinha dentro das suas falas lições de
empoderamento para as minorias e aí o meu irmão que é um ano mais novo vem
estudar na mesma escola que eu, ele também é gay, logo quando ele chega ele é
agredido fisicamente e isso me envolveu diretamente já que era o meu irmão,
nisso eu tive que tomar partido e me assumir na família e tudo mais, depois disso
a escola por meio deste professor me possibilitou novas experiências e
descobertas e isso sem dúvida foi o melhor ano para se estar na escola, porque
eu fazia parte dela, eu queria estar ali.

Por intermédio das práticas pedagógicas de um professor, mesmo após um


agravante que foi a agressão sofrida pelo irmão do nosso colaborador, os alunos
passaram por uma readequação de perspectivas, havendo mais discussão.
Diante desta conversa, pode-se perceber que a escola e seu ambiente cotidiano,
por vezes se tornam espaços de opressão para indivíduos LGBTs, já que é
impressa por uma sociedade patriarcal onde a figura masculina e o trejeitos desta
figura são postos como referência padrão e têm que ser repassados como
socialmente justificáveis.

Além da influência de uma religião que reforça esses traços perante uma
sociedade que nada questiona, tudo aceita. Em contrapartida, ao se observar a
dinâmica dos oprimidos para “ocupar e resistir”, dá-se - de certa maneira - um
território sobre relações de poder alternativas, colaborativas e conjuntivas.

A infinidade das possibilidades que carregam o exercício do ensinar é como


mergulhar no mar, e cada gota representa uma dessas possibilidades. De acordo
com bell hooks, a experiência é um elemento que auxilia na recuperação das
vozes daqueles grupos de alunas e alunos, que tem as suas vozes silenciadas,
como mencionado anteriormente por não terem representatividade dentro do
âmbito escolar, muito menos serem convidadas a permanecer neste espaço.

Ela considera que todas levam para a sala de aula um conhecimento que vem da
experiência, e esta deva ser apresentada como um modo de conhecer que
coexiste com outras formas de conhecimento, sem hierarquias. Cabendo ao

36
educador não permanecer em vícios, estar sempre solicito a ideias que os alunos
são capazes de elencar.

Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos


tempos mulheres e homens perceberam que era possível
- depois, preciso - trabalhar maneiras, caminhos, métodos
de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras
palavras, ensinar se diluía na experiência realmente
fundante de aprender. (FREIRE, 1996)

A disciplina de Geografia realiza mediação com as relações sociais e meio onde


se habita, quando for tratar de questões sociais como por exemplo a migração,
demografia e assuntos ligados a essa parte da geografia da população é de suma
importância realizar a inserção dos indivíduos da comunidade LGBT, falando por
exemplo das novas configurações de família - entende-se como novas
configurações de famílias os casais homoafetivos.

A possibilidade de introduzir diferentes concepções, reinterar os conteúdos e


aplicá-los de maneira distinta os convida as práticas inerentes ao cotidiano. Ao se
tornarem componentes fundamentais no meio, o convite a buscar novas
questões, que sejam objeto de interesse dos mesmos, os quais avivariam a sua
curiosidade. Independentemente de macro-políticas constituintes, os modos de
resistências os quais lutaram por co-existir no cotidiano escolar aliando ao desejo,
a vontade, da possibilidade do transformar o espaço escolar, a opressão e dentre
os muros da escola, a negação.

A elaboração de projetos interdisciplinares, como o autor traz, como a amostra


cultural, a arte combatendo os clichês, sobrevivendo às opressões,
silenciamentos, medos, teatralizando a vida – Isso fica evidenciado na narrativa
de Gabriel no trecho a seguir:

[...] Os meus professores de Sociologia e Geografia resolveram realizar uma


apresentação que tinha como o objetivo protagonizar os LGBT+ e com essa
abertura, depois de todo o projeto ser desenvolvido tivemos uma amostra de uma
performance de uma Drag Queen que é interpretado por um dos meus colegas da
escola, para melhorar ainda mais a situação foi muito bem acolhida e elogiada por
boa parte da escola. [...]

37
Na perspectiva do humano, do viver: tudo que não é visto, consequentemente é
esquecido, deixado de lado. Em contrapartida a isso, o evento cultural
apresentado na escola evidencia os personagens que se encontram às margens,
sem o enfoque, sem a luz e o texto principal de uma peça de teatro. O
protagonista possui referências de representatividade - transformando-a em uma
antidisciplina. Manifesto em que a representatividade deve se manter além do
âmbito escolar, ou seja, a partir dessas discussões/conversas na escola que elas
possam ser redirecionadas de formas direta e indiretamente para a nossa
sociedade como um todo. Que sejam levadas para fora dos muros das escolas e
protagonizem a história de cada marginalizado, desde que seja de seu juízo.

É de suma importância que os processos pedagógicos fomentem práticas


inovadoras, elencando elementos políticos e pedagógicos que fazem jus, à luta
política e social do grupo LGBT, ou seja, pensando essas problemáticas de modo
transversal, nos currículos, nos conteúdos, na formação e nas relações
cotidianas, neste “espaço” escolar machista.

A narrativa do Gael é onde uma discussão pautada na violência convidou-os à


coordenação escolar para esclarecimentos. Ele nos conta a seguir como tudo
aconteceu, vejamos:

[...] Logo depois que eu saí da minha escola do Ensino Fundamental eu já sabia
que eu era gay e diante disto não aceitaria mais passar por situações de
preconceito e discriminação, então quando eu chego na minha atual escola
decido me posicionar e me autodeclarar homossexual, prometi que isso me
fortaleceria e com isso eu esperava fortalecer meus iguais, só que isso não
aconteceu, pois logo de cara na primeira semana eu me deparo com uma cena de
agressão e bullying com um outro garoto que eu acredito que também era LGBT+,
isso me causou uma revolta muito grande e acabei partindo para cima dos
verdadeiros agressores e isso tornou-se uma briga coletiva. Nisso de me envolver
com essa briga fomos todos parar na coordenação da escola para explicar o que
havia acontecido então comecei falando que os agressores estavam batendo no
outro menino a troco de nada e fui severamente interrompido pela coordenadora e

38
ai no fim das contas todos nós pegamos suspensão só que eu tomei 5 dias de
suspensão e quem estava de fato batendo pegaram apenas 3 dias. Isso me
revoltou muito mais do que o fato da agressão ter sido com outro LGBT+, ai eu
peguei e fui para o refeitório da escola subi em cima de uma das mesas e
comecei a gritar pra todo mundo ouvir EU SOU GAY E A ESCOLA É
HOMOFÓBICA, tinha muita gente sem entender nada do que estava acontecendo
e outras pessoas começaram a gritar “tô nem aí”, “você deveria ter apanhado
mais para ser homem” ai chamaram meus pais na escola para contarem o que
havia acontecido. [...]

Após isso percebe-se que a escola e os cotidianos escolares, mais uma vez,
cumprem com um papel opressor que se perpetua por anos na sociedade, mas
isso não o deixa menos motivado para ser reconhecido enquanto um corpo que
pertence aquele espaço/lugar. Em outra de suas narrativas, Gael relata um
relacionamento que se desenvolveu com sua professora de Língua Portuguesa,
veja a seguir:

[...] Depois de tudo o que aconteceu eu me aproximei da minha professora de


Língua Portuguesa, que diga-se de passagem é uma das melhores pessoas
daquela escola, e aí nesse vínculo que eu desenvolvi com ela pensei e propus a
ela uma ideia de fazermos algo que fosse voltado para os LGBT+, aí eu pensei
em relações homoafetivas e as novas configurações familiares. A equipe
pedagógica aceitou de imediato, a qual obteve uma certa resistência em aceitar a
temática no episódio anterior. Após a explicação em conjunto com a professora,
onde dizemos que o intuito era mostrar para os demais que há novos tempos,
novas famílias e que não devemos excluir as pessoas por coisas que elas não
escolhem, acabou que pelo menos a grande maioria de pais e alunos foram bem
tranquilos. [...]

bell hooks (2013) salienta que a experiência é criada a partir da dor, da luta e da
exposição de algumas feridas e serve para guiar as jornadas teóricas. Com isso,
bell hooks desconstrói o conceito de voz privilegiada da autoridade. A
territorialização do espaço escolar exerce seu poder, a partir do momento da
representatividade do comportamento, como um engajamento contra o

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estereótipo perfeito do homem branco contra quaisquer minorias sedentas por
representatividade.

A distinção na formação dos professores é evidente a partir do momento em que


percebe-se uma diferença nas relações nos cotidianos escolares. De maneira
geral, os professores das áreas de humanas, citados anteriormente, cumprem
com seu papel de se tornar um agente formador crítico-social, dando aos
cidadãos em formação perspectivas de vida digna.

Se tratando da disciplina de Geografia, a colaboradora acredita que no ensino


desse conteúdo, os professores podem e devem contribuir na formação de
cidadãos e cidadãs que respeitem as diferenças e que se tornem mentes críticas.

No caso específico da sua relação com o professor de Geografia ela conta que
ele por vezes se abstém de assuntos como esse, pois como ele mesmo diz
“prefiro me manter neutro para não causar intrigas entre vocês”, ela afirma que
esse posicionamento só contribui para criar na escola um espaço de exclusão e
não de inclusão e afirmação. Realçando a influência de poderes dentro do
ambiente escolar, uma vez que a transposição de ideias e preconceitos.

Ao analisar toda a narrativa, percebemos os papéis de cada agente que


compõem o cotidiano escolar, e que na maioria das vezes a escola se faz
ambiente de opressão e de maneira explícita seja pelo ato dos seus discentes,
seja pelo posicionamento de sua equipe pedagógica realizando a manutenção de
um modelo eurocêntrico de sociedade, imprimindo papéis indissociáveis do que
seria um figura masculina de poder e suas ações.

Mas, ao encontrarmos sujeitos, como o colaborador que se dispôs a encarar tais


fobias, ela tornasse um ambiente de resistência, proporcionando aos envolvidos
modos e maneira de se reinventar, precisando a todo momento se auto afirmar e
lutar por seu espaço.

“Creio poder afirmar, na altura destas considerações, que toda


prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que,
ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu
cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem
ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas,
de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivo,

40
sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem
a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra.”
(FREIRE, 1996)

As vivências apresentadas pelos professores iniciaram um processo de


desconstrução do senso comum, a escola se tornou um espaço para produzir
aceitação, mesmo que ainda houvesse a máscara do preconceitos em alguns
estudantes, alguns professores e dentro outros a importância de trazer para a
escola essas discussões é que vidas podem ser salvas.

Quando direcionamos a conversa para as disciplinas escolares, ele garante que


quase todos os professores debatem sobre diversos temas e inclusive o dos
LGBTs, segundo o mesmo, as vezes rola de terem umas piadinhas de cunho
machista ou homofóbico, contudo, é raro conceber uma formação dos professores
que compõem o corpo docente das escolas e atuam de modo concernente a uma
prática educativa inclusiva a todos discentes sem nenhuma distinção.

A ideia de perpetuar o ambiente de conscientizar dentro do cotidiano escolar, de


reproduzir como um espaço de lutas, de vivências, entrar em contato com o tabu
do preconceito e fazer com a ferramenta da desconstrução todo um processo de
resistência.

Ao se tratar do ensino de Geografia, o mesmo levanta que ela precisa ser


reinventada para cada vez mais abarcar toda e qualquer interação social, trazer
para a sala de aula a possibilidade de discutir a criminalização da LGBTfobia, as
novas configurações familiares, se pensar em garantia de cidadania, e quando ele
pensa na reforma do ensino médio diz ser totalmente contra a mesma, já que ela
tira do estudante o direito de aprender a ser cidadão e exercer sua cidadania.

Segundo a narrativa da aluna colaboradora Letícia, vemos suas projeções de


futuro, por mais que sua trajetória tenha sido marcada por diversas situações
negativas, vejamos a seguir:

[...] Mesmo que por vezes eu tive que me sujeitar a algumas situações, como ter
abandonado a escola por mais de três anos, ouvir também da minha família que
eu também não seria ninguém digno, hoje depois de tudo no EJA (Educação de
Jovens e Adultos) foi onde eu me reencontrei e criei expectativas e sonhos para

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minha vida, exemplo disso é o fato de eu querer ser Professora de Sociologia,
para tentar mudar o ambiente escolar que eu estiver presente, realizar com meus
alunos que passarem por situações que eu passei aquilo que nenhuma outra
pessoa foi capaz de fazer. [...]

Trazendo aspectos educacionais deste novo ciclo, na qual a mesma se insere, ela
faz apontamentos que são de extrema relevância, ela traz que por se tratar de
EJA a seguridade da efetivação das disciplinas não ocorre, deixando assim a
mercê temáticas como esta da pesquisa. Isto submete as relações críticas-sociais
do ensino a uma relação conteudista, não conscientizando os cidadãos para
serem mais compreensivos e tolerantes, para não criar situações como as que
aconteceram com essa estudante.

3.3 O que as DCNs, BNCC, DNEDH e a LDB nos dizem sobre a esfera
discente dentro do grupo de minoria dos LGBT+?

De acordo com a LDB (1996), o sistema educacional abrange os processos


formativos que inclui a família, as relações humanas, sociais e culturais cabendo
a escola não apenas assegurar a permanência desses indivíduos bem como criar
meios para sua permanência, esse é sim um trabalho em conjunto e de diferentes
personagens.

Na narrativa do estudante Bernardo, encontramos algumas vozes bastante


recorrentes, do tipo: “esse daí vai dar trabalho quando crescer”, “cuidado ele pode
acabar usando vestido se continuar assim”. Narrativas essas que eram ditas à
sua mãe, por pessoas da escola e, por outros responsáveis por outras crianças
da pré-escola. O que verificamos é uma omissão vinda de diversas vertentes e
territórios, que não só impedem tais julgamentos como também os produziam ao
próprio estudante.

Novamente a escola, o cotidiano escolar e as práticas pedagógicas se tornam


propícias para a manutenção de modelos de opressão sexual e cerceamento da
liberdade de expressão, onde nesse caso, o corpo de uma criança, que não

42
entende as regras ditadas por essa sociedade, é violado, não garantindo a
possibilidade de se expressar livremente.

Essa parte de sua trajetória é marcada principalmente por novas agressões,


dando cada vez mais espaço para o medo, tornando-o prisioneiro de um sistema
socialmente aceito. Ele relata, que às vezes conseguia se livrar das agressões,
por conta de trocas que ele se submetia, por exemplo, ao fazer trabalhos e lições
de casa, para ter ao menos momentos de “paz”.

Ao contextualizarmos e probletizarmos as experiências e narrativas, com o que


está previsto na forma da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente, é possível verificarmos que o que dispõe
no artigo 4, que diz:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder


público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990)

O artigo seguinte é ainda mais preciso e sujeito a punição, assim descreve:

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma


de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais. (BRASIL, 1990)

A Base Nacional Comum Curricular - BNCC, que se diz construída com base nos
princípios de equidade e igualdade, e com as inúmeras ressalvas que lhe são
atribuídas, reconhece a pluralidade e diversidade presente nas escolas e afirma
que a experiência escolar deve ser “acessível, eficaz e a agradável a todos, sem
exceção, independentemente de aparência, etnia, religião, sexo ou quaisquer
outros atributos, garantindo que todos possam aprender (BRASIL, 2017, p. 11)”.

E ainda seguindo o princípio de equidade, reafirma seu compromisso de reverter


a situação de exclusão histórica, que marginaliza muitos grupos minoritários. O
documento aponta “que a educação tem um compromisso com a formação e o
desenvolvimento humano global, em suas dimensões intelectual, física, afetiva,
social, ética, moral e simbólica”. (BRASIL, 2017, p.12)

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É garantido por lei e cabe também ao Estado criar políticas públicas que
perpassam as variadas formas de expressão e evidencie a multiplicidades
presentes na escola, ao invés de criar um ambiente de repressão e controle. Para
Gomes (2016), as normas tradicionais nas quais a escola está pautada, dificulta a
negociação contemporânea com os variados corpos e seus complexos cotidianos,
é o que a acontece muitas vezes, e também a invisibilidade dos conflitos,
atribuída a um falso bem-estar no ambiente escolar.
Os problemas presentes nos cotidianos escolares, como a intolerância, o
machismo, as fobias relacionadas com as perseguições às minorias,
acabam ajudando a produzir um discurso que busca configurar as
escolas com espaços-tempos contraditórios, muitas vezes por não
conseguirem lidar de maneira problematizadora com tais conflitos
(GOMES, 2016, p. 218)

Na narrativa a seguir, Bianca comenta sobre a omissão por parte de quem


deveria assegurar sua permanência naquele espaço.

[...] Eu sempre vi pessoas sendo discriminadas por serem homossexuais e a


grande maioria das agressões ocorriam com meninos e em um desse atos de
violência foi com o meu amigo e eu lembro disso até hoje foi uma das coisas que
eu jamais esquecerei, foi quando eu estava na 3ª série e nesse dia toda a escola
tinha saído mais cedo, nisso um grupo de garotos saiu correndo na frente
enquanto eu e meu amigo estávamos andando para a rua da escola, uma quadra
depois da escola eles nos cercaram, me seguraram e bateram nele sem piedade,
e antes deles irem embora segundo ela os mesmo falam “se você contar alguma
coisa a próxima é você”. [...]

Para o Gabriel, situações de exclusão e discriminação, são narradas:

[...] Lembro que quando eu estava na pré-escola para primeira série, tinha uma
professora que sempre usa falas do tipo “não anda rebolando”, “para de brincar
com as meninas, vai brincar com os meninos”, “Ah! Mas você não pode fazer isso
só as meninas que podem” e sempre que vinha “elogios” era falas como “nossa
sua letra é muito bonita para ser de menino”, ou seja, a todo momento eu era
visto como uma garota e é como se isso fosse ruim. [...]

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Com isso, observa-se não somente a repressão num estágio onde o ser infante e
a própria infância do sujeito. Ele lembra que não entendia o porquê desta
professora o tratar assim, uma vez que nas ocasiões narradas, ainda não tinha as
noções de sexualidade e gênero. Gomes (2016) considera a escola, como um dos
espaçostempos que atua na formação dos indivíduos, tanto no sentido do
profissional, quanto no desenvolvimento e na constituição de sujeitos críticos e
sociais. Por isso também se constitui como um espaçotempo de conflitos de
gênero, de diversidade cultural, étnica, racial, sexual, entre outros, em que o
estudante permanece durante um longo período de suas vidas. (GOMES, 2016, p.
217)

Em um outro trecho do relato de Bianca, são narrados momentos de despreparo


ainda maior, por parte da escola, para lidar com a situação, pois depois da
violência que seu amigo sofreu, eles voltaram para a escola em busca de ajuda.
Estando lá, a equipe pedagógica entrou em contato com seus os responsáveis
para que pudessem retornar às suas casas, enquanto aguardavam a equipe da
escola, entender o que havia acontecido. Ao relatar que foi sem motivos, Bianca
percebe, que as pessoas naquele ambiente soltam frases como também desse
jeito que ele se comporta, é claro que ele é mais frágil, ou também, se agisse
como um homem menino, isso não ia acontecer.

Nota-se culpabilizando a vítima e deixando evidente seu posicionamento político e


pedagógico de manter realizando a manutenção dos papéis pré-designados pela
sociedade heteronormativa e heterossexista.

Segundo Bianca, após o ocorrido, a escola dirigiu-se aos responsáveis, se


isentando da sua parcela de responsabilidade, alegando que a agressão houvera
ocorrido fora dos “muros” da escola. Os familiares da vítimas das agressões
ficaram indignados, mas segundo ela a escola ficou isenta.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica – DCNs, sinalizam a


necessidade de “problematizar o desenho organizacional da instituição escolar,
que não tem conseguido responder às singularidades dos sujeitos que a
compõem”, faz-se urgente a necessidade de políticas públicas que atendam
grupos compostos de: “pobres, mulheres, afrodescendentes, indígenas, pessoas

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com deficiência, as populações do campo, os de diferentes orientações sexuais,
os sujeitos albergados, aqueles em situação de rua, em privação de liberdade”.
(BRASIL, 2013, p. 16)

Dentro deste documento encontramos as Diretrizes Curriculares Nacionais para o


Ensino Fundamental, que no item dos fundamentos, aborda a questão do direito a
diferença:

O direito à diferença se manifesta por meio da afirmação dos direitos das


crianças, das mulheres, dos jovens, dos homossexuais, dos negros, dos
indígenas, das pessoas com deficiência, entre outros, que para de fato
se efetivarem, necessitam ser socialmente reconhecidos. (BRASIL,
2013, p.105)

Em busca de tratamento igualitário “espera-se que a escola esteja atenta a essas


diferenças, a fim de que em torno delas não se construam mecanismos de
exclusão que impossibilitem a concretização do direito à educação”. (BRASIL,
2013, p. 105).

Giroux (apud SILVA, 2011, p. 55) vai buscar no conceito de resistência, novas
alternativas de análise do currículo e educação. Ele sugere que a ações humanas
que interferem no currículo e na escola, lutem contra os desígnios das classes
dominantes, o que ele denomina de uma pedagogia da possibilidade.

É esse destaque à resistência, que para Giroux, dará possibilidade aos


professores/as e estudantes moldem o currículo, e que esse seja politizado e
crítico aos arranjos e crenças dos grupos dominantes. Os currículos funcionam
então, como ferramentas de emancipação e libertação. Os processos
pedagógicos contribuíram com a emancipação social e a formação política e
cidadã das pessoas.

Na experiência narrada por Gael são mencionados acontecimentos como o seu


momento de chegada na escola de ensino fundamento em que ele cursou todo o
ensino fundamental. Inicialmente as coisas correram muito bem, mas que em
determinados momentos, ele começou a presenciar e a sofrer com os processos
opressores da escolarização. Processos esses dolorosos, já que por vezes,
outras ações de agressões ficavam impunes.

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Isso fez que ele mantivesse em segredo quem ele realmente era, e os processos
de homofobia foram cada vez mais existentes em sua vida escolar. O mesmo
mantinha em segredo essas experiências homofóbicas, já que a escola nunca
realizou nenhuma ação para punir ou repudiar as agressões que aconteciam.

Gael se viu num dilema: contar para a família suas experiências homofóbicas
vividas nos cotidianos escolares, e expor assim sua sexualidade, ou, se manter
no silêncio. Diante dessa situação, conviveu no silêncio até o fim do ensino
fundamental na 8ª série, já que não havia percebido uma representatividade, uma
fonte de combate a essa opressão.

A narrativa do Gael assim como dos demais estudantes não condizem com o que
está nos documentos curriculares, como é o caso das Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos, que abarca uma série de concepções e práticas,
que promovem a defesa da vida e orienta que todos atores, do ambiente escolar,
façam parte desse processo (BRASIL , 2013, p. 516). Assim descreve o texto:

[...] todas as pessoas, independente do seu sexo; origem nacional,


étnico-racial, de suas condições econômicas, sociais ou culturais; de
suas escolhas de credo; orientação sexual; identidade de gênero, faixa
etária, pessoas com deficiência, altas habilidades/superdotação,
transtornos globais e do desenvolvimento, têm a possibilidade de
usufruírem de uma educação não discriminatória e democrática.
(BRASIL, 2013, p. 516)

A igualdade de direitos é um dos Princípios da Educação em Direitos Humanos,


que considera:

[...] respeito à dignidade humana, devendo existir em qualquer tempo e


lugar, diz respeito à necessária condição de igualdade na orientação das
relações entre os seres humanos. O princípio da igualdade de direitos
está ligado, portanto, à ampliação de direitos civis, políticos, econômicos,
sociais, culturais e ambientais a todos os cidadãos e cidadãs, com vistas
a sua universalidade, sem distinção de cor, credo, nacionalidade,
orientação sexual, biopsicossocial e local de moradia. (BRASIL, 2013, p.
522)

Cabe a nós perguntar, como que, com tantos documentos e até leis que se
opõem à discriminação, ainda temos tantos relatos como os do Gael, Bianca,
Gabriel e Bernardo? Onde estão as pessoas de deveriam se opor e repreender
essas práticas? De que adianta uma pilha de papéis e palavras, se na prática, nos
cotidianos escolares, eles não são utilizados?

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Para a estudante Leticia, todas as belas e bem escritas citações dos documentos
que vimos até o momento, não a impediram de sofrer, durante anos, por um
sentimento que ela não escolheu ter, um sentimento que só diz respeito a ela e a
sua companheira.

Leticia procurava em diversos locais, inclusive na escola, alguém para que


pudesse confiar e contar seu segredo, nesse momento, ela tem como referência
sua professora de Ciências, que naquele ano tratará em sua disciplina, as
questões ligadas a sexo e órgãos genitais (masculinos e femininos). Ela
acreditava que ao conversar com esta professora, as coisas poderiam tomar outro
rumo. Mas, ao procurar essa professora, ela desiste de contar, pois ao chegar na
sala dos professores, a mesma escuta piadas em tom de chacota relacionada aos
LGBT+.

Realmente é muito comum, por parte de alguns professores (e da escola), achar


que só o conteúdo de Biologia, por tratar do corpo humano, deve também abarcar
as questões sexuais, sem problematizar a transversalidade da temática.

Os saberes críticos sobre a temática LGBT da Letícia foi constituído em outros


espaços de aprendizagem, como por exemplo: os intervalos conversando com os
professores (que também são LGBTs que compadecem a sua história), nos
corredores, ao ver outros alunos livremente demonstrando a sua afetividade e
encorajá-la a “ser quem ela realmente ela é”, mas, também pode dialogar
criticamente com essas problemáticas, nas disciplinas ligadas a áreas de
humanas, como exemplo, Literatura, História Geral e do Brasil, Redação e
Geografia Humana.

Bianca narra uma situação desagradável, que foi gerada a partir do preconceito à
diversidade sexual, ainda no ensino fundamental, para ser mais exato, na 8ª série.
Ela relembra que foi alvo de piadas e chacotas, pois ao criar uma conta numa
rede social (Twitter), acreditava ter a liberdade de falar ou publicar o que
quisesse, (o que de fato deveria ser garantido, já que a liberdade de expressão é
um direito). Foi quando ela se deparou com um perfil que tinha um teor mais
voltado para o público LGBT e começou a interagir com o mesmo.

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Relacionado a essa temática Gomes (2016) salienta-nos sobre o boom
tecnológico que vivemos, por meios das mídias sociais, mas, esses mesmos
mecanismos, são usados para crimes de ódio que se proliferam nas redes
sociais, envolvendo grupos minoritários das mais variadas formas, como
homofobia, a violência contra mulheres e as questões religiosas, que se replicam
nos espaçostempos das escolas. Por isso o autor afirma:

[...] não partilhamos, integralmente, da ideia de que estamos progredindo


ou mesmo evoluindo no que tange ao entendimento social e/ou a
garantia legal no que se refere ao direito de liberdade, de expressão e de
prática das sexualidades, que devem ser assumidas em suas diferentes
estéticas. (GOMES,2016, p. 219)

Na visão de Bianca a escola consiste, dentre outras coisas, num espaço de


convivência e de aprendizagem, e que, mesmo que ainda houvesse a máscara de
preconceito, tantos nos sujeitos que habitam os cotidianos escolares, como nas
práticas pedagógicas e materiais didáticos. Essas discussões e problemáticas são
fundamentais e podem salvar vidas.

Ações e projetos como os de Bianca são fundamentais, já que segundo Gomes


(2016), um gay é morto a cada 28 horas, somos líderes no ranking mundial de
assassinatos de transexuais e travestis, além do notório número de suicídios
entre essas mortes. Relativo a isso, vemos ainda, uma falta de informação e o
crescimento de segmentos conservadores, que tem causado ainda mais exclusão
para com esses indivíduos. (GOMES, 2016, p. 220).

Nos anos seguintes e até o presente momento, Bianca ela vem levantando a
bandeira da equiparidade, para que nenhum dos seus iguais sofram, com a
discriminação, seja ela racial, de gênero e sexualidade, econômica e dentre
outras. A partir da construção de projetos com suas professoras de História e
Artes, tentam dar a escola, uma característica de acolhimento e não de exclusão.

Para nossa outra colaboradora Tracy, o processo de reeducar sua família não foi
tão difícil, já que aos poucos ela foi tratando a diferenciação, entre quem ela é, e
do que ela gosta (entende a frase anterior como diferenciação entre orientação
sexual e identidade de gênero). Ao se tratar da escola, das suas amizades, dos
professores e de todas as outras coisas, foram muito mais difíceis tratar essas

49
questões, já que para todos, ela era uma pessoa do gênero masculino e gay.
Esse processo aconteceu dentro da sua escola de Ensino Fundamental, já que
até o 9º ano.

A narrativa de Tracy nos remete a abordagem da chamada Teoria queer, que


propõe problematizações das identidades sexual e de gênero, e como elas são
constituídas, e se posiciona, contra qualquer forma de normatização da
sexualidade. (GOMES, 2016, p. 227).

Para Silva (2011) num primeiro momento, o significado do termo queer, que
possui uma definição ambígua – depreciativa e positiva - em relação à
homossexualidade. Passando por discussões sintéticas acerca de gênero e
identidade, o autor ressalta que a teoria queer estende a hipótese da construção
social para o domínio da sexualidade, e que a identidade sexual é uma
construção social e cultural. O autor evidencia que:

O termo queer funciona como uma declaração política de que o objetivo


da teoria queer é o de complicar a questão da identidade sexual e,
indiretamente, também a questão da identidade cultural e social. Através
da “estranheza”, quer-se perturbar a tranquilidade da “normalidade”.
(SILVA, 2011, p.115)

Seus pais e familiares, vendo que sua trajetória naquele determinado espaço,
possivelmente seria extremamente árdua e difícil, decidem-se mudar para a
região metropolitana do Espírito Santo. Com isso Tracy chega a uma nova escola,
e, inicialmente ela pensa em esperar um ano para conhecer e mapear as novas
rotinas e as novas pessoas.

Ela inicia o 1º ano do Ensino Médio na rede particular de ensino, mas sua
experiência ali foi muito traumática, pois ela, por vezes, foi rechaçada pela
instituição ao usar o banheiro que condiz com sua identidade de gênero. Foi
agredida verbalmente por outros estudantes da escola, e sabia que tudo isso
ficaria impune, então, ela pede para a família a colocar em outra escola. Nesse
momento, muito antes do fim do 1º trimestre, ela retorna para a rede pública de
ensino. Nas palavras de Deleuze (apud GOMES, 2016, p.230), o que nos
incomoda e continua incomodando na educação:

50
[...] são as inúmeras tentativas de controle sobre o corpo que pulsa, de
formas de aprisionamento das ações que ousam romper com a inércia,
com as superfícies estriadas da escola, colocando em análise o atual
modelo de educação pautado por uma lógica que privilegia uma dada
hegemonia do pensamento e de comportamento. (apud GOMES, 2016,
p.230)

Mesmo com esse controle exagerado, ainda assim, existem aqueles considerados
rebeldes, inconformistas, insanos, infames, que no cotidiano da vida se
reinventam, com ou sem nossa permissão, e são essas vidas que pulsam nas
escolas rasurando clichês, do certo e do errado, do que pode ou não pode. Só
assim “vamos nos dar conta da importância de colocar em análise,
sistematicamente, os múltiplos processos que se constituem como
agenciamentos que produzem clichês sobre as sexualidades vividas nos
cotidianos escolares (GOMES, 2016, p. 230)”.

Ao analisar as experiências desta colaboradora, vimos que por vezes a escola,


enquanto instituição, que tem a obrigatoriedade de proporcionar aos estudantes o
conhecimento e uma formação de cunho crítico-social, por vezes se torna um
espaço de altamente opressor, marginalizando indivíduos que historicamente,
culturalmente e socialmente, já estão sendo excluídos da sociedade.

Hoje, cursando o 2º ano, ao ser reconhecida de fato como mulher, Tracy percebe
que as práticas dos professores tendem a mudar, pois querem garantir a sua
permanência. Para exemplificar, ela classifica que as matérias de humanas
(Geografia, História, Língua Portuguesa, Sociologia e Filosofia) tem como papel
mediar as novas esferas de diálogos.

Ao comentar a disciplina de Geografia e seu relacionamento com seu Professor,


Tracy diz que há o esforço em dialogar temáticas, com a proposição de discutir de
maneira didática, os posicionamentos da comunidade negra, da comunidade
LGBT, das mulheres na sociedade, na relação da divisão de classes.

Neste sentido faz-se necessário pensar em uma visão de currículo muito além
das propostas oficiais, para “entender que o cotidiano escolar aparece como um
espaço-tempo privilegiado de produção curricular” (OLIVEIRA apud GOMES
2016, p. 226). Ainda para esta autora:

51
O entendimento ampliado a respeito das múltiplas e complexas
realidades das escolas reais, com seus alunos, alunas, professores e
professoras e problemas reais, exige que enfrentemos o desafio de
mergulhar nestes cotidianos, buscando neles mais do que as marcas das
normas estabelecidas no e percebidas do alto, que definem o formato
das prescrições curriculares. É preciso buscar outras marcas, da vida
cotidiana, das opções tecidas nos acasos e situações que compõem a
história de vida dos sujeitos pedagógicos que, em processos reais de
interação, dão vida e corpo as propostas curriculares (OLIVEIRA apud
GOMES, 2016, p. 231)

Gomes (2016) ressalta qual deve ser nossa meta:

Que nosso objetivo maior não seja a busca pela norma ou


pelo que é considerado padrão, mas, que nossa intenção,
seja ampliar as possibilidades de se viver e ser a diferença
na vida, e na extensão do cotidiano que permeia os espaços
escolares. (GOMES, 2016, pg. 231)

Nessa busca os/as Professores/as aos poucos vão se reformulando e se


reinventado ao “professorar”, não somente para as maiorias, e também para
todos os indivíduos que compõem o cotidiano escolar.

52
4. DOCENTES E SUAS FORMAÇÕES SÃO IMPORTANTES PARA
SOCIEDADE ATUAL?

Os múltiplos contextos e espaçostempos de formação de professores e


professoras potencializam a criação de geografias menores nos cotidianos
escolares? Partindo do pressuposto que a escola, enquanto instituição moderna,
é fortemente influenciada pela cultura eurocêntrica, tradicional, conservadora e
heteronormativa, exclui e oprime aqueles sujeitos e corpos que não se
“enquadram” nos padrões impostos.

As análises das narrativas dos professores-colaboradores abordadas na


pesquisa, afirma uma ação de contingente rígidos, hierarquizados e
conservadores. Freire (1996) apresenta uma realidade onde, independente de
toda uma criticidade que formula as práticas pedagógicas e os documentos
oficiais anteriormente citadas - os quais orientam e normatizam as instituições de
ensino - não são contundentes ao acompanharem os pequenos avanços
presentes, como Lopes (2013) menciona na sua obra centrada na educação a
parcela da população estudantil de gênero.

Para Junqueira (2012), disciplinar é mais do que controlar: é um exercício de


poder, que tem por objeto os corpos e por objetivo, a sua normalização por meio
da qual, uma identidade específica é arbitrariamente eleita e naturalizada.

Oliveira aborda o quão imprescindível é a atenção aos preconceitos e às buscas


por práticas que se espera encontrar, em relação ao que já conhecemos do
cotidiano escolar, construído durante suas vivências e saberes no âmbito
emocional, cultural e epistemologicamente condicionadas, na medida em que,
para além da repetição dos esquemas hegemônicos de sua organização formal,
há, no cotidiano das escolas, saberes/fazeres/valores e emoções contra-
hegemônicos. (OLIVEIRA, 2007, p. 59)

53
4.1 Como as práticas pedagógicas possibilitam a vida e existência?

A educação é uma questão tão eloquente dentro das políticas públicas de um


país, e, ao mesmo tempo, é a base do que (de)(trans)forma ou não um cidadão, e
abordar o preconceito com os LGBT+ nos cotidianos escolares, nas práticas
pedagógicas e de formação docente, é ainda mais complexo, e podemos dizer,
transgressor.

Como as práticas pedagógicas cotidianas podem contribuir com o combate à


banalização da violência, e a normalização de ataques aos sujeitos e corpos
LGBT+? A escola negligencia há tempos debates que possuem o objetivo de
incitar uma reflexão política, e também pedagógica diante de problemáticas
relacionadas: a sexualidade, ao racismo, a pobreza, a violência contra as
mulheres. E em nível de gênero contextualizado, aos bullying's, LGBT+, outras
problemáticas existentes.

Venturi (2011) afirma que o preconceito contra os homossexuais existe para


maioria da população, ainda que de forma velada, e obviamente isso se reflete
nos cotidianos escolares e nas práticas pedagógicas. No que tange a legislação,
o referido autor nos alerta para o fato de ser tão difícil, criar leis que criminalizam
as práticas homofóbicas, uma vez que o Congresso Nacional está repleto de
forças conservadoras, como são os casos das bancadas religiosas, que dificultam
a aprovação de qualquer lei voltada para o público LGBT+.

Quando nossa conversa é direcionada para os currículos, práticas pedagógicas,


cotidianos escolares e ensino de Geografia, fica a sensação de um ar de
incertezas para conseguirmos lidar com a instabilidade dessa era de dualismos,
opressões e violências.

Ao pensarmos no ensino de Geografia, entrando em assuntos ligados a aspectos


sociais, discutindo dados econômicos e sociais, entendemos ser fundamental e
político e pedagogicamente oportuno, discutirmos e problematizarmos temas
como, a emancipação feminina, a violência LGBT+, o racismo, o patriarcado,
dentre outros temas considerados como menores na educação e no ensino de
Geografia.

54
De acordo com a obra Pedagogia do Oprimido, é na inconclusão do ser, que se
sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente, é a prática
do debate, da conversa em roda, onde o argumento toma o lugar do achismo, e
compreende que uma realidade pode ser composta de várias verdades, e não
apenas uma conclusão rápida e imprecisa sem o conhecer. E uma das práticas
educadoras comuns é o convite à voz de quem está à margem, para que se
possa então debater as noções de respeito e equiparidade dentro dos âmbitos
legais, como por exemplo, a Constituição.

Dentro da prática educativa, da formação docente, Freire (1996) afirma ser um


saber fundante o fato de assumir a inconclusão. O não-saber concreto é de
grande valia onde se mantém aberto a perspectiva, de que na experiência
educativa todos os elementos contracenem o protagonismo do saber, uma hora
um, outra hora outro.

O professor-colaborador menciona a relevância e a importância do


estabelecimento de programas contra a LGBTfobia, por meio da criação de
programas de Transdisciplinaridades e Interdisciplinaridade, cujos os elementos
do currículo base, assim como as práticas pedagógicas, estabeleçam propostas
de trabalhos que elencam temáticas para que o estudante se conscientize.

Fica então a tensão entre a regulação, a norma, o jurídico, de um lado, e, as


práticas e relações cotidianas de outro, criando tensões entre si, atravessando os
cotidianos escolares, a vida social, as práticas pedagógicas e os múltiplos
contextos de formação de professores e professoras

Neste caso, o ato de desconstruir conceitos pré-estabelecidos e a quebra de


tabus, nos cotidianos escolares, consiste um fator de grande importância, para
que de fato os corpos LGBT+ também se sintam parte deste espaço.

55
4.2 Se não houver permissão, o professor tem que se calar diante dessa
temática?

Por parte dos professores e das escolas, por vezes é difícil se posicionar e fugir
das normas instituídas pelos regulamentos, “seja pelo peso das restrições legais,
políticas ou sociais, seja pela herança de uma sociedade patriarcal, sexista,
etnocêntrica e regida por duros padrões culturais religiosos e heteronormativos”
(GOMES, 2016).

A dificuldade de aprofundar os estudos sobre gênero e sexualidade nas salas de


aula e nos cotidianos escolares, por vezes se esbarra na falta de conhecimento
de uma fundamentação teórico-metodológico-epistemológica, pois muitos
docentes veem este conteúdo como exclusivo da biologia, no estudo do corpo
humano, órgãos genitais, etc. (GOMES, 2016, p. 223)
Nosso colaborador nos diz que:

A LGBTfobia existe, é presente na maior parte das escolas, que pelo fato do País
estar passando por momentos delicados de retrocesso como um todo, e isso vai
agravar mais ainda as situações referentes a essa opressão, pois as novas
configurações do público atual havia uma “certa heterogeneidade” quando se trata
desse tema, e assim vemos ele disseminados de diversas formas.”

Ele relata ainda um caso que ele presenciou, segundo ele ocorreu pelo corpo
pedagógico da seguinte maneira:

Essas pessoas que compõem a equipe pedagógica, que por vezes são de
religiões mais conservadoras, tradicionais acabam contribuindo para a adesão de
um discurso de ódio, aconteceu foi uma tentativa de boicote, pois por se tratar de
assuntos um pouco mais progressistas. E nessa tentativa queriam transformar a
atividade que estava sendo desenvolvida em outra abordagem/viés, nisso depois
de feita a atividade e ela estando exposta, uma determinada coordenadora
arrancou dos murais tal exposição.

56
Ele diz ao se lembrar da sua vida escolar que “por vezes essas coisas aconteciam
comigo e eu não tinha a quem recorrer dentro a escola, isso me deixava muito
mal, isso me gerava o sentimento de exclusão e não pertencimento à escola”.

Relatos como o do professor fere o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Brasileira (LDB 9394/96) que é a legislação que rege os Sistemas de
Ensino. São princípios da LDB:

Art. 3o O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:


I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;[...] (BRASIL, 1996)

Quando nossa conversa é direcionada para os currículos, práticas pedagógicas e


afins, ele diz:

Sabemos que hoje está se falando de reformulação da Base Nacional Comum


Curricular e isso nos deixa com um sentimento de incerteza, mas nós temos
capacidade e devemos sim levantar esses diálogos se a escola, o corpo
pedagógico e um grupo de professores estiverem empenhados que queiram
promover ou que mesmo esse debate tenha como iniciativas as ações dos
alunos. E essa possibilidade não deve ficar restrita apenas a geografia e a área
de humanas, mas tem que se estender esse debate para toda a escola, mesmo
sabendo que isso ainda é muito engessado, pois se tem algumas escolas que
possuem essa abordagem. ”

Dentro das DCNs no que se refere ao currículo, faz-se necessário ouvirmos os


“diferentes grupos como os negros, indígenas, mulheres, crianças e adolescentes,
homossexuais, pessoas com deficiência”. (BRASIL, 2013, p. 115)
Durante muitos anos os currículos silenciaram os grupos considerados
minoritários dentro das escolas e, historicamente, os processos de dominação
tem reservado à poucos, o direito de aprender. Ainda segundo o texto:

[...] desenvolver empatia e respeito pelo outro, pelo que é diferente de


nós, pelos alunos na sua diversidade étnica, regional, social, individual e

57
grupal, e leva a conhecer as razões dos conflitos que se escondem por
trás dos preconceitos e discriminações que alimentam as desigualdades
sociais, étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual, das pessoas com
deficiência e outras, (BRASIL, 2013, p. 115)

Silva (2011, p.88) elenca que mais importante que criar um currículo que ensine
tolerância e respeito, é mostrar os processos pelos quais as diferenças são
produzidas através de relações de assimetria e desigualdade. Então, para
legitimar cada vez mais essas discussões e debates, é necessário que haja um
aprofundamento, para que não as coloquem em amarras disciplinares, mas,
tratando-as pedagogicamente como transversais e que façam parte do viver
cotidiano, e que elas sejam integradas de maneira efetiva dentro do âmbito
científico-escolar.

Também deve-se ressaltar que os estudantes são seres inseridos na sociedade e


sendo assim, eles trazem consigo pré-opiniões e ideias pré-formuladas, e com as
grandes aberturas que a era Cyber proporciona, nos meios de comunicação
(redes sociais) e de informações, acabam recebendo e reproduzindo informações,
que por vezes tendem a ser de procedências duvidosas e tendenciosas,
produzindo subjetividades distintas.

No que tange aos currículos, a BNCC fornece algumas ações que devem ser
contempladas nos currículos, mas afirma que tais práticas só serão
implementadas dependendo do contexto local, municipal e estadual em que o
sistema ou rede de ensino está inserida, devendo se adequar a realidade dos
alunos. A BNCC trata a questão de gênero e sexualidade como tema
contemporâneo e que deve considerar como habilidades de todos os
componentes curriculares de forma contextualizada:

[...] cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em


suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos
currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas
contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e
global, preferencialmente de forma transversal e integradora. Entre
esses temas, destacam-se: [... educação em direitos humanos (Decreto
nº 7.037/200917), bem como saúde, sexualidade e gênero, vida familiar
e social, educação para o consumo, educação financeira e fiscal,
trabalho, ciência e tecnologia e diversidade cultural (Resolução
CNE/CEB nº 7/2010). (BRASIL, 2017, p. 14)

58
A BNCC criou dez competências gerais que representam um “chamamento à
responsabilidade que envolve a ciência e a ética”. A 9º competência assim afirma:

9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a


cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro,
com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos
sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade,
convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se
como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer
(BRASIL, 2017, p.19).

Relacionado com o conteúdo específico do ensino de Geografia na BNCC, a


temática é mencionada entre as competências específicas de Geografia para o
ensino fundamental, que diz:

6. Construir argumentos com base em informações geográficas, debater


e defender ideias e pontos de vista que respeitem e promovam a
consciência socioambiental e respeito à biodiversidade e ao outro, sem
preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade,
convicção religiosa ou de qualquer outro tipo. (BRASIL, 2017p. 318)

Segundo a narrativa do colaborador docente nós vivemos em uma sociedade


preconceituosa e discriminatória, que ainda apresenta um quadro tradicional e
machista, e que a escola, por fazer parte dessa mesma sociedade, contribui
negativamente para que haja reflexos de homofobia dentro do âmbito escolar.
Essa intolerância na maioria das vezes é de modo mascarado, ou seja, ele
enquanto professor afirma que nos cotidianos escolares a homofobia acontece na
maioria das vezes de maneira indireta, sutil, velada, simbólica.
Dentro das DCNs para o Ensino Médio um dos pressupostos e fundamentos para
um Ensino Médio de qualidade social tem como princípio norteador os Direitos
Humanos, no texto assim descreve:

Educar para os direitos humanos, como parte do direito à educação,


significa fomentar processos que contribuam para a construção da
cidadania, do conhecimento dos direitos fundamentais, do respeito à
pluralidade e à diversidade de nacionalidade, etnia, gênero, classe
social, cultura, crença religiosa, orientação sexual e opção política, ou
qualquer outra diferença, combatendo e eliminando toda forma de
discriminação. (BRASIL, 2013, p. 165)

59
As escolas, assim como outras instituições sociais, têm como principal função a
garantia do respeito aos Direitos Humanos. Ainda dentro das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, a formulação de um Projeto político-
pedagógico nas unidades escolares deve considerar:

XV – valorização e promoção dos Direitos humanos mediante temas


relativos a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião,
orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros, bem como
práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrentamento de
todas as formas de preconceito, discriminação e violência sob todas as
formas (BRASIL, 2013, p. 179)

Nosso colaborador cita que existe uma lei que respalda a “criminalização da
homofobia” e isso impede que os estudantes e os professores “ataquem”
demonstrando diretamente o seus preconceitos. Quando os casos de intolerância
ocorrem, são porque a situação chegou a um ponto, em que as coisas ficaram
mais sérias, quando então tais fatos estão expostos abertamente, a escola age de
acordo com estatuto estadual.

Então a partir desse diálogo percebemos que a LGBTfobia não é somente e


exclusivamente vivenciada pelos estudantes, mas também pelos professores.
Isso mostra que a escola e seus cotidianos abarcam todos os envolvidos nos
seus processos formativos.

Nosso colaborador, enquanto professor, tenta trabalhar com os estudantes


temáticas que os levem a repensarem, enquanto indivíduos e cidadãos que vivem
em uma sociedade diversa e com diferenciações.

Pensamos como Paulo Freire quando o mesmo crítica o que denomina de


“educação bancária”, em que o conhecimento é apenas transmitido de professor
para aluno, assim como em um ato de depósito. O ataque de Freire se dirige ao
modo anti-dialogal, que o currículo tradicional está permeado, isso o torna vazio,
não liga o currículo a questões existenciais dos indivíduos, sendo o professor um
ser ativo, e o aluno um ser passivo (SILVA, 2011).

É sobre a noção de “educação problematizadora” confrontada com a de


“educação bancária”, que Freire nos dá direções sobre como construir uma
prática pedagógica onde todos os sujeitos, por intermédio do diálogo, seriam

60
partes ativas dessa construção. A experiência dos alunos seria a pedra-chave
para definição dos “temas significativos”, ou “temas geradores”. Caberia então,
antes da elaboração das práticas pedagógicas suas reformulações a partir das
experiências dos educandos, no universo existencial de cada um. (SILVA, 2011)

Ao se pensar que a homossexualidade está hoje nos cotidianos escolares, nas


práticas pedagógicas e nas relações sociais cotidianas, precisamos pensar em
outro contexto social e de resistências e combates aos contextos conservadores e
tradicionais, e, é preciso que haja mudanças, precisamos descolonizar os
pensamentos, e colocar os novos pensamentos mais coesos e coerentes para
contribuir para uma maior harmonia dentro do ambiente escolar.

61
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os movimentos e objetivos desta pesquisa consistem na análise e


problematização, por meio de narrativas orais e fontes bibliográficas vinculadas
ao grupo LBGT+, e suas contribuições políticas e pedagógicas no ensino de
Geografia e na formação de professores/as.

Diante disto, com as aproximações e inspirações teóricas e metodológicas da


pesquisa desejamos aproximar os territórios do ensino de geografia, dos
cotidianos escolares, da formação de professores e dos sujeitos corpos LGBT+.

Ao apostarmos nesta pesquisa na possibilidade dos sujeitos e corpos LGBT+ e


colaboradores da pesquisa, pudessem apresentar e narrar suas vivências e
experiências nos cotidianos escolares e com o ensino de Geografia, estamos
também adotando um posicionamento político, pedagógico e epistemológico, que
pretende possibilitar práticas de inclusão.

Para problematizarmos a temática LGBT+ e seus atravessamentos na vida


cotidiana, nas práticas pedagógicas, na formação de professores/as e no ensino
de Geografia, adotamos procedimentos metodológicos de produção de dados, a
partir de entrevistas-conversadas e gravadas, com estudantes e professores de
Geografia, assim como, a pesquisa documental com as Diretrizes Curriculares, as
legislações brasileiras e documentos curriculares que criam e ditam políticas de
currículos.

Optamos também, em trazer no corpo da pesquisa, alguns acontecimentos,


(des)encontros e violências diversas, sofridas pelos corpos LGBT+, a partir do
que tem sido veiculado pelas mídias e redes sociais em relação à práticas
conservadoras e homofóbicas, pensando como esses acontecimentos dialogam e
tencionam com as macropolíticas e os cotidianos escolares.

Outra opção e aposta metodológica da pesquisa consistiu em reunir, num formato


de glossário, das nomenclaturas relacionadas às problemáticas e ao universo
LGBT+, fundamentado no Caderno de Propostas da 3ª Conferência Nacional de

62
Políticas Públicas de Direitos Humanos de LGBT e no Glossário LGBTI da Rede
Ex Aequo (Associação de jovens LGBTI e Apoiantes).

O presente trabalho pretendeu acompanhar também, algumas rotas de fuga e


resistências criadas, vivenciadas e inventadas pelos sujeitos e corpos LGBT+ da
pesquisa nos cotidianos escolares. A heteronormatividade está na ordem do
currículo. Assim, seria incorreto pensar que o heterossexismo e a homofobia se
manifestam de maneira fortuita ou isolada, nas instituições escolares, ou como
uma herança, um resíduo trazido de fora, cujas manifestações a escola
meramente admitiria.
A formação docente e as práticas pedagógicas cotidianas podem potencializar a
criação de territórios revolucionários, nos cotidianos escolares de geografias
menores? Essa questão nos acompanhou nos territórios de saberes da pesquisa.

Percebemos alguns movimentos de corpos nos cotidianos escolares, afirmando


sua identidade de gênero e orientação sexual, contribuindo de forma política e
pedagógica para (re)pensarmos nossa prática docente e o ensino de Geografia
na atualidade, pois defendemos aqui nosso posicionamento de possibilitar que a
construção dos seus corpos e de suas expressões não podem passar incógnitas,
a prática da renúncia de um conformismo à pedagogia do armário.

O uso de métodos, técnicas, materiais e práticas pedagógicas envolve também


vidas, sonhos, utopias, ideais, desejos, daí a sua politicidade, qualidade que tem
a prática educativa de ser política, e, nunca neutra, principalmente em tempos
“temerosos”.

Com a pesquisa encontramos tensões que envolvem esses sujeitos e corpos


LGBT+, que nos indicaram alternativas para repensarmos nossa docência como
professores e professoras de Geografia, e, percorremos territórios e geografias
outras, onde o direito à cidadania depende de reconhecimento no âmbito legal, e
percebemos como essa acessibilidade à justiça de modo igualitário e inclusivo se
mostra ineficiente em relação aos direitos de gays, lésbicas, travestis e
transexuais, incluindo também nos cotidianos escolares e nas práticas
pedagógicas, alimentando assim condutas e valores homofóbicos em nossa

63
cultura. Deixamos então, algumas reflexões: que geografias os corpos LGBT+ nos
contam?

64
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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