Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
1) LEI 13.146/2015. Após vacatio legis de 180 dias, entrou em vigor, em janeiro de 2016, a Lei 13.146/2015,
o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD). Procederemos, aqui, a uma análise panorâmica da norma com
vista, precipuamente, às principais implicações no universo temático do jurista do Direito do Trabalho.
3) FONTE MATERIAL. A Lei 13.146/2015 aponta a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
e seu Protocolo Facultativo (aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, promulgada pelo Decreto
6.949/2009) como sua base hermenêutica (deveras, a Lei 13.146/2015 replica os conceitos de comunicação,
adaptação razoável e desenho universal plasmados no art. 2º da Convenção, além de reiterar seus
princípios). A Convenção foi firmada em Nova York em 2007 e se trata do único tratado internacional com
status formalmente paritário ao das emendas constitucionais, eis que internalizado segundo o rito do §3º
do art. 5º da Constituição Federal.
4) MATRIZ FILOSÓFICA. O filósofo da discriminação e das ações afirmativas foi John Rawls. Rawls concebeu
uma representação artificial para a criação de uma sociedade justa consistente na reunião de pessoas em
um ambiente com a missão de legislarem sobre a futura sociedade. Cobertos por um véu de ignorância, isso
é, sem saber o lugar que lhes caberá na futura sociedade (ignorando se serão ricos ou pobres, homens ou
mulheres, brancos ou negros, homossexuais ou heterossexuais, pessoas com ou sem deficiência), tenderão,
pela máxima da evitação, a criar leis justas. É o princípio de sua Teoria da Justiça como Equidade.
5) CONCEITO. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
(art. 2º).
A avaliação da deficiência será biopsicossocial, o que realça a encampação de doenças das psiconeuroses
(fobias, transtornos obsessivo-compulsivos, determinados tipos de depressão, ansiedade) no universo
causal da deficiência. Questionamos: Transtorno bipolar de candidato a concurso para a Magistratura do
Trabalho: causa de beneficiamento de vagas reservadas (cotas) ou causa de exclusão sumária do certame
quando do exame psicotécnico?*
8) CARÁTER FACULTATIVO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS. Segundo o §2º do art. 4º, a pessoa com deficiência
não está brigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa. A optatividade pelo destinatário da
ação afirmativa já constava do art. I, par. 2º, letra b, da Convenção Interamericana para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala).
Questiona-se: em determinado concurso, duas vagas são reservadas a pessoas com deficiência. Não
obstante, quatro candidatos inscritos nas cotas obtiveram notas elevadas que lhes gabaritariam a
aprovação na concorrência fora das cotas. Os dois candidatos excedentes à cota poderão ser
prejudicados?*
9) PRINCÍPIO DA PRIORIDADE. A tutela prioritária da pessoa com deficiência é tratada nos arts. 8º e 9º. Não
se utilizou a expressão “prioridade absoluta”: absoluta é prioridade das crianças (CF, art. 227, caput), com o
que mantemos nosso mantra: juridicamente falando, o Brasil tem dois problemas - os problemas da
infância/adolescência e os problemas secundários aos problemas da infância/adolescência.
10) DIREITO AO TRABALHO. O art. 34 cuida da igualdade de oportunidade de trabalho, positivando dever
das pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza de garantir ambientes acessíveis e
inclusivos, o que não deve olvidar o conceito de adaptações razoáveis, tratado pelo art. 3º, VI.
11) INCLUSÃO NO TRABALHO. O art. 37 exorta a colocação competitiva da pessoa com deficiência no
mercado de trabalho, abrindo espaço, ao que parece, à intermediação desta mão de obra por organizações
da sociedade civil (art. 37, parágrafo único, inciso VII).
É sabido que a mera intermediação de mão de obra, ou merchandage, é proibida como linha de princípio
(item I, a, do Anexo da Constituição da OIT – “o trabalho não é uma mercadoria”; súmula 331, I, do TST).
Porém, o art. 24, XX, da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) prevê exceção a tal princípio (“é dispensável a
licitação na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de
comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços
ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no
mercado”). O art. 37, VII, da Lei 13.146/2015 tenta trazer a excepcional figura para a iniciativa privada.
Demanda-se no mínimo cautela: em sentença proferida em ação civil pública em 2013 pelo eminente
magistrado Marcus Barberino, a Ford foi condenada em indenização por danos morais coletivos no valor de
R$ 400 milhões por irregularidades na contratação da Associação para Valorização de Pessoas com
Deficiência (AVAPE) para intermediação de mão de obra. No caso dos autos, o Juízo de primeiro grau
concluiu que a AVAPE intermediava a contratação de força de trabalho normal, e não de pessoas com
deficiência.
12) RESERVA DE VAGAS. Há uma ênfase na expressão “reserva de vagas” em detrimento da popular
expressão “cotas” para designar a ação afirmativa ou discriminação positiva que garante vagas a deficientes
e acidentados reabilitados nos termos do art. 93 da Lei 8.213/1991.
12.1. RESERVA DE VAGAS. VETO. Restou vetada a tentativa do legislador de reduzir o porte da empresa, de
cem para cinquenta empregados, submetidas à reserva de vagas de que trata o art. 93 da Lei 8.213/1991.
Na Mensagem de Veto, o Poder Executivo considerou que a medida poderia gerar impacto desproporcional
indesejável em empreendimentos de pequeno e médio porte.
12.2. RESERVA DE VAGAS. UNIVERSALIDADE. A base de cálculo das cotas do art. 93 da Lei 8.213/1991 é
ampla, pois a lei parte do princípio da aptidão universal da pessoa com deficiência e não restringe. Um
embate comum ocorre quando se supõe que uma deficiência possa ocasionar risco a terceiros: é o caso de
empresas de ônibus que procuram excluir as funções de motorista da base de cálculo. A exegese é indevida
e o ponto derradeiro será uma inaptidão pericialmente verificada no caso concreto em face de um tipo
determinado de deficiência, não sendo dado à empresa excluir em abstrato, tout court, nenhuma função da
base de cálculo. Tanto assim que o art. 119 do Estatuto alterou a Lei 12.587/2012 para prever uma reserva
de 10% das vagas para condutores com deficiência na outorga de exploração de serviço de táxi.
12.4. RESERVA DE VAGAS. APRENDIZAGEM. Embora o art. 93 originário não permitisse a ilação de se
computar o aprendiz com deficiência nas vagas reservadas, o Ministério Público do Trabalho chegava a
admitir, após rigoroso juízo de razoabilidade em situações de efetiva dificuldade no cumprimento da cota,
tal cômputo. A Lei 13.146/2015, entretanto, acresceu o par. 3º ao art. 93 da Lei 8.213/1991, que
expressamente afasta a possibilidade de tal exegese.
O receio de perda do “LOAS” sempre foi apontado como inibitório da entrada de pessoas com deficiência
no mercado de trabalho e como fator de preferência de pessoas com deficiência pela contratação informal,
sem CTPS anotada (a fim de cumular-se o benefício assistencial com o salário).
Quanto ao primeiro dilema, há orientações administrativas do CNAS para que seja facilitada a reinclusão no
benefício de pessoa com deficiência que não haja se adaptado ao trabalho. Quanto ao segundo dilema,
passa a existir o benefício previdenciário do auxílio-inclusão, “nos termos da lei” (lei ainda inexistente) em
favor da pessoa com deficiência moderada ou grave que, outrora beneficiária do “LOAS”, passe a exercer
atividade que a enquadre como segurado obrigatório do Regime Geral da Previdência Social (art. 94 da Lei
13.146/2015).
12.6. RESERVA DE VAGAS e LICITAÇÕES. A Lei 8.666/1993 foi alterada, positivando-se em seu art. 3º a
preferência na contratação com empresas cumpridoras da reserva de vagas, em caso de empate nas
licitações, bem como a possibilidade de criação de margem de preferência às empresas em tais condições.
Trata-se da chamada função horizontal das licitações: possibilidade do instituto da licitação ir além do seu
objeto imediato e assumir uma função promocional. Haveria uma boa oportunidade para a administração
passar a condicionar a subscrição de contratos ou a retirada de notas de empenho à comprovação de
cumprimento pela parte contrária do art. 93 da Lei 8.213/1991, mas tal não ocorreu: apenas as empresas
que hajam se beneficiado da preferência ou da margem de preferência é que terão o cumprimento da
reserva de vagas constantemente fiscalizado pelo ente público contratante, conforme o novel art. 66-A da
Lei de Licitações.
13. APRENDIZAGEM
13.1. APRENDIZAGEM. OFERTA DE CURSOS. Houve alterações sutis nos §§ 6º e 8º do art. 428 da CLT. Este
último parece admitir o desenvolvimento do aprendizado teórico por instituições alheias ao sistema de
aprendizagem (v. art. 8º do Decreto 5.598/2005), contanto que o programa seja orientado por entidade
qualificada em formação técnico-profissional metódica.
14. LEI 9.029/1995. A Lei Antidiscriminação no Trabalho foi alterada, restando tipificada a discriminação
contra a pessoa com deficiência ou reabilitada. Ao ensejo, aproveitou-se a oportunidade para uma
retificação técnica: o art. 4º, I, utilizava a expressão “readmissão” para designar a possibilidade do
empregado despedido discriminatoriamente retornar ao trabalho. Agora, a expressão é “reintegração”,
mais adequada a hipóteses nulas ou anuláveis de resilição contratual.
15. EDUCAÇÃO. A inclusão educacional da pessoa com deficiência é recente (apenas em 1999 o Decreto
3.298 regulamentou a Política Nacional da Pessoa com Deficiência). A Lei 13.146 deu um passo ousado,
tornando obrigatória em instituições públicas ou privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, a
disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, tradutores, intérpretes de
Libras, oferta de ensino da Libras, do sistema Braille e outros recursos inclusivos (art. 28, §1º). É lícito uma
universidade privada contratar de forma terceirizada a prestação de serviços de intérpretes e ensino em
Libras ou Braille?*
16. ESTADO DE PESSOAS
16.1. CAPACIDADE CIVIL. O art. 3º do Código Civil previa uma hipótese etária (menores de dezesseis anos) e
duas hipóteses sanitárias (enfermidade ou deficiência mental que não proveja o necessário discernimento;
e a condição daqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade) de
incapacidade absoluta. A Lei 13.146/2015 revogou as hipóteses sanitárias e, atualmente, apenas a hipótese
etária é uma causa ope legis de incapacidade absoluta. Sequencialmente, excluiu-se do rol de pessoas
relativamente incapazes veiculado pelo art. 4º “os que, por deficiência mental, tenham o discernimento
reduzido” e “os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo”.
A ratio é que a pessoa com deficiência tem igualdade de direitos e deveres em relação aos não deficientes e
que as restrições à sua capacidade devem ser excepcionais e estritamente delimitadas no processo de
“interdição” (expressão não utilizada pelo EPD). Significa que, doravante, parte-se do princípio da plena
capacidade da pessoa com deficiência. Significa que contra pessoas com deficiência a prescrição e a
decadência passam a fluir normalmente (pois os arts. 198, I, e 208 do Código Civil impedem sua contagem
contra absolutamente incapazes)?* A quitação pela pessoa com deficiência outrora absolutamente incapaz
passa a ser válida e eficaz (CC, art. 310)?*
16.2. DIREITO À FAMÍLIA E À VIDA COMUNITÁRIA. Tal direito consta do art. 6º, I e VI, do Estatuto. A norma
facilitaria a vida da personagem de Sean Penn em Uma Lição de Amor. A Lei 13.146 revoga o inciso I do art.
1548, que professa a nulidade do casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário
discernimento para os atos da vida civil. Não obstante, resta mantido o art. 1.550, IV, que prevê a
anulabilidade do casamento do incapaz de consentir ou manifestar, inequivocamente, o consentimento.
16.3. CURATELA. No Direito Civil, o curador representa os maiores de dezoito anos absolutamente
incapazes e assiste os relativamente incapazes. O Estatuto parte do princípio da capacidade plena da pessoa
com deficiência, que, quando necessário, será submetida à curatela (art. 84, parágrafo 1º), o que cria uma
situação inusitada no ordenamento: a curatela da pessoa capaz. O art. 85 menciona que a curatela afetará
tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, mas não esclarece se a
hipótese será de representação ou assistência, relegando sua disciplina à sentença judicial (saliente-se que
o Estatuto não emprega a expressão “interdição”). O processo que define a curatela pode ser iniciado pelos
legitimados do art. 1.768 do Código Civil, passando-se a admitir, com o EPD, a curatela por iniciativa da
própria pessoa (art. 1.768, IV, do CC). Surge uma perplexidade de direito intertemporal: o CPC 2015
expressamente revoga o art. 1.768 do Código Civil e não prevê, em seu art. 747, a legitimidade da pessoa
para a auto-interdição. Com a entrada em vigor do CPC 2015 subsistirá a legitimidade da pessoa com
deficiência para iniciar a ação visando à sua própria curatela?*
16.4. TOMADA DECISÃO APOIADA. Segundo o §2º do art. 84 da Lei 13.146/2015, “é facultado à pessoa
com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada”. A partir do art. 115, a Lei 13.146
altera o Título IV do Código Civil, que passa a detalhar o regime jurídico da Tomada de Decisão Apoiada.
Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária em que a pessoa com deficiência elege ao menos duas
pessoas idôneas de confiança, com as quais mantém vínculo, para prestar-lhe apoio na tomada de decisões
sobre atos da vida civil. Para a tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem
apresentar termo ao Juízo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos
apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da
pessoa que devem apoiar.
17. TUTELA METAINDIVIDUAL. O art. 3º da Lei 7.853/1989 passa a receber a seguinte redação: “Art. 3º. As
medidas judiciais destinadas à proteção de interesses coletivos, difusos, individuais homogêneos e
individuais indisponíveis da pessoa com deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela
Defensoria Pública, pela União, pelos Estados, pelos Municípios, pelo Distrito Federal, por associação
constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, por autarquia, por empresa pública e por
fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção dos
interesses e a promoção de direitos da pessoa com deficiência.” Segue-se a tendência já veiculada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 201, V) e pelo Estatuto do Idoso (art. 74, I) de autorizar o manejo
de ação civil pública para a tutela dos interesses de uma “única” vítima. A tendência confirma a impressão
de que os chamados direitos de terceira dimensão revelam-se não apenas subjetivamente (em razão da
multiplicidade de interesses) mas, sobretudo, objetivamente (em razão da fundamentalidade dos interesses
em xeque).
*Venha enriquecer e saia enriquecido com o debates dessas e diversas outras indagações nos Chats de
nossos Cursos Master Magistratura do Trabalho/Ministério Público do Trabalho! www.fabrejus.com.br.