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CONSUMO E IMAGEM

Figuras da imediaticidade na retórica visual da


publicidade A estilística do grotesco e o “olhar testemunhal” na
imagem publicitária

N
RESUMO
O propósito deste texto é apresentar a questão do a exploração que aqui propomos sobre as es-
“imaginário de comunicação”, próprio às imagens tratégias discursivas próprias ao universo das
publicitárias contemporâneas, a partir da discussão imagens publicitárias, vários itens de nossa
sobre o modo como o tema do grotesco é trabalhado pesquisa sobre fenômenos de discursividade visual
por elas, no plano de seu discurso visual (isto é, a entram em jogo, ao mesmo tempo: em primeiro lu-
partir da matéria icônico-plástica de suas imagens). gar, propomos uma análise dos dispositivos retóri-
cos da mensagem visual na publicidade, valorizan-
PALAVRAS-CHAVE do os aspectos mais ligados à modelação icônica do
• olhar testemunhal discurso visual, em oposição a certas vertentes se-
• retórica visual miológicas que concebem o valor comunicacional
• fotografia da imagem como uma decorrência da submissão
dos regimes plásticos e icônicos da representação
ABSTRACT aos padrões enunciativos do segmento lingüístico
The aim of this text is to present the question of a “com- da mensagem publicitária.1
municational imagination”, an aspect which is allegedly Uma vez posta a necessidade de uma maior valo-
proper to the contemporary visual images in advertising: rização da porção plástico-icônica dos operadores
we intend to present this discussion, departing from the discursivos na imagem publicitária, é todo um novo
standpoint of the ways by which the visual discourse of conjunto de aspectos constituintes da retórica publi-
these images addresses the themes of grotesque (both in citária que vemos emergir para nossa atenção, no
their plastic and iconical traits). momento em que nos empregamos à análise do
fenômeno da discursividade própria aos ícones vi-
KEY WORDS suais: devotados que estamos agora ao problema do
• visual witness recurso a uma estilística do grotesco, na caracteriza-
• visual rhetoric ção de certos gêneros do discurso publicitário con-
• photography temporâneo, notamos que a análise dos materiais
que exprimem esta predileção se manifestam en-
quanto realização discursiva ou retórica, sob dois
aspectos principais: de um lado, a expressão do gro-
tesco na publicidade é a resultante de uma série de
operações ligadas aos modos de se compor a ima-
gem, a partir do recurso a certos materiais. Uma
análise das formas de realização desse discurso são
certamente aquelas que vimos privilegiando na pes-
quisa, como um encontro das abordagens semióticas
da análise de materiais visuais junto com vertentes
da história e das teorias da arte que valorizam a
perspectiva psicológica dos fatos artísticos.2
O segundo aspecto a se destacar, numa aborda-
gem desses materiais, é o fato de que a retórica do
grotesco na imagem publicitária se realiza através
de certas operações que constituem a imagem en-
quanto uma espécie de centro de tensões relativamen-
te às condições de sua recepção: melhor dizendo, o
efeito do grotesco na publicidade se realiza na base
da constituição de um tipo de ambiência para a
representação, e que a conforma enquanto testemu-
nho visual.
Nestes termos, a análise das operações retóricas
na imagem deve destacar não apenas os elementos
composicionais ou internos da imagem, mas igual-
Angie Biondi e Benjamin Picado mente a dimensão na qual o lugar estrutural da
UFBA recepção é inscrito na própria forma do discurso

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dos ícones visuais. O efeito de retórica visual deste presenta, certos autores remetem a questão do apa-
tipo de recurso na imagem publicitária é o de ins- gamento dos traços da enunciação na representação
taurar uma espécie de dobra no interior da represen- visual, como fundado na estrutura de uma vertigem
tação, que é precisamente o espaço em que a maté- abismal: esta estrutura demarca um sem-número de
ria plástica e icônica da imagem passa a interpelar a manifestações do campo das artes, como no caso do
recepção: certos autores se referem a este fenômeno teatro de Shakespeare, ou na pintura de retratos
como uma espécie de “rompimento” do espaço pró- holandesa do século XVII, assim como em Magritte.
prio à imagem, enquanto mera representação, inclu- Nos casos listados, entretanto, nota-se que o arti-
indo em seus aspectos, a imediaticidade da presen- fício de fazer a representação atravessar o fosso en-
ça do espectador, transformado agora numa espécie tre ela mesma e a recepção envolve uma estratégia
de testemunha da cena.3 evidentemente distinta daquela que caracteriza as
Delimitamos aqui a relação entre os recursos retó- imagens contemporâneas (especialmente as do dis-
ricos e a matéria visual como aspecto composicional curso da publicidade): na pintura e no teatro clássi-
de um discurso muito próprio ao domínio da comu- cos, o recurso ao abismo se define por uma necessi-
nicação publicitária. Dada enquanto texto visual, dade inversa de mostrar o artifício da representação,
podemos dizer que a imagem publicitária tem como de gerar uma dobra na própria imagem e assim
objetivo principal ser captada de uma só vez. Mas colocar o enunciador em seu lugar mais visível e
esta imediaticidade (sendo da ordem de um efeito apropriado, o de condutor das ações narradas. Aqui,
de modelação e não uma propriedade intrínseca do se preservam os lugares devidos ao enunciado da
ícone) requer que certos operadores estejam mobili- representação e à sua enunciação, sem que sua
zados, a partir de princípios que são constitutivos superposição sacrifique ou empregue em demasia a
da estrutura interna da imagem, e que favorecem matéria mesma da representação. No caso da ima-
esta apreensão quase instantânea da imagem pelo gem publicitária, ao contrário, o propósito é o de
espectador (não nos referimos unicamente às condi- instaurar uma espécie de instantaneidade da rela-
ções perceptivas aqui, mas à aderência ou inclusão ção entre a imagem e sua apreciação, do mesmo
do espectador no espaço visual a partir de um posi- modo que os operadores lingüísticos desta mensa-
cionamento do olhar.)4 gem instituem uma espécie de intimidade conversa-
A imagem publicitária (assim como o recurso ao cional, no plano do enunciados verbais.
estilo grotesco que caracteriza uma de suas tópicas
mais recorrentes em nossa época) participa de uma As representações das quais tratamos mimeti-
estrutura assumidamente própria ao regime discur- zam a comunicação: uma personagem que está
sivo dos ícones, sobretudo em contextos mediáticos, ‘ali’ se dirige a mim. Quero dizer que estas
e que prima pelo apagamento dos traços de sua imagens, que estão no primeiro posto dos obje-
enunciação (isto é, se constroem de modo a elidir de tos de transação, redobram a comunicação em
sua recepção o fato de que são duplos, representa- seu interior ou, se se prefere, que os signos
ções): mais claramente, estas imagens tentam se ins- afetados da comunicação estão, de qualquer
taurar como sendo o espaço de um testemunho di- maneira, ‘abismados’ na representação ela mes-
reto daquilo que elas exibem, sem que haja entre a ma. Nesta ocorrência, o abismo não se observa
imagem e sua percepção qualquer tipo de interme- mais a partir do que chamamos de a forma do
diação ou interrupção. Os operadores através dos conteúdo na sua expressão plena e inteira (...),
quais este efeito de imediaticidade se realiza são mas a partir da imagem apenas, como restrita
muito variados, e freqüentemente explorados a par- ao sistema de conformação no qual ela então se
tir dos aspectos mais vinculados às estruturas lin- inscreve.5
güísticas da retórica publicitária (o uso dos vocativos,
a instauração de um clima mais conversacional do A compreensão desta estrutura organizada na qual
discurso, entre outros). Em nosso caso, preferimos a imagem publicitária se manifesta como fato de
nos deter sobre o segmento propriamente icônico discurso nos favorece, do ponto de vista de uma
ou visual da modelação deste efeito de proximida- abordagem metodologicamente mais fecunda e vá-
de, de modo a explorar a questão da participação do lida, a que desenvolvamos um modo de analisar
olhar na imagem como sendo a finalidade essencial estes materiais que caracteriza este tipo de regime
de uma retórica visual própria ao universo mediático. discursivo da imagem como uma questão de inter-
Indiferentemente ao efeito que as imagens da pu- pretação de certos de seus operadores icônicos e
blicidade possam suscitar, o importante é destacar plásticos. Do ponto de vista da especificação dos
que elas parecem induzir no nível de sua recepção aspectos de uma estilística grotesca da imagem pu-
uma espécie de efeito de presença instantânea do blicitária, isso implicará em uma valorização do pla-
objeto da representação. Tomando o termo “abis- no das formas da expressão das mensagens visuais.
mo” do contexto de seu uso na arte da heráldica, no
qual ele significa a possibilidade de fazer um símbo- As inversões irônicas e o olhar testemunhal
lo conter uma figura homóloga àquela que ele re- Tomemos em causa esta imagem (fig. 1), de uma

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FIGURA 1 FIGURA 2
FONTE: http://www.brainstorm9.com.br/archives/cat_humans_for_animals.html Goya, Saturno devorando a su hijo, 1821–23 aprox. (detalhe), Madrid, Prado.
ACESSO EM: 18 de fevereiro de 2006
dos os aspectos da imagem), há ainda uma espécie de
FIGURA 3 correspondência entre as imagens que é da ordem da
FONTE: http://www.brainstorm9.com.br/archives/cat_humans_for_animals.html figuratividade correspondente ao tema visual, uma
ACESSO EM: 18 de fevereiro de 2006 breve semelhança na utilização das personagens
flagradas em sua ação.
peça publicitária de uma sociedade protetora de ani- Em relação às imagens da publicidade, entretanto,
mais, e que se organiza ao modo de uma cena à qual o tratamento do grotesco na pintura parece nortear-
supostamente somos convidados a participar, como se por uma manifestação mais estetizada de tudo
testemunhas: um homem ajoelhado com as mãos aquilo que serve para exprimir o caráter inusitado
aparentemente presas atrás das costas e que tem a ou bizarro dos temas grotescos: os aspectos de ilu-
cabeça sustentada na parte superior de uma mesa minação e de tratamento dos elementos de cena
com um corte que permite ver parte do seu cérebro visam à produção de uma impressão visual, mais
exposto. Ao lado da cabeça, dois macacos que, muni- do que de submissão a certos regimes discursivos
dos de nos parecem talheres, se servem deste cérebro. ou retóricos, como é claramente o caso da imagem
O modelo da representação do grotesco, de certo publicitária;
modo retomado por esta imagem, nos restitui a cer- O aspecto grotesco da imagem implica numa es-
tas tópicas da representação pictórica, sobretudo na pécie de jogo de inversões, de caráter predominante-
arte da alta fase do Barroco, sobretudo pela valori- mente irônico, e que consiste em apresentar a cena,
zação dos aspectos de ambientação luminosa das em seu aspecto inusitado ou mesmo bizarro, mas
situações: a imagem grotesca na publicidade parece através de certos índices de normalidade: assim sendo,
nos reproduzir a configuração pictórica de Goya, temos uma situação na qual os animais devoram
especialmente na imagem do deus Saturno devo- um homem, mas estando dispostos num tipo de
rando um de seus filhos (fig. 2). cenografia quase trivial, seja em seus aspectos de
Apesar da expressão de sua atitude ser mais apro- ambientação e iluminação, assim como na atitude
priada à atmosfera da situação (como expressão de das personagens envolvidas. O caráter grotesco da
uma violência desmedida, que é reforçada por to- situação fica como que neutralizado em seu aspecto

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de fato excepcional, pelo modo como a cena toda O modo testemunhal e o “imaginário da
evoca um certo ar de familiaridade. A disposição comunicação” na imagem publicitária
das personagens para a ação que executam parece Neste ponto, precisamos reconhecer que há um ou-
transcorrer de modo igualmente normal, sem qual- tro aspecto visual que deve ser levado em conta
quer menção de suspense, pânico ou horror entre nesta exploração do motivo grotesco, que envolve
eles, ao contrário, o que se nos apresenta é uma tanto a sua representação figurativa quanto seu
parte do cotidiano destas personagens, mas é justa- modo de ser construída para a recepção. Trata-se da
mente nesta cena trivial que nos tomamos de certa articulação entre a configuração semântica da ima-
perplexidade pela imagem. gem e o modo como ela deve ser acionada pelo
Uma parte do corpo humano serve de alimento receptor a partir do olhar. Esta relação de comple-
para os macacos, os “miolos” que estão a ponto de mentaridade entre estes dois aspectos constitui o
ser devorados pelos animais: estes, por sua vez, que Fresnault-Deruelle chama de “imaginário da
demonstram certa tranqüilidade em sua atitude, qua- comunicação”, ou ainda, de um simulacro da comu-
se uma polidez, pois não usam as mãos e nem estão nicação onde a representação assume um duplo so-
curvados sobre uma presa devorando sua carcaça, bre si mesma para que consiga se colocar como a
como seria de se esperar, em se tratando de bestas; própria enunciação para o espectador, como se não
ao contrário, eles manuseiam talheres para se servir houvesse um ponto intermediário entre eles.
de sua presa, numa atitude, podemos dizer, própria Se nas imagens publicitárias observadas acima, a
aos humanos dotados de certa civilidade. disposição da representação parecia nos localizar
Nesta outra imagem da campanha (fig. 3) se con- dentro do espaço de uma cena apresentada, em ge-
figura a mesma espécie de jogo de inversões irônico, ral, como “coisa dada” à visão, nesta outra imagem
com algumas variações de tratamento: de um lado, (fig. 4), as coisas se passam de modo bem diferente:
temos a mesma situação em que os sinais que carac- não se trata de nos dar a impressão de uma cena,
terizam a ação humana e a passividade animal se mas de instituir uma espécie de situação conversaci-
invertem inadvertidamente; no plano comportamen- onal, através da imagem; é o modo como o olhar da
tal, portanto, as personagens são apresentadas de personagem centra a recepção em relação à imagem
modo alternado. Diferentemente da primeira situa- que confere a este ícone seu aspecto de testemunho
ção, entretanto, a cena não é apresentada em seu e de estranhamento. Este olhar direto da persona-
aspecto de fato corriqueiro, o que lhe confere um gem da fotografia inscreve um jogo em que se simu-
aspecto de rudeza sem maiores intermediações de la uma conversação direta entre a personagem e o
suposta normalidade atribuída à situação. observador rompendo o esquema enunciativo que
É esta organização invertida dos valores (das ati- reconhece a mensagem da peça publicitária como
tudes) de cada um dos elementos personagens/ob- sendo a própria intermediária do processo comuni-
jetos/comportamento que nos provoca o sentido de cativo.
estranhamento do olhar, que lhe confere o status de
imagem grotesca. Tudo aquilo que parece típico em De modo que a imagem discursiva joga bem,
homens e símios se exibe aqui em sinais trocados, desde seu interior e sob o signo falacioso da
de passividade e de urbanidade e polidez. Esta pro- imediaticidade, com os signos da comunicação.
vocação dos sentidos se complementa com uma sen- O abismo parece paradoxalmente anular as dis-
sação de perplexidade e nojo que a atitude dos ma- tâncias.6
cacos suscita em nós: pois comer parte do cérebro
de um homem nos é completamente estranho, vio- Este modo de personalização do enunciado visu-
lento, abjeto. al parece suscitar uma reação do espectador reco-
Porém, o que estamos chamando de atitude apa- nhecido na função fática, indicando-o a sair de um
rentemente trivial na imagem apresentada é cons- suposto estado de inércia daquele que olha ou con-
truída de modo proposital. Tomar uma atitude hu- templa uma imagem para dar lugar ao estabeleci-
mana por animais e a atitude “submissa” do animal mento de uma recíproca deste olhar; como um ou-
ser tomada pelo homem configura a inversão basea- tro modo de interação que se esboça quando o
da no jogo irônico, que toma a “contrariedade” como espectador se reconhece como o “alvo direto” deste
elemento de base do regime discursivo desta ima- olhar, pois a personagem da fotografia deixa clara
gem. Tão logo reconheçamos a identificação da ima- esta intenção.
gem como peça publicitária, portanto veículo de A perplexidade momentânea que corresponde à
uma mensagem específica, tão logo apreendamos o detenção da imagem em seus aspectos figurativos
texto que redunda/arremata/finaliza o significado grotescos (um rosto deformado e monstruoso que
da imagem (“don’t treat others the way you don’t nos olha) dá lugar ao sentido de advertência que ela
want to be treated”) compreendemos a operação des- (a imagem) se investe num jogo de remissão do
te jogo semântico em sua mensagem intencional, que “antes e depois” da personagem. A pequena foto
responde pela instituição Humans & Animals (marca 3x4 exibe um momento anterior da modelo, na qual
presente no canto inferior direito da imagem). é vista com aparência normal, sadia, e uma imagem

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FIGURA 4
FONTE: Departamento de Transportes do Texas (TxDOT), Outubro de 2002.
(cartaz de campanha)

FIGURA 5
FONTE: http://www.stopper.blogger.com.br/cig04.jpg
ACESSO EM: 17 de março de 2006.

maior, sucessiva ao fato (no caso, um acidente auto-


mobilístico), numa imagem atualizada da modelo
(ou melhor, da vítima). A operação disposta na rela-
ção de causa e conseqüência convoca a participação
do espectador no sentido da reconstrução do per-
curso que gerou tal resultado.
Como num jogo causa e conseqüência, a parte
que cabe ao espectador é reconstituir, imaginaria- FIGURA 6
mente, os acontecimentos, ainda que seja de modo FONTE: http://www.diesel.com/sucessfullivingguides/
geral. O reforço em atestar a conseqüência (o resul- ACESSO EM: 23 de novembro de 2004.
tado de tal acontecimento) pode ser englobado no
rol do efeito moralizador que assume o discurso FIGURA 7
publicitário aqui, sobretudo, através do modo de FONTE: http://www.diesel.com/sucessfullivingguides/
interação que a personagem assume conosco; ela se ACESSO EM: 23 de novembro de 2004.
dirige a nós em sua posição de vítima. O texto que
acompanha a imagem remete a este reforço de mol- imagem se reveste de sentido semântico a partir das
dar um comportamento social; “não beba e dirija”, estratégias textuais que lhes são atribuídas, nos in-
diz a mensagem de rodapé do cartaz, mais uma vez, teressa investigar a estrutura de funcionamento dos
enfaticamente. operadores visuais tomada enquanto objeto oriun-
Ainda, é preciso notar que o modo pelo qual o olhar do da comunicação midiática.
direto convoca a posição do espectador está relaciona- Neste caso (fig. 5), a exposição das vítimas num
do ao valor metonímico de que se reveste a imagem. estado de padecimento, de sofrimento por determi-
Há uma correspondência entre a apresentação da per- nado comportamento ou atitude é tomada como
sonagem como vítima e a causa do seu estado. Em uma referência direta do real. O olhar das persona-
boa medida, toma-se a vítima para falar do tema da gens está conduzido diretamente ao espectador, ele
imagem (acidentes por embriaguez); a sua imagem fala ao espectador na posição de quem se dirige a
remete ao conteúdo da peça por uma condição de ele, num relato testemunhal de qualquer ordem; se
contigüidade. O mesmo tipo de jogo entre o discurso prostram como as vítimas que apresentam suas se-
visual e o enunciativo está presente nas imagens vei- qüelas a um público. De modo que a disposição
culadas em maços de cigarro, por exemplo. deste olhar diretamente lançado para a recepção faz
Contudo, convém observar que não se torna uma com que este possa adentrar a dimensão ficcional
regra a relação que se evidencia aqui entre uma (ao mundo construído) da representação do mesmo
figura de discurso e um modo de olhar, inúmeras modo que a personagem parece sair do espaço da
possibilidades de ordenamento entre estes aspectos imagem e se colocar diante de nós; é como se a
podem ser combinadas numa imagem. Nosso exer- delimitação entre as duas dimensões fosse mais po-
cício apenas enfoca alguns dos aspectos nos quais a rosa, mais volátil.

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O interno e o externo compartilham da consciência o enquadramento, entre outros) nos indica o percur-
um do outro. É o próprio “logro da comunicação so de sentido que se estabelece para o espectador de
imediata” a condição da comunicação abîmée. Aqui uma imagem.
é o presente, a atualidade da imagem que se funda É neste sentido que a imagem parece se projetar
no “está ai” mais do que o “haver estado ali”, a para fora dos limites da representação, para fora de
condição temporal que se estabelece na imagem é o todo suporte, como um transpassamento dos limi-
de um presente contínuo, que reenvia simultanea- tes do plano representacional, colocando a imagem
mente ao passado do acontecimento encarnado na numa relação mais tensa com sua exterioridade. Nes-
personagem (nas marcas que apresentam). te caso, o espectador já parece incluído na cena como
Um outro aspecto que podemos notar é que nes- se ela fosse um prolongamento do seu campo visual.
tas duas últimas figuras as personagens posam para
a fotografia, ao passo que as outras sugerem “fla- A fim de fazer o leitor/espectador que partici-
grantes” de determinadas situações, nas quais as pa do mundo real aderir àquele da representa-
personagens parecem imersas cada uma em sua ação. ção, ou ainda, afim de estabelecer um terreno
Tanto numa característica quanto noutra, o que se de concordância entre o mundo do discurso
evidencia é que há uma programação do sentido pré- representado e o meu, a estratégia visual aqui
estabelecida para cada uma delas, reiterando a inten- desenvolvida consiste em fazer que eu possa
ção como uma base sobre a qual se estrutura o arranjo me inscrever na imagem de um modo o qual
dos elementos internos da fotografia publicitária. descrevo agora: não fazendo mais que reatuali-
Nas primeiras imagens que analisamos aqui, os zar, para meu corpo (...), a projeção induzida
elementos que a constituem se organizam na ima- pela construção de imagens clássicas (‘constru-
gem ao modo de um flagrante, para as quais o fato ção legítima’), eu me restituo deste modo em
de não haver quem olhe para a câmera é um dos um ‘antes da cena’ do qual o dispositivo cênico
recursos do qual se lança mão para repercutir com da imagem constitui um prolongamento.7
mais ênfase o mundo ficcional que se constrói, que
se desenrola ali, e, o modo de construção do seu O olhar do testemunho como “visão do flagrante”
enquadramento nos torna tanto testemunhas quan- Há um aspecto da retórica das imagens grotescas na
to voyeurs destas cenas, ao passo que nestas duas publicidade que resta ainda inexplorado pelas abor-
últimas imagens, as personagens se dirigem explici- dagens que privilegiam os aspectos textuais da re-
tamente ao espectador através do seus olhares dire- presentação visual: os elementos que constituem
tos para fora do plano, o que converte o problema muitas destas cenas são construídos em relação a
do testemunho visual em uma questão de cumplici- um olhar que é indexado na conformação mesma da
dade e de compromisso mútuo com a ordem enun- imagem, como um dado para o qual ela se organiza:
ciativa à qual a imagem se inscreve. em termos, a imagem se propõe como um prolonga-
De fato há uma relação entre a pose e o olhar que mento da visão, constituindo uma espécie de ponto
cumpre uma função de indicativo testemunhal, daí implícito da cena na qual se localiza o próprio es-
cada qual ser retratado, ser destacado em sua condi- pectador. Em linhas gerais, a imagem se constrói
ção de padecimento para que se estabeleça uma como um dispositivo que visa restituir a dimensão
espécie de “pacto fiduciário” com o espectador ba- testemunhal com a qual toda sua cenografia se apre-
seado na credibilidade que a situação da persona- senta: ela incorpora a ordem do testemunho como
gem lhe possibilita. Na verdade, sequer pensamos um aspecto decisivo de sua significação textual.
nos indivíduos que nos fitam nestas imagens como Para certos autores que procuram explorar os li-
sendo personagens ou modelos, mas como figuras mites complementares entre o valor discursivo das
dotadas de uma densidade biográfica com a qual imagens e os aspectos plásticos e perceptuais de sua
nos relacionamos num nível afetivo muito mais in- realização, o problema do “efeito de testemunho”
tenso do que o de personagens de situações ficcio- das representações visuais é um capítulo essencial
nais: sua presença tem para nós, o valor de uma desta exploração analítica às funções textuais da
interlocução, ainda que construída como parte dos imagem. Somos convocados a observar a imagem
protocolos da comunicação através das imagens (o num ponto localizado implicitamente dentro dela
mesmo recurso é muito próprio das imagens de de acordo com determinado enquadramento, com a
políticos em campanha). perspectiva e a organização dos objetos de cena que
No entanto, o que nossa observação sobre estes estão dispostos na imagem, construindo (ou repli-
materiais nos demonstra é que há um recurso espe- cando) de tal modo a idéia da distância e profundi-
cífico para dispor o espectador para a imagem. Seja dade visual a fim de que a recepção se faça presente
através do recurso do olhar que se projeta para fora no espaço de representação.
do espaço da representação ou por outro recurso, o Nas imagens que vemos em seguida, exemplares
modo como este elemento é colocado num estado de uma campanha de um fabricante de vestuário
de tensão arranjado com os demais elementos foto- (figs. 6 e 7), somos novamente inscritos à cena na
gráficos (a sensação de distância pela profundidade, condição de testemunhas: mas o efeito desta cons-

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trução agora não é mais o de replicar uma situação ção de sua relação direta com o espectador que ele
conversacional, mas o de efetivar a participação da denomina de comunicação em abismo. Portanto,
recepção na cena, o que faz da imagem uma espécie deter estes dois aspectos como princípios pelos quais
de símile de um testemunho ocular (agora como a temática recorre ao plano da expressão nos parece
uma espécie de flagrante visual). produzir uma espécie de esboço de um primeiro
Estas imagens nos apresentam um modo de cons- esquema de apropriação do motivo visual trabalha-
truir a impressão do grotesco, não como aspecto estri- do pela imagem publicitária.
tamente temático da imagem, mas como traço do modo Pensamos que o foco aqui é observar sob quais
de organização dos elementos da imagem para o olhar aspectos/recursos/artifícios o grotesco começa a ser
do espectador: neste sentido, o aspecto grotesco da explorado pelo campo publicitário carregando uma
cena que se nos propõe é exibido como um elemento espécie de repertório possível do tema para o espec-
da modelação da imagem, desde seu interior, e o tador. Saindo de um campo onde predomina quase
modo como realiza essa organização dimensiona a absolutamente a referência ao ideal e padrão de
imagem fotográfica enquanto cenografia. beleza vinculado aos seus produtos, há um movi-
Na perspectiva em que certos historiadores da mento que passa pela dimensão de uma construção
arte tratam a questão da forma através da qual o deste repertório visual que assinala um campo de
olhar testemunhal é construído na representação estratégias possíveis para sua exploração. Num es-
pictórica, o elemento central da geração deste efeito tudo mais detido podemos observar as inúmeras
tem relação com a assimilação dos aspectos psicoló- formas pelas quais um tema visual (geralmente pro-
gicos da estruturação do campo visual com ques- veniente da arte pictórica) emerge num outro mode-
tões de poética das imagens: deste modo, para lo de apropriação e utilização. Pensamos que a emer-
Gombrich, o aspecto mais importante do “efeito de gência do grotesco atravessa este momento.„FAMECOS
testemunho” na história das representações visuais
tem a ver com a regra pela qual o artista não deverá NOTAS
incluir na sua composição das ações elementos que
não pudessem estar presentes ao olhar, uma vez 1 Cf. Picado, Benjamim. “Ícones, Instantaneidade,
dadas as condições de sua especificação, no plano Interpretação: por uma pragmática da
icônico da representação (o que nos promete, en- representação pictórica na fotografia”. In:
quanto um traço da discursividade do drama visu- Galáxia. 9 (2005): pp. 185–198. Para uma
al, que o mesmo se desenvolva, a partir de um recapitulação das abordagens semiológicas
aspecto que a obra possa especificar, dadas as con- sobre o valor discursivo das representações
dições em que ela a testemunha, isto é, que, entre visuais, a visão mais completa nos é oferecida
outras coisas, ela se dá em perspectiva): daí, que o por Umberto Eco, na segunda parte de La
estilo que encontramos associado a toda esta linha- Struttura Assente. Cf. ECO, Umberto. “O Olhar
gem não se define como especificação de aspectos Discreto: por uma semiologia das mensagens
visuais (ou como modelação icônica) sem que consi- visuais”. In: A Estrutura Ausente (trad. Pérola de
deremos, ao mesmo tempo, as necessidades das Carvalho). São Paulo: Perspectiva (1978): pp. 98–121.
quais ele se deriva (não apenas render o visível, mas
instaurar por sobre suas substâncias um sentido de 2 Cf. Picado, Benjamim. “Olhar testemunhal e
desdobramento, de narrativa, de discurso). representação da ação na fotografia”. In: e-
compós. 3 (2005). www.compos.org.br/e-
Tenhamos em conta que, ao transmitir esta ex- compos: pp. 1–29.
periência do testemunho ocular, a imagem ser-
ve a um duplo propósito – ela nos mostra o que 3 Cf. Fresnault-Deruelle, Pierre. “Première Partie:
se passou lá fora, mas também, por implicação, crever l’écran”. In: L’Éloquence dês Images. Paris:
o que ocorreu ou poderia ter ocorrido a nós, PUF (1993): pp. 23–74.
física ou emocionalmente. Nós entendemos, sem
muita reflexão, aonde é que deveríamos nos 4 Dentre aqueles que procuram tratar os aspectos
localizar, em relação ao evento representado, e psicológicos dos fatos artísticos, sem dúvida
que momento devemos compartilhar vicaria- Gombrich é o autor que abordou de maneira
mente com aquela testemunha ocular. Não há mais pregnante o problema do “efeito de
qualquer diferença de princípio entre a imagem testemunho”, em certos gêneros de imagens
e o instantâneo único entre milhões, dentre os pictóricas, os quais procuramos combinar aqui
quais o fotógrafo de guerra poderia sonhar. 8 com as abordagens mais afeitas à estruturação
textual da imagem. Cf. Gombrich, E.H.
Os argumentos de Gombrich parecem combinar- “Standards of Truth: the arrested image and the
se às provocações de Fresnault-Deruelle quanto a moving eye”. In: The Image and the Eye: further
esta construção do olhar implícito na publicidade. studies in the psychology of pictorial representation.
Este modelo de construção visual configura a inten- London: Phaidon (1982): pp. 244, 277.

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Angie Biondi e Benjamin Picado • 117–124

5 Fresnault-Deruelle, Pierre. “La communication PICADO, Benjamim. “Olhar testemunhal e


abîmée”. In: L’Éloquence dês Images, op.cit.: p. 26. representação da ação na fotografia”. In: e-
compós. 3 (2005). www.compos.org.br/e-compos:
6 Ibid: p. 30. pp. 1, 29.

7 Fresnault-Deruelle, Pierre. “La Communication VÉRON, Eliseo. De l’image sémiologique aux


abîmée”, op.cit.: p. 29–30. discursivirtés: le temps d’um photo. In: Hermes.
13/14 (1994).45–64p.
8 Gombrich, E.H. “Standards of Truth”, op.cit.: p.
254.

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