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Apresentação

Prezados(as) professores(as),

V ocês têm em mãos a Revista de Educação da APEOESP,


contendo resenhas da bibliografia do concurso para Diretor
de Escola, já autorizado pelo Governador e anunciado pela
Secretaria Estadual de Educação.
Organizada pela Secretaria de Formação, esta
publicação contém as resenhas dos livros que compõem
a bibliografia dos concursos, realizadas por profissionais
altamente qualificados, e visa fornecer subsídios necessários
para que cada um/a dos/as candidados/as, associados/as da
APEOESP, possa ter o melhor desempenho possível neste
concurso, para que consigam contribuir para que as unidades
escolares da rede estadual de ensino sejam geridas de forma
cada vez mais competente e democrática.
A APEOESP também está oferecendo um curso
preparatório, com desconto de 30% para associados e
associadas do sindicato. Para maiores informações, acesso o
portal da entidade na internet: www.apeoesp.org.br.
Nosso sindicato possui uma trajetória histórica de luta
por educação pública de qualidade e valorização profissional
do magistério. Por isso, queremos contribuir com nossos
associados e associadas neste momento, desejando a todos e
todas o máximo sucesso neste desafio.
Boa sorte.
Um forte abraço.

Maria Izabel Azevedo Noronha


Presidenta da APEOESP
Editorial
“Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
(...)
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente”.

P
Mãos dadas - Carlos Drummond de Andrade

ensar sobre o papel do gestor escolar, do diretor de escola, requer relacionar alguns dos fenô-
menos do presente. Baseando-se na premissa de que as mudanças são naturais, necessárias e
a cada vez mais rápidas, a globalização, a globalização da cultura, a ressignificação dos Estados
e seu ambiente institucional, os processos de individualização e fragmentação social e cultural,
a expansão e a proliferação dos meios de comunicação de massa e o aumento vertiginoso das
novas tecnologias da informação, torna-se necessário reconfigurar o papel da escola e do gestor
escolar. Precisamos nos compreender inseridos em uma nova formação histórica, enfrentando
um processo de transição para outra ordem, no sentido (contínuo) de algo novo e diferente. E
este novo está influenciando também nossa maneira de olhar o mundo e de pensar, porque a
subjetividade, o imaginário e a sensibilidade dialogam com contextos históricos, suas práticas,
seus ritmos, experiências, artefatos culturais e perspectivas.
Neste presente, compreendendo o contexto de construção da escola, da educação, é
solicitado pelos governantes da rede estadual de ensino do estado de São Paulo, o seguinte
perfil de diretor de escola:
Como dirigente e coordenador do processo educativo no âmbito da escola,
compete ao diretor promover ações direcionadas à coerência e à consistência de
uma proposta pedagógica centrada na formação integral do aluno. Tendo como
objetivo a melhoria do desempenho da escola, cabe ao diretor, mediante processos
de pesquisa e formação continuada em serviço, assegurar o desenvolvimento de
competências e habilidades dos profissionais que trabalham sob sua coordenação,
nas diversas dimensões da gestão escolar participativa: pedagógica, de pessoas, de
recursos físicos e financeiros e de resultados educacionais do ensino e aprendizagem.
Como dirigente da unidade escolar, cabe-lhe uma atuação orientada pela concepção
de gestão democrática e participativa, o que requer compreensão do contexto em que
a educação é construída e a promoção de ações no sentido de assegurar o direito à
educação para todos os alunos e expressar uma visão articuladora e integradora dos
vários setores: pedagógico, curricular, administrativo, de serviços e das relações com
a comunidade. Compete, portanto, ao Diretor de Escola uma atuação com vistas à
educação de qualidade, ou seja, centrada na organização e desenvolvimento de ensi-
no que promovam a aprendizagem significativa e a formação integral do
aluno para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho.
Nas contradições que engendram as mudanças, este profissional deverá
ter como princípio a gestão democrática e participativa, como referência do
exercício do direito e da cidadania, expressos, por exemplo, nas ações dos jovens
que ocuparam escolas nos anos de 2015 e 2016, compreendidos e apoiados
pelas famílias, comunidades, gestores e professores.
Dialeticamente, contrapondo a visão de senso comum de que as escolas
públicas não cumprem com o seu papel formador, que tudo o que acontece
em seu interior é de péssima qualidade e que gestores, professores e alunos são
desanimados ou desinteressados. O movimento de ocupação deu visibilidade
para a ação da escola pública que forma, ainda que com dificuldades, pessoas
comprometidas e conscientes das transformações sociais, em busca de uma
melhor qualidade na educação e na vida.
Jovens que se articulam pelas diferentes redes sociais, utilizando mídias e
tecnologias alternativas e atuais, se mobilizam, e tornaram suas reivindicações
públicas e engendraram ações e reflexões sobre a educação. Ocuparam escolas
e espaços nas mídias, nas análises das pessoas, na formação cidadã.
Acreditando neste papel formador e transformador da escola, denunciando
e combatendo o que precisa ser mudado, melhorado, este sindicato, APEOESP,
se coloca como parceiro, na construção intrínseca da ação educativa da escola,
inclusive quanto ao importante e essencial papel formativo, porque acredita
que o sindicato, ao lado da escola, é também espaço de construção do sujeito
coletivo e, ao mesmo tempo, de sua manifestação!
Neste sentido, a APEOESP organiza e disponibiliza para seus filiados este
caderno de estudos do material solicitado para o concurso de diretores de escola,
continuando a parceria com estes educadores, que olharão a educação de um
novo espaço, de um local diferente e reafirmando que o compromisso com a
construção com escolas públicas de boa qualidade é nossa maior meta e que a
formação de nossos filiados é um dos caminhos.
Bons estudos! Que este material ajude a passar no concurso, mas, sobre-
tudo, a ser um bom diretor, democrático, competente e transparente.

"Estudar exige disciplina. Estudar não é fácil porque


estudar é criar e recriar. É não repetir o que os outros dizem.
Estudar é um dever revolucionário!" - Paulo Freire

Coordenação da equipe de resenhistas: Professora Ms. Luci Ana Santos


Secretaria de Formação: Zenaide Honório
ÍNDICE
Princípios que orientam a ação do direitor
AZANHA, José Mário Pires. Democratização do ensino: vicissitudes da ideia no ensino
paulista. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, nº 2, p. 335-344, mai/ago 2004....... pág   10
GOMES, Candido Alberto. A escola de qualidade para todos: abrindo as camadas da
cebola. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v13, nº 48,
jun/set. 2005............................................................................................................. pág   13
Gomez-Granell, Carmem; VILLA, Ignácio (org.). A cidade como projeto educativo.
Porto Alegre: Artmed, 2003....................................................................................... pág   16
TEIXEIRA, Anísio. A escola pública universal e gratuita. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 26, n.64, p. 3-27, out./dez.1956................................ pág   19
TORRES, Rosa Maria. Itinerários pela educação latino-americana. Caderno de viagens.
Porto Alegre: Artmed. 2001. .................................................................................... pág   21
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara,
onze teses sobre educação política. Campinas-SP: Autores Associados, 2008. ............ pág   25

Gestão democrática e participativa


ABRAMOVAY, Miriam (Coord.). Juventudes na Escola, sentidos e buscas: Por que
frequentam? Brasília-DF: Flacso - Brasil, OEI, MEC, 2015............................................. pág   46
CASTRO, Jane Margareth; REGATTIERI, Marilza (org.). Interação escola-família:
subsídios para práticas escolares. Brasília : UNESCO, MEC, 2009................................. pág   48
CECCON, Cláudia et al. Conflitos na escola: modos de transformar: dicas para refletir
e exemplos de como. São Paulo: CECIP, IMESP. 2009. ................................................ pág   51
CHRISPINO, A. A mediação do conflito escolar. 2ª edição: São Paulo: Biruta, 2011...... pág   55
COLARES, Maria Lília Imbiriba Souza (org.) et al. Gestão escolar: enfrentando os
desafios cotidianos em escolas públicas. Curitiba: Editora CRV, 2009.......................... pág   58
MARÇAL, J.C.; SOUSA, J.V. de. Progestão: como promover a construção coletiva
do projeto pedagógico da escola? Módulo III. Brasília: CONSED, 2009....................... pág   70
LUIZ, Maria Cecília; NASCENTE, Renata Maria Moschen (Org.). Conselho
escolar e diversidade: por uma escola mais democrática. São Carlos: EDUFSCAR,
2013 (Capítulos 1 e 6)................................................................................................ pág   91

Planejamento estratégico
MURICI, Izabela Lanna; CHAVES, Neuza Maria Dias. Gestão para resultados na
educação. 2 ed. São Paulo: FALCONI Editora, 2016. ..................................................pág 108
Instituto de Co-responsabilidade pela Educação. Modelo de Gestão: Tecnologia
Empresarial Sócioeducacional (TESE): uma nova escola para a juventude brasileira:
escolas de ensino médio em tempo integral: manual operacional. Recife: ICE: 2007. .. pág 117
ACÚRCIO, Marina Rodrigues Borges (Coord.). A gestão da escola. Porto Alegre:
Artmed, 2003. (Escola em ação, 4) (Introdução, cap. 1 a 3)........................................pág 120
ALONSO, Myrtes. A gestão/administração educacional no contexto da atualidade.
In: VIEIRA, Alexandre Thomas et al (org.). Gestão Educacional e Tecnologia.
São Paulo: Avercamp. 2003........................................................................................pág 138
Foco em qualidade e resultados
CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Sistemas nacionais de avaliação
e de informações educacionais. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1,
p. 121-128, 2000......................................................................................................pág 142
FERNANDES, Maria Estrela Araújo. PROGESTÃO: Como desenvolver a avaliação
institucional da escola? Modulo IX. Brasília: CONSED- Conselho Nacional de
Secretários de Educação, 2009...................................................................................pág 144
KLEIN, R.; FONTANIVE, N.S. Alguns indicadores educacionais de qualidade no Brasil
e hoje. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 23. nº 1, p. 19-28, jan/jn 2009...........pág 147
RIBEIRO, Vanda Mendes; GUSMÃO, Joana Buarque de. Uma análise
de problemas detectados e soluções propostas por comunidades escolares
com base no Indique. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 22, n. 50,
p. 457-470, set./dez. 2011.........................................................................................pág 149

Gestão pedagógica
COLL, César. Comunidades de aprendizagem e educação escolar................................pág 154
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar. 22ª edição. São
Paulo: Cortez Editora, 2011........................................................................................pág 158
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo.
São Paulo: E.P.U., 1992..............................................................................................pág 161
SENNA, Sylvia Regina Carmo Magalhães; DESSEN, Maria Auxiliadora. Contribuições
das teorias do desenvolvimento humano para a concepção contemporânea da
adolescência . Psicologia: Teoria e Prática. Brasília, v. 28, nº 1, p.101-108, jan/mar..............pág 164
ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Como aprender e ensinar competências.
Porto Alegre: Artmed, 2010. .....................................................................................pág 171
VEIGA, Ilma P.A. (Org.) Projeto Político Pedagógico da escola – uma construção
possível. 29ª edição, Campinas: Papirus, 2011 (Magistério).........................................pág 183
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e terra, 1996 (Leitura).........................................................................pág 192

Gestão de processos administrativos


LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 6ª edição.
São Paulo: Heccus, 2013............................................................................................pág 200

Gestão de Pessoas
MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda. Novas tecnologias
e mediação pedagógica. 21. ed. rev. e atual. Campinas: Papirus, 2013. .....................pág 228
TRIGO, João Ribeiro; COSTA Jorge Adelino. Liderança nas organizações educativas:
a direcção por valores. Revista Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação.
Rio de Janeiro,v. 16, n. 61, p. 561-582, out./dez. 2008..............................................pág 247
ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de; SILVA, Maria da Graça Moreira da. Currículo,
tecnologia e cultura digital: espaços e tempos de web currículo. Revista
e-Curriculum, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 1-19, abr. 2011. ..............................................pág 252
Princípios que
orientam a ação
do direitor
AZANHA, José Mário Pires. Democratização do ensino: vicissitudes
da ideia no ensino paulista. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30,
nº 2, p. 335-344, mai/ago 2004. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/ep/v30n2/v30n2a12
Reconhecendo que o termo “democracia” pode
Resenha elaborada por prestar a todo tipo de propaganda ideológica, o
Luci Ana Santos da Cunha. autor afirma há muita dificuldade em esclarecer a
Possui Pedagogia e Mestrado pela Faculdade noção derivada de ensino democrático. Para con-
de Educação da USP. Supervisora Escolar tornar esse obstáculo, distingue entre a propaganda
da PMSP. e a ação democratizadora, atendo-se ao exame da
Princípios que orientam a ação do direitor

Docente do Ensino Superior. segunda. Neste sentido analisa alguns esforços de


democratização do ensino no Estado de São Paulo,
através dos seguintes episódios: Reforma Sampaio
Dória (1920); expansão da matrícula no ensino
ginasial (1967-1969) e tentativa de renovação
pedagógica proposta pelos Ginásios Vocacionais.
Nessa análise procura também distinguir entre a
ideia de democratização do ensino como prática
de liberdade e como expansão de oportunidades
a todos, procurando mostrar como no primeiro
sentido pode haver uma degradação, em termos
pedagógicos, da ideia de democracia política.
Relaciona então alguns conceitos: Gerth e
Wright Mills (1953): “a palavra Democracia, em
especial quando usada na moderna competição
propagandística, passou, literalmente, a significar
todas as coisas, para todos os homens”. UNESCO
(1948): simpósio no qual se discutiram os “confli-
tos ideológicos acerca da democracia”. Apesar das
diferenças radicais de posição acerca do significado
de “democracia” e de suas implicações políticas,
sociais e econômicas, houve um ponto que foi a
premissa fundamental de todas as posições: a valo-
rização do ideal democrático. Todos concordaram
na “aceitação da democracia como a mais alta forma
de organização política e social” e com a tese de que
“a participação do povo e os interesses do povo são
elementos essenciais para o bom governo e para
as relações que fazem possível o bom governo”. É
essa unanimidade na superfície e essa divergência
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profunda acerca do significado de “democracia”


que tomam muito difícil o esclarecimento da noção
derivada de “ensino democrático”. Naess e Rokkan,
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reconhecendo as inconciliáveis divergências, neste
jan/2017 simpósio, afirmaram: “... o significado geral de
‘democracia’ é tão claro e livre de ambiguidade ganização do ensino primário (a obrigatoriedade
quanto a linguagem corrente permite; é a expressão escolar que começava aos 7 anos de idade, passa
de um ideal, um modelo, e um desígnio, um reflexo para 9 anos); os programas foram concentrados e
de aspirações humanas. As disputas ideológicas não o ensino primário, reduzido para dois anos. “Com
se levantam deste significado geral e do tipo ideal essas medidas — pensava-se — o ensino primário
de relações humanas que ele expressa; as disputas poderia num curto período estender-se a todos e,
dizem respeito às condições que levam ao progresso portanto, democratizado”.
até este ideal, aos meios pelos quais ele pode ser al- O autor afirma que esta reforma indica a com-
cançado, à ordem das providências a serem tomadas preensão de que não se democratiza uma insti-
no seu desenvolvimento. Como consequência, as tuição pública como a escola sem que ela alcance
atuais controvérsias ideológicas não se concentram a todos. Esta reorganização e redução do ensino
no significado de ‘democracia’, mas nas teorias primário provocaram duras críticas e protestos,
sobre as condições de seu desenvolvimento e os não apenas na época (e que acabaram por levar à
meios de sua realização”. sua revogação), mas também ao longo dos anos

Princípios que orientam a ação do direitor


Afirmando que é ilusória a unanimidade das da parte dos estudiosos que a analisaram. Dentre
alegações democráticas, neste trabalho com relação estes se destaca a figura de Anísio Teixeira, que
ao ensino em São Paulo, o autor buscará distinguir sempre criticou esta reforma.
entre a propaganda da educação democrática e Expansão do ensino ginasial em 1968-70: Na
providências no plano da ação afirmando que “a Administração Ulhoa Cintra (1967-1970), a
primeira só interessará incidentalmente na medida Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
em que estiver vinculada de modo direto com al- formulou e executou uma política de expansão
gum episódio político ou administrativo que diga do ensino ginasial, que tinha se transformado
respeito ao tema tratado”. no ponto de estrangulamento do sistema escolar.
Em relação aos esforços de democratização Os exames de admissão para ingresso no ensino
ginasial, obrigatórios por lei federal, haviam se
do ensino em São Paulo, ressalta os seguintes
transformado numa “barreira quase intranspo-
episódios: Reforma Sampaio Dória (1920),
nível para a grande massa de egressos do primá-
Manifesto dos Pioneiros (1932), luta pela escola
rio”. Os exames admissionais eram elaborados
pública (1948-1961), expansão da matrícula no
pelas próprias escolas com extremo rigor, a fim
ensino ginasial (1967-1969) e esparsas tentativas
de evitar o impasse de candidatos aprovados e
de renovação pedagógica (Ginásios Vocacionais,
sem matrícula. Diante disso, a Secretaria uni-
por exemplo), constatando que estes casos exem-
ficou a preparação das provas e reduziu as suas
plificam uma ou outra de duas maneiras básicas
exigências. Os exames de admissão, unificados e
de compreender a democratização do ensino: 1)
facilitados, deixam de ser uma barreira e a grande
como política de ampliação radical das oportuni-
maioria dos candidatos foi aprovada.
dades educativas (é o caso da Reforma Sampaio
Tal medida encontrou resistência de grande
Dória e da expansão das matrículas no ciclo gina-
parcela do magistério, que embora defendesse a
sial) e 2) como prática pedagógica (é o caso dos
“democratização do ensino”, reclamava do rebaixa-
Ginásios Vocacionais). Na sequência faz uma breve
mento da qualidade do ensino. E esta parcela não
descrição e comentário de cada uma:
procurou se adequar à nova realidade da clientela
Reforma Sampaio Dória: Assumindo a Direto- escolar e insistiu na manutenção de exigências que
ria da Instrução Pública do Estado de São Paulo redundariam na reprovação maciça dos alunos.
(1920), Dória constatou que a situação do ensino Neste aspecto, o autor declara que reprovação em
primário era altamente deficitária: era necessário massa é sempre índice de defasagem entre critérios
que se duplicasse a rede de escolas para que fosse
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de exigência e reais condições de ensino aprendi-


possível absorver a população escolarizável e não zagem. Continua relatando que, a Administração,
havia capacidade financeira para enfrentá-la. para contornar a ameaça da reprovação maciça, ins-
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Sampaio Dória toma como pontos centrais tituiu um sistema de pontos por alunos aprovados
da reforma: erradicação do analfabetismo, reor- que pesava na recontratação dos professores. jan/2017
A renovação dos Ginásios Vocacionais: O Sobre esta oposição (quantidade / qualidade)
ensino vocacional foi desenvolvido, desde 1962 destaca:
até 1968, por seis unidades ginasiais instaladas Democratização do ensino como prática da
na Capital e em cidades do interior. Não havia liberdade:
entre essas unidades nenhuma diferença básica Identificada como uma proposta sedutora para
de orientação. Por força de um estatuto legal os educadores e a sua aceitação ou não, interpre-
próprio gozaram de uma ampla e privilegiada tada como uma visão progressista ou retrógrada
autonomia didática, administrativa e financeira. da educação.
Foi possível assim um trabalho não viável na rede
Visão progressista: transformar politicamen-
comum de escolas. Essa oportunidade foi inten-
te a sociedade por meio de educação (Ginásios
samente aproveitada e as atividades desenvolvidas
Vocacionais). A escola democratizada, formando
orientaram-se sempre num sentido de renovação
homens livres, edifica a sociedade democrática.
metodológica e curricular com confessadas inten-
O autor declara que é uma ideia simplista da
ções democratizadoras.
Princípios que orientam a ação do direitor

sociedade política, pois a concebe como sendo


O Ensino Vocacional se preocupava com a mero reflexo de características dos indivíduos
realização de uma experiência que pudesse ser de que a compõem: “Pretendemos apenas escapar
valia para a formação do “Homem Brasileiro”, em da ingenuidade de supor que “a democracia não
contraposição às tentativas de “transposição de pa- pode funcionar sem democratas”. E (que) cabe à
drões culturais e modelos estrangeiros estranhos à educação formá-los”; porque democracia se refere
realidade do País”. A experiência Vocacional surge a uma situação política, social e econômica que não
com a preocupação de situar o jovem como alguém se concretiza pela simples associação de indivíduos
atuante e inspirada em alguns princípios da Escola democráticos”.
Nova, enfocando principalmente o problema da O autor então analisa a pedagogia libertária:
liberdade do educando como agente da própria “A liberdade na vida escolar, por ilimitada que
Educação, do seu próprio desenvolvimento, e do seja, ocorre num contorno institucional que, pela
professor como instrumento estimulador e expli- sua própria natureza e finalidade, é inapto para
citador das situações educativas. reproduzir as condições da vida política”. Esclarece
Neste contexto, os Ginásios Vocacionais se que a liberdade do aluno é condicionada e dirigida
recusam a participar dos exames unificados, de- por objetivos educacionais e que não há qualquer
fendendo que a democratização do ensino era garantia de que a prática da liberdade na escola
concebida como algo que deveria ocorrer intra- contribua para a formação de vontades livres e
muros no plano pedagógico e não pela ampliação autônomas.
das oportunidades educativas. Democratização do ensino como expansão de
Sobre os Ginásios Vocacionais, o autor conclui oportunidades:
que conceberam a democratização do ensino como Retomando a premissa que entre os educadores
fundada numa “prática pedagógica reservada a a democratização do ensino através da ampliação
poucos pelo alto custo em que importava”. de vagas é responsável pelo rebaixamento da
A partir das experiências relatadas, Dória de- qualidade do ensino, destaca que este argumento
senvolve a ideia de que democratização do ensino, repousa sobre dois equívocos que têm uma mesma
como consistindo basicamente numa prática edu- matriz: considerar que a extensão das oportunida-
cativa fundada na liberdade do educando, tem sido des educativas é apenas um aspecto do processo
muito mais atraente para os educadores do que a pedagógico de democratização do ensino.
democratização como extensão de oportunidades Equívoco 1: a extensão de oportunidades é
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a todos. Indica ainda que ampliar as matrículas e uma medida política e não uma simples questão
instituir uma prática educativa especial poderiam técnico-pedagógica. A ampliação de oportunidades
ser conjugados, mas historicamente, pelo menos decorre de uma intenção política e é nesses termos
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no caso de São Paulo, estas possibilidades têm se que deve ser examinada. “Não se democratiza o
jan/2017 apresentado como opções que se excluem. ensino, reservando-o para uns poucos sob pretex-
tos pedagógicos. A democratização da educação em pesquisas empíricas — apenas obscurece o
é irrealizável intramuros, na cidadela pedagógica; significado político dos argumentos em jogo.”
ela é um processo exterior à escola, que toma a Quanto a isto o autor declara que o rebaixamen-
educação como uma variável social e não como to da qualidade do ensino, decorrente da sua am-
simples variável pedagógica”. pliação, somente ocorre por referência a uma classe
Equívoco 2: mais grave, porque é mais sutil: social privilegiada, porque, “nesta esfera, como
supor que a avaliação da qualidade do ensino seja em outras, os móveis egoístas de alguns setores da
feita a partir de considerações exclusivamente população (as classes conservadoras e uma parcela
pedagógicas, como se o alegado rebaixamento das classes médias) tendem a prevalecer sobre as
pudesse ser aferido numa perspectiva meramente necessidades essenciais da sociedade brasileira”.
técnica. ”Contudo, essa suposição é ilusória e Concluindo, o autor destaca que: “E é nesse
apenas disfarça interesses de uma classe sob uma esforço para continuar a prevalecer que se lamenta
perspectiva técnico-pedagógica. Esta — ainda que a queda de qualidade de ensino, mistificando, cons-
sinceramente invocada e mesmo quando baseada ciente ou inconscientemente, uma questão política

Princípios que orientam a ação do direitor


GOMES, Candido Alberto. A escola de qualidade para todos:
abrindo as camadas da cebola. Ensaio: Avaliação e Políticas
Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v13, nº 48, jun/set. 2005.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v13n48/27551.pdf
Neste artigo, Gomes (2005) argumenta as
Resenha elaborada por variáveis centradas nas diferenças entre escolas e
Luci Ana Santos da Cunha. dentro das escolas, tendo como base a literatura
Possui Pedagogia e Mestrado pela Faculdade nacional e internacional.
de Educação da USP. Supervisora Escolar A organização, a estrutura escolar e o sistema edu-
da PMSP. cacional por muito tempo foi comparado a uma caixa
Docente do Ensino Superior. preta, que processava insumos e oferecia resultados
à sociedade de forma mecânica, porém esta visão
hoje é muito simplista diante da complexidade das
nossas instituições escolares. Neste prisma, o sistema
educacional esta dividido em camadas, como a de
uma cebola: na primeira camada estão as diversas
redes, depois os órgãos gestores regionais e locais;
em seguida as diferentes escolas, e nestas, as diversas
turmas, com seus variados professores e, por fim, os
grupos de alunos, com adesão maior ou menor aos
objetivos da escola. Nesta perspectiva é necessário
estudar camada por camada, assim, depois de abrir
as camadas mais amplas do sistemas educacional,
é preciso estudar a casca da escola e, dentro dela, a
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camada da turma, do professor e do aluno, em dife-


rentes âmbitos, relacionando-se entre si. Assim, nesta
interpretação que se aproxima da cebola, abrindo
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camada por camada, superamos a visão de um sistema
educacional voltado a uma caixa preta. jan/2017
Diferenças entre as escolas principalmente na educação primária. Porém
Pesquisas internacionais têm evidenciado que no caso do Nordeste brasileiro, verificou-se que
as diferenças de rendimento discentes são com as escolas maiores eram as que apresentavam
frequência tão amplas entre países quanto entre maiores facilidades e serviços educacionais, e
as escolas do mesmo país. Desta forma, estudos como estas variáveis estão relacionadas ao apro-
em escolas na América Latina investigam quais veitamento discente, estas escolas apresentam
fatores têm impactos significantes no rendimen- maior proficiência. Em relação ao tamanho da
turma, existe controvérsias, pois linhas gerais
to dos discentes, assim foram destacadas fatores
da literatura internacional confirmam que não
como: despesas por aluno; instalações e recursos;
há evidências que quanto maior a turma, maior
tamanho da escola e da turma; tempo letivo; os
seu aproveitamento; porém a análise indicou
professores; o clima escolar; gestão escolar; e os
efeitos mínimos em turmas de 20 a 40 alunos,
efeitos dos colegas.
mas percebeu melhores rendimentos em turmas
Gomes (2005) discorre o impacto de cada uma de 15 alunos ou menos.
Princípios que orientam a ação do direitor

destas variáveis entre as escolas, como também


 Tempo letivo: O tempo letivo apresenta uma
verifica o impacto de uma variável sobre a outra.
relação positiva e significante com o rendimen-
  Despesas por aluno: Neste fator o autor ques- to, no entanto este fator está ligado a outras
tiona: a escola mais cara é necessariamente me- variáveis, como o tempo atribuído ao ensino
lhor? No senso comum, constata-se uma certa pelos professores, o tempo de envolvimento
tendência de, quanto mais alta a despesa por do aluno na aprendizagem, o tempo de investi-
aluno, melhor o desempenho em vários indi- mento dos alunos nas tarefas escolares, além da
cadores educacionais. No entanto, as pesquisas relação professor e aluno. Na variável dever de
revelam que não existe uma relação automática casa, pesquisas mostraram que estas atividades
entre o aumento das despesas e o aumento têm impacto positivo, pois prolongam o tempo
do rendimento discente, pois a intermediação letivo no que se diz respeito a aprendizagem do
passa pelos processos dentro da escola, assim, aluno, porém é importante que estes deveres
a ligação que se pode extrair é que o investi- de casa não sejam automáticos mais sim signi-
mento de recursos deve estar vinculado com os ficantes ao estudante.
procedimentos que contribuam para melhorar
 Os professores: Os docentes são usualmente
a efetividade da educação.
recompensados em suas carreiras com base na
  Instalações e recursos: Pesquisas realizadas sua escolaridade e no tempo de serviço, em
nas escolas latino-americanas indicaram que gradação crescente. No entanto, as resenhas das
as instalações e recursos apresentam impacto pesquisas internacionais mostram que em rela-
relativamente pequeno ou moderado, sendo ção ao tempo de experiência, em vez de ter um
o mais importante entre eles os recursos (bi- impacto crescente, parece percorrer uma linha
blioteca, livros didáticos, textos, etc). Estas ascendente depois declinante, pois, de acordo
escolas, mesmos não possuindo uma grande com os estudos, o professor para apresentar
quantidade de material didático, apresentaram maior rendimento satisfatório precisa de cinco
uma notável porcentagem de aproveitamento anos de experiência, e após os 20 anos, entra
na forma eficiente como usavam estes matérias, numa fase de declínio na atividade docente.
especialmente os livros didáticos. Nas escolas Em contrapartida, no caso da América Latina,
do Nordeste do Brasil, as pesquisas revelaram a experiência docente entre 10 e 20 anos favo-
que os equipamentos e a infraestrutura peda- receu o rendimento discente, assim como os
gógica da escola indicam de forma positiva e salários, o vínculo contratual permanente e a
significativa no aproveitamento, principalmente
Nº 10 • Abril/99

formação pós- secundária. As pesquisas ainda


nas oitavas séries. apresentaram que as variáveis como gênero,
 Tamanho da escola e turma: As pesquisas formação pedagógica e formação continuada
14
14
revelaram que as escolas menores apresentam não tiveram impacto significante no rendimen-
jan/2017 maiores vantagens de aproveitamento discente, to discente, porém a variável satisfação com
o salário apresentou um efeito significativo e A alocação da matrícula e a
positivo ao rendimento discente. gestão do espaço
 O clima escolar: O clima escolar apresenta Pesquisas apontam que o critério de distribui-
um impacto muito significativo no rendimento ção de matriculas de acordo com a alocação do
discente, as conclusões convergem para uma aluno, pode acarretar uma escolarização estreita-
atmosfera de encorajamento, altas exigências, mente seletiva, vinculada a renda e aos atributos
tratamento pessoal, liderança (do diretor, que socioculturais do aluno. De acordo com Gomes
tem papel estratégico, e do corpo docente), (2005), para diminuir a desigualdade e segregação
cordialidade, disciplina, relação mais próxima escolar, a setorização da matrícula depende de duas
com a família e os alunos, e parcialmente em condições: (a) que a distribuição da população
consequência disto apoio dos pais. no território não seja demasiado marcado pelas
 A gestão escolar: A autonomia escolar é um diferenças sociais; (b) que a rede particular seja de
tema recorrente quando se trata do sucesso das pouca densidade para não interferir na organização

Princípios que orientam a ação do direitor


do conjunto do sistema.
escolas e dos alunos. Pesquisas apontam que
o compartilhamento de responsabilidade pela
equipe escolar, a não centralização da liderança Diferenças dentro das escolas
na figura do diretor, as normas explicitas, a esta- Acompanhando a estrutura da cebola, após
bilidade no suprimento de recursos, a eficiência abrirmos a camada do efeito escola, temos as ca-
no uso do espaço, do tempo e dos materiais, e madas da sala de aula e dos professores. Entende-
o funcionamento autônomo, estão associados a -se que o clima e a organização do processo de
um resultado positivo ao rendimento do discen- ensino-aprendizagem têm papel relevante e as
condições podem variar tanto de sala para sala
te, fatores estes de uma gestão de autonomia.
quanto em relação a grupos discentes e a alunos
 O efeito dos colegas: Há várias reflexões sobre individualmente.
o impacto que os colegas têm no rendimento do
Gomes (2005) apresenta uma relevante preo-
discente. Uma delas sugere que os seus efeitos
cupação com a hierarquização de status na sala de
resultam de fato de os estudantes internalizarem
aula, uma vez que as expectativas estão associados
as normas da escola para orientar a sua apren-
às posições socioeconômicas, com frequência de-
dizagem e o seu comportamento. Outra sugere terminadas por fontes estruturais de desigualdade.
que os efeitos se devem ao uso da escola como Esta hierarquia acaba levando à dominância de
grupo de referência para fazer comparações so- determinados grupos, de tal maneira que os pro-
bre seu desempenho e desenvolver autopercep- fessores precisam: 1) contrabalançar a composição
ções acadêmica. Uma terceira alternativa, ainda, dos grupos, reunindo alunos que tenham compe-
sugere que os efeitos se devem à modificação tências diferentes, que se equilibrem; 2) examinar
das práticas da escola e dos professores para se criticamente suas expectativas; 3) estimular sobre-
adaptarem às características do corpo discente. tudo os alunos em desvantagens e utilizar o ensino
Por fim, outras pesquisas propõem que os im- cooperativo.
pactos das estruturas educacionais são medidas Outro fator que merece ser destaque de preocu-
por sucessivos níveis da organização social. pação seria a formação de turmas, visto que muitos
Nesta metáfora do sistema educacional com- são os sistemas educacionais que ainda tendem a
parado a uma cebola, Gomes (2005) ressalta que formar turmas de acordo com o aproveitamento,
a camada mais interna da cebola é o discente e é optando pela homogeneidade, em vez da hetero-
necessário que a escola passe por toda estas ca- geneidade. Nesta perspectivas, algumas pesquisas
analisaram que:
Nº 10 • Abril/99

madas acima discutida, para que enfim chegue ao


aluno. As culturas da juventude constituem como   Não há vantagens confirmadas para as turmas
que uma cápsula cujo ingresso nela precisa ser homogêneas, sendo que parte dos estudos dá
ligeira vantagem as classes heterogêneas; 15
15
cuidadosamente negociado, pois é a mais difícil
a ser atingida.   Quanto à regressividade dos efeitos, pode-se jan/2017
recear que, fora de condições experimentais da formação de grupos homogêneos, visto que
rigorosas, os alunos reputados fortes se bene- existe uma persistente tendência de as origens so-
ficiem de ensino qualitativamente superior aos ciais e o capital cultural e social atraírem condições
dos fracos; educacionais correspondentes.
  Quanto às alternativas para a ação, o cami- Por fim, Gomes (2005) conclui que, por mais
nho da aprendizagem individualizada tem reduzida que seja a influência da escola num âmbi-
evidência de fracos benefícios; no entanto, a to geral, é possível atuar sobre os fatores até aqui
organização flexível de grupos homogêneos explorados em formas de camadas, modelando-os
constituídos em função do nível de domínio de modo a oferecer uma educação de qualidade
de uma competência específica traz efeitos para todos. A escola e os discentes não só têm o
positivos inegáveis. seu protagonismo como também a sua margem de
Mesmo as literatura acadêmica apontando influência é mais ampla nos países em desenvol-
vantagens e desvantagens nas turmas homogêneas, vimentos de que nos desenvolvidos. Por isso, os
conjunto das pesquisas de diferentes orientações educadores e a educação podem fazer a diferença.
Princípios que orientam a ação do direitor

teóricas e metodológicas aconselha cautela em face Para tanto é indispensável

Gomez-Granell, Carmem; VILLA, Ignácio (org.). A cidade como


projeto educativo. Porto Alegre: Artmed, 2003.
O livro aborda a relação da escola com a cidade
Resenha elaborada por onde está inserida. Usa a terminologia cidades edu-
Lenita P. M. de Almeida cativas porque parte do princípio de que não adianta
Mestranda do Programa de Educação: apenas uma abordagem de temas como a poluição e
Currículo da PUC-SP a solidariedade em sala de aula para haver uma consci-
ência. É preciso vivenciar os aprendizados socialmente
para incorporá-los. Por isso há que se gerar um pro-
jeto educativo de largo alcance centrado na ideia de
melhorar a cidade e perceber-se como participante
ativo dela para a boa formação do indivíduo.
A cidade de Barcelona, com o Projeto Educa-
tivo da Cidade, destaca-se e apontas direções bas-
tantes positivas nessa jornada. Há outros exemplos
na Itália e no Brasil que também são apontados.
A sociedade como se apresenta hoje está mu-
dando rapidamente. A crise da organização social,
das cidades como o espaço público, o enfraque-
cimento das instituições, evidencia e traz consigo
grandes desafios e oportunidades para a educação.
Construir cidades e organizações socioculturais
que incluam valores educativos e funcionem cada
vez mais amplamente é o objetivo.
Nº 10 • Abril/99

A tecnologia, a mídia e a internet atravessam a


sociedade atual trazendo novas formas de conhecer
e aprender. O uso dessas novas tecnologias e o acesso
16
16
a elas é um traço que deve ser colocado como priori-
jan/2017 dade. O volume de informações recebidas no mundo
atual é imenso e a capacidade de seleção, crítica e pes- lume da “Cidade como projeto educativo” e conta
quisa tem de ser desenvolvida nos jovens e crianças, com os seguintes artigos:
e a escola há de ter um papel muito importante no
desenvolvimento dessas habilidades, uma vez que a 1. Educação, escola, cidade: o
apreensão total dos conhecimentos disponíveis atual- Projeto Educativo da cidade
mente é impossível. “ É preciso aprender a conviver
de Barcelona (Eulália Vintró)
com os meios de comunicação”, diz a autora.
A autora fala do Projeto Educativo de cidade,
Outro traço marcante colocado pela obra é
implantado em Barcelona, a partir de uma reflexão
a crescente exclusão de bens de consumo e de
feita sobre a sociedade espanhola e sua relação com
informação de grande parte da sociedade, o que
a educação. O projeto foi feito com a prefeitura
está criando abismos imensos entre ricos e pobres.
da cidade e propôs profundas mudanças para a
Repensar as cidades como locais de aprendiza- construção de uma sociedade educadora. Dois
gem é fundamental para a proposta de organização processos básicos forma adotados, o primeiro o

Princípios que orientam a ação do direitor


social que é feita pelos autores. A formação de de uma pedagogia da cidade, onde os diversos
pessoas que incluam umas às outras e a formação componentes da cidade participam ativamente
da cidadania precisam ser princípios éticos básicos da construção do currículo, o segundo o de uma
para a compreensão e a construção dessa “nova escrita coletiva de um Plano Educativo de Cidade.
cidade”. O entendimento do coletivo como ho-
A partir daí desencadeia-se uma grande reflexão
mogêneo e multicultural é imprescindível. Viver
e a composição de um caminho que se compõe a
em sociedade passa a ser contribuir ativamente
partir de temas como: sustentabilidade, urbanis-
para aceitação da multiplicidade na convivência.
mo, participação social e meios de comunicação
A igualdade de gênero também aparece fortemente
para a construção de valores de cidadania e comu-
na constituição dos valores familiares.
nidade e para a criação de um novo pacto social
Outro ponto central necessário é a implantação que contemple a municipalização da educação.
de atitudes e atividades sustentáveis. Olhar para
os recursos naturais como necessários e finitos
2. As mudanças tecnológicas
é tornar-se parte constituinte da natureza e do
mundo. e científicas na sociedade
O papel da escola é de um dos componentes
da informação. O papel da
educacionais sociais e não o único. A responsabi- educação (Joan Majó)
lidade tem de ser repartida e devolvida a diversos O autor nos esclarece o termo “sociedade di-
personagens sociais. A vinculação desses agentes gital” trazendo à luz alguns pontos importantes
educativos e o diálogo permanente entre eles é como a nova capacidade humana mundial de
imprescindível. armazenamento de informação a um custo muito
A possibilidade de implantação de um projeto baixo proporcionado pelas inovações tecnológicas
pedagógico de cidade é permeada por algumas e pela digitalização da informação. O mercado
características específicas, passa pelo mapeamento como detentor dos meios de comunicação é outra
das características e possibilidades locais, e por uma característica marcante.
intensa reflexão de quais as qualidades e desafios Trazem mudanças profundas e muito velozes
têm de ser enfrentados. Contar com a administra- na sociedade: o excesso de informação, a mar-
ção do local, entidades e coletivos é imprescindível ginalização dos que não possuem acesso real às
para a disseminação dos ideais e elaboração das tecnologias por não possuírem poder financeiro
novas propostas sociais. para tal, a profunda mudança de característica da
mão-de-obra do fazer para o compreender, o co-
Nº 10 • Abril/99

O livro é uma seleção de artigos de diferentes


autores de diferentes áreas do conhecimento. Tal nhecimento da tecnologia como necessário para ser
composição dá-se pela pluralidade da proposta e absorvido pelo mundo do trabalho, e o crescente
aumento da velocidade de troca de informação. 17
17
convida os leitores à busca de ações para constituir
mais cidades educativas. Trata-se do primeiro vo- O autor traz uma reflexão sobre o aprender jan/2017
e o ensinar do mundo de hoje lembrando que, cepção do mundo onde se está inserido. A não
ao tomar a vida como um ato educativo, deve-se percepção humana sobre a própria fragilidade
aprender o tempo todo. Isso inclui os meios para natural aparece logo no início do texto como
esse aprendizado. Apesar de não apresentar ne- preocupação e risco para a espécie humana, que
nhuma oposição direta à sala de aula o autor cita ocupa globalmente o planeta. O consumo dos
a função de ensinar como imprescindível, porém recursos naturais e as especulações sobre o futuro
separada da função de “dar aula”. Defende que, se do planeta são justificadas e variadas.
o aprendizado é permanente, todas as instituições Se a pretensão é diminuir os resíduos, preci-
que compõem a sociedade têm de ser educativas, samos reduzir o consumo, o que se choca direta-
alinhando-se assim às proposições de cidades edu- mente com os ideais e práticas capitalistas. “(...)
cativas. Coloca ainda que as escolas e as universi- Um modelo de crescimento econômico baseado
dades devem ser instituições que apontam para o no aumento contínuo do fluxo de matéria é insus-
futuro, alerta no entanto para a possibilidade de tentável a longo prazo.”
estarem preparando cidadãos para viverem em um A proposta de mudança vem no termo des-
Princípios que orientam a ação do direitor

formato de sociedade que não existe mais. Aponta materialização das coisas e parte da ideia de cons-
com isso para um possível paradoxo. cientizar as pessoas para as consequências dos
seus pequenos atos diários que tem um impacto
3. Educação: responsabilidade ambiental global irreversível. Para isso propõe-se
social e identidade uma cidade que ofereça condições de mudança
comunitária (Joan Subirats) social de costumes, que vão desde a mobilidade
Trata do projeto de cidade de Barcelona e urbana até o uso de produtos de higiene pessoal.
propõe quatro abordagens de escola. A Escola A reflexão sobre o bem-estar humano e os avanços
Comunitária, a Escola Bairro, a Escola Utilitária tecnológicos compõem a reflexão sugerida para a
e a Escola Identitária. sobrevivência no planeta.

No primeiro caso a escola tem um papel e um


lugar social de comunidade onde a multiplicidade
5. Multiculturalidade: repensar
e as diferenças são aceitas e integradas. a integração socioeducativa
A segunda trata de localização e tradição, ou (Silvia Carrasco)
seja, a localização é a característica da composição No texto, a autora aborda as diferenças e di-
da escola, que ainda não possui projeto de integra- ficuldades de integração entre culturas. O ponto
ção ou construção de identidade. principal do texto é a indisposição social e a difi-
A terceira, a da Escola Utilitária, é a abordagem culdade dos sistemas educacionais de relacionar-
em que a quantidade de atividades e produção é -se com a imigração e a composição social por
o foco prioritário. diferentes culturas.

E por fim, a Escola Identitária é a que tem por


característica uma forte homogeneidade social,
6. A escola diante do desafio
territorial e de valores, mas ainda não dialoga com tecnológico (Eduardo Martí)
seu entorno. O acesso às novas tecnologias na escola é o tema
Em sua conclusão o autor traz a Escola Comu- abordado. Hoje temos em sala de aula diversas tec-
nitária como a sendo a melhor preparada para o nologias, a exemplo inúmeras salas de informática
suporte atual da sociedade e para o crescimento de e uso de variados instrumentos tecnológicos na
redes sociais mais solidárias e saudáveis. escola. Porém a questão focal está em como fazer
com que os alunos e professores se apropriem da
Nº 10 • Abril/99

linguagem da tecnologia e assim empoderem-se


4. O meio ambiente e a
por meio de seu uso. Como destaque de ações
globalização (Salvador Cervera estão a disponibilização das novas tecnologias e
18 e Carmen Gómez-Granell)
18
seu uso cotidiano na escola e em casa, assim como
jan/2017 Os autores abordam a globalização e a per- a formação dos docentes.
TEIXEIRA, Anísio. A escola pública universal e gratuita. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 26, n.64, p.
3-27, out./dez.1956. Disponível em :HTTP://www.bvansioteixeira.
ufba.br/artigos/gratuita.html
Anísio Teixeira (1900-1971) foi um educador
Resenha elaborada por brasileiro que difundiu, nas décadas de 1920 e
Vanda Bartalini Baruffaldi 1930, os pressupostos da chamada Escola Nova,
Doutora em Linguística e Semiótica pela que valorizava a ênfase no desenvolvimento da
Universidade de São Paulo. inteligência e do espírito crítico em detrimento
Professora das Faculdades Integradas Campos da memorização.

Princípios que orientam a ação do direitor


Salles. O artigo supracitado pode ser dividido em
Coordenadora de cursos de graduação e pós- duas partes:
graduação em Letras. I Análise histórica do movimento educacional
brasileiro;
II Propostas para a educação no Brasil.

I Análise histórica do movimento


educacional brasileiro
Trata-se de um pronunciamento feito durante
uma reunião interamericana de ministros da edu-
cação, levada a efeito no Congresso Nacional de
Lima, Peru, com o objetivo de discutir questões
relacionadas ao ensino fundamental.
A importância fundamental do ensino básico –
primário, na terminologia empregada pelo autor
– e a necessidade de torná-lo universal e gratuito é
a tese defendida por Teixeira em seu discurso. Ele
aponta o aspecto positivo da reunião dos ministros,
que se propõem discutir questões educacionais,
temática significativa, uma vez que, apenas na
América Latina, contavam-se, na época, 59 mi-
lhões de analfabetos, inclusive em idade escolar.
Ainda que o encontro deva ser festejado – as-
sim como outros que se realizaram, no mesmo
período, em diferentes locais como São Paulo,
Ribeirão Preto e Belo Horizonte – não se pode
deixar de destacar que nações desenvolvidas já
haviam percebido, em meados do século XIX, a
importância da educação universal e gratuita. Foi
a luta de Horace Mann, nos EUA, ou de Sarmien-
Nº 10 • Abril/99

to, na Argentina. Nota-se nos brasileiros, dessa


forma, um movimento tardio, anacrônico, na luta
pela igualdade de oportunidades de aprendizado. 19
Sarmiento já apontara a relação existente 19
jan/2017
entre classes que detinham o capital econômico- gens e privilégios. No entanto, para Teixeira, a
-financeiro e classes que mantinham um traba- educação deve solucionar os problemas hori-
lho servil e o grau de escolarização de cada uma zontais - sendo universal – e verticais – demons-
delas. Em outros termos, conforme conclui o trando qualidade de trabalho. Foi essa falta de
educador brasileiro, grupos dominantes e gru- equilíbrio que marcou a iniciativa republicana.
pos subservientes assumiram essa configuração Assim, embora o voto livre e secreto tenha se
em decorrência do desnível na educação formal. tornado uma conquista popular, o ranço bipar-
A discrepância seria intensificada caso se man- tite da sociedade se manteve: permaneceram os
tivesse – como ocorreu e ainda ocorre - uma privilegiados de um lado e os marginalizados de
política educacional elitista. outro, o que levou Cesário Mota a comentar, em
Observando diacronicamente o pensamen- 1894: A democracia sem instrução é uma comédia,
to do Brasil em relação à política educacional, quando não chega a ser uma tragédia (p.13).
Teixeira sustenta que, durante a monarquia, não Prosseguindo sua análise histórica, Teixeira
se constatou a preocupação de elevar o nível de
Princípios que orientam a ação do direitor

lembra que as transformações políticas da dé-


conhecimento da população: havia apenas colé- cada de 20 fortaleceram a tese que defendia a
gios particulares, que ofereciam preparo a quem formação das elites. Dessa forma, aquela que
pudesse pagar. preconizava um ensino primário público e
O viés se alterou na época da instauração gratuito foi abandonada, entrando em vigor
da República, forma de governo que, ainda medidas que, ao proporem a redução da carga
de acordo com Teixeira, atingimos sem prepa- horária, apenas denegriam o processo ensino-
ro. À época, nossos educadores endossaram o -aprendizagem.
pensamento dos colegas do restante do mundo Na década seguinte, incentivou-se a educação
acerca da necessidade de se oferecerem bases secundária de onze anos, de perfil acadêmico.
para a educação popular. O viés elitista permaneceu: mesmo que sob
Podem ser citados, então, nomes que se proje- concessão do Estado, era ministrada por parti-
taram no cenário brasileiro em defesa do ensino culares que, evidentemente, não visavam a um
público, argumentando que ele representaria uma bem comum, mas à formação de uma classe
conquista social (p.2). É o caso de Caetano de dominante.
Campos (1844-1891) e de Cesário Mota (1847- Como sabemos, a década de 30 marcou-
1897), cujas vozes, todavia, não tiveram o vigor -se pelas ações contrárias à democracia. Não
suficiente para modificar as diretrizes da educação obstante a popularidade, Getúlio Vargas, ao
nacional. Dessa forma, manteve-se uma estrutura instalar o espírito totalitarista, fez submergir,
dualista, em que as elites continuaram a impor no país, a ideologia voltada para a educação
seus padrões a uma maioria homogênea que pas- pública e universal. Dessa forma, a geração que
sivamente aceitava essa liderança. liderou o Brasil na década de 40 não conheceu
De qualquer modo abriram-se, então, novas os valores de uma doutrina democrática. Assim,
escolas embora em número insuficiente já que a a política educacional continuou reforçando a
demanda por vaga cresceu desproporcionalmen- presença da tradicional exploração de vanta-
te à oferta. Para sanar o problema, reduziram-se gens: restringem-se os horários, facilitam-se os
os horários de aula e improvisaram-se espaços estudos e, consequentemente, a obtenção dos
que pudessem acolher os interessados em es- diplomas. Como escreve o autor: reacionarismo
tudar; ou seja, aumentou-se a possibilidade de e conservadorismo parecem posições inofensi-
matrícula na escola primária sem que houvesse vas, mas seu preço sempre é alto (p.15).
uma contrapartida na infraestrutura física.
Nº 10 • Abril/99

Pontua Teixeira, entretanto, que a defesa do


Foi descaracterizado, portanto, o movimento ensino universal e gratuito nada tem a ver com
educacional, oferecendo-se uma escola de “faz- ideologias de tendência socialista. Ao contrário,
20
20
-de-conta” e atribuiu-se, à expansão escolar, um a educação pública iguala as condições dos indi-
jan/2017 caráter tumultuário que apenas manteve vanta- víduos e torna-se, por essa razão, um caminho
para a aplicação de um capitalismo sem traços Caberia ao Congresso Nacional votar as leis que
de desvios, intoleráveis ao convívio humano. direcionariam a educação brasileira, estabelecendo
os períodos para todos os níveis de escolarização,
II Caminhos para a educação mas concedendo liberdade de organização seja à
brasileira esfera oficial seja à particular. Segundo os padrões
de Teixeira, em termos de ciclos, a escola se estru-
Para o orador, não se pode impedir a iniciativa
privada de abrir escolas. Mas é fundamental não es- turaria da seguinte forma:
quecer que elas não são acessíveis a grande parte da   seis anos para a escoa primária;
população. Por esse motivo, o Estado, mesmo sem   sete ou cinco anos para a média (conforme
deter o monopólio, é quem deve ministrar a educação incorporasse – ou não – os dois anos comple-
universal e gratuita. Na escola pública, não pode pre- mentares da escola primária de seis).
valecer uma divisão de classes. Antes, aproximam-se Os recursos para serem mantidos esses padrões
seus frequentadores e destroem-se preconceitos. Por seriam retirados dos percentuais previstos na Cons-

Princípios que orientam a ação do direitor


esse motivo, apenas ela é democrática. tituição do país e seriam administrados de forma
De acordo com a proposta de Teixeira, a ad- autônoma e inteligente.
ministração das escolas de nível médio e superior Embora geridas pelo Estado, ressalta Teixeira,
deve ser autônoma enquanto a de nível elementar
é preciso lembrar que os assuntos educacionais
deve ser centralizada, tendo como sede o municí-
não devem ter o ranço da burocracia. Assim, a
pio, enquanto não se puder chegar à sede distrital.
educação pública jamais pode ser tratada como um
As unidades escolares estariam ligadas às três assunto meramente “oficial”. Antes, deve ser vista
instâncias da gestão pública: como um processo de desenvolvimento individual,
  os municípios – subordinados aos Estados, gerido e aferido por profissionais especializados e
sujeitos, por sua vez, às diretrizes da União jamais restrita a um formalismo legal.
- administrariam as escolas e nomeariam os Para o educador brasileiro, portanto, só a escola
professores; pública, gratuita e de qualidade é verdadeiramente
  os estados formariam e licenciariam os docentes; democrática. Apenas devemos lamentar que o
  a federação ditaria as diretrizes e bases a serem Brasil ainda não tenha posto em prática essas ba-
seguidas pelas administrações inferiores, ou ses, que os países hoje tidos como desenvolvidos
seja, estados e municípios. passaram a aplicar já no século XIX.

TORRES, Rosa Maria. Itinerários pela educação latino-americana.


Caderno de viagens. Porto Alegre: Artmed. 2001.
1. Informações iniciais e
Resenha elaborada por Vanda
orientações teóricas
Bartalini Baruffaldi
Rosa Maria Torres é uma pedagoga, linguista
Doutora em Linguística e Semiótica pela e jornalista equatoriana que se dedica a assuntos
Universidade de São Paulo. ligados à área da educação sobre a qual tem livros
Professora das Faculdades Integradas Campos
Nº 10 • Abril/99

e artigos publicados. No campo profissional, as-


Salles. sumiu postos em iniciativas pedagógicas do UNI-
Coordenadora de cursos de graduação e pós- CEF; dirigiu programas propostos pela Fundação
graduação em Letras. 21
21
Kellogg para a América Latina e o Caribe; também
sobre educação manteve uma página semanal no jan/2017
jornal El Commercio. No momento, é pesquisa- São iniciativas simples, frequentemente sem
dora independente. registro e sem pretensão de vir a provocar alguma
Fabricio Caivano – ex-diretor da revista espa- significativa transformação educacional. Segundo
nhola Cuadernos de Pedagogia - escreveu o prefácio. Torres, a inovação é vista, pelos organismos que
Ali se leem observações pertinentes ao trabalho de se preocupam com modificações em larga escala,
Torres. Na página 11, por exemplo, tem-se: como uma semente que está na base de alguma
A autora não reconstrói, como alguns teó- implementação de grande monta.
ricos fazem, uma realidade simples, dicotô- A essa oposição associam-se determinadas
mica, um cenário de bons e maus. designações:
De fato, o objetivo de Torres e o modo de Reforma Inovação
composição da obra não abrem espaço para governamental não governamental
visões maniqueístas, pois ela se propõe oferecer oficial não oficial
ao leitor um painel capaz de expor como se en-
convencional não convencional
Princípios que orientam a ação do direitor

contra a realidade educacional latino-americana.


formal não formal
Por trás de suas observações, descortina-se toda
a complexidade que caracteriza a educação na Essas dicotomias estão enraizadas nas mentes
América Latina. dos que atuam na área educacional, sendo parti-
Não há, portanto, espaço para leitura oficial cularmente forte entre aqueles que transitam na
dos fatos, que só aparece com viés crítico. Torres esfera extraescolar. Estes, em geral, possuem aná-
privilegia, por isso, os detalhes, mas não se perde lises estereotipadas dos problemas pedagógicos,
neles: para além dessa escolha, está presente uma fazendo com que sejam criadas, dessa forma, visões
concepção ideal de escola, a seu ver, um lugar onde antagônicas, prejudiciais ao desenvolvimento do
se cultiva não só o saber mas também a dignidade processo ensino/aprendizagem: há aquela que crê
e a felicidade. que as mudanças devem respeitar o eixo vertical
A apresentação do trabalho – desenvolvida pela (em cima/embaixo); outra que elas devem consi-
própria autora – indica as bases que sustentam sua derar o eixo horizontal (dentro/fora); e ainda uma
análise, sempre crítica. Em Mudança, reforma e outra que vê incompatibilidade entre o público e
inovação em educação, a pesquisadora esclarece o o privado.
que, para ela, distingue os conceitos de reforma e Torres acredita que, quando é considerada
inovação, ou da pequena inovação, como especifica. esta última oposição, público/privado, pode-se
A concretização do primeiro termo – a reforma enveredar por um erro de julgamento. Nesse caso,
– está ligada ao patrimônio governamental, a algo toda vez que são usadas expressões como reforma
que vem “de cima” e está... educativa, melhoria na qualidade de ensino,
mudança na educação, a tendência é considerar
comprometida com a política, com o sis-
tema estatal, com o espaço público, com o que elas se aplicam ao sistema público de ensino
dever ser e a norma, com o massivo e com e não ao privado, como se a escola particular não
o homogêneo, seguindo o clássico esquema tivesse necessidade de rever suas ações. Conclui
vertical de cima para baixo (p.15). Torres na página 16:
A inovação, por seu turno, refere-se ao que é Felizmente e, ao mesmo tempo contraditoria-
local, ao que pertence à microestrutura e surge nos mente, os eixos em cima/embaixo; dentro/fora e
níveis mais baixos da pirâmide que representa o público/privado começam a desmoronar. Hoje,
sistema escolar: dela participam os agentes esco- mais do que no passado, reforma e inovação
lares, as comunidades religiosas, as ONGs, as em- aproximam-se a partir do escolar e do extraescolar,
sendo também redefinidos nesse marco os limites
Nº 10 • Abril/99

presas que apoiam financeiramente essas pequenas


tentativas de modificação. Trata-se, portanto, de e as relações entre público e o privado.
ações dos que atuam no cotidiano de uma escola Na verdade, prossegue ela, tomados isolada-
22
22
- dentro ou fora dela - seja na esfera pública seja mente, os braços dessas dicotomias mostraram-se
jan/2017 na privada. ineficazes, pois a experiência indica que, tanto
nos países mais desenvolvidos como nos menos b.  Itinerário II - As instituições educativas
desenvolvidos, as mudanças educativas não estão c.  Itinerário III - Os educadores
nem em cima nem embaixo; nem dentro nem fora,
d.  Itinerário IV - Experiências inspiradoras
mas sim, no vaivém entre ambos, na articulação
de intenções. e.  Itinerário V - Proposições

Pondera a autora que, quando é analisado o bi- Todos eles são constituídos por pequenos re-
nômio dentro/fora, observa-se que, recentemente, latos que, juntos, formam o painel que retrata a
os projetos da esfera não governamental, apresen- educação na América Latina. Essa arquitetura do
tados com o objetivo de estimular uma melhoria livro dificulta as sínteses dos conteúdos. Por essa
das condições de ensino, têm se aproximado da razão, a leitura dos textos é, sem dúvida, necessária
chamada educação formal - ou de Estado - ocu- para que se possa ter uma visão consistente das
pando espaços nas secretarias de educação, que análises de Rosa María Torres acerca da temática
possibilitam a aplicação de propostas capazes de que se propôs tratar.
abrir caminhos, de provocar readapções da escola,

Princípios que orientam a ação do direitor


a.  Itinerário I - O mundo da educação
de oxigená-la enfim.
Esse capítulo oferece, como o título indica, um
Torres vê, portanto, com ceticismo essas vi- painel de como se apresenta a educação no territó-
sões antagônicas. Acredita que mudanças são rio latino-americano. Nele se encontram dezesseis
imprescindíveis, mas que elas devem pressupor relatos, por meio dos quais entramos em contato
um raciocínio dialético para que possam surtir o com o espírito crítico de Torres e ficamos sabendo,
efeito desejado. entre várias outras informações, que:
  em Pernambuco, há uma escola nova, com um
2. O livro prédio de bom padrão, mobiliário sem uso mas
O que acabou de ser exposto permite antever que que não funciona, porque não há dinheiro para
é o compromisso com a mudança, influenciada por contratar professores;
várias coordenadas, que norteará a feitura do livro.
  as secretarias da educação de vários países possuem
a mesma feição, ou seja, o que é válido para uma
2.1 O livro e suas origens
torna-se válido para as outras. Falta-lhes, portanto,
O trabalho se originou das visitas, das conver- individualidade. Assim, por exemplo, em um pe-
sas, anotações e reflexões feitas por Torres durante queno país caribenho, o diagnóstico em torno da
a série de viagens que ela realizou pelo mundo. São, educação comporta três volumes que, entretanto,
como ela mesma confessa, relatos de viagens, feitos não retratam a realidade local: apenas repetem
“com pouca bagagem: um caderno de anotações, lugares-comuns que poderiam ser aplicados a
uma caneta e um olhar rebelde, mantido pela raiva qualquer outro lugar.
e pela ternura” de acordo com o pensamento de
Citam-se os já rançosos problemas de adminis-
Fabrício Caivano no já citado prefácio. O pano
tração; a necessidade de fortalecer o financiamento
de fundo de todas essas histórias - que, em geral,
para a área; a urgência de priorizar a educação
constam de três a quatro páginas - é, como já se
básica. Enfim, como escreve Torres, abordam-se
registrou, a problemática referente à educação na
mais “os problemas da educação do que a educação
América Latina.
como um problema” (p.30), não se chegando a
nenhum resultado positivo;
2.2. O livro e sua estrutura
  devem ser respeitados e elogiados os esforços
Para tornar coerente o conteúdo do trabalho
dos cubanos, que agiram com determinação
com o formato em que ele seria construído, as
para erradicar o analfabetismo na ilha.
partes, que tradicionalmente recebem o nome de
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capítulos, são aqui denominadas itinerários. 2. Itinerário II- As instituições educativas


Encontram-se, na obra, cinco itinerários (ou Nesse tópico, encontram-se catorze textos
cinco capítulos): 23
23
que focalizam o modo como se operacionaliza a
a.  Itinerário I - O mundo da educação educação em território latino-americano. Dessa jan/2017
coletânea faz parte a professora Raquel, a quem o fazendo-o crer que – como acredita Caivano, no
relato “A escola da professora Raquel” é dedicado. prólogo – com pessoas assim talvez nem tudo
Trata-se de uma escola pública e rural, localiza- esteja perdido (p.12).
da em Querétaro, no México. O clima do lugar em As pessoas que desfilam nos relatos desse
que ela se encontra é seco, mas plantas e árvores Itinerário também são conhecidas de quem mi-
são vistas por todos os lados graças à colaboração lita na educação. São citadas mulheres que, além
dos pais que cuidam da vegetação juntamente com trabalharem em dois períodos na escola, ainda
seus filhos. preenchem suas noites com trabalhos manuais,
De acordo com as palavras de Torres, que serão vendidos a fim de complementar a renda
familiar; professores que lutam para desenvolver
A escola está linda, limpa e bem cuidada. O
um trabalho criativo, mas que encontram resis-
espaço externo não dá ideia de que seja uma
tência dentro e fora da escola; alfabetizadores que
escola, mas um parque (p.91).
enfrentam toda sorte de dificuldades para ensinar
A contribuição da professora Raquel à co-
as letras a seus alunos.
Princípios que orientam a ação do direitor

munidade, entretanto, não se reduz a criar um


Como no caso do capítulo anterior, o que
lugar agradável aos olhos. Nas atividades do dia
cativa, na leitura das histórias narradas, é a sim-
a dia, ao lado da cordialidade com que as pessoas
plicidade, que vem entremeada com forte dose de
são tratadas, valorizam-se também os conteúdos
espírito crítico.
convencionais – as paredes das salas de aulas estão
cobertas por textos produzidos pelos alunos – ao d. Itinerário IV – Experiências inspiradoras
lado da música, do canto, da dança. Da arte, enfim. São treze os relatos que foram agrupados como
Nem todas as experiências retratadas nesse nome de Experiências Inspiradoras. São tratados
Itinerário II, todavia, são positivas. A autora dessa forma os projetos que se encontram há mui-
relata o caso da escola que construiu muros para to tempo em andamento e que podem servir de
evitar a aproximação de pessoas da comunidade orientação a quem procura novos caminhos para
que a direção considerou indesejáveis; comenta o suas atividades de educador.
contrassenso de outra, que solicitava aos alunos o O estilo enxuto, objetivo de Torres está presente
desenvolvimento de determinada tarefa em grupo, também nesse capítulo: o contexto, as condições
mas que tinha as carteiras, feitas de terra, fincadas sociológicas, institucionais e econômicas das rea-
no solo. Torres aponta, igualmente, a falta de lizações são apresentados em poucas, mas esclare-
criatividade que marca, de modo geral, a maneira cedoras linhas.
com que são abordados os conteúdos curriculares.
Leia-se, por exemplo, este trecho do “Teorizar
São retratadas, como se nota, situações de que a prática pedagógica: uma experiência em Passo
todo os educadores têm ciência, mas a abordagem Fundo, Brasil” (pp. 219-223).
dos fatos é simples, objetiva, livre do vocabulário
[…] O programa que descrevo aqui, realiza-
especializado que pode agradar ao mundo acadê-
do em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul,
mico, mas que mascara e não resolve os problemas
Brasil, é uma joia: processo longo, trabalhoso,
essenciais da educação.
extremamente cuidado, registrado e sistema-
c. Itinerário III – Os educadores. tizado na realização, alimentado pela pesquisa
Treze pequenos relatos constituem esse capítu- e, ao mesmo tempo, alimentando-a.
lo, que focaliza os agentes do fazer educativo. Os Torres passa a relatar, então, o que diferencia
protagonistas são dos mais variados matizes: há os esse projeto dos demais: trata-se de uma parceria
professores e as professoras; os alunos e as alunas; entre a escola pública e a universidade, em que
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as mães e alguns pais ao lado de líderes populares esta não assume o clássico papel de capacitadora
e especialistas. No geral, são personagens leves, de professores. Ao contrário, coloca-se a serviço
simples, escondidas no anonimato mas que, pela deles, com o propósito de ajudá-los a recuperar e
24
24
criatividade e seriedade com que se empenham sistematizar seus saberes a fim de torná-los mais
jan/2017 em suas tarefas, elevam-se aos olhos do leitor, eficientes nas atividades de ensinar seus alunos.
Além dessa experiência brasileira, Torres se refe- fato de ali se discutirem mais diretamente alguns
re ainda à “escola itinerante”, projeto denominado problemas do mundo da educação.
“Sementinha”, desenvolvido em Vitória, no ES, e Em “Mais do mesmo: um sistema escolar que
destinado a crianças de quatro a seis anos. se estica”, por exemplo, a autora critica a ideia -
Nessa experiência, não há um espaço fixo para ultimamente em voga - segundo a qual quanto
a aprendizagem. mais tempo o aluno passa na escola, melhor será
Crianças e coordenadores fazem do pró- seu aprendizado. Para a autora, ocorre, nesse ra-
prio bairro espaço de aprendizagem... ciocínio, uma falácia tão grande quanto naquele
Por isso, “Sementinha” é conhecida que defende o predomínio da quantidade do con-
como “a escola debaixo do pé de manga”. teúdo programático sobre a qualidade com que é
(p.233) desenvolvido.
Outros textos possuem títulos que, a princípio,
e. Itinerário V – Proposições parecem supérfluos jogos de palavras, mas que,
Os treze relatos desse tópico teriam, em prin- na verdade, propõem elementos para reflexão

Princípios que orientam a ação do direitor


cípio, o propósito de apontar caminhos para a e, consequentemente, estimulam mudança de
educação. Não é esse conteúdo, entretanto, que atitudes. É o caso de “Melhorar a educação para
se encontra em suas páginas, mesmo porque é aliviar a pobreza ou aliviar a pobreza para melhorar
preciso não esquecer que, durante todo o livro, a educação?”(p, 321) Ou mesmo o subtítulo do
Torres coloca seu leitor em contato com a realidade texto 12: “Uma escola amiga das crianças e dos
das escolas latino-americanas. Ora de forma mais pobres: os alunos pobres primeiro são crianças e
aberta ora sub-repticiamente, vai apresentando seu depois são pobres”.
parecer acerca da maneira como os problemas esco-
lares são tratados, criticando determinadas atitudes 3.Conclusão
e elogiando outras que, a seu ver, são positivas ao A quem tem interesse pelo que ocorre, em
fazer educacional. Nesse seu posicionamento dian- termos de educação, nos países latino-americanos,
te dos fatos, o leitor atento e perspicaz encontra Torres oferece, por meio de textos curtos, bem
caminhos que poderiam ser seguidos para cons- escritos e instigantes, não o registro de uma escola
truir uma escola mais adequada a seus usuários. oficial, inodora, despersonalizada. Seu trabalho
O que talvez particulariza o Itinerário V é o mostra a escola que realmente existe.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação,


curvatura da vara, onze eses sobre a eudcação política. Campinas-
SP: Autores Associados, 2008.

Apresentação do livro
Resenha elaborada por Fábio
O livro está organizado da seguinte maneira:
Cristiano de Moraes
o primeiro texto reproduz o artigo “As Teorias da
Graduado em Filosofia pela PUC-SP Educação e o Problema da Marginalidade na Amé-
Doutorado em Filosofia da Educação pela PUC-SP rica Latina” publicado originalmente em Cadernos
de Pesquisa, nº 42, agosto/82, da Fundação Carlos
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Chagas. Os textos seguintes, “Escola e Democracia


(I)” e “Escola e Democracia (II)” reproduzem,
respectivamente, os artigos “Escola e democracia
25
25
ou a ‘Teoria da Curvatura da Vara’”, Ande, 1981,
e “Escola e Democracia: para além da ‘Teoria da jan/2017
Curvatura da Vara”’, Ande, 1982. O último texto, chamadas “teorias não-críticas”.
“Onze Teses sobre Educação e Política”, foi escrito No segundo grupo de teorias concebe a socie-
especialmente para integrar a presente publicação. dade como sendo essencialmente marcada pela
Seu objetivo é encaminhar, de modo explícito, a divisão entre grupos ou classes antagônicas que
discussão das relações entre educação e política já se relacionam à base da força, a qual se manifesta
que aí reside a questão central que atravessa de fundamentalmente nas condições de produção da
ponta a ponta o conteúdo deste livro. vida material. Nesse quadro, a marginalidade é
entendida como um fenômeno inerente à própria
CAPÍTULO 1: AS TEORIAS DA estrutura da sociedade. Nesse contexto, a educação
EDUCAÇÃO E O PROBLEMA DA é entendida como inteiramente dependente da es-
MARGINALIDADE trutura social geradora de marginalidade. Ela longe
de ser um instrumento de superação da margina-
1.  O PROBLEMA lidade, converte-se num fator de marginalização.
De acordo com estimativas relativas a 1970, Neste grupo estão as chamadas “teorias críticas”.
Princípios que orientam a ação do direitor

“cerca de 50% dos alunos das escolas primárias


desertavam em condições de semianalfabetismo ou 2.  AS TEORIAS NÃO-CRÍTICAS
de analfabetismo potencial na maioria dos países 2.1.  A Pedagogia Tradicional
da América Latina” (Tedesco, 1981, p. 67). Isto A constituição dos chamados “sistemas na-
sem levar em conta o contingente de crianças em cionais de ensino” se dá na transição do “Antigo
idade escolar que sequer têm acesso à escola e que, Regime” para a República, portanto, no decorrer
portanto, já se encontram a priori marginalizadas do XIX. Na República tratava-se, pois, de cons-
dela. Tais dados indicados lançam de imediato em truir uma sociedade democrática, de consolidar a
nossos rostos a realidade da marginalidade relati- democracia burguesa. Só por meio da educação era
vamente ao fenômeno da escolarização. possível transformar os súditos em cidadãos, isto
No que diz respeito à questão da marginalidade, é, em indivíduos livres porque esclarecidos, ilus-
as teorias educacionais podem ser classificadas em trados. Nesse quadro, a causa da marginalidade é
dois grupos: identificada com a ignorância. A escola surge como
I. De um lado estão aquelas teorias que um antídoto à ignorância, logo, um instrumento
entendem ser a educação um instrumento de para equacionar o problema da marginalidade.
equalização social, portanto, de superação da Seu papel é difundir a instrução, transmitir os
marginalidade. conhecimentos acumulados pela humanidade e
sistematizados logicamente. A escola organiza-se
II. Do outro, estão as teorias que entendem
como uma agência centrada no professor, o qual
ser a educação um instrumento de discriminação
transmite, segundo uma gradação lógica, o acer-
social, logo, um fator de marginalização.
vo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os
Ambos os grupos explicam a questão da mar- conhecimentos que lhes são transmitidos. Como
ginalidade a partir de determinada maneira de as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era
entender as relações entre educação e sociedade. contar com um professor razoavelmente bem
Para o primeiro grupo a sociedade é concebi- preparado. Assim, as escolas eram organizadas
da como essencialmente harmoniosa, por isso, a na forma de classes, cada uma contando com um
marginalidade é um fenômeno acidental que afeta professor que expunha as lições, que os alunos
individualmente um número maior ou menor de seguiam atentamente, e aplicava os exercícios, que
seus membros, o que, no entanto, constitui um os alunos deveriam realizar disciplinadamente.
desvio, uma distorção que não só pode como Ao entusiasmo dos primeiros tempos sucedeu
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deve ser corrigida. A educação neste contexto progressivamente uma crescente decepção. A re-
emerge como um instrumento de correção dessas ferida escola, além de não conseguir realizar seu
distorções. Ela, de algum modo, promove a coesão desiderato de universalização ainda teve de curvar-
26
26
da sociedade e garante a integração de todos os -se ante o fato de que nem todos os bem-sucedidos
jan/2017 indivíduos no corpo social. Neste grupo estão as se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria
consolidar. Começaram, então, a se avolumar as individuais. Eis a “grande descoberta”: os homens
críticas e todo o sistema fica sob suspensão. são essencialmente diferentes; não se repetem;
2.2  A Pedagogia Nova cada indivíduo é único. Marginalizados são os
“anormais”, isto é, os desajustados e inadaptados
As críticas à pedagogia tradicional formuladas
de todos os matizes. Mas a “anormalidade” não
a partir do final do século XIX foram, aos poucos,
é algo, em si, negativo; ela é, simplesmente, uma
dando origem a uma outra teoria da educação.
diferença. A educação, como fator de equalização
Toma corpo, então, um amplo movimento de re-
forma, cuja expressão mais típica ficou conhecida social, será um instrumento de correção da mar-
sob o nome de “escolanovismo”. ginalidade na medida em que cumprir a função de
ajustar, de adaptar os indivíduos à sociedade, incu-
Segundo essa nova teoria, o marginalizado já
tindo neles o sentimento de aceitação dos demais e
não é, propriamente, o ignorante, mas o rejeitado.
pelos demais. A educação será um instrumento de
É interessante notar que alguns dos principais
correção da marginalidade na medida em que con-
representantes da pedagogia nova se converte-
tribui para a constituição de uma sociedade cujos

Princípios que orientam a ação do direitor


ram à pedagogia a partir da preocupação com os
“anormais” (ver, por exemplo, Decroly e Montes- membros, não importam as diferenças de quais-
sori). Ao conceito de “anormalidade biológica” se quer tipos, aceitem-se mutuamente e respeitem-se
acrescenta o conceito de “anormalidade psíquica” na sua individualidade específica.
detectada por testes de inteligência. Deles forja-se, Essa maneira de entender a educação, distancia-
então, uma pedagogia que advoga um tratamento -se da Pedagogia tradicional, porque deslocado o
diferencial a partir da “descoberta” das diferenças eixo da questão pedagógica:
Pedagogia Tradicional Escola Nova
do intelecto para o sentimento
do aspecto lógico do aspecto lógico
dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos
do professor para o aluno
do esforço para o interesse da disciplina para a espontaneidade
do diretivismo para o não-diretivismo
da quantidade para a qualidade
de uma pedagogia de inspiração filosófica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada
centrada na ciência da lógica principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia
Quadro elaborado por Moraes, 2016. (p. 8)
Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica o escolanovismo apresentava sinais visíveis de
que considera que o importante não é aprender, exaustão. As esperanças depositadas na reforma
mas aprender a aprender da escola resultaram frustradas. Diante deste ce-
A Escola Nova não conseguiu, entretanto, alte- nário, articula-se uma nova teoria educacional: a
rar significativamente o panorama organizacional pedagogia tecnicista.
dos sistemas escolares. Isso porque, além de outras A partir do pressuposto da neutralidade cien-
razões, implicava custos bem mais elevados do que tífica e inspirada nos princípios de racionalidade,
aqueles da Escola Tradicional. Paradoxalmente, em eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga
lugar de resolver o problema da marginalidade, a a reordenação do processo educativo de manei-
“Escola Nova” o agravou, uma vez que se organi- ra a torná-lo objetivo e operacional. De modo
zou basicamente na forma de escolas experimentais semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril,
Nº 10 • Abril/99

ou como núcleos raros, muito bem equipados e pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico.
circunscritos a pequenos grupos de elite. Buscou-se planejar a educação de modo a dotá-la
de uma organização racional capaz de minimizar
2.3. A Pedagogia Tecnicista 27
27
as interferências subjetivas que pudessem pôr em
Ao findar a primeira metade do século XX, risco sua eficiência. Para tanto, era mister opera- jan/2017
cionalizar os objetivos e, pelo menos em certos teorias uma cabal percepção da dependência da
aspectos, mecanizar o processo. Por isso: educação em relação à sociedade. É importante
Na pedagogia tecnicista, o elemento principal destacar que a análise, que estas teorias pedagó-
passa a ser a organização racional dos meios, ocu- gicas que desenvolvem, chegam invariavelmente
pando o professor e o aluno posição secundária, à conclusão de que a função própria da educação
relegados que são à condição de executores de um consiste na reprodução da sociedade em que ela se
processo cuja concepção, planejamento, coordena- insere, bem merecem a denominação de “teorias
ção e controle ficam a cargo de especialistas supos- crítico-reprodutivistas”.
tamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. Tais teorias contam com um razoável número
Compreende-se, então, que para a pedagogia de representantes e manifestam-se em diferentes
tecnicista o marginalizado será o incompetente (no versões, em que pesem esse fato, as teorias que tive-
sentido técnico da palavra), isto é, o ineficiente e ram maior repercussão e que alcançaram um maior
improdutivo. A educação contribuirá para superar nível de elaboração são as seguintes: a) “teoria
o problema da marginalidade na medida em que do sistema de ensino como violência simbólica”;
Princípios que orientam a ação do direitor

formar indivíduos eficientes, isto é, aptos a dar b) “teoria da escola como aparelho ideológico de
sua parcela de contribuição para o aumento da Estado (AIE)”; c) “teoria da escola dualista”.
produtividade da sociedade.
3.1. Teoria do Sistema de Ensino como
Atenção, do ponto de vista pedagógico, Violência Simbólica
conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a
Esta teoria está desenvolvida na obra A Repro-
questão central é aprender e para a pedagogia nova,
dução: elementos para uma teoria do sistema de
aprender a aprender, para a pedagogia tecnicista o
ensino, de P. Bourdieu e J. C. Passeron (1975). A
que importa é aprender a fazer.
obra é constituída de dois livros. O arcabouço do
A pedagogia tecnicista, ao ensaiar transpor para livro I constitui, mais do que uma sociologia da
a escola a forma de funcionamento do sistema fa- educação, porque não se trata de uma análise da
bril, perdeu de vista a especificidade da educação, educação como fato social, mas da explicitação
ignorando que a articulação entre escola e processo das condições lógicas de possibilidade de toda e
produtivo se dá de modo indireto. Além disso, qualquer educação para toda e qualquer sociedade
a pedagogia tecnicista cruzou com as condições de toda e qualquer época ou lugar.
tradicionais predominantes nas escolas e com a
Por que violência simbólica? Toda e qualquer
influência da pedagogia nova. Nessas condições,
sociedade se estrutura como um sistema de relações
a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para
de força material entre grupos ou classes. Sobre
aumentar o caos no campo educativo. Com isso,
a base da força material e sob sua determinação,
o problema da marginalidade só tendeu a se agra-
erige-se um sistema de relações de força simbólica
var: o conteúdo do ensino tornou-se ainda mais
rarefeito e a relativa ampliação das vagas tornou-se cujo papel é reforçar, por dissimulação, as relações
irrelevante em face dos altos índices de evasão e de força material.
repetência. O reforço da violência material se dá pela sua
conversão ao plano simbólico em que se produz e
3. AS TEORIAS CRÍTICO- reproduz o reconhecimento da dominação e de sua
REPRODUTIVISTAS legitimidade pelo desconhecimento (dissimulação)
Essas teorias educacionais trabalhadas até agora de seu caráter de violência explícita. Assim, à vio-
são chamadas de “teorias não-criticas”, porque lência material (dominação econômica) exercida
consideram apenas a ação da educação sobre a pelos grupos ou classes dominantes sobre os gru-
sociedade e desconhecem as determinações sociais pos ou classes dominadas corresponde a violência
Nº 10 • Abril/99

do fenômeno educativo. Inversamente, as teorias simbólica (dominação cultural), esta [violência


do segundo grupo – que serão agora examina- simbólica] se dá de diversas formas: i) formação
das – são críticas, uma vez que postulam não ser da opinião pública pelos meios de comunicação
28
28
possível compreender a educação senão a partir de massa, jornais etc.; II) pregação religiosa; III)
jan/2017 dos seus condicionantes sociais. Há, pois, nessas atividade artística e literária; IV) propaganda e
moda; V) família; e o que nos importa VI) edu- as prisões etc.) e os Aparelhos Ideológicos de
cação. Mais especificamente a ação pedagógica Estado (AIE), que são: AIE religioso (o sistema
institucionalizada, isto é, o sistema escolar. das diferentes Igrejas); AIE escolar (o sistema das
A violência simbólica na escola, de acordo com diferentes escolas públicas e particulares) ; AIE
essa teoria, toma corpo quando a ação pedagógica familiar; AIE jurídico; AIE político (o sistema
(AP) resulta da imposição arbitrária da cultura político de que fazem parte os diferentes partidos)
(também arbitrária) dos grupos ou classes do- AIE sindical; AIE da informação (imprensa, rádio-
minantes aos grupos ou classes dominadas. Essa -televisão etc.), AIE cultural (Letras, Belas-Artes,
imposição, para se exercer, implica necessariamente desportos etc.).
a autoridade pedagógica (AuP), isto é, um poder O conceito “Aparelho Ideológico de Estado”
arbitrário de imposição que, só pelo fato de ser deriva da tese segundo a qual “a ideologia tem
desconhecido como tal, se encontra objetivamente uma existência material”, ela existe sempre radi-
reconhecido como autoridade legítima. A referida cada em práticas materiais reguladas por rituais
ação pedagógica que se exerce pela autoridade materiais definidos por instituições materiais. Em

Princípios que orientam a ação do direitor


pedagógica (AuP) realiza-se pelo trabalho peda- suma, a ideologia materializa-se em aparelhos: os
gógico (TP) entendido: aparelhos ideológicos de Estado. A escola (AIE
[...] como trabalho de inculcação que deve dominante) constitui o instrumento mais acabado
durar o bastante para produzir uma for- de reprodução das relações de produção de tipo
mação durável; isto é, um habitus como capitalista toma a si todas as crianças de todas as
produto da interiorização dos princípios de classes sociais e inculca-lhes durante anos a fio de
um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se audiência obrigatória “saberes práticos” envolvidos
após a cessação da ação pedagógica (AP) e na ideologia dominante.
por isso de perpetuar nas práticas os princí- A escola que abrange a quase totalidade das
pios do arbitrário interiorizado (Bourdieu; crianças, reforça a separação social entre elas. A
Passeron, 1975, p. 44, apud Saviani, p. 54) escola reforçará a divisão já existente na sociedade:
A função da educação é a de reprodução das
desigualdades sociais. Pela reprodução cultural, ela
contribui especificamente para a reprodução social.
De acordo com essa teoria, marginalizados são
os grupos ou classes dominadas. Marginalizados
socialmente porque não possuem força material
(capital econômico) e marginalizados culturalmen-
te porque não possuem força simbólica (capital
cultural). E a educação, longe de ser um fator de
superação da marginalidade, constitui um elemen-
to reforçador da mesma. Não há outra alternativa. 1- Estes vão ocupar os próprios postos dos
Toda tentativa de utilizá-la como instrumento de “agentes de exploração” (no sistema produtivo),
superação da marginalidade não é apenas uma dos “agentes da repressão” (nos aparelhos repres-
ilusão. É a forma pela qual ela dissimula e, por sivos de Estado), e dos “profissionais da ideologia”
isso, cumpre eficazmente a sua função de margi- (aparelhos ideológicos do Estado).
nalização. Todos os esforços, ainda que oriundos 2- Outros avançam no processo de escolariza-
dos grupos ou classes dominadas, reverte sempre ção, mas acabam por interrompê-lo, passando a in-
no reforço dos interesses dominantes. tegrar os quadros médios, os “pequenos-burgueses
3.2. Teoria da Escola como Aparelho de toda espécie”.
Nº 10 • Abril/99

Ideológico de Estado (AIE) 3- Uma grande parte (operários e camponeses)


Althusser, pai desta teoria, distingui no Estado cumpre a escolaridade básica e é introduzido no
processo produtivo. 29
29
os Aparelhos Repressivos de Estado (o governo, a
administração, o exército, a polícia, os tribunais, O AIE escolar, em lugar de instrumento de jan/2017
equalização social, constitui um mecanismo cons- Estado, a escola é um instrumento da luta
truído pela burguesia para garantir e perpetuar seus de classes ideológica do Estado burguês,
interesses. No funcionamento do AIE escolar, a onde o Estado burguês persegue objetivos
luta de classes fica praticamente diluída, tal o peso exteriores à escola (ela não é senão um
que adquire aí a dominação burguesa. A luta de instrumento destinado a esses fins). A luta
classes resulta nesse caso heroica, mas inglória, já ideológica conduzida pelo Estado burguês
que sem nenhuma chance de êxito. na escola visa à ideologia proletária que
Em síntese: “Bourdieu-Passeron ou a luta de existe fora da escola nas massas operárias
classes impossível”. e suas organizações. A ideologia proletária
não está presente em pessoa na escola, mas
3.3.  Teoria da Escola Dualista
apenas sob a forma de alguns de seus efeitos
Essa teoria foi elaborada por C. Baudelot e R. que se apresentam como resistências: entre-
Establet e exposta no livro L'École Capitaliste en tanto, inclusive por meio dessas resistências,
France (1971). Chama-se de “teoria da escola dua- é ela própria que é visada no horizonte pelas
Princípios que orientam a ação do direitor

lista”, porque os autores se empenham em mostrar práticas de inculcação ideológica burguesa


que a escola, em que pese a aparência unitária e e pequeno-burguesa (Baudelot; Establet,
unificadora, é uma escola dividida em duas (e não 1971, p. 42 apud Saviani, p.60).
mais do que duas) grandes redes, as quais corres-
No quadro da “teoria da escola dualista” a esco-
pondem à divisão da sociedade capitalista em duas
la tem por missão impedir o desenvolvimento da
classes fundamentais: a burguesia e o proletariado.
ideologia do proletariado e a luta revolucionária.
Como aparelho ideológico, a escola cumpre Para isso ela é organizada pela burguesia como um
duas funções básicas: contribui para a formação da aparelho separado da produção. Ela qualifica o tra-
força de trabalho e para a inculcação da ideologia balho intelectual e desqualifica o trabalho manual,
burguesa. Cumpre assinalar, porém, que não se tra- assim, pode-se concluir que a escola é ao mesmo
ta de duas funções separadas. Pelo mecanismo das tempo um fator de marginalização relativamente à
práticas escolares, a formação da força de trabalho cultura burguesa assim como em relação à cultura
dá-se no próprio processo de inculcação ideoló- proletária. Consequentemente, a escola, longe de
gica. Todas as práticas escolares estão voltadas à ser um instrumento de equalização social, é du-
inculcação ideológica. A escola é, pois, um apare- plamente um fator de marginalização: converte
lho ideológico, isto é, o aspecto ideológico é do- os trabalhadores em marginais, não apenas por
minante e comanda o funcionamento do aparelho referência à cultura burguesa, mas também em
escolar em seu conjunto. Logo, a função precípua relação ao próprio movimento proletário, bus-
da escola é a inculcação da ideologia burguesa, que cando arrancar do seio desse movimento (colocar
é feita de duas formas concomitantes: em primeiro à margem dele) todos aqueles que ingressam no
lugar, a inculcação explícita da ideologia burguesa; sistema de ensino. A escola, vista como aparelho
em segundo lugar, o recalcamento, a sujeição e o ideológico, é um instrumento da burguesia na luta
disfarce da ideologia proletária. ideológica contra o proletariado; a possibilidade
Vê-se, assim, a especificidade dessa teoria. Ela de que a escola se constitua num instrumento de
admite a existência da ideologia do proletariado. luta do proletariado fica descartada.
Considera, porém, que tal ideologia tem origem Em síntese: “Baudelot e Establet ou a luta de
e existência fora da escola, isto é, nas massas classe inútil”.
operárias e em suas organizações. A escola é um
aparelho ideológico da burguesia e a serviço de 4. PARA UMA TEORIA CRÍTICA
seus interesses. Em síntese: DA EDUCAÇÃO
Nº 10 • Abril/99

A contradição principal existe brutalmente As teorias não-críticas têm uma forma de or-
fora da escola sob a forma de uma luta que ganização e funcionamento da escola decorrente
opõe a burguesia ao proletariado: ela se trava de uma proposta pedagógica veiculada pela teoria;
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nas relações de produção, que são relações já as teorias crítico-reprodutivas não contêm uma
jan/2017 de exploração. Como aparelho ideológico de proposta pedagógica. Elas empenham-se tão-so-
mente em explicar o mecanismo de funcionamento a educação compensatória uma teoria educacional
da escola tal como está constituída. Em relação à seja no sentido de uma interpretação do fenômeno
questão da marginalidade: as teorias não-críticas educativo que acarreta determinada proposta peda-
pretendem ingenuamente resolver o problema gógica (como é o caso das teorias não-críticas), seja
da marginalidade por meio da escola sem jamais no sentido de explicitar os mecanismos que regem
conseguir êxito, as teorias crítico-reprodutivistas a organização e funcionamento da educação expli-
explicam a razão do suposto fracasso. Segundo a cando, em consequência, as suas funções (como
concepção crítico-reprodutivista, o aparente fra- é o caso das teorias crítico-reprodutivistas), seja,
casso é, na verdade, o êxito da escola. ainda, no sentido de um esforço para equacionar,
O problema permanece em aberto. E pode ser pela via da compreensão teórica, a questão prática
recolocado nos seguintes termos: é possível encarar da contribuição específica da educação no processo
a escola como uma realidade histórica, isto é, sus- de transformação estrutural da sociedade (como
cetível de ser transformada intencionalmente pela será o caso de uma teoria crítica da educação).
ação humana? Retenhamos da concepção crítico-

Princípios que orientam a ação do direitor


-reprodutivista a importante lição que nos trouxe: CAPÍTULO 2: ESCOLA E
a escola é determinada socialmente; a sociedade DEMOCRACIA I: A TEORIA
em que vivemos, fundada no modo de produção DA CURVATURA DA VARA
capitalista, é dividida em classes com interesses
Movimento do texto.
opostos; portanto, a escola sofre a determinação do
conflito de interesses que caracteriza a sociedade. Num primeiro momento:
Considerando-se que a classe dominante não tem A exposição das três teses.
interesse na transformação histórica da escola, I) do caráter revolucionário da pedagogia da
segue-se que uma teoria crítica (que não seja re- essência e do caráter reacionário da pedagogia da
produtivista) só poderá ser formulada do ponto existência. (tese filosófico-histórica)
de vista dos interesses dos dominados. II) do caráter científico do método tradicional
A questão que devemos enfrentar é: é possível e do caráter pseudocientífico dos métodos novos.
uma teoria da educação que capte criticamente a (tese pedagógico-metodológica)
escola como um instrumento capaz de contribuir III) quando mais se falou em democracia no
para a superação do problema da marginalidade? interior da escola, menos democrática foi a escola;
Uma teoria do tipo enunciado impõe-se a tarefa quando menos se falou em democracia, mais a
de superar tanto o poder ilusório (que caracte- escola esteve articulada com a construção de uma
riza as teorias não-críticas) como a impotência ordem democrática. (tese política educacional).
(decorrente das teorias crítico-reprodutivistas), Após, examine das consequências disso na edu-
colocando nas mãos dos educadores uma arma cação brasileira e, por último, apêndice com uma
de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um pequena consideração sobre a “teoria da curvatura
poder real, ainda que limitado. da vara”1.
Haverá um esboço dessa teoria no texto “Escola
e Democracia II: para além da teoria da curvatura 1.  0 HOMEM LIVRE
da vara”. Na antiguidade grega a filosofia da essência não
implicava maiores problemas lá, e a pedagogia que
5. POST-SCRIPTUM decorria dessa filosofia. A essência do homem era
Certamente hão de estranhar que, ao longo de a liberdade e a educação voltava-se para oferecer
um texto versando sobre as teorias da educação e meios para que o homem atingisse a sua essência. A
o problema da marginalidade, não apareceu uma escravatura não era problema, porque os escravos
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palavra sequer sobre “teoria da educação compen- não eram considerados seres humanos. Durante
satória”. Entretanto, devo dizer que não considero a Idade Média concepção essencialista passa pela

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1 Essa teoria da curvatura da vara foi enunciada por Lênin ao ser criticado por assumir posições extremistas e radicais. Lênin responde o
seguinte: “quando a vara está torta, ela fica curva de um lado e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É
preciso curvá-la para o lado oposto”. jan/2017
perspectiva teológica da criação divina: ao serem do processo político, e, participando do processo
criados os homens segundo uma essência predeter- político, eles consolidariam a ordem democrática,
minada, também já seus destinos eram definidos democracia burguesa, é óbvio, mas o papel polí-
previamente. A diferenciação da sociedade entre tico da escola estava aí muito claro. A escola era
senhores e servos já estava marcada pela própria proposta como condição para a consolidação da
concepção que se tinha da essência humana. Então, ordem democrática.
a essência humana justificava as diferenças. Na
época moderna a burguesia, classe em ascensão, vai
2.  A MUDANÇA DE INTERESSES
advogar a filosofia da essência como um suporte Ocorre que a história vai evoluindo, e a parti-
para a defesa da igualdade dos homens como um cipação política das massas entra em contradição
todo e é justamente a partir daí que ela aciona as com os interesses da própria burguesia. Então,
críticas à nobreza e ao clero. Sobre essa base da para a burguesia defender seus interesses, ela não
igualdade dos homens, de todos os homens, é que tem outra saída senão negar a história, passando
se funda então a liberdade, e é sobre, justamente, a a reagir contra o movimento da história. É nesse
Princípios que orientam a ação do direitor

liberdade que se vai postular a reforma da socieda- momento que a escola tradicional, a pedagogia da
de. Lembrem-se, de passagem, de Rousseau, que essência, já não vai servir e a burguesia vai propor
defendia que tudo é bom enquanto sai do autor das a pedagogia da existência. Com base neste tipo de
coisas. Tudo degenera quando passa às mãos dos pedagogia, considera-se que os homens não são es-
homens. As desigualdades (vejam o Discurso sobre sencialmente iguais; os homens são essencialmente
a Origem da Desigualdade entre os Homens) são diferentes, e nós temos que respeitar as diferenças
geradas pela sociedade. É nesse sentido, então, que entre os homens. Nesse contexto, a pedagogia da
a burguesia vai reformar a sociedade, substituindo essência não deixa de ter um papel revolucionário,
uma sociedade com base num suposto direito pois, ao defender a igualdade essencial entre os ho-
natural por uma sociedade contratual. mens, continua sendo uma bandeira que caminha
na direção da eliminação daqueles privilégios que
Vejam como é que se tece todo o raciocínio.
impedem a realização de parcela considerável dos
Os homens são essencialmente livres; essa liber-
homens. Nesse momento, a classe revolucionária é
dade funda-se na igualdade natural, ou melhor, outra: não é mais a burguesia, é exatamente aquela
essencial dos homens, e se eles são livres, então classe que a burguesia explora.
podem dispor de sua liberdade, e na relação com
os outros homens, mediante contrato, fazer ou não 3.  A FALSA CRENÇA DA ESCOLA NOVA
concessões. É sobre essa base da sociedade con- A segunda tese eu enunciei da seguinte forma:
tratual que as relações de produção vão se alterar: “do caráter científico do método tradicional, e
do trabalhador servo, vinculado à terra, para o do caráter pseudocientífico dos métodos novos”.
trabalhador não mais vinculado à terra, mas livre Nós poderíamos nos lembrar, já diretamente, do
para vender a sua força de trabalho e ele a vende movimento da Escola Nova, que pintou o método
mediante contrato. Então, quem possui os meios tradicional como um método pré-científico, como
de produção é livre para aceitar ou não a oferta de um método dogmático e como um método me-
mão-de-obra, e vice-versa, quem possui a força de dieval. Basta nós nos lembrarmos, por exemplo,
trabalho é livre para vendê-la ou não, para vendê-la de Kilpatrick, Educação para uma Civilização em
a este ou aquele, para vender a quem quiser. Esse Mudança, em que caracteriza a civilização, que
é o fundamento jurídico da sociedade burguesa. foi se construindo com base no surgimento da
No entanto, é sobre essa base de igualdade que vai ciência moderna a partir do Renascimento, como
se estruturar a pedagogia da essência e, assim que sendo a civilização em mudança. Nesse sentido, os
a burguesia se torna a classe dominante, ela vai, métodos tradicionais são remetidos para a Idade
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a partir de meados do século XIX, estruturar os Média, e, portanto, para um caráter pré-científico,
sistemas nacionais de ensino e vai advogar a esco- e mesmo anticientífico ou seja, dogmático. Ora,
larização para todos. Escolarizar todos os homens no entanto, essa crença que a Escola Nova propa-
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era condição para converter os servos em cidadãos, ga é uma crença totalmente falsa. Com efeito, o
jan/2017 era condição para que esses cidadãos participassem chamado ensino tradicional não é pré-científico e
muito menos medieval. Esse ensino tradicional, Isso posto, é possível dizer que a Escola Nova
que predomina ainda hoje nas escolas, constituiu- acabou por dissolver a diferença entre pesquisa e
-se após a Revolução Industrial e implantou-se ensino, sem se dar conta de que, assim fazendo, ao
nos chamados sistemas nacionais de ensino, con- mesmo tempo que o ensino era empobrecido invia-
figurando amplas redes oficiais, criadas a partir bilizava-se também a pesquisa. O ensino não é um
de meados do século XIX, no momento em que, processo de pesquisa. Querer transformá-lo num
consolidado o poder burguês, aciona-se a escola processo de pesquisa é artificializá-lo. Daí o meu
redentora da humanidade, universal, gratuita e prefixo pseudo ao científico dos métodos novos.
obrigatória como um instrumento de consolidação Creio que está demonstrada a minha segunda tese,
da ordem democrática. isto é, o caráter científico do método tradicional
Esse ensino dito tradicional estruturou-se por e o caráter pseudocientífico dos métodos novos.
meio de um método pedagógico, que é o método
5. A ESCOLA NOVA NÃO É
expositivo, que todos conhecem, todos passaram
por ele, e muitos estão passando ainda, cuja ma-
DEMOCRÁTICA

Princípios que orientam a ação do direitor


triz teórica pode ser identificada nos cinco passos Destas duas teses2 extrai-se a terceira: quando
formais de Herbart. Esses passos, que são o passo mais se falou em democracia no interior da escola,
da preparação, da apresentação, da comparação, menos democrática foi a escola; e, quando menos
e assimilação, da generalização e, por último, da se falou em democracia, mais a escola esteve articu-
aplicação, correspondem ao esquema do método lada com a construção de uma ordem democrática.
científico indutivo, tal como fora formulado por Nós sabemos que, em relação à pedagogia
Bacon, método que podemos esquematizar em nova, um elemento que está muito presente nela
três momentos fundamentais: a observação, a é a proclamação democrática, a proclamação da
generalização e a confirmação. Trata-se, portanto, democracia. Aliás, inclusive, o próprio tratamento
daquele mesmo método formulado no interior do diferencial, portanto, o abandono da busca de
movimento filosófico do empirismo, que foi a base igualdade é justificado em nome da democracia
do desenvolvimento da ciência moderna. e é nesse sentido também que se introduzem no
interior da escola procedimentos ditos democrá-
4.  ENSINO NÃO É PESQUISA ticos. Porém essa democracia só serviu a quem
A Escola Nova buscou considerar o ensino não precisava dela. Essas experiências ficaram
como um processo de pesquisa; daí por que ela restritas a pequenos grupos, e nesse sentido elas
se assenta no pressuposto de que os assuntos de se constituíram, em geral, em privilégios para os
que trata o ensino são problemas. Nesse sentido, já privilegiados, legitimando as diferenças. Em
o ensino seria o desenvolvimento de uma espécie contrapartida, os homens do povo continuaram
de projeto de pesquisa, que tem cinco passos: o a ser educados basicamente segundo o método
ensino seria uma atividade (lº passo) que, suscitan- tradicional. Os pais das crianças pobres têm uma
do determinado problema (2º passo), provocaria consciência muito clara de que a aprendizagem
o levantamento dos dados (3º passo), a partir dos implica a aquisição de conteúdos mais ricos, têm
quais seriam formuladas as hipóteses (4º passo) uma consciência muito clara de que a aquisição
explicativas do problema em questão, empreen- desses conteúdos não se dá sem esforço, não se
dendo alunos e professores, conjuntamente, a ex- dá de modo espontâneo. O papel do professor é
perimentação (5º passo), que permitiria confirmar o de garantir que o conhecimento seja adquirido,
ou rejeitar as hipóteses formuladas. às vezes mesmo contra a vontade imediata da
Em suma, nos métodos novos, privilegiam- criança, que espontaneamente não tem condi-
-se os processos de obtenção dos conheci- ções de enveredar para a realização dos esforços
mentos, enquanto nos métodos tradicionais, necessários à aquisição dos conteúdos mais ricos
Nº 10 • Abril/99

privilegiam-se os métodos de transmissão dos e sem os quais ela não terá vez, não terá chance
conhecimentos já obtidos. de participar da sociedade.
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2 Vale lembrar: I) do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência; II) do caráter
científico do método tradicional, e do caráter pseudocientífico dos métodos novos. 33
jan/2017
É nesse sentido que quando mais se falou em passou a significar ser escolanovista. E aqueles
democracia no interior da escola (na escola nova), movimentos sociais, de origem, por exemplo,
menos democrática ela foi (porque ela foi um anarquista, socialista, marxista, que conclamavam
privilégio para poucos), e quando menos se falou o povo a se organizar e reivindicar a criação de
em democracia (pedagogia tradicional), mais ela escolas para os trabalhadores, perderam a vez, e
esteve articulada com a construção de uma ordem todos os progressistas em educação tenderam a
democrática (porque atingia a todos, indiscrimi- endossar o credo escolanovista. Bem, eu poderia
nadamente). me estender, puxar o fio da história, de 1930 até
agora, mas vamos fazer um corte, e vou tomar a
6. ESCOLA NOVA: A HEGEMONIA DA reforma de 1971 como uma outra indicação prática
CLASSE DOMINANTE da tese aposta atrás.
Passemos às consequências, tomemos dois mo- O que fez a Lei n. 5.692? Tomemos, por exem-
mentos para ilustrar: o primeiro momento seria plo, o princípio de flexibilidade, que é a chave
em torno da década de 1930 e o segundo seria na da lei, que é a grande descoberta dessa lei, a sua
Princípios que orientam a ação do direitor

década de 1970. grande inovação. Devido a essa flexibilidade, ins-


Escola Nova toma força no Brasil exatamente a tituiu-se, por exemplo, aquela diferenciação entre
partir da década de 1930. O ano de 1924 foi mar- terminalidade real e terminalidade legal ou ideal.
cado pela da criação da ABE (Associação Brasileira Em relação a essa diferenciação entre terminalidade
de Educação), em 1927 aconteceu a I Conferência ideal e terminalidade real, diz-se comumente o
Nacional de Educação, em 1932 ocorreu o lan- seguinte: todo o conteúdo de aprendizagem do lº
çamento do Manifesto dos Pioneiros. Estas três grau será dado em oito anos; eis o legal, ou seja, o
datas são o marco da ascendência escolanovista ideal. Mas, naqueles lugares em que não há con-
no Brasil, movimento este que atingiu o seu auge dições de se ter escola de oito anos, então que se
por volta de 1960. organize esse conteúdo para seis anos, em outros,
O que queria destacar em relação ao momento para quatro ou para dois, e assim por diante. Este
de 1930 é, basicamente, o seguinte: o contraste é o aligeiramento do ensino destinado às camadas
entre o “entusiasmo pela educação” e “otimismo populares. Dessa maneira, o ensino das camadas
pedagógico”. O entusiasmo pela educação pensava populares pode ser aligeirado até o nada, até se
a escola como instrumento de participação política, desfazer em mera formalidade. Outra “descoberta”
isto é, pensava-se a escola com uma função expli- da Lei n. 5.692 foi a reformulação curricular por
citamente política. Com o escolanovismo, o que meio de atividades, áreas de estudos e disciplinas,
ocorreu foi que a preocupação política em relação determinando que o ensino, nas primeiras oito
à escola refluiu. De uma preocupação em articular séries, se desenvolvesse predominantemente sob a
a escola como um instrumento de participação po- forma de atividades e áreas de estudo. Ora, essas
lítica, de participação democrática, passou-se para atividades e áreas de estudos são outra maneira de
o plano técnico-pedagógico. Daí essa expressão de diluir o conteúdo da aprendizagem das camadas
Jorge Nagle: “otimismo pedagógico”. Passou-se populares; e todos sabem que isso efetivamente
do “entusiasmo pela educação”, quando se acredi- ocorreu e vem ocorrendo.
tava que a educação poderia ser um instrumento É por isso que é preciso enfatizar que, contra
de participação das massas no processo político, essa tendência de aligeiramento do ensino des-
para o “otimismo pedagógico”, em que se acredita tinado às camadas populares, nós precisaríamos
que as coisas vão bem e resolvem-se nesse plano defender o aprimoramento exatamente do ensi-
interno das técnicas pedagógicas. no destinado às camadas populares. Essa defesa
Em suma, o movimento de 1930, no Brasil, implica a prioridade de conteúdo. Os conteúdos
Nº 10 • Abril/99

devido à ascensão do escolanovismo, correspon- são fundamentais e sem conteúdos relevantes,


deu a um refluxo e até a um desaparecimento conteúdos significativos, a aprendizagem deixa
daqueles movimentos populares que advogavam de existir, ela transforma-se num arremedo, ela
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uma escola mais adequada aos seus interesses. E transforma-se numa farsa. É fundamental que
jan/2017 por que isso? A partir de 1930, ser progressista se entenda isso e que, no interior da escola, nós
atuemos segundo essa máxima: a prioridade de inflexão a vara atinja o seu ponto correto, o qual
conteúdo, que é a única forma de lutar contra a não está também na pedagogia tradicional, mas
farsa do ensino. O domínio da cultura constitui na valorização dos conteúdos que apontam para
instrumento indispensável para a participação uma pedagogia revolucionária. Esta identifica as
política das massas. O dominado não se liberta se propostas burguesas como elementos de recom-
ele não vier a dominar aquilo que os dominantes posição de mecanismos hegemônicos e dispõe-se a
dominam. Então, dominar o que os dominantes lutar concretamente contra a recomposição desses
dominam é condição de libertação. mecanismos de hegemonia, no sentido de abrir
Associada a essa prioridade de conteúdo é espaço para as forças emergentes da sociedade, para
fundamental que se esteja atento para a importân- as forças populares, para que a escola se insira no
cia da disciplina, quer dizer, sem disciplina esses processo mais amplo de construção de uma nova
conteúdos relevantes não são assimilados. Então, sociedade.
nós conseguiríamos fazer uma profunda reforma
na escola, a partir de seu interior, se passássemos a CAPÍTULO 3: ESCOLA E

Princípios que orientam a ação do direitor


atuar segundo esses pressupostos e mantivéssemos DEMOCRACIA II: PARA ALÉM DA
uma preocupação constante com o conteúdo e TEORIA DA CURVATURA DA VARA
desenvolvêssemos aquelas fórmulas disciplinares,
É útil reproduzir de início as teses defendidas
aqueles procedimentos que garantissem que esses
atrás:
conteúdos fossem realmente assimilados. Por
exemplo, o problema dos alunos das camadas Primeira tese (filosófico-histórica)
populares nas salas de aula implica redobrados   Do caráter revolucionário da pedagogia da
esforços por parte dos responsáveis pelo ensino, essência (pedagogia tradicional) e do caráter
por parte dos professores, mais diretamente. O reacionário da pedagogia da existência (peda-
que ocorre, geralmente, é que, as condições de gogia nova).
trabalho, o próprio modelo que impregna a ativi- Segunda tese (pedagógico-metodológica)
dade de ensino, as exigências e expectativas a que
  Do caráter científico do método tradicional e
são submetidos professores e alunos, tudo isso
do caráter pseudocientífico dos métodos novos.
faz com que o próprio professor tenda a cuidar
mais daqueles que têm mais facilidade, deixando Terceira tese (especificamente política)
à margem aqueles que têm mais dificuldade. E é   De como, quando menos se falou em demo-
assim que nós acabamos, como professores, no cracia no interior da escola, mais ela esteve
interior da sala de aula, reforçando a discriminação articulada com a construção de uma ordem
e sendo politicamente reacionários. democrática; e quando mais se falou em de-
Quanto ao apêndice, relativo à “teoria da mocracia no interior da escola, menos ela foi
curvatura da vara”, faço apenas um comentário democrática
rápido e encerro. Na verdade, introduzi esse Como se percebe de imediato, o próprio
apêndice simplesmente pelo seguinte: a ênfase que enunciado dessas proposições evidencia que, mais
dei, invertendo a tendência corrente, decorre da do que teses, elas funcionam como antíteses por
consideração de que, na tendência corrente, a vara referência às idéias dominantes nos meios edu-
está torta; está torta para o lado da pedagogia da cacionais. É este sentido de negação frontal das
existência, para o lado dos movimentos da Escola teses correntes que se traduz metaforicamente na
Nova. E é nesse sentido que o raciocínio habitual expressão “teoria da curvatura da vara”. E para
tende a ser o seguinte: as pedagogias novas são isso nada melhor do que demonstrar a falsidade
portadoras de todas as virtudes, enquanto a peda- daquilo que é tido como obviamente verdadei-
Nº 10 • Abril/99

gogia tradicional é portadora de todos os defeitos ro demonstrando ao mesmo tempo a verdade


e de nenhuma virtude. O que se evidencia pelas daquilo que é tido como obviamente falso. O
minhas teses é justamente o inverso. Creio ter objetivo ao introduzir no debate educacional a
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conseguido fazer curvar a vara para o outro lado. “teoria da curvatura da vara” foi o de polemizar,
A minha expectativa é justamente que com essa abalar, desinstalar, inquietar, fazer pensar. Neste jan/2017
texto pretende-se prosseguir o debate tentando missão de conhecimentos, de conteúdos culturais,
ultrapassar o momento da antítese na direção do marca distintiva da pedagogia da essência. Ou
momento da síntese. seja, a pressão em direção à igualdade real implica
a igualdade de acesso ao saber, portanto, a distri-
1. PEDAGOGIA NOVA E PEDAGOGIA DA buição igualitária dos conhecimentos disponíveis.
EXISTÊNCIA Contra a busca de igualdade real (desejo da
Entendidas em sentido amplo, as expressões escola tradicional), a burguesia reagiu. O movi-
“pedagogia nova” e “pedagogia da existência” mento da Escola Nova funcionou como meca-
equivalem-se, pois são tributárias da concepção nismo de recomposição da hegemonia burguesa.
humanista moderna de Filosofia da Educação, que Isto porque subordinou as aspirações populares
se centra na vida, na existência, na atividade, por aos interesses burgueses, tornando possível à
oposição à concepção tradicional que se centrava classe dominante apresentar-se como a principal
no intelecto, na essência, no conhecimento. Con- interessada na reforma da escola, reforma esta que
tudo, assim como não se ignora a diversidade de viria finalmente a atender aos interesses de toda
Princípios que orientam a ação do direitor

correntes filosóficas, também não se perde de vista a sociedade contemplando ao mesmo tempo suas
a existência de diferentes nuanças pedagógicas no diferentes aspira¬ções, capacidades e possibilida-
bojo do que denominamos “concepção ‘humanista’ des. Com isso, a importância da transmissão de
moderna de filosofia da educação”. Em outros ter- conhecimentos foi secundarizada e subordinada
mos: as expressões “pedagogia nova” e “pedagogia a uma pedagogia das diferenças, centrada nos
da existência” equivalem-se sob a condição de não métodos e processos: a pedagogia da existência
reduzir a primeira à pedagogia escolanovista e a ou pedagogia nova.
segunda, à pedagogia existencialista.
Para além da pedagogia tradicional ou nova, uma
2. PARA ALÉM DAS PEDAGOGIAS DA pedagogia verdadeiramente revolucionária centra-se
na igualdade essencial entre os homens, deve enten-
ESSÊNCIA E DA EXISTÊNCIA
der essa a igualdade em termos reais e não apenas
Nas pedagogias da essência e da existência está
formais. Busca converter-se, articulando-se com as
ausente a perspectiva historicizadora. Falta-lhes a
forças emergentes da sociedade, em instrumento
consciência dos condicionantes histórico-sociais da
a serviço da instauração de uma sociedade iguali-
educação. São, pois, ingênuas e não críticas já que é
tária. Para isso, a pedagogia revolucionária, longe
próprio da consciência crítica saber-se condiciona-
de secundarizar os conhecimentos descuidando de
da, determinada objetivamente, materialmente, ao
sua transmissão, considera a difusão de conteúdos
passo que a consciência ingênua é aquela que não
vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do
se sabe condicionada, mas, ao contrário, acredita-se
processo educativo em geral e da escola em parti-
superior aos fatos, imaginando-se mesmo capaz de
cular. Em suma: a pedagogia revolucionária não vê
determiná-los e alterá-los por si mesma.
necessidade de negar a essência para admitir o cará-
Foi destacado que o caráter revolucionário da ter dinâmico da realidade como o faz a pedagogia
pedagogia da essência centra-se na defesa intran- da existência, inspirada na concepção “humanista”
sigente da igualdade essencial entre os homens. É moderna de filosofia da educação. Também não vê
preciso insistir em que tal posição tinha um caráter necessidade de negar o movimento para captar a
revolucionário na fase de constituição do poder essência do processo histórico como o faz a pedago-
burguês e não o deixa de ter agora, preciso, no en- gia da essência inspirada na concepção “humanista”
tando, acrescentar que seu conteúdo revolucioná- tradicional de filosofia da educação. A pedagogia
rio é histórico, isto é, modifica-se historicamente. revolucionária é crítica. E, por ser crítica, sabe-se
O acesso das camadas trabalhadoras à escola condicionada. Longe de entender a educação como
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implica a pressão no sentido de que a igualdade determinante principal das transformações sociais,
formal (todos são iguais perante a lei), se trans- reconhece ser ela elemento secundário e determi-
forme em igualdade real (todos têm possibilidade nado. Entretanto, longe de pensar, como o faz a
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de acesso aos bens essências à existência). Para concepção crítico reprodutivista, que a educação
jan/2017 igualdade real tomar corpo é importante a trans- é determinada unidirecionalmente pela estrutura
social dissolvendo-se a sua especificidade, entende com os interesses populares novos mecanismos
que a educa¬ção se relaciona dialeticamente com de recomposição de hegemonia são acionados: os
a sociedade. Nesse sentido, ainda que elemento meios de comunicação de massa e as tecnologias de
determinado, não deixa de influenciar o elemento ensino. Passa-se, então, a minimizar a importância
determinante. Ainda que secundário, nem por isso da escola e a se falar em educação permanente,
deixa de ser instrumento importante e por vezes educação informal etc. No limite, chega-se mesmo
decisivo no processo de transformação da sociedade. a defender a destruição da escola. Quem defende a
A pedagogia revolucionária situa-se além das desescolarização são os já escolarizados, para eles a
pedagogias da essência e da existência. Supera-as, escola não tem mais importância uma vez que eles
incorporando suas críticas recíprocas numa pro- já se beneficiaram dela. Os ainda não escolarizados,
posta radicalmente nova. O cerne dessa novidade estes estão interessados na escolarização e não na
radical consiste na superação da crença na auto- desescolarização.
nomia ou na dependência absolutas da educação Uma pedagogia articulada com os interesses
em face das condições sociais vigentes. populares valorizará, pois, a escola; portanto,

Princípios que orientam a ação do direitor


estará interessada em métodos de ensino eficazes.
3. PARA ALÉM DOS MÉTODOS NOVOS
Tais métodos situar-se-ão para além dos métodos
E TRADICIONAIS tradicionais e novos, superando por incorporação
Na segunda tese do texto anterior questionei as contribuições de uns e de outros. Serão méto-
com isso o principal argumento da crítica escola- dos que:
novista ao método tradicional de ensino. Porém, i) estimularão a atividade e iniciativa dos alunos
a crítica escolanovista atingiu não tanto o método sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor;
tradicional, mas a forma como esse método se
ii) favorecerão o diálogo dos alunos entre si e com o
cristalizou na prática pedagógica, tornando-se
professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo
mecânico, repetitivo, desvinculado das razões e
com a cultura acumulada historicamente;
finalidades que o justificavam. Críticas também
foram dirigidas à escola nova, pois ela na prática iii) levarão em conta os interesses dos alunos, os
teve o efeito de aprimorar a educação das elites e ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento
esvaziar ainda mais a educação das massas. Isto psicológico, mas sem perder de vista a sistemati-
porque, realizando-se em algumas poucas escolas, zação lógica dos conhecimentos, sua ordenação e
exatamente naquelas frequentadas pelas elites, a gradação para efeitos do processo de transmissão-
proposta escolanovista contribuiu para o aprimo- -assimilação dos conteúdos cognitivos.
ramento do nível educacional da classe dominante, Os métodos tradicionais assim como os novos
aumentando assim a desigualdade. implicam uma autonomização da pedagogia em
Ora, se o principal problema da pedagogia nova relação à sociedade. Os métodos que preconizo
está no seu efeito discriminatório, surge, então, a mantêm continuamente presente a vinculação
questão: os métodos novos não seriam generali- entre educação e sociedade. Enquanto no primeiro
záveis? E nessa direção que surgem tentativas de caso professor e alunos são sempre considerados
constituição de uma espécie de “Escola Nova Po- em termos individuais, no segundo caso, professor
pular”. Exemplo dessa tentativa é o “Movimento e alunos são tomados como agentes sociais. Assim,
Paulo Freire de Educação” no Brasil. Com efeito, se fosse possível traduzir os métodos de ensino que
de modo especial no caso de Paulo Freire, é nítida estou propondo na forma de passos à semelhança
a inspiração da “concepção ‘humanista’ moderna dos esquemas de Herbart e de Dewey, eu diria que:
de filosofia da educação”, por meio da corrente 1. O ponto de partida do ensino prática social
personalista (existencialismo cristão). (primeiro passo), que é comum a professor
Nº 10 • Abril/99

Esse fenômeno histórico do surgimento da- e alunos em relação a essa prática comum, o
quilo que chamei de “Escola Nova Popular” põe professor assim como os alunos podem se posi-
em evidência que a questão escolar na sociedade cionar diferentemente enquanto agentes sociais
37
37
capitalista é objeto de disputa, quando surgem diferenciados. E do ponto de vista pedagógico
propostas de renovação pedagógica articuladas há uma diferença essencial que não pode ser jan/2017
perdida de vista: o professor, de um lado, e
os alunos, de outro, encontram-se em níveis
diferentes de compreensão (conhecimento e
experiência) da prática social. Enquanto o pro-
fessor tem uma compreensão que poderíamos
denominar de “síntese precária”, a compreensão
dos alunos é de caráter sincrético.
2. O segundo passo é a Problematização.
Trata-se de detectar que questões precisam ser
resolvidas no âmbito da prática social e, em
Moraes, 2016
consequência, que conhecimento é necessário
dominar. A compreensão da prática social passa por uma
alteração qualitativa. Consequentemente, a prática
3. O terceiro passo pode ser chamado de instru-
social referida no ponto de partida (primeiro pas-
Princípios que orientam a ação do direitor

mentalização. Obviamente, não cabe entender


so) e no ponto de chegada (quinto passo) é e não
a referida instrumentalização em sentido tecnicista.
é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria
Trata-se da apropriação pelas camadas populares
que constitui ao mesmo tempo o suporte e o con-
das ferramentas culturais necessárias à luta social
texto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a
que travam diuturnamente para se libertar das
finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma,
condições de exploração em que vivem.
se considerarmos que o modo de nos situarmos
4. O quarto passo levo o nome de catarse, en- em seu interior se alterou qualitativamente pela
tendida na acepção gramsciana de “elaboração mediação da ação pedagógica.
superior da estrutura em superestrutura na
As reflexões desenvolvidas podem ser consi-
consciência dos homens” (Gramsci, 1978,
deradas uma tentativa de aduzir elementos para
p. 53). Trata-se da efetiva incorporação dos
a explicitação de uma definição de educação na
instrumentos culturais, transformados agora
qual venho insistindo há alguns anos. Trata-se da
em elementos ativos de transformação social.
conceituação de educação como “uma atividade
5. O quinto passo, o ponto de chegada, é nova- mediadora no seio da prática social global”. Daí
mente a própria prática social, compreendida porque a prática social foi tomada como ponto
agora não mais em termos sincréticos pelos de partida e ponto de chegada na caracterização
alunos. Neste ponto, ao mesmo tempo que os dos momentos do método de ensino por mim
alunos ascendem ao nível sintético em que, por preconizado. É fácil identificar aí o entendimento
suposto, já se encontrava o professor no ponto da educação como mediação no seio da prática
de partida, reduz-se a precariedade da síntese social. A proposta que apresentado é, em síntese,
do professor, cuja compreensão se torna mais e o movimento que vai da síncrese (“a visão caótica
mais orgânica. Essa elevação dos alunos ao nível do todo”) à síntese (“uma rica totalidade de deter-
do professor é essencial para se compreender a minações e de relações numerosas”) pela mediação
especificidade da relação pedagógica. Daí por da análise (“as abstrações e determinações mais
que o momento catártico pode ser considerado simples”) constituindo uma orientação segura
o ponto culminante do processo educativo, já tanto para o processo de descoberta de novos
que é aí que se realiza pela mediação da análise conhecimentos (o método científico) como para
levada a cabo no processo de ensino, a passagem o processo de transmissão-assimilação de conhe-
da síncrese à síntese. cimentos (o método de ensino).
Por isso, é possível dizer que a educação é uma
atividade que supõe uma heterogeneidade real e 4. PARA ALÉM DA RELAÇÃO
Nº 10 • Abril/99

uma homogeneidade possível; uma desigualdade AUTORITÁRIA OU DEMOCRÁTICA NA


no ponto de partida e uma igualdade no ponto SALA DE AULA
38 de chegada.
38
Considerando-se, como já se explicitou, que,
jan/2017 Em síntese: dado o caráter da educação como mediação no seio
da prática social global, a relação pedagógica tem implica uma desigualdade real e uma igualdade
na prática social o seu ponto de partida e seu ponto possível. Consequentemente, uma relação pedagó-
de chegada, resulta inevitável concluir que o critério gica identificada como supostamente autoritária,
para se aferir o grau de democratização atingido no quando vista pelo ângulo do seu ponto de partida,
interior das escolas deve ser buscado na prática social. pode ser, ao contrário, democrática, se analisada a
partir do ponto de chegada, ou seja, pelos efeitos
Se é razoável supor que não se ensina demo-
que acarreta no âmbito da prática social global.
cracia através de práticas pedagógicas antide-
Inversamente, uma relação pedagógica vista como
mocráticas, nem por isso se deve inferir que a
democrática pelo ângulo de seu ponto de partida
democratização das relações internas à escola é
não só poderá como tenderá, dada a própria natu-
condição suficiente de democratização da socie-
reza do fenômeno educativo nas condições em que
dade. Entendo, pois, que o processo educativo é
vigora o modo de produção capitalista, a produzir
passagem da desigualdade à igualdade. Portanto,
efeitos socialmente antidemocráticos.
só é possível considerar o processo educativo em

Princípios que orientam a ação do direitor


seu conjunto como democrático sob a condição 5. CONCLUSÃO: A CONTRIBUIÇÃO DO
de se distinguir a democracia como possibilidade PROFESSOR
no ponto de partida e a democracia como reali-
Evidentemente, a proposição pedagógica apre-
dade no ponto de chegada. Consequentemente,
sentada aponta na direção de uma sociedade em
aqui também vale o aforismo: democracia é uma
que esteja superado o problema da divisão do sa-
conquista; não um dado. Este ponto, porém, é de
ber. Entretanto, ela foi pensada para ser implemen-
fundamental importância. Com efeito, assim como
tada nas condições da sociedade brasileira atual,
a afirmação das condições de igualdade como
na qual predomina a divisão do saber. Entendo,
uma realidade no ponto de partida torna inútil
pois, que um maior detalhamento dessa proposta
o processo educativo, também a negação dessas
implicaria a verificação de como ela se aplica (ou
condições como uma possibilidade no ponto de
não se aplica) às diferentes modalidades de traba-
chegada inviabiliza o trabalho pedagógico.
lho pedagógico em que se reparte a educação nas
Em síntese, não se trata de optar entre relações condições brasileiras atuais.
autoritárias ou democráticas no interior da sala
de aula, mas de articular o trabalho desenvolvido
nas escolas com o processo de democratização
CAPÍTULO 4: ONZE TESES SOBRE
da sociedade. A prática pedagógica contribui de EDUCAÇÃO E POLÍTICA
modo específico, isto é, propriamente pedagógico, De uns tempos para cá, tornou-se lugar-comum
para a democratização da sociedade na medida em a afirmação de que a educação é sempre um ato
que se compreende como se coloca a questão da político. Obviamente, trata-se de um slogan que
democracia relativamente à natureza própria do tinha por objetivo combater a ideia anteriormente
trabalho pedagógico. Foi isso o que tentei indicar dominante segundo a qual a educação era enten-
ao insistir em que a natureza da prática pedagógica dida como um fenômeno estritamente técnico-
-pedagógico, portanto, inteiramente autônomo
e independente da questão política. Entretanto,
corre-se o risco de se identificar educação com po-
lítica, a prática pedagógica com a prática política,
dissolvendo-se, em consequência, a especificidade
do fenômeno educativo.
Cabe, pois, indagar: educação e política se
equivalem, se identificam? Se são diferentes, em
Nº 10 • Abril/99

que consiste a diferença? Entendo que educação


e política, embora inseparáveis, não são idênticas.
Trata-se de práticas distintas, dotadas cada uma de
39
39
especificidade própria. Em que consiste a especi-
ficidade de cada uma dessas práticas? jan/2017
Especificidade da educação Especificidade da política
Na educação configura uma relação que …ao contrário… Na política a relação é de antagônicos.
se trava entre não-antagônicos
Na educação, educador está a serviço dos …ao contrário… Na política, o politica está a serviço de
interesses do educando. seus ideais.
Na educação o objetivo é convencer …ao contrário… Na política o objetivo é vencer.
Educador acredita estar sempre agindo …ao contrário… O político nunca agirá para o bem do
para o bem dos educandos/do outro. outro.
Os educandos não veem o educador como …ao contrário… As oposições contrárias se veem como
adversário adversários.
a prática educacional não pode ser par- …ao contrário… a prática política não pode não ser par-
tidária tidária.
a prática educativa, apoia-se no poder da …ao contrário… a prática política apoia-se na verdade do
verdade. poder
Princípios que orientam a ação do direitor

Com as considerações espero ter esclarecido e política, ou seja, o desenvolvimento da prá-


a não-identidade e, em consequência, a distinção tica especificamente política pode abrir novas
entre política e educação. Trata-se, pois, de práti- perspectivas para o desenvolvimento da prática
cas diferentes, cada uma com suas características especificamente educativa e vice-versa.
próprias. Cumpre, portanto, não as confundir, 3. Por fim, é de fundamental importância levar
o que redundaria em dissolver uma na outra (a em conta que as relações entre educação e po-
dissolução da educação na política configuraria lítica têm existência histórica; logo, só podem
o politicismo pedagógico do mesmo modo que ser adequadamente compreendidas enquanto
a dissolução da política na educação implicaria o manifestações sociais determinadas.
viés do pedagogismo político).
A autonomia relativa da educação em face da
Entretanto, se se trata de práticas distintas, isso política e vice-versa não são equivalentes. Pode-
não significa que sejam inteiramente independen- ríamos, pois, dizer que existe uma subordinação
tes, dotadas de autonomia absoluta. Ao contrário, relativa, mas real da educação diante da política.
elas são inseparáveis e mantêm íntima relação. Só haverá exercício pleno da prática educativa
Como se configuram as relações entre educação como algo só possível num tipo de sociedade que
e política? se delineia no horizonte de possibilidades das
1. Primeiramente é preciso considerar a existência condições atuais, mas que não chegou ainda a se
de uma relação interna, isto é, toda prática edu- concretizar. Isto porque a plenitude da educação
cativa, como tal, possui uma dimensão política como, no limite, a plenitude humana, está con-
assim como toda prática política possui, em si dicionada à superação dos antagonismos sociais.
mesma, uma dimensão educativa. A dimensão Ser idealista em educação significa justamente agir
política da educação consiste em que, dirigindo- como se esse tipo de sociedade já fosse realidade.
-se aos não-antagônicos a educação os fortalece Ser realista, inversamente, significa reconhecê-la
(ou enfraquece) por referência aos antagônicos como um ideal que buscamos atingir.
e desse modo potencializa (ou despotencializa) De tudo o que foi dito, conclui-se que a impor-
a sua prática política. E a dimensão educativa tância política da educação reside na sua função
da política consiste em que, tendo como alvo os de socialização do conhecimento. É realizando-se
antagônicos, a prática política se fortalece (ou na especificidade que lhe é própria que a educação
enfraquece) na medida em que, pela sua capa- cumpre sua função política. Daí ter eu afirmado
cidade de luta, ela convence os não-antagônicos que, ao se dissolver a especificidade da contribui-
Nº 10 • Abril/99

de sua validade (ou não-validade) levando-os a ção pedagógica, anula-se, em consequência, a sua
se engajarem (ou não) na mesma luta. importância política.
2. Em segundo lugar, cabe considerar que existe Tese 1:
40
jan/2017 40 também uma relação externa entre educação
Não existe identidade entre educação e política.
COROLÁRIO3: educação e política são fenô- na forma de autonomia relativa e dependência
menos inseparáveis, porém efetivamente distintos recíproca.
entre si. Tese 9:
Tese 2: As sociedades de classe caracterizam-se pelo pri-
Toda prática educativa contém inevitavelmen- mado da política, o que determina a subordinação
te uma dimensão política. real da educação à prática política.
Tese 3: Tese 10:
Toda prática política contém, por sua vez, Superada a sociedade de classes, cessa o primado
inevitavelmente uma dimensão educativa. da política e, em consequência, a subordinação
OBS: As teses 2 e 3 decorrem necessariamente da educação.
da inseparabilidade entre educação e política afir- OBS: Nas sociedades de classes a subordinação
mada no corolário da tese 1. real da educação reduz sua margem de autonomia,
Tese 4: mas não a exclui. As teses 9 e 10 apontam para

Princípios que orientam a ação do direitor


A explicitação da dimensão política da prática as variações históricas das formas de realização
educativa está condicionada à explicitação da da tese 8.
especificidade da prática educativa. Tese 11:
Tese 5: A função política da educação cumpre-se na
A explicitação da dimensão educativa da medida em que ela se realiza como prática espe-
prática política está, por sua vez, condicionada à cificamente pedagógica.
explicitação da especificidade da prática política. OBS: A tese 11 põe-se como conclusão neces-
OBS: As teses 4 e 5 decorrem necessariamen- sária das teses anteriores, que operam como suas
te da efetiva distinção entre educação e política premissas. Trata-se de um enunciado analítico,
afirmada no corolário da tese 1. Com efeito, só uma vez que apenas explicita o que já está con-
é possível captar a dimensão política da prática tido nas premissas. Esta tese afirma a autonomia
educativa, assim como a dimensão educativa da relativa da educação em face da política como
prática política, na medida em que essas práticas condição mesma da realização de sua contribuição
forem captadas como efetivamente distintas uma política. Isto é óbvio uma vez que, se a educação
da outra. for dissolvida na política, já não cabe mais falar
de prática pedagógica restando apenas a prática
Tese 6:
política. Desaparecendo a educação, como falar
A especificidade da prática educativa define-se
de sua função política?
pelo caráter de uma relação que se trava entre
contrários não-antagônicos. À luz das teses apresentadas, como interpretar
o slogan expresso na frase “a educação é sempre
COROLÁRIO: a educação é, assim, uma
um ato político”? Obviamente, se se quer com
relação de hegemonia alicerçada na persuasão
isso afirmar a identidade entre educação e políti-
(consenso, compreensão).
ca tal slogan deve ser rejeitado. Há, porém, duas
Tese 7: situações em que essa afirmação pode ser levada
A especificidade da prática política define-se em conta:
pelo caráter de uma relação que se trava entre a) tomando-se o adjetivo “político” em sen-
contrários antagônicos. tido amplo em que a política se identifica com a
COROLÁRIO: a política é, então, uma relação prática social global;
de dominação alicerçada na dissuasão (dissenso,
b) dizer que a educação é sempre um ato po-
repressão).
lítico não significaria outra coisa senão sublinhar
Nº 10 • Abril/99

Tese 8: que a educação possui sempre uma dimensão


As relações entre educação e política dão-se política. Com efeito, eu só posso afirmar que a
41
3 Proposição que deriva, em um encadeamento dedutivo, de uma asserção precedente, produzindo um acréscimo de conhecimento por
meio da explicitação de aspectos que, no enunciado anterior, se mantinham latentes ou obscuros 41
jan/2017
educação é um ato político (contém uma dimensão “Manifesto” expressa a posição de uma corrente
política) na medida em que eu capto determinada de educadores que busca se firmar pela coesão in-
prática como sendo primordialmente educativa e terna e pela conquista da hegemonia educacional
secundariamente política. diante do conjunto da sociedade. O texto expressa
a posição do grupo de educadores que se agluti-
APÊNDICE: SETENTA ANOS DO nou na década de 1920, especialmente a partir da
“MANIFESTO” E VINTE ANOS fundação da Associação Brasileira de Educação
(ABE) em 1924 e que vislumbrou na Revolução
DE ESCOLA E DEMOCRACIA
de 1930 a oportunidade de vir a exercer o controle
BALANÇO DE UMA POLÊMICA da educação no país. Na IV Conferência Nacional
O tema deste texto gira em torno da diferença de Educação realizada, em dezembro de 1931,
entre a abordagem polêmica e a abordagem histo- Vargas, ao lado de Francisco Campos, solicitou
riográfica. As teses enunciadas no livro foram lidas, aos presentes que colaborassem na definição da
anos de 1990, como uma espécie de “Manifesto política educacional do novo governo. O “Ma-
Princípios que orientam a ação do direitor

contra a Escola Nova”. Daí a pertinência dessa nifesto”, divulgado em março de 1932, foi uma
discussão ao ensejo da realização do colóquio come- resposta objetivada àquela solicitação. Porém,
morativo dos 70 anos do “Manifesto dos Pioneiros o texto provocou o rompimento entre o grupo
da Educação Nova”. Para tratar do tema proposto, o dos renovadores e o grupo católico que decidiu
texto foi construído em cinco tópicos. No primeiro, se retirar da ABE e fundar, em 1933, sua própria
enuncio, de forma breve, qual é, para mim, a temá- associação materializada na Confederação Católica
tica central do “Manifesto dos Pioneiros da Educa- Brasileira de Educação, que realizou em 1934 o I
ção Nova”. No segundo tópico, indico que o livro Congresso Nacional Católico de Educação.
Escola e democracia surgiu num contexto marcado,
cinquenta anos depois, por uma motivação comum 2. O CONTEXTO EM QUE SURGIU
àquela que conduziu ao lançamento do “Manifesto ESCOLA E DEMOCRACIA
de 1932”: a defesa da escola pública. No terceiro A segunda metade da década de 1970 foi palco
tópico, abordo a leitura da referida polêmica feita de um amplo processo de reorganização do campo
por Clarice Nunes. O quarto tópico, denominado educacional:
“Paschoal Lemme no ‘Manifesto’: um estranho no
  em 1977 surge Associação Nacional de Pós-
ninho dos pioneiros?”, discute a leitura feita por
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd);
Zaia Brandão. Finalmente, no tópico quinto, “A
Escola Nova exercitando a ‘teoria da curvatura da   em 1978 nasce Centro de Estudos Educação e
vara’”, procuro esclarecer a diferença entre a abor- Sociedade (Cedes);
dagem polêmica e a abordagem historiográfica, eixo   em 1979 é criada a Associação Nacional de
articulador de todo o texto. Educação (Ande).
A partir de 1980 a Associação Nacional de
1. A TEMÁTICA CENTRAL DO
Educação, que, juntamente com a ANPEd e o
“MANIFESTO DOS PIONEIROS DA Cedes, organizou a série das Conferências Bra-
EDUCAÇÃO NOVA sileiras de Educação, as CBEs. Ressalte-se que, à
No “Manifesto” a ideia central que sempre semelhança do “Manifesto de 1932”, o vetor dessa
vem à tona é a de que se trata de um documento mobilização do final da década de 1970 era tam-
de política educacional em que, mais do que a bém a reorganização da educação pública, como o
defesa da Escola Nova, está em causa a defesa da ilustra o “Decálogo em defesa do ensino público”
escola pública. O “Manifesto” emerge como uma editado em 1982 no número 5 da revista da Ande
proposta de construção de um amplo e abrangente por Guiomar Namo de Mello sob o pseudônimo
Nº 10 • Abril/99

sistema nacional de educação pública, abarcando de Kloé


desde a escola infantil até a formação dos grandes Em 1980 ocorreu o simpósio denominado
42 intelectuais pelo ensino universitário.
42
“Abordagem política do funcionamento interno
jan/2017 Como documento de política educacional, o da escola de primeiro grau”. Decidi imprimir na
palestra que dei um tom polêmico lançando mão desenvolveu para sua tese de doutoramento e que
da metáfora da “teoria da curvatura da vara”. Par- se materializou no belo, profundo e abrangente
tindo da suposição de que o ideário da Escola Nova texto denominado sugestivamente Anísio Teixeira:
havia se tornado hegemônico e havia ganhado a a poesia da ação
cabeça dos professores: servindo-me da imagem da Simplesmente entendo que os comentários
“curvatura da vara”, propus-me a inverter a posição a meu respeito incluídos no primeiro tópico do
dominante que considerava a Escola Nova porta- texto, denominado “A educação do educador”,
dora de todas as virtudes e de nenhum vício em que funciona como uma espécie de introdução
contraposição à Escola Tradicional, considerada ao tema específico da tese que versa sobre Anísio
portadora de todos os vícios e de nenhuma virtu- Teixeira, não eram exigidos pela pesquisa realizada.
de; empenhei-me em destacar os vícios da Escola Portanto, suas críticas formuladas ao meu trabalho
Nova, exaltando, em contrapartida, as virtudes da nenhum influxo exerceu sobre o caráter, a consis-
Escola Tradicional. tência e a qualidade de sua investigação. A menos
A denúncia da Escola Nova foi apenas uma que ela considere que meu trabalho serviu como

Princípios que orientam a ação do direitor


estratégia visando a demarcar mais precisamente uma provocação e, pois, como uma motivação
o âmbito da pedagogia dominante, então carac- para que ela mergulhasse a fundo nos arquivos
terizada como a pedagogia burguesa de inspira- e retornasse à superfície com um Anísio Teixeira
ção liberal, em contraposição ao âmbito de uma reconstituído em toda a sua riqueza como homem,
pedagogia emancipatória, então identificada com intelectual, político e educador dos mais brilhantes
uma pedagogia socialista de inspiração marxista. que nosso país já produziu. Nesse caso eu me daria
Portanto, não há nenhuma contradição entre o por feliz em ter contribuído, ainda que pelo avesso,
conteúdo do livro e o reconhecimento do caráter para esse resultado. O que, então, mostraria que
progressista do movimento da Escola Nova, em a polêmica instaurada não foi tão inócua ou tão
especial na formulação contida no “Manifesto dos negativa como sua crítica pretendeu mostrar.
Pioneiros da Educação Nova”, que, sob alguns
aspectos, chegou mesmo a ultrapassar a concep- 4. PASCHOAL LEMME NO
ção liberal burguesa de educação, incorporando “MANIFESTO”: UM ESTRANHO NO
propostas que se inserem na tradição pedagógica NINHO DOS PIONEIROS?
socialista. Na pesquisa desenvolvida em função de sua tese
de doutoramento, Zaia Brandão retoma a aborda-
3. A “MANIPULAÇÃO DE CONCEITOS
gem da escola e democracia. No ponto de partida
E DO PROCESSO HISTÓRICO” NO
da pesquisa de Zaia Brandão, o silenciamento do
LIVRO ESCOLA E DEMOCRACIA, marxismo, de modo geral, e de Paschoal Lemme,
SEGUNDO CLARICE NUNES em particular, pelo pensamento liberal hegemônico
As críticas de Clarice Nunes foram formuladas não coincide com a minha visão dessa questão e,
no contexto da produção de sua tese de doutora- portanto, não poderia ser tributada à “fixação de
mento e repetiram-se em diferentes publicações. uma outra memória: o escolanovismo”, da qual
No fundamental, Clarice aproxima-se de minha eu teria sido o principal mentor (Brandão, 1999,
posição. As discordâncias expressas de forma tão pp. 23 e 40-46). Para mim foi ficando claro, desde
contundente não passariam de um viés de interpre- as primeiras leituras do “Manifesto”, que não se
tação decorrente do fato de se ter tomado como tratava de um texto homogêneo, o mesmo ocor-
conclusões de pesquisa historiográfica enunciados rendo com o grupo dos Pioneiros.
que modestamente não pretendiam outra coisa
senão questionar conceitos que supus tivessem 5. A ESCOLA NOVA EXERCITANDO A
“TEORIA DA CURVATURA DA VARA”
Nº 10 • Abril/99

se imposto ao senso comum dos educadores,


colocando-me, portanto, no terreno da polêmica A metáfora da “teoria da curvatura da vara”
ideológica. É evidente que o referido viés inter- é, de certo modo, uma característica da filosofia,
43
43
pretativo em nada desmerece o imenso trabalho podendo ser encontrado nos diálogos platônicos,
baseado em pesquisa de fôlego que Clarice Nunes na expressão maior da filosofia medieval, a Sum- jan/2017
ma Theologica de Tomás de Aquino, por meio algo seja ensinado a alguém. Portanto, deveríamos
da expressão videtur quod non, e em Descartes, dizer que “ensinamos matérias às crianças”, não
com a dúvida metódica, adquirindo sua máxima fazendo sentido a afirmação de que “ensinamos
expressão teórica com o advento da filosofia crianças, não matérias”, do mesmo modo que não
especificamente dialética inaugurada por Hegel. faria sentido afirmar que “ensinamos matérias, não
Enquanto metáfora, a “teoria da curvatura da vara” crianças”. Então, qual é a razão do enunciado?
é uma figura de linguagem. Ora, ele justifica-se exatamente na medida em
Israel Scheffler, no livro A linguagem da educa- que não se trata de uma definição, mas de um
ção, examina, além das metáforas educacionais, as slogan. E, enquanto slogan, tem o caráter de um
definições em educação, os slogans educacionais e símbolo aglutinador de adeptos em torno da ideia
explora mais detidamente os vários contextos de da centralidade da criança no processo educativo.
uso do verbo “ensinar” em correlação com o verbo Impõe-se, pois, a conclusão: “ensinamos crian-
“dizer”. o capítulo dois, tratando dos slogans edu- ças, não matérias” é um slogan que a Escola Nova
cacionais, Scheffler começa por mostrar a diferença lançou contra a Escola Tradicional. Em outros
Princípios que orientam a ação do direitor

entre eles e as definições; enquanto estas são con- termos, considerando que, com a predominância
sideradas esclarecedoras, aqueles são estimulantes, da Escola Tradicional, a vara foi entortada para
tendo por função unificar as ideias e atitudes dos o lado das matérias, a Escola Nova, exercitando
movimentos educacionais. Do mesmo modo que a “teoria da curvatura da vara”, buscou curvar a
os slogans religiosos e políticos, os slogans educa- vara para o lado da criança. Ao fazê-lo, entretanto,
cionais resultam de espírito partidário. Resumindo por aquele mecanismo descrito por Scheffler se-
as considerações Scheffler é necessária uma crítica gundo o qual os slogans passam a ser defendidos
dos slogans tanto pelo aspecto literal quanto pelo como afirmações literais, o enunciado difundiu-se
aspecto prático, devendo as doutrinas originárias como se fosse a pura expressão de uma verdade
ser objeto de uma avaliação independente. pedagógica. Eis por que afirmei, anteriormente,
À luz dessa análise, considero relevante registrar que a Escola Nova se tem utilizado amplamente
que a crítica que formulei ao ideário escolanovista da “teoria da curvatura da vara”, considerando-a,
por meio da “teoria da curvatura da vara” incidiu diferentemente do uso feito por mim, como um
sobre as versões popularizadas, isto é, como se dispositivo instaurador da própria verdade.
disse, sobre o modo como esse ideário se fixou na Concluindo, espero, pela discussão que procurei
cabeça dos professores. fazer do tema relativo à controvérsia instaurada
Após esses esclarecimentos, Scheffler passa a com a introdução da metáfora da “teoria da cur-
analisar detidamente os slogans “ensinamos crian- vatura da vara” e dos usos que dela se fizeram na
ças, não matérias” e “não pode haver ensino sem pesquisa historiográfica, ter contribuído, ao esta-
aprendizado”, os quais se inserem no processo de belecer a distinção entre os planos da polêmica e da
difusão da Escola Nova. Para efeitos desta minha historiografia, para o debate em torno do legado
exposição me limitarei a uma breve referência ao educacional dos Pioneiros.
enunciado “ensinamos crianças, não matérias”. O Espero, enfim, ter contribuído na busca da supera-
que queremos dizer com essa expressão? Do ponto ção dos equívocos interpretativos que a circulação dos
de vista gramatical, ela não se sustenta, uma vez nossos trabalhos acaba inevitavelmente por provocar.
que o verbo “ensinar” é bitransitivo, comportando, Foi tão-somente o espírito de somar esforços no
pois, tanto o objeto direto como o indireto. Na fortalecimento de nossa área de investigação que me
verdade, não é possível, gramaticalmente, dizer que moveu a enfrentar esse debate, rompendo o silêncio
se ensina nada a alguém, nem que se ensina algo a em torno das interpretações produzidas no âmbito
ninguém. De fato, a ação de ensinar implica que da historiografia da educação
Nº 10 • Abril/99

44
jan/2017 44
Gestão
democrática
e participativa
ABRAMOVAY, Miriam (Coord.). Juventudes na Escola, sentidos e
buscas: Por que frequentam? Brasília-DF: Flacso - Brasil, OEI, MEC,
2015.

O trabalho provém da parceria entre a Faculda-


Resenha elaborada por de Latino-Americana de Ciências Sociais (FLAC-
Lenita P. M Almeida, SO), a Diretoria de Políticas de Educação para a
Mestranda do Programa de Educação: Currículo Juventude da Secretaria de Educação Continuada,
da PUC-SP Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC e
a OEI, organismo de cooperação internacional
e governamental. A pesquisa trata da escuta das
juventudes, suas narrativas, olhares e reflexões
sobre o contexto escolar e as políticas públicas
referentes à área.
O livro aborda as diversas características que
envolvem a relação do aluno com a escola e o
Gestão democrática e participativa

contexto sociocultural onde está inserido. Traz à


luz questões como a evasão escolar, a violência e
aponta ações que podem ser eficazes e interessantes
para obtenção de avanços junto aos alunos. Uma
das qualidades do texto é abordar as diferentes
juventudes presentes nos mais variados grupos de
jovens e destacar a importância de tratá-las com
respeito e atenção. Sugere a necessidade urgen-
te de considerar o protagonismo do jovem, de
escutá-lo e de conhecer melhor a escola. A obra
faz uma reflexão sobre a vida dos diferentes jovens
e a função da escola na sua inter-relação com esses
contextos pessoais, apontando essa abordagem
como necessária para a construção de cidadãos e
cidadãs conscientes e críticos.
Marca muito aparente na pesquisa é a pre-
ocupação de compreender a escola a partir de
um olhar macro e micro, não apenas como
reprodutora de conhecimentos necessários para
a inserção no mercado de trabalho, mas como
participante ativa nos alicerces que formarão o
jovem para a vida adulta.
Sedimentada em formato tanto quantitativo
quanto qualitativo, a pesquisa parte de questio-
nários, grupos focais e debates sobre o cotidiano
na escola, abordando questões sociais e de con-
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vivência de muita relevância e atualidade como a


abordagem de racismo, gênero, drogas, aborto etc.
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46
Tem grande valor pois contribui significativa-
jan/2017 mente para o debate sobre permanência e aban-
dono da escola e o necessário reencantamento dos do ambiente escolar, que muitas vezes desvaloriza
jovens com a educação escolar. conhecimentos não provindos do currículo escolar.
A pesquisa é dividida em três capítulos de for- O olhar que aparece nos jovens participantes da
ma a explorar o caminho proposto. No primeiro pesquisa é ambíguo em relação à escola, esta apa-
explicitam-se teorias utilizadas para a reflexão. rece como um lugar de convívio e criatividade e,
Em destaque o olhar para a juventude não apenas ao mesmo tempo, de conflito e falta de confiança.
enquanto faixa etária e contexto sócio econômico, A pesquisa aconteceu no Ensino Médio, em
mas a partir da busca de uma singularização dos EJAs (Educação de Jovens e Adultos) e PJU (Pro-
jovens em questão, com foco na diversidade da jeto Jovens Urbanos). Foi escolhido um estado
juventude que o cerca e compõe suas necessidades, por região do país e, dentro desse estado, uma
imaginário e vivências. Esse jovem está contextu- cidade com mais de 100 mil habitantes, além de
alizado, em sua individualidade, em uma geração sua capital: NORTE – Pará (Belém e Castanhal),
enaltecida por ser jovem e compartilha a vontade NORDESTE – Bahia (Salvador e Feira de San-
de transformar e questionar outras gerações. Todas tana), SUL – Paraná (Curitiba e Ponta Grossa),
estas características irão se compor em um processo SUDESTE - Rio de Janeiro (Rio de Janeiro e Volta
de construção de identidade social permeadas por
Redonda) e CENTRO-OESTE - Mato Grosso
realidades individuais.
(Cuiabá e Rondonópolis). As escolas escolhidas
A definição de juventude também é muito cumpriam o critério de possuírem mais de 500
abordada e discutida, onde a procura pela percep- alunos matriculados nos segmentos pesquisados.

Gestão democrática e participativa


ção do que caracteriza e identifica o jovem hoje
A abordagem da pesquisa foi quantitativa/
é diversa e fluida. Temos olhares que definem a
qualitativa, através de questionários, grupos focais
juventude apenas a partir da faixa etária, como
e entrevistas, sempre levando em consideração na
exemplo temos a Secretaria Nacional de Políticas
análise os argumentos apresentados pelos jovens
de Juventude e do Conselho Nacional de Juven-
e a premissa de que o contexto social e pessoal do
tude, para quem a população jovem é a que se
jovem tem relação direta com seu contexto e suas
localiza entre 15 e 29 anos. Outras ponderações
atitudes com o ambiente escolar.
são fortemente apresentadas como a que define
como jovem uma pessoa a partir da sua relação Os números e depoimentos encontrados são re-
e postura frente ao mundo, à sociedade e mais veladores de quanto a experiência escolar, familiar,
uma gama intensa de qualidades tais como sua cultural e social é indissociável e está diretamente
condição social, cultural, afetiva, biológica, psí- vinculada a questões como evasão escolar, abando-
quica, entre outras características. no ou mesmo permanência nas escolas. A relação
que o jovem aluno estabelece com a escola tem
Outro termo central é o de Cultura Juvenil,
que aponta para os sentidos e significados da vida características complexas e potentes que são dire-
de um jovem, levando em consideração seu con- tamente conectadas com a experiência e vivência
texto, seus afetos, seus imaginários e suas criações diária desse jovem.
representativas. Tal expressão é fundamental para a O conflito com professores e diretores, a falta de
pesquisa. Transformar o jovem em aluno tem sido, vínculo ou mesmo de convivência fica estampada
muitas vezes, descontextualizá-lo de si mesmo e como um desafio a ser superado e traz consequên-
destituí-lo de suas características individuais pro- cias graves relativas ao abandono e desvalorização
vindas de sua própria diversidade de composição e do ambiente escolar. Assim como a característica
estado de juventude. A Cultura Juvenil e a Cultura socializatória da escola, a esperança de melhora na
Escolar nem sempre se tocam. Será preciso inter- vida profissional e o ambiente amigável aparecem
-relacioná-las. como grandes protagonistas para a frequência
escolar e mantenedores dos alunos nas salas de
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A inserção no mercado de trabalho e a conse-


quente valorização da escolarização na sua relação aula do país.
com ele tenciona cada vez mais as escolas para um A relação aluno-professor é muito destacada e
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47
caminho que não considera as características e ilustrada pelos alunos como uma via de apoio e
expressões desse jovem e os empurram para longe estímulo ou de grande desvalorização e criação de jan/2017
ambientes desconfortáveis onde não há confiabi- A utilização da internet e das redes sociais
lidade. A falta de suporte aparece constantemente pelos jovens aparece com diversas características
nos depoimentos. Não falta autocritica a esses em seus depoimentos, desde utilizadas para pes-
jovens, que se percebem em diversos momentos quisas escolares e como suporte ao que está sendo
como passivos no processo de estudo. estudado até como ferramenta de descontração e
A figura do professor “que não desiste” é enal- interatividade, especialmente no caso das redes
tecida pelo aluno e essa imagem aparece constante- sociais. Porém nos grupos de PJU o uso da in-
mente para os jovens como “o professor que explica ternet é menos frequente e os jovens bem menos
bem, acompanha e leva os alunos em consideração eloquentes na navegação.
para continuar com a matéria”. Esse mesmo profes- Em relação aos problemas do país e ao
sor aparece com outras características como o que futuro, as preocupações que mais aparecem são
“sabe o nome do estudante”, compreende sua situ- com a violência e a corrupção. Há indefinições
ação, “dá bom dia”, utiliza linguagem horizontal, nos depoimentos sobre o que esperam do futuro.
sabe brincar, sabe fazer uma aula ser leve. Uma vez questionados sobre o pessimismo perce-
Arguidos sobre as diversas matérias, os alunos bido citam falhas no ambiente escolar em relação
colocam o professor como medida fundamental à formação do caráter crítico e político.
para considerarem uma disciplina como boa ou A infraestrutura das escolas também é citada
ruim. E aparece a ideal de que mesmo uma dis- pelos jovens como componente importante para
ciplina “chata” pode ser “legal” dependendo do um bom ambiente de trabalho e um aprendizado
Gestão democrática e participativa

professor. mais pleno. Aparecem como prioridades desejáveis


A compreensão da realidade do aluno e a pre- as salas de informática, bibliotecas, salas de leitura
sença ou a falta dela, é a marca da relação com os e principalmente o livre acesso a esses espaços.
diretores. Aparecem também questões de higiene e sanea-
Falar do aprendizado das ruas e da escola é um mento básico.
tema abordado pelos jovens ao dar opiniões sobre Em suma, o livro traz à luz evidenciado por
os saberes: formal e informal. Para eles o saber meio da pesquisa de campo a necessidade de pensar
adquirido nas ruas é mais claro e acessível. educação, família e cultura entrelaçadas, de forma
O ambiente escolar fica marcado como o cami- a levar o jovem e seu universo em consideração.
nho para o mercado de trabalho, o acesso possível Esse entrelaçamento tem um impacto direto no
a carreira de sucesso, da mesma forma em que a acesso e permanência dos jovens e adolescentes na
rua está para o lazer e a diversão. Entretanto, eles escola. Para pensar uma política pública que inclua
também a colocam como um ambiente perigoso democraticamente os jovens há de se considerar
enquanto a escola aparece como local seguro. os diversos fatores apresentados nessa pesquisa.

CASTRO, Jane Margareth; REGATTIERI, Marilza (org.). Interação


escola-família: subsídios para práticas escolares. Brasília :
UNESCO, MEC, 2009.
O livro é um estudo feito pela UNESCO em
Resenha elaborada por parceria com Secretarias Municipais de Educa-
Lenita P. M. de Almeida ção. Foram disponibilizadas possibilidades de
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Mestranda do Programa de Educação: Currículo participação a todas as Secretarias do país através


da PUC-SP de questionários e entrevistas telefônicas e foram
selecionados alguns locais específicos para visita. A
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48
escolha foi baseada no tema interação escola-aluno-
jan/2017 -família. Trata-se de tema complexo e central da
pesquisa. Os municípios visitados foram: Iguatu cessita de atenção e direcionamento e poderá ser
(CE), Itaiçaba (CE), Taboão da Serra (SP) e Te- viabilizada como fértil na busca de melhoras e
resina (PI), além de Belo Horizonte (MG), que soluções de diversos desafios, que hoje se apresen-
através do Projeto Família- Escola foi incluído tam na formação de valores sociais importantes.
posteriormente. É preciso valorizar o acesso a informações e a
A pesquisa tem por objetivo compreender me- gestão democrática. A pesquisa destaca a criação
lhor a relação família- escola e fazer um levantamen- de políticas públicas relacionadas ao tema como
to do que vem sendo feito nos municípios e escolas uma construção coletiva que respeita e considera as
brasileiras nesse sentido. A pesquisa e a obra levam características do local onde será implantada. É um
em consideração a relevância e a necessidade de tra- trabalho pautado pela compreensão de cooperação
tar esse tema delicado com profundidade e seriedade e reconhecimento da diferença.
com o intuito de apoiar professores e gestores na A obra propõe uma divisão do tema em três
construção, aprimoramento e implantação de pro- frentes. A primeira trata da legislação e do histó-
jetos e políticas públicas na área. O desafio central rico da relação família-escola; a segunda aborda
é construir uma relação entre a família e a escola as articulações em curso entre as teorias apresen-
que auxilie e amplie o universo de possibilidades de tadas e práticas pedagógicas; e a terceira traz uma
construção de conhecimentos e aprendizagens para exposição e apresentação de diversas políticas e
as crianças e os adolescentes brasileiros. estratégias que podem servir de suporte para a
Para além da pesquisa prática, foi feito um melhor construção e compreensão de um espaço

Gestão democrática e participativa


levantamento documental visando conhecer e fértil e de diálogo entre a escola, as famílias e os
analisar a produção nacional no que diz respeito contextos dos alunos, levando em conta os diver-
à temática abordada. sos setores da sociedade envolvidos no trabalho
O protagonista da pesquisa é a criança dos comum dessa construção.
anos iniciais do Ensino Fundamental levando em É feita uma retomada da história da escola e das
consideração que se trata de uma criança que dei- relações sociais estabelecidas a partir dela e pelo
xa seu status de filho(a) para receber o status de Estado. Inicia-se na constituição da República,
aluno(a). Os universos de onde vem e para onde onde o papel da família estava no centro da edu-
vai, o familiar e o escolar, têm características e cação, passando pela busca de um ensino público,
diferenças diversas, que tornam o processo muitas pelo papel das mulheres, culto da nacionalidade,
vezes traumático se não se levar em consideração o da moral e mudança do papel familiar na educa-
contexto da criança. Entendendo ambiente social ção da criança durante a Era Vargas. Chega-se a
não apenas como sendo o ambiente familiar e co- centralidade da escola, onde há um destaque para
munitário, mas também o educacional, o contexto o movimento dos Pioneiros da Escola Nova que
da criança é o cruzamento desses lugares e seus chegaram a divulgar em 1932 um manifesto cha-
impactos no indivíduo em questão. mado “A Reconstrução Educacional no Brasil – Ao
Ponto importante da pesquisa é a análise do que Povo e ao Governo” em que defendiam a criação
se espera do aluno que ingressa no ensino funda- de um sistema educacional público e obrigatório.
mental. São demandadas dele algumas caracterís- Destacam-se algumas marcas históricas. Na
ticas que são compreendidas como pré-requisitos década de 1960, a implantação da LDB (Lei de
que devem ser constituídos em suas relações intra- Diretrizes e Bases). Durante a ditadura militar, a
familiares, como por exemplo as noções de higiene, desvalorização da escola pública e um grande apoio
disciplina e hierarquia. Porém, em muitas famílias financeiro governamental para as escolas privadas
os pais e as mães não tiveram acesso ao ambiente que ganharam grande força e destaque qualitati-
escolar e, portanto, não atendem às expectativas vo. Nas décadas de 1970 e 1980, o processo de
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da escola, de seus professores e gestores, o que urbanização que trouxe a necessidade do acesso
merece reflexão e cuidado e deve ser abordado e ao ensino básico o que acabou levando muitas
construído na relação escola-família. crianças para as escolas particulares. 49
A relação entre aluno, professor e família ne- Já na década de 1990, destaca-se a dimensão da 49
jan/2017
necessidade de planos políticos pedagógicos, o inves- porém ainda muito restrito apenas a um grupo de
timento em formação de professores e a solicitação pais, normalmente não se expandindo e por isso
de maior autonomia para a escola e para os alunos. não considerando os interesses de todos.
Até hoje esses são temas discutidos e abordados na No “Interagir para melhorar os indicadores
área, porém o processo de democratização do ensino, educacionais” tem-se o acompanhamento das
o acesso e a permanência na escola aparecem como famílias pelas ações que ocorrem dentro da es-
pontos focais do momento considerado “atual” pelos cola e dependem de valores construídos, como a
autores, o da publicação da obra (2009). consciência do que é tratado e o acesso e direito à
As famílias, desde a década de 1980, vêm educação. O acompanhamento escolar pelos pais
apresentando diversos formatos que hoje são en- muitas vezes fica apenas concentrado no desem-
tendidos como características de extrema impor- penho e na nota dos alunos. O IDEB, algumas
tância para a formação do indivíduo, que devem ONGs e incentivos estão mudando esse quadro
ser levados em consideração e trabalhados na sua em algumas escolas para uma participação efetiva
relação com a escola. das famílias na escola.
Em relação a legislação aparecem fortemente Em dezoito experiências foi possível “Incluir o
o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) aluno e seu contexto” como propõe a publicação.
e a LDB como formativas para as características A compreensão da realidade, o contexto e a indi-
e conteúdo da escola. O Ministério Público, o vidualidade do aluno é levada em consideração
Conselho Tutelar e o Estatuto da Criança e do para sua integração com o ambiente escolar. Por
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Adolescente sustentam o que se espera da relação fim fica como relevante e marcante o fato de que
escola-família. pais, professores e gestores devem construir um
Em busca de ações que promovessem a integra- caminho juntos para a integração.
ção escola-família, poucas foram encontradas. As A proposição de políticas públicas que con-
encontradas foram pontuais e de pouco impacto, templem a relação escola-família é um caminho
como o dia da família, festas escolares etc. Por possível para que a integração aconteça e os alu-
isso a pesquisa se propôs a aprofundar a busca e nos possam ter um acesso cada vez mais pleno à
encontrou algumas propostas de integração. Elas educação. Conhecer as famílias, seus espaços e
foram separadas em quatro grupos: “Educar as características é fundamental para essa construção,
famílias”, “Abrir a escola para participação fami- onde professores, pais e alunos compõem a per-
liar”, “Interagir com a família para melhorar os cepção de um aluno que é mais próximo do real.
indicadores educacionais”, “Incluir o aluno e seu Somente a partir daí será possível o olhar empático
contexto”. Os grupos e os resultados demonstra- e a compreensão de algumas posturas facilmente
ram os diferentes níveis de integração e apontaram identificadas quando contextualizadas.
possibilidades de vários caminhos a serem esco- As políticas apoiadas pelas Secretarias são as
lhidos e percorridos pelos gestores na integração que conseguiram maiores resultados. O acompa-
com as famílias dos alunos e no enfrentamento aos nhamento, assim como o diálogo entre os dife-
desafios encontrados. rentes setores sociais (exemplo: assistência social
Sobre “Educar as famílias” há de se dizer que e educação) é indispensável para o conhecimento
é a mais habitual tentativa de integração. Trata-se do perfil de um aluno, especialmente os que têm
de reuniões de pais, pequenos eventos, debates e mais problemas. Há diversos caminhos para a
algumas vezes parte de um pressuposto perigoso, construção de políticas públicas, desde iniciativas
de que os pais são responsáveis pela falta de inte- de educadores, expressões da própria comunidade,
gração entre a escola e a família e que são pouco ou mesmo proposição das Secretarias Municipais.
participativos no ambiente escolar.
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Existem diversas formas de aproximação entre


No agrupamento denominado “Abrir a escola os agentes escolares e as famílias e o mais impor-
para a participação familiar” encontraram-se ações tante nessa relação é que professores e gestores
50
50
mais participativas onde o ambiente escolar ganha recebam formação e acompanhamento para as
jan/2017 uma conotação de espaço comunitário e público, atividades a serem desenvolvidas.
A experiência em Taboão da Serra é narrada em curso, o que pode garantir um caminhar com
integralmente a partir da sistematização das passos mais largos e firmes que se sustentem nas
ações de integração. Do saldo do que foi expe- ações anteriores e posteriores.
rienciado se apresentam algumas características Por fim, enfatiza-se a importância dos diversos
que podem ser de muita utilidade no processo setores participarem dos processos mais específicos
de aproximação e integração da família com de alunos, com o envolvimento de escolas, postos
a escola. É importante a qualidade da coleta de saúde e centros de assistência social.
e a organização das informações recolhidas. O estudo apresenta e descreve a importância de
É preciso que, na formação de professores e construir uma relação com qualidade social entre
gestores que protagonizam o processo dentro a escola e a família e aponta o seu impacto positi-
das escolas não se contemple apenas a formação vo na evasão escolar e na falta de rendimento do
técnica, mas que haja a requalificação de valores, aluno. Apresenta com dados claros, que os alunos
a consideração dos mais diversos saberes sem melhoram significativamente quando se leva em
hierarquização entre eles, o que exige um pro- conta o cenário onde a criança e o adolescente
cesso de mudança pessoal e política. estão inseridos, quando há a participação dos pais
Há necessidade de se fazer uma avaliação pe- e responsáveis no processo educativo, quando as
riódica das ações que estão sendo implementadas possibilidades de acesso e auxílio da família e a
para garantir uma memória do acontecimento formação

Gestão democrática e participativa


CECCON, Cláudia et al. Conflitos na escola: modos de
transformar: dicas para refletir e exemplos de como. São Paulo:
CECIP. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. 2009.
O trabalho foi realizado por seis educadores,
Resenha elaborada por três brasileiros e três holandeses. É fruto de um
Vanda Bartalini Baruffaldi diálogo intercultural entre Brasil e Holanda,
Doutora em Linguística e Semiótica pela que teve início em 1998 e buscou valorizar as
Universidade de São Paulo. experiências mútuas entre os dois países. Órgãos
Professora das Faculdades Integradas Campos envolvidos no projeto: CECIP – Centro de
Salles. Criação de Imagem Popular –, sediado no Rio
Coordenadora de cursos de graduação e pós- de Janeiro, e a APS Internacional, com sede em
graduação em Letras. Utrecht, na Holanda.
O CECIP tem como foco os sistemas formais
de educação pública, assim como os educadores e
os jovens usuários que utilizam esses sistemas. Atua
em parceria com escolas, fundações, organizações
não governamentais e internacionais, mas assessora
também Secretarias de Educação, organizando
oficinas para a formação de educadores, para lide-
ranças comunitárias e para grupos de adolescentes.
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APS International é uma organização não go-


vernamental que, há mais de 40 anos, procura dar
51
51
apoio a escolas e sistemas escolares. A Instituição
tem consciência de que as mudanças educacionais jan/2017
constituem processos que podem demorar anos livro coloca em destaque as causas internas
para se consolidar. Não são, portanto, meros de atitudes e condutas que geram ruptura
eventos. Para atingir seus objetivos, cria projetos de equilíbrio na escola,
de aperfeiçoamento educacional. Assessora tam- relembrando, na página seguinte, que:
bém Secretarias de Educação, gestores e outros
Quando só vemos “o outro” como res-
tomadores de decisão para que atinjam os objetivos
ponsável pelos problemas, fica difícil nos
propostos. O APS Internacional atua na Europa, mobilizarmos para encontrar saídas.
Ásia, África e nas Américas Central e Latina.
3. A obra é extremamente didática, bem ilus-
O livro consta de uma apresentação redigida trada, bem escrita e, consequentemente, agradável
por Ruben Alves; outra produzida pelos autores; de ler. Em espaços denominados O mapa do livro
cinco capítulos, divididos em tópicos e uma rápida e Saber é saber fazer (p.22-25), os autores fazem
conclusão em que os educadores ratificam a crença uma síntese do que o leitor encontrará nas páginas
– tônica do livro todo – de que a utilização de boas seguintes. As informações que ali se leem consti-
estratégias na administração de conflitos é capaz tuem uma ótima visão do trabalho.
de mudar realidades.
3.1. Os cinco capítulos que estruturam o traba-
1. Rubem Alves deu um título metafórico à sua lho foram compostos a partir de questões ligadas à
apresentação: Sobre ostras e pérolas. Nela, o autor administração de conflitos. Esclarecem os autores
defende a tese de que é pelos conflitos, pelos es- que a organização das partes girou em torno de
forços em solucionar problemas que conseguimos cinco perguntas – que dão nome aos capítulos –,
Gestão democrática e participativa

atingir objetivos mais elevados. As ostras, escreve propostas para que possam ser repensadas velhas
ele na página 14, em sua linguagem simbólica, questões que, no entanto, se mantém atuais.
são animais de corpo mole, sem cérebro, que não   Capítulo 1. O que as palavras conflito e vio-
pensam. Dedicam-se simplesmente a viver. Mas lência significam para você?
– prossegue –, se, por acidente, um fragmento ou
  Capítulo 2. Que fatores externos e internos
uma areia pontuda burla a guarda da ostra e entra
podem gerar manifestações de violência nas
na sua carne mole... vai-se a tranqüilidade e a os-
escolas?
tra passa a sofrer. Em compensação, produz uma
pérola, que não tem aresta nem ponta; que, por-   Capítulo 3. Como cultivar uma escola segura
tanto, não a machuca e põe fim a seu sofrimento. e cidadã?
Conclui-se, assim, que dos conflitos podem nascer   Capítulo 4. Como interromper as violências
muitas coisas bonitas (p.14-15). quando elas se fazem presentes e como restaurar
2. A participação dos educadores que elabora- os danos?
ram a obra se inicia de maneira mais efetiva com   Capítulo 5. Por que alianças e parcerias au-
um texto dirigido aos gestores da escola. Sob os mentam o poder da escola de aprender e crescer
cativantes títulos Uma palavrinha com quem lidera com os conflitos?
a escola e O poder de agir para transformar, pro- 3.2. Todos os capítulos seguem o mesmo
curam mostrar que, graças a uma administração esquema, apresentando cinco subcapítulos que
eficiente dos conflitos, é possível afastar a escola receberam títulos bastante sugestivos:
do clima de intranquilidade que hoje a domina   H
 istória da vida real. O nome do tópico revela
e transformá-la em um lugar agradável de ser seu objetivo: expor uma situação real que visa
frequentado. oferecer subsídio para a reflexão a ser proposta.
Mas, para tanto, é necessário averiguar não só   Contribuição da teoria. Da mesma forma, o
a influência de fatores externos na geração dos nome Contribuição da teoria já revela o propó-
problemas como também a responsabilidade que sito do item: fazer uso de dados de pesquisas
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cabe a cada um dos participantes da comunidade e análises que permitam ver os desafios do
escolar no aparecimento de tais problemas. Por cotidiano sob outra ótica.
52 essa razão eles escrevem, na página 20:
52
  Caixa de ferramentas apresenta um conjunto
jan/2017 Sem subestimar os fatores externos, este de estratégias – articuladas com pesquisas re-
centes – que podem ser selecionadas, recriadas como a causadora da hostilidade a desequilibra o
e propostas aos grupos para que se atinja um ambiente escolar como qualquer outro.
determinado objetivo. 3.3.3. Colocadas as bases para tratar da temá-
  Baú de brinquedos oferece sugestões lúdicas, tica da obra, os educadores partem para sugerir
em múltiplas linguagens, possíveis de serem em- novos caminhos, capazes de resolver as questões
pregadas para facilitar a dissolução de conflitos. ligadas aos conflitos. Como cultivar uma escola
  Refletir para agir – no tópico, são apresentadas segura e cidadã? aponta alguns aspectos que pre-
perguntas que procuram levar o leitor a aliar cisam fazer parte do cotidiano escolar para que
suas experiências ao conteúdo tratado anterior- se atinja o equilíbrio desejado e que se ofereça
mente a fim de que possam ser tomadas decisões à comunidade escolar condições estimuladoras
e colocadas em prática as propostas focalizadas. para o processo ensino-aprendizagem. Para tanto,
O nome do tópico denuncia a influência teórica sugere-se:
da obra. Escrevem os autores:   fortalecer o vínculo entre os atores desse pro-
‘Não há palavra verdadeira que não seja cesso, ou seja: alunos, professores, gestores,
práxis’, afirma Paulo Freire, definindo prá- família, sociedade;
xis como ‘reflexão e ação verdadeiramente   estimular a participação dos alunos, da equipe
transformadora da realidade, fonte de co- escolar e da comunidade nas iniciativas esco-
nhecimento reflexivo e criação’ (Pedagogia lares;
do oprimido. 1975. pp. 91 e 108).   desenvolver competências e habilidades para

Gestão democrática e participativa


3.3. Como foi anteriormente informado, o dialogar e administrar conflitos;
desenvolvimento dos capítulos gira em torno de   criar um currículo relevante aos estudantes;
questões relacionadas ao tema do livro.   oferecer oportunidades de aprendizagem e de
3.3.1. O título do primeiro deles - O que as desenvolvimento profissional ao corpo docente..
palavras conflito e violência significam para você? 3.3.4. Como interromper as violências quando
- permite antever o seu objetivo: deixar clara a di- elas se fazem presentes e como restaurar os danos?
ferença que há entre os dois termos. Se o primeiro é a questão que orienta o desenvolvimento do
é visto como a designação de um fato normal em quarto capítulo. O objetivo, no caso, é discutir o
locais onde convivem vários tipos de pessoas, caso que diretores ou professores - sejam eles já expe-
da escola, o segundo, fruto de conflitos mal resol- rientes, sejam recém-chegados ao meio - podem
vidos, deve ser evitado. Dessa forma, sustentam os fazer diante de uma escola ou sala de aula que
autores, é fundamental administrar conflitos para apresentam comportamentos deturpados.
evitar violências, equilíbrio que exige Examinam-se ainda, no capítulo, os procedi-
aprender a ouvir, a dialogar, construindo mentos que podem ser assumidos diante de um
vínculos e alianças entre diferentes dentro da ambiente que, de início pacífico, torna-se violento.
escola (crianças, jovens, professores, funcio- As considerações apresentadas têm, em geral, a
nários, gestores, famílias) e entre a escola e mesma orientação: a violência domina um local
o mundo lá fora (secretarias, organizações sempre que se verifica ineficiência nas tentativas
governamentais e não governamentais, uni- de restaurar o equilíbrio perdido, porque a tônica
versidades (p.22). recaiu sobre medidas punitivas em vez de se privile-
3.3.2. Pelo nome atribuído ao segundo capítu- giarem as ações que procuram recuperar o diálogo.
lo, também se conclui, com facilidade, o objetivo a 3.3.5. Por que alianças e parcerias aumentam
que os educadores quiseram chegar. Em Que fato- o poder da escola de aprender e crescer com os con-
res externos e internos podem gerar manifestações flitos? - é a questão que norteia o quinto capítulo
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de violência nas escolas? Eles procuram vincular e revela, como sugere a questão, quão importante
razões socioeconômicas e político-organizacionais é estabelecer relações da escola com a sociedade,
à violência que hoje se verifica na sociedade brasi- evitar seu isolamento, aumentando, dessa forma,
53
53
leira e que atinge as escolas. Aponta-se a ruptura as condições para solucionar problemas e instalar
do diálogo, que desestabiliza as relações afetivas, um clima de colaboração, aprimorando, assim, as jan/2017
condições de desenvolver um eficiente trabalho 3.4.2. As Caixas de ferramentas propõem tarefas
de aprendizagem. que podem ser realizadas para que respostas dadas
3.4. Conforme se registrou anteriormente, cada a situações-problema se tornem mais eficientes.
capítulo consta cinco partes. Sugerem-se, para tanto, pesquisas sobre a realida-
3.4.1 Naquela chamada Histórias da vida real, de das escolas; elaboração de entrevistas; oficinas;
são apresentados fatos presentes no cotidiano, conferências; identificação de parceiros capazes de
mas que merecem considerações especiais, pois colaborar com a consecução dos objetivos da equipe.
oferecem subsídios para uma reflexão. Todas as Os autores ressaltam, com frequência, a neces-
situações caracterizam-se por serem conflitantes sidade de manter a tranquilidade, o espírito obje-
e podem fazer parte de vários tipos de cenário. tivo - ou a popular “cabeça fria” - para solucionar
A do primeiro capítulo, por exemplo, deno- adequadamente os reveses que surgem.
minada “Panela de pressão”, focaliza o momento 3.4.3. A expressão Baú de brinquedos foi
tensionado de uma escola comum em que os con- retirada de uma visão de mundo defendida por
flitos, ainda que encobertos, existem e não foram Rubem Alves. Esclarecem os autores na página
solucionados. 23: Como diz Rubem Alves (2007), as pessoas
Outros episódios, entretanto, afastam-se dos precisam de “ferramentas” e de “brinquedos”
espaços tidos como “normais” e focalizam locais para se humanizar.
mais complexos, localizados ora na favela do Ale- Nesse tópico, são sugeridas obras formuladas
mão, no Rio de Janeiro; ora em uma comunidade em múltiplas linguagens e capazes de complemen-
Gestão democrática e participativa

ligada ao MST, ora em tar ou ilustrar os trabalhos desenvolvidos nas es-


uma escola pública localizada entre duas colas. Citam-se: sites, como www.pathfinder.com/
favelas dominadas por traficantes de facções photo, um banco de dados de fotografia; filmes,
rivais (que) sofria depredações pelo menos como Pro dia nascer feliz, de João Jardim (Brasil,
uma vez por semana. O espaço físico era 2006); músicas, como Amanhã, de Guilherme
deprimente, com banheiros imundos e mo- Arantes; jogos, como o de autodescoberta (p.130):
biliário das salas de aula quebrado. (p.135) vídeos, caso em que se recomenda os produzidos
pela TV Escola. Escrevem os autores:
A fim de afastar os comentários triviais acerca
desse tipo de realidade, em geral crivados de pre- Se você entrar no site da TV Escola, vai en-
conceitos e de pouca profundidade, os autores ofe- contrar vídeos maravilhosos também sobre
recem algumas diretrizes baseadas no pensamento ética e violência nas escolas. A série “Sua
de estudiosos do assunto, como Edgard Morin e Escola, Nossa escola” mostra experiências
Paulo Freire, entre muitos outros. inovadoras de escolas públicas nas cinco
Para tanto, procuram cotejar as visões dos ato- regiões do país que podem inspirar a equipe
res envolvidos no cotidiano escolar com aquelas a investir em um ensino mais significativo:
que especialistas sustentam em suas pesquisas. No <http//tvescola.mec.gov.br>. (p.163)
primeiro capítulo, por exemplo, pedem que seja Há, inclusive, a recomendação à consulta de
feita uma comparação entre o conceito que se tem uma cartilha, a Paz, como se faz, de Lia Diskin e
de conflito e violência com aquele defendido por Laura Roizman...
estudiosos do assunto. ...que pode ser baixada no site da Associação
Em outras vezes, a tarefa é examinar as causas Palas Athena – <www.palasathena.org.
externas e as internas responsáveis pelas situações br>, e traz textos e muitas atividades, inclu-
de desequilíbrio na escola e compará-las com as sive artísticas, para motivar a escola a cultivar
apontadas por teóricos. um novo modo de ser e de conviver. (p.186)
Nº 10 • Abril/99

No quinto capítulo, está sugerido – entre outras 3.4.4. Refletir para agir é a última secção dos
atividades – um estudo sobre o Código Penal a capítulos e ratifica a proposta a que os autores
afim de poder construir um embasamento mais retomam inúmeras vezes durante o livro segundo
54
54
sólido para discutir os problemas de lugares mais a qual é preciso pensar, analisar as situações antes
jan/2017 conflituosos. de agir e, constantemente,
  rever a adequação do currículo ao público a que nhos que ele mesmo poderia trilhar para tornar
as informações se destinam; mais agradável o ambiente em que ele trabalha.
  lembrar que uma política de punição é extre- 3.5. No final do livro, após as rápidas con-
mamente ineficaz; clusões e a relação de referências bibliográficas,
  pensar nas estratégias que podem ser usadas encontram-se sugestões de leitura vinculadas ao
para transformar uma cultura de punição em tema desenvolvido pela equipe de educadores bra-
uma cultura de interações construtivas; sileiros e holandeses que elaborou esse simpático
  autoavaliar-se. Conflitos na escola: modos de transformar. Dicas
Desafia-se também o leitor a pensar em cami- para refletir e exemplos de como.

CHRISPINO, Á. A mediação do conflito escolar. São Paulo:


Biruta, 2011.
No presente artigo, Chrispino (2007) aborda
Resenha elaborada por sobre os conceitos de conflito, conflito escolar,
Daniteli Marques mediação e violência de diferentes opiniões e

Gestão democrática e participativa


Pedagoga, Mestre e Doutoranda em Educação divergências de interpretações. Aponta pesquisas
Especial (Educação do Indivíduo Especial) pela onde fica nítido a importância que o jovem atri-
Universidade Federal de São Carlos bui à educação, à escola e ao professor, ao mesmo
tempo em que apresenta sua preocupação com a
violência. E finaliza numerando questões que de-
vem ser consideradas quando a escola se propõe a
implantar um programa de mediação escolar do
conflito.

EDUCAÇÃO, JUVENTUDE
E VIOLÊNCIA
Com o objetivo de analisar as perceptivas da
juventude em relação a escola e a violência, o
Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio
de Janeiro solicitou uma pesquisa com o tema:
“O jovem, a sociedade e a ética (2006)”, onde
recolheu a opinião de jovens entre 14 e 18 anos.
Esta pesquisa mostrou que:
O jovem identifica na violência o maior pro-
 
blema da sociedade atual, superando, inclusive,
o desemprego;
A escola ocupa o segundo lugar entre as insti-
 
tuições importantes para o desenho do futuro
da juventude, perdendo apenas para a família;
Professores e escolas são as duas “instituições”
Nº 10 • Abril/99

 
que encabeçam a lista de confiança com altos
níveis percentuais;
55
55
Os jovens, diferentes do que diz o senso comum,
 

solicitam os limites próprios à juventude, jul- jan/2017
gando assim que disciplinas rígidas, junto com a ordem e o conflito são resultados de interação
criatividade e diálogo, fazem parte da boa escola. entre os seres humanos e o que sustenta e garante
A análise dos resultados desta pesquisa deixa a democracia.
claro que o jovem ainda crê na educação como Nesta perspectiva, entende-se que o conflito é
alternativa e na escola como instrumento de mo- algo inevitável, e não se deve omitir seus motivos,
bilidade social e de diferenciação para o futuro. até porque ele possui inúmeras vantagens como:
Ajuda a regular as relações sociais;
 
O CONFLITO E O Ensina a ver o mundo pela perspectiva do outro;
 
CONFLITO ESCOLAR Permite o reconhecimento das diferenças, que
 
A concepção de conflito pode surgir de va- não são ameaças, mas resultado natural de uma
riadas definições, como: opiniões divergentes ou situação em que há recursos escassos;
maneiras de ver ou interpretar algo; diferença de Ajuda a definir as identidades das partes que
 
interesses, de desejos e de aspirações; dificuldade defendem suas posições;
de comunicação, de assertividade das pessoas, de Permite perceber que o outro possui uma per-
 
condições para estabelecer o diálogo. cepção diferente;
Já o conflito escolar possui fatores provenien- Raciocina as estratégias de competência e de
 
tes de ações próprias dos sistemas escolares ou cooperação;
oriundos das relações que envolvem os atores da
Ensina que a controvérsia é uma oportunidade
 
comunidade mais ampla. Nesta perspectiva, tínha-
Gestão democrática e participativa

de crescimento e de amadurecimento social.


mos antes uma escola que atendia um padrão de
aluno com perfis muito próximos. Com a massi-
ficação escolar, surge num mesmo espaço alunos CLASSIFICAÇÃO DOS CONFLITOS
com vivências diferentes, expectativas diferentes, Deutsch (apud MARTINEZ ZAMPA, 2004)
sonhos, valores, culturas e hábitos diferentes; po- argumenta que o conflito pode ser classificado em
rém, a escola não estava preparada para absorver seis tipos: (a) verídico: conflito que existe objeti-
estas diferenças. Logo, se a escola é o universo que vamente; (b) contingentes: situações que depen-
reúne estes diferentes alunos, ela é o palco onde dem de circunstâncias que mudam facilmente; (c)
o conflito se instalará e, quando não trabalhado, descentralizados: conflitos que ocorrem fora do
pode ser a causa da violência escolar. conflito central; (d) mal atribuído: se apresentam
entre partes que não mantêm contatos entre si; ( e)
Dentro do espaço escolar existe conflito criado
latentes: conflitos cuja origem não se exteriorizam;
pela diferença de conceito ou pelo valor diferente
e, (f) falsos: se baseiam em má interpretação ou
que se dá ao mesmo ato. Fernandes (2006) pode
percepção equivocada.
exemplificar está divergência de opiniões em sua
pesquisa realizadas com alunos e professores de É possível também classificar conflitos escolares
diferentes escolas do Distrito Federal. Como re- ou mesmo educacionais, assim Martinez Zampa
sultado, verificou-se que professores e alunos dão (2005) enumera quatro diferentes:
valores diferentes à mesma ação e reagem diferen- Conflito em torno da pluralidade de perten-
 
temente ao mesmo ato, gerando assim um conflito. cimento: surge quando o docente faz parte
Assim, quanto mais diversificado for o perfil dos de diferentes estabelecimentos de ensino ou
alunos e dos professores, maior será a possibilida- mesmo de níveis diferentes;
des de conflitos ou de diferenças de opinião. Conflitos para definir o projeto institucional:
 
Perante estas reflexões sobre conflitos, Chris- surge porque a construção do projeto educa-
pino (2007) esclarece que é errado pensar que o cional favorece a manifestação de diferentes
posições quanto a objetivos, procedimentos e
Nº 10 • Abril/99

conceito de conflito é algo ruim, negativo ou que


atenta contra a ordem. Ao contrário que se pensa exigências no estabelecimento escolar;
no senso comum, o conflito é uma manifestação Conflito para operacionar o projeto educati-
 
56
56
natural e necessária às relações entre pessoas, gru- vo: surge porque, no momento de executar o
jan/2017 pos sociais, organismos políticos e Estado e que projeto institucional, surgem divergências nos
âmbitos de planejamento, execução e avaliação, casa, com familiares e amigos;
levando a direção a lançar mão de processo de 6. A capacitação em resolver conflitos que podem
coalizão, adesão etc; contribuir para a preservação do uso do álcool
Conflito entre as autoridades formais e funcio-
  e de droga;
nais: surge quando não há coincidência entre 7. Possibilidade de sentir a satisfação de contribuir
a figura da autoridade forma (diretor) e da com a paz do mundo.
autoridade funcional (líder situacional). Por fim, para que haja a instalação de um
Diante da identificação do conflito escolar ou programa de mediação é necessário a reflexões de
educacional, cabe a instituição elaborar estratégias algumas questões como: (a) caráter de mediação de
de mediação de forma que encare este conflito conflito: obrigatório ou voluntário? (b) ênfase da
como instrumento de crescimento e não como mediação de conflito: no produto ou no processo?
grave problema que deva ser abafado. (c) limites da mediação de conflitos na escola: sem
limite de série, idade, turno etc, ou com limites?
POR QUE A MEDIAÇÃO DO Estas questões darão o suporte essencial para que
CONFLITO NA ESCOLA? a escola defina suas metas e estratégias de avaliação
diagnóstica especifica de conflitos.
De acordo com Chrispino (2007), para que
aconteça a mediação de conflito no ambiente esco-
lar é necessário primeiramente que a escola assuma REFERÊNCIAS:
CHRISPINO, A. Gestão do conflito escolar: da classifica-

Gestão democrática e participativa


que ele existe e que deve ser superado a fim de que
a escola cumpra melhor a suas reais finalidades. ção dos conflitos aos modelos de mediação. Ensaio: aval.
pol.públ.Educ.[online]., vol.15, n.54, pp.11-28, Rio de
As escolas que valorizam o conflito e aprendem
Janeiro, 2007
a trabalhar com essa realidade, são aquelas onde o
FERNANDES, K. T. O conceito de violência escolar na
diálogo é permanente, objetivando ouvir as diferenças
perspectiva dos discentes. Dissertação (Mestrado em
para melhor decidirem; são aquelas onde o exercício Educação)-Universidade Católica de Brasília, Brasília,
da explicitação do pensamento é incentivado, obje- DF, 2006.
tivando o aprendizado da exposição da maturidade
MARTINEZ ZAMPA, D. Mediación educativa y resolu-
de ideias por meio da assertividade e da comunicação cion de conflictos: modelos de implementacion. Buenos
eficaz; onde o currículo considera as oportunidades Aires: Edicones Novedades Educativas, 2005.
para discutir soluções alternativas para os diversos PORRO, B. La resolución de conflictos en el aula. Buenos
exemplos de conflitos no campo das ideias. Aires: Paidós, 2004.
No entanto, para o desenvolvimento desta
mediação de conflitos é necessário que a escola
proponha um programa de mediação escolar que
esteja de acordo com a particularidade do contexto
da escola. Nesta vertente, Porro (2004) apresenta
sete grandes motivos para realizar um programa
de mediação:
1. A capacitação em resolver conflitos valoriza o
tempo;
2. A capacitação em resolver conflitos ensina
várias estratégias uteis;
3. A capacitação em resolver conflitos ensina aos
alunos consideração e respeito para com os
Nº 10 • Abril/99

demais;
4. A capacitação em resolver conflitos reduz o
estresse; 57
5. Possibilidade de aplicar as novas técnicas em 57
jan/2017
COLARES, Maria Lília Imbiriba Souza (org.) et al. Gestão escolar:
enfrentando os desafios cotidianos em escolas públicas. Curitiba:
Editora CRV, 2009.
Apresentação
Resenha elaborada por
Os organizadores informam que os capítulos do
Juliana Manso Presto
livro referem-se a um conjunto de textos resultantes
Pedagoga com Especialização em “Ética, valores de TCCs de estudantes da Especialização em Ges-
e cidadania na escola” tão Escolar, modalidade EAD, vinculada ao Pro-
Coordenadora Pedagógica – PMSP grama Nacional Escola de Gestores da Educação
Professora - Cursinhos Preparatórios Básica MEC/SEB (parceria com a SEDUC/RO e
UNDIME/RO), bem como textos elaborados por
professores-pesquisadores vinculados a Fundação
Universidade Federal de Rondônia/UNIR, tendo
como diferencial a abordagem que procura articu-
lar as reflexões teóricas com as situações concretas,
e como este encontro deve ser proveitoso em prol
Gestão democrática e participativa

do enfrentamento dos problemas com os quais se


deparam os gestores escolares.

Capítulo 1 - SALA AMBIENTE


PROJETO VIVENCIAL:
reaproximando teoria e prática
no enfrentamento de problemas
cotidianos - Juracy Machado
Pacífico e Maria Lília Imbiriba
Sousa Colares
As autoras ressaltam que no campo da legali-
dade o direito à educação está garantido, sendo
desafio ainda a questão do acesso, permanência e
aprendizagem na escola, haja vista os resultados
dos indicadores educacionais e a própria qualida-
de. A melhora desta depende de muitos fatores
internos e externos, implicando recursos, finan-
ciamento, investimento, não exigindo apenas uma
questão curricular, mas de forma ampla políticas
articuladas que viabilizem melhores condições
sociais e culturais para a população.
Um dos itens abordados diz respeito à gestão da
escola básica atrelada à gestão democrática, com a
Nº 10 • Abril/99

participação da comunidade em todas as fases, que


vão do planejamento, execução, acompanhamento
até a avaliação. No que tange essa questão, as au-
58
58
toras citam a importância do Programa Nacional
jan/2017 Escola de Gestores da Educação, o qual busca
qualificar os gestores das escolas da educação de Ensino fundamental Flávio
básica pública, a partir do oferecimento de cursos da Silva Daltro no município de
de formação à distância, sendo parceria de rede de
Pimenta Bueno-RO - Ednéia Maria
universidades pública e do MEC.
Azevedo Machado, Doralice de
O curso objeto deste livro visou contribuir
para o desenvolvimento profissional do gestor
Souza Pereira Santos, Ivanilda Colla
e para a melhoria na qualidade dos processos de Scheffer, Lucila de Araújo Crivelli
organização e gestão da escola, estando pautado O artigo apresenta o relato da experiência de
numa concepção de formação de professores que aplicação do Projeto de Intervenção Pedagógica
contemple a tematização de saberes e práticas sobre o Planejamento escolar da uma escola, com
num contexto de desenvolvimento profissional vistas a garantir a implementação do PPP nos pró-
permanente. ximos 2 anos, buscando a melhoria da qualidade
“Um dos princípios básicos defendidos no Pro- de ensino oferecida à clientela.
grama é o de que a gestão escolar traga consigo O Projeto teve como objetivos reduzir o índice
o aspecto pedagógico e, sendo assim, o gestor/ de reprovação e minimizar o baixo rendimento
gestora ou diretor/diretora é antes de tudo um/ diagnosticado na escola, tendo como objeto a aná-
uma educador/a e a gestão pedagógica um espaço lise dos documentos escolares dos alunos de 2007
legítimo de aprendizagem democrática. Por isso e 2008 e dados coletados de entrevistas colhidas
a gestão escolar precisa ser entendida no âmbito por meio de perguntas abertas e fechadas, realiza-

Gestão democrática e participativa


da sociedade política comprometida com a própria das com o gestor, as coordenadoras pedagógicas
transformação social.” (PARO, 2008, p 17) e o professor.
É relatado que os cursistas do EaD discutiram As autoras esclarecem que o planejamento
o papel do gestor escolar e do Projeto Político- precisa ter finalidade clara, explicitar diretrizes,
-Pedagógico, tendo, a partir da metodologia a princípios e procedimentos do trabalho a ser rea-
pesquisa-ação (transformação da realidade), um lizado, garantir a participação de todos os atores
projeto de intervenção já que ao pesquisarem a (conforme previsto em legislação), assegurando
própria prática, produzem novos conhecimentos, que as atividades da escola articulem-se com o
apropriam-se e ressignificam sua prática, cons- contexto da comunidade e da sociedade. Há de
truindo laços e compromissos, de forma mais se prever ainda flexibilidade devido às avaliações
crítica com a realidade. As propostas apresentadas e realinhamentos necessários do percurso.
para o projeto foram: a) construção do Projeto Há ainda importantes considerações quanto ao
Político-Pedagógico (PPP) caso não tivessem; b) PPP no que tange às dimensões a) política - no sen-
a reelaboração do PPP ou partes, caso tivessem; tido de compromisso com a formação do cidadão
c) uma situação problemática relevante na escola, para um tipo de sociedade e b) pedagógico – ao
vinculada ao PPP ou a gestão, caso não fosse pos- possibilitar a efetivação da intencionalidade da
sível desenvolver as anteriores. escola, que é a formação do cidadão participativo,
As autoras concluem que o curso: ofereceu responsável, compromissado, crítico e criativo.
possibilidades na melhora da gestão escolar no Além disso, o PPP pode ser subsidiado por
que tange a gestão democrática, contribuiu para elementos constitutivos da proposta pedagógica:
a formação continuada de gestores e motivou a) Plano de Curso: a organização de um conjunto
estes a desenvolver uma prática permeada por de disciplinas que vão ser ensinadas e desenvolvi-
um processo de planejamento coletivo e do PPP, das, sendo executado pela aplicação do b) Plano
fortalecendo a construção deste importante ins- de Ensino: plano de disciplinas, de unidades e
trumento democrático. experiências propostas pela escola, professores,
Nº 10 • Abril/99

alunos ou pela comunidade.


Capítulo 2 - A aplicação do Na análise dos dados da escola, as autoras
planejamento sistematizado na 59
59
observaram que Planejamento anual era feito co-
escola municipal multisseriada letivamente, mas baseava-se em Matriz Curricular jan/2017
e Ementas padronizadas e descontextualizadas; os Capítulo 3 - A importância da
planos de aula eram elaborados individualmente participação da família nas ações
pelo professor, sem considerar os conhecimentos
da escola - Eudeiza Jesus de Araújo,
prévios dos alunos e a contextualização da escola;
tendo sido apontada a deficiência na execução
Gerry Salvaterra Lara, Maria das
do planejamento escolar como uma das causas Neves Oliveira de Souza
mais impactantes do alto índice de reprovação Os autores trazem importantes reflexões quanto
verificado. ao papel da gestão no que tange a luta por uma
Assim, no processo de Projeto de Intervenção política democrática de educação e a completa
Pedagógica sobre Planejamento Escolar desta mudança do sistema de ensino brasileiro, dizendo
Unidade, a matriz curricular foi readequada, pen- que há de se humanizar a educação.
sando em procedimento didáticos e metodologias; A escola espera da família uma participação
incorporou-se um rol de proposições de atividades; efetiva na vida escolar dos filhos e o apoio às ações
definiu-se objetivos e as habilidades a serem alcan- da escola, não apenas a simples ajuda nas ativida-
çadas; reorganizou-se os instrumentais de avaliação des. Mas para isso é preciso que a escola inclua a
do Aproveitamento Escolar; organizaram-se os presença da família em sua rotina, nas ações peda-
planos de ensino por disciplina de forma coletiva. gógicas e a coloque nos momentos de construção
Além disso, houve: a reorganização do do Regimento Escolar e do PPP de forma a in-
horário de planejamento docente; o estabe- centivar sua participação. Há a defesa do conceito
Gestão democrática e participativa

lecimento de um cronograma de capacitação de participação democrática pelo pressuposto do


para o professor; o monitoramento por parte envolvimento da comunidade escolar como um
da coordenadora pedagógica, do desempenho todo e o partilhamento do poder de decisão.
escolar do aluno e da interação da comunidade, “A gestão democrática é fundamental para a
além do acompanhamento do planejamento das definição de políticas educacionais que orientam a
aulas; a disponibilização de recursos didático- prática educativa, bem como revitaliza os processos
-pedagógicos necessários; a execução de ações de participação, dentro dos parâmetros definidos
motivadoras para a participação da comunida- no “chão” da escola pública e é um canal no proces-
de; o estabelecimento de metas progressivas de so de democratização, na medida em que reúnem
aprovação do aluno até o alcance da média do diretores, professores, funcionários, estudantes,
IDEB; a definição dos instrumentos de avalia- pais e outros representantes da comunidade para
ção do Projeto de Intervenção Pedagógica, por discutir, definir e acompanhar o desenvolvimento
meio de indicadores quantitativos e qualitativos, do Projeto Político-Pedagógico da Escola, ferra-
tais como índice de frequência e aproveitamento menta indispensável na escola, uma vez que trata
escolar do aluno, de participação da comunidade da “alma” da escola, caracteriza quem são, como
e da qualificação profissional do professor. são e porque estão na escola, é a partir dele que
Nas considerações finais, as autoras afirmam devem ser tomadas todas as medidas, visando o
1) que a estruturação da ementa, selecionando- bem comum dos alunos, foco maior desse processo
-se conteúdos significativos, atrelados à interdis- de democracia” (p.44-45).
ciplinaridade e à readequação da matriz curri- É da efetiva integração escola e família que
cular favoreceu a interação escola-aluno alcance surgirá uma comunidade propriamente dita, enten-
dos objetivos propostos, 2) que a adequação dendo e assumindo a escola como parte integrante
metodológica voltada à clientela atendida, no de um passado, presente e futuro. Assim, é preciso
caso a educação do campo, resultou na ressig- não só trazer os pais até a escola, mas é preciso ir
nificação para toda a comunidade, atendendo até às famílias e conhecê-las. Não adianta prever
essa integração apenas no papel e documentos, é
Nº 10 • Abril/99

às expectativas da realidade; 3) a importância


da formação continuada dos docentes para a ga- preciso promovê-la através de mecanismos volta-
rantia do aprimoramento do trabalho coletivo; dos para a mudança de atitudes.
60
60
4) o processo trouxe maior atividade à todos os Perante estas considerações, os autores aplica-
jan/2017 sujeitos do processo educativo. ram um questionário junto aos professores, super-
visores, orientadora, alunos e pais para verificar No capítulo, as autoras relatam como foi o
essa questão na Unidade em que atuam. Em linhas processo de elaboração do PPP na Unidade, sendo
gerais, observaram que a) não se pode admitir a mencionada a necessidade de envolvimento de
existência de espaço para uma democracia concedi- toda a comunidade escolar, com a utilização de en-
da, uma vez que este é um processo que se realiza trevistas com diferentes atores, por exemplo, sendo
praticando; b) para os professores, supervisores e a proposta do projeto de intervenção a construção
orientadora da escola a participação é facilmente do PPP com o envolvimento da comunidade,
conceituada, c) os alunos souberam o que é parti- pois quando todos se propõem a realizar as ações
cipação, porém não sabem quem deve compor o em parceria, vê-se importância de descobrir quais
Conselho Escolar; d) para os pais a participação é as necessidades e anseios dos alunos, da equipe
importante, mas disseram que o trabalho os afasta escolar e dos pais.
da escola; e) alguns pais não sabem quem compõe “O PPP deve ser construído de forma que apon-
a equipe gestora; f) os pais fizeram cobranças im- te para as necessidades de reconstrução do homem
portantes quanto ao trabalho da escola. como ser integral, por intermédio da integração de
Diante dos resultados, os autores consideram conhecimentos específicos, adaptados à realidade
ser importante avaliar as ações da gestão e analisar do educando buscando sua integração com o meio
os dados coletados, pois torna-se possível traçar social onde vive” (p.62).
caminhos, visando a melhoria dos pontos nega- A partir dos dados coletados das reuniões, entre-
tivos detectados e fortalecer o que vem dando vistas e questionários, bem como análise de arquivos

Gestão democrática e participativa


certo. Destacam o papel do Conselho Escolar e documentos escolares, foi relatado pelas autoras
(instância de interação escola/comunidade da ter sido possível conhecer a escola mais de perto e de
gestão democrática/combate ao autoritarismo, for- forma mais dinâmica, tendo as ideias centradas em
mando futuros cidadãos na vivência e valorização vários pensamentos e a tomada de decisões de forma
da democracia) por configurar-se também numa coletiva, por meio da prática da autonomia escolar
escola para os pais, oferecendo uma possibilidade e da gestão democrática. Foi possível conhecer as
de uma aprendizagem de mão dupla: a escola es- dificuldades e limites da escola, mas, além disso,
tendendo sua função pedagógica para a sociedade identificar potencialidades e competências presentes
e a sociedade influenciando os destinos da escola. no contexto interno e externo.
Atentam ainda ao fato dos gestores necessaria- Os princípios norteadores do PPP foram:
mente revisarem, de forma crítica, seu papel na relação escola x comunidade, democratização
escola e na sociedade. Finalizam afirmando que a do acesso e da permanência do aluno na escola
busca de uma escola democrática e participativa com sucesso, democracia, autonomia, qualidade
de alta intensidade interfere nas aprendizagens de educação para todos, organização curricular e
dos alunos, bem como na formação da sociedade valorização dos profissionais da educação.
como um todo.
As autoras citam as reuniões pedagógicas e mo-
mentos de avaliações como importantes situações
Capítulo 4 - A construção do reflexivas sobre as questões da escola.
projeto político-pedagógico da Embora seja destacada a participação de todos,
escola - Edna Maria Cordeiro, as autoras mencionam ser necessária a definição da
Claudineia Ribeiro de Sousa, função de cada um. Todos são responsáveis para
Jovina Benicio Coelho Rocha a construção do PPP, porém mencionam o gestor
As autoras falam da importância da qualidade o responsável pela iniciativa e estímulo de toda
da educação ser pensada de forma coletiva, sendo equipe escolar. Esta última deve ser parceira do
gestor nas decisões educacionais e na mobilização
Nº 10 • Abril/99

o PPP um norteador da aprendizagem em que


se define o caminho a se pretende percorrer para da comunidade para que se concretize a proposta,
atingir objetivos e também um referencial voltado assim como os pais e comunidade devem estar
envolvidos e compromissados nesta construção. 61
61
para a cidadania na perspectiva da construção de
projetos democráticos com visão de transformação. Há ainda o destaque para a avaliação do PPP jan/2017
no que tange o desenvolvimento do trabalho e possibilitou a identificação de falhas da gestão
possíveis apontamentos para melhoras, tendo escolar e contribuiu para solucionar mais rápido
como foco o alunado, as atividades desenvolvidas, os problemas administrativos e pedagógicos iden-
o trabalho e a atuação dos profissionais. tificados ao escutar todos. Para isso, no início do
Concluindo, p.69: “A construção e implemen- projeto foram realizados dois encontros de cons-
tação do PPP na escola deve ser compreendido por cientização com a equipe docente para mobilizá-los
todos como um processo significativo e fundamen- na intenção da compreensão da necessária partici-
tal na escola, pois se configura num referencial pação dos familiares nesse processo. Após isso, a
de conquista da autonomia, no qual todos juntos escola fez chamada na rádio para a comunidade,
possam conhecer melhor sua própria escola e tam- confeccionou folders e convites, apresentou peça
bém participar em todos os momentos na busca de teatral e fez palestra com o tema do PPP, bem
uma educação de qualidade para todos que fazem como debates em salas de aula. Esse processo foi
parte da comunidade escolar” sistematizado em um relatório e analisado. No
processo de ‘escuta’ aos alunos, por meio de reu-
Capítulo 5 - Novos rumos através niões e questionários, observaram, por exemplo,
que, apesar da nota 8 dada por eles, mencionaram
do projeto político-pedagógico
que é preciso melhorar no quesito aproveitamento
da escola - Rosa Martins Costa dos equipamentos didáticos e relacionamento de
Pereira, Adelma Bezerra do alguns profissionais com os alunos.
Nascimento Gomes e Sandra
Gestão democrática e participativa

No momento seguinte, prepararam-se para o


Alves da Silva Nogueira diálogo com os pais, tendo como estratégia, em
As autoras relatam o processo de reconstrução janeiro, a entrega de um folder sobre o PPP e um
e valorização do PPP da escola como forma de convite para um encontro, em fevereiro, que re-
intervenção e mediação pedagógica na busca do fletiu sobre os dados coletados junto aos alunos e
aprimoramento da formação educativa e cultural a aplicação de um questionário. Embora a escola
de qualidade para todos, sendo mobilizada toda tenha sido bem avaliada pelo desenvolvimento
a comunidade escolar, em seus vários segmentos de projetos pedagógicos, os pais apontaram que
(pais, alunos, professores e equipe técnica), de for- é preciso fortalecer o “Pais na escola: um ato de
ma democrática. A escola buscou dados no projeto amor” por ainda ser frágil.
escrito em anos anteriores, bem como análise do No encontro com os funcionários, os quais
contexto atual, além de legislações e bibliografias demonstraram ser pessoas preocupadas com a
de referências. aprendizagem dos alunos, e após respostas a
O PPP, ao delinear princípios, diretrizes e algumas perguntas, viu-se que pontos positivos
propostas de ação, serve para que a comunidade da escola são melhoria na qualidade do ensino
estabeleça seu rumo e melhor organize e signifique aprendizagem, o desenvolvimento dos projetos
as atividades, sendo documento norteador da orga- pedagógicos e agilidade na resolução de proble-
nização do trabalho a ser desenvolvido e expressor mas, enquanto negativo o alto índice de abandono
do compromisso com a formação do cidadão. A dos alunos da EJA.
elaboração/readequação da proposta pedagógica Para finalização do processo iniciado com eles, o
deve ser vivenciada em todos os momentos e por último encontro foi com a equipe docente, no qual
todas as pessoas, pois todos são atores do processo houve uma breve retrospectiva das ações realizadas
educativo. “o projeto político pedagógico requer e uma avaliação sobre os encontros realizados com
um comprometimento coletivo e um compartilha- os alunos, pais e funcionários; assim, refletiu-se
mento de responsabilidades, pois é preciso resgatar sobre o trabalho que eles, professores, e também a
a participação de todos pela educação, mas para
Nº 10 • Abril/99

direção estão desenvolvendo. Os docentes também


isso é necessário ouvir cada membro que compõe responderam a um questionário, sendo apontado
essa comunidade” (p.73). como aspectos positivos: a realização dos trabalhos
62
62
No processo de reelaboração do PPP desta es- conjuntos e interdisciplinares, o ambiente harmô-
jan/2017 cola, as autoras afirmam que o trabalho em equipe nico e a socialização de experiências. Quanto aos
negativos citaram o alto índice de reprovação e de No projeto de intervenção apresentado neste
abandono dos alunos. capítulo, os autores optaram pelo método descritivo
Na conclusão, as autoras afirmam que esse com a utilização das técnicas de observação – contato
trabalho possibilitou uma maior integração da direto com os sujeitos da pesquisa (professor, equipe
família na escola, bem como a percepção de que gestora e funcionários em geral), buscando entender
o trabalho coletivo é a melhor maneira de se fazer o processo de construção democrático do projeto.
uma educação de qualidade, pois quando é cons- Observou-se que a escola reconhece e adota
truído com a participação da comunidade escolar a gestão participativa e compreende que para
todos são co-responsáveis do projeto. ter sucesso é importante compartilhar o poder,
incentivando e respeitando a opinião de todos os
Capítulo 6 - Projeto político- envolvidos no processo educativo, tendo constru-
pedagógico da unidade escolar: ído seu PP entre fevereiro e junho de 2007 com a
participação de pais, alunos, docentes, servidores,
princípio de democracia -
comunidade e equipe gestora.
Irmgard Margarida Theobald,
Para essa construção, a escola formou comissões
Aloir Ribolli, Gilvan vanconcellos,
e realização de trabalhos em pequenos grupos
Jolar Vieira Lopes, Maria integrados com membros de todos os segmentos
Aparecida Loss Uliana que apresentavam suas propostas ao grande gru-
Os autores contextualizam que a História da po. Buscou dados que dessem conta das quatro

Gestão democrática e participativa


educação brasileira vem se processando, através de dimensões do projeto: pedagógica, administrativa,
décadas, por políticas educacionais extremamente financeira e a jurídica. Além disso, criou um espaço
centralizadoras e autoritárias, cabendo assim a para pesquisa sobre concepções (educação, escola,
escola se torna um dos agentes de mudança social aluno, professor, funcionário, conhecimento, de
e constituir-se um espaço democrático, garantindo aprendizagem, de sociedade, de mundo), sendo
ao educando o direito de usufruir da construção do divididos os temas em grupos que apresentaram
seu conhecimento e oferecendo aos seus professores seus estudos para todos.
a educação continuada no sentido de se sentirem Depois disso, definiram-se os principais objetivos
comprometidos com a qualidade da educação. para próximos três anos, tendo também apontado
Consideram que a escola é um espaço privile- a necessidade de encontros bimestrais para análise
giado, onde os membros podem experimentar ser e avaliação contínua do proposto. Isso suscitou o
atores do processo educativo, suscitando a cons- compromisso de todos no sentido de reaproximar os
trução democrática de um Projeto Pedagógico e envolvidos no processo ensino-aprendizagem.
um planejamento que requer encontrar, de forma Nas considerações finais, os autores afirmam
coletiva, respostas a uma serie de questionamen- que “o Projeto Político Pedagógico, requer conti-
tos: para quê? O quê? Quando? Como? Por quê? nuidade das ações, descentralização, democratiza-
Com quem? ção do processo de tomada de decisões e instalação
Os autores destacam que alguns componentes de um processo coletivo de avaliação de cunho
pedagógicos são básicos na condução do proces- emancipatório. Há várias formas de construir o
so educativo e devem ser pensados/considerados projeto pedagógico. Cada escola é única em sua
pelos membros da escola, dentre eles: a avaliação, realidade e nas relações que os segmentos estabe-
o currículo, o planejamento, a realidade social dos lecem entre si. Nesse sentido, quaisquer sugestões
atores, bem como as relações existentes no espaço apresentadas precisam ser adaptadas à realidade
educativo. escolar” (p.90).
Nº 10 • Abril/99

Sabe-se da importância da construção do PP Portanto, é preciso considerar que cada escola


para a escola, mas há de se pensar no seu fazer edu- terá de investigar e propor transformações advin-
cativo e na sua aplicabilidade, pois esse processo das de seus dados e contextos para tomadas de
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63
posterior exige ruptura, continuidade, sequência, decisões, mas numa perspectiva democrática e par-
interligação, do antes, do durante e do depois. ticipativa para que seja uma construção legítima. jan/2017
Capítulo 7 - A participação riências escolares, bem como motivos de abandono
da família na vida escolar dos e fracassos e os benefícios da conclusão dos estudos.
No segundo dia houve a produção de textos com
filhos - Loidi Lorenzzi da Silva,
o tema “A importância dos pais na escola”. No ter-
Sebastião Alves Filho Coutinho ceiro dia, cada turma desenvolveu atividades como
Os autores para pesquisar sobre o tema partem cruzadinhas, caça-palavras e acrósticos que foram
da observação de que, na escola em que atuam, expostas em mural. No quarto dia a equipe gestora
os pais pouco ou quase nunca participam na vida organizou salas de jogos. No quinto dia houve uma
escolar de seus filhos e a falta dessa integração com tarde esportiva com os pais, professores, equipe
a escola é motivo de reclamações, principalmente gestora, alunos e demais funcionários da escola,
dos professores, pela falta da ajuda dos pais nos sendo também aplicado questionários aos pais e
trabalhos escolares dos alunos.
professores e realizadas entrevistas.
Consideram que a família é parte fundamental
Apenas um pai dos 26 perguntados respondeu
na construção da aprendizagem (a participação
que participa da vida escolar dos filhos. Treze pais
pode afetar o desempenho das crianças), uma vez
disseram que não comparecem a escola com frequ-
que ela possui uma influência muito grande na vida
ência por falta de tempo, pois o horário é incom-
comportamental da criança e que a colaboração/
patível. Seis disseram ter vontade, mas não sabem
interação dos pais com a escola ajudam a resolver
como participar e que os professores cobram mais
muitos problemas escolares, além disso informam
do que os orientam. Três mães disseram que não
que escola faz diversas ações, mas são poucos os
Gestão democrática e participativa

tem com quem deixar os filhos pequenos e dois


que comparecem.
pais acham que não é necessário os pais compa-
Para que a parceria seja efetiva é preciso que recerem com frequência na escola, pois quem
a escola construa, por meio de uma intervenção ensina é a professora. Apesar destes dados, todos
elaborada e consciente, a criação de espaços de reconhecem a importância da sua participação na
reflexão e experiências de vida numa comunidade
vida escolar dos filhos.
educativa, instituindo acima de tudo a aproxima-
ção entre as duas instituições, família e escola, não Os professores, ao responder às perguntas,
sendo apenas o ‘local’ onde os pais recebem infor- mencionam a falta de responsabilidade, falta de
mações sobre as notas de seus filhos, por exemplo. tempo, a falta de interesse dos pais pela vida escolar
dos filhos já que nem justificam as ausências.
O trabalho foi trabalho desenvolvido com a
participação de professores e equipe gestora, vi- Os autores afirmam que “Nota-se que esse
sando apontar dados concretos e buscar amenizar compromisso precisa partir de ambas as partes,
o problema enfrentado. A pesquisa buscou enten- pois estas respostam deixam transparecer que
der o motivo pelo qual há falta de envolvimento ambos vivem buscando culpados sem buscar um
dos pais na vida escolar de seus filhos, por meio verdadeiro compromisso” (p.100).
de observação direta, questionários e entrevistas, Ao perguntar o que a escola deveria fazer para
os alvos foram pais e professores. Os pais foram garantir a participação dos pais, os professores
motivados a participar da vida escolar dos filhos responderam: continuar desenvolvendo projetos
em uma semana de ações diárias, sendo finalizada que envolvam a participação dos pais, promover
com uma confraternização no pátio. atividades esportivas para atrair os pais, propor-
Na intenção de garantir a participação dos pais, a cionar reuniões mais agradáveis, acolhedoras e de
escola enviou um ofício aos setores de trabalho dos estabelecimento de relações, promover palestras e
pais, solicitando a dispensa dele por uma hora ao dia eventos diferenciados, bem como conscientizar os
durante essa semana de alerta sobre a importância pais da sua importância na vida escolar dos seus
de sua participação na vida escolar dos filhos. filhos. Os autores acrescentam que a escola deve se
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Inicialmente o assunto foi sobre as atividades co- preparar para ajudar os pais, de forma convidativa,
tidianas dos alunos e a necessidade de envolvimento buscando canais efetivos de comunicação e promo-
64 vendo atividades específicas de sua comunidade.
64
nos processos de aprendizagem de seus filhos. No
jan/2017 primeiro dia os pais relataram quanto às suas expe- Ao concluírem, os autores afirmam que a famí-
lia e a escola formam uma equipe, sendo funda- bem como elevar o nível da qualidade educativa.
mental estabelecer diálogo que tenham os mesmos O processo de investigação contou com reuniões,
princípios e critérios, bem como a mesma direção conversas informais, aplicação de questionário e
em relação aos objetivos que desejam atingir, para análise de alguns dados dos resultados de anos
que as dificuldades sejam aos poucos superadas em anteriores, com a direção, corpo técnico, adminis-
prol da aprendizagem dos alunos. trativo, professores e alunos para a identificação
das situações problemas e formulação das hipóteses
Capítulo 8 - Melhoria da qualidade que foram trabalhadas neste projeto.
educativa na escola estadual de Após as análises, obtiveram o seguinte diag-
ensino fundamental Samaritana - nóstico: a falta de participação e acompanhamento
dos pais na vida escolar de seus filhos, sendo que,
Carlson José Lima de Sousa, Lúcia
solucionado este, os outros (evasão, dificuldades
de Fátima Xavier González, Rosa de aprendizagem, problemas disciplinares) seriam,
Martins Costa Pereira possivelmente, minimizados.
A reconstrução do PPP refere-se ao planejamen- A prioridade escolhida foi: sensibilizar os pais
to de intervenções responsáveis e conscientes em ou responsáveis a participar de todos os aconteci-
benefício da coletividade, atendendo às dimensões mentos da escola, atestando a eles sua importância
políticas e pedagógicas que lhe são inerentes. Os e mostrando que a escola se preocupa com eles e
autores notaram que o PPP da escola em que deseja assumir a responsabilidade de buscar ca-
atuam precisava de análise e reformulação, pois a

Gestão democrática e participativa


minhos que possibilitem transformar a realidade
dinâmica das atividades escolares e as necessidades em que vivem. Foram elaboradas estratégias,
sócio-educativas inerentes da função social da insti- ações e metas com datas previstas para trazer os
tuição escolar exigem constante repensar de metas pais ou responsáveis para a escola. Com intensa
a serem alcançadas para a melhoria da qualidade divulgação, a primeira reunião trouxe melhora
educativa. É preciso ainda garantir mecanismos na participação de pais. Foi pesquisado com a
de integração e envolvimento que possibilitem, comunidade qual o melhor horário para se fazer
de fato, o poder de decisão e ação na escola com- as reuniões.
partilhados e prática de gestão democrática expe-
“O PPP é justamente a forma de enfrentar a
rimentada por todos os atores da escola.
situação que se apresenta, visando a transforma-
Os autores nos atentam: “É muito difícil rom- ção. A compreensão deste como elaboração coletiva,
per com o modelo tradicional de participação, o em processo permanente de construção, reflexão e
que é confundido com presença em eventos e ati- modifica olp0-ção, traz uma significação de outra
vidades eventuais, tornando assim um desafio da natureza, que não pode ser apenas documental e
escola em relação ao envolvimento da comunidade burocrática, requerendo, antes de tudo, sensibili-
escolar em suas decisões e fazer com que esta seja zação para a necessidade de sua elaboração seja
participativa” (p.105). sentida pela comunidade” (p.111).
De forma a colaborar com a escola em questão, em Na tentativa de tornar realidade as propostas
co-participação com a comunidade escolar, os autores do PPP, a escola vem incentivando a participação
realizaram um Projeto de Intervenção a partir da aná- da família e da comunidade no processo educati-
lise crítica do PPP existente, por meio da identificação vo, promovendo assembleias, eventos em datas
das necessidades conforme a atual realidade da escola comemorativas, atividades culturais, esportivas
e discussão com o coletivo dos segmentos escolares e artísticas, utilizando desses momentos para
para a reconstrução do documento. ressaltar a importância do acompanhamento da
Houve uma conversa inicial com a direção da aprendizagem dos filhos. Estão previstas para rea-
Nº 10 • Abril/99

escola e, em seguida, com a equipe administrativo- lização: reuniões por série, palestras para a família,
-pedagógica da escola, sendo mencionada a von- semana do meio ambiente, mutirão da limpeza
tade de desenvolver ações para incentivar alunos, (continuação), reunião geral com a comunidade,
65
65
professores e comunidade escolar de forma geral, festa junina, elaboração de instrumentais de acom-
para a melhoria dos serviços oferecidos na escola, panhamento dos pais. jan/2017
Os autores concluem, após a experiência, que da escola e contribuir para o trabalho na temática.
o PPP possui a função de romper o isolamento Foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o
dos diferentes segmentos da escola, buscando pela tema em questão, seguida de uma investigação
participação coletiva e afetiva de pais, funcionários de como estava o trabalho na escola sendo vista a
e comunidade, não só na sua reelaboração, mas na necessidade de maior ênfase. Após isso foram re-
observação crítica do cotidiano escolar. alizadas entrevistas com o corpo docente, discente
e técnico da escola para obtenção de dados sobre
Capítulo 9 - A diversidade étnico- o tema trabalhado.
racial na escola: convivendo sem Passada essa etapa, foram planejadas atividades,
preconceito - Maria de Fátima numa abordagem interdisciplinar e significativa,
que contemplassem a diversidade étnico-racial, o
Castro de Oliveira Molina, Ilse
preconceito e a desigualdade, de forma a atingir os
Kuns Drum alunos e toda comunidade escolar, sensibilizando
Os autores falam do desafio de educar com quanto ao reconhecimento das origens e valoriza-
foco na diversidade por exigir a combinação de ção dessas, bem como a necessidade de se cultivar
sensibilidade, conhecimento e disposição para valores étnicos de respeito às diferenças. As estra-
articular os vínculos entre educação e diversidade, tégias foram: palestras proferidas por educadores
tendo as reflexões e as reivindicações ao direito às e especialistas na área, uso de documentários sobre
diferenças norteadoras de práticas voltadas a uma o tema, debates em que os alunos manifestavam
educação inclusiva. Apontam ainda a necessidade
Gestão democrática e participativa

opiniões e experiências, apresentação de dramatiza-


de reconhecer a teia de relações que se estabelece ções, teatros, dança afro, roda de capoeira, gincana
dentro da escola construída por sujeitos sócio- educativa, confecção de cartazes e murais, tendo o
-culturais e, consequentemente, como um espaço encerramento no Dia da Consciência Negra.
da diversidade étnico-racial.
Os autores destacam que, embora vivamos
“O ambiente escolar é um local que exerce num país com grande diversidade racial, é possível
influência intelectual e cidadã sobre um indi- observar que existem muitas lacunas nas práticas
víduo, vindo a afetar a formação da identidade pedagógicas, nos conteúdos escolares, no que se
dos alunos. Identidade a qual é definida pelos refere às referências históricas, culturais que deem
comportamentos, atitudes e costumes de um embasamento e explicações que possam favorecer
indivíduo e se modifica com a convivência entre não só a construção do conhecimento, mas tam-
sujeitos, ou seja, se constrói tendo o outro como bém a elaboração de conceitos que possam con-
referência (...) Diante disso, torna-se necessário tribuir para a valorização e respeito às diferenças;
reconhecer semelhanças e diferenças sociais, étni- sendo, assim, é preciso trabalhar na perspectiva de
cas, econômicas e culturais, de dimensão cotidiana uma educação antirracista que explique a maneira
existente no grupo de convívio escolar e na sua como as desigualdades são construídas e busque
localidade e aceitar com naturalidade suas origens a igualdade enquanto possibilidade de considerar
estabelecendo relações entre o presente e o passado, o respeito ao ser humano.
libertando-se do preconceito” (p.118-119).
“Nesse sentido, construir algumas diretrizes
Os autores apontam a necessidade de ampliar o que contemplem a educação para as relações
nosso repertório de informações sobre a participa- raciais requer o reconhecimento da escola como
ção negra na cultura e na história nacional e pro- espaço de sociabilidade onde haja a possibilidade
porcionar aos alunos reflexões acerca do racismo de todos construírem suas identidades individuais
e da discriminação, tendo um docente preparado e coletivas, garantindo o direito de aprender e de
para trabalhar esses assuntos na perspectiva de ampliar seus conhecimentos, sem serem obrigados
conscientização da sua função educadora.
Nº 10 • Abril/99

a negar a si próprios ou ao grupo étnico-racial a


Assim, a proposta de intervenção deste capítulo que pertencem. É na perspectiva da valorização
diz respeito ao desenvolvimento do Projeto “Di- da diversidade que se localiza o trabalho com a
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66
versidade étnico-racial na escola: convivendo sem questão racial, tendo como referência a participa-
jan/2017 preconceito” com a finalidade de fortalecer o PPP ção efetiva de sujeitos negros e não-negros” p.127
Nas considerações finais, os autores apontam o alcance dos objetos educacionais), sendo o valor
que projetos, como esse que valoriza a diversi- estipulado pelo número de alunos.
dade cultural e étnico-racial, contribuem para a Os entrevistados responderam que o geren-
construção de uma educação que seja geradora de ciamento desses recursos é feito pelo diretor e
cidadania, que atenda e respeite as diversidades e pela Associação de Pais e Professores, sendo que
peculiaridades dos nossos educandos na adoção de um pai enriquece a resposta com detalhes sobre a
práticas educativas mais inclusivas. origem dos recursos e os procedimentos do geren-
ciamento. As escolas estudadas não implantaram
Capítulo 10 - Gestão democrática o Conselho Escolar. Foi apontado que a verba
e autonomia financeira na escola priorizou a melhoria do espaço físico, a qualida-
pública: avanços e retrocessos - de da merenda escolar e a aquisição de recursos
Clarides Henrich de Barba, Alaíde didático-pedagógicos, sendo que uma das escolas
acrescentou o investimento na formação continu-
Saraiva de Lima, Ana Maria da
ada dos educadores. Foram apontadas como des-
Nóbrega, Eliane Maciel Souza vantagens: autonomia restrita, valor insuficiente e
Belarmino impedimento de aquisição de material permanente.
As autoras iniciam afirmando que a escola Após a análise dos dados coletados e dos re-
autônoma não é uma escola sem regras ou sem sultados, os autores consideram que a autonomia
controle do Estado, mas sim uma escola que deseja financeira da escola ainda está em processo de

Gestão democrática e participativa


caminhar para se tornar cidadã e necessita compre- conquista, assim como a gestão democrática,
ender que a sua autonomia de limita a estabelecer necessitando da presença da sociedade na escola,
normas e regras pelas quais será gerida, de forma maior participação e acompanhamento das ações
democrática com a participação de todos os atores educacionais. Além disso, mencionam a necessida-
envolvidos, inclusive no que se refere à aplicabilida- de de enfatizar o aspecto pedagógico como fator
de dos recursos financeiros, a execução e avaliação predominante no uso da verba nas escolas.
das ações pedagógicas de forma a contribuir para
melhoria do ensino aprendizagem dos alunos.
Capítulo 11 - A gestão escolar
“Bacilar (1997) entende que a autonomia e o desafio da (in)disciplina na
da escola implica em três aspectos distintos: o pe-
escola - Irmigardd Margarida
dagógico, o administrativo e o financeiro que se
completam na dimensão da ação da escola. Nesse Theobald, Ivanete Coimbra da
aspecto, Sinder (1995) reafirma a importância da Silva, Lucilene Ugalde da Silva
descentralização administrativa e a importância As autoras consideram que o PPP é a chave da
da escola programar a sua política educacional, gestão escolar devendo ser revisto e reformulado anu-
tendo como suporte a descentralização, que somen- almente. Quanto à indisciplina, tema deste capítulo,
te ocorre quando o poder sobre o que é realmente as autoras atentam ao fato de que a escola deve evitar
no campo pedagógico e administrativo se instala posturas saudosistas, mas sim olhá-la como um sinto-
na escola. Só se considera a escola como eixo central ma de uma escola incapaz de gerir e administrar novas
do processo educacional e os estudantes e professores formas de existência social concreta, que surgem no
seus sujeitos” (p. 133). seu interior, em decorrência das transformações do
Neste capítulo será apresentado um estudo de perfil de sua clientela. Alguns fatores podem estar
escolas públicas estaduais, por meio de entrevistas relacionados à indisciplina: questões relacionadas ao
com diferentes atores, sobre funcionamento e ge- professor, principalmente na sala de aula; centrados
renciamento, vantagens e desvantagens, avaliação nas famílias dos alunos; outros verificados nos alunos;
outros gerados no processo pedagógico escolar; e
Nº 10 • Abril/99

sobre ‘dinheiro na escola’. A verba aqui tratada


se refere ao repasse enviado pelo governo federal outros alheios ao contexto escolar.
às escolas para melhorar o atendimento de suas Ao ingressar na vida escolar, o aluno encontra
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necessidades básicas de forma descentralizada uma série de regras a fim de possibilitar uma rela-
(por ser uma possível estratégia mediadora para ção de convivência harmoniosa, entretanto muitos jan/2017
rejeitam os objetivos ou os procedimentos valoriza- para o sucesso da escola pública, com o debate sobre
dos por ela; sendo que, a escola, ao não conseguir o projeto intervenção Participação é atuação Fortale-
realizar a socialização comportamental, acaba por cendo a Gestão Democrática, tendo a Eleição direta
criar situações de indisciplina nos seus alunos. para dirigentes e vice-dirigente; Conselho escolar (re-
Citam Paulo Freire para dizer que a escola que presentatividade dos segmentos existente na escola).
busca a formação da cidadania tem como objetivos As autoras informam ainda que as escolas estu-
o tratamento de todos com dignidade, deve valo- dadas consideram que o projeto seja a sua diretriz
rizar o que cada um tem de bom; atualizar-se para política e possa gerar políticas no seu interior,
que os alunos gostem dela e garantir espaço para causando interferências no processo pedagógico,
a construção de conhecimentos que contribuam respaldado por uma análise contínua da conjuntura
para uma análise crítica da realidade. política e educacional, além disso entendem que a
Ao analisar os termos ‘projeto’, ‘político’, ‘peda- gestão democrática só tem sentido com a participa-
gógico’, as autoras trazem importantes ideias que ção efetiva de todos os atores presentes na escola.
colaboram para entender a relevância deste docu- Com o avançar desses entendimentos (de consci-
mento para o fazer educativo, tais como: lançar para ência política, gestão democrática, autonomia), em
a frente, fazer pulsar a partir de dentro, educação, conjunto as ações que promovem maiores integrações
ensino, formação, conhecimento, busca um rumo, entre os diferentes atores da comunidade escolar,
de uma direção, ação intencional, compromisso aumentam-se as chances de se romper com o indivi-
definido coletivamente. Complementam ainda di- dualismo e o isolamento que muitas vezes caracteriza
Gestão democrática e participativa

zendo que o PPP é político, pelo compromisso com o trabalho dos educadores, como aconteceu em 2009
a formação do cidadão para um tipo de sociedade, nessas escolas, em prol de um projeto coletivo.
e pedagógico, por definir as ações educativas e as Na conclusão, as autoras retomam a questão
características necessárias às escolas para cumprirem da indisciplina dizendo que escolas precisam de-
seu propósito, sua intencionalidade. senvolver políticas internas para lidar de forma
Outra consideração diz respeito à constituição preventiva com a indisciplina, afirmando quanto à
do PPP, quanto às experiências já existentes, à inten- necessidade de programas de formação de profes-
ção atual e as propositivas, pois “o PPP compreende sores voltados para essa discussão nas rotinas das
o ‘coração da escola’, um instrumento que engloba escolas. Além disso, embora seja difícil e complexo
o conhecimento que o passado oferta, a vitalidade lidar com a indisciplina, atentam para que o pro-
pertinente ao presente e o anseio da remodelação fessor não desista e nem se acomode. No que se
suscetível no futuro próximo” (p.144), bem como refere ao papel do diretor, afirmam que é preciso
a necessária sensibilização e organização coletiva da um novo papel de diretor, libertando-o de suas
comunidade escolar para elaborá-lo. marcas de autoritarismo e redefinindo seu perfil,
desenvolvendo características de coordenador,
As autoras então refletiram sobre o processo de
colaborador e de educador.
construção do PPP/2008 de duas escolas. Observa-
ram que, embora tenha sido feito convite aos pais
pelo Conselho Escolar, apenas um grupo de profes-
Capítulo 12 - As NTIC na escola
sores acabou elaborando em dias de planejamento pública: desafios para a gestão
antes do ano letivo, assim se questionou quais escolar - Tania Suely Azevedo,
formas poderiam existir para envolver toda a comu- Brasileiro, Anselmo Alencar Colares
nidade escolar para o revistar do PPP. As sugestões Os autores consideram que as tecnologias,
foram: mais diálogo, mais reuniões e participação de quando aplicadas à educação, podem contribuir no
todos, tendo no primeiro dia de aula, por exemplo, desenvolvimento das potencialidades humanas e
as boas vindas e as apresentações, aprofundando na formação e transformação de crianças e jovens
Nº 10 • Abril/99

para uma fala sobre gestão democrática. em cidadãos críticos, autônomos, solidários e
Depois houve uma reunião do CE e da gestora competentes na sociedade atual.
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da escola com a presença de toda comunidade escolar O reconhecimento da potencialidade das tecno-
jan/2017 para falar da importância da contribuição de todos logias favorece a incorporação de diferentes recursos
(computador, Internet, TV e vídeo etc.) na escola e por níveis de escolaridade) como interessante
na prática pedagógica e a outras atividades escolares ferramenta disponível a todos. Citam ainda a
nas situações em que possam trazer contribuições importância de alguns recursos tecnológicos para
significativas, de forma a contribuir para a melhoria o atendimento ao público da Educação Especial.
dos processos de gestão e das aprendizagens. O papel do professor frente às tecnologias
Para a inserção de tecnologias de informação e configura-se como “guia dos/as alunos/as para
comunicação na escola não basta apenas adquirir facilitar-lhes o uso de recursos e ferramentas vir-
equipamentos e softwares, mas sim mobilizar tuais que necessitam para explorar e elaborar os
a escola como um todo, por meio de formação novos conhecimentos e habilidades mediadas pelas
continuada, envolvendo suas lideranças, especial- tecnologias; ele/a passa a atuar como gestor/a dos
mente os/as gestores/as, para que sejam agregadas recursos de aprendizagem e a destacar seu papel
efetivamente ao fazer desses profissionais. de orientador desse processo” (p. 164).
A rede de Internet, por exemplo, pode ser um Nesta perspectiva, o trabalho da escola passa a
espaço privilegiado de comunicação e de divulga- ser interdisciplinar; utilizando a informática como
ção da informação que pode viabilizar este suporte ferramenta de trabalho e a rede Internet como
tecnológico, facilitando a comunicação entre toda canal de comunicação, explorando-a como espaço
a comunidade escolar. Entretanto, “não basta ape- cooperativo e de formação e percebendo-a como
nas informar quais atividades/ações a escola está espaço de trabalho, daí a importância da formação
desenvolvendo; precisa também criar espaços de co- continuada e em serviço dos docentes.

Gestão democrática e participativa


municação não presenciais, principalmente através Os autores apresentam alguns sites e breve
de ferramentas virtuais disponíveis na Internet, descrição destes, com a finalidade de subsidiar o
tendo como as mais utilizadas o e-mail, as listas de processo de autoformação daqueles/as que se inte-
discussão, o fórum, o chats, dentre outras” (P.157). ressam pelo tema, tais como: Programa Sua Escola
Para que esses processos se estabeleçam é preciso a 2000 por Hora, Salto para o Futuro, A Formação
garantir, inicialmente, o acesso. Além disso, é preciso de Gestores para a incorporação de Tecnologias
fomentar um conhecimento teórico-prático destas na Escola, Programa Escola Digital, Blogs como
tecnologias e de seus derivados para que estejam ao ferramentas pedagógicas, Tecnologia ao alcance de
alcance de gestores/as, professores/as, alunos/as e co- todos, A internet vai à escola, A Rede Edutec.Net.
munidade escolar. Três condutas são necessárias para Para finalizar, os autores ressaltam a importância
promover a utilização das NTIC na sala de aula: novas da formação para o contexto de atuação do/ gestor/a
práticas e condutas; novas crenças e concepções acerca escolar e as contribuições das TIC para o seu tra-
das mesmas e a aprendizagem de novos recursos, balho, considerando que as tecnologias precisam,
ferramentas e/ou materiais tecnológicos. em primeiro lugar, ser assimiladas ao cotidiano
Os autores ainda informam que é preciso consi- profissional. Assim o educador atribuirá valor à
derar alguns fatores que interferem, dificultando ou tecnologia pelo potencial de facilitação de seus
facilitando, nas relações que as pessoas têm com as fazeres a fim de que compreenda como elas serão
tecnologias, tais como: idade de vida ou tempo de úteis na facilitação da aprendizagem de alunos ou
profissão, a concepção acerca dos contextos educati- na comunicação direta com a comunidade escolar.
vos e questões curriculares, os efeitos esperados e ex-
pectativas acerca dos seus usos, as posições pessoais Capítulo 13 - Programa
dos gestores e professores. Citam ainda seis tipos de nacional escola de gestores
atitudes de educadores frente ao uso das Tecnologias
da educação básica pública:
na educação: críticos, preocupados, desfavoráveis,
antagônicos, indiferentes, não-iniciados.
gestão democrática e políticas
Nº 10 • Abril/99

Os autores destacam a Biblioteca virtual (bases


de formação de professores
de dados com livros digitalizados, artigos, ende- a distância - Andréia da Silva
Quintanilha Sousa 69
69
reços na Internet, comentados, banco de imagens
e sons, além de propostas de atividades e projetos A autora analisa o modelo de gestão educa- jan/2017
cional proposto no Programa Nacional Escola de a ampliação do debate acerca dessa modalidade nas
Gestores da Educação Básica Pública, o qual tem universidades” (p.180-181).
o objetivo de 1) formar, em nível de especialização
(Lato Sensu), gestores educacionais efetivos das es- Capítulo 14 - Gestão do
colas públicas da Educação Básica, e 2) contribuir trabalho escolar e a avaliação da
com a qualificação do gestor escolar na perspectiva aprendizagem numa perspectiva
da gestão democrática e da efetivação do direito à
mediadora: o conflito entre o
educação escolar com qualidade social.
pensar em fazer e o querer fazer -
A gestão proposta na modernização dos siste-
Carmen Tereza Velanga
mas educativos e as melhorias introduzidas em suas
formas de gerenciamento são consideradas base A autora considera que o planejamento é um
para o desenvolvimento do país, estando inserida instrumento que reflete a realidade institucional e
num quadro mais amplo cujas principais caracte- sobre esta realidade, age de forma a transformá-la,
rísticas são: flexibilidade, a agilidade, a eficiência, sendo todos nós parte constituinte dela. Assim,
a escola resulta do planejamento do que se faz –
a eficácia e a produtividade.
porque se pensa – sobre ela.
Os cursos EAD são estratégias de governo
É no ato de planejar, no planejamento da escola
desde a década de 90, sendo uma alternativa de
e na ação docente, como instrumento norteador
superação das dificuldades de acesso ao sistema
do que se é para o que se quer, que se pode olhar
educacional e uma possibilidade de diminuição dos
Gestão democrática e participativa

para a avaliação da aprendizagem numa perspectiva


gastos na área por meio da ampliação de acesso,
mediadora, sendo ela, então, um elemento consti-
democratização do conhecimento e melhoria da
tutivo do planejamento com a pretensão de refletir
qualidade do ensino, no entanto é preciso refletir,
criticamente e trazer sugestões de correção da rota
acompanhar e avaliar esses programas.
e mediação para professores e gestores.
O programa traz a preocupação da formação dos
A autora sinaliza que o planejamento exige a
gestores educacionais da escola pública, com destaque
participação, em que todos se sintam sujeito de sua
para os seguintes temas: descentralização, a gestão
própria história, em três dimensões: a colaboração,
democrática e aa educação inclusiva. O perfil do curso a decisão e a construção em conjunto. Alerta ainda
alinha-se ao previsto na legislação: a gestão demo- que para se planejar também é preciso considerar a
crática do ensino, a participação dos profissionais da existência de uma equipe gestora coordenadora, os
educação na elaboração do projeto pedagógico da planos em nível macro como os planos decenais de
escola das comunidades escolares e local em conselhos educação, os planos plurianuais ou anuais de uma
escolares ou equivalentes, atrelando-se a atuação do secretaria de educação estadual ou municipal; bem
gestor-cursista ao aprimoramento do trabalho reali- como, em plano micro, faz-se necessário coletar
zado na sua escola de atuação. dados através de instrumentos apropriados como
Nas reflexões finais, a autora levanta algumas questionários, formulários, entrevistas e busca de
questões quanto a um possível engessamento do curso documentos da escola.
predeterminado pelo MEC, mas avalia que essa expe- O PPP deve retratar a identidade da escola, com-
riência e as discussões poderão ajudar o redimensio- patibilizando as diretrizes do sistema de ensino com
namento para outras turmas. Conclui que “os desafios as necessidades da comunidade escolar, considerando
impostos a formação de professores na modalidade a a realidade e as práticas sociais de todos os envolvidos:
distância são inúmeros e podem acontecer em vários alunos, gestores, professores, pais ou responsáveis,
níveis como os apontados nesse estudo. Essas questões funcionários, pessoal administrativo, de apoio e a
não podem ser perdidas de vista quando se analisa comunidade local. Deve ainda constituir de princípios
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um Programa de formação continuada a distância que visam garantir a qualidade de ensino tais como: a
como o aqui estudado. Talvez, o grande desafio da relação escola-comunidade; a democratização do aces-
formação de professores na modalidade a distância em so e permanência do aluno na escola; um padrão de
70
70
nosso país não seja somente as disparidades regionais qualidade do ensino para todos; a autonomia dentro
jan/2017 (regiões excluídas do acesso à energia elétrica) e sim dos limites legais e no cumprimento de sua função
social; a organização curricular e o princípio da valo- manifestações da aprendizagem a fim de proceder a
rização dos profissionais que se dedicam à educação. uma ação educativa que aperfeiçoe os percursos indi-
O planejamento é considerado um ato político- viduais”. Cita-se ainda a LDB-96 no que tange a
-pedagógico porque está repleto de intencionalida- avaliação - “contínua e cumulativa do desempenho
des. O docente, a partir de um diagnóstico inicial do aluno com prevalência dos aspectos qualitativos
e da relação com PPP da escola, deve pensar em sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do
suas ações, diante da seleção de conteúdos, de mé- período sobre os de eventuais provas finais” (p.191).
todos e técnicas de ensino, bem como em formas Nesta perspectiva, cabe o destaque de que o
de avaliar os processos educativos. professor deve utilizar diversas produções escolares
A autora menciona que o planejamento do- dos alunos para o acompanhamento da aprendi-
cente, articulado com a proposta pedagógica da zagem (não apenas a prova final, por ex.), sendo
escola, precisa observar os seguintes aspectos: necessário pensar na diversificação das atividades,
Identificação, Ementa da disciplina/atividades, de acordo com as necessidades e possibilidades de
Objetivos de Ensino, Conteúdos, Metodologia, cada aluno. Além disso, deve registrar as observa-
Recursos de Ensino e Avaliação. ções que faz e compreendê-las como uma atividade
Afirma-se que a avaliação para ser uma ação de pesquisa e de levantamento de dados, pois
reflexiva, de fato, exige do docente novas atitudes, revelam os saberes dos alunos. Uma estratégia in-
o qual passa a ser investigador do aprender de seus teressante de documentar esse processo de registro
alunos e realiza adaptações a fim de atender as ne- apontado pela autora diz respeito aos portfólios.

Gestão democrática e participativa


cessidades dos alunos, não permitindo mais ações Em suas considerações finais a autora ressalta que
de exclusão. A avaliação deixa, então, de ter caráter a avaliação mediadora é um processo complexo que
classificatório e excludente e adota uma atitude de envolve outra leitura de mundo mais aberta, flexível
mediação, pois torna-se instrumento de progresso e sensível às diferenças individuais, à diversidade, e
e de intervenção, de correção de rota e de decisões conseqüente necessidade de fazer da escola uma ins-
que favorecem a aprendizagem construída. tituição inclusiva, prazerosa e comprometida com a
Para Hoffman, o professor deve ter três atitudes sociedade, através da qualidade de ensino que busca
para que isso aconteça: ”a) observar o aprendiz; b) promover, devendo estar integrada ao projeto político
analisar e compreender suas estratégias de apren- pedagógico da escola, aos projetos interdisciplinares
dizagem e c) tomar decisões pedagógicas favoráveis de intervenção pedagógica propostos pelos membros
à continuidade do processo (...)a avaliação media- da comunidade escolar e que se vincula estreitamente
dora tem por objetivo a observação permanente das ao processo de avaliação institucional.

MARÇAL, J.C.; SOUSA, J.V. de. Progestão: como promover a


construção coletiva do projeto pedagógico da escola? Módulo III.
Brasília: CONSED, 2009.

Resenha elaborada por APRESENTAÇÃO


Antonia Maria Nakayama A escola precisa preocupar-se em atender às
necessidades específicas da comunidade na qual
Graduada em Psicologia pela PUC-SP está inserida, planejando seu trabalho a médio e a
Mestrado em Psicologia Escolar pelo IPUSP longo prazos, com a finalidade de construir uma
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Doutorado em Didática pela FEUSP


identidade própria. Essa identidade tem um nome:
projeto pedagógico.
71
71
O projeto pedagógico torna-se fundamental
para a escola por ser o elemento norteador da jan/2017
organização do seu trabalho, visando ao sucesso São objetivos específicos dessa unidade:
na aprendizagem dos alunos – finalidade maior da 1. Distinguir a autonomia legal da autonomia
escola como instituição social. construída pelos sujeitos de sua escola.
Neste módulo do programa Progestão, é anali- 2. Propor a elaboração do projeto pedagógico a
sado o processo de construção coletiva do projeto partir da sua realidade escolar.
pedagógico como instrumento importante para
3. Justificar a importância do trabalho coletivo na
assegurar não só o sucesso da aprendizagem dos
construção do projeto pedagógico.
alunos como a sua permanência em uma escola
4. Conceituar projeto pedagógico.
prazerosa e de qualidade.
Apresentam-se os princípios que levam à con- ESCOLA, AUTONOMIA E PROJETO
quista da autonomia pela escola, com base em ações PEDAGÓGICO NA LEI DE DIRETRIZES E
compartilhadas por seus vários atores, uma vez que BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL –
projeto pedagógico e autonomia andam juntos. LEI 9.394/96
Discute, ainda, como o projeto pedagógico As leis são fontes de esperança, mas não fazem
pode orientar o trabalho da escola por meio de milagres, visto que a realidade social não muda
diversas formas de planejamento, todas elas inte- por um simples passe de mágica. Nesse sentido,
gradas no diálogo e na busca de solução dos seus elas são pontos de partida para que a realidade seja
problemas com base na ação coletiva – alunos, pro- repensada e, com base em sua aplicação, avanços
fessores, gestores, pessoal técnico-administrativo e sejam alcançados.
Gestão democrática e participativa

de apoio, pais e comunidade local. Nessas ações, A lei máxima do nosso sistema educacional
todos procuram alternativas para promover ino- reflete um processo e um projeto político para a
vações no cotidiano escolar. educação brasileira. É chamada de Lei de Diretri-
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio- zes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394/96)
nal (LDB), de nº 9.394/96, não só reconhece os es- porque estabelece: as diretrizes que definem os
tabelecimentos de ensino como espaços legítimos princípios, as finalidades, as intenções e os objeti-
para elaboração do seu projeto pedagógico como, vos da educação brasileira. A lei explicita também
também, assegura a participação dos profissionais as bases referentes aos níveis e às modalidades
da educação no desenvolvimento dessa tarefa. de ensino, aos processos de decisão, às formas
de gestão e às competências e responsabilidades
O objetivo geral definido para o módulo é o
relativas à manutenção e ao desenvolvimento do
de promover a construção coletiva do projeto
ensino no país.
pedagógico, articulando-o às várias formas de
Na LDB, destacam-se três grandes eixos di-
planejamento do trabalho da escola.
retamente relacionados à construção do projeto
pedagógico:
UNIDADE 1. POR QUE CONSTRUIR
 O eixo da flexibilidade: vincula-se à autonomia,
COLETIVAMENTE O PROJETO possibilitando à escola organizar o seu próprio
PEDAGÓGICO? trabalho pedagógico.
INTRODUÇÃO  O eixo da avaliação: reforça um aspecto im-
O trabalho da escola torna-se muito mais pro- portante a ser observado nos vários níveis do
dutivo e agradável quando há diálogo entre os ensino público (artigo 9º, inciso VI).
vários segmentos que dela fazem parte. Essa forma  O eixo da liberdade: expressa-se no âmbito do
de trabalhar é muito importante para a discussão pluralismo de ideias e de concepções pedagó-
realizada ao longo desse Módulo, por ser funda- gicas (artigo 3º, inciso III) e da proposta de
gestão democrática do ensino público (artigo
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mental para a construção do projeto pedagógico


de qualquer escola. Os diversos segmentos que 3º, inciso VIII) a ser definida em cada sistema
compõem a escola referem-se a: alunos, pais, pro- de ensino.
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72
fessores, gestores, funcionários e representantes da Considerando esses três grandes eixos, a LDB
jan/2017 comunidade local. reconhece na escola um importante espaço educa-
tivo e nos profissionais da educação uma compe- autonomia, mais solidário e com mais diálogo, que
tência técnica e política que os habilita a participar pode levar os segmentos a se envolver no processo
da elaboração do seu projeto pedagógico. Nessa de forma mais efetiva, pelas ações desenvolvidas
perspectiva democrática, a lei amplia o papel da no cotidiano escolar. Aí temos, de fato, uma au-
escola diante da sociedade, coloca-a como centro tonomia gerada pelas práticas da própria escola.
de atenção das políticas educacionais mais gerais e É nesse sentido que podemos dizer que a auto-
sugere o fortalecimento de sua autonomia. nomia na escola ocorre na medida em que existe
Vejamos, no quadro a seguir, como a LDB de- também a capacidade de a instituição assumir
lega aos sujeitos que fazem a tarefa de elaboração responsabilidades, tornando-se mais competente
do projeto pedagógico. no seu fazer pedagógico.
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, res- É bem possível que, ao ler essas palavras, você
peitadas as normas comuns e as do seu sistema de esteja pensando: qual o papel do gestor no proces-
ensino, terão a incumbência de: so de elaboração do projeto pedagógico da escola,
I – elaborar e executar sua proposta pedagógica. visando ajudar na construção de sua autonomia?
VII – informar os pais e responsáveis sobre a É preciso entender que as leis não mudam
frequência e o rendimento dos alunos, bem como a realidade com um toque de mágica, devendo
sobre a execução de sua proposta pedagógica. ser vistas mais como pontos de partida para os
indivíduos pensarem suas próprias condições e
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
transformá-las. Por isso, não basta a LDB (Lei nº

Gestão democrática e participativa


I – Participar da elaboração da proposta peda- 9.394/96) atribuir aos estabelecimentos de ensino
gógica do estabelecimento de ensino. a tarefa de elaborar o projeto pedagógico; é preciso
II – Elaborar e cumprir o plano de trabalho, que a escola, não confundindo autonomia com
segundo a proposta pedagógica do estabelecimen- soberania, encontre alternativas teóricas e práticas
to de ensino. para mostrar aos seus segmentos a importância de
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as outra autonomia: construída, solidária e dialogada.
normas da gestão democrática do ensino público A autonomia significa a capacidade de a escola
na educação básica, de acordo com as suas pecu- decidir o seu próprio destino, porém permanecen-
liaridades e conforme os seguintes princípios: do integrada ao sistema educacional mais amplo
I – Participação dos profissionais da educação do qual faz parte. Nesse sentido, ela não tem a
na elaboração do projeto pedagógico da escola. soberania para se tornar independente de todas as
II – Participação das comunidades escolar e outras esferas nem para fazer ou alterar a própria
local em conselhos escolares ou equivalentes. lei que define as diretrizes e bases da educação
como um todo.
A LDBEN 9396/1996 utiliza nos artigos 12
e 13 a expressão “proposta pedagógica” e, no COTIDIANO ESCOLAR E DESAFIOS
artigo 14, “projeto pedagógico”. Embora muitos PROFISSIONAIS
educadores interpretem essas expressões de forma O dia a dia da escola é o mote escolhido para
diferente, pode-se considerá-las como equivalen- essa unidade com um convite para que o gestor
tes, pois referem-se ao instrumento que a escola pense sobre o seu próprio fazer, porque suas ações
elabora, objetivamente, visando organizar o seu cotidianas constituem o material básico do estu-
trabalho. Ao longo do estudo desse Módulo, será do. Pretende-se aproximar, por meio das relações
utilizada a expressão Projeto pedagógico. vivenciadas na escola, do desejo de mudança, da
Ao orientar suas práticas para o fortalecimento vontade de inovar que vai se mostrando na sala
de sua própria autonomia, a escola pode construir dos professores, nos horários vagos, nas conversas
o seu conceito de qualidade de ensino e adequar entre os professores nos pontos de ônibus e em
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melhor a sua função às necessidades da comuni- outras situações parecidas.


dade. Aquele desejo que ainda não tem nome, mas
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73
Nesse sentido, organizando o seu trabalho que junta as pessoas em torno de possibilidades e
pedagógico a escola avança para outro nível de de esperanças. Mas como o gestor pode identificar jan/2017
tais desafios? Isso pode ser feito de diversas formas, Esse processo apresenta conflitos, existindo nele
como, por exemplo, pelo registro sistemático da interesses de segmentos divergentes. Mas é exata-
própria ação. Recorrendo a esse tipo de registro, mente essa diversidade de segmentos que torna o seu
é possível ao indivíduo desenvolver a consciência processo de construção rico e dinâmico, pois é em
individual da sua experiência: função dessa interação que surge o coletivo da escola.
 Identificando os desafios cotidianos. A escola sofre, no seu dia a dia, interferências
 Agrupando os desafios de acordo com a sua natu- internas – relativas aos vários segmentos que
reza: pedagógicos, administrativos, financeiros etc. convivem em seu interior – e externas, como as
de natureza política, principalmente quando ela
 Diferenciando desafios coletivos de desafios
está situada em áreas de disputa pelo poder local.
individuais.
Ao basear seu trabalho na discussão coletiva, a
 Analisando os seguintes aspectos: por que
escola pode melhorar a qualidade dos serviços que
permanece, como se relacionam, quais suas
presta à comunidade e estimular ações comparti-
consequências etc.
lhadas entre os seus membros, visando à realização
Recuperar a rotina de trabalho é uma ativida- de sua maior tarefa: a construção do seu projeto
de complexa. Muitas vezes, no final do dia, não pedagógico, de apontar a direção e o caminho
lembramos mais o que fizemos devido a uma série que vai percorrer para realizar, da melhor maneira
de situações imprevisíveis. Os desafios individuais possível, sua função educativa.
muitas vezes se misturam com os institucionais, de
O projeto da escola não começa de uma só vez,
Gestão democrática e participativa

modo que temos dificuldades para solucioná-los.


não nasce pronto. É, ao contrário, muitas vezes,
Por isso é importante registrá-los, diferenciá-los,
o ponto de chegada de um processo que se inicia
para que as soluções propostas também sejam dife- com um pequeno grupo de professores com algumas
renciadas. Esse procedimento de registrar a própria propostas bem simples e que se amplia, ganhando
ação permite problematizar o cotidiano escolar e in- corpo e consistência. Nesse trajeto, ao explicitar
terpretar os desafios pedagógicos nele vivenciados. propósitos e situar obstáculos, os educadores vão
O TRABALHO COLETIVO E A estabelecendo relações, apontando metas e objetivos
CONSTRUÇÃO DO PROJETO comuns, vislumbrando pistas para melhorar a sua
PEDAGÓGICO atuação. (Maria Alice Setúbal, 1994).
Os problemas que os gestores enfrentam no A escola é um espaço educativo, e o seu tra-
cotidiano de uma unidade escolar são desafiadores balho não pode ser pensado nem realizado no
e precisam ser discutidos pelo coletivo da escola, o vazio e na improvisação. O projeto pedagógico é
qual, por sua vez, é bastante heterogêneo. E por que o instrumento que possibilita à escola inovar sua
esse coletivo é heterogêneo? Porque ele é formado prática pedagógica. O projeto pedagógico aponta
por diversos segmentos: professores, gestores, pes- o rumo que a escola deve tomar. Corresponde à
soal técnico-administrativo e de apoio, alunos, pais tomada de decisões educacionais pelos vários ato-
e/ou responsáveis e representantes da comunidade res que o concebem, executam e avaliam, sempre
local, que possuem conhecimentos, ideias e valores considerando a organização do trabalho escolar
diferentes que podem gerar conflitos. como um todo.
Por isso, é bom lembrar que o trabalho de cons- Na medida em que apresenta novos caminhos
trução do projeto pedagógico não é um processo para as situações que precisam ser modificadas,
todo harmônico, sem conflitos. Ao contrário, por pelo trabalho coletivo, a escola afirma sua auto-
ser heterogêneo, o coletivo da escola lida com nomia sem, no entanto, deixar de manter relações
vários desafios que estimulam a própria escola a com as esferas municipais, estaduais e federal da
educação nacional.
Nº 10 • Abril/99

organizar-se para resolver os problemas relativos


ao trabalho que produz. Nesse sentido, um grande Cada escola é única, portanto esse projeto pre-
desafio que a escola atual precisa vencer refere-se cisa levar em conta o trabalho pedagógico como
74
74
à tarefa de estimular, manter e avaliar o trabalho um todo, representando claramente as intenções
jan/2017 coletivo dos seus vários segmentos. da instituição.
A partir dessa concepção, ele não pode ser ela- Foram também apontados alguns desafios presen-
borado apenas por uma pessoa ou pelos gestores tes no trabalho cotidiano dos gestores e a concepção
da escola. Também não deve ser planejado de uma de projeto pedagógico, ressaltando a importância
única vez, mas de forma processual e gradativa, do trabalho coletivo em seu processo de construção.
cumprindo sua função social por meio de ações a Outra questão se apresenta agora: ao retratar a
curto, médio e longo prazos. organização do trabalho pedagógico, que princí-
Para propor inovações no trabalho escolar, o pios e dimensões o projeto pedagógico apresenta,
projeto pedagógico deve considera dois planos: com o objetivo de assegurar, de fato, inovações no
 O primeiro relaciona-se às diretrizes nacionais, cotidiano escolar? Mesmo cada escola precisando
normas, regulamentações e orientações curricu- construir o seu projeto pedagógico a partir de sua
lares e metodológicas originadas nos diversos própria realidade, existem dimensões e princípios
níveis do sistema educacional. A LDB, a polí- gerais a serem observados nesse trabalho.
tica educacional do estado ou dos municípios e Com base nessas dimensões e nesses princípios,
as diretrizes curriculares nacionais são exemplos o projeto pedagógico orienta a escola no cumpri-
dessas regulamentações. mento de sua função social, buscando assegurar o
 O segundo é relativo às práticas e às necessida- sucesso na aprendizagem do aluno.
des dos vários sujeitos da comunidade escolar São objetivos específicos dessa unidade:
(professores, alunos, gestores, demais funcio-  Reconhecer a importância da relação teoria-
nários, pais, associações comunitárias etc.) que -prática na elaboração do projeto pedagógico.

Gestão democrática e participativa


criam novas dinâmicas de trabalho e interferem  Identificar as dimensões presentes na elaboração
nos rumos da escola. Aqui, temos como exem- coletiva do projeto Pedagógico
plo as diversas ações que levam à organização
 Levantar coletivamente os princípios orienta-
geral da escola pelos seus vários sujeitos.
dores para a construção do projeto pedagógico
Ao trabalhar com esses dois planos, a escola de sua escola.
tem de considerar que a comunidade local é im-
 A educação é do tamanho da vida! Não há
portante, mas que ela (a escola) está ligada a outras começo. Não há fim. Só a travessia. E, se que-
instâncias mais gerais e universais. Em outras pala- remos descobrir a verdade da Educação, ela
vras, deve perceber a si mesma e a sua comunidade terá de ser descoberta no meio da travessia”
inseridas em um contexto social mais amplo. (Neidson Rodrigues 1992, p. 39).
O projeto pedagógico é o que confere identidade A teoria e a prática são inseparáveis. Somente
à escola e, por isso, precisa ser construído coletiva- uma base teórica bem sólida fundamenta uma
mente por todos os segmentos que participam da prática realmente eficaz.
vida escolar: professores, corpo técnico-pedagógico,
pessoal de apoio, pais, alunos e demais membros A ARTICULAÇÃO TEORIA-PRÁTICA E A
da comunidade escolar, mostrando-se democrático, CONSTRUÇÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO
abrangente, flexível e duradouro (Veiga, 1997). A coerência entre o pensar e o fazer é um
pressuposto fundamental no processo de compre-
UNIDADE 2. QUAIS DIMENSÕES E ensão de qualquer realidade! Ao procurar retratar
PRINCÍPIOS ORIENTAM O PROJETO a realidade da escola como um todo, o projeto
pedagógico nunca está pronto e acabado, assumin-
PEDAGÓGICO?
do um caráter contínuo e inconcluso. Assim, ao
INTRODUÇÃO representar a constante transformação do cotidiano
Na unidade anterior foi enfatizada que a auto- da escola, esse projeto precisa procurar relacionar a
teoria à prática, compreendendo a prática a partir
Nº 10 • Abril/99

nomia idealizada pela legislação educacional (Lei


9.394/96) para a escola elaborar o seu projeto pe- da teoria e realizando a prática com base na teoria.
dagógico não basta: é preciso a ação compartilhada Nessa discussão, a prática que a escola desenvol-
75
75
dos seus vários segmentos, visando à construção de ve é fundamental, devendo ser objeto de reflexão
uma outra autonomia, mais dialogada e solidária. por todos os seus segmentos. Entretanto, esta re- jan/2017
flexão não pode ocorrer no vazio, mas sustentada Ao referir-se a essas quatro grandes dimen-
em uma base teórica sólida. sões, o projeto pedagógico não se mostra como
um mero documento estático a ser “guardado na
DIMENSÕES DO PROJETO PEDAGÓGICO:
gaveta”, mas como um instrumento dinâmico e
PEDAGÓGICA, ADMINISTRATIVA,
democrático capaz de representar e orientar a vida
FINANCEIRA E JURÍDICA
da escola. Essas dimensões são permeadas pelos
As dimensões do projeto pedagógico para
aspectos socioculturais característicos da realidade
as quais a escola precisa estar atenta, em última
na qual a escola está inserida. A sua compreensão
instância, visam ao sucesso da aprendizagem do
pode transformar a escola em um espaço de mu-
aluno. A associação entre teoria e prática é funda-
danças, a partir do trabalho coletivo e da vontade
mental para traduzir o cotidiano escolar e sistema-
dos seus próprios atores.
tizar a discussão de um projeto pedagógico que
leva em conta a escola em suas várias dimensões, Toda escola lida, simultaneamente, com dois
pedagógica, administrativa, financeira e jurídica, níveis de ações: um relativo ao que ela já é e ou-
as quais devem ser percebidas e compreendidas de tro que corresponde às possibilidades de ela vir a
forma articulada e interligada. transformar-se, a partir da ação dos seus sujeitos.
Esses dois níveis existem nas dimensões pedagó-
 Pedagógica – Diz respeito ao trabalho da escola
gica, administrativa, financeira e jurídica e estão
como um todo em sua finalidade primeira e a
presentes nas várias ações realizadas pela escola.
todas as atividades desenvolvidas tanto dentro
quanto fora da sala de aula, inclusive à forma PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO
Gestão democrática e participativa

de gestão, à abordagem curricular e à relação PROJETO PEDAGÓGICO


escola-comunidade. Após discutir as dimensões do projeto peda-
 Administrativa – Refere-se àqueles aspectos gógico no item anterior, refletiremos sobre os
gerais de organização da escola, como: geren- princípios que podem orientar sua construção,
ciamento do quadro de pessoal, do patrimônio na perspectiva de uma escola que busca um novo
físico, da merenda, dos demais registros sobre conceito de qualidade de ensino. Tais princípios
a vida escolar etc. serão aqui discutidos tendo em mente a necessi-
dade de ampliar a relação entre as comunidades
 Financeira – Relaciona-se às questões gerais
escolar e local, sem perder de vista sua relação
de captação e aplicação de recursos financeiros,
com o sistema social mais amplo, e a construção
visando sempre sua repercussão em relação ao
do projeto pedagógico. Veja na figura, a seguir, a
desempenho pedagógico do aluno.
relação entre os vários princípios que podem ajudar
 Jurídica – Retrata a legalidade das ações e a re- na discussão e na estruturação da construção do
lação da escola com outras instâncias do sistema projeto pedagógico.
de ensino – municipal, estadual e federal – e com
outras instituições do meio no qual está inserida.
Observe, na figura a seguir, como essas dimen-
sões estão relacionadas.
Nº 10 • Abril/99

76
jan/2017 76
Esses princípios precisam ser percebidos e ana- Mas será que ampliar o acesso basta? Ou a es-
lisados de forma interligada, por serem interdepen- cola precisa, ao discutir o seu projeto pedagógico,
dentes. É interessante que possam ser relacionados avançar nessa reflexão? Na verdade, as pesquisas
à realidade da escola, identificando como têm sido educacionais mais recentes têm indicado que o
discutidos, compreendidos e desenvolvidos pelos nosso grande problema não é mais o crescimento
vários segmentos. do número de matrículas, mas fundamentalmente,
Um primeiro princípio a ser considerado na a permanência bem-sucedida do aluno em uma
construção do projeto Pedagógico refere-se à escola de qualidade. A finalidade maior do projeto
relação escola-comunidade local. Há diferenças pedagógico é assegurar o sucesso da aprendizagem
na qualidade do trabalho de escolas que contam de todos os alunos da escola.
com a participação da comunidade e de outras que À medida que procura se democratizar, a escola
planejam, executam e avaliam suas ações sem levar coloca em discussão a prática que desenvolve,
em consideração essa participação. Por exemplo: fato que se relaciona a um quarto princípio que
pesquisas têm demonstrado que, normalmente, precisa ser discutido na construção do seu projeto
o desempenho dos alunos é melhor em escolas pedagógico – a autonomia. Essa autonomia pode
nas quais os pais participam da vida escolar e são ser entendida como a capacidade de governar-se, e
constantemente informados do rendimento escolar dirigir-se, dentro de certos limites, definidos pelas
dos seus filhos. legislações e pelos órgãos do sistema educacional,
Na medida em que a relação escola-comunidade ajudando os diversos atores a estabelecer, com

Gestão democrática e participativa


local fica mais estreita, aumenta a participação responsabilidade, os caminhos que a escola escolhe
de todos os segmentos nas decisões da escola e para percorrer.
a gestão torna-se mais democrática. Essa gestão A organização curricular revela a forma como a
democrática é outro princípio fundamental na escola pode trabalhar tanto com os conhecimentos
elaboração do projeto pedagógico. As referências produzidos historicamente, quanto com aqueles
legais para a democratização do ensino público produzidos em suas práticas cotidianas, sejam
encontram-se, de forma mais geral, na Constitui- eles de natureza pedagógica, cultural, política ou
ção Federal de 1988 e, em um nível mais detalha- científica.
do, na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96). A autonomia não equivale à soberania, pois a
Como princípio do projeto pedagógico, a ges- escola, ao construir sua autonomia, não se torna
tão democrática entende que todos os envolvidos independente das outras esferas administrativas
no trabalho escolar devem não apenas saber como com as quais mantém relação com o seu trabalho,
a escola funciona, mas também participar na defi- sejam elas municipais, estaduais ou federais. Por
nição dos seus rumos. isso, é preciso entender que, quanto mais a escola
Nesse sentido, a escola não pode centrar o seu adquire autonomia e competência, mais responsa-
trabalho na figura dos gestores, mas abrir-se à bilidades ela assume diante da comunidade.
participação de todos nas decisões, que visam a As escolas precisam assegurar um padrão míni-
definição e o alcance das finalidades do projeto mo de qualidade para todos os seus alunos e para
pedagógico. todas as escolas do sistema. A busca da qualidade
Um terceiro princípio a ser considerado na pressupõe também o princípio da gestão demo-
elaboração do projeto pedagógico diz respeito à crática como orientador da construção de uma
democratização do acesso e da permanência, escola que valorize as relações estabelecidas pelos
com sucesso, do aluno na escola. Uma análise indivíduos em seu cotidiano.
mais aprofundada das políticas educacionais revela Como princípio, a qualidade de ensino relacio-
Nº 10 • Abril/99

que um número considerável de alunos que ingres- na-se a um outro: o da organização curricular
sam na escola não tem conseguido nela permanecer que a escola deseja adotar, visando assegurar uma
com êxito. Esse quadro existe apesar de os dados aprendizagem voltada para as necessidades e o
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77
dos últimos censos escolares atestarem uma grande sucesso do aluno. Assim, o currículo precisa ser
expansão de matrículas. visto como o eixo central da discussão na escola, jan/2017
de forma que o conhecimento possa ser percebido Cada um desses princípios, discutidos a partir
e construído a partir da integração das diversas da realidade da escola, pode contribuir para a
áreas do saber humano e não de maneira isolada elaboração do projeto pedagógico, estimulando
e fragmentada. os vários segmentos que a compõem a contribuir
A valorização dos profissionais da educação significativamente para a busca da melhoria da
constitui outro princípio importante em nossa dis- qualidade do ensino que oferece.
cussão. Assim, o projeto pedagógico precisa reco-
nhecer que a qualidade de ensino está intimamente UNIDADE 3. COMO CONSTRUIR
relacionada à valorização do magistério, na defesa COLETIVAMENTE O PROJETO
de uma adequada formação dos seus profissionais PEDAGÓGICO?
em dois níveis: a formação inicial, destinada a
oferecer ao futuro profissional da educação as INTRODUÇÃO
condições básicas ao seu ingresso na profissão e Cada escola possui um universo de diferenças
uma visão geral de sua atuação no magistério; e a que resultam das ações dos seus atores, sendo pos-
formação continuada, voltada para os professores sível discutir o processo de construção do projeto
em exercício, visando ajudar no aperfeiçoamento pedagógico com base em três grandes movimentos
de sua própria prática. bastante interligados. Esses movimentos devem ser
entendidos como movimentos que, relacionados e
Embora a prática seja importante para o estudo
interdependentes entre si, necessitam ser avaliados
da escola e, consequentemente, para as propostas
Gestão democrática e participativa

permanentemente.
de inovação do seu contexto, a teoria também é
muito importante para a escola avaliar as dimen- Tendo isso em mente, cada escola precisa
sões e os princípios que orientarão a construção olhar para si mesma, refletir sobre suas práticas e,
do seu projeto pedagógico. A prática, quando é autônoma e coletivamente, construir seu próprio
bem fundamentada pela teoria, pode levar os vá- projeto pedagógico.
rios segmentos a alterarem sua ação para melhor, Os objetivos específicos dessa unidade são:
tornando-se mais consistente e inovadora. Identificar os três grandes movimentos de
 
As dimensões pedagógica, administrativa, fi- construção do projeto pedagógico.
nanceira e jurídica do projeto pedagógico precisam Estruturar os grandes movimentos de elabora-
 
ser vistas naquilo que a escola já é e no sentido de ção do projeto pedagógico.
apontar possibilidades de se transformar, contando Propor mecanismos de organização e partici-
 
com o trabalho coletivo dos seus segmentos. Essas pação dos segmentos da escola na elaboração
dimensões devem ser analisadas considerando-se do projeto pedagógico.
sua interdependência, uma vez que elas interferem
Reconhecer a importância do processo de ava-
 
umas nas outras.
liação em todos os movimentos de construção
Por sua vez, a discussão sobre os princípios do projeto pedagógico.
precisa ser feita com os vários segmentos da esco-
la, de forma que o seu trabalho tenha um sentido METODOLOGIA E MOVIMENTOS
compartilhado por todos, tornando a prática DE CONSTRUÇÃO DO PROJETO
escolar mais eficaz. PEDAGÓGICO
Conforme as necessidades e características da
Esses princípios gerais que orientam a constru-
escola, o seu processo de construção seguirá uma
ção do projeto pedagógico: relação escola-comuni-
dinâmica própria, de forma que os movimentos
dade, democratização do acesso e da permanência
analisados nesta Unidade visam contribuir para
do aluno na escola com sucesso, gestão democráti-
sua sistematização. Porém, observe a síntese desses
Nº 10 • Abril/99

ca, autonomia, qualidade de ensino para todas as


três movimentos no quadro apresentado a seguir:
escolas, organização curricular e valorização dos
profissionais da educação, são bastante interligados Movimentos de construção do projeto pe-
78 dagógico:
78
e complementares entre si. Assim, a escola precisa
jan/2017 pensá-los de forma integrada. 1º – Diagnóstico da realidade da escola.
2º – Levantamento das concepções do coletivo Verificar se o surgimento da escola está ligado
 
da escola. às necessidades e à organização dos segmentos
3º – Definição de estratégias, pessoas e/ou gru- comunitários que a ela quiseram ter acesso,
pos objetivando assegurar a realização das ações entrevistando os moradores mais antigos.
definidas pelo coletivo da escola. Buscar informações com os primeiros profes-
 
São preocupações constantes dos vários seg- sores, outros profissionais que trabalharam na
mentos da escola analisar a realidade da escola escola ou então alunos que nela já estudaram.
em suas dimensões pedagógica, administrativa, Lançar mão de leituras de documentos, como
 
financeira e jurídica; discutir as concepções do atas de registro do trabalho da escola, para
coletivo da escola em relação ao trabalho peda- enriquecer os dados.
gógico como um todo e definir as ações da escola, Roteiro do levantamento de informações,
os responsáveis pela sua execução e os recursos visando à identificação da escola e do seu projeto
visando à implementação do projeto pedagógico. pedagógico:
Há perguntas que podem ser orientadoras Nome da escola.
 
do trabalho coletivo, tais como:
Localização.
 
“Como é nossa escola?”
Aspectos legais de sua criação e/ou transfor-
 
“Que identidade a nossa escola quer construir?”
mação.
“Como executar as ações definidas pelo cole-
Níveis ou modalidades de ensino que oferece.
 

Gestão democrática e participativa


tivo?”
Número de alunos, divididos por série e/ou
 
Vamos refletir sobre cada um desses movi-
ciclo e turno.
mentos.
Origem da clientela atendida (concentra-se
 
Como cada escola é única em sua realidade,
próxima à escola ou não).
todo projeto pedagógico exige que, antes de qual-
quer outro procedimento, sejam levantados dados Breve histórico da escola (motivos de sua cria-
 
relevantes que a retratem. Para fazer isso, podemos ção), fatos importantes da sua história.
adotar algumas alternativas. Município/Estado.
 
É importante que sejam levantados aqueles Uma alternativa interessante que pode ser
dados que permitam uma visão sucinta da escola, adotada para coletar informações que ajudem
podendo ser de natureza legal (processo de criação/ a identificar a escola é recorrer à comunidade,
transformação), histórica (datas e motivos de seu visando recuperar a história e a memória de sua
surgimento), ou administrativa (vínculos com o escola. Por exemplo: você pode estimular, entre
sistema municipal ou estadual de educação) etc. os professores, a realização de atividades que im-
Trata-se de a escola descrever sua própria realidade, pliquem o contato direto dos alunos com pessoas
com base na forma como os seus vários Segmentos idosas ou moradores que residem há muito tempo
encaram o trabalho que vem sendo desenvolvido. na comunidade e que, em alguns casos, podem até
Como os dados para essa identificação são ter ajudado a construir a escola.
diferenciados, podem-se adotar também pro- Nesse sentido, pode-se desenvolver atividades
cedimentos diversos de uma escola para outra, como o estudo do meio ou entrevistas que ocorram
considerando-se sua realidade. Entretanto, veja mediante a elaboração de um roteiro previamente
alguns exemplos de ações que a escola pode adotar, elaborado. Essas atividades podem ser realizadas
visando a essa identificação. do seguinte modo: a) os alunos se deslocam até
Pesquisar nos arquivos da secretaria escolar
  as casas dos idosos; b) organizam-se vindas dos
dados de natureza legal e administrativa. idosos à escola, de forma que eles possam contar
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Coletar nos núcleos regionais de Educação ou


  a origem, a sua criação e a história da escola.
na Secretaria de Educação Municipal/Estadual Realizando atividades como essa, a escola, ao
79
79
informações relacionadas à presença da escola mesmo tempo que tem uma valiosa contribuição
no município ou estado. na recuperação de sua história, estreita os laços jan/2017
com a comunidade, princípio muito importante escola para a discussão do projeto pedagógico?
na construção do seu projeto pedagógico, como Esta é uma tarefa importante, mas não é simples
vimos na Unidade anterior. e fácil. Entretanto, as possibilidades para se fazer
Com base nos dados que identificam a escola isso são muitas, devendo-se adotar aquelas mais
e o seu projeto pedagógico, é importante analisar adequadas à realidade da escola. É preciso buscar
os movimentos propriamente ditos de sua cons- alternativas que normalmente funcionam bem.
trução. O caráter heterogêneo do coletivo de toda
Antes, porém, é preciso lembrar dois pontos escola foi estudado na unidade 1 desse módulo,
importantes: fato que contribui também para níveis diferentes
de participação na discussão do trabalho escolar.
*Os movimentos de construção do projeto
Nesse sentido, um dos segmentos que não tem
pedagógico precisam ser estruturados simultane-
sido frequentemente chamado para participar das
amente, uma vez que eles não são estanques.
discussões pedagógicas é aquele formado pelos
*O processo de avaliação precisa estar presente funcionários: merendeiros, vigias, porteiros, ze-
em todos os seus movimentos. ladores etc.
Como é nossa escola? Certamente, um dos fatores que tem levado
Registrados os dados de identificação da es- à pouca participação desse grupo nas discussões
cola, a primeira ação a ser realizada pelo coletivo pedagógicas é o fato de ele ter sido, até hoje, pouco
da escola – professores, alunos, gestores, pessoal convidado para opinar sobre a função e a vida da
Gestão democrática e participativa

técnico-administrativo e de apoio, pais e segmen- escola. Entretanto, é importante também a escola


tos organizados da comunidade – é a análise de sua procurar envolver, cada vez mais, esse grupo de
realidade. Ao fazer esse diagnóstico global, a escola apoio nas discussões desse segundo movimento
deve indagar-se acerca do trabalho que desenvolve. de construção do seu projeto pedagógico.
A atividade consiste no levantamento de infor- Ao realizar esta atividade, pode-se observar que
mações que mostrem o trabalho pedagógico da todos têm suas próprias concepções acerca de vários
escola como um todo. Diante dos dados obtidos, aspectos importantes à realização do trabalho pe-
a escola precisa discutir, problematizar, levantar e dagógico, considerando-o de maneira mais ampla.
compreender questões relacionadas à sua prática É claro que as respostas emitidas traduzem suas
pedagógica, o que poderá ser feito por meio de concepções acerca dos pontos levantados e elas, se
variados processos. comparadas com as dos seus colegas de trabalho,
dos seus alunos ou dos pais destes últimos, podem
Nesse primeiro movimento a escola necessita
revelar diferença de compreensão. Isto é natural
coletar dados sobre sua realidade e analisá-los
porque, quanto maior o grupo, mais chances há
cuidadosamente tanto em seus aspectos qualitati-
de as concepções serem diferentes umas das outras,
vos quanto quantitativos. As informações devem
mesmo que se referindo às mesmas questões.
voltar-se para os aspectos internos e externos à
realidade da escola, destacando-se aqueles que re- O 3º movimento refere-se à maneira de executar
presentam dificuldades concretas bem como aque- as ações definidas pelo coletivo. Após a definição
les que se mostram como fatores do seu sucesso. das concepções do coletivo em relação ao seu
trabalho como um todo, no terceiro movimento
Para trabalhar bem o seu diagnóstico, a escola
de construção do projeto pedagógico é preciso:
precisa, através de diversos instrumentos, levantar
questionamentos de dois níveis: um mais amplo, definir as prioridades da escola;
 
que relacione sua realidade aos aspectos sociais, po- as ações que a escola irá desenvolver;
 
líticos e econômicos da comunidade na qual ela está as pessoas e/ou segmentos que irão realizá-las.
 
inserida e à sociedade brasileira como um todo; um
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É preciso que a escola defina, coletivamente, as


outro, mais específico, voltado para a organização alternativas mais adequadas para a superação dos
do seu próprio trabalho pedagógico, considerando desafios presentes em seu cotidiano, discutindo
80 o trabalho dos seus vários segmentos.
80
e aproveitando as propostas apresentadas pelos
jan/2017 Mas como mobilizar os vários segmentos da vários segmentos que a compõem.
Por referir-se à execução das ações que visam todo o processo desenvolvido pela escola. Para
mudar sua dinâmica, nesse movimento a escola não tanto, a escola pode montar um grupo de pessoas
pode perder de vista os compromissos assumidos – com representantes dos vários segmentos – para
coletivamente, a fim de garantir a implementação proceder à redação final do seu projeto, tornando
do projeto pedagógico. Ela precisa ter claro que uma ação que, se fosse realizada com a participação
as ações definidas pelo seu coletivo, embora repre- de todos, seria impossível.
sentando os desejos de todos, necessita identificar
E como fica a avaliação no processo de
os indivíduos ou segmentos que irão realizá-las.
construção do projeto pedagógico?
Porém, é preciso refletir sobre uma questão Como foi enfatizado no início deste Módulo,
muito importante em relação a esse movimento: o projeto pedagógico precisa ser avaliado per-
como o projeto pedagógico representa também o manentemente. Além disso, como foi possível
tempo institucional de cada escola, é preciso que observar ao longo do estudo desta Unidade, os
os seus atores procurem avaliar se estão realmente seus três grandes movimentos de construção são
apontando soluções criativas e realistas para supe- intimamente relacionados, com vistas a assegurar,
rar as dificuldades identificadas pelo coletivo. de fato, inovações ao cotidiano da escola.
Nesse movimento de construção do projeto
O ato de avaliar deverá estar presente em todo
pedagógico, é muito Importante que todos os
o processo de construção do projeto pedagógico,
segmentos da escola não percam de vista a identi-
pois ele é um elemento importante na identificação
ficação dos responsáveis por determinadas ações
dos rumos que a escola vem tomando, podendo

Gestão democrática e participativa


assumidas no coletivo. Para assegurar isso, são fun-
dizer-lhe sobre como reorientar o seu trabalho,
damentais encontros periódicos com o coletivo da
visando ao seu próprio sucesso.
escola para a discussão e avaliação de como as ações
estão sendo encaminhadas efetivamente. Nesses Portanto, ao longo do trabalho de elaboração
encontros, os vários atores da escola podem: do projeto pedagógico, é preciso avaliá-lo em suas
várias dimensões – pedagógica, administrativa,
r
 etomar as ações, corrigindo o seu fluxo, com base
financeira e jurídica. Esse processo de avaliação
na avaliação de como estão sendo desenvolvidas.
permanente é importante porque pode evitar que
a
 valiar se as ações definidas como prioridades pelos o coletivo desenvolva um sentimento de frustra-
segmentos são realmente viáveis, ou seja, realistas. ção, uma vez que o trabalho se desenvolve em um
O fundamental nesse movimento é assegurar período longo de tempo e conta, com possíveis
a tomada de posição quanto às ações a serem conflitos.
realizadas, identificando os responsáveis por elas. Considerando suas diversas funções, a avaliação
Isso significa realizar ações essenciais ao desen- do processo de construção do projeto pedagógico
volvimento e à avaliação do projeto, que foi se deverá responder às seguintes perguntas:
estruturando ao longo de um período de tempo.
Em que medida os desafios foram atendidos no
 

Para evitar improvisações, é importante a escola projeto pedagógico?
trabalhar com cronogramas, ou seja: calendários
Que novos desafios estão surgindo para o
 

e horários escolares bem definidos, a fim de asse-
coletivo?
gurar o acompanhamento e a avaliação das ações
que estão sendo desenvolvidas. Os desafios precisam ser melhor definidos?
 

Nessa perspectiva, a escola pode pensar em As ações propostas foram desenvolvidas?
 

períodos dedicados ao planejamento pedagógi- Quais seus efeitos?
 

co e às reuniões dos seus colegiados, como, por É importante definir, também coletivamente,
exemplo,conselhos escolares, conselhos de classe, formas claras de acompanhamento e avaliação
associações de pais e mestres (APM), grêmios
Nº 10 • Abril/99

das ações que serão desenvolvidas e os segmentos


estudantis e outras instâncias existentes na escola. responsáveis por determinadas ações. As avalia-
Nesse movimento de construção do projeto ções que serão feitas sobre a realização as ações
81
81
pedagógico, é importante considerar, ainda, a ne- definidas pelo coletivo precisam apontar não só as
cessidade de redação do documento que retratará fragilidades encontradas no caminho mas também jan/2017
os avanços da escola, ao implementar o projeto durante todo o ano e recomeça no ano seguinte,
pedagógico. sofrendo, obviamente, as adaptações necessárias.
O acompanhamento do projeto pedagógico Por último, é preciso lembrar que o processo
deve ocorrer com base nos dados obtidos, visando avaliativo, estando presente em todos os movimen-
possibilitar à escola uma análise dos resultados dos tos de elaboração do projeto pedagógico, não pode
seus esforços, fazendo com que as questões que restringir-se aos olhares dos segmentos internos à
venham a aparecer possam ser resolvidas “quando escola. Ao contrário, deve-se ouvir a comunidade
ainda é tempo de se fazer algo”. Nesse sentido, o local acerca do projeto que ela espera da escola –
ato avaliativo aparece como uma forma de a escola um projeto capaz de ajudar esta última a alcançar,
ir prestando contas à comunidade a respeito do da melhor maneira possível, sua função social.
trabalho realizado. Por isso, é importante comparar os olhares dos
As três perguntas que guiaram toda a discus- próprios atores da escola sobre a prática que pro-
são desta Unidade – “como é nossa escola?”, “que duzem com os de outros indivíduos que avaliam o
identidade a nossa escola quer construir?” e “como trabalho da escola, a partir de uma posição externa.
executar as ações definidas pelo coletivo?” – são Há várias formas de construir o projeto peda-
orientadoras do projeto pedagógico e devem ser gógico. Cada escola é única em sua realidade e nas
guiadas permanentemente pelo processo avaliativo. relações que os seus segmentos estabelecem entre
A avaliação na metodologia de construção desse si. Nesse sentido, quaisquer sugestões apresentadas
projeto possui, portanto, um caráter investigativo. precisam ser adaptadas à realidade do projeto a ser
Gestão democrática e participativa

A avaliação do processo de construção do pro- construído.


jeto pedagógico deve ocorrer com a participação Os movimentos de construção desse projeto
de todos os segmentos que dele participam. – diagnóstico de sua situação atual, discussão das
Na figura a seguir, a relação dos três grandes concepções do grupo sobre os vários componen-
movimentos de construção do projeto pedagógico, tes que interferem no trabalho pedagógico e a
estudados ao longo desta unidade e sua relação execução das ações consideradas prioritárias pelo
com o processo avaliativo como um todo. coletivo – precisam ser trabalhados de forma inter-
ligada e não estanque. Para tanto, é fundamental
que o projeto pedagógico seja construído com
base no trabalho coletivo dos vários segmentos
que compõem a escola.
Ao longo desta unidade, a construção do
projeto pedagógico é um processo que exige di-
álogo, persistência e a sistematização e avaliação
dos dados coletados em todos os seus movimen-
tos. Como processo, necessita ser visto em sua
construção contínua e com resultados gradativos
que decorrem da vivência dos segmentos que o
elaboram, constituindo-se em uma referência de
autocrítica para esses mesmos sujeitos.
Presente em todos os movimentos de elabo-
Os movimentos de construção do projeto ração do projeto pedagógico, a avaliação precisa
pedagógico são interligados e consistem na defi- preocupar-se com os múltiplos aspectos do seu
nição de um conjunto de ações a serem realizadas processo de construção, cobrindo um grande
coletivamente na escola. número de questões que vão desde aquelas espe-
Nº 10 • Abril/99

A avaliação do projeto pedagógico é um pro- cificamente voltadas para o processo ensino-apren-


cesso longo, cheio de idas e vindas, mas bastante dizagem desenvolvido em sala de aula até outras
82 que tratam do trabalho da escola como um todo.
82
compensador. Ele não acaba somente porque o
jan/2017 ano letivo termina: na realidade, ele é construído O projeto pedagógico retrata a identidade da
escola, oferecendo diretrizes gerais quanto ao que a proposta curricular e as possibilidades de inova-
a escola precisa desenvolver, visando tornar o seu ções pedagógicas e o cotidiano deve se organizar
trabalho mais agradável, produtivo e voltado para em função da aprendizagem e do sucesso escolar
a construção da cidadania nos sujeitos que dela do aluno, que se concretiza com base em diversas
participam. práticas educativas decorrentes da proposta curri-
cular da escola.
UNIDADE 4. COMO ARTICULAR A RELAÇÃO ENTRE PLANEJAMENTO E
PROJETO PEDAGÓGICO E PRÁTICA PROJETO PEDAGÓGICO
PEDAGÓGICA? Nas diversas práticas profissionais o processo
INTRODUÇÃO de planejamento está presente, mas muitas vezes
na área educacional há o questionamento: o que
Na Unidade anterior, foram abordados os três
é planejamento, para que planejar, com quem
movimentos de elaboração do projeto pedagógico:
planejar e quando planejar?
como é nossa escola? Que identidade a nossa escola
quer construir? Como executar as ações defini- Como ponto de partida pode-se recorrer ao
das pelo coletivo? O projeto pedagógico oferece significado da palavra no dicionário. Planejamen-
diretrizes, estabelece prioridades para o trabalho to. s.m. 1. Ato ou efeito de planejar. 2. Trabalho
coletivo, mas é necessário sistematizar essas ações de preparação para qualquer empreendimento,
no planejamento e na prática da escola. segundo roteiro e métodos determinados; plani-
ficação; o planejamento de um livro, de uma

Gestão democrática e participativa


Nesta unidade, será enfatizada a articulação
comemoração. Planejar. V.t.d. 1. Fazer o plano
entre projeto pedagógico, planejamento e prática
de; projetar, traçar. 2. Fazer o planejamento de;
pedagógica. A escola pública necessita de uma
elaborar um plano ou roteiro de, programar,
gestão que, partindo da construção do projeto
planificar. (FERREIRA, Aurélio Buarque de
pedagógico, possibilite à escola alcançar sua finali-
Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua
dade, concretizando sua função social: a promoção
Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
da cidadania, o desenvolvimento pleno e o sucesso
teira,1986).
dos alunos. E para concretizar o que pretende, a
escola necessita de um planejamento que organize Portanto, pode-se dizer que planejar é anteci-
o seu trabalho escolar e sua prática pedagógica, par uma ação a ser realizada, tornando possível
de modo que as ações implementadas se articu- propormos uma ação consciente que possibilite
transformar determinada situação. Nesse sentido,
lem, promovendo uma educação de qualidade
a competência de planejar possibilita prever nossa
conforme o proposto no projeto pedagógico pelo
ação, estabelecer o que queremos, transformar e
coletivo da escola.
atribuir novos significados às práticas cotidianas.
Os objetivos específicos dessa unidade são:
1 Elaborar os planos de ação da escola tendo como
A revisão do cotidiano escolar
referência o projeto pedagógico. Quantas vezes vivemos o planejamento apenas
como uma atividade de preencher papéis sem
2 Considerar as características organizacionais e
nenhuma relação com o cotidiano escolar? Sem
o contexto da escola na elaboração do projeto
pararmos para pensar e termos uma compreensão
pedagógico.
clara das relações entre o projeto pedagógico e o
3 Utilizar o projeto pedagógico como instru- planejamento, é bem possível que ambos deixem
mento de inovação da prática pedagógica e da de instrumentalizar a ação coletiva, de ser um
proposta curricular. meio fundamental de gestão e acabem perdendo
4 Relacionar as ações do projeto pedagógico com seu significado pedagógico.
as políticas educacionais do sistema público de
Nº 10 • Abril/99

O projeto pedagógico busca a construção da


ensino. identidade da escola, estabelecendo seu direcio-
As etapas de diagnóstico, levantamento de namento e o comprometimento dos sujeitos da
83
83
concepções e programação das ações abordam comunidade escolar e local em torno de uma visão
necessariamente a organização do trabalho escolar, comum e compartilhada de educação. É, portanto, jan/2017
o norteador de todas as práticas da escola. En- condições favoráveis e de apontar caminhos para
tretanto, não se constrói projeto pedagógico sem alcançar os objetivos da escola. Se você já utiliza
planejamento, pois todos os movimentos para sua um dos instrumentos referidos anteriormente
construção não se concretizam sem ele. (PDE, Plano Integrado etc.) em sua escola, deve
Esse processo é o planejamento que deve per- continuar a fazê-lo, procurando aperfeiçoá-lo
mear todas as atividades da escola, servindo de como importante ferramenta de gestão escolar.
instrumento permanente na construção e desen- Se não, pode servir-se de pontos desta Unidade
volvimento do projeto pedagógico. Possivelmente para começar a sistematizar o planejamento na sua
você já vivenciou esse processo, ainda que, às escola. De qualquer forma, vamos todos refletir
vezes, de forma incompleta. Esse processo tem sobre o assunto.
se desenvolvido sob diferentes abordagens, tais O que é planejamento estratégico? Trata-se
como: planejamento estratégico, planejamento de um “(...) esforço disciplinado e consistente
participativo, planejamento por resultados. destinado a produzir decisões fundamentais e
Na prática, essas abordagens têm dado origem ações que guiem a organização escolar em seu
aos planos mais amplos dos estabelecimentos de modo de ser e de fazer, orientado para resultados
ensino, que recebem denominações diferentes com forte e abrangente visão de futuro”. (Lück,
em várias partes do país, como Plano Integrado, 2000, p.16).
Plano Estratégico da Escola, Plano de Gestão, Para que a gestão do trabalho escolar ocorra de
Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Este forma organizada, é necessário clareza da função
Gestão democrática e participativa

último, com maior grau de detalhamento, tem social da escola pública, de sua missão, de seus
sido largamente utilizado nas regiões Nordestes, objetivos e áreas estratégicas que precisam ser
Norte e Centro-Oeste, abrangidas pelo MEC/ mais desenvolvidas, de modo que os planos de
Fundescola. Embora com nomes distintos, todos ação a serem implementados assegurem o sucesso
esses instrumentos buscam garantir os princípios da escola.
de autonomia da escola e de gestão democrática, O que é a missão? A missão define o que é a
tendo como referencial o projeto pedagógico, escola hoje, seu propósito e como pretende atuar
assegurando-lhe maior concretude. no seu dia a dia. Sintetiza a identidade da escola, a
Veja, no quadro a seguir, como os movimentos sua função social orientando a tomada de decisão
de elaboração do projeto pedagógico e o processo e garantindo a unidade da ação e o comprome-
de planejamento se integram em um mesmo mo- timento de todos na ação pedagógica. A missão
vimento, que é o da construção permanente da deve ser objetiva, sucinta, clara, informando o que
identidade da escola, visando a melhoria qualitativa a escola é e o que está fazendo.
dos seus resultados: O que são os objetivos estratégicos? Os ob-
jetivos estratégicos são as situações que a escola
pretende atingir num dado período de tempo.
Indicam áreas, ou dimensões, nas quais a escola
concentrará suas preocupações, seus esforços e
suas ações refletindo as prioridades decorrentes da
escola que se quer, e que vamos construir.
Dessa forma, para a definição dos objetivos
estratégicos, é preciso que haja por parte dos
gestores, do conselho ou colegiado escolar e da
comunidade escolar a aceitação da missão da escola
que foi sendo construída ao longo do primeiro e
Nº 10 • Abril/99

do segundo movimentos do projeto pedagógico.


Exemplos:
84
84
Para gerir e transformar a escola, necessitamos 1. Melhorar e fortalecer o relacionamento da
jan/2017 de um planejamento que seja capaz de explorar escola com a comunidade local.
2. Diminuir o índice geral de reprovação e de remos. Portanto, a partir da missão e dos objetivos
abandono. estratégicos definidos pela comunidade escolar, é
3. Promover a qualificação de professores e demais preciso elaborar o plano de ação.
funcionários. O que é um plano de ação? O plano de ação é
o documento que apresenta a forma de operaciona-
4. Desenvolver a avaliação institucional na escola.
lização, de implementação de todas as ações plane-
5. Melhorar a convivência democrática na escola. jadas. Um plano de ação deve apresentar, então, no
Após a escola definir sua missão e o conjunto mínimo os seguintes aspectos: as metas ou objetivos
de objetivos estratégicos, orientando as mudanças específicos, a justificativa, as ações ou estratégias de
desejadas, é preciso assegurar que todas as mu- ação, os responsáveis pela implementação das ações,
danças propostas se tornem realidade. Além de o período em que elas vão acontecer, os recursos
saber a escola que temos e a escola que queremos, materiais, financeiros e humanos necessários para a
precisamos de uma proposta de ação que permita execução dessas ações ou estratégias.
transformar a escola que temos na escola que que- Observe o quadro:
METAS OU OBJETIVOS AÇÕES OU ESTRATÉGIAS
JUSTIFICATIVA RESPONSAVEIS PERÍODO RECURSOS
ESPECÍFICOS DE AÇÃO
O que fazer? Por que fazer? Como fazer? Quem vai Quando? Com que
fazer? fazer?

O que são metas? Metas explicitam os resul- Relação entre projeto pedagógico e

Gestão democrática e participativa


tados que a escola espera obter após a implemen- organização do trabalho escolar
tação das ações. Expressam-se de tal sorte que Normalmente, muitas escolas, ao elaborarem
possam ser mensuradas, chegando a indicar o seu projeto pedagógico, buscam como referência
tempo em que elas serão alcançadas. experiências escolares vivenciadas em outros con-
Exemplos: textos educacionais.
1. Aumentar para 90% o índice de aprovação dos Essas experiências podem se constituir em uma
alunos da 5ª série nos próximos dois anos. inovação ou em um prejuízo à escola. Se simples-
2. Propor, pelo menos, duas iniciativas culturais mente essas experiências forem reproduzidas, sem
na escola em 2001. adequação às características organizacionais e à sua
A equipe gestora necessita desenvolver o cultura escolar, poderão trazer prejuízo.
processo de acompanhamento e avaliação dos Mas se analisadas e adequadas à escola, promo-
planos de ação definidos coletivamente. Para vendo uma reorganização
que isso ocorra de fato, tem de se constituir um do trabalho pedagógico, efetivando mudanças,
processo permanente de levantamento e análise se constituirão, certamente, em inovações. A cultu-
de informações relativas ao desenvolvimento ra escolar consiste em valores, crenças e ideologias
das ações previstas, de modo a serem feitos os que os membros da organização partilham e que,
ajustes necessários durante o processo e não só na maioria das vezes, não estão explícitos. Essa
apenas no final. cultura escolar pode ser identificada por meio de
Esse processo de acompanhamento visa a sis- manifestações verbais e conceituais (finalidades,
tematização e socialização de informações para objetivos, currículo, linguagem, “histórias”, es-
que os atores envolvidos no projeto pedagógico truturas); de manifestações visuais e simbólicas
possam rever suas posições, avaliando, tomando (arquitetura do prédio escolar, equipamentos,
novas decisões e propondo novas intervenções. logotipo, lema, uniforme, imagem exterior); e ma-
nifestações comportamentais (rituais, cerimônias,
Nº 10 • Abril/99

Em todos os movimentos de elaboração do


projeto pedagógico, bem como no planejamen- ensino-aprendizagem, normas e regulamentos,
to das ações, dependemos da capacidade dos procedimentos operacionais etc.).
85
85
sujeitos envolvidos de negociarem seus pontos Um dos princípios do projeto pedagógico
de vista. consiste na valorização dos seus profissionais, mas, jan/2017
muitas vezes, quando a escola se organiza para utilização do tempo de trabalho na escola. É possível
projetos de atualização ou capacitação em serviço, a escola ter um horário para reuniões, mas a forma
não aproveita seu próprio potencial, as compe- como as pessoas utilizam esse tempo é diferenciada.
tências de sua equipe de trabalho. Normalmente, Algumas utilizam individualmente para organizar ou
prefere buscar um profissional de fora, cuja prática corrigir provas, ainda que presentes no grupo, resol-
desconhece, mas aplaude, em vez de aplaudir seu ver problemas pessoais etc. Outras, de fato, utilizam
próprio colega de trabalho. Esta é uma prática que de forma coletiva, debatendo as questões referentes
se repete e que interfere no cotidiano de trabalho, ao trabalho na escola, expondo suas dificuldades e
desvalorizando a própria escola. buscando soluções.
A cultura escolar possibilita a existência de É possível conhecer a cultura da escola, suas
determinadas características organizacionais que características organizacionais e assim identificar
se manifestam na qualidade da proposta curricular quais são suas áreas críticas que possivelmente
da escola e no regimento escolar. inviabilizam o seu sucesso escolar. Em relação às
características observadas, o importante é identifi-
Características organizacionais que
car que existem aspectos já desenvolvidos e outros
favorecem o sucesso da escola
que necessitam ser melhorados, que precisam de
Vantagens organizacionais
maiores informações para o desenvolvimento de
1. Autonomia da escola garante espaços de parti- ações pertinentes em cada caso.
cipação e decisão da comunidade.
O projeto pedagógico
Gestão democrática e participativa

2. Gestão democrática promove estratégias de


e o regimento escolar
ação compartilhada e estimula o compromisso
O projeto pedagógico, portanto, apresenta
individual e coletivo na realização de projetos.
diretrizes para a elaboração do regimento escolar,
3. Articulação curricular coordena adequada- orientando a estruturação e o funcionamento da
mente os planos de estudo e as estratégias de escola de acordo com seus objetivos, garantindo
ensino-aprendizagem. um clima de convivência democrática.
4. Otimização do tempo evita possíveis desarti- Como bem sabemos, o cotidiano escolar possui
culações curriculares e pedagógicas. situações conflitantes que se repetem e que deman-
5. Estabilidade profissional possibilita a escola dam decisões diariamente. E o regimento escolar
desenvolver seus planos de ação diminuindo a é o instrumento que permite à equipe gestora
alta rotatividade de profissionais. tomar decisões com base nos princípios e normas
6. Capacitação promove novas competências por estabelecidos pelo grupo. Para que o regimento,
meio dos profissionais da formação em serviço de fato, favoreça o processo de tomada de decisão,
articulada ao projeto pedagógico. é necessário que, na elaboração do projeto peda-
7. Participação dos pais favorece o comprometimento gógico, considere-se os problemas cotidianos, as
destes em decisões que lhes dizem respeito. situações reais vivenciadas pela escola.
8. Reconhecimento fortalece a identidade da es- Por exemplo, no tópico que se refere ao regime
cola público da escola diante da comunidade disciplinar, estão estabelecidos os direitos e deveres
interna e da externa. do corpo discente, do corpo docente e do corpo
administrativo, as finalidades, as penalidades e as
9. Apoio das autoridades Permite uma integração
competências para a aplicação das sanções disci-
da escola com seu contexto, fortalecendo sua
plinares. Como todos nós sabemos, na maioria
autonomia.
das vezes são mais aplicadas as penalidades para
O cotidiano escolar as condutas negativas do aluno. É muito comum
Nº 10 • Abril/99

Muitas vezes há situações em que se inicia um pro- nas escolas a situação na qual o aluno, ao chegar
jeto pedagógico com uma proposta ótima, as pessoas atrasado, é penalizado. O professor pode fechar a
concordam com as ideias, mas o trabalho se perde, porta da sala de aula e não permitir a entrada do
86
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não tem sucesso e não conseguimos dizer o porquê. aluno, o que ocasiona uma série de conflitos devido
jan/2017 Muitos aspectos poderiam ser analisados, como a à desigual aplicação das normas.
À medida que o projeto pedagógico se define por Que deve ser socializado? Que de fato é socia-
uma concepção disciplinar mais preventiva, teremos lizado?
um regimento escolar menos preso às penalidades e Que deve ser privilegiado? Que de fato é pri-
mais direcionado para os direitos e deveres. vilegiado?
Enfim, o regimento escolar deve apresentar um Que deve ser avaliado? Que de fato é avaliado?
conjunto de orientações que perpassam diferentes
Muitas vezes a escola reduz o currículo a uma
áreas, garantindo o cumprimento de preceitos legais,
lista de conteúdos mínimos a serem transmitidos
diretrizes e resguardando espaços de autonomia e
de acordo com uma organização disciplinar, ou
responsabilidade próprios da escola, tendo o cuidado
por meio de uma grade curricular, sem analisar
para que o conteúdo do regimento e sua aplicação não
detidamente as questões apresentadas.
sejam contraditórios ao projeto pedagógico.
À medida que o currículo definido é colocado
Relação entre projeto pedagógico em prática, devemos levar em conta não apenas a
e prática pedagógica interpretação que o professor faz do currículo, sua
Ao longo das unidades, foi verificada a capaci- concepção pedagógica, mas também as maneiras
dade do projeto pedagógico de orientar o planeja- como realiza o trabalho em sala de aula, suas con-
mento das ações, a organização do trabalho escolar dições de trabalho e as relações interpessoais que
e a própria prática pedagógica. É a visão de futuro se estabelecem.
da escola e a definição de sua missão que apontam É importante identificar e compreender que a
para a inovação da prática pedagógica.

Gestão democrática e participativa


prática cotidiana negocia e modifica o currículo.
O currículo da escola é uma produção social, fru- A atividade proposta a seguir aborda uma situa-
to de um processo de luta de interesses entre atores ção que explicita essas adaptações cotidianas do
de diversos contextos. Quando falamos de currículo, currículo proposto.
estamos falando do conhecimento selecionado e
Vamos rever o cotidiano escolar
organizado socialmente e que são fundamentais no
Em algumas escolas, ao observarmos a prática
processo de aprendizagem dos alunos.
pedagógica podemos identificar:
Sabemos, entretanto, que, muitas vezes, a pro-
Baixo rendimento dos alunos.
 
posta curricular incorpora interesses de segmentos
específicos, de indivíduos, ou até mesmo interesses Indisciplina nas salas de aula.
 
corporativos de grupos. Por isso, além de garantir a Desinteresse pelo processo de ensino-apren-
 
participação de todos, é necessário assegurar a expli- dizagem.
citação, discussão e negociação dos interesses. Para Pouca participação dos alunos.
 
isso, é importante responder às seguintes perguntas:
Aprofundando a análise de cada um desses
Para quem são selecionados os conhecimentos? aspectos, é possível percebê-
A quem interessa os conhecimentos selecionados?
los como consequência de uma proposta cur-
Por que alguns conhecimentos são selecionados e
ricular fragmentada, pouco motivadora, cujos
outros não? Quem seleciona os conhecimentos?
conteúdos selecionados não se relacionam com
Não adianta negar os conflitos presentes em
os interesses nem com o contexto dos alunos, o
nosso cotidiano escolar. Somente chegaremos a
que nos permite considerar que o planejamento
um acordo, a um consenso, a uma convivência
curricular da escola como questão básica da gestão
democrática, à medida que negociamos nossos
pedagógica deve possibilitar uma prática pedagó-
interesses em condições de igualdade, sem perder
gica significativa.
de vista que o aluno é o centro da escola.
O currículo, de uma certa forma, reflete os
Qual o currículo definido? Qual o currículo que
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conhecimentos considerados necessários pela


“acontece” na escola?
sociedade e pelo coletivo da escola, variando em
Que deve ser ensinado? Que de fato é ensinado? cada período histórico. Por exemplo: o currículo
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Que deve ser registrado? Que de fato é regis- desenvolvido com alunas (mulheres), há algumas
trado? décadas, era marcado pela necessidade de se for- jan/2017
mar uma boa dona de casa, administradora do para a instituição e o contexto no qual a escola
lar, detentora de habilidades manuais, zelosa nos está inserida. Desenvolver uma proposta de ação
cuidados com as crianças e os doentes. não é difícil; o problema é a qualidade da ação,
Neste caso, temos os interesses de uma deter- ou seja, desenvolver uma ação que seja realmente
minada época em relação à formação da mulher. significativa para a instituição e os sujeitos nela
Podemos observar o mesmo quando nos depara- envolvidos.
mos com grades curriculares em que a ênfase está A proposta de mudança surge em um contexto
colocada na área de ciências e exatas em detrimento concreto, que se refere à unidade de ensino que,
da área de humanas, ou ao contrário. Qual a visão por sua vez, está inserida em um contexto de sis-
de homem, de mundo presente no currículo que tema de ensino, orientado por políticas públicas
atende ao contexto atual? Em função das demandas educacionais.
do mundo do trabalho e da dinâmica da sociedade, O cotidiano escolar. As diferentes políticas
temos que inovar nossa prática pedagógica, no sociais referentes a moradia, emprego, saúde, lazer
sentido de possibilitar ao aluno aprender os pro- etc. sejam estas adequadas ou inadequadas, inter-
cedimentos necessários para adquirir, organizar, ferem no cotidiano escolar. Por exemplo: quando
interpretar e produzir informações. Uma proposta são transferidas para uma região 500 famílias, isto
curricular que se proponha formar o sujeito cons- implica a necessidade de um planejamento urbano,
ciente, ativo, deve reorganizar suas atividades, deve por meio do qual se garanta o direito não apenas
privilegiar o desenvolvimento da capacidade de à moradia, mas a todos os serviços públicos que
Gestão democrática e participativa

autoexpressão, tendo o diálogo como componente são devidos a essas famílias.


pedagógico básico de sua prática educativa. Numa situação como esta, a escola passa a so-
O processo de aprendizagem depende do su- frer pressão para ampliar o número de vagas, sem
jeito da aprendizagem. Os recursos pedagógicos ter condições para esse funcionamento, e ainda
podem facilitar a interação, mas não garantem passa a atender uma população cuja qualidade
melhor aprendizagem. E isto porque informação de vida se torna precária devido a uma saturação
não é conhecimento, pois toda informação, para no atendimento dos serviços sociais (posto de
se tornar conhecimento, precisa ser contextuali- saúde, creches, oferta de empregos, segurança,
zada pelo sujeito da aprendizagem, o qual irá lhe saneamento básico e lazer). Sendo essas políticas
atribuir sentidos. adequadas ou não, a escola irá conviver com suas
consequências interferindo no projeto pedagógico.
A relação entre projeto pedagógico
e política educacional Ao analisar essa situação, podemos perceber
que o projeto pedagógico, além de estar sujeito
Cada escola possui uma identidade própria,
às políticas educacionais, sofre interferências, de
uma história que possibilita definir quais as estra-
forma indireta, das políticas de habitação, saúde
tégias mais adequadas para a inovação pedagógica
e saneamento provenientes da administração pú-
de seu contexto. Mas, ao mesmo tempo, a escola
blica, as quais atingem a comunidade que a escola
não está isolada; ela consiste em uma unidade
atende cotidianamente.
educativa inserida num contexto de políticas públi-
cas. Portanto, a elaboração do projeto pedagógico Historicamente, podemos identificar alguns
deve considerar as políticas educacionais desde o tipos de políticas públicas, como as apresentadas
nível mais abrangente até o local. Esse processo na tabela a seguir:
de construção sempre deve considerar a dimensão Compensatórias. Procuram compensar carên-
do cotidiano e, ao mesmo tempo, o contexto mais cias sociais, mas sem resolver o problema em sua
amplo das políticas educacionais que, por sua vez, origem.
se farão presentes no cotidiano escolar. Distributivas. Visam acumular recursos para,
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Desde o início deste Módulo, foi enfatizado que futuramente, reverter em políticas sociais.
o processo de elaboração do projeto pedagógico Redistributivas. Pretendem arrecadar impostos
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visa tornar a equipe escolar capaz de constituir uma do segmento social que possui maior renda em
jan/2017 proposta de ação que seja, de fato, significativa benefício dos segmentos desfavorecidos.
Redistributivas às avessas. Promovem a arre- escolar. A construção coletiva do projeto pedagógi-
cadação de impostos que acabam por beneficiar co permite que recuperemos o propósito de nossas
apenas o segmento social que já possui benefícios. ações, que muitas vezes se esvaem no ativismo
Além disso, é necessário observar que as polí- do cotidiano escolar, perdendo a sua dimensão
ticas públicas, os projetos pedagógicos e a prática pedagógica.
profissional cotidiana estão carregados de valores A participação e a construção de uma educação
que vivenciamos em nossa sociedade. Valores de que tenha a cara da nossa realidade e dos nossos
uma cultura que está presente no cotidiano esco- sonhos não é apenas resultado de leis que criam
lar e passa a ser percebida e compreendida como novas formas de funcionamento e de organi-
natural. E é preciso ainda lembrar que a cultura zação da educação. É fruto também do nosso
não é algo externo a nós, pois antes de tudo é pele, compromisso com um projeto de sociedade e de
é nosso olhar, nosso sentir e pensar, ou seja, nos educação e de nossa ação concreta no dia a dia,
constitui como pessoas. na escola e no contexto das políticas educacio-
É necessário que relacionemos as práticas coti- nais. A qualidade dessa participação é resultado
dianas da escola com os tipos de políticas públicas da nossa capacidade de refletir a realidade local e
para que possamos perceber como, muitas vezes, global e de analisar o texto e o contexto das leis
ocorre manutenção de certos valores e interesses no educacionais.
nosso dia a dia escolar, assim como na dimensão É importante seu envolvimento e sua participa-
mais ampla da sociedade. O objetivo desta ativi- ção nas discussões e na implementação de projetos

Gestão democrática e participativa


dade é o de permitir relacionar as ações definidas e ações, no sentido de provocar mudanças na
no projeto pedagógico da escola com os tipos de realidade educacional brasileira, no seu município
políticas educacionais para não reproduzir ações e na sua escola.
que perpetuem o processo de exclusão social. Este texto apresenta algumas ideias sobre a
Para de fato inovar, é necessário ir além dos natureza do planejamento estratégico, estabele-
preconceitos. Por exemplo: uma professora antiga, cendo um entendimento mais amplo sobre ele e
sem uma formação acadêmica pode ter uma prática apresentando seus elementos básicos e etapas. A
mais efetiva, mais democrática com os alunos do autora pretende subsidiar o gestor escolar visando
que uma professora nova, com um discurso atua- a realização de um trabalho mais competente na
lizado, democrático, mas cuja prática é autoritária direção da escola.
e desmotivadora. Em vez de apenas identificar os A construção do projeto pedagógico é um
que são adeptos à inovação, os resistentes, os mais processo compreendido por três momentos in-
velhos, os mais novo etc., é preciso identificar terligados: diagnóstico da realidade da escola,
alunos que passam, anonimamente, pela escola, levantamento das concepções do coletivo da escola
ou seja, aqueles alunos dóceis, que não são citados e programação das ações a serem desenvolvidas
porque não incomodam, mas já repetem pela sexta por todos os sujeitos da escola. Todos esses mo-
vez a mesma série. O gestor necessita ir além dos mentos passam por um processo de avaliação que
discursos e educar o seu olhar para perceber o real permite ao grupo caminhar do real para o ideal,
funcionamento da escola. desenvolvendo ações viáveis, possíveis de serem
O significado de planejar e o aprofundamento implementadas. Portanto, ações que requerem
da análise de diferentes contextos da escola deu planejamento e avaliação desde o diagnóstico até
início a esse estudo. Em seguida, focalizamos a a execução das ações.
relação entre projeto pedagógico e planejamento. No processo contínuo de elaboração do projeto
Ressaltamos que o nosso compromisso deve ser pedagógico, a escola necessita de um planejamento
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com um modelo de planejamento que se paute que considere a organização do trabalho escolar,
pelo questionamento da própria ação, da prática. e sua prática pedagógica, de modo a desenvolver
O projeto pedagógico como referência da organi- planos de ação que possibilitem, de fato, a me-
89
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zação do trabalho escolar, direcionando as normas lhoria da qualidade do ensino e os resultados da
de funcionamento da escola, ou seja, o regimento aprendizagem dos alunos. jan/2017
Nossa pergunta inicial “por que construir namento da escola e deve ser assumido como
coletivamente o projeto pedagógico?”, sempre uma conquista do coletivo da escola, como um
terá de ser feita para que não se torne um mero instrumento de luta e de organização. Portanto,
cumprimento de tarefa, parte do cotidiano escolar, a construção do projeto pedagógico depende
da prática pedagógica. do papel ativo dos diversos atores envolvidos no
O projeto pedagógico representa o funcio- contexto escolar.

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político-pedagógico”. Campinas: Papirus, 1998, pp.
09-32.
LUIZ, Maria Cecília; NASCENTE, Renata Maria Moschen
(Org.). Conselho escolar e diversidade: por uma escola mais
democrática. São Carlos: EDUFSCAR, 2013 (Capítulos 1 e 6)
Apresentação
Resenha elaborada por
Maria Cecília Luiz e Renata Maria Moschen
Antonia Maria Nakayama Nascente apresentam esse livro como fruto de um
Graduada em Psicologia pela PUC-SP esforço coletivo no sentido de compreender o de-
Mestrado em Psicologia Escolar pelo IPUSP safio da democratização da escola, que tem como
Doutorado em Didática pela FEUSP um dos seus princípios a participação do conselho
escolar, como espaço e tempo privilegiados desse
processo.
Os autores dos capítulos são pesquisadores, do-
centes e discentes da Universidade Federal de São
Carlos e de outras instituições federais e estaduais
que se reuniram para compreender as bases teóricas
e as possíveis abordagens que permitem à escola

Gestão democrática e participativa


acolher a diversidade, rompendo preconceitos e
reconhecendo e aceitando o outro, perspectiva que,
na visão desses estudiosos, deve ser fomentada no
conselho escolar.
No que se refere à prática educacional, esta
publicação pode ser a base de estudos para que
equipe e comunidades escolares aprimorem suas
percepções e práticas com o objetivo de acolher a
diversidade por meio do conselho escolar, aliado
na busca de uma escola realmente democrática.
A obra foi dividida em duas partes. A primei-
ra, Inclusão e diversidade nos conselhos escolares:
cultura, gênero, necessidades especiais e direitos
humanos, tem como foco as múltiplas relações
entre diversidade e conselho escolar com vistas a
uma escola mais democrática. A segunda, Conse-
lhos escolares e democratização: funcionamento,
participação, formação e trabalho coletivo, refere-
-se mais especificamente ao conselho escolar, às
conquistas mais recentes e às perspectivas desse
colegiado, embora as autoras deixem claro que
ainda há muito a ser feito para seu aprimoramento
como instância de democratização da escola e, por
extensão, da sociedade.
Nº 10 • Abril/99

O capítulo que abre o livro, de autoria de Ma-


ria Cecília Luiz, Sandra Aparecida Riscal e José
Roberto Ribeiro Junior, aborda a relação entre
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conselhos escolares e diversidade, apresentando
algumas reflexões acerca desse tema e apontando jan/2017
as contribuições proporcionadas por uma aborda- meio de democratização do espaço da escola na
gem fundada na valorização da diversidade e na consolidação desse processo.
dignidade da pessoa humana para a constituição de Camila Lourenço Morgado, Lucéia Maria de
uma dimensão mais democrática na vida escolar. Souza Paula, Marcela Menochelli Casonato e Thais
O segundo capítulo, de Swamy de Paula Lima Elena Lotumolo tiveram o objetivo de, no sexto
Soares, Ronaldo Martins Gomes e Lauren Apareci- capítulo, discutir como o conselho escolar pode
da de Souza Santos, tem como objetivo desenvol- contribuir para a garantia do direito à diversidade.
ver uma reflexão sobre as possíveis relações entre Para isso, as autoras propuseram uma discussão te-
a Teoria da Ação Comunicativa, desenvolvida por órica acerca da compreensão dos direitos humanos
Jurgen Habermas, e a Teoria do Conflito Social, de fundamentais para a formação de todos os cidadãos,
Axel Honneth, na busca por reconhecimento. Essa bem como uma reflexão sobre o direito à educação.
discussão constitui-se no ponto de partida para
Os estudos de gênero e seus desafios à área da
outras questões, tais como cultura e multicultu-
educação constituem--se, no sétimo capítulo, na
ralismo e diferença e alteridade, consideradas de
temática abordada por Edmacy Quirina de Souza,
uma perspectiva escolar.
Renata Silva Pamplona e Nilson Fernandes Di-
Renata Maria Moschen Nascente, Ariel Cristina nis. Nele, os autores discutiram as contribuições
Gatti Vergna e Rafaela Marchetti tentam respon- trazidas por esse campo à educação, fazendo uma
der, no terceiro capítulo, à questão de como a retrospectiva histórica acerca da constituição da
escola acolhe a diversidade. As autoras tecem suas mulher como um ser subordinado e da emergência
Gestão democrática e participativa

respostas valendo-se de alguns cenários vivenciados do conceito de gênero e refletindo ainda sobre as
em escolas de educação básica que exemplificam relações de poder-saber que envolvem os sujeitos e
dilemas inerentes ao acolhimento da diversidade, a formação de suas identidades sexuais e de gênero.
problematizando-os com o objetivo de refletir
No oitavo capítulo, “Diversidade cultural na
sobre eles e tendo os conselhos escolares como
espaços privilegiados rumo a soluções para as escola: existe equidade sem respeito às diferen-
questões e os conflitos referentes ao acolhimento ças?”, Renata Maria Moschen Nascente, Maria
da diversidade em cada unidade escolar. Cristina Luiz Ferrarini e Michele Peruchi de Brito
discutem a perspectiva do multiculturalismo e a
Multiculturalidade na criação de um portal
importância do conselho escolar nessa relação no
para a integração e formação de conselheiros
âmbito da escola.
escolares em todo o Brasil é o tema do quarto ca-
pítulo, desenvolvido pela equipe Cibelle Amorim A segunda parte do livro, Conselhos escolares
Martins, Maria Iracema Pinho de Sousa, Francis- e democratização: funcionamento, participação,
co Herbert Lima Vasconcelos, Márcia Costa Silva formação e trabalho coletivo, é inaugurada pelo
Costa e Aleksandra Previtalli Furquim Pereira, da nono capítulo, que versa sobre os conselhos esco-
Universidade Federal do Ceará. Os autores refle- lares no município de São Carlos/SP e a questão
tiram a respeito do desafio de criar um material da participação dos conselheiros, de autoria de
didático para um curso que teria como público- Renata Pieini Ramos e Celso Luiz Aparecido Conti.
-alvo conselheiros escolares de diferentes partes Baseados em uma pesquisa de mestrado, os autores
do Brasil, devendo, assim, não apenas considerar desenvolveram uma reflexão acerca da participação
mas também ter como eixo norteador a inserção nos conselhos escolares, concebidos como um ins-
de tais conselheiros no universo da cultura digital, trumento de gestão democrática das escolas.
sempre com muito respeito à diversidade cultural O décimo capítulo, por sua vez, escrito por Ju-
existente. liana Carolina Barcelli, Viviane Wellichan e Rúbia
O tema do quinto capítulo, de autoria de An- Nathália Parra, fala a respeito de indicadores de
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derson de Lima e Walkiria Gonçalves Reganhan, funcionamento dos conselhos escolares de quatro
são diversidade, conselho escolar e inclusão do estados brasileiros e discute, por meio das inves-
aluno com deficiência. Propõe-se uma reflexão que tigações realizadas durante o curso de extensão
92
92
envolve as relações entre a inclusão do deficiente na Formação Continuada a Distância em Conselhos
jan/2017 escola pública e o papel do conselho escolar como Escolares, oferecido em 2011 pelo Departamento
de Educação da Universidade Federal de São Carlos Silva, Maria Cecília Luiz e Ana Lucia Calbaiser da
(DEd/UFSCar) em parceria com a Secretaria de Silva. Eles examinam alguns aspectos presentes na
Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/ formação continuada em conselhos escolares e de
MEC), como a gestão democrática vem sendo de- conselheiros municipais de educação no contexto
senvolvida pelos conselhos escolares de municípios de dois cursos – ambos oferecidos por meio de
de quatro estados brasileiros, a saber, São Paulo, convênio firmado entre a UFSCar e a Secretaria de
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/
Débora Cristina Fonseca, no capítulo 11, dis- MEC) –, que foram o Pró-conselho: Programa Na-
corre sobre conselho de controle social, conselho cional de Capacitação de Conselheiros Municipais
escolar e trabalho coletivo e contextualiza esses de Educação e o PNFCE: Programa Nacional de
conselhos como pano de fundo no processo de Fortalecimento dos Conselhos Escolares.
descentralização e municipalização dos serviços
públicos, assegurando o cumprimento do mandato Parte I – Inclusão e diversidade
constitucional de participação da comunidade. nos conselhos escolares: cultura,
Assim, ela retoma brevemente o histórico desses gênero, necessidades especiais e
conselhos, a fim de compreender o cenário atual
direitos humanos
e a diversidade de possibilidades de participação
no controle e de efetivação de políticas públicas, e Capítulo 1: Conselhos escolares e
discute um caminho possível de trabalho coletivo a valorização da diversidade: uma

Gestão democrática e participativa


para o conselho escolar, não restrito a este, porém. dimensão mais democrática na escola.
Fundamentando-se em uma pesquisa realizada Maria Cecília Luiz; Sandra Aparecida Riscal;
na Secretaria Municipal de Educação de um muni- José Roberto Ribeiro Junior
cípio do interior do Estado de São Paulo no início Esta seção trata da relação entre conselhos esco-
de 2010, Elianeth Dias Kanthack Hernandes e lares e diversidade e seu propósito é apresentar algu-
Graziela Zambão Abdian apresentam, no capítulo mas reflexões sobre esse tema decorrentes de ações
12, os conselhos escolares como uma possibilidade realizadas nas escolas, com foco mais específico nes-
de vivência da escola democrática, na qual foram se colegiado. Pretende-se valorizar a diversidade e a
analisadas as alternativas de vivência da prática dignidade da pessoa humana para a constituição de
escolar democrática a partir de um processo de for- uma dimensão mais democrática na vida escolar. O
mação continuada consolidado nos princípios da objetivo é proporcionar uma reflexão sobre alguns
dialogicidade problematizadora e da escola como conceitos essenciais para o estudo da diversidade,
propositora de políticas e práticas na construção como cultura, diversidade cultural, etnocentrismo,
de conselhos escolares. estereótipo, preconceito, discriminação, respeito e
Andréia da Cunha Malheiros Santana e José Car- valorização da diversidade.
los Rothen, autores do capítulo 13, sobre avaliação Ao compreender as várias correlações entre
externa, autoavaliação e conselho escolar, constatam gênero, sexualidade, orientação exual, etnia e
que, atualmente, as escolas são submetidas a diversas relações raciais, perpassando pelas relações que
avaliações externas e que o conselho escolar é uma se dão na escola, espera-se que se reconheçam
importante instância para a discussão dos resultados a importância, a necessidade e possibilidades de
de tais avaliações e para a criação de instrumentos inclusão desses temas em práticas educativas, por
de autoavaliação que levem em consideração esses meio da reunião de subsídios para a construção de
resultados. Os autores discutem, assim, o potencial percursos pedagógicos de promoção da igualdade
do conselho escolar na implantação de uma auto- em ambientes escolares, neste capítulo com foco
avaliação que seja reflexo do que a unidade escolar especial no conselho escolar.
almeja para seus alunos.
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Finalmente, a participação como forma de Democracia e respeito ao diferente


fazer avançar o processo de democratização da Os conselhos escolares são parte de um esforço
93
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educação com qualidade de ensino é o fio condutor que visa à implantação e implementação de pro-
do capítulo 14, de autoria de Flávio Caetano da cessos de democratização das decisões nas escolas jan/2017
públicas, através da participação da comunidade que valorizem e reconheçam a importância da
escolar e local na vida da escola. diversidade política, social e cultural na vida local,
A escola constitui um espaço privilegiado para a regional ou nacional.
implementação de práticas que combatam todos os A democracia e, em particular, a gestão de-
tipos de discriminação e preconceito, porque abri- mocrática na educação tornaram-se um cobiçado
ga, em seu interior, todas as formas de diversidade produto de moda, algo que todas as escolas e
étnico-racial ou cultural, origem social, gênero, secretarias municipais e estaduais de educação
sendo o conselho escolar uma instância que repre- almejam adquirir para que possam, publicamente,
senta os segmentos da escola, embora possa não se apresentar como democráticas. Se continuarmos
estar representado por toda a diversidade da escola. nesses passos, logo teremos selos que certificarão
Ele deve ser a instância que garante a participa- as escolas democráticas, permitindo que se esta-
ção e a manifestação dessa diversidade na escola. beleça um ranking das escolas mais democráticas.
É necessário, por isso, que se estabeleça uma clara O sucesso da democracia como produto social
definição do campo de ação dos conselhos esco- acabou por contaminar todas as esferas sociais e,
lares, colocando-os, de fato, como uma instância hoje, dificilmente se aceita que um diretor de escola
de caráter deliberativo, normativo, fiscalizador, ou autoridade educacional afirme que não adota a
mobilizador e inclusive pedagógico na vida escolar, democracia como prática em sua escola.
que determina os caminhos das ações políticas, Assumindo caráter cerimonial, o efeito mo-
sociais, culturais e pedagógicas da escola. bilizador e unificador do discurso democrático,
Gestão democrática e participativa

A nova forma de organização dos conselhos es- quando voltado para as massas, tende, frequen-
colares, decorrente da concepção de gestão demo- temente, a tornar-se catarse coletiva, passando a
crática, é, ainda, incipiente e encontra obstáculos ter a forma de populismo. Quando proferido para
em práticas tradicionais que consideram o conselho autoridades, significa a demonstração de adesão ao
como órgão assessor de atividades recreativas e modelo político adotado e constitui uma espécie
financeiras da escola. Essa concepção assistencia- de propaganda pessoal de quem o faz. O discurso
lista em nada contribui para a constituição da vida democrático pode remeter, assim, à necessidade
escolar como um espaço de respeito às diferenças, de reconhecimento dos agentes escolares, quer
porque atua, precisamente, no sentido contrário: por parte do coletivo da escola, quer por parte das
ao estabelecer que a participação de todos seja limi- autoridades superiores. Corresponde, portanto, a
tada à esfera do trabalho, não consolida um espaço uma espécie de marketing pessoal constituído do
de decisões e permite que poucos continuem tendo consenso representado pela opinião geral. Isso
o privilégio de determinar o destino dos demais. significa que é preciso distinguir o discurso demo-
Estabelecida como um dos princípios da edu- crático, que visa a atender à opinião pública, da
cação pública pela Constituição de 1988 (Brasil, ideia de democracia, como processo que instaura
2006) e pela LDB – Lei de Diretrizes e Bases da a livre e autônoma participação coletiva.
Educação (Brasil, 2013a), a gestão democrática A maneira como a opinião pública se constitui
é associada, na legislação educacional (artigo 14 pode ser concebida atualmente como resultado
de Brasil, 2013a), à participação dos profissionais da circulação dessas opiniões pelos meios de co-
da educação na elaboração do projeto político- municação amplificados pelas novas tecnologias.
-pedagógico da escola e às comunidades escolares e A sociedade em que vivemos é homogeneizante
local, organizada em conselhos escolares ou órgãos e burocratizada, em um mundo cujas fronteiras e
equivalentes. espaços se contraem com a aceleração da capaci-
A participação da comunidade na gestão da dade de comunicação e informação. À medida que
aumenta o contato entre uma quantidade cada vez
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escola constitui um mecanismo que tem como


finalidade não apenas a garantia da democratização maior de pessoas, mais sensíveis elas se tornam à
do acesso e da permanência com vistas à universa- opinião umas das outras.
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lização da educação, mas também a propagação Riesman (1995) chama esse tipo social, pró-
jan/2017 de estratégias democratizantes e participativas prio da sociedade contemporânea, de alterdirigido
(other-directed). Segundo Riesman (1995), o que Tomada como produto social, a democracia
caracteriza o tipo social alterdirigido é que seus é mais uma forma de conformação do que de
contemporâneos são fonte da orientação para o participação. A competência a conquistar não é
indivíduo – tanto aqueles que lhe são conhecidos a de ser democrático ou de constituir relações
quanto aqueles que eles conhecem indiretamente, democráticas, mas a de adquirir um discurso que
através de amigos e dos meios de comunicação de se apresente como democrático e seja capaz de
massa. Essa fonte, naturalmente, é ‘internalizada’, demonstrar a adesão pessoal ao discurso oficial.
no sentido de que se implanta bem cedo no indiví- Manuais, cartilhas, palestras e cursos sobre de-
duo a dependência em face dela, para a orientação da mocracia fornecem não a consciência real do que
vida. As metas rumo às quais a pessoa alterdirigida venham a ser as práticas democráticas, mas os
se conduz mudam com essa orientação: apenas o certificados e o vocabulário técnico que permitem
processo mesmo de empenhar-se e o de prestar mui- reproduzir e veicular a concepção de democracia
ta atenção aos sinais dos outros é que permanecem adquirida. Tudo se passa como na história do cego
inalterados através da vida (Riesman, 1995, p. 86). que sabia tudo sobre o mar – ele já o conhecia por
A necessidade de estar sempre em comunicação histórias e poemas, mas, ao tocá-lo pela primeira
e em dia com as discussões e descobertas cria uma vez, não entendeu o porquê de tanto entusiasmo,
tendência a sensibilizar-se com as expectativas e apenas sentiu a água.
preferências dos outros. As mudanças sociais são Observadas sob esse prisma, as dificuldades
mais rápidas e assoladas ininterruptamente pelas para a implementação da gestão democrática se

Gestão democrática e participativa


notícias das novidades e das novas formas de vida. revelam não mais como uma recusa dessa forma de
O tipo alterdirigido é, por isso, superficial, amis- ação política, mas como um conjunto de práticas
toso a mudanças sem se deter em nenhuma. O que que, embora se pense que sejam democráticas, o
interessa são aquelas que podem lhe angariar maior são somente na instância discursiva.
prestígio pessoal. Segundo Riesman (1995), nessa A concepção da democracia como produto
sociedade, educação, lazer e serviços caminham con- revela a perversa condição de espetáculo público,
juntamente em um processo crescente de consumo da qual é, agora, revestida. Indica, ainda, a fragi-
de palavras e imagens dos novos meios de comu- lidade dessa concepção democrática, que pode,
nicação de massa. Riesman (1995) observa que, rapidamente, tornar-se autoritária ou ditatorial
cada vez mais, as relações com o mundo exterior e caso mudem os rumos da opinião pública. A
consigo são mediadas pelo fluxo das comunicações instauração de um sólido processo democrático
de massa. Para os tipos alterdirigidos, os aconteci- demanda tempo de amadurecimento e implica
mentos políticos são igualmente experimentados uma mudança de práticas e a implantação de es-
através de uma teia de palavras pelas quais os even- tratégias que garantam o direito de participação
tos são habitualmente atomizados e personalizados coletiva. Sem esses requisitos, sob a aparência de
ou pseudopersonalizados (Riesman, 1995, p. 85). democracia, escondem-se práticas tradicionais,
O tipo de caráter descrito por Riesman como viciadas em autoritarismo.
alterdirigido parece permitir que se estabeleçam O respeito à diversidade e diferença não reside
algumas características dos sujeitos que nascem apenas na divulgação dessas ideias, mas deve tam-
do mundo interativo, dos meios de comunicação bém constituir um norte para ações cotidianas na
de massa, da internet e da informação globalizada. escola, no respeito ao outro, quer seja nas questões
O processo educativo, na forma alterdirigida, de raça, etnia, gênero ou necessidades especiais.
não é constituído de conteúdos ou conhecimentos
formativos, mas da habilidade social de reconhecer Cultura e diversidade cultural:
e compreender os sinais presentes ou distantes entender para mudar
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e de acordo com a multiplicidade de fontes que A cultura pode ser definida como o conjunto
mudam contínua e aceleradamente. Esse caráter de conhecimentos acumulados, comportamentos,
alterdirigido da sociedade contemporânea permite instituições, crenças, costumes em uma determina-
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95
compreender o entusiasmo manifestado pela de- da organização social, constituindo um patrimônio
mocracia entre os agentes educacionais. dessa sociedade. Frequentemente, o conceito de jan/2017
cultura é associado ao adjetivo culto, que, no mun- própria que a individualiza, isto é, a faz única e
do ocidental, assume a significação de civilizado. se assenta em um determinado tempo e espaço.
Concebida como civilização, a cultura expres- Nesse sentido, conseguimos compreender por
saria a consciência que a sociedade ocidental tem que cada grupo de seres humanos, em diferentes
de sua superioridade sobre as demais, significando épocas e lugares, atribui significados diversos a
que se julga superior às sociedades que apresen- coisas e passagens da vida aparentemente seme-
tam costumes ou instituições distintas, antigas ou lhantes. A cultura estabelece a própria ação do
contemporâneas, sem o mesmo padrão de desen- homem, que se constitui como ser coletivamente
volvimento tecnológico e de comportamento. e se realiza como ser humano ao fazer do próprio
Por isso, esclarecer e definir o que é cultura deve viver uma arte.
ter lugar importante na vida escolar. Hoje, ao falar Cada cultura deve ser, portanto, considerada
em culturas, no plural, tendo como referência a uma experiência única, irredutível a qualquer
cultura negra, a gay, a baiana e a indígena, por outra. Cada sociedade possui seu próprio sistema
exemplo, muitas vezes não se leva em consideração cultural, constituído em um tempo e espaço que
o reconhecimento, no sentido de dar o mesmo lhe são próprios.
valor a essas diferentes expressões culturais. Em toda essa diversidade há uma característi-
Em geral, ao tratar de tais culturas, nem sempre ca humana: a sua capacidade de se constituir de
se pretende atribuir o mesmo status que se confere forma diferente, em tempos diferentes e espaços
à cultura ocidental, cujo intuito é o de excelência. diferentes, de enfrentar a diversidade de problemas
Gestão democrática e participativa

Ao contrário, essas culturas acabam recebendo uma e obstáculos impostos pelos eventos históricos
“concessão dada”, mas são vistas como exóticas ou de maneira variada e própria em um processo
folclóricas. Esta é a fonte de todo o preconceito: a contínuo de reinventar-se e superar-se. Não há
certeza da própria superioridade e a incapacidade trajetórias culturais que não sejam únicas, e a di-
de lidar com toda e qualquer manifestação cultural versidade de experiências e de sentidos atribuídos
que pareça diferente da sua. à própria vida é o maior testemunho da vocação
humana para a diversidade.
É dessa maneira que, em geral, a cultura ociden-
Colocada dessa maneira, a diversidade cultural
tal lida com o estranho, com o diferente, recusan-
não é uma coleção de culturas em diferentes está-
do-lhe atribuir dignidade, e infantiliza e descreve
gios transitórios que está a caminho da civilização
o outro como inapto para a vida civilizada (aos
ou da apresentação de experimentos civilizatórios
moldes ocidentais). Mais do que não reconhecer
malsucedidos, mas da própria manifestação da
o diferente, há a recusa da sua existência, ou seja,
liberdade humana, a qual, longe de uma trajetó-
o outro, o estranho, é demonizado, perseguido,
ria determinada, inventa-se e constitui-se, a cada
enxotado e excluído. No entanto, o que a cultura
instante, em diversos espaços, dando origem a
ocidental (que se considera única) mais tem feito
situações específicas em sua história coletiva.
para lidar com o estranho é transformá-lo naqui-
lo que ela considera adequado, disciplinando-o, Os conceitos de diversidade
conformando-o, atribuindo-lhe a sua própria e de diferença
forma e anulando, assim, a sua existência cultural. A possibilidade de o ser humano perceber a si
O antropólogo Clifford Geertz (1989) conside- mesmo como humano, como parte da humanida-
ra a cultura como um sistema simbólico, porque se de, deriva da possibilidade de reconhecer-se nos
constitui em teias de signos e significados criados outros e de reconhecer os outros em si mesmo. Isso
pelos próprios homens, Ela constituiu um dos só se realiza por meio da alteridade, da aceitação
mais importantes aspectos da condição humana, e da percepção dos valores do outro no que tange
aos seus.
Nº 10 • Abril/99

pois o próprio significado do que é ser humano


pode mudar de acordo com as práticas sociais dessa A percepção subjetiva do outro como humano
ou daquela formação cultural. Isso significa que é um tipo de relação que leva o sujeito a considerar
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cada sociedade humana tem uma teia cultural que no outro aquilo que pondera distinto do humano,
jan/2017 lhe corresponde, composta de uma prática social e aí está o problema. Cada cultura parece tender a
apreciar como específico e definidor do humano A diversidade cultural e o preconceito
aquilo que encontra em si mesma. Denominaremos diversidade cultural como as
É por meio da identidade que se reconhece no distintas possibilidades de expressão cultural, quer
outro o que é considerado humano. sejam de orientação sexual, gênero, faixa etária,
Essa é uma posição extrema da ortodoxia e do raça ou cor, etnia, deficiência, ou qualquer outra. O
fundamentalismo cultural. A percepção de valores que deve ser compreendido a respeito do problema
culturais, constituídos historicamente pelos ho- da diversidade é que as diferenças não podem ser
mens e consolidados em suas relações culturais, consideradas como motivos para que as minorias
devem ocorrer como uma manifestação de cada não tenham os mesmos direitos dos demais.
uma das sociedades específicas, e não pode ser Na sociedade, a dinâmica cultural está direta-
tomada como a expressão maior da humanidade mente relacionada com a diversidade cultural. Esta
inteira. Ao considerar apenas uma herança, uma se confunde, muitas vezes, com a desigualdade
tradição cultural, uma religião, impõe-se o não social e com um universo de preconceitos. Há
humano a todas as demais culturas. todo um aparato legal e jurídico que promete a
igualdade social e a penalização de práticas discri-
O problema é a tendência de tomar como
minatórias, mas a própria sociedade deve passar
verdadeiras apenas as coisas que a razão identifica
por um processo de transformação que implica
e considera como inadequado tudo o que não
incorporar a diversidade. Assim, não basta ser
seja assimilável ao esquema racional. Inadequado
tolerante, o objetivo é respeitar todos os valores
significa exatamente isto: o que não está em con-

Gestão democrática e participativa


culturais e os indivíduos de diversos grupos.
formidade, que não é ajustado nem apropriado
ou conveniente. O nosso senso comum é herdeiro Esse reconhecimento possibilitaria uma convi-
da cultura ocidental, cuja influência grega aparece vência harmoniosa. Como foi afirmado, a cultura
ocidental moderna sempre tendeu a representar a
na forma como identificamos o racional com o
si mesma como única e as demais culturas como
verdadeiro, o justo, o bom e o belo.
subculturas. Tal posicionamento, chamamos de
O bom-senso é a arte de harmonizar as diferen- etnocentrismo, que é o termo usado pela antro-
ças, que passam a ser compreendidas como parte pologia para descrever o sentimento genérico
de um todo harmônico. O diferente se apresenta, das pessoas que preferem o modo de vida do seu
agora, como parcial, como incompleto. Buscamos, próprio grupo social ou cultural ao de outros. É
então, a normalização do outro e consideramos uma visão de mundo para a qual o centro de todos
todos aqueles que se afastam da norma como os valores é o próprio grupo ao qual o indivíduo
desviantes. pertence. Nota-se que o etnocentrismo não é uma
Aceitar os desvios parece impossível, porque especificidade da cultura ocidental moderna, ou
nos obrigaria a voltar o nosso pensamento para seja, todas as sociedades, nas mais diferentes épo-
nós mesmos, repensar em tudo o que pensamos cas, reagiram de forma diferente ao contatar outra
sobre nós. Estamos aqui diante da ideia de que a cultura, sempre existindo a dificuldade de pensar
singularidade é irredutível. Cada indivíduo é úni- o outro, o diferente.
co e, em última instância, não poderá jamais ser No etnocentrismo, são privilegiadas as repre-
completamente traduzido ou compreendido pelo sentações e práticas sociais consideradas normais
outro. Isso vale para cada sujeito em particular por uma determinada sociedade, e as demais for-
e também para um povo, um coletivo cultural. mas de expressão cultural são reduzidas à condição
Nunca se chegará à compreensão completa do de não cultura, pela justificativa da violência e da
outro, nenhuma cultura se tornará inteiramente submissão do outro à condição de colonizado.
transparente a outra. O maior de todos os crimes Ao avaliar o outro e compará-lo a sua própria
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culturais é tentar moldá-la a nossa própria seme- cultura, acaba reduzindo-o a um estereótipo. O
lhança. Lembrando que não se trata de tolerar ou estereótipo consiste na generalização da cultura
de apiedar-se, mas de considerar o outro simples- do outro quando, em geral, são características
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97
mente como outro, diferente, porém com o mesmo tidas como negativas, que resultam na sua de-
direito de existência que nós. preciação, reduzindo o seu valor e essas mesmas jan/2017
características. Preconceitos e estereótipos estão das ideias, a discriminação está no da ação, ou seja,
ligados, e é comum encontrar a manifestação de trata-se de uma atitude. A superação das discrimi-
um preconceito por meio de alguma piada baseada nações implica a elaboração de políticas públicas
em um estereótipo. específicas e articuladas.
A diversidade e a cultura escolar Os movimentos sociais, feministas, LGBT,
negros e indígenas têm evidenciado o quanto as
O direito às diferenças se constitui da desna-
discriminações se dão de formas combinadas e
turalização das desigualdades, que devem deixar
sobrepostas, refletindo um modelo social e eco-
de ser percebidas como uma perversão às leis da
nômico que nega direitos e considera inferiores
natureza e passar a ser enxergadas como uma cons-
mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis,
tituição legítima da vida social. Essa compreensão
exige uma concepção transdisciplinar, algo que negros, indígenas.
não rotule, que passe por cima dos estereótipos Durante muito tempo, a escola foi encarada
e estigmatizações, que separe cada segmento em como local onde deveria prevalecer a homogenei-
um campo disciplinar próprio e que recolha, nas dade cultural. Questões como direitos individuais,
diferentes ciências, o saber necessário para compre- diferenças étnicas, culturais, sociais ou de gênero
ender a correlação entre as formas de discriminação não eram objeto de atenção. Tendendo a ignorar
e estabelecer jeitos para sua superação, construindo as diferenças, a cultura escolar se estabeleceu por
maneiras igualmente transdisciplinares de promo- meio de um jogo de pressupostos preconceituosos
ver a igualdade. jamais explicitamente enunciados, mas carregados
Gestão democrática e participativa

É possível compreender o importante papel de violência simbólica, cujo resultado era incutir
da educação e da escola tanto na constituição dos em toda a comunidade escolar práticas sociais
preconceitos e na reprodução de práticas sociais impregnadas de preconceitos.
preconceituosas quanto na luta pela superação des- Ignorando as diferenças, a escola tornou-se
ses preconceitos. O predomínio de livros didáticos um dos sustentáculos da propagação dos precon-
e paradidáticos nos quais a figura da mulher é au- ceitos. Nos conteúdos escolares, encontravam-se
sente ou caracterizada como menos qualificada que subjacentes padrões identitários de etnia, cultura
o homem contribui para uma imagem de inferio- ou gênero, que excluíam (e ainda excluem) aqueles
ridade feminina, por um lado, e de superioridade que não se encontravam na concepção cultural
masculina, por outro. A escolha das cores, o rosa e ocidental tradicional. O espaço escolar sempre foi
o azul, os papéis representados nas brincadeiras, a elemento essencial dos processos sociais de estig-
ausência das crianças negras nas salas de nível mais matização e discriminação, que devem e podem
avançado vão, entre outras questões, demarcando ser combatidos em benefício de um ambiente
e referendando as posições machistas e racistas que mais respeitoso com relação à diversidade e aos
persistem em nossa sociedade. direitos humanos.
A escola abriga em seu interior todas as diferen- A concepção adotada aqui se baseia no prin-
tes formas de diversidade, quer sejam de origem cípio de que a possibilidade de criação de um
social, sexual, étnico-racial, cultural ou de gênero. espaço escolar plural passa pelo direito de todos,
Questões de gênero, religião, raça/etnia ou em suas diferenças, serem reconhecidos como
orientação sexual direcionam práticas preconcei- iguais. A diversidade é um dos aspectos funda-
tuosas e discriminatórias da sociedade contem- mentais da atual concepção de direitos humanos.
porânea. A escola democrática deve educar para E ser diferente constitui um direito de todos os
a valorização da diversidade e formar indivíduos seres humanos.
capazes de exercer a cidadania com dignidade e A escola é um espaço de saber-poder. Trata-se de
poder dar conta dessa responsabilidade ao prevenir,
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um processo que deve possibilitar a compreensão


investigar, estimular o debate e punir crimes de dos efeitos causados pela negação dos direitos na
ódio baseados em orientação sexual ou identidade vida coletiva e que deve incentivar a adoção de
98 de gênero.
98
práticas em que prevaleçam o respeito e a consci-
jan/2017 Se o estereótipo e o preconceito estão no campo ência cidadã do diferente.
As práticas dos conselhos constituem um vas- Referências bibliográficas
to campo de atitudes e hábitos, carentes de uma
Brasil. Programa nacional de fortalecimento dos conselhos
formalização institucionalizada, e, enquanto tais,
de escola. Conselhos escolares: uma Questões de gêne-
pertencem à dimensão do vivido, do cotidiano re- ro, religião, raça/etnia ou orientação sexual direcionam
petitivo e naturalizado, não se elevando à condição práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade
de reflexão. Nessa perspectiva, são os problemas e contemporânea. estratégia de gestão democrática da
conceitos que formulamos que recortam as práticas educação pública. Brasília: MEC, 2004.
e lhes atribuem um significado. Geertz, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro:
LCT, 1989.
Considerações finais Heilborn, M. L.; Rohden, F. Gênero e diversidade na escola: a
A permanência de concepções tradicionais é um ampliação do debate. In: Barreto, A.; Araújo, L.; Pereira,
obstáculo para a constituição de conselhos demo- M. E. (Org.). Gênero e diversidade na escola: formação
de professoras/es em gênero, sexualidade, orientação
cráticos que respeitem a diversidade e os direitos
sexual e relações étnico-raciais. Rio de Janeiro: Centro
humanos na vida escolar. A heterogeneidade da Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
escola é submetida a uma moral homogeneizante. – IMS/Uerj, 2009.
O conselho escolar torna-se, assim, um corpo ho- Riesman, D. A multidão solitária. 2. ed. São Paulo: Pers-
mogêneo que, em vez de respeitar a diversidade, pectiva, 1995.
encarna um projeto de homogeneidade ordena- Skliar, C. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro
dora e disciplinadora. Não há o reconhecimento não estivesse aí? Rio de Janeiro:
do outro, do diferente que, nesse projeto, não é

Gestão democrática e participativa


DP&A, 2003.
sujeito de direito. Veyne, P. O inventário das diferenças. São Paulo: Brasiliense,
O conselho escolar muitas vezes, não admite a 1983.
participação daqueles que não se encontram repre- Conselho escolar e diversidade: por uma escola mais democrá-
sentados em seu modelo e o respeito à diversidade tica Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil,
de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da República
aparece como um dos maiores problemas a serem
Federativa do Brasil, Brasília, 05 out. 1988. Disponível
enfrentados nas escolas. Silenciadas durante muito em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/
tempo, as diferenças e diversidades sociais, econô- Constitui %C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 out. 2006.
micas, étnico-raciais, culturais ou de gênero nunca ______. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
encontraram espaço para expressão no modelo as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial
escolar que se consolidou baseado na concepção da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996.
positivista. As práticas democráticas oriundas Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l9394.htm>. Acesso em: 23 jul. 2013a.
das reuniões do conselho escolar abrem espaço
para que, ainda que gradualmente, a comunidade ______. Programa nacional de fortalecimento dos conselhos
de escola. Conselho escolar e direitos humanos. Brasília:
encontre locais para a expressão das dificuldades
MEC, 2008. (Caderno 11). Disponível em: <http://
impostas à vida escolar pelos preconceitos, discri- www.paulofreire.org/wp- -content/uploads/2012/PME/
minação e conflitos identitários. conselhos_escolares_dh.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2013b.
Tornar a escola um espaço em que se respeite
a diversidade e se realizem os direitos humanos Capítulo 6. direitos humanos
constitui, ao mesmo tempo, um desafio e um avan- para a diversidade: a
ço em uma sociedade tradicionalmente marcada contribuição do conselho escolar
pelas desigualdades e pelo desrespeito ao direito
Camila Lourenço Morgado; Lucéia Maria
do outro.
de Souza Paula; Marcela Menochelli Casonato;
A educação pautada pelos valores de respeito Thais Elena Lotumolo
ao ser humano e a sua dignidade visa a formação
Introdução
Nº 10 • Abril/99

de uma cultura escolar que prioriza a igualdade, o


respeito às diferenças e à diversidade, estabelecen- Os conselhos de escola são órgãos colegiados,
do condições para que os direitos humanos sejam compostos da comunidade local e escolar, que
99
99
materializados e constituam práticas frequentes possuem funções administrativas, financeiras e
na vida escolar. político-pedagógicas, e que promovem ações para jan/2017
auxiliar a escola a atingir seus objetivos, sendo um dos educandos acerca dos direitos humanos e da
espaço de decisão e participação que constrói um diversidade sendo que os conselhos de escola são
ambiente democrático e coletivo. órgãos integrantes e fortalecedores da garantia de
Todos os seres humanos, sem distinção, têm tais direitos, trabalhando em busca da conscientiza-
direitos garantidos por lei. Tais leis são fruto ção de sujeitos que exercitem seus direitos essenciais.
de um processo sócio-histórico e sociocultural
Direitos humanos
construído por meio de reivindicações e lutas dos
movimentos sociais, de acordo com as necessida- Atualmente nota-se um processo de democrati-
des de cada época e com a finalidade de assegurar zação na maioria dos países, porém, em períodos
melhores condições de vida. Dessa ideia nascem os anteriores e ainda recentes, pode-se perceber, ao
direitos humanos, que podem ser definidos como analisar a história, que muitos deles passaram regi-
direitos decorrentes da dignidade do ser humano, mes autoritários, fato em transformação na medida
abrangendo, entre outros: os direitos à vida com em que governos de tradição democrática se tor-
qualidade, à saúde, à educação, à moradia, ao nam cada vez mais adeptos dos direitos humanos.
lazer, ao meio ambiente, ao saneamento básico, Como se sabe, todos os seres humanos têm
à segurança, ao trabalho e à diversidade cultural seus direitos, garantidos por lei; não por acaso, o
(Brasil, 2003). reconhecimento dos direitos humanos é fruto de
Cabe ressaltar que o direito à educação é essen- um processo sócio-histórico e sociocultural cons-
cial na formação dos sujeitos para o convívio social. truído por meio de reivindicações e lutas – uma
Gestão democrática e participativa

O direito à educação está presente na legislação conquista que se deu de modo gradual, conforme
brasileira, como na Lei de Diretrizes e Bases da as necessidades de cada época e por indivíduos
Educação Nacional e na Constituição Federal. A e grupos que buscavam melhores condições de
observação de tais documentos oferece meios de vida. Em três principais momentos históricos,
compreensão acerca da estruturação da educação, abordaram-se questões dos direitos humanos:
caracterizada pela gratuidade, qualidade, oferta B
 ill of Rights ou Declaração de Direitos (Ingla-
regular e garantia de permanência. Dessa forma, terra, 1689), que promoveram a divisão entre
destaca-se a presença dos conselhos de escola como poderes, proporcionando, ainda que de forma
órgãos atuantes na promoção do direito à educação indireta, a proteção de direitos fundamentais;
a todos os envolvidos nos ambientes educacionais.
Declaração de Direitos da Virgínia (Estados
 
Nessa perspectiva, é fundamental utilizar o Unidos, 1776), tendo sido o primeiro docu-
espaço de tal colegiado para pensar ações que vi- mento a reconhecer a existência de direitos
sam a efetivar essa educação em direitos humanos pertencentes a todos os seres humanos, pois
dentro do espaço escolar, bem como para discutir compreendia o ser humano como livre e com
questões relacionadas à diversidade cultural (gê- seus direitos assegurados;
nero, raça/etnia, religião, orientação sexual, entre
Declaração dos Direitos do Homem e do Ci-
 
outros). Assim, nota-se que o conselho de escola é
dadão da Revolução Francesa (França, 1789),
um espaço muito importante para a consolidação
primeiro documento da França divulgando as
desse princípio educativo, que busca garantir que
ideias da Revolução Francesa, que tinha como
as diferenças e potencialidades dos indivíduos
sejam respeitadas. lema liberdade, igualdade e fraternidade.

A diversidade é social e historicamente cons- Mais recentemente, no século XX, merecem


truída por meio das relações sociais de poder, e, destaque a Constituição Mexicana de 1917 e a
para contemplá-la, é preciso reconhecê-la e mitigar Constituição Alemã de 1919, que tinham o in-
conceitos excludentes. Reconhecida como um tuito de inserir não apenas os direitos sociais, mas
também os civis e os políticos.
Nº 10 • Abril/99

Direito Humano fundamental e prevista em lei, a


diversidade ainda não é totalmente respeitada em A constituição dos direitos humanos ocorre
vários espaços sociais. A escola como espaço de historicamente, através do reconhecimento do ci-
100
100
convivência com todos os tipos de diferença é o dadão de cada país, e culmina no reconhecimento
jan/2017 local privilegiado para a discussão e sensibilização dos direitos das pessoas na comunidade interna-
cional. Para assegurá-los, foi proclamada, em 10 Federal de 1988 e na legislação complementar em
de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos vigor, a exemplo do Estatuto da Criança e do Ado-
Direitos Humanos, pela Assembleia-Geral das lescente (ECA) e do Plano Nacional de Educação
Nações Unidas. Esse ato colaborou para mudan- em Direitos Humanos. A Constituição Federal de
ças em lugares nos quais, por motivos diversos, 1988 (Brasil, 2013c) apresenta tais direitos, como
pessoas que viviam indignamente pudessem ter pode ser visto no artigo 227:
seus direitos garantidos. “É dever da família, da sociedade e do Estado
A igualdade de direitos humanos compartilha assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
valores segundo os quais todos os seres humanos absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
são considerados cidadãos, possuindo direitos alimentação, à educação, ao lazer, à profissionaliza-
igualitários e, se necessário for, devendo ser pro- ção, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
tegidos pelo Estado. Os direitos humanos, que são e à convivência familiar e comunitária, além de
universais, cabem a todos e quaisquer indivíduos. colocá-los a salvo de toda forma de negligência
Somente depois da Declaração Universal é que e exploração, violência, crueldade e opressão”
podemos ter a certeza histórica de que a humani- Brasil, 2013c).
dade – toda a humanidade – partilha alguns valores O principal direito é a vida, e ninguém deve ser
comuns; e podemos, finalmente, crer na universali- privado dele; além disso, a Constituição garante o
dade dos valores, no único sentido de que tal crença acesso à saúde, à educação, à moradia, ao salário
é historicamente legítima, ou seja, no sentido de justo, à cultura e dignidade, à participação política

Gestão democrática e participativa


que universal significa não algo dado objetivamente, e à convivência familiar e comunitária.
mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos Presentes no cotidiano, os direitos humanos se
homens [...]. Com a Declaração de 1948, tem início formam de um conjunto de direitos que, de acordo
uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos com vários documentos internacionais e nacionais,
direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: são expressos por direitos civis, políticos, sociais,
universal no sentido de que os destinatários dos prin- econômicos, culturais e ambientais.
cípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos Dentre os direitos humanos civis e políticos,
deste ou daquele Estado, mas todos os homens, e podem ser destacados: o direito à vida, ao de não
positiva no sentido de que põe em movimento um ser torturado, ao de ir e vir, à segurança, ao de
processo em cujo fim os direitos do homem deverão votar e ser votado, ao de reunião e ao de organizar
ser não mais apenas proclamados ou idealmente partidos políticos e participar deles. São direitos
reconhecidos, porém efetivamente protegidos até sociais o direito à moradia, ao trabalho, à saúde, à
mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado educação, ao lazer, a um meio ambiente protegido
(Bobbio, 1992, p. 28-30). e à conservação da biodiversidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos É necessário ainda entender que todos têm
promove, a partir de então, os direitos assegurados direito a ter seus direitos respeitados, lembrando
por lei. A igualdade, a liberdade e a dignidade que, dessa forma, do mesmo modo como se geram
caracterizam um ser humano com direito ao seu deveres, promovem-se ainda mais as responsabili-
desenvolvimento, ou seja, o direito humano é dades. Para que os direitos humanos sejam, de fato,
fundamental para a garantia da vida em sociedade. uma realidade, é preciso que as pessoas exerçam
Dalmo Dallari (2008 apud Hanna, D’Almeida sua cidadania de maneira ativa, garantindo seus
& Eyng, 2013) apresenta os direitos humanos espaços democráticos de participação.
em categorias. A igualdade, a liberdade política, A base dos direitos humanos é a democracia,
os direitos sociais, os direitos econômicos, os compreendendo que é um regime que vai além
direitos ao progresso, à moradia e ao trabalho,
Nº 10 • Abril/99

do âmbito político (regime político que emana


entre outros, são elencados para expressar a ideia do povo), mas que se insere também no campo
de uma vida digna. social, e deve se consolidar como uma cultura
101
101
No Brasil, esses direitos também estão assegu- que esteja presente em todas as relações sociais e
rados e podem ser encontrados na Constituição institucionais (Brasil, 2013b, p. 18). jan/2017
Diante da relevância dos direitos humanos, é mativos que se desenvolvem na vida familiar, na
pertinente focalizar o direito à educação, essencial convivência humana, no trabalho, nas instituições
para a composição de uma sociedade menos desi- de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
gual e excludente e mais auxiliadora na edificação organizações da sociedade civil e nas manifestações
de sujeitos que saibam se posicionar perante o culturais (Brasil, 2013d).
meio em que vivem. A garantia da educação, um direito social, é
Segundo Gentili (2009), o direito à educação condição para a construção da história de vida de
é uma forma de promover uma sociedade mais cada sujeito; ela atua diretamente na liberdade de
justa e igualitária. O direito à educação é meio de pensamentos e de críticas, caminhando para além de
origem de práticas de respeito, de liberdade e de um direito e englobando o interesse da sociedade na
aceitação do pluralismo de opiniões e concepções. constituição de sujeitos que exercitem a cidadania.
Some-se a isso a importância revelada na forma- Dessa forma, é dever do Estado a promoção
ção de sujeitos que exerçam a cidadania e estejam do bem comum e da preservação da vida social
aptos ao trabalho, isto é, a ajudar no progresso através de uma educação gratuita e de qualidade
e desenvolvimento da sociedade em que atuam. (Basilio, 2009).
Em face de tais assertivas, cabe questionar a Articulada com a Constituição Federal de 1988,
sua real prática nas instituições educativas, assim a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
como as dificuldades e adversidades próprias dos de 1996 destaca a ideia de preparação do ser hu-
ambientes de ensino e aprendizagem para a sua mano para a cidadania e de uma prática voltada
Gestão democrática e participativa

vivência no cotidiano. Para auxiliar na construção para o trabalho.


de um ambiente favorável ao exercício do direito Assim, Conti & Silva (2010) salientam que
à educação, o conselho escolar é um órgão atuan- os conselhos escolares são um espaço de atuação
te, já que possui meios de prezar a observação da sobre a qualidade do ensino ofertado, na melhoria
garantia desse direito e dos princípios que regem do processo educativo e na visualização de possi-
o ensino a todos os integrantes do cenário escolar. bilidades de emancipação dos sujeitos. São órgãos
Um conselho escolar presente nas unidades colegiados que possuem uma posição de destaque
educativas apresenta-se em uma posição promisso- para estimular o debate acerca da legislação educa-
ra, uma vez que incentiva os integrantes do meio cional e promover, por meio de uma gestão partici-
educacional a refletirem sobre a gestão democrática pativa e democrática, o questionamento a respeito
e a liberdade e igualdade de condições ofertadas aos do papel do Estado, da família e da comunidade
seus alunos. Além disso, é um meio promissor para escolar com relação ao posicionamento perante o
ressaltar a necessidade de criação de um ambiente direito à educação.
que instale um espaço de discussão e reflexão sobre Alguns trechos das legislações compartilhadas
uma escola com cultura voltada para a atenção aos trazem para discussão a necessidade de efetivação
direitos humanos (Brasil, 2013b). dos direitos, entre eles o direito à educação, con-
O direito à educação permite que os sujeitos se siderando as maneiras de estruturação do ensino,
transformem e se desenvolvam em um movimento as finalidades educativas, bem como o estímulo a
de construção de progressos pessoais e para a so- uma gestão democrática e participativa dos sujeitos
ciedade, propicia a mobilização social, o exercício nos ambientes escolares. Os conselhos escolares
profissional e o questionamento diante de políticas são órgãos atuantes nessa discussão, uma vez que
públicas originadas pelo Estado e estimula todos podem fomentar meios de garantia dos direitos,
a serem participativos (Basilio, 2009). como uma educação voltada para a observação e
exercício dos direitos humanos.
Vindo ao encontro dessa finalidade, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
Nº 10 • Abril/99

A diversidade e o papel do
esclarece, em seu artigo 1o, a presença da educação Conselho de Escola
tanto na vida familiar quanto nas instituições e As diferenças são naturais e, portanto, não
102 movimentos promovidos pela sociedade.
102
devem ser negadas. Gomes (2013) assevera que a
jan/2017 Art. 1º – A educação abrange os processos for- diversidade não diz respeito apenas ao que pode
ser observado a olho nu, pois, no momento em A diversidade dentro do contexto pedagógico
que passamos a considerá-la a partir de uma visão não é algo simples, exigindo que se reconheçam
cultural e política, surgem dois aspectos, a saber, as diferenças e se estabeleçam padrões de respeito,
os empiricamente observáveis e as diferenças o que garante direitos sociais e éticos. Para que
construídas historicamente, por meio das relações ocorram avanços em práticas educacionais capazes
sociais e de poder. De acordo com a autora, quando de compreender tal diversidade, é preciso romper
falamos de diversidade, devemos não somente ter com o conceito de padronização que vigora no
o reconhecimento do outro, mas também pensar campo educacional. A educação para a diversidade
a relação estabelecida entre os demais, vistos como consiste em explorar as diferenças, agindo como
diferentes diante do nosso grupo. um grupo e adotando práticas que considerem as
Consideramos as semelhanças e diferenças partin- diferenças naturais.
do de uma comparação. Tal comparação, por sua vez, Reconhecer as diferenças não é algo fácil, trata-
é feita de um padrão próximo a nossa visão de mundo, -se de um desafio, pois nos obriga a repensar nossas
que pode ser de comportamento, classe social ou ações e valores. Dentro da escola, não é diferente.
gênero, entre outros. Assumir a diversidade cultural Assim, o melhor caminho para o estabelecimen-
significa muito mais do que um elogio às diferenças. to da valorização e do respeito à diversidade no
Representa não somente fazer uma reflexão mais espaço escolar são o diálogo e a participação,
densa sobre as particularidades dos grupos sociais proporcionando trocas de experiência e práticas
mas também implementar políticas públicas, alterar educacionais democráticas.

Gestão democrática e participativa


relações de poder, redefinir escolhas e questionar a Para que tal ocorra é necessário transformar
nossa visão de democracia (Gomes, 2013, p. 1). a escola em um espaço formativo que auxilie os
Costa (2008) nos mostra que identidade e sujeitos envolvidos nesse processo a enxergarem a
diferença não são distintos; pelo contrário, são si mesmos e aos outros como sociais e históricos,
inseparáveis, produzindo-se pela linguagem e produtores de cultura, ou seja, que compreendam
construindo-se por meio de um discurso. Assim, que cada um traz consigo os saberes advindos
precisamos entender exatamente como se produ- de sua comunidade e que estes devem ser consi-
zem, institucional e historicamente. O discurso derados e respeitados a fim de que seu processo
tem a capacidade de controlar, classificar e ordenar, educativo não fique prejudicado.
desse modo é incapaz de acompanhar as mudanças Em outras palavras, esse colegiado tem de
e transformações sociais que determinam a padro- promover meios de valorizar “as diversas mani-
nização e marginalização de alguns grupos sociais. festações culturais, de cunho artístico, religioso e
De acordo com Gomes (2013), a escola precisa desportivo dos variados grupos que compõem a
se adequar às profundas mudanças sociais que sociedade brasileira” (Dias, 2008, p. 3).
estão ocorrendo atualmente, já que ainda carrega Segundo Dias (2008), outras medidas, como a
muitas idealizações, sobretudo respeito dos alunos elaboração de cartilhas, cartazes e até mesmo livros,
e professores. Para a autora, o estabelecimento de podem ser realizadas em prol da consolidação de
padrões sociais, culturais e cognitivos não garan- uma educação voltada para os direitos humanos,
tem uma educação democrática de qualidade, só respeitando a diversidade cultural que permeia a
contribui cada vez mais para a exclusão. escola. Podem-se promover também momentos
Contudo, não é nesse movimento apenas que de estudo e reflexão com o intuito de formar
a escola convive com a diversidade – não se trata professores, gestores, funcionários, pais, alunos e
somente de um tema, mas de uma constituição comunidade para que estes se tornem multiplica-
humana. A diversidade é, para a educação, um dores de tal cultura fora da escola.
Nº 10 • Abril/99

dado social composto ao longo da história, e O conselho escolar como órgão articulador en-
Gomes (2013) ainda diz que, para refletir sobre tre escola, comunidade e outras instituições sociais
a diversidade no âmbito educacional, é necessário também precisa levar essa discussão para “além
103
103
reconhecer, aceitar e respeitar as diferenças, enfim, dos muros da escola”, isto é, deve-se articular com
colocá-las no centro do processo educativo. o Ministério Público, com o Conselho Tutelar e jan/2017
com o Conselho da Criança e do Adolescente, de desses direitos possui relação direta com a atuação
maneira que, juntos, elaborem projetos, discussões dos conselhos escolares – colegiado que promove
e espaços que objetivem trabalhar. a construção coletiva de espaços democráticos e
A educação em direitos humanos busca difundir participativos.
a diversidade sociocultural para além da escola. Tal A garantia dos direitos humanos é fruto de um
ação seria muito positiva, pois estaria contribuindo processo gradual sócio-histórico-cultural, constru-
para a construção de uma sociedade mais justa, ído através das lutas dos movimentos sociais. Tais
igualitária e respeitadora das diferenças sociais, direitos são universais, destinados à preservação do
culturais, financeiras, entre outras. ser humano, ou seja, os direitos humanos cabem a
O conselho de escola é um órgão privilegiado para todo e qualquer ser humano, de forma que tenha
a consolidação de um princípio educativo que garanta dignidade e possa ser respeitado integralmente.
que os sujeitos sejam respeitados em suas diferenças e Nesse sentido, todas as pessoas têm direito a ter
potencialidades, já que, conforme Brasil (2013b), tal seus direitos e a ser respeitadas.
órgão participa diretamente da construção e recons- Em face desse estudo, entendemos que a pro-
trução do projeto político-pedagógico da escola e, moção de uma educação pautada pelos direitos
portanto, pode intervir a fim de que sejam incluídas humanos na escola deve ser um compromisso
temáticas relativas a gênero, raça, religião, orientação de todos os sujeitos envolvidos no processo edu-
sexual e etnia nesse documento. cacional, juntamente com o conselho de escola.
É fundamental que haja um conselho escolar Esta união – escola e órgão colegiado – possibi-
Gestão democrática e participativa

exercendo ativamente esse importante papel, haja lita a elaboração de ações que visam determinar
vista que, quanto maior a participação de tal co- esse ideal educativo, bem como contribui para a
legiado nessa questão, maiores as chances de “for- garantia de que os sujeitos sejam respeitados em
marmos crianças e adolescentes em um ambiente suas diferenças.
escolar acolhedor, não violento, que respeite as
diferenças, estimulando atitudes de tolerância e Referências bibliográficas
de paz” (Dias, 2008, p. 6). Basilio, D. R. Direito à educação: um direito essencial ao
exercício da cidadania. Sua proteção à luz da teoria dos
Considerações finais direitos fundamentais e da Constituição Federal Brasileira
Por meio das discussões promovidas neste ca- de 1988. 2009. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direi-
pítulo, buscamos fortalecer os conselhos escolares to) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
para que promova a garantia do direito à diversi- São Paulo, 2009.
dade dentro das instituições de ensino. Ademais, Bobbio, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
destacamos a importância de um debate sobre os Brasil. Plano nacional de educação em direitos humanos.
direitos humanos, inseridos em diversos campos, a Brasília: SEDH/MEC, 2003.
saber, o político, o econômico. A escola, como ins- Candau, M. V. Sociedade multicultural e educação: tensões e
tituição educativa responsável por definir práticas desafios. In: ______. (Org.). Cultura(s) e educação: entre
o crítico e o pós-crítico. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
pedagógicas, necessita compreender as diferenças
Conti, C.; Silva, F. C. Conselho escolar: alguns pressupostos
e indicar formas mais democráticas de convivência.
teóricos. In: Luiz, M. C. (Org.). Conselho escolar: algu-
O reconhecimento da diversidade consiste no mas concepções e propostas de ação. São Paulo: Xamã,
rompimento com muitas práticas padronizadas e 2010. p. 59-70.
historicamente constituídas no ambiente escolar; Costa, M. V. Currículo e pedagogia em tempo de proliferação
desse modo, trata-se de algo sobremaneira traba- da diferença. In: Encontro Nacional de Didática e Prática
lhoso. O melhor caminho para o estabelecimento de Ensino, 14., 2008, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre:
PUCRS, 2008.
do respeito às diferenças no contexto escolar são
o diálogo e a educação em direitos humanos, bus- Dias, A. A. A escola como espaço de socialização da cultura
Nº 10 • Abril/99

em direitos humanos. In: Zenaide, M.


cando, assim, respeito entre os sujeitos.
N. T.; Silveira, R. M. G.; Dias, A. A. (Org.). Direitos huma-
Além disso, indispensável é a garantia do direito nos: capacitação de educadores. Fundamentos culturais
104
104
à educação envolvida pela permanência, qualidade e educacionais da educação em direitos humanos. 1. ed.
jan/2017 e gratuidade nas escolas. Destaca-se que a garantia João Pessoa: UFPB, 2008. v. 2.
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105
105
jan/2017
Anotações:
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Planejamento
estratégico
MURICI, Izabela Lanna; CHAVES, Neuza Maria Dias. Gestão para
resultados na educação. 2 ed. São Paulo: FALCONI Editora, 2016.
O conhecimento sobre os problemas da educa-
Resenha elaborada por ção não é novo e nos últimos anos tem vindo à tona
Marcia Regina Vital com mais frequência a cada vez que os resul-
Doutora em Psicologia Escolar e tados das avaliações são divulgados, deixando
Desenvolvimento Humano sempre uma pergunta: por que as melhorias ainda
Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento são tímidas, esparsas e tão distantes dos países
Graduada em Administração de Empresas desenvolvidos?
O problema crônico do baixo desempenho não
se resolve com boa vontade, discursos indignados
e ações isoladas. Tal problema poderia ser revertido
por meio de uma política nacional abrangente e
com uma gestão sistematizada.
A educação é um patrimônio de riqueza in-
calculável, que impacta gerações e repercute por
décadas na saúde, na política, na segurança, na
economia e na qualidade de vida de um povo. Para
que a educação não seja um tesouro que a cada dia
fica mais soterrado, é urgente deter o discurso e ir
para a ação, agindo de forma organizada sobre as
causas e utilizando o método de gestão em todos
os seus níveis.
Planejamento estratégico

Estudos apontam que não é dinheiro que fal-


ta para melhorar a educação. Falta um objetivo
comum, uma diretriz, um esforço sistêmico, um
método que possibilite estabelecer metas, plane-
jar as estratégias, acompanhar e intervir para se
ter certeza do resultado. Em síntese, falta gestão.
Já vencemos a batalha quantitativa de colocar as
crianças na escola, e agora é o momento da batalha
qualitativa.
Para que o sistema de educação cumpra
amplamente sua função de prover educação de
qualidade para todos, é preciso que todos os
elos estejam comprometidos em desempenhar
a sua responsabilidade específica, sem perder
de vista a conexão com o objetivo maior, Dessa
forma, é indispensável que as responsabilidades
sejam claramente definidas desde o primeiro
nível e que haja gerenciamento dos processos
Nº 10 • Abril/99

e resultados.
As responsabilidades e atribuições têm por
108
108
objetivo contribuir para uma visão sistêmica do
jan/2017 segmento educacional, destacando as responsa-
bilidades e atribuições de cada elo, mostrando a modeladores dos padrões de comportamento de
inter-relação entre eles, de forma que todos estejam todas as pessoas envolvidas com a função da edu-
focados no aluno. Em síntese, todos os elos, ao cação. São os valores que referenciam as decisões
cumprir as suas responsabilidades, agregam valor e as escolhas. A gestão começa pelos valores e se
à cadeia e desempenham sua função até chegar ao sustenta neles.
aluno. Resultados de qualidade são obtidos quando Para que a escola pratique os valores em todos
cada parte do sistema exerce sua função, ou seja, os seus momentos e consiga que os alunos os
cumpre suas atribuições por meio da execução de levem para fora da sala de aula, é preciso que eles
processos e atividades que agreguem valor. os entendam profundamente e saibam como se
Com relação aos fatores críticos. a pergunta é: aplicam nas suas vidas.
por que algumas escolas que existem no mesmo Em relação ao conhecimento técnico, refere-se
meio de desigualdades social e submetidas às aos conhecimentos específicos que o profissional
mesmas influências socioeconômicas conseguem de vê ter para exercer determinada função. Nas
ter um desempenho superior? escolas diz respeito aos conteúdos das disciplinas,
Várias são as causas quando o problema é dinâmica de aula, planejamento, avaliação, orien-
complexo, mas três fatores críticos têm influência tação pedagógica, processos administrativos, entre
determinante sobre o sucesso dos resultados: outros. É esse conhecimento que permite que a
liderança, conhecimento técnico dos processos e rotina se realize. Os gestores devem dominar desde
método de gestão. Qualquer que seja a organiza- o currículo básico até o processo de prestação de
ção, a liderança é o principal deles. contas, ou seja, as atribuições da sua função.
A liderança na área educacional tem a função Para resolver os problemas da educação, melho-
de obter resultados por meio das pessoas e com rando os resultados e sustentando-os para obter
base em valores. São líderes aos secretários da edu- novos patamares, não bastam boas intenções. É
cação, os gestores regionais, diretores de escolas, preciso método, sendo que método é o caminho
os coordenadores, os professores e todos aqueles para atingir a meta.
que têm a responsabilidade de mobilizar pessoas A gestão da educação requer conhecimento e

Planejamento estratégico
para produzir os resultados de uma educação de domínio do sistema escolar. Segundo o biólogo
qualidade. austríaco Bertalanffy, sistema é um conjunto de
As necessidades atuais da sociedade exigem uma partes interligadas e interdependentes com obje-
liderança que transcenda a tradicional competên- tivo comum para cumprir determinada função.
cia administrativa e passe pelo conhecimento no A função de um sistema de gestão é entregar
método de gestão, pela atitude com a equipe, pelo resultados.
exemplo de coerência entre discurso e ação e nos Considerando esse conceito, o sistema de
valores demonstrados. gestão da educação tem como função melhorar e
Para desenvolver estas competências nos líderes manter resultados educacionais a partir das metas
da rede, pode ser estruturado um programa de definidas. Tomando como referência a rede edu-
formação de líderes. Sugere-se que esse programa cacional, o sistema de gestão pode ser entendido
trabalhe as dimensões da liderança de uma forma em 3 dimensões, organizadas no tempo:
prática e de fácil aplicabilidade.  Dimensão plurianual da gestão: essa dimen-
Tem-se observado uma grande melhoria nos são representa o direcionamento de melhoria
resultados e no ambiente das escolas, quando a do sistema, focando os esforços e os recursos
direção exerce a liderança, deixando claras as metas, no aprendizado efetivo do aluno, reduzindo o
apoiando os professores e cobrando firmemente os grau de incerteza e ampliando as chances de
resultados. A melhoria no nível de liderança é rele-
Nº 10 • Abril/99

alcançar a visão de futuro projetada. Para o


vante, pois impacta positivamente nos resultados, seu desenvolvimento, é necessário realizar um
na motivação de professores e alunos, repercutindo diagnóstico situacional, explicitando as oportu-
em toda a comunidade escolar. 109
109
nidades e ameaças, bem como forças e fraque-
Os valores são entendidos como princípios zas, a fim de cruzar essas realidades e descobrir jan/2017
suas inter-relações. Em média, é considerado  Formulação estratégica da escola: Política:
o horizonte de 5 anos para a implementação Conjunto de regras ou normas que orientam
da parte estratégica do sistema de gestão. As as escolas. As definições do marco operativo
estratégias definidas são apresentadas em três podem definir políticas para a escola. Ex.: po-
famílias: políticas, ações e objetivos. lítica de avaliação da escola: provas, trabalhos;
 Políticas: definições que regulamentam as ativi- Ações: Indicam os projetos estratégicos que a
dades do dia a dia, de forma que os meios sejam escola deverá implementar segundo orientação
da Secretaria de educação ou projetos especí-
direcionados para os fins (resultados) e executados
ficos conforme necessidade e autonomia local.
segundo os valores da educação.
 Objetivos (grandes desafios): São norteadores
 Ações: projetos que devem ser implementados
das metas anuais da escola. Ex.: melhorar a
para auxiliar o alcance da visão e das metas de
posição as escolas no IDEB.
longo prazo. É um esforço temporário para
criar algo novo ou para modificar algo existente.  Dimensão anual da gestão na escola: nessa
dimensão, as ações estratégicas definidas são
 Objetivos: são melhorias (desafios) necessárias
detalhadas em projetos a serem gerenciados
para o alcance da visão de futuro. São amplos,
conforme entregas (produtos) e prazos esti-
de longo prazo e norteiam as metas da educação.
pulados, e as metas de melhoria anuais são
 Dimensão anual da gestão: caracteriza-se por alcançadas por meio da aplicação do PDCA.
estabelecer e atingir mentas no horizonte de
 Dimensão diária da gestão na escola: uma vez
um ano, devendo ser desdobradas até a sala de
melhorados os resultados, é necessário um es-
aula, onde os resultados acontecem. Tais metas
forço de manutenção para evitar o retorno do
poderão ser alcançadas por meio de ações de
estado anterior. Nesse sentido, a escola deverá
melhoria (gestão de melhorias) ou de inovações
gerenciar a sua rotina a partir de metas e pro-
nos processos (gestão de inovação).
cedimentos padrão.
 Dimensão diária da gestão: o campo onde os
Independentemente do tipo, a escola só exis-
resultados acontecem é a sala de aula. Todo
te para cumprir uma função, ou seja, entregar
esforço da Secretaria e dos demais segmentos
Planejamento estratégico

uma formação de qualidade às pessoas que a ela


será perdido se não forem praticados pelos
recorrem. Para atender essa função, a meta e o
professores, tendo como alvo o aprendizado
método devem ser aplicados. A meta é o ponto
dos alunos.
aonde se quer chegar, e o método é o caminho
A exemplo da rede educacional, a escola é um para viabilizá-la.
sistema. Isso faz com que ela também tenha que
O método que utilizamos é denominado PDCA
mobilizar os responsáveis para desenvolver os três
– método de gerenciamento com foco na melhoria
níveis da gestão – estratégico, tático e operacio-
dos resultados. É composto por 4 etapas: Planeja-
nal – e construir o seu modelo fundamentado nas
mento (P), Execução (D), Verificação (C) e Ações
diretrizes institucionais recebidas da Secretaria de
corretivas/Padronização (A).
Educação.
 Planejamento: contempla a busca do conhe-
Dimensão da gestão na escola – Plurianual:
cimento necessário à solução de determinado
de maneira geral, as escolas já definem suas es-
problema, para que a meta seja alcançada. Essa
tratégias e políticas em documentos como PPP
etapa é composta por 4 subetapas: identifica-
(projeto político-pedagógico) e PDE (plano de
ção do problema (definição da meta); análise
desenvolvimento da escola). Para as escolas que já
do fenômeno (problema); análise do processo
fizeram o PPP e PDE é importante extrair desses
(identificação das causas do problema);
documentos a missão, a visão de futuro, os valores,
 Elaboração dos planos de ação para alcance
Nº 10 • Abril/99

os objetivos estratégicos, as políticas e as ações es-


tratégicas que servirão de direcionamento para sua das metas.
gestão e seus resultados. Exemplo da aplicação em  Identificação do problema: Conceito: problema
110 é a diferença entre o resultado atual e o desejado
110
escola, considerando a utilização de instrumentos
jan/2017 de gestão da escola: (meta).
 Reconhecer o problema e enfrentá-lo adequa- ser estabelecidas nos fins, nos resultados da escola/
damente é o maior desafio da gestão. educação, gerando a mobilização necessária para
 Objetivo: o objetivo dessa etapa é definir o de- a mudança de resultados. As metas são caracteri-
safio (meta), reconhecendo as perdas existentes, zadas por conterem 3 pontos essenciais: objetivo
suas consequências e os possíveis ganhos. + valor + prazo.
 Passos para identificar o problema: estabelecer Uma escola pode ter tanto metas desdobradas
indicadores; analisar os dados do problema; da Secretaria (estratégicas), quanto metas próprias
definir a meta; estruturar a gestão à vista. para alcance de um objetivo de melhoria. Ao receber
a meta definida (desafio individual) pela Secretaria,
a) Estabelecer indicadores: os indicadores são
a escola deve analisar a diferença entre seu resulta-
representações numéricas das características de
do atual e o que foi estabelecido, identificando o
processos e resultados. Sinalizam o nível do desem-
tamanho do seu problema. A escola poderá definir
penho, devendo ser utilizados para monitoramento
metas específicas para atender sua função e alcan-
e decisão gerencial. Os resultados na escola devem
çar sua própria visão de futuro. Para isso, precisará
ser medidos considerando 5 dimensões: qualidade,
analisar seus resultados históricos, comparar seus
custo, entrega, moral e segurança.
resultados atuais com os resultados de escolas com
1) Qualidade: desenvolvimento no nível espe- perfil semelhante e, então, definir a sua meta.
rado das habilidades e competências previstas em
Concluindo, para definir metas é necessário:
cada etapa escolar.
definir o objetivo gerencial; definir o valor usando
2) Custo: os recursos podem ser gerenciados análise histórica e pesquisando benchmark; definir
de forma a evitar desperdícios, direcionando-os prazo para alcance da meta.
para atividades do processo ensino-aprendizagem.
d) Estruturar a gestão à vista: utiliza-se a expres-
3) Entrega: o gerenciamento dos indicadores são “gestão à vista” para a estratégia de comunica-
que mensuram a entrega atuam preventivamente ção que divulga os principais dados e informações
na distorção idade-série, que é um fator impactante da gestão, especialmente o desafio de melhoria
para o abandono e a evasão. (meta), para que os envolvidos acompanhem o

Planejamento estratégico
4) Moral: diz respeito à satisfação das pessoas desempenho e se comprometam com os resultados.
na realização das suas funções. A análise do fenômeno tem por conceito a
5) Segurança: diz respeito às condições do análise do fenômeno consiste na avaliação das
ambiente que podem gerar preocupação na comu- características do problema (resultado) e seu
nidade escolar e desfocar sua atenção dos objetivos desdobramento em problemas menores e mais
do ensino. fáceis de serem atacados, convergindo os esforços
b) Analisar os dados do problema: a análise dos para a melhoria do resultado. O objetivo é gerar
dados de um problema tem como objetivo promo- conhecimento sobre as características do problema
ver um entendimento amplo do resultado que se para direcionar a análise das causas naquelas com
quer melhorar. Para isso, são realizadas avaliações maior impacto no resultado.
do histórico (comportamento ao longo do tempo) Alguns passos são necessários para analisar
e comparações com bons resultados (benchmark). o fenômeno: levantar dados e fatos disponíveis
Benchmarking é o processo de identificação/com- sobre o problema; estratificar os dados por nível
paração com melhores resultados e práticas que, de ensino, ano de ensino, disciplina, entre outros,
após analisados e adaptados, conduzirão a um de- tentando identificar aspectos específicos do proble-
sempenho superior. A identificação de benchmarks ma; priorizar o problema (problemas menores de
(referências) auxilia na identificação de lacunas e maior impacto) para realizar a análise de processo
definição das metas. Lacuna é a diferença entre o (identificar causas do problema).
Nº 10 • Abril/99

resultado atual e o resultado de referência. Levantar dados e fatos disponíveis sobre o


c) Definir a meta: de acordo com Falconi, uma problema: é necessário que os dados sejam testa-
111
111
meta é um gol, um ponto a ser atingido no futuro. dos para obter o máximo de confiabilidade, pois
As metas direcionam as ações de melhoria e devem direcionarão a tomada de decisões. jan/2017
Estratificar os dados componentes do indicador definir as causas (brainstorming); priorizar as
por nível de ensino, ano de ensino, disciplina, entre causas mais importantes; levantar e analisar dados
outros, tentando identificar aspectos específicos para confirmar o impacto das causas priorizadas.
do problema: quando utilizada na análise de um 1) Definir as causas: uma das ferramentas
problema, é a descoberta das suas características utilizadas para a identificação das causas de um
por meio de avaliação em perspectivas que fazem problema é o diagrama de causa e efeito. Esse dia-
sentido para a escola. As principais formas de grama, popularmente denominado de espinha de
estratificar um problema na escola são: nível de peixe e criado pelo Prof. Kaoru Ishikawa em 1943,
ensino; turno; ano de ensino; turma; disciplina. tem a função de ajudar a organizar as informações,
Priorizar o problema (problemas menores de identificando as possíveis causas que estão dentro
maior impacto) para realizar a análise de proces- dos processos e determinando o problema.
so (identificar causas do problema): consiste em Brainstorming: atividade participativa que re-
selecionar o foco do problema para atuação, com úne pessoas competentes para ajudar a identificar
a identificação das causas e definição de contrame- as causas e compreender como elas interagem para
didas para bloqueá-las ou minimizá-las. Espera-se constituir o problema.
que, ao melhorar o resultado do(s) problema(s) 2) Priorizando as causas coletadas no brains-
específico(s), a meta de melhoria seja alcançada. torming: concluído o brainstorming, será neces-
A análise do processo tem por conceito inves- sário priorizar as causas mais impactantes sobre
tigar as causas do problema, ou seja, os fatores o resultado, observando aquelas que estão sob
localizados nos processos (atividades) que afetam autonomia da escola.
os resultados. As descrições dadas aos fatores do 3) Levantar e analisar dados para confirmar o
processo visam agrupá-los em categorias que faci- impacto das causas priorizadas: após a identifica-
litam a análise das causas que mais se relacionam ção das causas prioritárias, é importante analisar
com o problema. As principais categorias são: com fatos e dados se essa é realmente impactante
 Pessoas: esta categoria diz respeito à formação, ou significativa.
à experiência, às atitudes e às condições físicas e Plano de ação: é o conjunto de ações organi-
Planejamento estratégico

mentais das pessoas que atuam no processo, po- zadas no tempo e atribuídas aos responsáveis por
dendo ser o diretor, o orientador, o professor, etc. fazê-las acontecer conforme previsto. Sua efetivi-
 Método: maneira como é realizado o trabalho. dade depende da qualidade da análise e de uma
Diz respeito aos procedimentos utilizados nos liderança forte na execução e no monitoramento
diversos processos da escola, garantindo que as das ações.
funções sejam adequadamente cumpridas pelos O plano de ação tem por objetivo eliminar
responsáveis. as causas que foram priorizadas na análise do
 Materiais: são os materiais didáticos e todos processo ou guiar a condução de um projeto ou
aqueles utilizados para dar suporte ao ensino. um programa da escola. Qualquer que seja o ins-
trumento, a função é viabilizar as metas da escola.
 Meio ambiente: condições ambientais tais como
iluminação, layout do ambiente, temperatura e A técnica utilizada para fazer o plano de ação é
outras que influenciam o aprendizado. o 5W2H (O quê, Quem, Quando, Onde, Por que,
Como, Quanto custa a ação). Recomendamos que,
 Equipamentos: são os dispositivos utilizados
antes de preencher o instrumento, seja feita uma
como suporte às aulas e necessários para o
revisão das causas priorizadas deixando-as visíveis,
funcionamento adequado da escola.
para que todos se atenham ao foco.
 Medidas: referem-se às mensurações que devem
Para aprovar o plano de ação, recomenda-se que
ser feitas para sinalizar que os processos estão
Nº 10 • Abril/99

seja realizada uma avaliação, testando a sua força


funcionando de forma a agregar valor ao resultado.
para alcançar a meta proposta. Além de verificar
O objetivo da análise do processo é estabelecer se as ações são suficientes para trabalhar as causas
112 a relação entre o problema (efeito) e suas causas
112
priorizadas, sugerimos uma análise do impacto
jan/2017 (processo). Passos para analisar o processo: dessas ações. Para auxiliar essa análise, pode ser
utilizada uma técnica que denominamos de “matriz A atividade crítica é aquela que ameaça a
de robustez”. Essa técnica permite um aprofunda- meta, tem histórico de alta incidência de erros, é
mento da discussão de cada ação à luz das causas obrigatória no processo ou tem alto impacto no
priorizadas pela equipe que está validando o plano. resultado. Existem dois tipos de padrões que são
Resumindo: na sequência lógica desenvolvida na mais utilizados nas escolas: os padrões gerenciais
etapa de planejamento do PDCA, enfatiza-se que a e os padrões operacionais.
meta precede todo o processo. É ela que dá forma ao  Padrão gerencial do processo (PGP): padrão
desejo da escola e define o quanto se quer deslocar que apresenta a sequência lógica da execução
do status atual do resultado para outro patamar. A das tarefas de um processo e seu conteúdo deve
segunda etapa, análise do fenômeno, desdobra o ser apresentado preferencialmente na forma de
problema de várias formas para conhecer bem as suas um fluxograma;
características. Posteriormente, as causas são identi-  Procedimento operacional padrão (POP): pa-
ficadas e priorizadas na etapa da análise do processo, drão que caracteriza os passos necessários para
culminando no plano de ação, que é a conclusão da realização de uma tarefa. É como uma receita,
etapa de planejamento do PDCA. um passo a passo, para a realização de deter-
Na etapa de execução (DO), as ações pro- minada tarefa administrativa ou pedagógica.
postas nos planos de ação devem ser executadas, Um padrão é o registro de uma boa prática
considerando os prazos estabelecidos, de forma para que possa ser utilizada continuamente pelos
coordenada. O que promove resultados é a ação professores. Dessa forma, é importante que sejam
disciplinada de todos os envolvidos, liderados por selecionadas para registro as práticas que compro-
pessoas inspiradoras e apoiadoras. vadamente geram melhor aprendizado nos alunos
No que se refere à verificação, essa etapa visa garan- (no caso das práticas pedagógicas) e que essas prá-
tir a execução do planejamento e o alcance das metas ticas sejam divulgadas para os demais professores
definidas. A etapa de verificação (check) envolve o e escolas. De nada adianta ter práticas de sucesso
acompanhamento da execução das ações dos planos registradas se elas não forem divulgadas e continu-
e análise dos resultados frente as metas estabelecidas. amente utilizadas pelos interessados (professores,

Planejamento estratégico
A implementação das ações é o que possibilita direção, coordenação e/ou funcionários).
à escola alcançar as metas estabelecidas. Caso elas As ações corretivas a partir de desvios de resul-
não sejam implementadas no tempo planejado, tado consistem no tratamento do desvio negativo
haverá desperdício de tempo e conhecimento de resultado frente a meta (resultado abaixo da
dos profissionais da escola no planejamento de meta). A cada bimestre e ao final do ano, a escola
melhoria. deve analisar seus resultados frente as metas, identi-
A verificação dos resultados é realizada nos ficando possíveis desvios para ações corretivas. Para
indicadores finalísticos, por exemplo, aprovação assegurar a efetividade das ações corretivas adotadas
(rendimento na etapa) e potencial abandono. Na em função da análise do desvio negativo, é preciso
análise dos resultados é feita a verificação da efe- que elas sejam incorporadas ao plano de ação.
tividade das ações propostas nos planos. O PDCA é um método dinâmico, que inicia
Uma vez que as ações do plano foram efetivas, com um problema e, ao solucioná-lo, já se deve
e o resultado foi satisfatório, é necessário tomar a ter em vista uma nova melhoria. A filosofia que
decisão de padronizar as ações, transformando-as o sustenta é denominada de melhoria contínua,
em procedimentos da escola. A padronização con- devido a essas interações entre os seus ciclos.
siste no processo de estabelecer, utilizar e avaliar A sigla SDCA significa originalmente Standard
padrões quanto ao seu cumprimento, adequação (padrão), Do (executar conforme o padrão), Check
Nº 10 • Abril/99

e resultados produzidos. Já os padrões são os re- (verificar o cumprimento e a adequação do padrão)


gistros de práticas bem-sucedidas que impactaram e Act (atuar corretivamente sobre as anomalias do
positivamente algum resultado da escola e que processo). O SDCA é o ciclo do método de gestão
113
113
depois de validados, devem ser utilizados conti- que sustenta os resultados por meio de um sistema
nuamente pelos envolvidos. de padronização, que tem como referência as metas jan/2017
padrão (resultado a ser mantido). Sua função é cadores são analisados considerando a referência da
manter os resultados estáveis nos níveis já obtidos meta padrão. É essencial para a manutenção dos
e/ou indicados por órgão superior. resultados nos níveis planejados (meta padrão),
O PDCA é o ciclo que melhora os resultados a pois permite que sejam identificados desvios no
partir de uma meta. O ciclo SDCA tem por função resultado e processo par que ações corretivas sejam
manter os resultados que foram melhorados no tomadas oportunamente.
PDCA ou estabilizar aqueles que já estão satisfa- A Ação corretiva é a etapa que as escolas re-
tórios no período. É importante enfatizar que não movem os sintomas e tomam ações corretivas,
existem resultados sustentáveis sem que os ciclos quando há desvio de resultado. O bom resultado
PDCA e SDCA sejam praticados. é consequência de um processo bem gerenciado.
A etapa de padronização (S) consiste na de- Dessa forma, o PDCA é o ciclo que melhora os
finição do resultado do processo a ser mantido resultados a partir de uma meta. O ciclo SDCA
(indicador e meta padrão), bem como o plano tem por função manter os resultados que foram
de ação (padrão) para manter o resultado em um melhorados no PDCA ou estabilizar aqueles que
patamar desejável. já estão satisfatórios no período.
Essa etapa é composta por 3 subetapas. As es- A função da supervisão tem sido essencial na
colas devem utilizar indicadores que mensurem o gestão do SDCA na escola, pois sua visão tem o
resultado final do processo ensino-aprendizagem e alcance de verificar os processos e as atividades
indicadores que mensurem os meios que influen- onde os problemas podem ocorrer ou ser evitados.
ciam esse resultado. A supervisão tem o papel de verificar se a opera-
A meta padrão é a referência que a escola pre- ção da escola está sendo cumprida, identificar as
cisa ter para estabilizar o seu processo. Essas metas ocorrências que podem ameaçar as metas, atacar
podem vir de uma melhoria obtida por meio do as causas imediatas e ajudar a direção a analisá-las
ciclo PDCA ou por uma diretriz da Secretaria de para evitar reincidência.
Educação e/ou MEC. De acordo com Falconi, pa- Em uma escola que gerencia para resultados, o
drão é o instrumento que indica a meta (fim) e os professor não pode mais se restringir à sua disci-
Planejamento estratégico

procedimentos (meios) para execução dos trabalhos plina, precisa ter uma atuação sistêmica atuando
de tal maneira que cada um tenha condições de para o melhor resultado global da escola. Como o
assumir a responsabilidade pelos resultados do seu resultado acontece na sala de aula, além do conhe-
trabalho. Assim sendo, o padrão é o planejamento cimento técnico, os professores precisam utilizar as
do trabalho a ser executado por cada responsável. técnicas de gestão aqui apresentadas para auxiliá-los
A etapa de desenvolvimento inclui a divulgação a monitorar e interferir quando necessário no pro-
dos padrões e a formação dos responsáveis, sua cesso sob sua responsabilidade. É no dia a dia que o
execução e gerenciamento. Elaborados os padrões, professor consegue verificar as várias situações que
é preciso divulgá-los e habilitar os responsáveis podem afetar negativamente os resultados.
para sua correta realização. Para que uma pessoa Para a gestão do ambiente da escola é preciso
responda pelo bom resultado de uma atividade formar os hábitos de todos da escola para evitar o
crítica, é necessário conhecer, entender e saber desperdício dos recursos e fazer com que eles sejam
aplicar o padrão a ela relacionado. Um padrão só alocados de forma efetiva. Quando a escola assume
cumprirá sua função se os responsáveis pelas ati- o seu ambiente, ela consegue desenvolver nos alunos
vidades críticas dos processos o utilizarem como o sentimento de inclusão, a vontade de tomar conta
orientação do trabalho. da escola e permanecer nela. A gestão do ambiente
No que se refere à gestão dos padrões tem o costuma receber o nome de Programa 5S ou 5 Sensos.
objetivo de garantir que os compromissos assumi- Embora esse programa seja amplamente utilizado,
Nº 10 • Abril/99

dos sejam respeitados por todos e, assim, a escola ele será aqui detalhado de forma direcionada para a
possa funcionar de forma estável, evitando o gasto escola e apresentado em 5 sensos: utilização, orde-
114 de tempo com solução de problemas recorrentes. nação, limpeza, saúde/padronização e autodisciplina.
jan/2017 114 Na etapa de verificação, os resultados dos indi- O 5S tem algumas premissas que devem ser
observadas para a sua implantação. Quanto mais humanos, financeiros, tempo, entre outros). Para isso,
aderente o programa às premissas maiores os resul- todos os envolvidos com a escola devem ser formados
tados. Premissas para implantação do Programa 5S: para saber aplicá-lo, conforme a sua utilidade.
 Deve ser prático: não acontece por discurso; é 2º. Senso de Ordenação: é a definição de um
preciso fazer. local para todos os itens que foram considerados
 Tem que ser simples de forma que todos possam úteis, definindo critérios para serem acessados e re-
entender como praticá-lo e assim proceder. postos facilmente. O princípio que o define é “um
lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar”.
 Tem que ser praticado por todos: o envolvimen-
to e comprometimento de todos é vital para o 3º. Senso de Limpeza: significa promover a
sucesso do programa. educação para limpar e manter limpos o ambiente e
os objetos necessários ao funcionamento da escola.
 Tem que ter o patrocínio do (a) diretor (a) da
É preciso praticar esse senso e ensinar os alunos
escola.
a gostar do ambiente, aprendendo a não sujar e a
 Tem que ser envolvente – as pessoas participam evitar as fontes de sujeira.
por adesão, e não por obrigação.
4º. Senso de Saúde/Padronização: esse senso
 Determinação: o entusiasmo é rápido, mas a contempla a saúde física, mental e social. Também
falta dele também. exige a prática constante dos 3 primeiros sensos.
 Deve ser conduzido por pessoas persistentes Os novos hábitos poderão ser consolidados por
até se tornar um hábito. meio da padronização.
O programa é simples, mas deve ser praticado 5º. Senso de Autodisciplina: é considerado o
com método. Para implementar o Programa 5S hábito que foi formado a partir da repetição disci-
na escola com sucesso, é importante preparar um plinada dos demais sensos. Caracteriza-se também
grupo que liderará a sua implementação. Principais pelo exercício da melhoria contínua praticado de
atividades dessa etapa: Criar um grupo repre- forma participativa.
sentativo de alunos, pais, equipe diretiva, professo- A partir da avaliação inicial e da elaboração do
res e funcionários para implementar o programa; plano de implementação do programa, sugerimos

Planejamento estratégico
Estudar com o grupo os conceitos básicos do que sejam realizadas avaliações intermediárias (ex.:
programa (5 sensos e ferramentas); Planejar todas bimestrais) para que seja analisado o avanço do
as etapas do programa e apresentar para a direção, resultado (atendimento às evidências do padrão
selecionando as 3 pessoas que farão os diagnósticos ambiental do Programa 5S), a execução das ações
periódicos do ambiente (avaliações). propostas e definição de novas ações no caso de
Realizar a 1ª avaliação do ambiente (diagnós- um item não ter melhorado com o plano de ação.
tico): é nesta etapa que a situação atual da escola Conforme abordado anteriormente, a gestão
é identificada por meio de uma avaliação dos di- para resultados deve contemplar o PDCA – gestão
versos ambientes da escola segundo os 5 sensos e para melhorias e o SDCA – gestão das rotinas, que
orientações da rede. O primeiro passo é elaborar a mantêm o bom funcionamento da escola.
ferramenta de avaliação. Após a conclusão da avalia- Uma das dimensões de resultado da escola
ção pelo grupo, a equipe de implementação deverá é o nível de satisfação das necessidades dos en-
consolidar os resultados, identificando o patamar de volvidos (moral). Pessoas satisfeitas produzem e
atendimento às evidências que a escola se encontra. mantêm melhores resultados. Para isso, os fatores
Elaborar plano de implantação do programa: motivacionais devem ser medidos e gerenciados
o plano de implantação deve conter ações de co- sistematicamente.
municação/divulgação/reforço do programa e con- Para a gestão do clima temos adotado como
ceitos para a escola, bem como ações de melhoria
Nº 10 • Abril/99

referência o grupamento de necessidades humanas


identificadas por meio do diagnóstico realizado. A definidas por Abraham Maslow: fisiológicas, segu-
seguir apresentamos o conceito dos sensos: rança, sociais (pertencimento), estima (reconheci-
115
115
1º. Senso de Utilização: é o desenvolvimento da mento) e autorrealização (gostar do que faz). Para
consciência para o melhor uso dos recursos (materiais, implementar de forma efetiva a gestão do clima jan/2017
produzindo os resultados esperados (motivação  Identificar as barreiras do ambiente (processos,
e moral), são sugeridas etapas de implementação estrutura, cultura, ambiente, pessoas, liderança,
baseadas no método de gestão. entre outros);
A liderança da escola deverá planejar a periodi-  Identificar os fatores impulsionadores para a
cidade de sua pesquisa, sendo mais comum a pe- mudança;
riodicidade anual, pois permite verificar o alcance  Identificar as fontes de resistências e compla-
da meta de melhoria do clima e sua relação com cências;
os resultados a cada ano letivo. Vale ressaltar que
 Analisar e priorizar os fatores que têm maior
a gestão do clima deve ser permanente.
impacto e que devem ser trabalhados no plano
Planejamento da gestão do clima escolar: para de ação.
melhorar o clima escolar, é necessário levantar a
Capacitação/autonomia dos envolvidos:
situação atual, definir a meta de melhoria e propor
as ações necessárias para o alcance da meta.  Identificar lacunas de competências nas fun-
ções/cargos que serão afetados pela mudança
Acompanhamento dos resultados: esta etapa
– implementação da matriz de competências.
considera a avaliação de resultados ao longo e
ao final do ano letivo, comparando com a meta Definição das estratégias e ações da mudança:
de melhoria, assim como o acompanhamento da  Elaborar plano de ação para trabalhar fatores
execução das ações propostas no plano de ação. restritivos e impulsionadores do ambiente;
Realização de ajustes/padronização das boas  Elaborar plano de comunicação para todas as
práticas: nesta etapa, após o levantamento dos fases da mudança;
resultados, caso seja identificado desvio de re-  Elaborar plano de treinamento para desenvol-
sultado em relação à meta, as causas devem ser vimento das lacunas de competências.
identificadas e ações corretivas definidas. Caso o
Gestão das ações e dos resultados:
resultado seja positivo, as boas práticas devem ser
 Analisar resultados dos indicadores da gestão
padronizadas para entrarem na rotina da escola.
da mudança e realizar o tratamento de possíveis
A gestão da mudança é um processo que visa
Planejamento estratégico

desvios;
reduzir o grau de risco de insucesso de um projeto
ou alguma melhoria que se queira implementar.  Realizar acompanhamento das ações dos pla-
O objetivo é identificar as barreiras do ambiente e nos de ação (comunicação, fatores restritivos e
elaborar estratégias para facilitar a implementação impulsionadores e de treinamento);
da mudança proposta, comprometendo efetiva-  Avaliar percepção dos envolvidos em relação ao
mente as pessoas para obter resultados duradouros desenvolvimento da mudança.
e integrá-los ao sistema de gestão da escola e/ou Institucionalização:
Secretaria da Educação. Etapas importantes para  Reconhecer conquistas parciais e finais obtidas;
a gestão da mudança na escola:
 Definir novos padrões operacionais;
 Diagnóstico da situação atual e definição da
 Elaborar plano de capacitação nos novos pa-
mudança a ser implementada:
drões;
 Definir claramente o tipo de mudança que será
 Definir a sistemática de diagnóstico de cumpri-
implementada;
mento dos padrões (cronograma, instrumentos,
 Definir equipe de implementação da mudança etc.).
(coordenação do processo);
Com uma boa gestão na escola, os resultados
 Preparar a equipe envolvida por meio de Team são medidos, suas causas analisadas, e ações correti-
Building (formação de equipe: atribuições,
Nº 10 • Abril/99

vas tomadas antes que o problema seja consumado.


atitudes esperadas, governança); A gestão da escola utiliza o método para resolver
 Definir os indicadores de mensuração de re- problemas, mas também se serve dele para evitar
116 sultado.
116
que ocorram. Ações preventivas são mais efetivas
jan/2017 Análise dos fatores de impacto na mudança: e custam menos.
Instituto de Co-responsabilidade pela Educação. Modelo de
Gestão: Tecnologia Empresarial Sócioeducacional (TESE): uma
nova escola para a juventude brasileira: escolas de ensino médio
em tempo integral: manual operacional. Recife: ICE, [2007?].
Disponível em: <http://www.ccv.ufc.br/newpage/conc/seduc2010/
seduc_prof/download/Manual_ModeloGestao.pdf
O texto em tela começa esclarecendo ao leitor
Resenha elaborada por sobre a missão primordial da Escola que é ensinar,
Marisa Garcia ou seja, produzir e transmitir conhecimento ao
estudante de modo a prepará-lo para a vida nos
contextos produtivo e pessoal.
O contexto produtivo é a formação do jovem
autônomo e competente e o contexto pessoal é a
formação do jovem solidário.
Assegurar que a escola cumpra sua missão é a
tarefa mais complexa da gestão escolar, pois o ges-
tor tem que lidar com a equipe gestora, composta
por professores, estudantes, pais, comunidade,
sindicato, parceiros, Secretárias de Educação, além
das outras dificuldades advindas dos recursos,
sempre escassos que são postos à disposição da

Planejamento estratégico
escola e sobre os quais nem sempre o gestor tem
autonomia para a aplicação.
Que o gestor tem que ter liderança é sabido
por todos, mas só isso não basta para que a escola
cumpra a sua missão de ensinar. Para atingir este
objetivo se faz necessário pôr a disposição dos
gestores e sua equipe um conjunto de ferramentas
gerenciais que permitam dirigir a escola de for-
ma estruturada. Quais são estas ferramentas? O
texto com base na TEO (Tecnologia Empresarial
Odebrecht) aponta caminhos para a organização
escolar para se obter resultados positivos. A TEO
serviu de matriz para a elaboração da TESE (Tec-
nologia Empresarial Sócioeducacional) que foi
desenhada para levar os conceitos gerenciais para
o ambiente escolar e permitir ao Gestor atingir os
seus objetivos de maneira estruturada e previsível.
Nº 10 • Abril/99

O autor considera esta metodologia explícita


na TESE como a espinha dorsal do processo de
transformação da escola pública brasileira que se
117
117
encontra mal gerida, mal-planejada e com resul-
tados pífios. jan/2017
A TEO (Tecnologia Empresarial Odebrecht) Os princípios fundamentais que norteiam a
foi adequada e denominada TESE pela equipe de implantação da TESE na escola para que ela possa
trabalho e instalou seu primeiro Centro de Ensino atingir seus objetivos e envolver a todos são:
em Tempo Integral em Pernambuco no ano de  Educação de qualidade – é chamado o “negócio
2004 no PROCENTRO – atualmente, Programa da escola”.
de Educação Integral. Essa implantação foi tratada
 Gerar resultados.
como um experimento e no ano seguinte foi im-
plantada no Ensino Experimental Escola Técnica  Satisfação da comunidade pelo desempenho dos
do Agreste, em Bezerros, e as recomendações educandos, educadores e gestores.
presentes no Relatório de Jacques Delors foram  Comunicação é o foco! Sem ela não existe o
agregadas à TESE e a partir de 2006 já somavam negócio.
dezoito Centros e incluída como módulo de estudo Nesta perspectiva dois princípios fundamentais
no processo de formação dos Gestores, consideran- merecem destaque:
do que os Centros de Ensino em Tempo Integral  Quanto às pessoas: Ciclo Virtuoso.
adotam padrões gerenciais à luz da experiência
 Quanto aos negócios: Comunicação, Parceria
empresarial com base nessa tecnologia.
e Confiança.
O objetivo da implantação no PROCENTRO
O que é importante na Escola de Ensino Médio
foi garantir a excelência no Ensino Médio Público.
de Tempo Integral?
Qual o conceito da TESE?
 Comunicação e Parceria.
Teoricamente a TESE trata do “óbvio”, mas na
 Descentralização.
prática envolve conscientização e disposição para
rever paradigmas e assumir uma nova postura  Disciplina.
transformando obstáculos em oportunidades de  Respeito.
aprendizado e de sucesso. Ela é, também, um poten-  Confiança.
te instrumento para o planejamento, gerenciamento  Delegação Planejada – autoconhecimento e o
e avaliação das atividades dos diversos integrantes conhecimento do outro.
Planejamento estratégico

da comunidade escolar, inclusive dos estudantes.


Plano de Ação é um plano estratégico alicerçado
Fora da área empresarial, ela reside na vivência em uma filosofia de gestão humanística. Compõe
dos princípios e conceitos que a norteiam por estas etapas: planejar, executar, verificar, avaliar e agir.
instrumentos de intervenção, da Pedagogia da
Níveis de resultados: sobrevivência, crescimen-
Presença versus Educação pelo Trabalho e pela
to e sustentabilidade.
Delegação Planejada.
Responsabilidade Social – é a manifestação do
Como se estrutura?
compromisso e da responsabilidade com o bem
Sua estruturação está por Módulos: comum, contribuindo para a criação de condições
Módulo I – Modelo conceitual que aborda os que permitam uma vida digna para todos.
princípios e conceitos aplicados à Escola Pública Os Centros de Ensino em Tempo Integral
de Ensino Médio. cumprem com a sua responsabilidade social
Módulo II – Macro planejamento que focaliza quando alcançam a sobrevivência, o crescimento
o Plano de Ação e a perpetuidade e oferecem à comunidade um
Módulo III – A operacionalização propriamen- ensino público de qualidade formando jovens
te dita, abrangendo desde a feitura dos Programas com valores.
de Ação até a elaboração de Relatórios. O Código de Ética também faz parte da es-
truturação dos Centros, pois ele deve refletir o
Nº 10 • Abril/99

Pontos importantes do Módulo I: pensamento e o agir da empresa ou do Centro


A TESE é mais consciência do que um método estabelecendo normas de conduta envolvendo os
118 quatro atores do processo:
118
de Gestão. Adequa-se a cada realidade, não é cópia
jan/2017 de modelo e educa pelo trabalho.  Educando.
 Educadores.  Corresponsabilidade
 Gestor.  Replicabilidade
 Educadores familiares. Objetivos: Os objetivos estabelecem o cenário
 Comunidade e parceiros. ideal. Numa escola de Ensino Médio, mais especifi-
camente no Centro de Ensino em Tempo Integral,
Módulo II: o cenário desejável para o Protagonismo Juvenil
estará vinculado ao término do 3º ano do Ensino
Ciclo de Planejamento
Médio. Todos os objetivos devem ser analisados
O pensar e o agir – é o momento de reflexão, pelos educadores.
de discutir com a equipe a política e as diretrizes do
Prioridades: Estabelecer prioridades significa
Programa dos Centros de Ensino em Tempo Integral.
saber distinguir o que é mais importante, o que
Plano de Ação – é a bússola que norteará a equi- vem primeiro, o que fará a diferença na obtenção
pe na busca dos resultados comuns sob a liderança dos resultados esperados.
do gestor, cuja responsabilidade é coordenar as
Resultados Esperados: Os resultados pre-
diversas atividades, integrar os resultados e educar
vistos ou esperados têm o mesmo significado de
pelo próprio exemplo.
meta.A diferença entre resultado e objetivo, no
Ele deve conter os seguintes itens: caso da escola, é que o último tem um prazo de
 Introdução três anos para ser atingido por completo.
 Valores Sobrevivência: Abrange três aspectos impor-
 Visão de Futuro tantes: produtividade, liquidez e imagem.
 Missão Crescimento: Abrange as seguintes competên-
 Premissas cias: pessoal, social, cognitiva, produtiva (gestão,
 Objetivos educadores e educandos).

 Prioridades Sustentabilidade: O Centro tornar-se-á sus-


tentável quando contribuir significativamente com
 Resultados Esperados

Planejamento estratégico
o avanço da educação e cultura do seu entorno,
 Indicadores envolver-se em projetos de inclusão social e prestar
 Estratégias maior colaboração à formação moral da sociedade
 Macroestrutura em que está inserido.
 Papéis e Responsabilidades Indicadores: devem ser claros, objetivos e
Premissas: As premissas são pontos de partida mensuráveis.
para se chegar a uma conclusão. Se as premissas Estratégias: “A arte de aplicar os meios dis-
são falsas, mesmo que o raciocínio seja correto, a poníveis com vista à consecução de objetivos
conclusão ou resultado tende a ser falso, incorreto, específicos”.
inesperado. Macroestrutura: Não é um organograma ho-
Na elaboração das premissas deve-se observar o rizontal. Abrange os parceiros internos e externos,
protagonismo Juvenil – jovem personagem prin- a comunidade e os investidores representados pelo
cipal de uma atividade ou projeto voltado para a Conselho Gestor que, entre outras atribuições, têm
solução de problemas reais. a responsabilidade de re-ratificar o Plano de Ação.
Formação Continuada: Diante da complexida- Papéis e Responsabilidades: Com a definição
de do papel do professor e da velocidade com que de papéis e responsabilidades, cria-se um ambiente
as inovações acontecem, os professores necessitam colaborativo com menos gargalos para a execução
familiarizar-se com os avanços da tecnologia da de tarefas.
Nº 10 • Abril/99

informação e comunicação, aprender o que ensinar Todos estas etapas já foram aplicadas no Cen-
e como ensinar. tro de Ensino de Tempo Integral de Pernambuco
119
119
 Atitude Empresarial – a escola deve pensar e, segundo o autor, os resultados foram bons e a
como uma empresa. escola, como projeto-piloto, pode ser referência jan/2017
para outras unidades e caminhos para a formação  Enfoque
do Jovem do Ensino Médio.  Posturas
 Alinhamento
Módulo III:
 Diretrizes
A operacionalização
 Resultados Pactuados ou Combinados
Programa de Ação: Gestor e demais educado-
 Organização e Comunicação
res elaboram seus Programas de Ação detalhando
as ações a ser desenvolvidas pelos docentes e não  Orçamento
docentes.  Fatores Críticos X Apoio
O Plano de Ação segue o seguinte roteiro:  Substitutos
 Introdução Execução, acompanhamento e avaliação:
 Definição do Negócio Relatório – deve ser o mais sucinto possível.
 Filosofia para Condução do Negócio Exemplos podem ser visto na escola que esta
 Domínio proposta foi implantada.

ACÚRCIO, Marina Rodrigues Borges (Coord.). A gestão da escola. Porto


Alegre: Artmed, 2003. (Escola em ação, 4) (Introdução, cap. 1 a 3)
INTRODUÇÃO GESTÃO DA ESCOLA
Resenha elaborada por
ROSAMARIA CALAES DE ANDRADE
Cristina Otero
DIRETOR DE ESCOLA: Administrador ou
Doutora em Educação
Planejamento estratégico

gestor
Mestra em História e Filosofia da Educação
As grandes e contínuas transformações sociais,
Licenciada em Pedagogia
científicas e tecnológicas passaram a exigir um
novo modelo de escola e, consequentemente, um
novo perfil de dirigente com formação e conhe-
cimentos específicos para o cargo e a função de
diretor-gestor.
Não se trata apenas de uma questão semântica,
mas uma mudança radical de postura, um novo
enforque de organização, um novo paradigma de
encaminhamento das questões escolares, ancorado
nos princípios de participação, de autonomia, de
autocontrole e de responsabilidade.
Assim como a essência da gestão é fazer a institui-
ção operar com eficiência, a eficácia da gestão depende
em grande parte do exercício efetivo da liderança.
O diretor-gestor imprime em suas ações, espe-
cialmente nas reuniões que coordena, Três carac-
Nº 10 • Abril/99

terísticas que favorecem a obtenção dos resultados


almejados:
120  simplicidade nos procedimentos;
jan/2017 120  objetividade na comunicação;
 transparência nas decisões; comece pelo prioritário, visando ao beneficio
Tudo isso exige a sabedoria de ouvir mais e falar dos alunos.
menos, para ser um bom negociador.
CONCLUSÃO
ENSINO DE QUALIDADE: DIREITO Na complexidade do contexto atual, e muito
DO CIDADÃO difícil para o diretor assumir sozinho a direção
O Artigo 26 da Declaração Universal dos de uma escola. Ele deve ter discernimento para
Direitos do Homem estabelece que todo homem cercar-se de uma equipe competente e com ela es-
tem direito à educação. A instrução elementar será tabelecer um processo de gestão colegiada, pautada
obrigatória, gratuita e acessível a todos. num planejamento estratégico aberto às inovações
Tudo isso será viabilizado pelo desenvolvimento necessárias, com foco no sucesso dos alunos.
das competências que possibilitam a inclusão do Essa equipe, assim como o diretor, precisará
sujeito na sociedade letrada e na era da informação investir continuamente em seu crescimento pessoal
do mundo pós-moderno, como cidadão consciente e profissional para garantir as três competências
de seu compromisso com a coletividade, disposto indispensáveis a um bom profissional hoje:
a lutar por direitos e deveres iguais para todos. competência humana, para trabalhar com
 
É esse conceito de ensino como forma funda- pessoas, sabendo colocar-se no lugar do outro
mental de integração do homem na sociedade que e ter atitudes favoráveis a um bom ambiente
se quer tornar acessível a todos na escola. Para isso, de trabalho.
é preciso rever a dinâmica da escola, de sua gestão  Competência política, para ver a escola, a so-
ao currículo e as práticas pedagógicas, visando a ciedade e o sistema educacional como um todo,
uma escola de qualidade, alegre e democrática. presumindo as implicações de suas decisões para
a escola e para a comunidade.
A ESCOLA EFICAZ
 Competência técnica, para buscar os subsídios
Tudo isso deve estar definido no projeto peda-
necessários à sua função, atento às exigências legais
gógico, que é a chave da gestão escolar, devendo ser
e às inovações científicas e tecnológicas indispen-

Planejamento estratégico
revisto a cada ano e reformulado naquilo que for
sáveis ao bom desempenho da instituição.
necessário. Dessa forma, garante-se a identidade
da instituição e a sua conexão com a realidade da
comunidade a que serve, pois a tradição que não CAPÍTULO I: GESTÃO ESCOLAR:
é renovada morre por si mesma. UM GUIA DO DIRETOR EM DEZ
Para melhor organizar o seu trabalho e a sua LIÇÕES
escola, a direção pode começar agrupando e PEDRO FARIA BORGES
classificando os desafios nas três dimensões que,
LIÇÃO 1: A ESCOLA COMO SISTEMA
entrelaçadas, constituem o espaço escolar:
A direção de uma escola, por menor que esta
1.  Dimensão administrativa e humana.
seja, não é uma função apenas pedagógica. Tanto o
2.  Dimensão sociopolítica e cultural. professor quanto o diretor têm uma função admi-
3.  Dimensão pedagógica. nistrativa muito importante, mas, enquanto aquele
Uma boa estratégia para renovar a escola pode administra a sala de aula, este se responsabiliza
ser a organização de TIMES ou GRUPOS DE pela escola como um todo. O diretor é professor
TRABALHO (GT) temporários, para repensar a de professores, ele cuida de um sistema bem mais
escola, em tarefas determinadas como por exem- complexo, com vários subsistemas –partes inter-
plo: levantar as necessidades de manutenção e -relacionadas que constituem a escola.
atualização do patrimônio escolar.
Nº 10 • Abril/99

Segundo Deming, um sistema é um conjunto


Os próprios grupos poderão encarregar-se de de funções ou atividades que interagem em um
coordenar e de implementar as propostas elabo- organismo em prol do objetivo desse organismo.
121
121
radas, depois de terem sido revistas, aprovadas Há três ideias fundamentais que Deming coloca
e hierarquizadas em plenário, de modo que se em destaque na sua visão do que é um sistema: jan/2017
1. Sem objetivo não se pode dizer que existe um do cargo de diretor; é aquele que não fica preso
sistema. a uma posição, a um título. O cargo de diretor
2. Existe, em quase todos os sistemas, interdepen- lhe cai bem, porque ele pode viver sem ele. Há
dência entre os múltiplos componentes. uma alegria no servir que só os seres superiores
conseguem usufruir.
3. Os componentes de um sistema são necessários,
mas não suficientes por si mesmos para realizar A capacidade de servir é a verdadeira fonte do
o objetivo do sistema, e por isso precisam ser poder.
administrados. A grandeza de uma pessoa é determinada pelo
O primeiro passo de um diretor é definir ou re- equilíbrio entre três fatores:
definir, com bastante precisão, o objetivo da escola. 1. natureza de caráter.
O segundo passo é considerar, em todas as 2. Relacionamento humano.
decisões, a interdependência entre os múltiplos 3. Conhecimento.
componentes do sistema, pois é quase impossível Crosby diz que a integridade do indivíduo de-
mexer com uma peça só. Um diretor que não termina o seu sucesso com antecedência. Os líderes
compreende a interdependência entre os compo- são responsáveis pela ética das instituições, eles
nentes do sistema passa grande parte do seu tempo devem assumir um papel de destaque no desenvol-
apagando incêndios e corre o risco de levar a escola vimento e na defesa de princípios e de valores. Os
ao fracasso. líderes, segundo o grego Tucidides, são conscientes
O terceiro passo é reconhecer que as falhas de de seus deveres e honrados no agir.
um sistema decorrem fundamentalmente das ações E o que é servir? Posso ser um servidor sem
administrativas. perder a autoridade, sem me tornar subservien-
Numa visão mais superficial, pode se afirmar te? Sim é a resposta, mas é mister lembrar que
que quase todo sistema apresenta três componen- o conhecimento sobre o grupo de liderados é
tes principais: que permitirá ao diretor definir acertadamente
1.  parte física – instalações, materiais, equipamen- o ritmo e as prioridades. Nada substitui o co-
Planejamento estratégico

tos que constituem a infraestrutura do sistema. nhecimento da realidade e da cultura de cada


escola, pois não basta o desejo de servir, não
2. Tecnologia – o como fazer – conjunto de
é suficiente a convicção de que o exercício do
procedimentos operacionais, próprio de cada
cargo de diretor é um instrumento de desenvol-
sistema.
vimento do grupo.
Elemento humano – pessoas que operam o
3. 
De modo geral, pode-se dizer que o papel
sistema.
principal de um líder não é o de controlar, mas o
Na melhoria de uma escola, há possibilidade de de liberar energias, o de apoiar e orientar. O líder
duas ações distintas: investimentos na parte física, exerce três papéis fundamentais:
ou investimentos em educação, no desenvolvimen-
1. De projetista.
to das pessoas.
2. De professor.
LIÇÃO 2: A LIDERANÇA COMO SERVIÇO 3. De administrador.
Nas organizações autoritárias, aqueles que O diretor deve ser um bom ouvinte. Precisa
ocupam os cargos mais importantes têm, com escutar as ideias, conhecer as necessidades e ex-
frequência, os demais a seu serviço. Em muitas pectativas de seus professores, funcionários, estar
escolas, ainda hoje, supervisores, coordenadores, sintonizado com as aspirações de seus alunos e,
orientadores educacionais, secretárias escolares para que não se perca no meio da diversidade de
vivem em função do diretor; a serviço dos técni-
Nº 10 • Abril/99

desejos e convicções, o diretor precisa de lucidez,


cos, estão os professores, estes têm como súditos de firmeza nos objetivos e constância de propó-
os alunos. sito. Servir não é fazer o que o outro quer, mas
122
122
Servir não é trabalho de gente pequena, de seres empenhar-se na realização do que é necessário
jan/2017 inferiores. O bom diretor é aquele que não precisa para o bem de todos. O líder é o servidor dos
seus seguidores, pois afasta os obstáculos que os ESTRATÉGIAS:
impedem de executar tarefas.  liderança: ampliar o conceito de liderança,
LIÇÃO 3: A ESCOLA TEM UMA preparando professores, funcionários e alunos
RESPONSABILIDADE SOCIAL para exercerem com eficácia, em suas áreas de
desempenho, a função de líderes.
Assumir a responsabilidade social é um dos
indicadores da qualidade de uma organização.  educação e treinamento: sistematizar o proces-
Assumir consciente e competentemente essas so de educação e treinamento, propiciando: em-
responsabilidades é que é a maior necessidade de basamento teórico para as mudanças; trabalho
nossos dias. em equipe; suporte para a consecução das metas.
A educação, por si mesma, não tem sentido.  g erenciamento da rotina: padronizar os
Educação é meio, e não fim, pois a escola não tra- processos repetitivos e relevantes, permitindo
balha para si mesma. Não há educação sem valores delegação e universalizando a autoinspeção e
morais. O trabalho mais significativo, em nossos o autocontrole.
dias, diz ele, será definir quais são os valores morais  qualidade da aprendizagem: aperfeiçoar o
da educação numa sociedade instruída, educar com processo de ensino e de aprendizagem e atua-
esses valores e estar fortemente comprometido lizar o processo de avaliação, em sintonia com
com eles. as habilidades necessárias no mundo de hoje.
Os alunos aprendem pelo que a escola pratica   comunicação: aprimorar e padronizar os meios
muito mais que pelos sermões em aula. A escola de comunicação existentes e criar outros que
tem que ensinar pelo exemplo. permitam a efetiva comunicação interna e da
A maior responsabilidade social da escola é escola com as famílias e outras instituições da
garantir a formação de pessoas que tenham res- comunidade.
ponsabilidade social. Esta é a sua contribuição  responsabilidade social: buscar por meio de
específica. políticas e ações concretas a justiça social in-
terna e estimular a participação de alunos, de
LIÇÃO 4: AÇÕES DE PLANEJAMENTO professores e de funcionários em programas de

Planejamento estratégico
A capacidade de planejar o seu futuro, definindo cunho social.
as suas metas, organizando sistematicamente os  manutenção e expansão de serviços: identifi-
recursos e os esforços necessários para realizá-las e car as oportunidades de expansão de serviços,
medindo os resultados em confronto com as expec- capitalizando sobre competências, necessidades
tativas é uma estratégia que nenhuma escola pode e espaços.
ignorar ou desprezar, sem correr o risco de perder
o rumo e não ter futuro. A falta de um projeto EVENTOS NA ESCOLA – POR QUE
dificulta e, às vezes até impede o crescimento de REALIZAR EVENTOS?
uma escola. Uma organização sem visão de futuro Celebrar é um verbo que se conjuga em todas as
perde tempo, energia e dinheiro. culturas. Celebrar é uma atividade humana. A cele-
Uma organização precisa deixar claros os se- bração de eventos, além de satisfazer uma necessidade
guintes pontos: Qual é o seu propósito, qual é a humana, oferece a escola oportunidades preciosas.
sua finalidade ou a sua missão, qual a sua visão, os Não é suficiente gastar tempo fazendo eventos;
seus sonhos e quais as estratégias que utilizará para é necessário que também se gastem tempo para
realizar os seus ideais e dar conta de seus propósitos. definir o que fazer. Essa definição deve considerar
Dar rumo à escola é a maior responsabilidade o potencial educativo de cada atividade. Os ganhos
do diretor. Essa responsabilidade pode ser com- educativos é que devem nortear as escolhas, os
demais ganhos devem ser subprodutos.
Nº 10 • Abril/99

partilhada com a equipe. E no nível estratégico


que as questões operacionais ganham signifi- A educação é um processo. Educação é tarefa
cados. Se os planejamentos são feitos de modo de todos os dias. Justamente por isso, toda co-
123
123
participativo, assegura-se a compreensão e o memoração deve ser sempre a culminância de
comprometimento das pessoas. um processo. jan/2017
AVALIAÇÃO – na escola tudo deve servir à O trabalho cooperativo pressupõe integração,
educação. Avaliar uma atividade é avaliar o grau comunicação, responsabilidade mútua, consi-
de conformidade da atividade com a proposta deração por aquele que está ao seu lado, que se
educativa da escola. Em si mesma, nenhuma comprometeu com você e com quem você se com-
comemoração tem significado relevante para o prometeu. A cooperação não ocorre naturalmente,
processo educacional. Não há aprimoramento é um comportamento aprendido.
se não temos o hábito de refletir sobre as nossas O trabalho cooperativo, em todos os níveis,
ações. Esse processo também deve ser feito após não é uma opção, mas uma exigência dos novos
a realização de um evento. modelos de ensino e aprendizagem. Talvez seja
LIÇÃO 5: TRABALHO COOPERATIVO esta mudança a mais urgente a acontecer em
nossas escolas: criar cooperação entre o ensino e
A educação formal não é tarefa para indivíduos,
a aprendizagem.
mas para equipes. Isoladamente, ainda que haja
competência e comprometimento, os resultados Aprender e ensinar são processo. Não são re-
do trabalho educacional são quase sempre insig- alidades estáticas, mas dinâmicas, não permitem
nificantes. papéis pré-determinados e únicos.
Cuidar do crescimento das pessoas é um dos ca- Pensar que a escola é o lugar aonde as crianças
minhos mais efetivos para a formação de uma equipe. vão para aprender e os adultos para ensinar é estar
ultrapassado. Tal visão leva a crença de que alunos
É necessário que os talentos se UNAM em tor-
nada tem a ensinar, e de que professores nada têm
no de um objetivo comum, é preciso que tenham
a aprender.
uma visão compartilhada.
Uma escola em que o aluno pudesse, além de
Um grande desafio para a liderança de uma
aprender, ensinar e o professor, além de ensinar,
escola é conseguir o comprometimento das pes-
aprender, faria uma revolução.
soas em relação aos objetivos. A relação de uma
pessoa com o trabalho que executa, ou melhor, LIÇÃO 6: EDUCAÇÃO E TREINAMENTO
com a instituição em que trabalha pode acontecer A educação amplia a percepção e a compre-
Planejamento estratégico

em quatro níveis: ensão que as pessoas têm em relação ao trabalho


1. apatia; que fazem; a educação lhes ensina o porquê. O
2. obediência; treinamento aumenta as habilidades e a compe-
3. participação; tência e ensina aos trabalhadores o como de um
trabalho. O treinamento melhora o que a pessoa
4. comprometimento.
faz; a educação melhora a própria pessoa.
Na maioria das escolas, o envolvimento de
Nenhuma instituição dá conta do seu propó-
professores, de funcionários, de alunos não vai
sito sem um processo sistemático de educação e
além da participação, porque não há um objetivo
treinamento.
comum, uma visão compartilhada.
Mais do que eficiente ou eficaz, a educação
O desempenho de uma equipe depende da
precisa ser efetiva para que dê conta das necessi-
competência individual de seus membros e da
dades presentes. A educação pautada na técnica,
capacidade de trabalhar bem em conjunto. Sen-
preocupada em acertar, em seguir fielmente as
timento de equipe não pode ser confundido com
orientações pediátricas e pedagógicas, eficiente,
sentimento de amizade.
não dá conta das necessidades do mundo con-
O trabalho cooperativo tem uma importância temporâneo. Precisa-se de uma educação efetiva:
muito grande na rotina de uma escola, porque educação centrada na autorrealização da pessoa,
satisfaz três necessidades básicas: processo que ajude a manifestação das potencia-
Nº 10 • Abril/99

1.  cumprimento da missão; lidades individuais. Trata-se de formar pessoas


2.  realização e proteção; competentes, íntegras e socialmente responsáveis.
124
124
3. crescimento pessoal, profissional e como mem- Como educadores, gastamos grande parte do
jan/2017 bro de equipe. tempo em busca de conhecimentos. Muito pouco
do esforço é gasto no aprimoramento de habili- necessários, para garantir a sua realização e para
dades de convivência, de comunicação; cuida-se incluir-se nele.
pouco do crescimento pessoal. Um bom professor
(competência técnica + competência pessoal) tem LIÇÃO 7: COMUNICAÇÃO
influência na escolha de carreiras, na postura diante Parece-me que uma das regras básicas da boa co-
da vida, no comprometimento com as ideias, no municação é dizer ao outro, com clareza, objetividade
exercício da cidadania. e gentileza, o que se espera, o que se quer dele. Um
Os professores que têm realizado trabalhos no- diretor não tem o direito de exigir que professores,
táveis, extremamente importantes para seus alunos, funcionários, famílias adivinhem o que ele quer. O
estão comprometidos com a vida, acreditam no diretor tem na comunicação da filosofia, da crença,
que fazem, têm uma proposta educacional, são dos valores, dos objetivos da escola, para todos os
criativos, pensam, propõem, falam com as pessoas segmentos, e no zelo pela sua compreensão uma de
certas, têm crença na vida, no ser humano. É bom suas funções mais importantes.
viver ao lado deles. São presentes. Constroem o Outra regra? A boa comunicação requer cre-
futuro, mas sabem que não podem estar aquém dibilidade. O diretor precisa fazer o que diz; é
nem além, tem de ser homens de seu tempo. preciso que haja coerência entre suas palavras e
Um programa de educação e treinamento deve suas ações. Para que isto aconteça, dois fatores
ser capaz de: são importantes:
 Criar possibilidades de aprimoramento contí- 1. firme convicção quanto aos valores; e
nuo nos níveis pessoal e profissional. 2. integridade. Sem integridade, não há confian-
 Propiciar às pessoas satisfação no trabalho e ça. A boa comunicação cria laços, energiza as
contribuir para o enriquecimento de suas vidas. pessoas, ela reforça a confiança.
 Permitir delegação e universalizar o autocon- Clareza e objetividade são outros traços da boa
trole e a autoinspeção. comunicação e há uma estreita relação entre essas
características.
 Contribuir para a unidade da equipe, criando
UM É SEMPRE MELHOR. UM LOCAL,

Planejamento estratégico
sinergia e melhorando os resultados.
 Dar sustentação ao trabalho de realização dos UM DIA DA SEMANA, UM HORÁRIO. As
objetivos da escola. reuniões de rotina devem ser realizadas sempre
num mesmo local, num mesmo dia da semana ou
 Propiciar embasamento teórico para as mudan-
do mês e num mesmo horário.
ças necessárias nos processos de aprendizagem
e de ensino.
RELAÇÕES
 Sistematizar o processo de educação e treina-
mento na escola, tornando-o relevante e efetivo LIÇÃO 8: A ALIANÇA
para as pessoas e para a instituição. COM O PROFESSOR
As escolas que querem ser reconhecidas como Qualquer realização, numa escola, depende da
referência para as demais, pela excelência do seu contribuição das pessoas; na maioria das vezes,
trabalho educacional, precisam ter um processo depende da participação do professor.
sistemático de educação e treinamento, precisam O conhecimento é a moeda mais importante
abrir espaço para que seus professores e funcioná- da atualidade, e o educador é o banqueiro dessa
rios possam conversar, possam aprender em grupo. moeda.
Não se pode esperar que haja aprendizado É preciso assegurar qualidade de vida ao profes-
em grupo, se os participantes de uma equipe sor, e isto tem a ver com salário digno, ambiente
não conhecem nem mesmo as técnicas dos
Nº 10 • Abril/99

de trabalho apropriado, plano de saúde, plano de


dois tipos básicos de discurso: DIÁLOGO e carreira e salários, complementação da aposenta-
DISCUSSÃO. doria, liberdade de associação, respeito aos acordos
125
125
O diretor precisa acreditar no processo de intersindicais, processo sistemático de educação e de
educação e treinamento para alocar os recursos treinamento, tempo de lazer, segurança no trabalho. jan/2017
Não há dúvida de que o professor é a peça- O diretor deve gastar parte de seu tempo para
-chave do processo educacional e de que seus aprimorar a relação família/escola.
sonhos e suas expectativas influenciam muito a A escola que chega para as famílias é a que os
vida de crianças e adolescentes. alunos levam para casa, e essa escola, quase sempre,
Se quiser que a educação seja mesmo um ponto é a que os professores levaram para a sala de aula.
de alavancagem para o desenvolvimento deste país, É importante compreender que a relação com as
está na hora de se cuidar, com mais seriedade, do famílias se dá por meio de várias pessoas: alunos,
bem-estar e da satisfação dos professores. E se os funcionários, professores e técnicos educacionais.
professores quiserem realmente contribuir para a É preciso educá-los para essa relação. Em todos os
construção de um país produtivo, um país com lugares, em todos os momentos, a escola, por meio
ordem social de convivência democrática, é neces- das pessoas que nela trabalham e dos instrumentos
sário que sonhem, que tenham altas expectativas de que se utiliza, está sendo vista e avaliada.
em relação a seus alunos, que os desafiem e que
despertem neles a força da aspiração. LIÇÃO 10: A SINTONIA COM A REALIDADE
São muitas as semelhanças entre as instituições
LIÇÃO 9: A PARCERIA COM A FAMÍLIA educacionais, mas existem características que são
A relação família/escola tem sido, na maioria próprias de cada uma delas, o diretor é sempre
das vezes, uma fonte de desgastes para as duas diretor de uma escola específica, num momento
instituições. Tem sido uma relação marcada quase específico da história dessa escola.
sempre pela desconfiança, pelo medo, pelo auto-
Uma escola passa por estágios em seu desenvolvi-
ritarismo…
mento. Há diferenças entre dirigir uma escola na sua
O que acontece em nossos dias, no entanto, é fase de implantação e dirigi-la daí a dez anos, quando
que a sociedade tem se tornado mais aberta hoje premissas, valores e princípios estão sendo, ou já fo-
e as relações forçosamente vem-se tornando mais ram construídos pela instituição. Há momentos em
democráticas. que se depende muito da energia, da forte convicção
Esta nova realidade requer um novo diretor, pessoal do diretor para que a escola supere obstáculos,
Planejamento estratégico

transformado. A sua autoridade decorre não do enfrente com sucesso as dificuldades, os problemas
cargo que ocupa ou da função que exerce, mas de do dia a dia. O diretor, neste momento, deve ter as
sua postura pessoal. Quanto menor o poder de características de um empresário: criar esperança e
coação das instituições, maior deve ser o poder gerar estímulo no grupo.
pessoal daqueles que as representam. Cada etapa de desenvolvimento de uma escola
A escola hoje tem necessidade de falar menos tem exigências específicas, e o bom diretor em uma
e ouvir mais. Precisa ser menos presunçosa, mais fase pode ser o diretor incompetente de uma outra.
humilde, aprender também, e não apenas ensinar. O diretor é o maior responsável pelos resulta-
Democratizar as relações e o caminho. dos da escola. Ele deve ter olhos para o todo da
Os ambientes democráticos favorecem (não instituição; não pode estar o tempo todo olhan-
garantem) a unidade, pois consideram-se as con- do para o próprio umbigo. Ele deve conhecer as
tribuições singulares, trabalham-se os conflitos, características dos seus subordinados e ter lucidez
valoriza-se a participação, busca-se o consenso. para definir as prioridades.
Na parceria se estabelece uma relação entre Os resultados de uma organização são obtidos
iguais, entre pares. Havendo subordinação, sub- por meio de processos executados por pessoas.
missão, é impossível falar de parceria. A palavra processo é a chave para a mudança.
A experiência mostra que as escolas que estão O processo de mudança é complexo. O conheci-
Nº 10 • Abril/99

melhorando são aquelas em que há uma partici- mento, apesar de necessário, não é suficiente para
pação efetiva dos pais, apoiando, cobrando nas mudar uma pessoa. Na escola, as mudanças mais
horas certas e de maneira competente, assumindo significativas são sempre aquelas que decorrem da
126
126
responsabilidades e reconhecendo e aplaudindo mudança de pensar das pessoas, principalmente
jan/2017 os acertos. dos professores.
As dificuldades existem, e ignorá-las é dificultar plenitude como pessoa, propuseram e delinearam
ainda mais qualquer processo de mudança. Um quatro pilares do conhecimento que devem orien-
líder precisa ser construtivo, paciente, buscar a tar a educação do presente, são eles:
participação de todos, evitar surpresas, trabalhar I. Aprender a ser
com as lideranças informais, estabelecer nexos en- II. Aprender a aprender (ou conhecer)
tre o que está sendo feito e o que deverá ser feito
III. Aprender a fazer
e tratar as pessoas com dignidade.
IV. Aprender a conviver
O diretor é responsável por indicar por quê,
onde, quando e como as energias devem ser gastas. Os profissionais da escola, de modo geral, já
Em muitas escolas, há desperdício de recursos e conhecem esses pilares da educação. Agora as dis-
gastos desnecessários de energia, porque não existe cussões e a prática devem conduzir a sua inserção
foco para as ações. e ao seu dimensionamento na sala de aula, no dia
a dia da escola, associando-o às Diretrizes e aos
As metas da escola, a sua situação específica no
Parâmetros Curriculares.
momento e a disponibilidade de recurso são os
parâmetros para a definição de prioridades. APRENDER A SER
Ser como? Ser feliz, ser sensível, ser cidadão,
CAPÍTULO II: LEI DE DIRETRIZES E ser sonhadora, ser completo…
BASES NO COTIDIANO ESCOLAR É angustiante observar como as escolas de edu-
ALBERTINA MARIA ROCHA SALAZAR cação básica, de modo geral, ignoram totalmente
Este trabalho nasceu da sistematização, da refle- as diferenças entre os alunos. E o aluno não é
xão e da organização de atividades desenvolvidas identificado, não é visto, não é conhecido.
ao longo dos últimos anos em escolas públicas e Na LDB, art. 26, ao tratar das propostas cur-
privadas, em Secretarias Municipais de Educação, riculares dos ensino fundamental e médio, ficou
em debates e análises sobre a educação brasileira definido que elas devem te uma Base Nacional
e a lei que estabeleceu suas diretrizes e bases em Comum, complementada pelos sistemas de ensi-
1996, a Lei Federal nº 9394/96. no e, por uma parte diversificada, para cobrir as

Planejamento estratégico
características regionais e locais, da sociedade, da
DIRETRIZES, PARÂMETROS E PILARES DA cultura, da economia e da clientela. Posteriormen-
EDUCAÇÃO: OPERACIONALIZADOS NAS te, nos pareceres delimitados das Diretrizes Cur-
SALAS DE AULA riculares Nacionais (DCN), o Conselho Nacional
A LDB contém normas gerais, de âmbito nacio- de Educação explicitou que a parte diversificada
nal, revestindo-se de características de flexibilidade poderia ter até 25% da carga horária anual ou total,
e garantindo aos sistemas de ensino espaço para de cada período letivo, 200 horas anuais ou 600
exercitarem a sua autonomia como sistemas. Essa au- horas pelo curso ou grau.
tonomia também garante às escolas ampla liberdade Aí está a grande oportunidade de proporcionar
para definirem seus projetos político-pedagógicos. aos jovens e crianças ocasiões de descoberta, de
As mudanças dependem muito mais da von- identificação, de experimentação e do atendimento
tade, do querer e do agir do educador, do que da aos seus dons especiais.
força da Lei, mesmo sendo de Diretrizes e Bases. O limiar deste novo século indica claramente
O sentido da educação não se altera por decreto. que a sociedade precisará e muito da diversidade
A retomada diária, com os educadores, do teor dos de talentos e de personalidades. Portanto, não dá
documentos da Unesco, dos quais o Brasil é signatá- mais para a escola fingir que essa tarefa não é sua e
rio, definidos nas últimas décadas, sobre a educação de que os alunos são iguais quando uniformizados.
para o século XXI, ajuda, sem dúvida, todos os en-
Nº 10 • Abril/99

O aprender a ser deve ser objeto de abordagem,


volvidos com o processo educativo a compreenderem de forma equilibrada, pela equipe, na base comum
como deve ser a educação que preparará os cidadãos e na parte diversificada, em todos os projetos, de
para enfrentar os desafios do terceiro milênio. 127
127
modo que os alunos possam se sentir felizes e
Considerando-se todo e qualquer aluno em sua plenamente atendidos. jan/2017
APRENDER A CONHECER projetos comuns. A descoberta do outro passa
Não se trata de um processo teórico; é impor- pela descoberta de si mesmo, dando espaço para
tante que o constante aprender a aprender ou a compreender os outros e aprender a colocar-se no
conhecer sejam processos dinâmicos e reais, em lugar do outro.
que o aluno perceba, na sua escola e nos seus pro- E como ficam as DCN? Que relação elas tem
fessores, um modelo real de aprender a conhecer, com o aprender a conviver?
no qual todos busquem a atualização, o domínio Na educação infantil, os projetos devem ensi-
da linguagem e da tecnologia própria de sua área nar as crianças a conviver consigo mesmas, com
e de outras integradas. os demais e o próprio ambiente, de maneira arti-
APRENDER A FAZER culada e gradual e a partir de ações estruturadas,
espontâneas e livres, e interação entre as áreas do
É o compromisso da escola formar pessoas
conhecimento e os aspectos da vida cidadã que
dotadas da capacidade de pensar, de inovar, de
levem à formação de conhecimentos e valores.
criar, de interferir e de raciocinar. Capacidades exi-
gidas, hoje, para a execução de tarefas de produto No ensino fundamental, os projetos devem
cada vez mais intelectualizadas e mentais. Aonde conter atividades que estabeleçam estreita relação
aprender a atuar em equipe, a comunicar-se, a entre as escolas e a comunidade local e regional,
ter iniciativa e a resolver problemas? O local para em que direitos e deveres de cidadania reflitam
essas aprendizagens é, sem dúvida, a escola de relações com o ambiente, a ciência, a tecnologia,
educação básica. o trabalho, a cultura e as transformações sociais
que se entrelaçam com a VIDA CIDADÃ, pela
Cada vez mais são exigidos dos profissionais o
uso e a aplicação de conhecimentos e de habilida- abordagem de temas transversais.
des, como a capacidade de ação e de interação entre No ensino médio, os projetos devem conduzir a
pessoas e equipes, de comunicação, de resolução de percepção dos direitos humanos, direitos e deveres
problemas. Essa é a constituição e a competência do cidadão, respeito ao bem comum, responsabili-
da escola regular. dade no âmbito do público e do privado, próprios
de uma Política da Igualdade.
Planejamento estratégico

A formação integral não se destina apenas ao


trabalho. A qualificação é muito mais social do que O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DAS
profissional, é um aprender a fazer para a vida, para ESCOLAS: A RETOMADA DA PRÁTICA
si mesmo, para ser mais completo, mais feliz, como DO PLANEJAR NUM PROCESSO DE
quem se sente seguro ao usar suas competências. GESTÃO PARTICIPATIVA
Os conhecimentos e habilidades ligados ao saber A escola e a sua equipe devem retomar o plane-
fazer se juntam ao saber ser para preencher as exigên- jamento porque a LDB estabeleceu essa exigência?
cias requeridas para o exercício das tarefas complexas,
É um processo em que não cabem regras, nem
mais intelectuais, mentais, próprias de funções técni-
receitas. A questão transcende o aspecto legal e o
cas, junto as que se referem ao trabalho em equipe,
projeto em si, para visar ao processo de mudança
capacidade de iniciativa e de sensibilidade.
da escola. São momentos distintos. Inicialmente,
Compete à escola perceber-se responsável por é necessário que professores e a equipe percebam e
essa formação, em um trabalho que harmonize as sintam a importância de se ter uma escola capaz de
duas partes integrantes do currículo de ensino fun- intervir na realidade, e depois que o planejamento
damental e médio – a base nacional comum e a parte concebido e elaborado na forma correta represente
diversificada –, a efetivação do aprender a aprender, do uma mediação para essa mudança.
aprender a fazer, do aprender a conviver, do aprender
O primeiro passo é, sem dúvida, a etapa pela
a conhecer, cumprindo, assim, as DCN.
qual, em decorrência da sensibilização, o educador
Nº 10 • Abril/99

APRENDER A CONVIVER conclui pela necessidade do planejamento e se inclui


Para interferir no processo e trabalhar o apren- como parte dessa intervenção na atual estrutura.
128
128
der a conviver, a escola deve conduzir a descoberta A sensibilização é um conjunto de atividades cuja
jan/2017 do outro e depois à participação e à realização de execução possibilita ao profissional rever e estudar os
fundamentos teórico-metodológicos que dão susten- 3.2 Objetivos – da instituição, de cada nível
tação à sua prática, reconfigurar o papel da escola, e e curso ministrado que expressam o que
nela, o do educador. Dessa forma, os profissionais se escola fará para cumprir as metas preten-
transformam, se percebem agentes da mudança e ao didas, definindo a estrutura curricular.
mesmo tempo que se restaura o processo de planejar. 3.3 Ações – é a etapa em que se programa
O projeto, como um plano, obedece a alguns a execução de tudo o que foi planejado,
princípios e deve conter itens, ordenados e in- especificando-se as atribuições e os envol-
terligados, seguindo um roteiro metodológico, vidos conforme o esquema a seguir:
constituído de cinco partes. (Vasconcellos, Celso; Metas – ações/atividades – responsável –
Planejamento, 1995.) cronograma de execução
Justificativa – é a parte que abre o projeto.
1.  4.  Avaliação- será uma avaliação permanente
Contextualiza e descreve a instituição- a sua que combina dois momentos indissociáveis:
história, a sua trajetória, as questões proble- produtos e processos.
matizadoras e a sua realidade.
4.1 M etodologia de avaliação do projeto:
Contexto Referencial – deve-se dar a solução
2.  reuniões, supervisão direta do grupo,
para os problemas levantados. Nessa etapa entrevistas, avaliação do resultado de cada
expressa-se o sentido do trabalho, a força que atividade, análise de resultados escola-
move a instituição nas suas buscas. São três os res de alunos e de suas turmas, análise e
subtópicos dessa parte, explicitados a seguir: acompanhamento de situações ligadas ao
2.1 Contexto Situacional – inclui o diagnósti- desempenho de alunos, aos resultados de
co, como o momento em que a instituição avaliações, à melhoria de relações inter-
e os seus agentes são determinados, a partir pessoais de alunos com professores, alunos
de dados sistemáticos, e retirados da reali- com alunos.
dade que lhes dá o pano de fundo. Conclusão--- é importante ressaltar que o fato
5. 
2.2 Contexto Doutrinal – é expresso o ideal de se ter um projeto na escola por si só não ga-
de homem, de cidadão, de educação e de rante a caminhada rumo as mudanças. É preciso

Planejamento estratégico
sociedade que se busca. Definidas essas que o grupo assuma o projeto como seu.
crenças, têm-se o perfil institucional,
explicitam-se a visão e o seu compromisso. ROMPENDO RESISTÊNCIAS: TODA A
ESCOLA COMO OBJETO DE ANÁLISE E
2.3 Contexto Operacional – é a parte que
DE AVALIAÇÃO
representa a tomada de posições, com o
desencadear do processo de operacionali- A avaliação é o tema mais abordado pelos edu-
zação sempre seguido de reflexão. Deve-se cadores nas últimas décadas. Muito questionada
prever metodologia de trabalho com ação por pais, professores, alunos e educadores, ela
individual, grupo com cinco a sete elemen- permanece reforçada pelos próprios envolvidos. A
tos e plenário. avaliação classificatória é tida como a forma de se
obter e de garantir um ensino de qualidade. Apesar
3.  Programação – é a etapa que encerra o conjun-
de se reconhecerem os aspectos criticados, a escola
to de ações a serem executadas para diminuir
mantém o processo classificatório, por temer que
a distância entre o que foi diagnosticado e a
as famílias retirem os seus filhos, levando-os para
realidade pretendida.
instituições conservadoras e que apertam, vistas
3.1 Metas – as metas são traçadas e consti- como as que são competentes e que educam, que
tuem o resultado mais relevante que se promovem no vestibular.
espera alcançar.
PAIS, FAMÍLIAS, ESCOLA… E O PROCES-
Nº 10 • Abril/99

-  Corpo docente
SO DE AVALIAÇÃO
-  Corpo discente
Conteúdos novos, programas e métodos de
- Pais 129
129
ensinar, de alfabetização, ou teorias diferenciadas
- Comunidade ligadas ao construtivismo, confundem e assustam jan/2017
os pais. Contudo, o processo de avaliar é fami- em que se delimitam, de antemão, as competên-
liar, é conhecido e os deixa tranquilos, pois a sua cias que serão alcançadas a partir dos conteúdos
dinâmica ainda é a mesma dos últimos 20 anos, abordados no contexto de projetos.
em que na sua época era assim, quando eles ainda A avaliação formativa das competências fornece
eram alunos. à escola dados mais precisos sobre o que os alu-
Aos pais parece justo e válido o processo de sele- nos realmente sabem fazer, o que leva também a
ção e de classificação que a avaliação traz embutido, identificar os professores mais e menos eficientes.
uma vez que a vida, no século XXI, é cada vez mais Dentro dessa nova proposta, o aluno vivencia
competitiva e o mercado de trabalho mais e mais uma nova forma de aprender e de trabalhar. Na
seletivo, reservando espaço apenas para os bons. avaliação formativa, o aluno vai percebendo que
Assim, ao afastar-se do processo clássico e acei- o objetivo da análise efetuada é promover a sua
to: dia de prova, um aluno atrás do outro, turmas aprendizagem, inclusive mudando as estratégias e
separadas, aulas suspensas, semana de prova… as os meios. Daí ele poderá dizer que não sabe, pois
famílias se assustam. os professores buscarão corrigir as deficiências.
Junto com os demais temas, a avaliação será ob- Os trabalhos desde que sejam discutidos e
jeto de discussões temáticas, como parte das metas analisado em conjunto por alunos e professores,
a serem implementadas durante todo o tempo, nos são os melhores instrumentos para avaliar o de-
trabalhos, com os eixos básicos do projeto: pais, senvolvimento e a aprendizagem.
comunidade, equipe e alunos. Essas atividades devolvem ao professor a tarefa
de planejar, de fazer prospecções, de definir aonde
A SALA DE AULA, A AVALIACAO quer chegar, de estabelecer uma prática de ensi-
INDIVIDUALIZADA E FORMATIVA, nar e de avaliar, levando em conta as diferenças,
AS NOTAS respeitando-as e tratando-as como um estágio de
A avaliação é considerada formativa quando há desenvolvimento.
uma visão individualizada, quando ajuda o aluno a
aprender e a se desenvolver, quando há regulação e A AVALIAÇÃO NA LDB – DA AVALIAÇÃO
TRADICIONAL A UMA PRÁTICA DE
Planejamento estratégico

controle das aprendizagens e seus processos. Ela só


funciona se promover a regulação individualizada AVALIAÇÃO COMPARTILHADA,
das aprendizagens. INTERNA, DO DESEMPENHO DE CADA
Ao se retomar o objetivo da avaliação, lem-
UM, DA EQUIPE, DA ESCOLA E DO
brando-se de que ela representa um meio de se
PROJETO
verificar se cada aluno adquiriu os conhecimentos A INTRODUÇÃO DA AVALIAÇÃO EXTERNA
e as competências pretendidas, ela só se justifica se Um dos temas mais significativos da LDB é,
tiver seus resultados usados pela escola para pro- sem dúvida, o que se refere à avaliação.
mover a aprendizagem, respeitadas as diferenças
É inquestionável que a União, pelo Ministério
individuais. Portanto, a avaliação formativa, que
da Educação, se investiu de poderes sobre a edu-
busca a promoção da aprendizagem, deverá ser
cação básica – fundamental e média – e a superior,
também diagnóstica e prognóstica.
controlando e executando o processo avaliativo do
Caso a caso, uma medida diferenciada para rendimento escolar em todos os níveis.
sanar e corrigir as dificuldades percebidas deverá
Está controlando o rendimento escolar dos
ser desencadeada pelo professor, como a de realizar
alunos, dos cursos e das escolas, como agente ex-
outras atividades, mudar o seu planejamento.
terno, por meio do monitoramento de indicadores
A AVALIAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS de desempenho.
E DAS HABILIDADES: MUDANÇAS DE A avaliação externa surge como um instrumen-
Nº 10 • Abril/99

RUMO E DE PAPÉIS DO ALUNO E DO to de política pública, mas pode ser compartilhada


PROFESSOR por todos e ainda se tornar cooperativa.
130
130
A busca por uma avaliação formativa e media- Avaliar significa medir a grandeza de algo por
jan/2017 dora é desenvolvida no corpo de uma pedagogia meio de um critério previamente estabelecido e im-
plica, por sua vez, atitudes de não-indiferenciação Códigos e linguagens e suas tecnologias.
 
diante dos fatos e resultados apurados. Ciências, matemática e suas tecnologias.
 
As mudanças que precisam ser efetuadas pas- Ciências sociais e suas tecnologias, fazendo
 
sam, efetivamente, por revisões de posturas que, parte do processo de transformação de toda
se implantadas, se refletirão nesses resultados. a etapa da terminalidade da educação básica.
CICLOS DE AVALIAÇÃO: UMA Tomando como referência o previsto no art.36
TEMATICA A DISCUTIR da LDB e nas DCN, o Ministério da Educação
vem praticando um novo modelo de avaliação
O entendimento comum é de que não-reprovar
externa. Nele se analisa o papel das escolas diante
o aluno significa não-avaliar e por decorrência não-
dos resultados obtidos pelos alunos concluintes
-ensinar. As propostas dos professores/educadores,
do ensino médio.
ao defenderem o regime seriado e se oporem ao
ciclos, conduzem à conclusão de que para eles se O ENEM é um exame em que se avalia, em 63
avalia para reprovar/aprovar o aluno e não para questões, as competências, previamente definidas,
se identificar o que ele sabe, como sabe e para se dando ao aluno informações a respeito de como
tomarem as medidas para se conduzir à aprendi- ele usa e aplica os conhecimentos, adquiridos ao
zagem desejada. longo de toda a educação básica, para a solução de
problemas, como associa os conteúdos ao seu coti-
É um processo que se configura no esquema:
diano, como usa e emprega sua capacidade de ler,
Reflexão ------ação ------ Reflexão de interpretar, de raciocinar e de produzir textos.
Na organização em ciclos, não se abre mão do Este é, sem dúvida, um modelo de avaliação,
ensinar e do avaliar, assim como se tem em vista organizado a partir do produto previsto para o final
que se avalia, na avaliação formativa, para se pro- do curso, tendo como pressuposto a capacidade
mover a correção de possíveis falhas. Ao se verifi- dos alunos.
car que um ou alguns alunos não constituíram as
competências desejadas, desencadeia-se o processo AVALIAÇÃO PARTICIPATIVA DA
de recuperação e de retomada dos objetivos. ESCOLA, DO PROJETO POLÍTICO E DO

Planejamento estratégico
DESEMPENHO DA EQUIPE
NO ENSINO MÉDIO – MUDANÇAS DE Para os educadores, há uma necessidade que é
CONCEPÇÃO, DE ESTRUTURA E DE um desafio: implantar modelos de avaliação que
AVALIAÇÃO incluam os professores, a escola e o seu projeto,
No contexto da LDB, na busca de se oferecer introduzindo-se a participação coletiva dos envol-
aos jovens um ensino mais adequado ao mundo vidos, não só na discussão e na implementação,
do trabalho, é no ensino médio, última etapa da mas também, e principalmente, na avaliação do
educação básica, que são registradas as mais sig- trabalho contextualizado no projeto da escola.
nificativas mudanças de concepção. Um dos princípios básicos da avaliação é o da
O que se busca é um ensino médio bem dife- não- indiferença e sim o da inclusão no processo.
rente do que se tem visto ao longo das últimas Nesse sentido, os professores entenderão que a
décadas, definido pelo vestibular, até então a única avaliação só se reveste de valor se for usada para
e obrigatória forma de ingresso no nível superior. interferir na realidade, na busca dos resultados
A base dessa nova concepção é ter uma diversifi- desejados e definidos no projeto pedagógico da
cação no processo, para chegar a resultados comuns, escola do qual todos participam, sentindo-se res-
constituídos por um conjunto de conhecimentos, ponsáveis pelos resultados.
manifestos sob a forma de competências e habilidades, No projeto político-pedagógico também deve
indispensáveis, necessárias e minímas para todos os estar previamente decidido o que se espera da
Nº 10 • Abril/99

jovens que terminam a Educação Básica. equipe e do professor, propiciando o desencadear


A delimitação das DCN para o ensino médio do processo de avaliação de toda a equipe.
131
131
ocorreu no Parecer CNE nº 15/98, com a fixação Quanto à escola e ao seu projeto pedagógico,
das áreas do conhecimento: busca-se a avaliação contínua da atividade, de cada jan/2017
atividade interdisciplinar, de cada meta, fazendo-se propostas na educação brasileira são mais signifi-
diagnósticos permanentes. cativas. Essas mudanças são a coluna mestra do
processo proposto e consubstanciado na LDB.
NOVO MODELO DE AVALIAÇÃO-
O maior problema não reside somente na quan-
O PROVÃO
tidade, mas também, principalmente, na falta de
A prática de avaliar os cursos e as escolas de identidade e de finalidade do ensino. Espremido
educação superior, a partir do desempenho dos entre o ensino fundamental e o superior, está o
concluintes de cursos e de critérios ligados a titu- ensino médio e propedêutico, sem objetivos pró-
lação dos professores, dos equipamentos e recursos prios, totalmente compromissado com a prepara-
didáticos e do projeto pedagógico da instituição, ção para o vestibular, que, até então, era o único
tem evidenciado situações significativas e bem dife- processo de ingresso na universidade.
rentes daquelas registradas nos primeiros provões,
Em síntese, promover a inserção dos jovens no
como ficou conhecida a sistemática de avaliação
mundo, como cidadãos críticos e compromissados
externa exercida pela União.
com as questões sociais, aptos a formular e a ter
E a LDB, o que fixa sobre a avaliação do aluno? um projeto pessoal e preparados para o ingresso
No art. 24, em capítulo dedicado à educação no mundo do trabalho, seja na educação profis-
básica, o inciso V estabelece os critérios para a sional, seja em cursos superiores – eis aí o papel
verificação do rendimento escolar do aluno: do ensino médio.
o desempenho do aluno será contínua e cumu-
  As perguntas que sempre são formuladas em
lativamente avaliado, com prevalência de as- meio aos debates são:
pectos qualitativos, sobre os resultados obtidos Qual é a finalidade da escola: promover a aqui-
ao longo do período e sobre os de eventuais sição de conhecimentos ou o desenvolvimento
provas finais. de competências? Conhecimentos se opõem a
A avaliação contínua e cumulativa do desempe- competências?
nho do aluno remete à escola estar sempre presente As duas funções não se opõem. A aquisição de
no processo da prática avaliativa, de forma media- conhecimentos, decorrente da participação ativa
Planejamento estratégico

dora, com a intervenção do professor na busca da do aluno que teve a oportunidade de agir sobre o
aprendizagem. Cumulativa é usada no sentido de objeto da informação revestida de sentido, garante-
se registrar sempre a observação do desempenho -lhe o interesse e a afetividade e constituir-se-á em
do aluno, os seus avanços, a sua caminhada e as competências que se manifestam em habilidades,
suas dificuldades, e não o acúmulo de pontos, visíveis sob a forma do saber-fazer.
como é a prática comum. Ao desenvolver competências, não se deixa de
O atendimento às diferenças individuais e às transmitir conhecimentos – a quase totalidade das
capacidades do aluno e ao seu ritmo está legislado, ações humanas exige algum ou muitos conheci-
na observação do rendimento escolar, quando a mentos, para ser executada. Ações mais comple-
LDB trata de três possibilidades: xas e abstratas requerem mais conhecimentos e
De se acelerar os estudos, no caso de alunos
  a constituição de competências, que exige mais
com atraso escolar. tempo, vem com novas posturas dos professores
De se avançar nos cursos e séries mediante
  e da escola.
verificação do aprendizado. Competência é, portanto, a capacidade de mo-
De acontecer o aproveitamento de estudos
  bilizar, de articular, de usar e de colocar em ação
concluídos com êxito. os conhecimentos necessários para o desempenho
eficiente e eficaz, conforme a situação escolar ou
CONTEÚDOS VERSUS COMPETÊNCIAS: de trabalho.
Nº 10 • Abril/99

HÁ OPOSICÃO ENTRE OS DOIS OU MAL A realização de grupos de estudos, a execução


ENTENDIDO? de projetos interdisciplinares e a retomada da prá-
132
132
O ensino médio é a última etapa da Educa- tica de planejar são fundamentais para se ter um
jan/2017 ção Básica. E com relação a ele que as mudanças novo ensino médio.
VALIDANDO O REGIMENTO ESCOLAR: dicional imposição de cima para baixo, conduzem
DAS GAVETAS DA SECRETARIA ESCOLAR a formação de cidadãos autônomos.
PARA A VIDA DA ESCOLA Uma das diretrizes curriculares relativas à Edu-
Afinal, o que é o regimento escolar e qual é o cação Básica refere-se a autonomia, garantida as
seu papel no dia a dia das escolas? instituições escolares.
É possível elaborá-lo com a participação de Nela se prevê que o regimento escolar deverá
todos? ser apresentado para arquivo e registro, não mais
O regimento constitui o conjunto das normas para aprovação.
e das regras que regulam o projeto político- A elaboração conjunta e participativa do regi-
-pedagógico da instituição, possibilitando a sua mento escolar pode parecer, de início, um processo
execução por todos. É o documento que representa difícil, mas é necessária e possível, permitindo
a norma legal, no contexto da escola, determi- efetivar o que poderia parecer impossível: torná-lo
nando e disciplinando, nesse universo escolar, o um documento vivo e de real valor para a escola
cumprimento das leis federais, dos decretos e das e para a sua comunidade.
regulamentações estaduais e municipais. Caminhar no sentido de compreender o regimen-
O regimento escolar é aberto com um breve to como um importante meio disponível na escola e
histórico da escola e de sua mantenedora. Nessa repleto de sentido será uma etapa importante na busca
introdução, são definidas a identificação da escola de se efetivar os fins de uma educação compromissada
e a sua mantenedora, a vinculação ao sistema de com a formação de cidadãos plenos.
ensino – que poderá ser federal, estadual ou mu-
nicipal – e os locais onde funcionará. CONCLUSÃO: MUDANÇAS DO
COTIDIANO DOS PROFESSORES E DA
Ele deverá detalhar e tratar claramente das
SALA DE AULA
questões relativas às finalidades da educação, da
escola, de cada curso. Mudanças verdadeiras são possíveis desde que
decorrentes de ações coletivas e resultantes de
Um bom exercício é a análise e o desenho do
parcerias. O que vem sendo discutido e o próprio

Planejamento estratégico
organograma da escola para, depois, descrevê-lo e
papel da escola do século XXI, do terceiro milênio
colocá-lo no regimento sob o título: Organização
e da pessoa que lhe cabe formar.
Administrativa.
Como deverá ser a criança, o jovem e o profis-
Redigido e estruturado na forma de lei, o re-
sional egressos da escola brasileira, básica ou de
gimento escolar deverá responder com segurança,
ensino superior?
clareza e simplicidade, em cada artigo, que integra
as seções, as seguintes questões: Este perfil se encontra expresso como compe-
tências e habilidades e, como se verifica nos artigos
O que? Onde? Por quem? Por quê? Para que?
32 e 36 da LDB, o esperado e o necessário do
Como? Quando?
aluno egresso da educação básica são:
Os títulos seguintes abordam questões que vêm
ENSINO FUNDAMENTAL- competências
sendo formuladas, como as demais, de forma me-
esperadas:
cânica e destituída de sentido e que, se discutidos
com alunos e equipe são excelente oportunidade desenvolvimento da capacidade de aprender,
 
de se converter o regimento escolar em documento tendo como meios básicos o pleno domínio da
que expresse a alma da escola. São os aspectos refe- leitura, da escrita e do cálculo.
rentes aos direitos e deveres dos alunos e do pessoal Compreensão do ambiente natural e social, do
 
da instituição que constituirão novos títulos. sistema político, da tecnologia, das artes e dos
valores em que se fundamenta a sociedade.
Nº 10 • Abril/99

As questões que definem setores-chave da


escola, como a disciplina e as regras que regem a Desenvolvimento da capacidade de aprendiza-
 
instituição, o que pode, o que não pode, porque gem, tendo em vista a aquisição de conhecimen-
133
133
não pode, quando discutidas e definidas com os tos e de habilidades e a formação de atitudes
alunos, em processo democrático, distante da tra- e de valores. jan/2017
Fortalecimento dos vínculos de família, dos
  É fundamental sintonizar a educação com os novos
laços de solidariedade humana e da tolerância tempos, mas como? Se a adoção dos princípios,
recíproca em que se assenta a vida social. métodos e das ferramentas da Gestão de Qualidade
ENSINO MÉDIO – competências esperadas: tanto ajudou as empresas em sua vital necessidade
de transformação, não poderia também ajudar o
Domínio dos princípios científicos e tecnológi-
 
sistema educacional?
cos que presidem a produção moderna.
A gestão de qualidade é um sistema gerencial
conhecimento das formas contemporâneas de
 
que inclui toda a organização – operadores, mé-
linguagem.
dia gerência, alta administração – para planejar,
Domínio dos conhecimentos de filosofia e de
 
manter sob controle e melhorar continuamente o
sociologia necessários ao exercício da cidadania.
desempenho dos processos de trabalho, a fim de
A base de tudo é a construção de um paciente satisfazer e exceder as necessidades e expectativas
e complexo processo participativo, que se efetiva dos clientes internos e externos.
em um projeto de caráter político- pedagógico,
Há alguns anos se percebeu que os princípios
assumido por todos e costurado em um regi-
e as ferramentas da Gestão de Qualidade eram
mento escolar. Ambos devem ter total coerência,
também aplicáveis a área de serviços e, por con-
principalmente no que se refere à parceria na sua
sequência, ao sistema educacional. O objetivo do
elaboração e na sua construção.
capítulo é oferecer aos líderes educacionais um
Não há meios de definir estratégias de mudan- novo ângulo de visão do seu trabalho através de
ças que sejam infalíveis, ou um conjunto de regras uma perspectiva mais sintonizada com as tendên-
e de etapas para o processo. cias contemporâneas, baseado em algo funcional
O educador é um profissional que precisa fixar e utilizável da Teoria da Qualidade.
a sua prática na capacidade de sonhar e de acreditar Em síntese, as ideias expostas são uma tenta-
no possível, para alcançar o impossível. Assim, o tiva de “redefinir” a educação, vendo-a não mais
Brasil terá, finalmente, as escolas de que precisa e como um “ processo a longo prazo”, mas como
que todos merecem. um “sistema produtivo”, passível, portanto, de ser
Planejamento estratégico

administrado com o uso das melhores práticas e


ferramentas propiciadas pela Gestão de Qualidade.
CAPÍTULO 3: Qualidade e Compreendendo o Sistema Educacional e a
 
produtividade no sistema sua finalidade
educacional O processo educacional é apenas parte de um
Lúcio de Andrade Fonseca sistema educacional. Na alteração da ideia de
processo (com uma finalidade em si mesmo) para
Introdução sistema, abre-se a possibilidade de aplicação à edu-
A função do sistema educacional é fornecer cação as ferramentas e técnicas gerenciais utilizadas
à sociedade cidadãos educados e competentes nos demais setores produtivos. A representação
para cuidarem de si mesmos e contribuírem para clássica de um sistema é dada pelo conjunto: entra-
a sobrevivência e melhoria da sociedade. Assim, da—processo—saída em que, levando-se em conta
o sistema educacional anda – ou deveria andar – o princípio da Gestão de Qualidade, o processo é
sempre afinado com as características e as exigên- apenas uma etapa do sistema, que não se encerra
cias correntes da sociedade que o abriga. O advento na fabricação do produto: só se completa quando
da Globalização trouxe uma nova exigência: a de o produto é entregue ao cliente, em geral por meio
que países e empresas sejam cada vez mais com- de um intermediário. Ou seja, como seria essa
petentes, para serem cada vez mais competitivos. transposição para o sistema educacional?
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Diante das exigências trazidas pelas grandes A matéria prima são as pessoas (educandos),
transformações sociais e pela revolução da qualida- crenças, informações, valores, normas, conheci-
134
134
de nas empresas, o sistema educacional está sendo mento bruto, tecnologias, competências e habilida-
jan/2017 intensamente solicitado a também transformar-se. des exigidas pela sociedade, cultura e o mercado de
trabalho; esta matéria prima submetida a um pro- claramente que o produto pessoa educada seja
cesso por operadores ( e por operadores entende a dotado, no mínimo, dos seguintes atributos:
família, a escola e o aluno) gera um produto - este alta competência em leitura e escrita, capacidade
produto é a pessoa educada - o produto (pessoa) é de trabalhar o conhecimento, pensamento e
entregue ao cliente que é a própria sociedade por raciocínio estatístico, criatividade, habilidade
meio de um intermediário que é o mercado de de cálculo, senso crítico...
trabalho ( é por meio do trabalho que a pessoa se Clientes: usuário final (a sociedade além do pró-
 
torna efetivamente cidadão, como também passa prio indivíduo), intermediário (o mercado de
a ser um integrante útil e produtivo da sociedade). trabalho) e consertadores (em tese, é o mesmo
Um sistema produtivo centrado no cliente (=
  que se vê acontecer a uma pessoa mal-educada:
sociedade) busca-se identificar onde houve problemas ao
Em qualquer tipo de sistema não se fabrica longo do processo e ela é encaminhada ao es-
um produto por fabricar, mas para atender as pecialista adequado).
necessidades e expectativas de alguém: o cliente. Em síntese, a sociedade só sobrevive com o
Sabe-se que hoje em dia os sistemas produtivos trabalho das pessoas. O sistema educacional fun-
mais efetivos são “centrados no cliente”. Já foi o ciona como um formador de bons quadros para a
tempo em que o cliente era “apenas um detalhe” sociedade (que é o usuário final do produto pessoa
ou “um estorvo”. Essa busca de transposição para educada). A formação de bons cidadãos nada mais
a área educacional dos elementos genéricos pro- é que uma forma de garantir a continuidade e a
posto pela Gestão de Qualidade oferece respostas melhoria permanente da sociedade, a partir da
claras para perguntas como: por que, para que e garantia que se passa a ter de que tais cidadãos são
para quem educar? capazes de produzirem um trabalho de qualidade,
Se for, efetivamente, um sistema produtivo seja qual for o aspecto.
como outro qualquer e se quiser “perpetuar-se nos Compreendendo o papel dos operadores
 
negócios”, o sistema educacional deverá estruturar- Na construção de pessoas educadas, cada um
-se no modelo centrado no cliente, ou seja, ter os dos operadores (família, escola, aluno) tem um

Planejamento estratégico
mesmos elementos e ser capaz de explicitá-los de papel singular e bem delimitado. Muitas vezes,
forma concreta e simples. É o que se faz a seguir: os papéis têm sido invertidos, o que compromete
Missão: dotar o indivíduo das condições neces-
  a qualidade do produto que se deseja construir.
sárias para conquistar a sua realização pessoal Compreender bem os papéis e levar os demais
e profissional e garantir a sobrevivência e a operadores a sua compreensão é uma tarefa vital
melhoria contínua da sociedade, pelo forne- da liderança educacional.
cimento sistemático de pessoas educadas em No processo educacional, cabe ao operador da
nível excelente. família: dar ao educando educação informal; dar
Matéria Prima: pessoas, informações, crenças,
  suporte econômico; dar suporte afetivo.
tecnologias, políticas, planos e estratégias (= No papel da escola, compete: propiciar ao edu-
dotar as pessoas de um instrumental consti- cando a educação formal, centrada em um ensino
tuído, primordialmente, de conhecimento e de qualidade; propiciar um ambiente favorável à
valores é a síntese do trabalho educacional). aprendizagem; conscientizar os demais operadores
Processo: processo educativo, operado conjun-
  quanto aos seus papéis, apoiando-os na superação
tamente por família, escola e aluno, por meio de suas deficiências; complementar seletivamente
de metodologia(s) específica(s), com o suporte a educação familiar.
dos organismos sociais e da influência dos con- Cabe ao operador aluno: buscar a aprendizagem
dicionantes oficiais e culturais.
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total do que é ensinado pela escola e pela família,


 Produto: pessoa educada que deve ser formada ampliando por conta própria os seus horizontes
em consonância com as expectativas e necessi- de conhecimento e cultura; gerenciar a própria
dades dos clientes. 135
135
aprendizagem; ter atenção, vontade e interesse;
Expectativas: a sociedade da informação solicita
  desenvolver e praticar a autodisciplina; ter uma jan/2017
atitude ativa e persistente nos estudos; perceber o ponto, é fundamental coletar dados, continuamen-
estudo como um trabalho; aplicar os princípios e as te, para instruir possíveis pequenas correções de
ferramentas da qualidade ao trabalho ao aprender. rota ainda ao longo do processo.
Em síntese geral a sociedade alimenta o sistema - C (CHECK): checar, avaliar. “Onde estou em
com matéria prima (pessoas, valores, conhecimen- relação ao que eu quero?” Confrontando os resul-
to etc); a pessoa passa pelo processo educacional, tados obtidos pode-se ter uma noção do estágio
cujos operadores são a escola, a família e o aluno; em que se está. Quanto mais vezes se utilizar os
daí surge o produto pessoa educada, que é entregue instrumentos para “ouvir a voz do cliente” e ferra-
ao cliente intermediário – o mercado de trabalho mentas gráficas de qualidade, mais fidedigna será a
e, por meio deste, ao cliente final – a própria so- avaliação. Para manter os indicadores de qualidade
ciedade. Formando-se, desse modo, uma espiral sob monitoramento contínuo é importante que
ascendente de melhoria contínua. se tenha sempre à mão um instrumento por meio
Transformando diretores de escola em gerentes
  do qual esses indicadores possam ser visualizados.
do sistema educacional -A (ACT): agir corretivamente. Agora que já
Ainda com o foco de que se se está de acordo se estabeleceram as metas, especificou os métodos,
com o fato do sistema educacional ser um sistema educou e treinou pessoal, executou o trabalho e
produtivo como qualquer outro, nada mais natural checou o resultado, por meio dos dados coletados,
e saudável do que aplicar os mesmos princípios da verifica-se que está a uma certa distância daquilo
Gestão de Qualidade. A liderança do trabalho de que foi planejado (isto é o que acontece normal-
definição da missão e de construção da visão da mente por segundo Deming, não há processo sem
escola que ele dirige é a ação inicial imprescindí- variação). Resta então agir corretivamente e por
vel, se se deseja que a escola trilhe os caminhos de meio de instrumentos como o 5W1H é possível
qualidade. É a partir daí que um diretor de escola definir ações a serem feitas, estabelecer prazos e
começa a se transformar em “gerente do sistema responsabilidades para corrigir a nota.
educacional”. E agora? Hora de girar novamente o PDCA:
O ciclo do PDCA (proposto por Deming e (re)planejar, (re)educar e treinar; executar, clarear
Planejamento estratégico

aperfeiçoado por Ishikawa) é uma das principais e agir novamente.


ferramentas da Gestão de Qualidade. É usado para Transformando professores em gerentes de
 
planejamento, para o controle e melhoramento da ambiente de aprendizagem
qualidade. O que significa? A escola é um dos operadores do sistema
- P (PLAN): Planejar (que se decompõe em educacional. O professor é, pela natureza de sua
definir metas e especificar métodos). Está rela- função, o “co-laborador” responsável direto pela
cionado à pergunta “o que eu quero?” de uma implementação do processo ensino-aprendizagem
instituição, contendo a missão e os valores insti- na sala de aula, o “ ambiente de aprendizagem”
tucionais bem como os indicadores de qualidade. que pode ser considerado aqui o local em que
A correta definição da missão e da visão de uma efetivamente se processa a “matéria prima” para
escola implica ater à missão à visão do sistema dar origem ao “produto”. Levar o professor a
educacional, como um todo, e a voz do cliente. compreender a grandeza e a importância estraté-
Conclui-se assim a primeira etapa do P do ciclo gica de sua função, numa perspectiva sintonizada
PDCA com estabelecer metas. com as exigências dos novos tempos, é uma missão
- D (DO): executar (ação que deve ser precedi- do diretor.
da por educar e treinar). É necessário tirar o aluno e É fundamental que o professor compreenda o
a família como expectadores do processo do ensino seu trabalho dentro de uma nova ótica e utilize,
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aprendizagem. A tarefa do administrador escolar de maneira disciplinada, criativa e sistemática, os


prossegue com o executar. Procurando ampliar princípios e as ferramentas de teorias gerenciais,
sempre o envolvimento de todos, ele lança-se à como a da qualidade. Então como se poderia
136
136
tarefa de concretizar as metas propostas, por meio aplicar o ciclo do PDCA à vida profissional do
jan/2017 da implementação das estratégias traçadas. Neste novo professor?
- P (PLAN): preparar aulas; selecionar conteú- pante ativo do “jogo” educacional. Então como se
dos, escolher estratégias e recursos (busca de ino- poderia aplicar o ciclo do PDCA à vida do aluno?
vação), locar tempo adequado; elaborar “roteiros Sinteticamente:
de aprendizagem”; elaborar materiais de apoio e - P (PLAN): verifique se todas as lições de casa
suplementação. foram feitas e liste as dúvidas que teve; informe-se
-D (DO): ministrar aulas (criação de clima para sobre os conteúdos que verá nas próximas aulas
a aprendizagem; envolvimento de todos, controle e prepare perguntas para fazer ao professor; olhe
do ambiente – limite e disciplina; monitoramento para o horário e coloque na pasta todo o material
contínuo da aprendizagem); gerenciar tarefas de que necessitará; durma e alimente-se bem antes de
casa (controle de execução e correção). ir a aula; estabeleça metas desafiadores (ex. tirar
-C (CHECK): ferramentas a serem usadas ao 80% dos pontos em qualquer atividade avaliativa).
final de cada etapa letiva com o objetivo de sensi- - D (DO): preste toda a atenção; faça perguntas
bilizar o aluno e conscientizá-los quanto ao sentido para ver se está entendendo; concentre-se; dê total
do seu trabalho como estudante; reforçar a cultura importância a toda atividade solicitada; aplique-
da meta; conscientizar cada aluno de sua situação -se ao trabalho com paixão e usando um sistema;
e da situação da turma; exercitar o pensamento eduque-se e treine-se, relembrando continuamente
estatístico levando o aluno a reconhecer a parte os procedimentos operacionais e suas metas.
que lhe toca na responsabilidade pelo seu sucesso - C (CHECK): faça a lição de casa buscando
ou pelo seu fracasso. fixar, aprofundar e ampliar o que aprendeu— para
- A (ACT): elaboração do “ Plano de ação” ( isso, coloque antes todo o material de consulta
5W1H) com os alunos e coordenação- incluindo sobre a mesa; ao estudar em casa tente encontrar
atividades de reforço e recuperação; execução do “problemas”, ou seja, pontos que não captou bem;
plano de ação; e questionários do tipo “ ouvindo faça revisões periódias da matéria; faça as provas
os alunos” como subsídio para o próximo giro com honestidade e empenho, entendendo-as como
do PDCA. uma chance para detectar possíveis problemas;
Transformando alunos em gerentes de apren-
  compare os resultados com as metas.

Planejamento estratégico
dizagem -A (ACT): tente obstinadamente encontrar
É necessário reconhecer o estudo como um você mesmo respostas para as suas dúvidas; consul-
trabalho: o trabalho de preparar-se para o trabalho te livros e cadernos revisando o que foi ensinado;
e para a cidadania, que como todo e qualquer tra- solicite ao professor oportunidade de participar
balho deve ser feito com competência e responsa- de atividades de reforço; analise com a ajuda das
bilidade. É hora dos educadores e pais repensarem ferramentas da Gestão de Qualidade, os erros co-
a permissividade com que as crianças e os jovens metidos durante a etapa; reveja a matéria, sozinho
vêm sendo educados, nas últimas duas décadas. ou com ajuda, de modo a não levar dúvidas para
Não há sociedade que se sustente se as gerações a frente.
que vão ser responsáveis pela sua continuidade e Transformando famílias em co-operadores do
 
segurança se julgarem possuidoras apenas de direi- processo educacional
tos e se forem poupados, desnecessariamente, das Como envolver a família no processo educacio-
obrigações que deveriam assumir, por exemplo, na nal? Uma sugestão é patrocinar um seminário para
vida familiar e comunitária. pais de alunos, com duração aproximada de 10 ho-
Aprende-se que, na tarefa educacional, o aluno ras com um tema como “Educação de qualidade”.
deve ser a força de trabalho. Como convencê-lo Sugere-se, a seguir, uma sequência de informações
a assumir esse trabalhoso papel? Para que alguém que podem ser dadas aos pais nesta ocasião, com o
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se disponha a colocar energia em alguma tarefa é objetivo de dar-lhes uma visão mais adequada da
preciso que esteja mobilizado por um motivo que questão. Por exemplo, na 1ª parte apresentar con-
seja significativo para ele. É preciso transformar, ceitos relacionados a educação para o século XXI,
137
137
em síntese, desenvolver um trabalho que vise depois os conceitos básicos da Gestão da Quali-
basicamente a transformar o aluno num partici- dade e, por último, “compreendendo os papéis” jan/2017
dando ênfase tanto a discussão do significado do importante, mas nem de longe suficiente; e a
trabalho educacional quanto ao indelegável papel segunda, e a mais importante, sem dúvida, é o
que cada um dos operadores tem nele. “envolvimento de todos”.
Palavras Finais
  É a mudança de paradigma quanto ao significa-
Sintonizar a escola com os novos tempos. do e as responsabilidades pelo trabalho educacional
O que será isto de fato? São duas coisas basi- que deve ser objeto das preocupações e dos esfor-
camente: a primeira é aplicar ao sistema edu- ços de todos os líderes educacionais, nos próximos
cacional as melhores práticas de administração, anos. O sonho é que um dia o estudante seja um
utilizadas por empresas vencedoras em todo o ser absolutamente ativo, que exija da família, da
mundo. Os princípios e as ferramentas da Ges- escola e se si mesmo que cada um desempenhe o
tão de Qualidade são um bom exemplo, muito seu papel no mais alto nível de qualidade.

ALONSO, Myrtes. A gestão/administração educacional no contexto


da atualidade. In: VIEIRA, A. T. et al (org.). Gestão Educacional e
Tecnologia. São Paulo: Avercamp, 2003.
Myrtes Alonso é pesquisadora de vasta experi-
Vanda Bartalini Baruffaldi ência nos assuntos referentes à formação de alunos.
Doutora em Linguística e Semiótica pela Mestra e doutora em Educação, desenvolveu traba-
Universidade de São Paulo. lhos na PUC de São Paulo e na UFSCar, instituição
Professora das Faculdades Integradas Campos da qual é professora aposentada.
Salles. O artigo supracitado pertence a uma coletânea
Coordenadora de cursos de graduação e pós- de oito outros estudos que visam discutir questões
Planejamento estratégico

graduação em Letras. referentes à gestão escolar no mundo contempo-


râneo, marcado por constantes e perturbadoras
transformações e por inovações tecnológicas.
O objetivo de Alonso é analisar o modo como
vem sendo conduzida atualmente a administração
das escolas, ressaltando seus pontos críticos. Em-
bora o texto pretenda focalizar de modo especial
a atuação do diretor, muitas menções são feitas ao
desempenho do professor dentro da sala de aula.
A autora reforça a visão que já se tornou conhe-
cida: o Brasil oferece uma educação que não está
em sintonia com o mundo moderno. Enquanto
vivemos em uma sociedade pós-industrial – ou
pós-moderna, segundo Hargreaves – em que
predomina o espírito técnico-científico, o sistema
educacional trabalha com atores que, formados
em consonância com um paradigma clássico, ba-
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seado nas ciências sociais e nas humanidades, não


sabem conciliar as demandas contemporâneas com
os instrumentos recebidos na vida acadêmica. A
138
138
grande maioria é incapaz, por exemplo, de articular
jan/2017 teoria e prática.
Nessa escola – que Alonso chama de tradi- e apontam para a necessidade de repensar a forma
cional – os modelos psicopedagógicos levam à como se conduzem as escolas, que deveriam, por-
crença de que aprender é adquirir conhecimentos tanto, sofrer transformações não apenas organi-
conseguidos de fora para dentro (p.26). Essa zacionais mas também estruturais.
premissa faz com que o professor seja visto como Tendo em vista esse cenário, é preciso formar
bom transmissor de informações, cujo dever é um corpo diretivo que priorize as atividades em
dominar o conteúdo da disciplina que ministra. equipe em detrimento das rotinas burocráticas;
Tal atitude estimula, no estudante, uma posição que saiba incorporar as novas tecnologias a suas
passiva, que o leva a apenas assimilar o que ouve. tarefas; que valorize o conhecimento científico.
A avaliação, por seu turno, consiste em verificar,
Tais modificações se ajustariam aos princípios
do modo mais objetivo possível, o quanto o alu-
do que Alonso chama de escola renovada, fruto de
no aprendeu, limitando-se a examinar somente o
uma época em que predomina o espírito técnico-
desenvolvimento do aspecto cognitivo.
-científico e não apenas os humanísticos. Nessa
O diretor, nesse contexto, vê seu papel reduzido nova tendência, seria sentida a influência da cor-
a manter a ordem estabelecida; a fazer cumprir a rente sócio-construtivista, que rejeita o modelo
legislação em vigor; a solucionar questões disci- burocrático vigente.
plinares que não seriam resolvidas pelo professor;
Ainda segundo Alonso, essa nova forma de
a representar a escola nas instâncias mais altas do
gestão:
sistema de ensino. Mantém, portanto, um hiato
 acata as diretrizes governamentais;
entre as atividades administrativas e as pedagó-
gicas, com as quais se sente descompromissado.  abre-se ao mundo exterior, assimilando suas in-
fluências mas sabendo manter sua autonomia;
Na visão de Alonso, ao seguir esse paradigma,
a gestão do sistema escolar caminha em direção  articula harmoniosamente decisão e execução;
oposta à assumida pelas empresas que atuam no  respeita as diferenças individuais, as distintas
mundo contemporâneo. Enquanto essas procuram etnias, religiões e concepções políticas, valori-
modernizar sua administração, as estruturas edu- zando a interação social e estreitando as relação

Planejamento estratégico
cativas se mostram impermeáveis às modificações, com a comunidade em que está inserida;
limitando-se a reproduzir o modelo vigente de  considera as diversas formas de um indivíduo se
sociedade; a preservar o patrimônio cultural e a desenvolver, concebendo o aprendizado como
preparar os estudantes para os níveis mais altos fruto de uma elaboração pessoal;
da pirâmide educacional, acreditando que a escola
 desenvolve uma gestão baseada na horizonta-
constitui a única via de acesso ao conhecimento e
lidade e não na hierarquia.
de ascensão social (p.26).
Nessa concepção de escola, o professor deve
Entretanto, sustenta a pesquisadora, as de-
ser visto como um investigador, como alguém
mandas atuais se mostram incompatíveis com
que mobiliza energias, que é tão aprendiz quanto
esse direcionamento conservador e centralizado
seus alunos.
da administração, pois o que se observa hoje é
Nas páginas 35/36, a autora elenca dezessete
uma tendência à descentralização, à pulverização
atitudes esperadas dos agentes educacionais que
dos centros decisórios, refletindo um esforço de
estariam na liderança desse novo paradigma. Entre
agilizar as resoluções, aproximando-as dos locais
elas, podem ser citadas:
em que os fatos ocorrem.
 a promoção de mudanças estruturais que flexi-
Para se adequarem à contemporaneidade, os
bilizem a unidade de ensino;
modos de gerir as unidades de ensino devem se
tornar mais flexíveis, mais compatíveis com as dife-  a preocupação com a montagem de um currí-
Nº 10 • Abril/99

rentes situações, revelando, ao mesmo tempo, mais culo adequado às necessidades dos alunos;
autonomia das instituições e de seus participantes.  o estímulo a uma aprendizagem ativa e à par-
ticipação em projetos; 139
139
Assim, os modos de viver, de interagir da so-
ciedade atual exigem outros tipos de habilidades  a definição de uma política de ação que revele jan/2017
compromisso com os resultados do trabalho [...] é fundamental o desenvolvimento de
desenvolvido; uma consciência crítica coletiva dos gestores
 a criação de conselhos consultivos que favore- educacionais em diferentes níveis, no sentido de
çam a participação da comunidade na escola; trabalharem juntos e de forma organizada para o
encaminhamento de novas e profundas mudanças
 a execução de um projeto pedagógico elaborado
nas escolas e nos processos educativos que lhes
com a participação de todos os agentes envol-
competem. (p.37)
vidos na unidade escolar;
As poucas páginas do artigo de Alonso não
 a constituição de parcerias com outras insti-
trazem, como se pode concluir, contribuições ino-
tuições;
vadoras aos profissionais que já atuam no campo
 a realização de ações que visem captar recursos educacional. Reforça, entretanto, pontos que esses
que possibilitem a execução de propostas. mesmos profissionais devem ter sempre presentes
Myrtes Alonso conclui a exposição de suas se quiserem desenvolver um trabalho de qualidade,
ideias afirmando que: no mínimo, mediana.
Planejamento estratégico
Nº 10 • Abril/99

140
jan/2017 140
Foco em
qualidade e
resultados
CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Sistemas nacionais
de avaliação e de informações educacionais. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 121-128, 2000. Disponível em:
\< http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n1/9809.pdf\
I Professora do Departamento de Ciência Polí-
Resenha elaborada por Vanda tica da UNICAMP, Maria Helena G. de Castro era
Bartalini Baruffaldi também, na época em que esse artigo foi publicado
Doutora em Linguística e Semiótica pela (2.000), a presidente do Instituto Nacional de Pesqui-
Universidade de São Paulo. sas Educacionais, o INEP. Esta última circunstância
Professora das Faculdades Integradas Campos colaborou para que o trabalho em análise apresentasse
Salles. o perfil que possui: o reflexo da voz oficial.
Coordenadora de cursos de graduação e pós- Para justificar seu papel de agente de órgão do
graduação em Letras. governo, Castro enfatiza a importância que tem
a implantação de reformas educacionais em
um país federativo, cujos sistemas de ensino
caracterizam-se por extrema descentrali-
zação político-institucional como o Brasil
(p.121).
Foco em qualidade e resultados

No raciocínio da autora, entretanto, tal im-


plementação requer que se coloquem em vigor
mecanismos de avaliação, capazes de retratar a real
situação do ensino no país. Por esse motivo, faz a
defesa dos exames que têm sido aplicados em todo
o território nacional, caso do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (SAEB); do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Exame
Nacional de Cursos (ENC).
A seu ver, tais avaliações são positivas em uma
série de razões, porque:
permitem um mapeamento da situação do sis-
 
tema educacional em todos os pontos do país;
possibilitam a identificação de prioridades para
 
que se formulem políticas públicas;
tornam possível o monitoramento e a refor-
 
mulação de tais políticas;
oferecem subsídios para diminuir as desigual-
 
dades sociais do país.
A fim de torná-las acessíveis aos deferentes
atores da área educacional, os dados obtidos por
Nº 10 • Abril/99

esses instrumentos são organizados pelo Centro


de Informações e Bibliotecas em Educação (o
CIBEC), que passou por profunda reestruturação.
142
142
O Centro permite a disseminação local e virtual
jan/2017 de informes relacionados:
a o Perfil Municipal de Educação Básica
  bulares, ingresso por curso e área de conhecimento,
(PMBE), que coloca à disposição do interessa- dados sobre professores (p. 123). No ano 2.000, o
do informações sobre a situação socioeconômi- instrumento de coleta desse Censo foi redefinido
ca e educacional do país; para que pudesse se adequar às novas orientações
ao Programa de Legislação Educacional In-
  apresentadas pela LDB.
tegrada (ProLEI), aplicativo que resume a Para armazenar os informes obtidos acerca
legislação vigente; desse nível de ensino, está em fase de implantação
II Esclarece Castro que os informes são cole- – os dados são referentes aos inícios do século
tados por meio de três pesquisas: XXI – o Sistema Integrado de Informações da
Educação Superior (o Sied-Sup) que visa, entre
1. o Censo Escolar;
outros objetivos, criar uma base única de dados
2. o Censo de Ensino Superior; e indicadores da educação superior e eliminar
3. o Levantamento sobre o Financiamento e Gasto superposição de competências.
da Educação. 3. Levantamento sobre o Financiamento e
1. O Censo Escolar é realizado a partir de Gasto da Educação.
todos os estabelecimentos de ensino do país, Esse instrumento, que envolve as três esferas
pertençam eles à rede pública ou privada. Ele de governo – federal, estadual e municipal – apre-
visa a educação básica em seus diferentes níveis: senta expressivas dificuldades operacionais, mas
a infantil, o ensino fundamental e o médio. Pelo é fundamental por retratar a saúde financeira da
Censo Escolar, o INEP atualiza anualmente o Ca- administração pública, permitindo acompanhar
dastro Nacional de Escolas e obtém informações seu lastro assim como as ações tomadas em relação
referentes:

Foco em qualidade e resultados


ao uso dos recursos disponíveis como, por exem-
as matrículas, ao movimento e ao rendimento
  plo, os repasses intergovernamentais e os gastos
escolar dos alunos; efetivamente realizados em benefício dos interesse
à situação física dos prédios escolares assim
  educacionais.
como dos equipamentos de que dispõem; III Avaliações educacionais
aos recursos humanos (técnicos, administrati-
  Segundo informa a articulista, por meio desses
vos e docentes) que possuem. instrumentos – o SAEB, o ENEM e o ENC que,
2. O Censo do Ensino Superior revela a por muito tempo, foi conhecido como “Provão”,
situação desse nível de ensino, de que participam o MEC procura viabilizar as responsabilidades que
as universidades, os centros universitários, as fa- a LDB lhe atribuiu, ou seja:
culdades isoladas e estabelecimentos isolados. As Assegurar o processo nacional de avaliação
informações referem-se, entre outras, ao número do rendimento escolar no ensino fundamen-
de matrículas e de concluintes, inscrições em vesti- tal, médio e superior, em colaboração com os
sistemas de ensino, objetivando a definição
de prioridades e a melhoria da qualidade de
ensino (apud CASTRO, 2000: 124).
Segundo informa a autora, a participação nesses
exames tem crescido nos últimos anos refletindo,
dessa forma, a importância que a população tem
conferido a eles.

Considerações finais
Nº 10 • Abril/99

A leitura integral artigo de Maria Helena


Guimarães de Castro, não obstante refletir a voz
oficial, é recomendável a quem se interessa pelos
143
143
movimentos dos órgãos públicos em relação à
educação do país jan/2017
FERNANDES, Maria Estrela Araújo. PROGESTÃO: Como desenvolver
a avaliação institucional da escola? Modulo IX. Brasília: CONSED-
Conselho Nacional de Secretários de Educação, 2009.

Resenha elaborada por Unidade 1- Quais os princípios,


Regina Pereira as finalidades e os objetivos da
avaliação institucional?
Graduada em Letras e Pedagogia, A avaliação educacional refere-se à avalia-
Mestre em História e Filosofia da ção de aprendizagem de alunos e à avaliação de
Educação pela PUC-SP e Doutora em currículos. Concentra-se no processo ensino-
Didática pela FEUSP -aprendizagem e nos fatores que interferem em
seus desenvolvimentos.
A avaliação institucional destina-se à avaliação
de instituições (como a escola), políticas e projetos.
Centraliza-se em processos, relações, decisões, resul-
tados das ações de uma instituição ou de um sistema.
Incorpora os resultados da avaliação educacional.
A avaliação institucional é um processo siste-
Foco em qualidade e resultados

mático de busca de subsídios para a melhoria da


qualidade da instituição. (na escola- da aprendiza-
gem e formação do aluno)

Duas correntes:
1. meritocrática ou para controle voltada para
a identificação de mérito. É usada para estabelecer
a classificações, rankings. Ex: Exame Nacional de
Ensino Médio (ENEM).
2. para transformação e aperfeiçoamento –
considerada um instrumento para construir uma
escola e um sistema de ensino com qualidade.
Pode se tornar um instrumento para aprimorar a
gestão pedagógica e administrativa da escola dos
sistemas educacionais.

Princípios básicos
Avaliação institucional é um processo global,
contínuo e sistemático, competente e legítimo,
participativo que pode envolver agentes internos
e externos na formulação de subsídios para a me-
lhoria de qualidade da instituição escolar.
 Participação – não se dá num dado momento
Nº 10 • Abril/99

 Global – envolve todas as atividades da escola. To-


dos os sujeitos e resultados “cidadãos formados”.
144
144
E ainda precisa ser tecnicamente competente
jan/2017 e politicamente legítima. Isto é, a comunidade
interna e as instâncias externas (governos, famílias, professores, gestores e representantes da comu-
mercado de trabalho, sociedade) devem conside- nidade.
rar que a estratégia de avaliação (procedimentos)  Planejamento e acompanhamento – para se
esteja correta (tecnicamente competente) e que assegurar a continuidade do processo. Poderá
os condutores do processo sejam aceitos, tenham ser realizado por um grupo das Secretarias Mu-
legitimidade reconhecida (politicamente legítima). nicipais ou Estaduais de Educação ou da escola.
O processo de avaliação institucional deve fazer A operacionalização do processo de avalia-
parte do cotidiano da instituição. ção deverá ser feita em três etapas.
A avaliação institucional busca alcançar os ob-  Preparação – constituição do grupo de tra-
jetivos de autoconhecimento da instituição e de balho; elaboração da proposta de avaliação;
formulação de subsídios para a tomada de decisões. discussão da proposta com os sujeitos da escola;
Finalidade - melhoria da escola e do sistema definição do projeto.
educacional  Implementação – elaboração e teste de aplica-
A avaliação institucional é um processo siste- ção dos instrumentos de coleta de informação;
mático de análise: É um processo que permite a apuração e organização dos dados coletados;
compreensão global do objeto. discussão dos dados.
 Síntese – revisão do processo, elaboração de
Unidade 2 – Quais os processos relatórios; discussão sobre o uso dos resultados;
publicação e divulgação do relatório final.
metodológicos e as etapas de
operacionalização da avaliação Unidade 3 – Como implementar

Foco em qualidade e resultados


institucional? o processo de avaliação
A avaliação institucional é um processo que institucional integrado ao
possibilita à escola a participação de todos, a re-
Processo Pedagógico da escola?
flexão sobre sua prática. Para isso se utiliza de uma
metodologia que garanta fidedignidade, unidade Estratégias –
de informações e respeito às individualidades.  contar com os colegiados ou grupos já existen-
A avaliação institucional possui três modalidades: tes, como conselho escolar, grêmio estudantil,
  diagnóstica inicial (de entrada) – fornece infor- associação de pais, de moradores...
mações a respeito da situação social e econômica  criação de fóruns – fóruns de avaliação, de ges-
de alunos, pais, professores e funcionários, assim tão, sobre violência na escola e outros
como do nível de aprendizagem dos alunos. O PP da escola e a avaliação institucional estão
  avaliação do processo – a avaliação do coti- intimamente relacionados, um subsidia o outro. A
diano escolar. É a reflexão sobre a prática e tem Avaliação é um processo realizador para analisar e
um caráter informativo. redirecionar o P.P.
 avaliação dos resultados ou do produto – é a Avaliar para refletir, discutir, buscar melhorar,
análise do resultado do processo de aprendiza- para que a escola se transforme em função da con-
gem dos alunos, da rotatividade de funcionários quista de sua autonomia. A avaliação institucional
e professores e dos desempenhos profissionais é uma “bússola”.
(de gestores, professores e funcionários). É uma
avaliação dos resultados a partir dos objetivos e Unidade 4 – Como elaborar,
metas propostas pelo Projeto Pedagógico. aplicar, organizar e interpretar
As ações metodológicas da avaliação institu- instrumentos de coleta de
Nº 10 • Abril/99

cional baseiam-se em três critérios: informações sobre a escola?


 visão de totalidade – a escola deve ser avaliada no Passos para preparação de instrumental de
seu todo. (serviços, desempenhos e inter-relações) coleta de informações 145
 participação coletiva – pais, alunos, funcionários, 1º passo – definição de dimensões, de 145
jan/2017
categorias de análise e de aspectos a serem As tabelas e os gráficos servem para esclarecer
avaliados. aspectos e suscitar perguntas.
 Dimensão – pontos de abrangência que deve-
Informações qualitativas
rão ser avaliados. Ex: aspectos administrativos,
 coletadas pelas questões abertas; agrupadas
pedagógicos, físicos. Ex: avaliada gestão escolar.
pelas categorias de análise.
 Categoria de análise – são os pontos básicos
 os resultados devem ser discutidos com grupos
dentro das dimensões escolhidas. Ex: avaliação
da escola.
de gestão escolar: categorias -> estrutura, de-
senvolvimento. Os relatórios
 Aspectos – pequenos pontos indicadores para  importante instrumento de registro.
as perguntas. Ex: condições de trabalho, relação Roteiro de relatório – 1. Introdução; 2. De-
de poder. senvolvimento 2.1. Dados gerais da escola 2.3.
2º passo – Escolha de instrumentos de co- Apresentação dos resultados. 3. Pontos relevantes
leta de informações (individuais ou coletivos) da análise. 4. Reflexões conclusivas. 5. Anexos –
questionários, entrevistas, debates, assembleias, tabelas e gráficos.
pesquisa em arquivos, observações...
O questionário (três partes) Unidade 5 – Como usar os
1º parte – Dados de identificação – perfil dos resultados da avaliação
respondentes – sexo, idade, nível de escolaridade... institucional?
2º parte – Questões de acordo com as di- Os resultados podem ser separados em positivos e
mensões e categorias de análise; é de conteúdo
Foco em qualidade e resultados

negativos. Deve-se identificar as causas que geraram


propriamente dito. os resultados, divulgar e analisar os resultados.
3º parte – Considerações finais – questões abertas. A partir daí, estabelecer ações para lidar com
cada questão, buscando superar, atenuar ou cor-
Cuidados nas questões fechadas
rigir os problemas identificados ou disseminar os
 os enunciados devem ser claros e diretos. aspectos positivos. E o momento de aprendiza-
 as questões não devem levar a respostas confusas. gem colaborativa, reforçando a responsabilidade
 As questões devem ser de conteúdos essenciais individual e coletiva.
e não de conteúdos complementares. Os resultados de sucesso podem e devem ser
Aplicação do instrumento, organização e divulgados dentro e fora da escola.
interpretação dos dados coletados – os instru- Os resultados devem ser tratados sob a ótica
mentos poderão ser aplicados no universo total ou da construção. Um resultado ruim deve significar
por amostragem. um desafio.
- Os aplicadores – pessoas preparadas para não As ações, que são definidas a partir dos resul-
intervirem, isentas da situação avaliada. tados, devem ser acompanhadas.
O momento de aplicação – necessário escolher
Usuários dos resultados da avaliação
momentos adequados e acompanhados de pessoas
institucional
preparadas.
 usos pessoais – alunos, pais, professores, sujeitos
Entrevistas, observações e reuniões – de-
da escola.
vem ser planejadas, coordenadas, ter roteiros,
registros.  usos para a instituição - a escola pode definir
melhor suas prioridades.
Informações quantitativas  usos para o sistema educacional – as Secretarias
Nº 10 • Abril/99

Tabelas – permitem visualizar o número e a de Educação podem definir prioridades da


porcentagem das respostas. política educacional.
146
146
Gráficos – ajudam a visualizar as informações.  usos para a sociedade – as famílias e as organi-
jan/2017 Podem ser de barra ou circulares. zações sociais podem
KLEIN, R.; FONTANIVE, N.S. Alguns indicadores educacionais de
qualidade no Brasil de hoje. São Paulo em Perspectiva, São Paulo,
v. 23. nº 1, p. 19-28, jan/jn 2009.
O objetivo desta empreitada, segundo os próprios
Resenha elaborada por autores, é apresentar uma breve descrição do Saeb,
Luci Ana Santos da Cunha indicando sua importância e seu uso na definição de
Possui Pedagogia e Mestrado pela Faculdade de metas de qualidade e de indicadores de fluxo escolar,
Educação da USP. ambos orientadores de políticas públicas no Brasil.
Supervisora Escolar da PMSP. Docente do Ensino Em síntese, procurou-se abordar os aspectos
Superior. considerados fundamentais para que o sistema
educacional brasileiro torne-se eficaz até 2022,
conforme a proposta do Movimento Todos pela
Educação. Em um primeiro momento, analisam-se
as principais características e aspectos do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB.
Passa-se, então, a examinar a movimentação e o
fluxo escolar dos alunos. Nesta toada, demonstra-
-se a importância dos diagnósticos para a formula-

Foco em qualidade e resultados


ção de políticas públicas. Por fim, conclui-se que,
nos exatos dizeres dos autores, o artigo procurou
apresentar um breve histórico da construção de
indicadores de qualidade da educação brasileira,
com foco em uma educação de qualidade, na qual
o aluno aprende, passa de ano e conclui a educação
básica. Procurou-se enfatizar que qualquer política
de melhoria da qualidade dos sistemas escolares
tem que contemplar os dois aspectos simultane-
amente: o aluno deve aprender e passar de ano.
A fim de melhor ilustrar a temática, foram elabo-
radas nove tabelas. As referidas tabelas foram criadas
pelo autor Ruben Klein com os dados do Saeb/Prova
Brasil 2007/Inep/MEC, com os dados dos Censos
Escolares/Inep/MEC, com os dados das PNADs e
retiradas do site Movimento Todos pela Educação.

O SISTEMA NACIONAL DE
AVALIAÇÃO DE EDUCAÇÃO
BÁSICA – SAEB
O tópico em tela trata, de início, da adoção da
metodologia de avaliação denominada Teoria de
Resposta ao Item – TRI, que permitiu a obtenção
Nº 10 • Abril/99

de resultados de desempenho cognitivo dos alunos


comparáveis mesmo que eles tenham respondido
a cadernos de teste diferentes. 147
Após, informa-se que, baseando-se na meto- 147
jan/2017
dologia apresentada acima, desde 1995, o Saeb como outras variáveis sobre o aluno, sua família,
começa a ser aplicado nas séries finais dos dois a escola com seus professores e diretores.
segmentos do ensino fundamental (4ª e 8ª séries) Ademais, outro desenvolvimento no Brasil após
e no final do ensino médio (3ª série). Algumas 1995 e que tem ganho mais impulso nos últimos
peculiaridades do sistema são apresentadas, suas anos é a criação de sistemas estaduais e municipais
modificações ao longo do tempo, e que o Saeb de avaliação da educação básica, que colocam seus
permitiu a continuidade do monitoramento do resultados nas escalas do Saeb e assim ampliam a
desempenho dos alunos brasileiros. abrangência dos diagnósticos da educação ofere-
Compara-se o mencionado sistema ao Pro- cida à população escolar. Infere-se que a adoção
grama Internacional de Avaliação de Estudantes de uma escala única (escala Saeb) por disciplina é
– Pisa, atualmente a mais importante avaliação sem dúvida uma grande conquista do país.
comparada entre países no mundo. A partir daí, Contudo, ressalta-se que para que os diagnósti-
começam a serem usadas as citadas tabelas para cos feitos pelo Saeb sejam efetivamente incorpo-
se mostrar os dados coletados. As Tabelas 1 e 2* rados no dia a dia das escolas para a melhoria
apresentam os porcentuais de alunos brasileiros de da qualidade da educação.Para tanto, é necessário
todas as redes de ensino classificados Acima dos que as informações sobre as dificuldades de apren-
diferentes níveis das escalas das duas disciplinas, dizagem dos alunos observadas de forma constante
em 2007. Observa-se que, em Língua Portuguesa, e consistente ao longo desses anos sejam enfocadas
somente 27,9% dos alunos da 4ª série têm profi- pelos programas de formação inicial e continuada
ciências acima do nível recomendado. É possível dos professores, nos livros didáticos e demais mate-
verificar também que cerca de 25% dos alunos da riais pedagógicos. Chega-se à conclusão que, dentre
Foco em qualidade e resultados

8ª série e 13% dos alunos da 3ª série do EM ainda tantos problemas, verifica-se, principalmente, mau
não estão no nível adequado para a 4ª série. Na 8ª ensino e má qualidade do professor.
série, o porcentual de alunos no nível recomendado
(275) é de cerca de 20%, enquanto a 3ª série do MOVIMENTAÇÃO
EM apenas 24,5% estão no nível 300. E FLUXO ESCOLAR
Em Matemática, o quadro de desempenho dos Inicialmente, é realizada a seguinte indagação
alunos é pior, pois na 4ª série do EF menos de 24% para desenvolver o presente tópico: que correções
dos alunos alcançaram o nível adequado para esta série, foram feitas pelo governo brasileiro na educa-
em 2007, enquanto na 8ª série e na 3ª série do EM ção no ano de 1995 e qual a sua importância?
Somente cerca de 14% e 10% dos alunos, respectiva- Aponta-se que a definição correta de taxa de
mente, atingiram o nível adequado para a sua série. aprovação é a razão entre o número de aprovados
Esses resultados são contundentes e revelam e a matrícula inicial e não entre o número de apro-
que o país tem que adotar medidas urgentes para vados e a matrícula final (número de aprovados
melhorar a educação escolar oferecida a suas crian- + número de reprovados). Nesta definição, as
ças e jovens, sob pena de ter mais gerações perdidas taxas de aprovação são muito menores e fica mais
e fora do mundo do conhecimento e da tecnologia. evidente a ineficácia do sistema educacional.
A Tabela 3* mostra esse indicador de qualidade A Tabela 4* quantifica essa afirmação para as
para cada série/disciplina definida a partir de 2005, séries iniciais dos dois segmentos do EF e para a
com metas parciais para 2007 e 2009. 1ª série do EM, que estão entre os piores casos.
Conclui-se que com a existência do Saeb, o É chocante observar que, em 2005, as taxas de
Brasil acumulou um impressionante conjunto de aprovação corretas correspondem a somente cerca
dados que vêm dando origem a numerosos estudos de 75% na 1ª série do EF, 72% na 5ª série do EF e
64% na 1ª série do EM, enquanto as taxas erradas
Nº 10 • Abril/99

sobre a interpretação pedagógica dos resultados do


Saeb, além de impulsionar linhas de pesquisa de são de cerca de 82%, muito maiores, mas ainda
caráter quantitativo sobre o desempenho acadêmi- muito baixas para taxas de aprovação.
148
148
co dos alunos, relacionando-os a idade, sexo, nível A Tabela 5* mostra as taxas de repetência erradas e
jan/2017 socioeconômico e cor declarada pelo aluno, bem corretas para as séries iniciais dos três segmentos. Verifica-
-se que as taxas corretas são muito maiores. Em 2005, Uma política de universalização da conclusão
enquanto as taxas erradas nessas séries são da ordem de da educação básica precisa criar mecanismos para
12% a 14%, as corretas estão entre 25% e 30%. diminuir as taxas de repetência e evasão e aumentar
A Tabela 6* exibe as taxas de evasão nas mes- as de conclusão ao longo de um período de tempo.
mas séries iniciais dos segmentos, podendo-se Nesse sentido, devem ser definidas metas realistas
observar que as erradas são muito maiores, espe- baseadas em indicadores mensuráveis, que possam
cialmente na 1ª série do EF e na 1ª série do EM. ser acompanhados para aferir a eficácia da política
No entanto, as taxas de evasão corretas na 5ª série e eventual correção de rumos.
do EF e na 1ª série do EM ainda são muito altas. A Tabela 9 apresenta esses indicadores obtidos
As Tabelas 7 e 8* mostram, para o Brasil, as a partir de 2005 e metas para os próximos anos.
estimativas das taxas de conclusão por idade para
os ensinos fundamental e médio. O erro padrão
das estimativas é da ordem de 0,7%.
Pode-se constatar a grande melhora de 1998
para 2007. Aos 16 anos, com no máximo um ano
de atraso para o EF, a taxa de conclusão subiu de
38% para 60% e, aos 20 anos, de 51% para 76%.
Para o EM, aos 19 anos, aumentou de 23% para
45% e, aos 23 anos, de 30% para 55%. CONCLUSÃO
Conforme adiantado alhures, o artigo procurou
UTILIZAÇÃO DOS DIAGNÓSTICOS apresentar um breve histórico da construção de in-

Foco em qualidade e resultados


PARA A FORMULAÇÃO DE dicadores de qualidade da educação brasileira, com
POLÍTICAS PÚBLICAS foco em uma educação de qualidade, na qual o aluno
Finalmente, ante o exposto, afirma-se que as políti- aprende, passa de ano e conclui a educação básica.
cas públicas que visam melhorar o sistema educacional Enfatizou-se que qualquer política de melho-
precisam apoiar-se nos diagnósticos já disponíveis ria da qualidade dos sistemas escolares tem que
para definir estratégias de intervenção e de monitora- contemplar os dois aspectos simultaneamente: o
mento capazes de alterar os indicadores educacionais. aluno deve aprender e passar de ano.
É preciso que os alunos brasileiros frequentem e * 
Tabelas: neste texto, por tratar-se de um resumo com fins
concluam uma educação básica de qualidade, e, para de otimização de estudos, não apresentou as tabelas, que
isso, percebe-se que se faz necessária a formulação são descritivas. Para consulta integral das mesmas, acessar:
de duas políticas amplas e simultâneas: melhorar \<http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v23n01/
o fluxo escolar e o desempenho dos alunos. v23n01_02.pdf\

RIBEIRO, Vanda Mendes; GUSMÃO, Joana Buarque de. Uma análise


de problemas detectados e soluções propostas por comunidades
escolares com base no Indique. Estudos em Avaliação Educacional,
São Paulo, v. 22, n. 50, p. 457-470, set./dez. 2011. Disponível em: \
Acesso em: 07 out. 2016.
Nº 10 • Abril/99

As autoras – Ribeiro e Gusmão – discutem


Resenhas elaborada por nesse artigo os resultados encontrados numa
Bárbara Popp pesquisa realizada pela Organização Ação Edu-
149
149
cativa em 2008, na qual foram analisados 103
Pedagoga, com mestrado e doutorado pela USP
planos de ação elaborados por escolas estaduais jan/2017
e municipais, em vários estados, que utilizaram o avaliações contínuas para os alunos e de uma
instrumento “Indicadores da Qualidade da Edu- avaliação institucional.
cação (Indique)” para autoavaliação. O Indique, As dificuldades de aprendizagem dos alunos e
desenvolvido em 2004 a partir de uma parceria a falta de acervo diversificado de livros e biblio-
entre a Ação Educativa, Unicef e Ministério da tecas foram problemas apontados na dimensão
Educação, consiste num referencial de qualidade “Ensino e Aprendizagem da Leitura e Escrita”.
dividido em sete dimensões através das quais a Muitas escolas atribuem às crianças os seus pro-
escola e sua comunidade podem se autoavaliar, blemas de aprendizagem, devido à falta de estru-
de forma participativa, e traçar um plano de ação tura das famílias e/ou à indisciplina. Por isso, a
para a melhoria das áreas que forem apontadas solução proposta estava no envolvimento dos pais
como deficitárias. para apoiar a aprendizagem dos filhos na leitura
Ribeiro e Gusmão sistematizaram os principais e escrita, o incentivo aos hábitos de leitura e a
problemas e propostas que foram apresentadas revisão das práticas pedagógicas, como o uso de
pelas escolas que se autoavaliaram com o Indi- gêneros textuais, metas de aprendizagem e melhor
que. Foram analisados planos de ação de escolas formação para os professores alfabetizadores. Para
de São Paulo, Goiás, Paraná e Minas Gerais. Os os problemas de acervo, sugeriu-se a ampliação
problemas e soluções foram analisados de acordo dos mesmos e o bom uso dos materiais e espaços
com as dimensões do Indique: Ambiente Edu- existentes. Nesse item, Ribeiro e Gusmão cha-
cativo, Prática Pedagógica e Avaliação, Ensino mam a atenção do leitor para a proposta de tur-
e Aprendizagem da Leitura e Escrita, Gestão mas homogêneas que aparece como solução para
Escolar Democrática, Formação e Condições de o problema de dificuldade de alfabetização das
Trabalho, Ambiente Físico Escolar e Acesso e crianças. As autoras indicam a leitura de Crahay
Foco em qualidade e resultados

Permanência na Escola. (2000), lembrando que as pesquisas mostram que


Na dimensão “Ambiente Educativo”, as pro- turmas homogêneas favorecem o distanciamento
postas das escolas diziam respeito à elaboração entre os alunos.
de regras e sua divulgação e ao fortalecimento da Na dimensão “Gestão Escolar Democrática”,
escola como ambiente de socialização como forma as alternativas foram as mais diversas para resolver
de solução para o problema de desrespeito às re- a baixa participação de alunos e pais na escola, o
gras e indisciplina. Oficinas, palestras e atividades problema de circulação de informações, o desco-
sobre diversidade e convivência também foram nhecimento dos resultados das avaliações externas
sugeridas. e a falta de formação dos conselheiros escolares.
Problemas como o desconhecimento do Pro- As autoras fazem uma reflexão sobre esse tópico,
jeto Político Pedagógico (PPP) por parte das perguntando-se o porquê foram tão diversas as
famílias, falta de planejamento na escola e de propostas para solução da baixa participação na
ações integradoras da escola com a comunidade escola, já que esse é um problema recorrente.
apareceram na dimensão “Prática Pedagógica As soluções apresentadas vão das mais simples,
e Avaliação”. As soluções propostas buscavam como responsabilizar pais e alunos por suas ações,
a construção coletiva do PPP, realização de ou agendar reuniões de pais em dias e horários
reuniões sistemáticas de planejamento e visitas alternados, até as mais complexas, como atender
aos equipamentos culturais e de lazer do bairro a comunidade através de projetos pedagógicos e
para a proposição de ações integradas entre a promover eventos e ações culturais nos finais de
escola e a comunidade. Quanto à avaliação, o semana. Para a solução da circulação de informa-
problema detectado foi seu uso inadequado e ções e divulgação dos resultados das avaliações
como solução foi proposta a avaliação diagnós- externas, propõe-se que as informações sejam
mais acessíveis em cartazes, murais e meios de
Nº 10 • Abril/99

tica no início do ano, cujos resultados seriam


divulgados aos pais para que esses pudessem divulgação, além de serem discutidas em reuniões
acompanhar o desenvolvimento de seus filhos, na escola.
150
150
além da capacitação das equipes escolares para As escolas citaram problemas que são recor-
jan/2017 um uso mais eficaz da avaliação, criação de rentes na dimensão “Formação e Condições de
Trabalho”, como a falta de formação para os e aprendizagem, somente quando surge o risco
profissionais da educação, quantidade insufi- iminente de perda dos alunos pela evasão é que
ciente de profissionais por escola e as ausências as escolas se propõem a repensar suas práticas,
dos professores, algumas vezes por demanda com soluções criativas que buscam modificar a
das próprias secretarias de educação. A falta de forma de ensinar a aprender. Ainda que de forma
formação poderia ser resolvida, de acordo com sutil, é nessa dimensão que aparece a proposta
as propostas estudadas, com palestras, grupos de de integração da escola com outras institui-
estudos, parcerias com outras instituições e com ções, como Conselho Tutelar e Promotoria da
a própria secretaria para cursos e oficinas. Para Infância e da Juventude, a fim de criar redes de
solucionar o número insuficiente de funcionários proteção social que possam auxiliar alunos e
por escola, as propostas envolveram a ação de suas famílias a resolverem problemas que afe-
pais e alunos em atividades nas escolas para su- tam o desempenho escolar, mas não podem ser
prir a carência de pessoal, e para o problema de resolvidos pela escola unicamente.
absenteísmo dos professores as soluções foram no Ribeiro e Gusmão concluem o artigo afirman-
sentido de torná-lo transparente à comunidade, do que após a análise dos planos de ação pode-se
com a divulgação das faltas dos professores, rema- afirmar que as escolas e suas comunidades têm
nejamento de escala e até mesmo contratação de saberes que podem ser mobilizados na construção
substitutos. Ribeiro e Gusmão salientam que em de propostas para a solução de seus problemas.
nenhuma dessas propostas foi sugerida a adoção No entanto, nota-se que, para algumas ques-
de prêmios ou bônus para professores e demais tões, como a participação dos pais na escola e
profissionais para solucionar o absenteísmo. a indisciplina dos alunos, parece que há menos
Na dimensão “Ambiente Físico Escolar” fo- conhecimento sistematizado sobre quais seriam

Foco em qualidade e resultados


ram citados novamente problemas apontados na as melhores soluções. Por outro lado, propostas
dimensão “Ensino e Aprendizagem da Leitura de ações que envolvem comunicação e integra-
e Escrita”, além de outros relacionados à falta ção entre os diversos atores escolares aparecem
de cuidado com o ambiente escolar e com os como propostas de solução para problemas
materiais e espaços inadequados para a prática encontrados em várias dimensões. As autoras
de atividades esportivas e recreativas. Para esses salientam, ainda, que as escolas parecem ter mais
problemas, as soluções foram diversas, e foram dificuldade em propor soluções para problemas
desde a reforma e/ou construção de espaços e relacionados à prática pedagógica quando os
compra de materiais, até o desenvolvimento de indicadores e parâmetros de qualidade não são
projetos com as comunidades para a conservação específicos e detalhados. Ainda sobre a prática
do meio ambiente. pedagógica, as análises demonstraram que os
A última dimensão, “Acesso e Permanência na professores parecem ter maior dificuldade em
Escola”, trouxe questões relativas às faltas e eva- fazer sua autoavaliação, deslocando o problema
são escolar dos alunos, além de outras já citadas, para elementos externos à atuação docente. Cabe
relacionadas aos problemas de aprendizagem. destacar que, embora algumas soluções propostas
As soluções propostas foram: pesquisa para en- sejam simples, como a realização de reuniões de
contrar as causas da evasão e abandono escolar; planejamento e de avaliação, essas aparecem em
transformação da prática pedagógica com proje- grande número, o que indica que tais práticas
tos que sejam interessantes e motivadores para ainda não estão consolidadas nas escolas.
os alunos. As autoras alertam para o problema Por fim, muitas soluções propõem palestras,
da desmotivação dos alunos, que aparece tam- cursos e oficinas, revelando que existe, ainda, a
bém em outros países e aparenta ser resultado necessidade por parte das escolas de obter a ajuda
Nº 10 • Abril/99

do processo de massificação da educação, para de especialistas para a solução de seus problemas,


o qual as escolas ainda não têm soluções inte- o que leva as autoras a questionarem: as escolas
gradas com a gestão escolar. Também destacam não se sentem capazes de realizar suas mudan-
151
151
que, diferentemente de outras dimensões, que ças ou não têm referenciais internos para essas
também têm como foco o processo de ensino mudanças? jan/2017
Anotações:
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Gestão
pedagógica
COLL, César. Comunidades de aprendizagem e educação escolar.
Disponível em: \<http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ent_a.
php?t=011\> Acesso em: 07 out. 2016.

Introdução
Resenha elaborada por
O sistema de educação escolar atual apresenta
Antônia Maria Nakayama
certas carências e limitações para satisfazer às ne-
Graduada em Pedagogia pela PUC-SP cessidades educativas do conjunto da população.
Mestrado em Psicologia Escolar pelo IPUSP As Comunidades de Aprendizagem (CA), como
Doutorado em Didática pela FEUSP conjunto de experiências propostas, inovações que
vem surgindo nos últimos dez anos, representam
uma trama conceitual e grande potencial trans-
formador e proporcionam uma plataforma útil e
apropriada para empreender uma revisão em pro-
fundidade dos atuais sistemas de educação escolar.

O atual sistema educativo


O primeiro pressuposto da necessidade de
adoção de uma nova maneira de desenvolver
o processo educativo é a compreensão de que,
apesar dos avanços realizados, há limitações para
satisfazer as necessidades educativas do conjunto
da população, gerando “bolsões” de alunos que
não conseguimos fazer avançar.
O segundo pressuposto é que algumas dessas
carências e limitações não podem ser superadas por
reformas mais ou menos setoriais e individuais de
determinados aspectos da educação escolar, mas
Gestão pedagógica

exigem uma revisão em profundidade da organi-


zação e do funcionamento dos sistemas educativos.
Especialmente no Ensino Fundamental, encon-
tramos limitações que nos impedem de satisfazer
às necessidades formativas e de educação de todas
as crianças. Fenômenos como o fracasso escolar,
o abandono, o absenteísmo estão amplamente
documentados em todos os sistemas educativos.
Variam as porcentagens, mas seja qual for o cri-
tério que usemos para definir “fracasso escolar”,
os estudos comparativos internacionais mostram
que em todos os sistemas encontramos índices
mínimos entre 10 de 15% de fracasso escolar.
Nº 10 • Abril/99

Sendo assim, é necessário buscar algo que está na


base dessas considerações, ou seja, o fenômeno da
perda progressiva da centralidade e do protago-
154
154
nismo adquiridos pela educação escolar ao longo
jan/2017 do século XX.
Ao longo desse século, o que ocorreu foi que agentes do cenário educativo, que desempenharão
as sociedades ocidentais reduziram o conjunto de uma influência crescente sobre a formação e a edu-
cenários, práticas e agentes educativos à educação cação das pessoas. A educação escolar deixará de
escolar. De tal maneira que na sociedade todos os ser identificada como sinônimo de educação para
problemas de formação e orientação das novas ge- se transformar em uma parte da educação num
rações são atribuídos de maneira exclusiva à escola. sentido mais amplo.
Esta tendência nos levou a constatação atual de que A ideia fundamental com a qual quero concluir
as instituições de ensino escolar estão praticamente esta parte da exposição é que adotar uma visão
incapacitadas para assumir todo o conjunto de ampla de educação implica aceitar também as con-
responsabilidades que lhes foi atribuído. sequências, que é necessário refletir profundamente
A escola tem que cuidar de absolutamente tudo: sobre os princípios básicos dos sistemas atuais de
ensinar a ler e escrever, ensinar o gosto pela leitu- educação escolar. As reflexões devem chegar ao
ra, despertar a sensibilidade, adaptar-se às novas como ensinar e como aprender, e a onde se ensina,
tecnologias, tem que abraçar todos os temas trans- rompendo que a ideia de que só se ensina e se educa
versais, como a educação para a saúde, a educação nas escolas, e também a quem ensina, quem educa,
sexual, a educação para a solidariedade. Todo este focando não apenas em que ensinar e aprender, mas
processo nos levou a uma situação que começamos também em como e a quem estamos ensinando.
a tomar consciência de que é insustentável, porque
a escola não pode fazer tudo sozinha. Tipos de comunidades de
As escolas seguem com a responsabilidade de aprendizagem
transmitir todos os valores, todas as informações O movimento de Comunidades de Aprendiza-
que consideramos ter relevância para as crianças gem, como um conjunto de propostas e iniciati-
e jovens, quando é óbvio que cada vez mais há vas surgidas nos últimos anos, proporciona uma
novos sistemas e novos agentes educativos que plataforma única e apropriada para abordar esta
têm influência não apenas em nível de valores, mas revisão em profundidade dos sistemas educativos.
também na aquisição de informações, através de O ponto de partida para esta argumentação é que
meios de comunicação como a televisão e princi- este momento das CAs vem se configurando, nos
palmente a Internet. últimos anos, como o expoente mais visível e com
maior fundamentação desta reivindicação por re-
Mudanças de paradigma: o cuperar uma visão ampla da educação.
aprendizado pela vivência

Gestão pedagógica
Quando revisamos a literatura sobre o assunto,
Os sistemas educativos nacionais têm enfati- nos deparamos com uma grande variedade de
zado a concepção de que a educação inicial das coisas que se denominam como Comunidades de
pessoas é a que determina o futuro e sua história Aprendizagem. Identifiquei basicamente quatro
pessoal e profissional. Vamos inaugurar uma tipos distintos de CAs. É uma classificação que
época em que teremos que pensar que a educação serve para exemplificar a heterogeneidade de ex-
escolar é apenas uma das práticas sociais de que periências, mas peço que não a tomem como uma
nos utilizamos para favorecer os processos de de- classificação definitiva.
senvolvimento e socialização das novas gerações. As propostas de Comunidades de Aprendiza-
É preciso, então, perceber que a responsabi- gem identificadas são: a organização dos alunos
lidade da educação e da formação destas novas em classe como Comunidades de Aprendizagem;
gerações já não correspondem só e em exclusivo as experiências, propostas e interações dirigidas ao
à escola e aos professores, como profissionais de conjunto da escola, numa tentativa de organizar o
Nº 10 • Abril/99

educação, mas ao conjunto da sociedade e da funcionamento desse centro educativo como uma
comunidade. Insisto que isso não quer dizer que Comunidade de Aprendizagem; as Comunidades
a responsabilidade da escola cessa, mas que ela se- de Aprendizagem territoriais que são bairros ou
155
155
gue tendo uma nova responsabilidade. Teremos o regiões que têm uma comunidade de interesses
compromisso e a corresponsabilidade de diferentes e que se põem de acordo sobre o que fazer para jan/2017
atingir esses objetivos, mediante ações que têm um processo de desenvolvimento e resolução. São
como eixo integrador a aprendizagem; e ainda as também propostas que postulam um enfoque in-
comunidades Virtuais de Aprendizagem, grupos terdisciplinar, experiências que privilegiam sempre
que se utilizam das novas tecnologias de comuni- a profundidade frente a extensão. São experiências,
cação para criar espaços de aprendizagem. portanto, que exigem um manejo do tempo para
Mas para o que nos interessa a argumentação adequá-lo aos propósitos.
que estou seguindo, esta classificação vai servir, As Comunidades de Aprendizado em sala de
porque cada um desses tipos de comunidade nos aula recorrem a muitos princípios clássicos da
proporciona uma compreensão sobre como é teoria construtivista, numa linha que poderia ser
possível caminhar de maneira diferente em alguns denominada de aprendizagem dialógica, quando
aspectos da organização e do funcionamento dos se pensa que a aprendizagem se dá num marco de
sistemas educativos atuais, quando se aborda essa negociação do significado e de diálogo entre os
questão de uma maneira ampla. Cada um desses membros de um coletivo. Neste modelo, o papel
modelos nos diz coisas diferentes sobre aspectos da do professor é ensinar e trabalhar com os alunos
educação escolar atual que teríamos que modificar as atividades necessárias para construir um diálogo
para alcançar essa visão ampla da educação. construtivo.
Comunidades de aprendizagem em sala de aula E, finalmente, estas Comunidades de Aprendi-
A abordagem fundamental deste tipo de CA zagem em sala de aula recorrem constantemente a
refere-se a como se pode exercer a influência equipamentos e à participação externa, por parte
educativa, de como se pode ensinar sem recorrer dos pais, de agentes da comunidade e de profis-
a modelos expositivos mais tradicionais, enfati- sionais que sistematicamente vão à sala de aula,
zando a construção coletiva do conhecimento, no atuando como instrumentos para a alocação da
sentido de que o aluno, quando aprende, é porque informação pelos alunos. Uma última característica
aprende em um processo coletivo de construção, de é que são experiências que postulam altos níveis de
aquisição de capacidade, de conteúdo e atividades. diálogo e de comunicação em sala de aula.
A ênfase está sempre no aprendizado do grupo.
A segunda característica é que os membros de Comunidades escolares
um grupo tenham conhecimentos, experiências, de aprendizagem
motivações, capacidades e interesses diferentes, A maior parte das experiências propostas e
sendo essa uma das condições favoráveis para que inovações também fazem parte das tentativas de
se crie o conhecimento coletivo.
Gestão pedagógica

melhora da educação escolar. Uma característica


Outra ênfase é a aquisição de habilidades e compartilhada é a percepção, por parte dos pro-
estratégias meta-cognitivas: pensem sobre o que fessores e alunos, de que pertencem a uma mesma
estão fazendo, para que estão fazendo e quais são instituição, sendo que a proposta se dá nos aspec-
os objetivos. Ser autônomo e colaborativo não é tos de organização curricular e funcionamento da
fácil, se aprende, desde que as estratégias sejam escola. A heterogeneidade, neste modelo de CA, é
ensinadas pelo professor. tão grande ou ainda maior que no anterior.
Outra característica que aparece frequentemen- Outra característica deste tipo de CA são as
te nesses grupos é a ênfase na seleção de atividades decisões compartilhadas em relação a novas formas
percebidas como autênticas e relevantes, às quais de organização, currículo e novas metodologias
todos os membros do grupo possam dar sentido de ensino. Se confere uma grande importância à
em um processo de criação coletiva do conheci- reflexão sobre a prática, à articulação teoria-prática,
mento. à ação de processos de melhoria das práticas pela
utilização de recursos teóricos. Este é um princípio
Nº 10 • Abril/99

A organização sistemática e estratégica dos


conteúdos é realizada de modo que eles sejam difícil de ser aplicado, pois requer tempo.
compartilhados, em que cada um dos alunos pos- São instituições nas quais o elemento central
156
156
sa aportar suas próprias experiências e vivências, é o compromisso de todos na construção e da
jan/2017 como atividades complexas, que não têm apenas aquisição de novos conhecimentos, nas quais as es-
truturas hierárquica e burocrática são substituídas e como objetivo comunitário. Outro objetivo é
por outra, de trabalho e responsabilidade compar- conseguir um desenvolvimento sustentável em
tilhados, que exige tempo e espaço diferentes dos uma área concreta, favorecendo e melhorando a
atuais. Essas escolas estão abertas à sociedade e à interação social. Por isso, as comunidades terri-
comunidade nas quais se encontram, sendo sensí- toriais cumprem papel importante especialmente
veis às suas preocupações e interesses e se utilizam em áreas desfavorecidas, para atingir objetivos
de todos os recursos que aparecem na comunidade concretos e realistas.
para a formação dos alunos. Tentam e conseguem
estabelecer corresponsabilidades e compromissos Comunidades virtuais de
dos agentes sociais. aprendizagem
A CA virtual possibilita uma fácil integração,
Comunidades de desde que formada por instâncias ou pessoas que
aprendizagem territoriais estão conectadas em rede e que têm como foco um
Comunidades de Aprendizagem referidas ao conteúdo de aprendizagem. As novas tecnologias
território são experiências que possuem origem são utilizadas não apenas como instrumento de
distinta das anteriores, pois não têm como objeto a intercâmbio de informações, mas que sejam pos-
educação escolar e estratégias de desenvolvimento tas como instrumentos de aprendizagem, o que é
comunitário no âmbito econômico, baseadas na muito mais difícil, porque o desenvolvimento que
vocação comunitária, e que têm tido um cresci- alcançaram até o momento as novas tecnologias em
mento espetacular nestes últimos 10 anos. comunicação não foi acompanhada pelo desen-
A CA territoriais são estratégias de desenvolvi- volvimento de novas metodologias que façam uso
mento local inseridas no cenário de novas tecno- de suas potencialidades para ensinar e aprender.
logias, de globalização econômica e cultural. Um Os obstáculos no caminho das CAS
exemplo claro deste tipo de experiência é o Movi- O primeiro desses obstáculos tem a ver com a
mento de Cidades Educadoras (surgido em 1990, heterogeneidade de significados e práticas tanto
na Espanha), que une o mundo escolar ao mundo em Comunidades de Aprendizagem referidas à
do trabalho, ao mundo econômico, formando sala de aula quanto à escola e ao território. O
um conjunto de estratégias de desenvolvimento que não temos são experiências de aprendizagem
comunitário que torna a aprendizagem a base da que integrem esses três tipos de CAs, que nos
elaboração de estratégias de desenvolvimento em permitam entender como funcionam aulas como

Gestão pedagógica
âmbito local. Comunidades de Aprendizagem, inseridas em
Os recursos educativos, econômicos, serviços, centros educativos que funcionam como Comu-
equipamentos, normalmente são mal aproveitados nidades de Aprendizagem, por sua vez inseridos
e seriam muito úteis se utilizados em atividades em redes de aprendizagem comunitária. Esse é
educativas, em parceria com os órgãos de edu- o grande desafio, para que cheguemos à grande
cação, saúde, justiça e outros de âmbito local, transformação do sistema de educação escolar tal
estadual e federal, para desenvolver pontos con- como o conhecemos.
cretos de atuação, contando com os recursos, os O segundo e último obstáculo tem a ver com
equipamentos desse território. o contexto de ensino das Comunidades de Apren-
Há dois objetivos básicos na consecução da dizagem, de como os alunos e professores podem
CA. Um deles é o geográfico. Quanto menor o se comprometer com processos de co-construção
território, mais rápido se sentirá a ação da comu- do conhecimento, mantendo ao mesmo tempo a
nidade de aprendizagem e maior o compromisso capacidade de influir de maneira sistemática nas
Nº 10 • Abril/99

e a corresponsabilidade por parte dos diferentes linhas que marcam os objetivos e propósitos do
agentes sociais. Já o objetivo funcional pressupõe currículo escolar. É através desse processo de co-
que os agentes desse território compartilhem obje- -construção que nós professores conseguimos,
157
157
tivos e ideias, dando importância à aprendizagem quando conseguimos, ajudar nossos alunos a
ao longo da vida, como princípio organizativo aprender e seguir aprendendo. jan/2017
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar:
estudos e proposições. 22ª edição. São Paulo: Cortez Editora, 2011
Avaliação escolar
Resenha realizada por
O entendimento de avaliar é extremamente
Marcia Regina Vital
relevante para o aprendizado. De acordo com
Doutora em Psicologia Escolar e Cipriano Luckesi a avaliação é um julgamento de
Desenvolvimento Humano - Instituto de valor sobre manifestações relevantes da realidade,
Psicologia da tendo em vista uma tomada de decisão. A avaliação
Universidade de São Paulo é um instrumento no qual deva haver por parte
Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento - dos profissionais uma tomada de posição quanto
Universidade Mackenzie; ao objeto avaliado.
Graduada em Pedagogia - Faculdades Capital Essa avaliação de valor tem uma conotação
qualitativa, marcando o objeto avaliado no sentido
de um ideal preestabelecido, este objeto será relati-
vamente bem-aceito tanto quanto for satisfatório
bem como menos satisfatório, tendo em vista um
padrão idealizado a ser seguido. O julgamento
deverá estar de acordo com as necessidades reais
do que se espera do objeto a ser avaliado.
O juízo de valor está sujeito à especificidade
ao que se destina determinada área de conheci-
mento. Ao avaliar numa tomada de decisão esse
julgamento de valor se mostra de não indiferença
em relação ao objeto avaliado, no que diz respeito
ao processo da aprendizagem. A avaliação como
tomada de decisão, coloca o professor numa
situação de detentor do saber e poder avaliativo
autoritário. Esta avaliação classificatória, longe
Gestão pedagógica

de ser diagnóstica como deveria ser, posiciona-


-se numa avaliação estática, que percebe apenas
os números. Avaliando o sujeito apenas por uma
visão determinada da sociedade.
Esta classificação não possibilita ao sujeito
uma autonomia, favorecendo uma estática em
seu processo de aprendizagem, em termos de de-
senvolvimento de atitudes, sendo aceito e punido
como a pontuação que obtiver. Neste momento a
avaliação torna-se estancada.
No caso da avaliação diagnóstica, esta possibili-
ta uma interação entre educador e educando, tendo
como objetivo um alvo que deverá ser atingido,
Nº 10 • Abril/99

respeitando os processos de aprendizagem, levando


em consideração o desenvolvimento do sujeito. A
função da avaliação em termos pedagógicos, deve-
158
158
rá ter como objetivo a formação, o aprendizado. O
jan/2017 professor tem a tarefa de cuidar da aprendizagem
do educando, reconhecendo o real papel da ava- uma escala classificatória com notas que vão de
liação, num caminho em conjunto. zero a dez.
É verdade que, na realidade de muitas escolas, a Os exames são seletivos ou excludentes. Numa
avaliação é entendida como um fim em si mesma, média bem geral, no Ensino Fundamental e no
que existe de forma autônoma e não tem vínculos Ensino Médio, aproveitamos, no país, em torno
com o projeto político pedagógico. O resultado de 35% dos alunos efetivamente matriculados.
dessa concepção também é bastante conhecido: a A avaliação é não pontual, diagnóstica (por isso,
criação de um campo fértil para a proliferação do dinâmica) e inclusiva. À avaliação interessa o que
autoritarismo e da exclusão. estava acontecendo antes, o que está acontecendo
Luckesi nos apresenta a avaliação como um agora e o que acontecerá depois com o educando.
“juízo de qualidade sobre dados relevantes para Para um verdadeiro processo de avaliação, não inte-
uma tomada de decisão”, e não como um julga- ressa a aprovação ou reprovação de um educando,
mento definitivo sobre algo. Posiciona a avaliação mas sim sua aprendizagem e, consequentemente,
como um ato seletivo e inclusivo, que possibilita o seu crescimento; daí ela ser diagnóstica.
questionar ações passadas e gerar ações futuras. A avaliação tem a finalidade de diagnosticar
Também a avaliação classifica como um ins- onde o educando está manifestando carências e
trumento valioso para que escolas, professores e descobrir e tomar a decisão de como ajudá-lo a
alunos possam voltar o olhar para si mesmos em superar suas fragilidades. A finalidade dos exames
busca de transformações qualitativas que só os é saber se o educando atingiu, aqui e agora, o
processos de autoconhecimento podem gerar. O esperado dele. Os exames não têm por objetivo
modo de trabalhar com os resultados da aprendi- subsidiar decisões no sentido de superar dificul-
zagem escolar – sob a modalidade da verificação dades. Por que se avalia? Por que se examina? Se
– reifica a aprendizagem, fazendo dela uma ‘coisa’ examina para disciplinar os educandos, obrigando-
e não um processo. -os a submeter-se à ordem escolar, que se configura
O momento da aferição do aproveitamento dentro de um processo de reprodução da ordem
escolar não é o ponto definitivo de chegada, mas social, incluindo aí todas as instâncias, tais como
um momento de parar para observar se a caminha- a família, as organizações religiosas, escolares,
da está correndo com a qualidade que deveria ter. sociais, políticas.
A verificação transforma o processo dinâmico A prática dos exames ou a prática da avaliação
da aprendizagem em passos estáticos e definitivos. não servem a si mesmas, mas sim a um determi-

Gestão pedagógica
A avaliação, ao contrário, manifesta-se como um nado projeto. Tanto os exames como a avaliação
ato dinâmico que qualifica e subsidia o reencami- são práticas subsidiárias de determinados projetos
nhamento da ação, possibilitando consequências de ação: de projetos pedagógicos. Nossos currícu-
no sentido da construção dos resultados que se de- los postos em prática são tradicionais. Daí que a
sejam. “O erro não é fonte de castigo, mas suporte aferição da aprendizagem, nesse contexto, termina
para o crescimento”, como afirma Luckesi (2002). sendo tradicional, por mais que se diga que se está
É por meio do erro do aluno, que o educador praticando a avaliação.
vai identificar o que o aluno já sabe e o que pode Para a prática de avaliar necessitamos de um
vir, a saber, sobre o conteúdo em estudo e recons- currículo centrado no desenvolvimento, na cons-
truir o conhecimento a partir dele. trução, na experiência da igualdade e da demo-
A escola hoje ainda não avalia a aprendizagem cracia. As novas concepções acerca de avaliação
do educando, mas sim examina. Os exames, em (verificar o que o aluno aprendeu, e não o que
primeiro lugar, são pontuais, o que significa que ainda falta aprender, valorizar a conquista do
aluno, avaliá-lo em relação a ele próprio e não em
Nº 10 • Abril/99

não interessa o que estava acontecendo com o


educando antes da prova, nem interessa o que relação a um modelo, trabalhar de forma multi e
poderá acontecer depois; os exames são classifica- interdisciplinar etc.) parecem ser mais claras no que
diz respeito ao Ensino Fundamental e à criança. 159
159
tórios classificam os educandos em aprovados ou
reprovados, ou coisa semelhante, estabelecendo Avaliação é o ato de subsidiar a construção jan/2017
de resultados satisfatórios. Não há um conceito necessita de trabalhar três turnos e em diversas
próprio de avaliação para o Ensino Fundamental, escolas para reunir algum dinheiro para manter
outra para o Ensino Médio e outra para o Ensino sua sobrevivência e a dos seus.
Superior. Existirão sim nuanças metodológicas e Não se pode confundir exames e avaliação com
técnicas que terão que ser adequadas aos diversos instrumentos dos exames ou da avaliação. Exames
níveis de ensino e aos diversos tipos de conteúdos ou avaliação compõem modos de ser, ao passo que
e práticas. os instrumentos são recursos. Assim, um teste, seja
Avaliar será sempre diagnosticar a realidade, ele de perguntas abertas ou fechadas, por si, nada
qualificando-a, tendo em vista subsidiar decisões mais é do que um instrumento de coleta de dados
para a obtenção do melhor e mais adequado resul- para o exame ou para a avaliação.
tado possível de uma determinada ação. O que muda é o “para quê” ele é utilizado: para
A aprendizagem dos conteúdos, no Ensino examinar ou para avaliar? Se for utilizado para
Médio não é a mais verdadeira e significativa, examinar, ele terá um uso classificatório e seletivo;
mas sim para o vestibular. Como reformular a porém, se for utilizado para avaliar, terá um uso
avaliação, quando se tem um professor que utiliza diagnóstico e inclusivo. Então, a questão não é o
instrumentos como a prova e a reprovação, como instrumento, em si, mas sim a filosofia com a qual
um escudo protetor, como instrumento de poder, esse instrumento é utilizado.
de dominação de seus alunos? Novas formas de avaliar são vistas pelos profes-
A questão fundamental, de um lado, está na sores como tentativas de se camuflarem resultados
formação do educador. Esses professores sabem ruins e como imposição de que se aprovem mesmo
bem os conceitos sobre avaliação, porém não os os "maus alunos". Como mudar essa visão? Exami-
trouxeram para a vida cotidiana, para a prática. nar é muito mais simples e propicia maior oportu-
Nossa prática educativa, ainda é iluminista; daí nidade de exercício do poder do que avaliar, por isso
parecer que saber os conceitos é suficiente. Não parece que a primeira modalidade é mais exigente.
o é! Necessitamos de aprender com a vivência. A A avaliação está posta para a efetiva construção
formação pessoal para atuar com avaliação tam- da aprendizagem, buscando a satisfatoriedade;
bém exige que seja vivencial. É através dela, que a os exames, ao contrário, permitem o acerto por
avaliação chegará à sala de aula, pois que é lá que acaso, pela tentativa, sem ter a pose efetiva do
o professor atua. conhecimento.
Novas formas de organização curricular, como
Resumindo
Gestão pedagógica

os ciclos de formação, pressupõem novo olhar


sobre o aluno. Como promover essa mudança No Brasil, o tema “avaliação da aprendizagem” co-
de olhar na escola? Os professores necessitam de meça a ser abordado no final dos anos de 1960/início
atualizar-se sobre uma pedagogia construtiva, dos anos 1970 do século XX; conforme LUCKESI,
aprendendo a trabalhar verdadeiramente com sua antes disso falávamos apenas em exames escolares.
teoria e seus recursos, pois que os ciclos estão A atual LDB, editada em 1996, finalmente
assentados sobre teorias construtivas. usou a expressão “avaliação da aprendizagem”,
Não basta o discurso. É preciso a prática e, em seus artigos de lei. Entretanto, em todos os
para isso, é necessário uma formação consistente. níveis de ensino no Brasil, utilizam-se muito mais
A organização escolar deve garantir as condições exames escolares do que avaliação da aprendiza-
para que esse projeto se realize, tais como biblio- gem. LUCKESI lembra que: 1) o ato de examinar
teca, laboratórios, espaço físico adequado, material se caracteriza pela classificação e seletividade; 2)
didático satisfatório, assim como um regimento o ato de avaliar se caracteriza pelo diagnóstico e
pela inclusão.
Nº 10 • Abril/99

e uma administração sadia, criativa, investida em


sua tarefa e responsável. É necessário que haja O que interessa: sistema escolar em que o edu-
melhores condições de trabalho, tais como con- cando aprenda, e não aquele em que ele seja mera-
160
160
dições salariais. É impossível que um professor mente reprovado. Na maioria das vezes repetimos
jan/2017 possa atuar da melhor forma que pode, quando o que aconteceu conosco: fomos examinados por
nossos professores, através de exames escolares, A escola opera com verificação e não em
agora somos examinadores de nossos alunos, avaliação da aprendizagem. Ao avaliar, o pro-
utilizando-nos dos mesmos instrumentos. O que fessor deverá: 1) coletar, analisar e sintetizar
significa, então, “aprender a avaliar”? as manifestações da conduta dos educandos,
Aprender os conceitos teóricos sobre avaliação produzindo uma configuração do efetivamente
apreender também a praticar essa avaliação, e a aprendido; 2) atribuir uma qualidade a essa
leitura sobre o tema ajuda. Na prática da aferição configuração da aprendizagem, a partir de um
do aproveitamento escolar, os professores utili- padrão preestabelecido e admitido como válido
zam basicamente três procedimentos: 1) medida pela comunidade dos educadores dos conteúdos
do aproveitamento escolar; 2) transformação da que estejam sendo trabalhados.
medida em nota ou conceito; 3) utilização dos re- A avaliação é um diagnóstico da qualidade
sultados identificados. A aferição da aprendizagem dos resultados intermediários ou finais e a
escolar tem sido utilizada para classificar os alunos verificação é uma configuração dos resultados
aprovados e reprovados. parciais ou finais.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do


processo. São Paulo: E.P.U., 1992.
Sobre Mizukami: Fez Pedagogia na Univer-
Resenha elaborada por sidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Luci Ana Santos da Cunha. (1970), mestrado em Educação pela Pontifícia
Possui Pedagogia e Mestrado pela Faculdade de Universidade Católica do Rio de Janeiro (1977)
Educação da USP. e doutorado em Ciências Humanas, também pela
Supervisora Escolar da PMSP. Docente do Ensino PUC do Rio de Janeiro (1983). É professora
Superior. titular pela Universidade Federal de São Carlos.
Tendo como questão “O que fundamenta a ação
docente?”, Mizukami realiza uma análise teórica
de conceitos relativos a diferentes abordagens do

Gestão pedagógica
processo de ensino.
Para Mizukami o fenômeno educativo é hu-
mano, histórico e multidimensional: ¨Nele estão
presentes tanto a dimensão humana quanto a
técnica, a cognitiva, a emocional, sócio política e
cultural” (p. 1)
Ao organizar sua exposição, utiliza-se de 5
abordagens: tradicional, comportamentalista,
humanista , cognitivista e sociocultural. Não
inclui a abordagem escolanovista, por considerar
que seus pressupostos estão contemplados nestas
outras abordagens.
Nº 10 • Abril/99

161
161
jan/2017
Tradicional Behaviorista Humanista Cognitivista Sócio Cultural
9.Professor-Aluno
- Relação vertical, -O professor tem a - O professor é - Livre cooperação - É horizontal e
professor responsabilidade de uma personalidade dos alunos entre não imposta, -
detém o poder planejar e desenvolver única que assume si e não apenas consciência ingênua
decisório quanto o sistema de ensino- a função de entre professor e deve ser superada.
a metodologia, aprendizagem: facilitador da aluno. - O professor
conteúdo e controlar os passos, aprendizagem. -Professor: procurará
avaliação, - os percursos, como - O relacionamento provocar desmistificar e
professor = detém um engenheiro entre professor e desequilíbrios e questionar com
os conteúdos e os comportamental. aluno é sempre fazer desafios, o aluno a cultura
meios de expressão pessoal e único. orientando dominante,
e conduz os alunos, Deve haver uma o aluno para valorizando a
transmitindo compreensão que tenha linguagem e a
conhecimentos. empática e o autocontrole e cultura deste,
- O professor é o apreço (aceitação e autonomia. Deve criando condições
agente e o aluno é confiança). assumir o papel para que cada um
o ouvinte. - O aluno deve de investigador, deles analise seu
responsabilizar-se pesquisador, conteúdo e produza
pelos objetivos orientador. cultura.
referentes à Coordenador. - Professor e
aprendizagem. Aluno: aluno buscam
(um ser que se sujeito ativo, conjuntamente
autodesenvolve). independente. a superação da
consciência ingênua.
10.Metodologia
- Transmissão do -Aplicação da - As estratégias Não existe - Características
patrimônio cultural, tecnologia instrucionais são um modelo básicas: ser ativo,
por modelos. educacional e secundárias. pedagógico dialógico e crítico:
- Baseada na aula estratégias de ensino. - Deve-se estimular piagetiano, mas criar um conteúdo
expositiva, com - Individualização do a curiosidade sim uma teoria do programático
conteúdo pronto, ensino: especificação e o interesse conhecimento. próprio.
aluno ouvinte de objetivos, dos alunos, que -Implicações -Dialógica e
Gestão pedagógica

passivo. Método envolvimento do escolhe o que quer dessa teoria: conscientizadora.


expositivo. aluno, feedback aprender. a inteligência
- Todos os alunos constante, ensino - Os conteúdos se constrói a
devem ter o mesmo modular (passo a devem ser partir da troca
ritmo / tempo de passo); significativos, do organismo
aprendizagem. - Grande ênfase é pesquisados com o meio, por
Método maiêutico: dada à programação pelos alunos, meio das ações
professor dirige e à instrução que devem ser do indivíduo, que
a classe a um programada capazes de analisar são o centro do
resultado desejado, (proposta criticamente os processo.
seguindo passos skinneriana). mesmos. - Didática baseada
para chegar ao na investigação
objetivo proposto. (experiências e
jogos feitas pelos
Nº 10 • Abril/99

alunos). Ambiente
desafiador,
problematizador.
162
162
Método ativo.
jan/2017
Tradicional Behaviorista Humanista Cognitivista Sócio Cultural
11. Avaliação
- Realizada - Constatar o que o - Encontra-se - A avaliação - Autoavaliação e/
visando a exatidão aluno já aprendeu, se um desprezo deverá ser ou avaliação mútua
da reprodução jáatingiu os objetivos por qualquer realizada a partir e permanente da
do conteúdo propostos. padronização de parâmetros prática educativa,
trabalhado na aula. - Processo:no de produtos de extraídos da por professor e
Mede a quantidade início(pré- aprendizagem e própria teoria aluno.
e exatidão das testagem), no competências. e implicará em
informações que decorrer do processo - Crianças e adultos verificar se o aluno
o aluno consegue (reorganização) e no aprendem o que adquiriu noções,
reproduzir. final (conhecer se desejam aprender . conservações,
- Exame: fim em si os comportamentos - Autoavaliação realizou operações,
mesmo. desejados foram (com critérios, só estabeleceu
Notas: na adquiridos). o indivíduo pode relações, etc.
sociedade, conhecer a sua - O controle do
demonstração de experiência). aproveitamento
patrimônio cultural. deve ser apoiado
em múltiplos
critérios,
considerando
a assimilação e
a aplicação do
conhecimento.
12. Considerações Finais
-O ensino -Educação, ensino- - Ênfase ao sujeito, - O conhecimento - Esta abordagem
tradicional prioriza aprendizagem e a autorrealização e progride mediante concebe a
a disciplina instrução estão o vir-a-ser contínuo a formação de educação, sempre
intelectual e os a serviço da que é característico estruturas . Tudo como um ato
conhecimentos transmissão cultural da vida humana. o que se aprende político e o
abstratos. das instâncias O subjetivo deve é assimilado por conhecimento como
-Escola tem missão de poder, pela ser levado em uma estrutura transformação
unificadora. -Os modelagem consideração já existente e contínua.

Gestão pedagógica
programas são experimental do e ocupa lugar provoca uma
rígidos e coercitivos. comportamento. primordial (crítica reestruturação.
-Concepção estática -Conhecimento ao controle do
de conhecimento. programado, comportamento
controlado. humano e a
ditadura social).
Principais representantes
- Dürkheim, Skinner, Popham, Carl Rogers, Jean Piaget, Vigotsky, Paulo
Chartier, Snyders. Gerlach e Briggs, Alexander Neill, Jerome Bruner, Freire, Álvaro Vieira
Glaser, Papay, Erich Fromm. Henry Wallon. Pinto.
Madsen.
Tradicional Comportamentalista Humanista Cognitivista Sócio Cultural
Nº 10 • Abril/99

Mizukami esclarece que as teorias não são das unidades educativas. Indica a necessária arti-
as únicas fontes de respostas possíveis e finaliza culação entre teoria e prática (práxis pedagógica)
atentando para a necessária ação-reflexão grupal, nos cursos de formação de professores (vivências,
163
163
que poderão de fato levar a compreensão e trans- análises, confrontos e articulações entre as diferen-
formação dos impasses e problemas cotidianos tes abordagens). jan/2017
SENNA, Sylvia Regina Carmo Magalhães; DESSEN, Maria Auxiliadora.
Contribuições das teorias do desenvolvimento humano para a
concepção contemporânea da adolescência . Psicologia: Teoria e
Prática. Brasília, v. 28, nº 1, p.101-108, jan/mar.
Esse artigo, que visa contribuir para uma com-
Resenha elaborada por preensão mais atualizada da adolescência, como
Antonia Maria Nakayama período de vida caracterizado por intensa exploração
Graduada em Psicologia pela PUC-SP e múltiplas oportunidades, que variam em função
Mestrado em Psicologia Escolar pelo IPUSP dos diferentes contextos sociais e culturais, adota um
Doutorado em Didática pela FEUSP paradigma sistêmico, priorizando as inter-relações dos
recursos individuais e contextuais que promovem as
trajetórias de desenvolvimento positivo.
As autoras de início descrevem a história do
percurso científico da adolescência no século XX,
identificando duas fases importantes na abordagem
do tema, para depois enfatizar a visão do desen-
volvimento positivo.

O PERCURSO DO ESTUDO
CIENTÍFICO NA ADOLESCÊNCIA
NO SÉCULO XX
A primeira fase do estudo científico na adoles-
cência ocorreu do início do século XX até os anos
1970, sendo caracterizada por estudos descritivos
e não teóricos. O estudo marcante dessa fase é o
livro Adolescência, de Stanley Hall, publicado em
Gestão pedagógica

1904 em que deixa clara sua abordagem biológica,


calcada no desenvolvimento das espécies (filogêne-
se) e na recapitulação do desenvolvimento do indi-
víduo (ontogênese). A adolescência, para o autor,
representa um segundo nascimento, um período
de transição universal e inevitável, sendo sua teoria
considerada inovadora e provocativa para a época.
Um segundo grupo de teorias tem como base
os pressupostos da psicanálise de Sigmund Freud
(1856-1939), que não identificou a adolescência
como fase distinta no desenvolvimento, apesar de
considerá-la crucial. Esta perspectiva preconizou a
pessoa como dotada de um reservatório de impul-
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sos biológicos básicos, identificando a emergência


de determinado aspecto da sexualidade humana
a cada fase distinta do ciclo vital. Assim, na ado-
164
164
lescência, ocorre a reativação, na forma madura e
jan/2017 genital, de vários impulsos sexuais e agressivos,
experimentados pela criança nas fases iniciais do pações nos adultos têm sua origem nas mudanças
seu desenvolvimento (oral, anal e edípica). na sua forma de pensar, pois desenvolvem o pen-
A intelectualização, como mecanismo de defesa samento formal e revelam uma maneira própria de
adotado pelo adolescente para lidar com a sua compreender a sua realidade, construindo sistemas
revolta emocional, o conduz para a mudança de filosóficos, éticos e políticos como tentativa de se
interesses das questões concretas do corpo para adaptar e mudar o mundo
as questões mais abstratas, isentas de emoção. As autoras explicam que, apesar das teorias
Logo, os conflitos da puberdade são considerados clássicas descreverem as várias mudanças durante
normais e até necessários ao seu funcionamento a adolescência, tendo como foco diferentes as-
‘adaptativo’, na busca por um novo sentido de sua pectos do indivíduo (sentimentos, cognições e
personalidade e papel social. interações), não foram suficientes para explicar
Um dos representantes dessa abordagem é Erik o desenvolvimento nesta etapa do curso de vida,
limitando-se a apresentar dicotomias entre os
Erikson (1968/1976), que expõe a teoria do desen-
aspectos maturacionais e genéticos e os aspectos
volvimento psicossocial, e que integra a psicanálise
exclusivamente contextuais: herdado versus ad-
ao campo da antropologia cultural, enfatizando a
quirido, continuidade versus descontinuidade,
interação entre as dimensões intelectual, sociocul-
estabilidade versus mudança, que representavam
tural, histórica e biológica.
o conhecimento da época.
Ao afirmar que o desenvolvimento é descrito por
Na medida em que as evidências empíricas fo-
uma série de estágios previsíveis, Erikson destaca
ram sendo produzidas, novos modelos relacionais
a influência dos ambientes e o impacto da experi-
do desenvolvimento foram surgindo. Tais modelos
ência social durante todo o curso de vida. Sob esta
reconheciam o caráter fundamental e integrador das
perspectiva, a cada estágio do desenvolvimento, a
influências dos diferentes níveis de organização da
pessoa se depara com um conflito central, isto é,
ecologia do desenvolvimento humano, gerando a ne-
uma crise normal e saudável a ser ultrapassada. Em
cessidade de novos aportes integradores, culminando,
se tratando da adolescência, essa crise se caracteriza
assim, na segunda fase dos estudos científicos.
pelo desenvolvimento da identidade, que está em
constante mudança, e que depende das experiências
e informações adquiridas nas interações diárias do
SEGUNDA FASE: A VISÃO
adolescente com outros. Como consequência, os CONTEXTUALISTA DO
adolescentes que recebem encorajamento apropria- DESENVOLVIMENTO DO
ADOLESCENTE

Gestão pedagógica
do para sua exploração pessoal, tendem a ter um
sentido mais forte de si mesmo e um sentimento Esta fase dos estudos científicos sobre a adoles-
de independência e controle. cência teve início na década de 1970, na medida
O terceiro grupo de teorias de desenvolvimento em que as pesquisas empíricas se tornavam des-
é reconhecido por preconizar que o comporta- vinculadas dos modelos teóricos clássicos e que
mento do adolescente é moldado, até certo ponto, novos modelos e questões sobre desenvolvimento
pelo ambiente social imediato (pais e pares) e pelo humano no curso de vida.
ambiente social amplo (cultura). Na busca por Estes modelos refletiam uma visão contextua-
examinar a universalidade da ideia de turbulên- lista, que enfatiza o indivíduo e o ambiente na sua
cia, Margaret Mead, representante dessa teoria, dinâmica de relações bidirecionais, bem como o
relaciona a rebeldia da puberdade (fase universal) papel do tempo e do espaço no desenvolvimento
contra a autoridade dos pais ao idealismo do jo- humano. As interações pessoa-contexto passam a
vem, dependendo do estilo de vida e da cultura na ser vistas como um fenômeno do desenvolvimento
qual ele está inserido. psicológico que implica considerar:
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Jean Piaget influencia um quarto grupo de teo- (a) a pessoa em constante desenvolvimento, de-
rias da adolescência, dando destaque aos processos vido ao fluxo de contínuas mudanças nas relações
que ela estabelece com o ambiente; 165
165
cognitivos do desenvolvimento, ao afirmar que os
comportamentos adolescentes que geram preocu- (b) o desenvolvimento humano caracterizado jan/2017
pelo grande potencial para mudança sistemática níveis: macro (da sociedade e da ordem social), das
(plasticidade), em qualquer ponto no curso de estruturas intermediárias (comunidades e vizinhança)
vida; e e do mundo proximal (escola e família). Isto é, os
(c) o significado do desenvolvimento humano indivíduos adquirem significados próprios do seu
inserido no contexto socio-histórico em que ele contexto histórico e das experiências de outros e,
acontece. como agentes ativos de mudança, influenciam seu
Naquela época, um grupo de estudiosos do de- próprio desenvolvimento, fazendo escolhas baseadas
senvolvimento se reuniu com o apoio do Carolina nessas experiências – disposições, conhecimentos e
Consortium on Human Development (CCHD, crenças, que afetam suas perspectivas, expectativas e
1996), com o intuito de organizar uma síntese das adaptações subsequentes.
diferentes disciplinas e teorias sociais, psicológicas Nessa perspectiva valoriza-se a interdependên-
e biocomportamentais, que servisse para orientar cia de trajetórias, onde a trajetória individual está
as pesquisas em diversos níveis da organização hu- envolvida na dinâmica de caminhos múltiplos
mana. Seus participantes propuseram um modelo e inter-relacionados, formando uma matriz de
abrangente denominado ciência do desenvolvi- relações sociais ao longo do tempo. Assim, cada
mento, em que desenvolvimento se refere a um geração pode tomar decisões e promover eventos
fenômeno multifacetado, composto pelo conjunto no curso de vida das outras, havendo uma inter-
de processos de mudanças progressivas, estruturais dependência entre vidas, e também, entre níveis,
e organizacionais, ocorridos nas interações entre como por exemplo, entre trabalho e família, casa-
pessoas e sistemas biológicos, dentro de grupos mento e parentalidade, trabalho e lazer.
sociais e ambientes, no decorrer do tempo. Nesta direção, para as autoras, a teoria do curso
O desenvolvimento passou a ser visto como de vida postula a articulação de conceitos do de-
epigenético e probabilístico, na medida em que os senvolvimento, ultrapassando modelos mais tradi-
fatores biológicos contextuais foram considerados cionais, lineares, unidimensionais, unidirecionais e
reciprocamente interativos, havendo novas possibi- unifuncionais de crescimento e maturação biológica
lidades geradas a cada etapa pela articulação entre do indivíduo. Ao adotar uma visão holística, essa
o contexto e o processo. Para os autores dessa te- teoria prescreve o desenvolvimento entre ganhos e
oria o desenvolvimento ocorre por meio de forças perdas, sendo que as potencialidades são expressas
complementares internas e externas, denominadas por meio da plasticidade intraindividual, isto é,
de co-ação, havendo o sentido bidirecional que do grau de maleabilidade presente nos indivíduos.
busca adaptar e manter o equilíbrio e a harmonia Assim, as trajetórias observadas na mudança in-
Gestão pedagógica

do sistema diante de situações novas ou adversas. traindividual variam no tempo e no espaço, como
A teoria sistêmica foi fundamental para a compre- consequência dessa plasticidade, com o desenvol-
ensão das questões da investigação sobre o desenvol- vimento exercendo um papel regulador, que tanto
vimento humano, enfatizando a relação mútua entre facilita como impede oportunidades de mudança.
os sistemas e entre os componentes de um sistema, Esta visão contemporânea do desenvolvimento,
bem como sua evolução em padrões de tempo. presente a partir da segunda fase dos estudos cientí-
ficos da adolescência, contribuiu não somente para
A TEORIA DO CURSO DE VIDA a compreensão da atual concepção de adolescência,
A perspectiva do curso de vida propõe a identifi- mas também para a adoção de metodologias mais
cação dos estágios de vida (infância, adolescência, fase apropriadas para responder questões desse precio-
adulta e velhice) nos seus aspectos temporais, contex- so período de vida do ser humano.
tuais e processuais, como forma de compreender as
mudanças ocorridas no desenvolvimento humano. O MODELO (BIO)ECOLÓGICO DE
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Nesta visão, as mudanças históricas, geográficas URIC BRONFENBRENNER


e ambientais nos padrões de vida modelam o conte- Em consonância com a perspectiva do curso de
166
166
údo, a forma e o processo do desenvolvimento do vida, ainda na década de 1970, Bronfenbrenner
jan/2017 indivíduo, na história e no mundo social, em diversos (1979/1996) apresentou um modelo para orientar
as pesquisas em desenvolvimento humano deno- Durante a adolescência, as interações no co-
minado modelo ecológico, que foi revisado pelo tidiano da vida familiar, isto é, os processos pro-
próprio autor no final do século XX, passando a ximais, continuam particularmente importantes,
ser denominado modelo bioecológico. Ele traçou sobretudo no engajamento em práticas educativas
as diretrizes para o planejamento de pesquisas que e nos processos de comunicação, tais como diá-
consideram a inter-relação dos fatores individuais, logos, negociações e trocas de argumentos e de
contextuais e temporais na promoção dos proces- opiniões. Entretanto, o funcionamento interno
sos de desenvolvimento humano, sendo necessário do microssistema familiar, ou seja, o seu desen-
considerar além do indivíduo e as suas capacidades volvimento, bem-estar e clima emocional, recebe
perceptuais, motoras ou cognitivas, também as in- influências também de outros contextos em que
terações e os padrões relacionais que se estabelecem os familiares vivem e crescem. E, à medida que o
em diferentes contextos, ao longo do tempo. Isto adolescente passa a participar de outros micros-
significa analisar as influências múltiplas dos diferen- sistemas e a formar e ampliar sua rede de relações
tes ambientes, diretos ou indiretos, ao ser humano. interpessoais, torna-se evidente a formação de
Compreender o desenvolvimento humano com novas relações e influências interdependentes en-
tre a família, o adolescente e os demais contextos
base neste modelo implica identificar quatro elemen-
de interações proximais (mesossistema). Além
tos básicos, inter-relacionados e dinâmicos: o processo
disso, mesmo quando o adolescente não tem um
(P), a pessoa (P), o contexto (C) e o tempo (T)
papel diretamente ativo, como por exemplo, em
Ao longo do desenvolvimento, a pessoa (P) se decisões tomadas em contextos sociais do trabalho
envolve em processos (P) de interações recíprocas, dos pais, por dirigentes da escola ou por agentes
com outras pessoas, objetos ou símbolos. Essas inte- responsáveis pelo lazer e cultura (parques, jardins e
rações podem variar de acordo com as características bibliotecas), ele, indiretamente, recebe influências
das pessoas, dos contextos e do momento em que provenientes destes ambientes (exosistema).
elas acontecem, podendo produzir tanto competên-
Por outro lado, decisões que são tomadas nas
cias como disfunções no desenvolvimento.
esferas macrossistêmicas, tais como leis que re-
Neste modelo, o adolescente, como qualquer gulam o sistema educacional e de saúde pública,
pessoa, apresenta características próprias – indi- interferem em sua vida e na vida de sua família, ao
viduais, psicológicas e biológicas – além de uma promoverem contextos mais ou menos favoráveis
forma própria de lidar com suas experiências de ao seu desenvolvimento, e na adolescência pode-se
vida. Ele é visto como um sujeito ativo, produto reconhecer os efeitos diretos e indiretos gerados pe-

Gestão pedagógica
e produtor do seu desenvolvimento que ocorre las mudanças e estabilidades sucessivas, que ocorrem
na interação com o contexto (C). O contexto é não somente nas características individuais, mas,
definido por uma hierarquia de sistemas interde- sobretudo, nas transformações histórico-culturais,
pendentes – micro, meso, exo e macrossistemas sociais, políticas e econômicas, atribuídas à época
– e é composto pelas atividades, papéis e relações em que ela é vivida. Algumas dessas transições são
interpessoais presentes, por exemplo, nas suas esperadas ou normativas (namoro, entrada em novo
famílias, nos grupos de amigos, na vizinhança, na ciclo escolar), enquanto outras são imprevistas ou
comunidade, e nas instituições educacionais e de não-normativas (guerras mundiais, queda do muro
saúde, sociais e políticas. de Berlim, atentado às Torres Gêmeas).
A família continua a ser considerada o principal Por essas características, o modelo auxilia a
microssistema do desenvolvimento, pois nela acon- investigação da forma como os adolescentes estão
tecem as interações mais diretas e as experiências situados em seus contextos específicos, como esses
mais significativas para a pessoa. Reconhecida na sua contextos influenciam o curso do seu desenvolvi-
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complexidade, a família é responsável por conduzir o mento e, ao mesmo tempo, como os adolescentes
adolescente à compreensão de conceitos e valores bá- influenciam esses contextos direta ou indiretamen-
sicos, ao engajamento na realização de tarefas e papéis te, permitindo avanços no sentido de ultrapassar
167
167
sociais cada vez mais diversificados e complexos, e ao a visão inicial de adolescência como um período
desenvolvimento de competências sociais. de turbulência e instabilidade, para incorporar jan/2017
uma visão mais positiva do desenvolvimento do mas, deficiências ou fraquezas dos indivíduos e
adolescente. dos contextos.
As ações propostas reforçam as diferenças inte-
TENDÊNCIAS ATUAIS: A VISÃO DO rindividuais (diversidade de raça, etnia, classe social
DESENVOLVIMENTO POSITIVO e gênero) e intraindividuais (como aquelas esperadas
A chegada do século XXI foi marcada por um pelas transições da puberdade), bem como a centra-
contexto de rápidas mudanças que estimularam o lidade do contexto e das relações bidirecionais entre
interesse conjunto de pesquisadores, políticos e os diferentes níveis ecológicos do desenvolvimento.
profissionais para a condução de pesquisas voltadas Nesse continuum entre a geração e a aplica-
para questões sociais e para a aplicação e utiliza- ção do conhecimento, atualmente, são propostas
ção dos resultados em direção ao progresso da pesquisas que envolvam contextos naturais,
sociedade, sendo que o foco científico no discurso ecologicamente válidos, e a avaliação de inter-
coletivo orientado para a “falta”, começou a ser venções e programas, por meio da construção
paulatinamente substituído por uma mentalidade e do uso de delineamentos e instrumentos
mais positiva, associada ao desenvolvimento de sensíveis ao desenvolvimento e aos contextos,
recursos do indivíduo e do ecossistema. tal qual apontado pelos teóricos, na segunda
Chega-se ao consenso de que a promoção do metade do século XX.
desenvolvimento positivo do jovem vai exigir, pri- A ênfase dada aos aspectos relacionais, à plasti-
meiramente, a identificação de seus recursos pesso- cidade e à diversidade, à metodologia longitudinal
ais – talentos, energias e interesses construtivos e, e à aplicação das teorias do desenvolvimento, que
depois, a elaboração de programas específicos de foram cristalizados e integrados na segunda fase
estimulação desses talentos. De acordo com Lerner dos estudos científicos do desenvolvimento do
(2004), o sucesso desses programas depende de adolescente, vem se expandindo gradualmente,
três fatores preponderantes: tanto qualitativa como quantitativamente. Nesses
(a) uma relação positiva e sustentável com estudos, o desafio se traduz na integração de diver-
adultos; sos conhecimentos a respeito de uma só pessoa (no
(b) atividades dirigidas ao desenvolvimento de caso, o adolescente), sobre as mudanças biológicas
suas habilidades; e na puberdade, o desenvolvimento do cérebro, as
(c) a participação do jovem em todas as decisões influências genéticas, ritmos de sono, saúde física,
e vertentes do programa. transições sociais, influências religiosas, educacio-
nais e culturais, típicas desta fase.
Gestão pedagógica

Diante dos desafios e oportunidades contem-


porâneos que atingem os jovens, maiores do que Ultrapassar esse desafio conduzirá a uma
os das gerações precedentes, é preciso que eles compreensão melhor dos ajustamentos positivos
sejam acompanhados e estimulados, além de re- na adolescência; ao reconhecimento dos aspectos
conhecidos nas suas peculiaridades, estabilidades ditos normativos, necessários ao desenvolvimen-
e mudanças sistemáticas, que ocorrem concomi- to; e a possibilidade de oferta de contextos de
tantes às transições dos seus contextos. relações mais positivas, sustentadoras e contínuas,
de proximidade e aceitação, que dão a tônica da
Neste movimento, emerge uma nova propos-
adolescência saudável. Considerando os jovens
ta de estudo, denominada a ciência aplicada do
como empreendedores vitais para o futuro, tanto
desenvolvimento, visando compartilhar conheci-
da ciência como da sociedade, Lerner e Overton
mentos científicos com a comunidade e propondo
(2008) reforçam a necessidade de compreendê-los
aprimoramentos nas chances de vida de crianças,
melhor, fornecendo-lhes suporte e mais oportuni-
adolescentes, famílias e comunidades, isto é, nas
dades de maximizarem suas chances de desenvol-
Nº 10 • Abril/99

suas trajetórias no curso de vida. Por meio da


vimento saudável e positivo.
descrição e explicação dos processos normativos
e da ênfase nos aspectos saudáveis, esta ciência
168 CONSIDERAÇÕES FINAIS
168
norteia intervenções no sentido de prevenir riscos
jan/2017 e otimizar sucessos, ao invés de remediar proble- As autoras consideram que, apesar dos avan-
ços na compreensão da adolescência, ainda se to pode ser alcançado por diferentes meios e em
pode identificar uma tendência a caracterizar este contextos relativamente diferentes.
período apenas como um momento no curso de O movimento da psicologia positiva traz uma
vida, repleto de dificuldades, conflitos, alterações contribuição valiosa, ao adotar como missão cen-
constantes de humor e comportamentos de risco. tral a investigação de potencialidades e qualidades
Esclarece que grande parte dos estudos na área humanas – tais como a resiliência, o otimismo,
enfatiza situações conflituosas, tipicamente asso- a esperança e a coragem, entre outras habilidades
ciadas a esta fase, pautando-se na ideia do modelo interpessoais indicativas da vida saudável – e o
médico de diagnóstico e tratamento de problemas, planejamento de intervenções que facilitem sua
que tem foco na conduta do adolescente doente, e construção. Para sedimentar as atuais concep-
não na visão do adolescente saudável. ções teóricas do desenvolvimento humano e da
A visão de uma adolescência única, presente adolescência, é preciso que, no futuro, todos os
ainda hoje, parece inapropriada para as autoras e, interessados em descrever, explicar e promover
sobretudo, limitada e ultrapassada e, mesmo que a o desenvolvimento positivo do jovem possam se
ideia tradicional de rebeldia (tempestade e estresse) debruçar sobre o adolescer e sobre as mudanças
seja típica, universal ou mesmo inevitável nesta que estão ocorrendo nos contextos sociais nos
etapa do curso de vida, ao mesmo tempo reflete quais o jovem vive.
a crença que o adolescente, com base em fatores As autoras enfatizam que é imprescindível um
particulares, ou mesmo isolar aspectos genéticos e esforço para ultrapassar a fragmentação disciplinar
ambientais, pode impedir um diálogo amplo entre e, ao buscar uma integração de modelos concei-
as diferentes áreas de pesquisa, e dos pesquisadores tuais das ciências biológicas e sociais, confirmar o
com os profissionais e os políticos. diálogo interdisciplinar esperado na área, promo-
Buscar os antecedentes geradores das mudanças vendo processos conjuntos, fundamentais à saúde
na adolescência significa tratá-la como um período e ao desenvolvimento do adolescente.
de intensa exploração e de grandes e múltiplas Espera-se, assim, aumentar cada vez mais a
oportunidades para muitos jovens, futuros adultos. disseminação do conhecimento, por meio da co-
Além disso, a adolescência não é algo acabado, que municação de massa, de especialistas e da própria
tenha um início e um fim bem definidos e é preciso comunidade, e estabelecer uma conexão maior
compreender que o resultado em desenvolvimen- entre a ciência e a sociedade.

Gestão pedagógica
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Carla Rizzo Zabala e Laia Arnau (2010) defendem que a esco-
Mestre em Psicologia da Educação formada pela la do século XXI tem papel preponderante para o
PUC/SP, Psicopedagoga Clínica formada Pelo desenvolvimento da educação sustentável, uma vez
Sedes Sapientiae e Pedagoga. Diretora Executiva que o mundo globalizado, a ciência, o conhecimen-
da Assessoria Transdisciplinar Cultura do Saber. to, as relações interpessoais, pessoais e profissionais
estão passando por um período de inúmeras contro-
vérsias e incertezas. Os autores propõem o ensino
das competências necessárias, que são basicamente
compostas por eixos: atitudinais, procedimentais e
conceituais, em diferentes níveis de cientificidade;
o ensino das competências tem como fundamento
central a preparação do aluno para agir, sentir e
pensar nos problemas e resoluções práticas da vida.
Atualmente, a escola tem como desafio primor-

Gestão pedagógica
dial reformar o modelo tradicional de ensinar, ou
seja, a reformulação dos currículos, a disposição
das disciplinas em "metadisciplinas" (os saberes
científicos não podem e/ou não devem estar de-
sarticulados da abordagem educacional e muito
menos da realidade vivida pelo aluno e/ou profes-
sor) e suas concepções sobre ensino-aprendizagem.
Trata-se de educar para a "formação integral”
do ser, ou melhor, as competências têm como base
preparar o aluno na sua totalidade física, emocio-
nal, cognitiva e social (Rizzo, 1996); para que o
mesmo possa agir de forma segura, dinâmica, efi-
caz e ética nos mais variados ambientes e situações
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de vida. A escola deve preparar o sujeito para a vida


e, principalmente, recusar as abordagens antigas
de ensinar, tais como: a memorização dos conte-
171
171
údos com a finalidade de expor os conhecimentos
aprendidos numa prova periódica. jan/2017
A escola do século XXI, na perspectiva dos au- próprias disciplinas, os professores ensinavam os
tores, propõe que o projeto político pedagógico, conhecimentos factuais/conceituais expressados
os currículos e as metodologias de ensino devem através de “conteúdos de ensino” e, os alunos não
estar calcados em contextos da realidade. A teoria foram ensinados a transferirem os conhecimentos
e a prática, explicam os autores, estão interliga- nos diferentes contextos da realidade.
dos: "a competência e os conhecimentos não são O ensino baseado nas competências, em
antagônicos, pois qualquer atuação competente primeiro lugar, tem sua ascensão quando a uni-
sempre representa a utilização de conhecimentos versidade repensa seu papel social e sua estrutura
inter-relacionados às habilidades e às atitudes" administrativa, humana e técnica; em segundo
(Zabala & Arnau, 2010, pág 11). lugar, mediante a pressão da sociedade, reformula
No capítulo 1: “O termo competência surge profundamente sua forma de ensinar (teoria des-
como resposta às limitações do ensino tradicio- conectada da prática), ou seja, a aprendizagem dos
nal”, Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) explicam conhecimentos articulados à funcionalidade prática
que a terminologia 'competência' foi basicamente do cotidiano profissional e pessoal, e, em terceiro
diminuída a uma posição funcional, ou seja, para lugar, à valorização da 'função orientadora' que
que o indivíduo pudesse atuar, no trabalho e na consiste em desenvolver as capacidades e interesses
escola, de forma eficiente. Entretanto, esse modelo dos alunos para o acesso às suas necessidades, em
foi insuficiente para responder às questões da vida todas as etapas de sua vida (desenvolvimento pes-
cotidiana dos alunos, porque o ensino ficou redu- soal, interpessoal, profissional etc.) e não apenas
zido à aprendizagem de técnicas de memorização. para o seu ingresso na academia.
Nas escolas ou concursos, as avaliações realizadas Em outras palavras, o ensino das competências
eram voltadas para a verificação da aprendizagem defende três níveis de mudança: o primeiro, a
dos conteúdos das matérias geralmente desconec- reformulação dos conteúdos acadêmicos tradicio-
tados da realidade. nais na perspectiva das competências; segundo, a
Segundo Antoni Zabala e Laia Arnau (2010), possibilidade de formação técnica/profissional, e,
a escola ensina de forma desarticulada, ou melhor, por último, a necessidade de formação integral
dissocia os conhecimentos das situações práticas do aluno.
e profissionais. A origem do desligamento entre No capítulo 2: “A atuação eficiente das
teoria e prática pode estar relacionada, nos países competências em um determinado contexto”,
de tradição católica (raiz filosófica platônica), na Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) fazem uma
Gestão pedagógica

concepção da preexistência do mundo das ideias breve revisão bibliográfica, no âmbito profissional,
sobre o mundo real (saber pelo saber). Entretanto, e estabelecem as seguintes conclusões: primeiro, as
nos países de tradição calvinista (raiz filosófica competências estão relacionadas ao exercício eficaz
aristotélica) existe a valorização da aplicabilidade das tarefas e atividades com máxima excelência.
do conhecimento no cotidiano usual. Em segundo, as características necessárias para a
No sistema educacional, a concepção propedêu- realização das tarefas, dependem, basicamente, das
tica e seletiva valoriza a trajetória de superação de especificidades de uma função ou do desempenho
'etapas sucessivas' atreladas cada uma delas a uma técnico para aplicar conhecimentos, habilidades e
'etapa superior', ou seja, o ensino infantil prepara atitudes num contexto real.
o aluno para o ensino fundamental que, por sua Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) observam
vez, tem como finalidade a preparação para o en- que boa parte das concepções desenvolvidas
sino médio e, finalmente, para a preparação para sobre competência, no âmbito profissional,
o ensino superior. também perpassam a área educacional, no en-
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Concluindo, a escola reduziu o ensino e a apren- tanto, especificam com maior detalhe a forma
dizagem à transmissão dos saberes necessários e a aplicação dessas competências na educação.
para que o aluno ingresse na universidade. Nesta Como por exemplo, no quadro das dimensões
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concepção, o ensino ficou reduzido apenas à apren- semânticas sobre competência, apresentadas pelos
jan/2017 dizagem dos conhecimentos distribuídos entre as autores, pág. 35: 1) Conselho Europeu (2001),
"a competência permite realizar ações, por meio Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) explicam
de conhecimentos, habilidades e características os processos necessários para uma atuação ser
individuais"; 2) Eurydice-CIDE (2002), "permi- considerada eficaz e competente. É um processo
tem participar, de modo eficaz, na vida política"; complexo, que envolve múltiplos recursos cog-
3) Projeto DeSeCo (OCDE, 2002), "habilidade nitivos (mentais), bem como a utilização dos
para cumprir com êxito exigências complexas, por conteúdos factuais, conceituais, procedimentais e
meio de pré-requisitos sociais, habilidades práti- atitudinais. Primeiramente, é preciso realizar uma
cas, conhecimentos, motivações, valores, atitudes análise da tarefa e/ou situação, a partir dos vários
e comportamentos"; 4) Currículo Básico (AA. pontos de vista. Depois, escolher as impressões
VV., 2005), "capacidade para se enfrentar tarefas mais relevantes sobre o contexto analisado. Com
simples ou complexas com garantias de êxito, em base nas informações obtidas, identificar os pro-
um contexto determinado, por meio de operações blemas a serem enfrentados e, sequencialmente
mentais sobre um objeto do conhecimento para a selecionar um esquema de atuação, denominado
obtenção de um determinado fim"; 5) Conselho por Perrenoud (2001) como “esquemas operató-
Catalunha (2004), "para resolver problemas di- rios ou operacionais”. A forma de atuação deve
versos da vida real, por meio de conhecimentos, ser flexível e estratégica, adequando-a, ao contexto
habilidades e atitudes de caráter transversal; 6) real. Advertem também que não se deve transferir
Monereo (2005), "domínio para resolução de a aprendizagem do atual contexto para uma nova
problemas, em determinado âmbito ou cenário realidade, porque nenhuma situação é exatamente
da atividade humana, por meio de amplo reper- igual a anterior. E, por último, aplicar os conteúdos
tório de estratégias; e, por último, 7) Perrenoud factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais
(2001), "aptidão para enfrentar, de modo eficaz, de forma inter-relacionada, para uma intervenção
uma família de situações análogas, mobilizando competente e eficaz sobre a realidade.
a consciência e de maneira rápida, pertinente e Ressaltam, por último, a necessidade de fre-
criativa, por meio de múltiplos recursos cogni- quentemente avaliar as circunstâncias e pessoas,
tivos: saberes, capacidades, microcompetências, uma vez que alguns indivíduos não sabem integrar
informações, valores, atitudes, esquemas de per- o saber (conhecimento), o fazer (procedimentos)
cepções, de avaliação e de raciocínio." e o ser (atitudes) de forma a resolver uma tarefa
Como Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) ou situação. Talvez pelo fato de algumas pessoas
compreendem a definição competência? As com- não conseguirem transpor tais competências
petências constituem-se numa tríade composta para a vida prática, Antoni Zabala e Laia Arnau

Gestão pedagógica
nas áreas: do ser, do saber e do fazer. No entanto, (2010) afirmam que as pessoas, de um modo
afirmam os autores (2010, pág. 36), transpor a geral, não são competentes, mas demonstram
teoria para a prática e/ou vice-versa requer um em cada tarefa ou situação, um menor ou maior
grande desafio no campo educacional "de maneira grau de competência.
que qualquer conteúdo de aprendizagem ou é con- No capítulo 3: “A competência sempre
ceitual (saber), ou é procedimental (saber fazer), envolve conhecimentos inter-relacionados a
ou é atitudinal (ser)". habilidades e atitudes”, Antoni Zabala e Laia
Resumidamente, competências para Antoni Arnau (2010) propõem uma análise entre a
Zabala e Laia Arnau (2010) são ações eficazes para escola tradicional e a escola ativa. Ressaltam a
o enfrentamento dos problemas sob os diferentes impossibilidade de afirmar que o domínio das
espectros da vida, para isso se necessita estar aberto competências aconteça em detrimento do conhe-
e solucioná-los com comprometimento (atitude). cimento . Ao contrário, a escolha por um ensino
Além disso, é necessário mobilizar integralmente, baseado em competências é uma possibilidade
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em nossos alunos, os componentes atitudinais da religação entre o que foi desligado, ou seja,
(ser), procedimentais (saber fazer) e conceituais a teoria e a prática. É possível considerar que
(saber) para que possam realizar intervenções efi- o descrédito do ensino tradicional, baseado na
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173
cazes nos mais variados contextos da vida: pessoal, memorização, levou à desvalorização dos saberes
profissional e social. (conhecimentos). Nesta concepção, acredita-se jan/2017
que a compreensão só é possível quando o aluno No capítulo 4: “O objetivo da educação
recorda, reconstrói ou elabora o saber mediante por competência é o pleno desenvolvimento
atividades que exigem grande atividade mental da pessoa”, Antoni Zabala e Laia Arnau (2010)
e abstração. explicam que a educação por competência é
O embate entre o ensino tradicional e as baseada no desenvolvimento integral da perso-
novas correntes pedagógicas surgiu ao longo do nalidade ou seja, aspectos físicos, emocionais,
século XX. A escola tradicional, infelizmente, por cognitivos e sociais, e, consequentemente, para
visão simplista e estereotipada, ficou reduzida ao todas as áreas da vida. Em outras palavras, o
ensino que utiliza a técnica expositiva; ênfase no conhecimento não deve ser ensinado de forma
livro didático para o desenvolvimento das aulas; funcional e/ou dissociado do cotidiano ou vida
hipervalorização do saber transmissível e enciclo- prática do aluno.
pédico; avaliação quantitativa; importância ao Nos documentos ou declarações sobre educa-
peso da disciplina, bem como a memorização, ção, é comum a defesa sobre o conceito de for-
como forma de aprendizagem dos conhecimentos mação integral; no entanto, observamos que esse
distribuídos em disciplinas geralmente desconecta- ideal ainda está longe de ser alcançado, quando
das entre elas próprias e a realidade do aluno. Por avaliamos o formato dos currículos, disciplinas
outro lado, as correntes mais progressivas, entre e conteúdos desenvolvidos nas escolas. Ainda
elas o ensino ativo, por visão puerocêntrica, fica- verificamos uma escola seletiva e propedêutica,
ram diminuída à valorização dos procedimentos, que prepara o aluno para a “formação integral na
técnicas e habilidades advindas dos alunos. Na vida acadêmica”.
perspectiva da escola ativa, ocorreu a hipervalori-
No período da revolução burguesa, ocorreu
zação dos conteúdos procedimentais (saber-fazer),
um acesso maior da educação para a população
e o menosprezo dos conteúdos conceituais (saber):
(burguesia e pequena burguesia), mas a prioridade
a hegemonia do princípio da ação.
ainda era a escolha das disciplinas tradicionais e
Segundo Antoni Zabala e Laia Arnau (2010),
dos conteúdos, voltada para aqueles que queriam
as atividades de memorização foram abandona-
chegar às universidades. O ensino foi ampliado
das, porém não está em jogo o memorizar ou
para um maior número de alunos, mas a falta de
não memorizar, mas quando, de qual forma, e
possibilidade financeira para custear a própria for-
por que as atividades de memorização devem ser
mação acabou gerando duas trajetórias escolares:
retomadas, principalmente para maior sistemati-
uma curta, destinada à maior parte da população,
zação do ensino dos procedimentos e introdução
e outra longa, para aqueles que poderiam almejar
Gestão pedagógica

de atividades que auxiliem a recordar o que foi já


a formação acadêmica.
aprendido, em outras palavras, o uso do processo
de memorização. Nas duas primeiras décadas do século XX,
ocorreram intensas manifestações contra a escola
As competências, acreditam Antoni Zabala e
transmissora de saberes, e surgiram movimentos
Laia Arnau (2010), podem ser o caminho para a
alternativos na educação, tais como: escola nova,
superação das dicotomias (saber x fazer / teoria x
prática / memorizar x compreender), de transcen- escola ativa, escolas progressistas etc., repudiando
der a dualidade entre os conteúdos conceituais (fa- os pilares que sustentavam a escola seletiva e pro-
tos, conceitos, conhecimentos etc.) e os conteúdos pedêutica. Essas correntes educacionais lutaram
procedimentais (técnicas, habilidades, estratégias pela educação voltada para a formação integral do
e metodologias), relacionando-os entre si, de for- aluno, sem perder de vista a ênfase nos conteúdos
ma que o aluno possa resolver esse antagonismo acadêmicos.
através da sua aplicabilidade no mundo real com Com o advento da globalização, o ensino teve
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apoio do conhecimento teórico. Para a superação que ser totalmente reformulado. A universidade
da dicotomia entre a teoria e a prática, ações de necessita formar universitários muito bem prepa-
ordem atitudinal, necessitam ser reativadas, na rados, com boa formação em todos os setores, es-
174
174
pessoa do aluno, para o avanço do seu processo de pecialidades e níveis diferenciados de desempenho
jan/2017 aprendizagem e conhecimento científico. para atender às necessidades do mercado vigente:
sinergia no trabalho em equipe, domínio técnico, institucionais sobre qual é o papel fundamental
flexibilidade, aprender a aprender etc. da educação, é consenso o pleno desenvolvimento
Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) lançam da personalidade em todas as suas habilidades e
a seguinte pergunta: “Afinal, qual é o papel da esferas da realidade cotidiana. No entanto, ressal-
educação e quais são as competências a serem tam os estudiosos, faz-se necessário identificar as
ensinadas na escola”? Para isso, recorrem à revisão competências necessárias para serem trabalhadas
das mais importantes declarações dos diversos na escola, desmembrá-las nos projetos curriculares,
órgãos internacionais. Observam que boa parte para posteriormente introduzi-las no trabalho em
dos documentos estudados acredita que a edu- sala de aula, uma vez que são genéricas e abstratas.
cação tem como estrutura básica a formação do Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) consideram
cidadão, o desenvolvimento da personalidade e fundamentais quatro declarações institucionais,
todas as suas capacidades, principalmente aquelas que compõem a concepção de formação integral
relacionadas aos valores e à ética. Dessa forma, o do homem, apresentadas no quadro 5.1, pág. 77:
sistema educacional é compreendido, também, primeiro, o documento realizado por Delors para
como um conjunto interconectado dos diversos UNESCO (1996): saber conhecer, saber fazer,
agentes educacionais, ou seja, da educação for- saber ser e saber conviver; segundo, o Projeto
mal (escola), educação informal e educação não- DeSeCo (OCDE, 2002): interação num grupo
-formal, cada qual com sua área de atuação, seus socialmente heterogêneo, ser autônomo e utilizar
limites e responsabilidades. ferramentas; terceiro, no Currículo Basco (AA.
VV., 2005): pensar e aprender, comunicar-se,
Atualmente, a escola ainda não contempla a for-
conviver, autenticidade e empreendorismo, e,
mação integral do sujeito, e Antoni Zabala e Laia
quarto, Monereo (2005): buscar informações e
Arnau (2010) questionam se existe a necessidade
aprender, comunicar-se, colaborar com os outros
de se construir uma nova estrutura escolar, uma
e participação na vida pública.
vez que esta parece ser o ambiente mais propício
para o desenvolvimento global da pessoa. Mas uma Os estudiosos Antoni Zabala e Laia Arnau
questão fundamental a ser discutida é o papel da (2010) também indicam quatro dimensões que a
família e da escola na formação integral dos alunos. escola necessita garantir. A primeira dimensão, ser
competente no âmbito social: o aluno deverá ser
Durante muitos anos, o papel da escola ficou
competente para participar ativamente do processo
concentrado no ensino, nas disciplinas, nos con-
de transformação social, em busca de um mundo
teúdos acadêmicos, pré-acadêmicos, e às famílias
melhor, na sustentabilidade das relações e do pla-

Gestão pedagógica
coube ensinar os comportamentos e atitudes neces-
neta, de forma democrática. A segunda dimensão,
sários para a vida cotidiana, tais como: o respeito,
ser competente no âmbito interpessoal, exige do
a tolerância, a solidariedade, a compaixão, etc. Na aluno competência para assumir a responsabilidade
verdade, ambos, escola e família, são corresponsá- por seus próprios atos, assim como com as demais
veis pela educação das crianças e jovens em todas pessoas desenvolver a personalidade ética e sensível,
as suas potencialidades. No entanto, cabe ressaltar na busca da justiça e igualdade para todos; a terceira
que nem sempre as famílias são capazes de educar dimensão, ser competente no âmbito pessoal: diante
seus filhos para a cidadania, o que é imprescindível do mundo globalizado e incerto, formar alunos
para a convivência social. Antoni Zabala e Laia para o desenvolvimento da autonomia intelectual,
Arnau (2010) defendem a ideia que cabe à escola cidadania, capacidade crítica, responsabilidade,
suprir os conteúdos que não correspondem à tra- flexibilidade e criatividade, numa perspectiva crítica
dição escolar, e garantir os valores humanos que da realidade externa, analisando-a e interpretando-
não foram aprendidos na esfera familiar. -a, pelo crivo do seu próprio autoconhecimento e
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No capítulo 5: “As competências escolares autoconceito sobre a vida. A quarta dimensão, ser
devem abarcar o âmbito social, interpesso- competente no âmbito profissional: com a abertura
al, pessoal e profissional”, como explicado dos mercados, o avanço da tecnologia, as incerte-
175
175
anteriormente por Antoni Zabala e Laia Arnau zas econômicas e no mundo do trabalho, o aluno
(2010), na revisão realizada sobre as declarações deverá ser capaz de desempenhar uma atividade jan/2017
profissional, de maneira eficaz, tendo em vista as trabalho com as competências nas quatro dimen-
variáveis do mundo globalizado, buscando sempre sões: capacidade de adaptabilidade, ser justo, desen-
formação permanente, ampliação dos conhecimen- volvimento da autoestima e autoconceito, através do
tos e habilidades, para o exercício de sua função autoconhecimento, entre outras virtudes humanas.
profissional e pessoal. No capítulo 6: “A aprendizagem das com-
A próxima etapa, explicam Antoni Zabala e Laia petências é sempre funcional”, Antoni Zabala
Arnau (2010), é extrair das declarações institucio- e Laia Arnau (2010) defendem que o ensino das
nais e das quatro dimensões explicadas acima quais competências está longe da aprendizagem realizada
são as habilidades, os conhecimentos e as atitudes de forma mecânica e funcional, porque partem do
que os alunos necessitam desenvolver para serem pressuposto de que a aprendizagem de uma com-
capazes de agir competentemente, e, que irão cor- petência precisa ter um significado, fazer sentido
responder aos conteúdos de aprendizagem na sala e estar integrada aos componentes conceituais,
de aula. Os estudiosos ressaltam que existe uma procedimentais e atitudinais.
tendência de sobrecarregar o conteúdo curricular, "As competências são constructos completos,
acrescentando mais conteúdos de aprendizagem. eminentemente de caráter processual, com aplica-
Esse é um grande equívoco quando introduzimos o ções infinitas em função dos múltiplos contextos
ensino das competências. Também é preciso distin- e diferentes realidades, e consequentemente, de
guir quais são os conteúdos básicos imprescindíveis, difícil análise a partir de sua globalidade" (2010,
que necessitam ser enfatizados e trabalhados. pág.93). É preciso entender que dispomos de inú-
Por último, Antoni Zabala e Laia Arnau (2010 meras aprendizagens: superficiais, memorizadas ou
pág. 85 e 86) fazem uma intersecção entre as profundas, que podem ser significativas ou não.
competências gerais e as competências específicas, Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) explicam que a
relacionadas diretamente aos conteúdos de ensino, "memorização compreensiva" (a lembrança daquilo
na sala de aula. O que é necessário saber? O que que se compreendeu) é interessante quando a sua
é necessário saber fazer? Como se deve ser? Nos utilização complementa a análise e/ou interpreta-
três parágrafos abaixo, os autores explicam como ção das situações lançadas pela escola ou na vida.
devem se concretizar as propostas. Em outras palavras, as competências compre-
Na implementação dos conteúdos conceituais: endem sempre uma ação eficaz, um nível elevado
no âmbito social, derivarão de múltiplos saberes de relevância, na busca pela resolução de proble-
científicos, especificamente das ciências sociais, mas, conflitos e situações do cotidiano do aluno.
Gestão pedagógica

história, geografia e ciências da natureza; no âmbito Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) ressaltam
pessoal, o trabalho transdisciplinar, especificamente que diferentes linhas teóricas contribuíram para
com as áreas da psicologia, psicologia social, filoso- o entendimento e análise de como ocorrem os
fia e sociolinguística; no âmbito pessoal, o trabalho processos de aprendizagem no ser humano.
transdisciplinar com as áreas: saúde, psicomotor Dessa forma, pode-se tentar encontrar bases
e psicologia / no âmbito profissional, o trabalho mais sólidas para a implementação do ensino das
transdisciplinar aos conhecimentos básicos para o competências na educação. A estrutura cognosci-
desenvolvimento acadêmico e profissional. tiva é constituída por uma rede de conexões e/ou
Na implementação dos conteúdos procedi- "esquemas de conhecimento" (representações que
mentais: capacidade de análise, organização, um indivíduo tem sobre determinado objeto do
interpretação da informação, autonomia, apren- conhecimento ou realidade) que formam a base
dizagem, planejamento, organização e resolução dos "conhecimentos prévios".
das tarefas e conflitos inter-relacionados com o Toda aprendizagem ocorre a partir dos "esque-
âmbito social, interpessoal e profissional: trabalho
Nº 10 • Abril/99

mas de conhecimento" já existentes. Portanto, a


em equipe, dialogicidade, troca de informações e aprendizagem só pode ser constituída através das
conhecimentos, interações interpessoais em grupos "relações substanciais e não arbitrárias" entre a es-
176 heterogêneos ou homogêneos.
176
trutura cognoscitiva do aluno e a nova situação de
jan/2017 Na implementação dos conteúdos atitudinais: o aprendizagem. Em outras palavras, é fundamental
que o educador considere tais fundamentos, uma estratégia de estudo (reprodução literal), os
vez que necessita avaliar se a distância entre o que autores recomendam repetir o objeto de estu-
se têm e o que se quer aprender é pertinente aos do, quantas vezes forem necessárias, até que a
"esquemas de conhecimento" que o aluno já possui. informação seja incorporada aos seus ‘esquemas
Outro fator preponderante, no processo de de conhecimento’;
aprendizagem, é a disposição do aluno para rela- b) aprendizagem dos conceitos: geralmente abs-
cionar o que já sabe (conhecimento prévio) aos tratos e que exigem compreensão, como por
novos conteúdos desenvolvidos em sala de aula. exemplo: estudos dos mamíferos, impressionis-
Essa predisposição é fundamental, uma vez que o mo, romantismo, potência, acordo. Nesse caso,
aluno necessita rever o seu esquema de conheci- o aluno tem que interpretar esses conteúdos,
mento, através da comparação entre as semelhanças estabelecer relações e ampliar seu conheci-
e as diferenças, ou seja, o que já havia aprendido mento. Não é fácil essa tarefa, porque exige-se
e o novo conteúdo. do aluno inter-relacionar seus esquemas de
A zona de desenvolvimento proximal faz alusão conhecimento prévios para poder construir
à distância entre o que se sabe e o que se deseja outros conhecimentos;
aprender. A aprendizagem torna-se significativa c) aprendizagem dos procedimentos: geralmente, é
por si mesma quando tem significado para o alu- um conjunto de ações que envolvem "exercitação
no, ou seja, tem sentido para a sua vida. Assim, o tutelada" a partir de linhas científicas, como por
conhecimento passa a ter funcionalidade, porque exemplo: calcular, fazer leitura, desenhar, classi-
o aluno percebe que as novas aprendizagens pro- ficar, traduzir, pular, recortar etc. Nesse caso, o
vocam conflitos cognitivos saudáveis para o seu aluno necessita praticar a "exercitação múltipla
desenvolvimento integral. guiada" (exercício progressivo de maior ou me-
Para aprender, faz-se necessária uma motivação nor auxílio externo) em múltiplos contextos;
intrínseca, ou seja, uma atitude positiva do aluno d) aprendizagem das atitudes: geralmente, são
frente ao conhecimento. Além desse fator, o auto- compostas de um conjunto de condutas, nor-
conceito que o aluno tem a respeito de si mesmo mas e valores que constituem a formação do
influencia na forma como ele reage em relação aos caráter pessoal e do desenvolvimento afetivo.
seus potenciais, habilidades, sua disponibilidade O aluno aprende através de reflexões e posi-
ou mal-estar diante da aprendizagem e da vida. O cionamentos pessoais quando depara-se com
autoconhecimento da sua própria capacidade cog- situações que obrigam ao respeito a condutas

Gestão pedagógica
nitiva possibilita à pessoa a consciência de como comportamentais, como por exemplo: quero?
ela aprende. Neste sentido, a pessoa pode planejar posso? devo fazer tal coisa?
suas estratégias de aprendizagem em situações Por último, Antoni Zabala e Laia Arnau
variadas: analisar, identificar, aplicar, executar e (2010), diante dos princípios gerais da aprendiza-
transferir seus conhecimentos para a aprendizagem gem, de suas características e tipologias, afirmam
de competências. que as sequências de aprendizagem devem ser em-
Todos os princípios que discorremos até agora pregadas tanto nos procedimentos gerais, quanto
são medidas importantes para que se aprendam nos específicos:
as competências: conceituais, procedimentais e 1) interpretação do objeto de estudo na sua com-
atitudinais. Antoni Zabala e Laia Arnau (2010, plexidade;
pág 100 e 101) revisam as características básicas
2) identificação e resolução do problema de forma
de aprendizagem das competências, agora em
eficiente;
formato de tipologia:
3) distinguir a informação relevante para a solu-
Nº 10 • Abril/99

a) aprendizagem dos fatos: geralmente, esses con-


ção das atividades, revisão dos esquemas de
teúdos são descritivos, concretos e singulares,
conhecimento;
como por exemplo: fatos e personagens his-
4) análise das informações 177
177
tóricos, obras de artes, localização geográfica,
símbolos, códigos, classificações, etc. Como 5) valorização das variáveis sobre o mundo real. jan/2017
Terminam os autores afirmando que na sequên- saiba identificar as informações mais relevantes e
cia de aprendizagem para o procedimento especí- selecionar dos seus esquemas de conhecimento a
fico da competência, faz-se necessário articular as maneira mais eficaz e funcional de atuar na vida
atividades de memorização dos fatos, elaboração pessoal e profissional.
dos conceitos e interiorização das atitudes, as com- O terceiro critério está relacionado ao caráter
petências conceituais, procedimentais e atitudinais. “procedimental”. Exige aqui saber fazer, o que
Capítulo 7: “Ensinar competências significa implica no domínio de algumas habilidades para
partir de situações e problemas reais”, Antoni a compreensão do conhecimento como, por exem-
Zabala e Laia Arnau (2010) acrescentam que plo: as atividades devem ser contextualizadas, sig-
ensinar competências é um processo complexo nificativas e funcionais; a sequência deve priorizar
que necessita de exercícios progressivos e acompa- os modelos que apresentem diferentes passos, fases
nhados de ajudas contingenciais, para que o aluno e ações para sistematização da aprendizagem e a
possa resolver problemas, conflitos e agir de forma sequência das atividades de ensino-aprendizado
eficiente em seu cotidiano prático. devem se adequar claramente às necessidades do
Todo projeto de ensino é intencional e estabe- desenvolvimento gradual dos alunos.
lecerá metas com intuito de transpor futuramente O quarto critério está relacionado a componen-
os conhecimentos, procedimentos e atitudes tes de 'tipologia diferenciada' para a aprendizagem
aprendidos na escola. Na vida, costumamos so- dos conteúdos factuais: serão utilizados exercícios
lucionar, interpretar, analisar e intervir em vários de repetição, articulando-os com os conhecimentos
contextos, porém, é preciso formar o aluno em sua prévios e novos.
globalidade, uma vez que muitos conhecimentos Para a aprendizagem dos conteúdos conceituais,
ensinados no sistema escolar foram desligados do os conhecimentos relevantes, para que os alunos
mundo real. Nessa perspectiva, faz-se necessário compreendam seus significados, e, por último,
repensar a forma de organização e seleção dos para a aprendizagem dos conteúdos atitudinais,
conteúdos de ensino, com base em estratégias e o educador deverá ser referência positiva, tanto
esquemas de ações práticas, para que possam ser na sua maneira de organizar a aula, quanto na
transpostos de maneira eficiente e funcional em forma de relacionar-se interpessoalmente nas suas
múltiplos contextos. condutas: ser ético e justo.
Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) identifi- Segundo Antoni Zabala e Laia Arnau (2010),
cam os critérios para o ensino de competências. o ensino das competências é a antítese do ensino
Gestão pedagógica

O primeiro critério está relacionado ao “significa- tradicional, ou seja, o ensino formal é calcado no
do”, uma vez que o ensino tradicional foi baseado saber acadêmico, enciclopédico e desligado da sua
em torno de disciplinas isoladas e conhecimentos função no mundo (cálculos, tabelas, conceitos, fór-
segmentados. Para ensinar, é fundamental consi- mulas, etc.), enquanto o ensino das competências
derar a influência do conhecimento prévio de cada prima pela organização da aula, dos conteúdos
aluno sobre os novos conteúdos de aprendizagem, e dos conhecimentos, a partir do pensamento
até adequá-los ao seu nível de desenvolvimento complexo.
proximal, como também incentivar atitudes po- Capítulo 8: “As disciplinas são suficientes
sitivas frente ao novo conhecimento; o segundo para aprender competências”. Antoni Zabala
critério, relacionado à 'complexidade', considera e Laia Arnau (2010) enfatizam que o ensino
a importância da disciplina, desde que exista das competências precisa estar alicerçado numa
sua aplicabilidade na realidade, mas os autores abordagem educacional que considere o caráter
sinalizam a importância do desenvolvimento do “metadisciplinar”, ou seja, em que não se dividam
pensamento complexo.
Nº 10 • Abril/99

ou separem os conhecimentos em áreas de saberes


Pensar complexamente exige capacidade de sa- distintos e sem inter-relação. Os estudiosos expli-
ber ler as múltiplas situações do mundo real, assim, cam que alguns conteúdos têm caráter meramente
178
178
a escola deverá trabalhar os conteúdos com o maior disciplinar; outros dependem de uma ou mais
jan/2017 número de variáveis possíveis, para que o aluno áreas do saber, a interdisciplinaridade, e outros
não estão sustentados por nenhuma disciplina, a em função das características globais dos alunos. É
metadisciplinaridade. preciso fazer a análise minuciosa das características
Na dimensão social, segundo Antoni Zabala e das competências e sua correspondência com os
Laia Arnau (2010), se analisarmos os diferentes componentes interdisciplinares e metadisciplinares.
componentes da competência é possível observar Assim, o papel das diferentes áreas e seus conteúdos
que boa parte deles têm apoio em algumas áreas é repensado de forma mais cuidadosa e profunda
do saber científico e outras não. Na dimensão in- quando eles são colocados em prática na sala de aula.
terpessoal, seus componentes são especificamente Fica evidente que a aprendizagem dos conte-
metadisciplinar. Na dimensão pessoal, faz-se neces- údos procedimentais exige um longo tempo de
sário o domínio de muitos elementos para os quais maturação no sistema escolar. Aprende-se a traba-
a base teórica é inexistente e/ou fraca. Na dimen- lhar em equipe trabalhando em grupo, a observar,
são profissional, são necessários muitos saberes observando, a pensar, pensando. As atividades de-
acadêmicos e domínio de várias habilidades que vem ser sequenciadas progressivamente, em maior
não fazem parte de nenhuma disciplina específica. ou menor grau de dificuldade, para que os alunos
Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) defendem se desenvolvam integralmente e saibam superar os
a ideia de uma reorganização do currículo escolar, sucessivos desafios lançados na escola e pela vida.
porque existe uma grande disparidade entre os Ser uma pessoa colaborativa, solidária, justa,
procedimentos científicos, os componentes das ética, tolerante, generosa, autônoma, não é tarefa
competências e a falta de base disciplinar, o que simples, uma vez que são experiências que en-
dificulta a inter-relação dos conteúdos de ensino volvem crenças, valores e muitas atividades que
e o desenvolvimento da personalidade integral do mobilizam afeto e pensamento. O desenvolvimen-
aluno. Os autores criticam o agrupamento tradi- to das habilidades interpessoais, os conflitos no
cional dos conteúdos em torno das disciplinas, que grupo, o autoconceito e a capacidade de reflexão,
não permite um ensino para a formação integral, o compromisso consigo mesmo e com o outro, são
desenvolvimento das competências, e muito menos condutas e posturas aprendidas, porém não podem
para a funcionalidade e eficiência na vida prática ser reduzidas somente a uma disciplina ou única
pessoal e profissional do aluno. unidade didática.
Para isso, Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) Independentemente da área de ensino que o
propõem a constituição de áreas do saber que professor leciona, é imprescindível o desenvol-
abarquem os componentes das competências (dis- vimento de atividades formativas em valores e

Gestão pedagógica
ciplinares, interdisciplinares e metadisciplinares) condutas morais com base em princípios éticos
em torno das matérias tradicionais, desde que se (competências procedimentais e atitudinais). Esses
corrijam as anomalias desse procedimento e, por componentes de caráter metadisciplinar pertencem
último, é preciso lembrar que os componentes à chamada "área comum", ou seja, pertencem a
correspondentes ao campo metadisciplinar não todas áreas de ensino e devem ser garantidas na
podem ser situados em nenhuma das áreas propos- estrutura curricular e no planejamento da aula.
tas, porque não dependem de nenhuma disciplina. Os procedimentos são aprendidos na prática, mas
Capítulo 9 – “O núcleo comum: resposta ao é fundamental que o educador conheça como funcio-
ensino de competências”. Como já mencionado nam e os passos que os constituem. O mesmo deve
por Antoni Zabala e Laia Arnau (2010), a forma ocorrer em relação à aprendizagem de uma atitude
tradicional de organização dos conteúdos de ensi- positiva. Para isso, são necessários critérios de autono-
no, em segmentos desarticulados entre si, nasceu mia moral, com a certeza de que não seja uma simples
a ideia de que todos os novos conteúdos devem maneira de desenvolver a “moralina” (moral de senso
passar pelo início de uma nova matéria. comum) ou jeito de obter aprovação do grupo.
Nº 10 • Abril/99

Para ensinar competências, a escola deve ter cla- Para que aconteça reflexão sistemática sobre
reza das competências que deseja trabalhar, como os conteúdos procedimentais e atitudinais, prati-
179
179
também fixar critérios adequados que permitam ve- cados em sala de aula com os alunos e/ou entre os
rificar quais os conteúdos de ensino mais relevantes, professores (das mais variadas disciplinas), faz-se jan/2017
necessário existir tempo e espaço garantidos pela  sistema de organização dos conteúdos (discipli-
organização curricular e planejamento prévio. Pen- nar, interdisciplinar, globalizador etc.);
sar como o aluno pode desenvolver sua capacidade  materiais curriculares (livro didático, compu-
de autonomia intelectual e assumir a responsabi- tador, fichas etc.);
lidade pelos seus atos, afinal vivências e reflexões
 procedimentos de avaliação (formativa, autoa-
atitudinais servem para a vida toda e não um curto
valiação, sancionadora etc.)
espaço de tempo, de uma determinada disciplina.
As sequências didáticas (sequências de ativi-
Nesta perspectiva, é impossível o domínio de
dades de ensino-aprendizagem), explicam Antoni
qualquer procedimento sem a análise crítica sobre
Zabala e Laia Arnau (2010, pág. 147-148), “são
suas características e fases que o constituem. Pe-
a maneira de encadear e articular as diferentes
riodicamente, os alunos e professores necessitam
atividades ao longo de uma unidade didática”. Os
estudar, conhecer, fundamentar os procedimentos
autores elucidam que independentemente da se-
gerais, específicos e comuns, e repensar um con-
quência didática escolhida (descobertas, estudo de
junto de atitudes pertinentes à sala de aula e para
caso, projetos etc.) devem conter as seguintes fases:
vida. Essa reflexão deverá ser baseada no estabeleci-
mento claro dos objetivos e conteúdos de todos os  estabelecimento compartilhado dos objetivos
níveis de ensino e das aprendizagens que devem ser da unidade e das atividades;
praticadas na área ou eixo comum, o que implica  identificação dos problemas da realidade, expli-
na implementação de uma metodologia comum citando a necessidade de aplicar a competência
em todas as áreas do conhecimento. ao objeto de estudo;
Capítulo 10 – “Os métodos para o ensino  explicitação do esquema de atuação correspon-
das competências devem ter um enfoque globa- dente à competência, formas de ação;
lizador”. Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) elu-  identificação do procedimento conceitual, atitu-
cidam que não existe uma metodologia específica dinal ou procedimental; habilidades e atitudes
para o ensino das competências, mas a possibilida- que devem ser alcançadas para agir de forma
de de utilizar múltiplas estratégias metodológicas eficaz e integral;
com enfoque globalizador.
 revisão do conhecimento disponível para pla-
Pode-se afirmar que o método transmissivo nejar a aprendizagem, ou seja, nos conteúdos
tradicional, baseado na sequência exposição/estu- factuais: atividades de memorização; nos con-
do/exercício/prova, gerou a busca por inúmeras ceituais: atividades para compreensão e aplica-
metodologias alternativas, porém, é importante
Gestão pedagógica

bilidade nos diferentes contextos; nos procedi-


ressaltar que não existe apenas um único método
mentais: atividades para exercitação progressiva
e todos são válidos. O efeito dessa busca por novos
com correspondente ajuda; e nos atitudinais,
meios de ensino foi a reflexão realizada sobre as
reflexão permanente sobre condutas;
estratégias e metodologias mais adequadas e coe-
rentes para o processo de aprendizagem.  aplicação do esquema de atuação em situações
próximas da realidade tantas vezes quantas
Antoni Zabala e Laia Arnau (2010 pág. 146)
forem necessárias.
explicam que as dimensões ou variáveis metodo-
lógicas incluem tarefas determinadas, bem como Cabe aos educadores, na sua prática pedagó-
uma forma de agrupá-las e articulá-las em sequên- gica, planejar sua forma de ensinar, mas fazer
cias de atividades, como por exemplo: adaptações às necessidades dos alunos, considerar
os conhecimentos prévios dos alunos; motivá-los
 aulas expositivas, de descoberta ou projetos;
em relação ao novo conhecimento e sua aplica-
 situações comunicativas entre professores e alu- ção na vida; auxiliá-los quando se deparam com
nos (diretivos, participativos, cooperativos etc.);
Nº 10 • Abril/99

dificuldades para resolver problemas; fomentar


 organização social da aula (grande grupo, roda, os processos metacognitivos que facilitem o
pequenos grupos, duplas, móveis etc.); controle pessoal do aluno sobre seu processo de
180
180
 distribuição do tempo e espaço (cantos, oficinas aprendizagem; organizar um ambiente e relações
jan/2017 etc.); guiados pelo respeito mútuo, que promovam o
desenvolvimento da autoestima e autoconceito e professor. A existência de materiais curriculares
valorizar os alunos pelos esforços empreendidos diversificados é fundamental para que o professor
para aprender e conhecer. Além dessas condições elabore seu projeto de intervenção específico, adap-
gerais, cabe acrescentar que a aprendizagem dos tado às necessidades da escola e de seu contexto
conteúdos atitudinais é necessária para a formação profissional.
integral do aluno. Os materiais curriculares devem auxiliar na
A organização social da aula deve ser planejada construção de situações reais, para que as sequên-
considerando os diferentes estilos e ritmos de cada cias didáticas possam ser iniciadas com exercícios
aluno no decorrer da aprendizagem. Vale ressaltar sequenciados e flexíveis, considerando os diferentes
que a metodologia para o ensino das competências níveis de desenvolvimento de cada aluno. Também
deve coexistir com diferentes formas de organizar devem ajudar para o desenvolvimento das diferen-
a aula: trabalho em equipe fixa, heterogênea; tes competências, bem como estar integrado a um
trabalho em duplas; trabalho individual etc. É projeto global.
importante observar que o planejamento do espaço
Por último, Antoni Zabala e Laia Arnau (2010)
e do tempo são variáveis que podem contribuir ou
reforçam a importância do processo avaliativo, ou
atrapalhar o processo de ensino-aprendizagem de
seja, verificar os resultados obtidos no processo de
muitas competências. Por isso, o professor neces-
ensino-aprendizagem, no enfoque globalizador,
sita ser realista quanto ao tempo e espaço físico
para determinar as características de qualquer
necessários para o desenvolvimento de sua aula.
metodologia utilizada pelos professores.
Em relação à organização dos conteúdos, An-
Capítulo 11 – “Avaliar competências é avaliar
toni Zabala e Laia Arnau (2010, pág. 155) reafir-
processos na resolução de situações-problema”.
mam que "é preciso saber se a melhor estratégia é
Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) ressaltam que
organizar as competências de acordo com a lógica
o processo de avaliação é complexo e a escola não
das disciplinas ou sob formas organizacionais cen-
deve concentrar seus esforços apenas nos resul-
tradas em modelos integradores ou globais". Os
autores acreditam que a solução esteja no enfoque tados que os alunos obtiveram nas provas, mas
globalizador, ou seja, a unidade de intervenção principalmente nas atividades propostas pelos pro-
deve partir de uma situação próxima à realidade do fessores, nas experiências que os alunos realizaram
aluno. Nessa perspectiva, "é possível organizar os e nos conteúdos de aprendizagem.
conteúdos por disciplinas, nas quais as atividades Muitas escolas ainda priorizam o processo se-
de aprendizagem se estruturem de acordo com a letivo dos melhores alunos rumo à universidade.

Gestão pedagógica
lógica das matérias, cuja apresentação esteja pró- Para isso, utilizam instrumentos avaliativos (pro-
xima à realidade dos alunos". vas sistemáticas e periódicas) e estratégias para o
Segundo Antoni Zabala e Laia Arnau (2010), reconhecer jovens que estão mais preparados para
no enfoque globalizador cada professor seguirá o o ingresso no ensino superior. Nessa perspectiva,
mesmo esquema de atuar na área em que leciona: pode-se afirmar que a prioridade é o bom desem-
situação da realidade; proposição de questões; penho dos alunos diante dos conhecimentos e a
instrumentos e recursos disciplinares; formali- entrada para o mundo acadêmico.
zação dos critérios científicos da disciplina para Antoni Zabala e Laia Arnau (2010) entendem
aplicabilidade em outras situações e o domínio que esse tipo de avaliação (prova padronizada)
dos conceitos e habilidades aprendidos. Existem averigua, principalmente, o grau de retenção,
inúmeros métodos globalizantes, mas a diferença quase mecânico, baseado na memorização dos
está na intencionalidade do trabalho que deve ser conhecimentos aprendidos e que geralmente são
praticado e suas fases respeitadas. esquecidos após o período das provas. Assim,
Nº 10 • Abril/99

A metodologia globalizante permite a apren- podemos inferir que essa forma de avaliar diminui
dizagem do pensamento complexo e, simultane- o valor do ensino ao bom rendimento nas provas.
amente, a implementação do processo ensino- Portanto, o modelo seletivo tradicional tende a não
181
181
-aprendizagem num contexto real, criativo e considerar tudo o que foi trabalhado em sala de
significativo, tanto para o aluno quanto para o aula, em prol da nota esperada. Do ponto de vista jan/2017
educacional, cabe observar que a nota acaba sendo sobre o domínio do conhecimento estipulado pelo
um elemento motivacional para o aluno estudar, indicador de obtenção da competência e que possa
o que é um grande equívoco. servir também para resolver as questões lançadas
No processo de avaliação por competências, o pela situação-problema. E, por último, cada ati-
professor promove uma série de exercícios ou simu- vidade avaliativa poderá servir para um ou mais
lações próximas ao contexto real, para verificar como indicadores de sucesso.
o aluno utiliza seus esquemas de conhecimento e Em relação aos conteúdos fatuais, podemos
atua de forma eficaz ou não, diante dos problemas recorrer à estratégia da pergunta oral ou escrita
propostos, tendo como ponto de partida o pensa- para avaliarmos o grau de aprendizagem. Nos
mento complexo. Ao lançar situações-problemas, conteúdos conceituais, pode-se avaliar o nível
por meio de textos científicos ou jornalísticos, estu- de aprendizagem desses conteúdos através das
do de casos reais, tragédias, acontecimentos sociais, atividades de resolução de conflitos ou problemas
entre outras metodologias alternativas, o professor com base nos conceitos aprendidos. No que se
averigua o nível de aprendizagem dos conteúdos refere aos procedimentos, podemos aplicar ativi-
de ensino, das competências e o grau de eficácia na dades abertas para verificar o grau de funciona-
resolução dos problemas, observando o esquema lidade que elas têm para os alunos. Para avaliar
de atuação do aluno. as atitudes, atividades como debates, excursões,
colônias de férias e manifestações dentro ou fora
As situações-problema também auxiliam o
da aula com a intenção de averiguar a conduta
professor na obtenção de informações sobre as
interpessoal de cada aluno diante de situações de
dificuldades de aprendizagens e como o aluno
impasse e conflito.
reage diante de determinadas competências. É im-
prescindível conhecer essas dificuldades para que o Finalizando, o ensino das competências e seus
professor possa traçar estratégias de aprendizagem processos avaliativos são constructos complexos,
mais específicas e apropriadas e saiba escolher o porém possíveis de aplicabilidade eficaz no contex-
esquema de atuação mais apropriado para que o to educacional, uma vez que o projeto curricular e
aluno resolva o desafio. a criação de espaços para sua reflexão são impres-
cindíveis para o sucesso da nova abordagem em
Segundo Antoni Zabala e Laia Arnau (2010,
todos os níveis de ensino escolar.
pág. 175), "a característica diferencial das ativida-
des de avaliação das competências consiste em que No epílogo, Antoni Zabala e Laia Arnau
(2010) reforçam as ideias já tratadas no decor-
todas elas são parte de um conjunto bem definido
rer de todo o livro, enfatizando que o ensino
Gestão pedagógica

de ações para a intervenção ou para a resolução das


baseado em competências tem caráter inovador,
questões que uma situação-problema apresenta,
mas depende da reforma do pensamento em to-
mais ou menos, próxima à realidade dos alunos".
dos os níveis de ensino. A prioridade é o ensino
Através da avaliação podemos verificar o nível de
para a complexidade, mas para isso necessitamos
aprendizagem adquirido nos diferentes conteúdos
formar profissionais dispostos a utilizarem estra-
que constituem a competência.
tégias metodológicas apropriadas para o ensino
Para Antoni Zabala e Laia Arnau (2010), o das competências. A estrutura escolar, projeto
segredo para elaborar as atividades avaliativas das pedagógico curricular e gestão escolar neces-
competências encontra-se na escolha adequada sitam garantir a formação integral dos alunos,
da situação-problema para que permita averiguar, compreendendo que é preciso formá-los para
simultaneamente, a competência específica e a enfrentarem as incertezas da vida, implicando
competência geral. Para cada competência especí- também a comunidade, a família e a sociedade
fica devem ser escolhidos um ou vários indicadores como corresponsáveis na formação dos alunos.
Nº 10 • Abril/99

que permitam estabelecer o grau e a maneira como


Antoni Zabala*
os alunos realizam a aprendizagem dos diferentes
Professor na Universidade de Barcelona.
componentes da competência e os conteúdos de
182
182
aprendizagem. O professor deve elaborar ativi- Laia Arnau**
jan/2017 dades cuja resolução permita obter informações Professora na Universidade de Barcelona.
VEIGA, Ilma P.A. (Org.) Projeto Político Pedagógico da escola – uma
construção possível. 29ª edição. Campinas: Papirus, 2011 (Magistério)

Projeto Político Pedagógico da


Resenha elaborada por
Escola – uma construção coletiva.
Regina Célia Pereira Baptista
Ilma P.A.Veiga.
dos Santos.
O projeto é o plano do que buscamos a partir
Graduada em Pedagogia do que temos. É uma ação intencional com um
Mestrado em História e Filosofia da Educação compromisso definido coletivamente.
pela PUC-SP
Político – no sentido de compromisso com a
Doutorado em Educação pela USP
formação de um cidadão determinado, cidadão
para um tipo de sociedade- cidadão participativo,
responsável, compromissado, crítico e criativo.
Pedagógico - porque define ações educativas e
as características necessárias às escolas que desejam
cumprir os seus objetivos.
Político- Pedagógico é um processo permanente
de reflexão a respeito dos problemas da escola na
busca da efetivação de sua intencionalidade.
É um processo democrático de decisões, refe-
rente à organização do trabalho pedagógico no
nível da escola e da sala de aula.
Para realização desse projeto é necessário que
haja uma teoria onde se embase, assumida pela
equipe escolar e funcionários. Cabe às instâncias
superiores à escola estimular as inovações e forne-
cer assistência técnica e financeira para que a escola
busque sua autonomia e qualidade.

Gestão pedagógica
Princípios norteadores
Igualdade de condições – ampliação de aten-
 
dimento e alcance de qualidade.
Qualidade – para todos garantia do ingresso e
 
permanência dos que nela ingressam.
Gestão Democrática – Abrange as dimensões
 
pedagógicas, administrativa e financeira. Tem
em vista a socialização do poder.
Liberdade – associado à ideia de autonomia.
 
Regras e orientações criadas sem indisposições
externas.
Valorização do Magistério e continuada – a
 
Nº 10 • Abril/99

qualidade do ensino relaciona-se estreitamente à


formação inicial e continuação dos professores,
às condições de trabalho e remuneração. 183
A análise de todos os princípios contribuirá 183
jan/2017
para a compreensão dos limites e possibilidades científicos, sociais e tecnológicos historicamente
dos projetos político-pedagógicos voltados aos construídos.
interesses das camadas menos favorecidas. O Projeto Político-Pedagógico da escola deve
Estrutura organizacional – dois tipos de es- ser uma reflexão de seu cotidiano. Requer con-
truturas: administrativas e pedagógicas. Analisar a tinuidade, descentralização, democratização do
estrutura organizacional da escola significa indagar processo de tomada de decisões. Requer criar
sobre suas características, seus pólos de poder e condições para uma outra forma de organização
seus conflitos, avaliar os obstáculos e as possibi- do trabalho pedagógico, exige luta e resistência.
lidades, configurar novas formas de organização
para melhoria de trabalho de toda a escola. O Projeto Político – Pedagógico
Currículo – é a construção social do conheci- e a gestão da escola. Antônia
mento, a transmissão dos conhecimentos histori- Carvalho Bussmann
camente produzidos e as formas de assimilá-los. O PPP consolida a escola como lugar central
A construção do Projeto Político-Pedagógi- da educação básica, numa visão descentralizada do
co da escola exige a gestão de uma nova organiza- sistema; sinaliza o processo educativo como cons-
ção da escola, que reduza os efeitos da divisão do trução coletiva dos professores; reforça a função da
trabalho e do controle hierárquico. direção da escola ou da coordenação, do alcance da
Sete elementos são constitutivos da organiza- globalidade do processo educativo administrando
ção: as finalidades da escola, a estrutura organi- a consecução dos objetivos.
zacional, o currículo, o tempo escolar, o processo É um processo em construção. Daí a importância de
de decisão, as relações de trabalho e a avaliação. se estabelecer condições para a discussão criativa e crítica.
As finalidades da escola – a escola deve de- As organizações – a organização é um conjun-
terminar suas finalidades sócio políticas e culturais to de pessoas e recursos articulados para a realiza-
com autonomia. ção de um objetivo. A escola é uma organização
O currículo não é neutro – ideologia é expres- que precisa ser administrada.
sar uma cultura. O currículo não pode ser separado
do contexto social. O currículo exige que se defina
A administração e educação
uma organização curricular. A escola deve buscar O modelo tecnista reforçou a eficiência e eficá-
novas formas de organização curricular no sentido cia pelo processo de produtividade de forma frag-
de fins emancipatórios. mentada, não responde mais às demandas atuais.
Gestão pedagógica

O tempo escolar – a escola deve reformular o seu Hoje: exigem-se outras respostas na qualidade
tempo, estabelecendo períodos de estudo e reflexão. dos serviços educacionais, considerando a capa-
cidade de cada pessoa, tomando-o como sujeito
O processo de decisão – deve haver mecanis-
pensante, reflexivo.
mos que estimulem a participação de todos.
Deve-se considerar a escola em sua relação com
As relações de trabalho – devem ser calcadas
o social e político e a subjetividade da construção
na solidariedade, reciprocidade e participação
dos conhecimentos e valores. Isto requer posicio-
coletiva, favorecendo o diálogo.
namento filosófico.
A avaliação – é um ato dinâmico e imprime
Também é impossível separar teoria e prática
uma direção às ações dos educadores e educandos.
administrativa de uma teoria e prática pedagógica.
Envolve três momentos: - a descrição e problema-
O comportamento administrativo manifesta seu
tização da realidade escolar, a compreensão crítica
alcance pedagógico.
da realidade descrita e problematizada e a propo-
sição de alternativas de ação (criação coletiva). Conceitos relevantes:
Nº 10 • Abril/99

A avaliação não pode ser instrumento de exclu- Meio e fins no processo decisório
são dos alunos provenientes das classes trabalhado- A administração é articuladora dos meios para
184
184
ras. Deve favorecer o desenvolvimento da capaci- atingir os fins desejados e definidos. A organização
jan/2017 dade do aluno de apropriar-se de conhecimentos escolar democrática exige participação, práticas co-
letivas e individuais, baseada em decisões tomadas não devem mais aceitar determinações impostas
e assumidas pelo coletivo. Exige também da equipe de “cima para baixo” e que as decisões devem ser
diretiva liderança e vontade firme para coordenar tomadas na escola.
o processo decisório. Todavia um clima de frustração está presente
na escola ao se constatar o não realizado. Diversas
Agentes organizacionais
justificativas são dadas. Muitos educadores não
Os recursos são os demais componentes – mate-
alteram o seu fazer. Há educadores com posturas
riais, ideias... que a organização produz. A expressão
marcadas pelo ativismo, burocratismo... Poucos são
“ recursos humanos” é inadequada para as pessoas.
os que possuem a competência técnica e política.
Conflito organizacional Questão – Por que os discursos críticos e ino-
Nas organizações há visões, valores, necessida- vadores dos textos e documentos não traduzem o
des diferentes. O administrador é um administra- vivido na escola?
dor de conflitos. A resposta não é simples. É necessário estar
Os conflitos podem gerar socialização e co- atento ao cotidiano da escola, como espaço, in-
nhecimento, quando inseridos num contexto clusive do simbólico e do imaginário.
metodológico adequado. Segundo autores, como por exemplo Kosik,
Implementação do Projeto Político a escola é acusada pelo trabalho alienado de seus
Pedagógico profissionais. Nesta visão, a vida cotidiana passa a
ser um espaço de mediocridade, com valores como
A educação é compromisso ético dos brasileiros
para com os brasileiros. individualismo, a competição.

O desenvolvimento econômico é condição e Arendt refere-se à “ilusão da percepção”.


meio para o desenvolvimento social. A construção da maturidade no cotidiano
No espaço e tempo da escola é que se dá a pauta-se em pontos norteadores, que foram cons-
construção do conhecimento. O Projeto Político truídos nas histórias de vida de cada um. Esses
Pedagógico é condição para que se firme a identi- pontos são paradigmas, que para Platão são um
dade da escola: ação-reflexão-ação; prática-teoria- modelo, um tipo exemplar.
-prática; síncrese-análise-síntese. O paradigma exclui a investigação científica
dos problemas.
Gestão da escola
Algumas pessoas e instituições sofrem de um
Caminhar na direção da democracia na escola

Gestão pedagógica
mal – a “paralisia pragmática”, a certeza absoluta.
e na construção de sua identidade exige: rompi-
mento com estruturas organizacionais fragmen- Mas os fatos ocorrem de maneira dinâmica.
tadas; definição clara de princípios e diretrizes Por ex: o conceito de família mudou, aluno é
contextualizadas; conhecimento da realidade outro, os professores mudaram. A escola precisa
escolar; análise e avaliação diagnóstica para criar “atualizar-se”.
soluções, planejamento participativo; atualização O descompasso entre o dito e o feito
constante dos profissionais da escola; coordenação
Estamos entre dois blocos paradigmáticos:
administrativo-pedagógica competente.
conservador e emergente. O empobrecedor é
Paradigma – Relações de poder entendermos o horizonte do conhecimento como
algo finito, acabado.
– Projeto Político-Pedagógico:
Na escola, de um lado temos os educadores que
dimensões indissociáveis do fazer
consideram o conhecimento como transmissão de
educativo. Lucia Maria Gonçalves um saber pronto e na outra extremidade os que
Nº 10 • Abril/99

de Resende concebem o conhecimento como um processo de


O paradigma escolar estampado construção. O confronto dessas duas orientações
no cotidiano teóricas reflete-se no cotidiano da escola. 185
Os educadores têm expressado a idéia de que A escola está inserida numa sociedade problemá- 185
jan/2017
tica, onde há desesperança na maioria dos brasileiros Além disso, houve análise de documentos.
quanto à melhoria da própria qualidade de vida. Após o processo, constatou-se que havia con-
E ainda não basta a escola estar voltada para da tradições entre o que o Regimento afirmava e o
maioria da população, se não houver o compro- cotidiano da escola, que os alunos desconheciam
misso das altas esferas. os seus direitos, o pouco preparo técnico da equipe
As matrizes paradigmáticas educacionais pa- pedagógica, a ausência de formação continuada, a
recem indiferentes às novas propostas, enfim “as improvisação, o ativismo, a insegurança, a indica-
possibilidades infinitas do ser humano”. ção política para ocupação de cargos, a insatisfação
dos professores, uma crescente inibição dos alunos.
Nas escolas, existem educadores ofuscados
pelas ideologias liberais, que mascaram o sentido A identidade da escola
da realidade social.
Cada escola tem uma cultura interna. Na escola
Mas desde a década de 1980 o Brasil está sen- pesquisada, constatou-se falta de inovação e pouca
do influenciado por teóricos internacionais que formação científica na equipe pedagógica, um
apontam a necessidade de repensar a organização paradigma conservador liberal.
do Estado, do trabalhador e da escola.
Projeto Político Pedagógico
Refletindo com alguns teóricos Os cursos de formação inicial são importantes
Pensar em relações de poder no interior da ao possibilitar as bases teórico-metodológicas para
escola é pensar as amplas formas de legitimação os profissionais da educação.
da sociedade capitalista.
A escola deve possibilitar a formação continuada,
Nessa reflexão, Foucault mostra-nos a neces- por meio da construção coletiva de seus projetos.
sidade de estudar o poder em sua prática real e Mas é necessário um grupo de profissionais da
efetiva, em sua face externa. educação que não aceite ser reforçador de propos-
Gramsci afirma que nas sociedades capita- tas de manutenção de uma sociedade barbarizada;
listas, a luta pela sobrevivência vai caracterizar a  que se desarme de posições radicais, busque
divisão da sociedade em classes: o proletariado e educação continuada como via para competên-
a burguesia. Novo bloco histórico com base na cia e construa um Projeto Político-Pedagógico
contra-hegemonia. Nesse processo é fundamental que seja coerente com a construção de uma so-
a atuação dos “intelectuais orgânicos”. Cada classe ciedade que se propõe mais justa e democrática.
gera seus intelectuais que têm a função de garantir
Gestão pedagógica

ou a hegemonia ou a contra-hegemonia.
Autonomia da escola pública.
A classe dominante ao expressar seus interesses
Um foque operacional - Carmen
particulares em termos universais passa a ser he-
gemônica. A hegemonia domina pela persuasão e Moreira de Castro Neves
não pela força. A classe subalterna reconhece na Há uma íntima vinculação entre o Projeto Po-
classe dirigente o seu direito de dirigir e legitimar lítico Pedagógico e autonomia.
a dominação. Autonomia é um valor inerente ao ser humano:
O bloco histórico realiza-se quando um grupo o homem nasceu para ser livre, autônomo.
social impõe-se sobre os demais. A primeira dimensão de autonomia refere-se
à democracia. A autonomia da escola é um exer-
Um mergulho na escola pública cício de democratização de um espaço público: é
de séries iniciais delegar ao diretor e aos demais agentes pedagó-
Realizou-se uma pesquisa a respeito das rela- gicos a possibilidade de dar respostas ao cidadão
ções de poder no cotidiano de uma escola pública
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em vez de encaminhá-lo para órgãos centrais. A


de 1º grau. autonomia coloca na escola a responsabilidade de
Com os diversos instrumentos os interlocutores prestar contas do que faz. A autonomia da escola
186
186
foram à diretora, à vice, professores e alunos de justifica-se no respeito à diversidade e à riqueza
jan/2017 cada série das séries iniciais. das culturas brasileiras.
Autonomia e racionalidade gestão dos recursos patrimoniais, da possibilidade
A segunda dimensão refere-se à racionalidade. de dispor de orçamento próprio, da capacidade de
A autonomia tem uma dimensão operacional que negociar e atrair parcerias. Engloba: dependência
pode garantir a melhoria da qualidade dos serviços financeira, o controle e prestação de contas e a
prestados. captação de recursos.
Eficácia significa o alcance de resultados pre- Autonomia e compromisso ético –
viamente definidos. Eficiência significa economia profissional
de tempo, de recursos. Eficácia e eficiência são
O conceito de autonomia refere-se ao papel dos
critérios de racionalidade.
agentes pedagógicos.
A racionalidade na escola pública pode ser
Num modelo centralizado, as escolas são meras
externa e interna.
executoras de políticas definidas de gabinetes.
Uma escola pública que atinge os seus objetivos
A autonomia, democratizando internamente a
e esses coincidem com os que as famílias esperam,
escola pública, valoriza o trabalho dos profissionais,
tem-se racionalidade externa.
realça sua competência técnica e cria condições ao
Quando a organização seleciona adequadamente
exercício de seu compromisso social: educar.
os seus recursos, os profissionais da escola são com-
petentes e comprometidos e alcançam os resultados O que fazer? Investir nos recursos humanos,
pretendidos, temos a racionalidade interna. valorizá-los, aprovar um plano de carreira, salário
digno, educação continuada, acesso a recursos
A racionalidade externa e a interna são inter-
tecnológicos. Dessa forma, o Estado honrará seu
dependentes.
compromisso com a educação.
A autonomia consolida-se em 3 eixos, relacio-
nados com as racionalidades internas e externas: A relação autonomia e Projeto
administrativo, pedagógico e financeiro. Político Pedagógico
O eixo administrativo refere-se à forma de ges- O PPP é um instrumento de trabalho que
tão, controles normativo-lucrativos, administração mostra o que vai ser feito. Explicita uma filosofia e
de pessoal, administração de material e outros. harmoniza as diretrizes da educação nacional com
O eixo pedagógico refere-se à identidade da a realidade da escola, traduzindo sua autonomia e
escola, à sua missão social, aos resultados, ao Pro- definindo seu compromisso com a clientela.
jeto Político-Pedagógico. Abrange os aspectos: A construção de um Projeto
poder decisório refere-se à melhoria do ensino-

Gestão pedagógica
  Político-Pedagógico – etapas
-aprendizagem – possibilidade de definir con- 1.análise da situação - levantar indicadores
teúdos, introduzir métodos novos, programas. pessoais e escolares dos alunos e sobre a equipe
 adoção de critérios próprios de organização pedagógica; indicadores sobre as condições mate-
da vida escolar. Diz respeito a medidas como riais e financeiras; examinar o entorno da escola e
estabelecer números de dias letivos, calendário possibilidades de parcerias.
anual, horário, atividades extracurriculares,
2.definição dos objetivos – discutir os objeti-
oferecer merenda, material didático e outros.
vos nacionais, acrescentando outros que atendam
 pessoal docente – qualidade do trabalho do à realidade da escola.
pessoal docente em relação com os resultados
3.escolha das estratégias – identificar pontos
pedagógicos da escola. Deve-se investigar a
fortes e fracos da escola, quais podem ser melho-
infra-estrutura de apoio à sala de aula, pos-
rados; estabelecer prioridades.
sibilidade de aquisição de material extra para
atividades. 4. elaboração do cronograma e definição dos
Nº 10 • Abril/99

espaços necessários
 acordos e parcerias de cooperação técnica-
-assessoria e cooperação técnica para melhoria 5. coordenação entre os profissionais
da ação educativa. 6. implementação 187
O eixo financeiro associa-se à autonomia na 7. acompanhamento e avaliação. 187
jan/2017
Em suma, o Projeto Pedagógico da voz à escola 1. mudanças na estrutura político-administrativa.
e é a concretização de sua identidade, de suas ra- Mudanças nos órgãos centrais para que deixem
cionalidades interna e externa e consequentemente, as atitudes prepotentes de quem detém o mono-
de sua autonomia. pólio do poder.
A autonomia da escola: um Valorização da gestão descentralizada e democrática.
conceito operacional A autonomia exige desburocratização e transpa-
1. A primeira ideia é a de possibilidade, rência. Exige também a definição das três esferas
que tem a ver com viabilidade. A possibilidade do poder público: União, estados e municípios.
fundamenta-se na afirmação de que a autonomia 2. mudanças nos padrões de financiamento
é uma forma de delegação que se liga à temática e investimento.
da liberdade, da democracia do pluralismo. Reconhecer a autonomia da escola é fortalecê-
A autonomia pode ser conquistada. A autono- -la, dotá-la de boa infra-estrutura: o magistério
mia pode ser também outorgada. deve se tornar atraente.
2. A segunda ideia é a de capacidade, que está 3. mudanças no compromisso ético-profis-
relacionada à dimensão técnica. sional dos agentes envolvidos.
3. Em terceiro lugar, a ideia de elaborar e A autonomia valoriza esses agentes, remune-
implementar. ração inclusive.
A elaboração de um bom projeto é um trabalho 4. mudanças na qualidade dos resultados
participativo, democrático, responsável, compe- educacionais. Relacionam-se com a identidade e o
tente e solidário. Projeto Político-Pedagógico da escola: sua missão,
4. O quarto elemento é a idéia de relevância para resultados e a clientela a que serve.
a comunidade, que reforça a categoria da racionali- 5. mudanças na relação Estado-cidadão.
dade externa. A educação é relevante quando respeita
Num sistema centralizado, a escola ouve e obe-
a cultura do educando e com base nela é capaz de
situá-lo num horizonte maior, que amplie sua visão dece ao superior, o que vem de cima e, em geral,
de mundo e lhe forneça conhecimentos que lhe pos- apenas ouve os usuários. Autônoma, ela ouve, age,
sibilitam influir nos problemas e nas soluções de sua responde pelo que faz, presta conta aos alunos.
coletividade, enriquecendo sua própria cultura. Considerações finais
5. A quinta ideia – o Projeto Político-Peda- Há muito que fazer e mudar. O Brasil precisa
gógico deve ser relevante à sociedade. A socie-
Gestão pedagógica

começar um novo tempo, no qual a autonomia seja


dade, que se caracteriza pela globalização, pelo símbolo de liberdade, de cidadania e democracia.
dinamismo tecnológico, que exige cidadãos com
A escola pública autônoma é “uma obra aberta
capacidade de participar e autonomia para buscar
e em movimento” (Umberto Eco). Na obra em
aprender constantemente.
movimento há dinamismo e multiplicidade.
6. A sexta ideia é a dimensão “a que serve”.
A escola pública é uma instituição prestadora de A autonomia da escola pública é um desafio
serviços aos cidadãos. A avaliação interna e siste- para que os agentes da educação sejam constru-
mática é fundamental para o seu aprimoramento. tores de um Projeto Político-Pedagógico sempre
renovado, os artífices de uma obra democrática.
Autonomia: uma agenda de mudanças
A autonomia vem se impondo como um ca- Planejamento participativo: uma
minho para a elevação do nível de qualidade dos maneira de pensá-lo e encaminhá-
serviços aos cidadãos. lo com base na escola. Elza Maria
Nº 10 • Abril/99

Autonomia não é privatizar Fonseca Falkembach


a educação. O fazer educativo tem sido visto como uma
188
188 Pré-requisitos que devem orientar a implan- prática reflexiva que se propõe forjar sujeitos
jan/2017 tação da autonomia para a escola pública práticos-reflexivos. -COMO FAZER ISSO?
Fazer do espaço educativo um lugar privi- xa, os grupos se diferenciam e passam a exigir das
legiado de aprendizagem, que possibilite uma escolas ensinamentos específicos. Haverá então a
nova relação com o conhecimento. Aprender escola para as elites, a destinada aos ofícios e a “não
transformar-se numa atitude prático-reflexiva, escola” para as camadas inferiores da população.
que leva a construir o conhecimento. Atualmente, no contexto das transformações
Nessa perspectiva, o planejamento partici- sociais e das lutas pela emancipação humana, a
pativo poderá constituir-se num instrumento escola propõe-se emergir de sua condição de mi-
pedagógico e político de mudança – atuando noridade social e os educadores tomarem a sala
sobre as formas como os indivíduos e instituições de aula como um campo de luta, que tem o com-
relacionam-se entre si e com o mundo. promisso social com a aprendizagem sistemática
requerida pela vida dos homens.
Pressupostos
Os educadores precisam entender o seu tempo, O imaginário da escola
a sua realidade. na ordem simbólica
O planejamento participativo pode implemen- A escola antes de ser objeto concreto de nosso
tar intervenções sobre o social, ainda que seja em saber e nosso querer, está prefigurada no ima-
microespaços do social. ginário social, no campo simbólico da fantasia.
No campo simbólico que se instauram os desejos
Objeto do planejamento participativo inscritos nas perspectivas de futuro.
A esfera da vida cotidiana tem sido priorizada Na base do ideal ou projeto de escola, situa-se
como foco de investigação. a verdade do desejo, sobretudo por parte dos que
a fazem no dia a dia, dando-lhe vida e afetivida-
Sujeitos do planejamento participativo
de.Entender a escola supõe entender: - Qual é o
O planejamento participativo é um instrumen- imaginário individual, do grupo de alunos? Dos
to teórico-prático capaz de facilitar a convergência pais? Dos professores?
entre o refletir e o agir de indivíduos e grupos.
A escola é uma rede de significações, compo-
Os sujeitos reúnem-se numa prática intencio- nentes funcionais e componentes imaginários,
nada e se propõem refletir e agir. São sujeitos em dimensão funcional e dimensão simbólica, o ins-
construção. tituído e o instituinte.
O diagnóstico - é um instrumento do processo Cabe ao Projeto Político-Pedagógico da escola
que tem a capacidade de levantar, no empírico, a realizar a articulação entre o instituído e o instituinte.

Gestão pedagógica
temática a ser trabalhada pelo planejamento parti-
cipativo. Organiza informações, promove análise A intencionalidade política
e sínteses. do projeto político
Os problemas evidenciados devem ser organi- As intenções manifestas não são expectativas
zados em núcleos problemáticos. de um ser isolado, mas de uma comunidade. A
Quanto aos procedimentos da passagem das in- escola justifica sua existência ao traçar sua proposta
tenções ao plano, das informações às ações educa- pedagógica no consenso dos nela interessados e
tivas, devem ser pautados pela utopia, trabalhando por ela solidariamente responsáveis.
educadores e educandos, pais e mães a síntese do -Qual é o cidadão que a escola pretende formar?
poder da criar, de ser solidário, da democracia, da Essa intencionalidade ético-política deve se tornar
possibilidade de liberdade. efetiva e eficaz na estrutura organizacional da escola,
na dinâmica curricular, na especificação dos conte-
Escola, Aprendizagem e údos, na gestão democrática, nas metodologias, na
Nº 10 • Abril/99

docência: imaginário social e mediação da docência em sala de aula e outros.


intencionalidade política – Mario A aprendizagem na mediação da
Osório Marques docência em sala de aula 189
À medida que a sociedade se torna mais comple- A escola só realiza sua função na mediação da 189
jan/2017
docência em sala de aula – alunos e professores, A qualidade buscada difere da recepção
sujeitos. mecânica e subalterna do conhecimento. Há a
O aluno, com seus saberes da vida e sua expe- necessidade de conhecimento científico e crítica
riência escolar. Os professores com seus saberes para fortalecer a classe trabalhadora em suas lutas.
da vida e com o saber organizado e sistematizado. A escola necessita superar as práticas pedagó-
Há uma cultura característica de cada idade, gicas centradas na memorização, na reprodução de
há uma cultura da sociedade. Há peculiaridades informação ou no “saber fazer” – hoje buscamos
de grupos. a formação de cidadãos pensantes e criativos.
A aprendizagem dos alunos depende da atmos- A formação continuada de professores pre-
fera emocional que o professor consegue criar e cisa ser revista.
do grau de integração de cada sujeito no grupo.
Os desafios da profissionalização e da
É tarefa dos professores traduzir os conceitos e organização coletiva dos educadores
relacioná-los à realidade cotidiana de seus alunos.
Os educadores precisam ter clareza em relação
E também tomar os conteúdos como elemento de
aos seus propósitos. Atitudes ingênuas e descom-
um todo mais amplo: o currículo de toda a escola.
promissadas não contribuem para a superação da
Para a docência, são necessários alienação e da ignorância.
os seguintes suportes: A partir de uma análise da conjuntura social, os
1. um Projeto Político-Pedagógico (cuja educadores poderão construir propostas pedagógicas
marca seja a permanente redefinição conceitual por pautadas em concepções claras e voltadas às necessi-
parte da comunidade escolar interna e externa). dades da escola e do sistema, nesse novo tempo.
2. uma programação de estudos na escola A dimensão e o caminho
dinâmica curricular. das mudanças
3. um programa de atuação integrada da Na ação educativa, como em qualquer atividade
turma de alunos e da equipe de professores em humana, está presente a dimensão política.
cada período.
A compreensão e o consenso não são condu- A condução do processo
zidos de fora – sem a presença viva do professor. A história da organização do trabalho docente
A docência competente configura-se na prática está fundamentada no modelo taylorista de orga-
pela reflexão pessoal e o professor só ensina na nização de produção, que legou a divisão social do
Gestão pedagógica

medida que os alunos aprendem. trabalho à escola. Assim o professor não percebe a
função social e política do ato de ensinar.
Ao domínio do conhecimento-habilidades
técnicas, o professor deverá acrescentar compe- É necessário analisar o modelo de escola que
tência comunicativa própria. E ainda a paixão temos.
pelo homem. _Qual é a filosofia_ presente nos documentos
Currículos, programas, metodologias, técnicas – escolares? Que relação essa filosofia estabelece com
tudo são pretextos para as relações que se estabelecem as formas de organização presentes na escola?
entre seres humanos que se respeitam e se admiram. Essas reflexões e a construção de um Projeto
Político Pedagógico significam um longo e perma-
Projeto Político Pedagógico da nente processo de ação-reflexão-ação.
escola: desafio à organização Conhecimento e cultura articulados
dos educadores – Anna Rosa F.
Santiago na práxis escolar
Nº 10 • Abril/99

A partir das mudanças socioculturais e político- Ao participar de um projeto de transformação


-econômicas na atualidade, há uma crise de para- social, a escola está construindo uma nova hege-
190 monia.
190
digmas e a necessidade de novas práticas educativas
jan/2017 em novos aportes teóricos. Para tal, a escola estará buscando fornecer aos
indivíduos “ferramentas” necessárias à “compre- - pesquisa-ação
ensão e intervenção na realidade”. - construção do Projeto Político-Pedagógico
Tal objetivo requer lutar pela permanência
do aluno na escola, mas uma escola capaz de ser A proposta pedagógica – Passos:
competente. 1. Elaboração de um cronograma de reuni-
A equipe de professores deve garantir a partici- ões e estudos.
pação e o compromisso do coletivo na construção 2. Definição de princípios – a) a ação peda-
da proposta escolar. Todos devem ter direito à gógica deve formar cidadãos conscientes, críticos,
palavra.Tudo deve ser registrado. capazes de atuar na transformação do meio em
que vivem; b) resgate da historicidade; c) o espaço
Conteúdos e metodologias da sala de aula transcende a escola; d) o ensino
de ensino: mediações na construção precisa considerar os aspectos culturais e valora-
de estruturas mentais tivos das práticas sociais; e) o saber popular; f) o
O conteúdo não pode significar informações desenvolvimento da cultura promove o exercício
mínimas, mas temas básicos, mediadores de con- da cidadania.
ceitos e estruturas mentais. 3. Definição da organização curricular.
Deve haver articulação entre o saber cultural e 4. Elaboração da proposta curricular.
o conhecimento científico.
As relações no cotidiano da escola
“Ensinar a pensar”. Tomar o aluno como um
Houve muitas mudanças:
ser capaz de autonomia intelectual, criatividade e
liberdade.  o espaço físico é de todos e deve ser um lugar
de diálogo.
Projeto Político-Pedagógico: a  todos são estimulados a respeitar o outro e
experiência de uma escola de dialogar.
periferia urbana na construção O planejamento do ensino
de sua identidade – Anna Rosa O grupo escolheu “temas geradores” para a
Santiago e Silvana Maria B.Zasso. organização do ensino. Esses temas devem ser
Contexto – Escola Municipal de 1º Grau Tomé definidos, a partir das necessidades ou problemas
de Souza – periferia de Ijuí - R.S. evidenciados na comunidade. Ex: o lixo.
- 20 professores – 249 alunos da Pré-escola à Os procedimentos foram os mais variados

Gestão pedagógica
5º série. como: pesquisa de campo, registros, gráficos,
- até 1980 – alto índice de reprovação e evasão análises, envolvendo todas as disciplinas.
escolar O grupo escolheu as oficinas pedagógicas.

A ação dos educadores – Avaliação


A partir da liderança da diretora e do empe- Os educadores redimensionaram a função clas-
nho dos professores: análise do fracasso escolar, sificatória e autoritária.
planejamento de ações de mudanças, diálogo com A avaliação passou a ser compreendida como um
a comunidade, propostas de atividades informais diagnóstico permanente, auxiliando professores,
com a comunidade. alunos e pais no processo ensino e aprendizagem.
A partir de um diagnóstico da escola, da voz O boletim é entregue e comentado com os pais.
da comunidade, elaboraram uma nova proposta
para a escola. Considerações finais:
Nº 10 • Abril/99

As relações educativas estão em permanente


A construção da parceria construção/reconstrução. São elementos que dão
 Escola Tomé de Souza e mais 3 escolas- e Uni- sustentação à escola: o trabalho coletivo, o com-
191
191
versidade de Ijuí (pesquisadores do Departa- prometimento, o enraizamento da escola em sua
mento de Pedagogia) realidade, a sua intencionalidade política. jan/2017
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Leitura)

Resenha elaborada por Primeiras palavras


A questão da formação docente em favor da
Regina Célia Pereira Baptista
autonomia do ser dos educandos é a temática
dos Santos. central desta obra.
Graduada em Pedagogia Nesse texto, são apresentados os saberes fun-
Mestrado em História e Filosofia da Educação damentais à prática educativa, acompanhados de
pela PUC-SP uma crítica ao neoliberalismo com sua ideologia
Doutorado em Educação pela USP fatalista, daí muitas vezes o tom de raiva. E ainda
sempre presente, a defesa da responsabilidade ética,
da ética universal do ser humano, da ética que con-
dena a exploração, a manifestação discriminatória
de raça, gênero, classe.
O preparo científico do professor ou da profes-
sora deve coincidir com sua retidão ética.
Somos seres condicionados, mas não determi-
nados e a história é tempo de possibilidade.

Prática Docente: primeira


reflexão (CAP. 01)
O objetivo dessa obra é considerar saberes
indispensáveis à prática docente de educadoras e
educadores críticos, progressistas.
É necessário destacar a importância de uma
reflexão a respeito de formação docente e a prática
Gestão pedagógica

educativa – crítica. Essa reflexão é uma exigência


da relação Teoria/Prática.
Ensinar não é transferir conhecimentos. For-
mar não é um sujeito dar forma, estilo ou alma
a um corpo indeciso e acomodado. Embora dis-
tintos, quem forma, se forma e quem é formado
forma-se. Quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender.
Somos seres históricos e inacabados. E social-
mente fomos aprendendo e trabalhando métodos
de ensinar. Não aceitamos o ensino “bancário”, o
educador bancário que transfere conhecimentos.
Queremos o educador “ problematizador” .
Nº 10 • Abril/99

1.1 Ensinar exige rigorosidade


metódica
192
192
O Educador democrático na sua prática docente
jan/2017 reforça a capacidade crítica do educando.
Faz parte da tarefa docente ensinar os conteúdos 1.7 Ensinar exige risco, aceitação do
e ensinar a pensar certo. Daí, exige-se educadores novo e rejeição a qualquer forma de
e educandos criadores, instigadores, rigorosamente discriminação
curiosos, humildes, persistentes. A prática preconceituosa de raça, classe e gênero
O educador não pode ser um memorizador, um ofende ao ser humano e nega a democracia.
repetidor, mas um desafiador. A grande tarefa do sujeito que pensa certo não
Pensar certo é conhecer o mundo, relacionar é transferir, depositar, doar ao outro a inteligibi-
os conteúdos com a realidade, e compreender a lidade dos conceitos, dos fatos. Mas pensar certo
nossa capacidade de interferir no mundo. Portanto é dialógico. É desafiar o educando a produzir sua
ensinar, aprender e pesquisar. compreensão do que é comunicado.

1.2  Ensinar exige pesquisa 1.8. Ensinar exige reflexão crítica sobre


Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem a prática
ensino. Pesquiso para conhecer e anunciar a ação/reflexão/ação
novidade. Pensar certo em termos críticos é
a formação permanente do educador
tornar a curiosidade metodicamente rigorosa.
Respeitar o senso comum, contribuir para que o Ensinar exige a reflexão crítica sobre a prática
educando passe da ingenuidade à consciência e a possibilidade para mudar.
crítica.
1.9 Ensinar exige o reconhecimento e
1.3 Ensinar exige respeito aos saberes a assunção da identidade cultural
dos educandos Assumir-se não pode significar a exclusão do
Exige respeito aos saberes construídos na práti- outro. A assunção do sujeito é incompatível com
ca comunitária. Discutir com os alunos a realidade o elitismo autoritário dos que se pensam “donos
concreta: os lixões, a poluição dos rios...relacio- da verdade”. Mas assumir-se como ser social e his-
nando a discussão com os conteúdos. tórico, como ser pensante, comunicante, transfor-
mador, capaz de ter raiva porque é capaz de amar.
- Por que não discutir a saúde da população e
as políticas públicas? A escola não é partido, mas Gestos expressam muito. Mas, não a repetição
é o lugar de pensar a ética. mecânica dos gestos. O gesto do educador vale
muito. O educador valoriza as emoções, a sensi-
1.4  Ensinar exige criticidade bilidade, a efetividade.

Gestão pedagógica
Curiosidade ingênua Criticidade Curiosidade crítica Medo coragem
(inquietação A prática docente contribui para que os
indagadora) alunos superem a insegurança.

A tarefa prática educativa progressista diante dos alunos


Cap.2. Ensinar não é transferir
1.5 Ensinar exige estética e ética conhecimento pelo mundo, não é
Estética Ética predeterminada
(boniteza) (decência) Ensinar não é transferir conhecimento pelo
- o respeito ao outro - o respeito ao bem comum mundo, não é predeterminada (Cap.2)
Não é possível pensar os seres humanos longe - Ensinar precisa ser constantemente testemu-
da ética. nho, vivido. Mas criar as possibilidades para sua
Decência e boniteza devem caminhar juntas. própria produção ou a sua construção.
Nº 10 • Abril/99

1.6 Ensinar exige a corporificação das 2.1. Ensinar exige consciência do


palavras pelo exemplo inacabamento
193
193
Pensar certo é fazer certo. Pensar certo é ser Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre
testemunha. homens e mulheres isso se tornou consciente. A jan/2017
invenção da existência envolve a linguagem, a cul- professor deve dar o exemplo de exigir condições
tura, a comunicação, a espiritualização, a possibili- para o exercício de tarefas docentes.
dade de embelezar ou de enfear o mundo. Capaz
de intervir no mundo, comparar, decidir, romper,
2.5. Ensinar exige humildade,
escolher, optar entre o bem e o mal, assumir o
tolerância e luta em defesa dos
direito de dever, lutar.
direitos dos educadores
A luta em favor do respeito aos educadores e à
E tudo isso nos traz a esperança, porque sei
educação inclui a briga por salários menos imorais.
que as coisas podem até piorar, mas sei também
Uma das formas de luta é a recusa a transformar
que é possível intervir para melhorá-las.
nossa atividade em bico. A luta em defesa dos
“Gosto de ser gente, porque sei que minha
seus direitos é um momento importante de sua
passagem pelo mundo não é predeterminada.” E
prática docente.
porque sei que a história em que me faço com os
O educador não pode se acomodar diante do
outros é tempo de possibilidades.
descaso pela educação pública. Mas respeitar o
2.2. Ensinar exige o conhecimento de educando, sua curiosidade, timidez; cultivar a
ser condicionado humildade, a tolerância.
 Sei que sou um ser inacabado e condicionado
2.6. Ensinar exige apreensão da
às condições materiais, econômicas, sociais,
realidade
políticas, culturais, ideológicas...
Aprender é construir, reconstruir, constatar
Sei que minha presença no mundo não se faz
 
para mudar.
no isolamento, isenta da influência das forças
sociais, mas com o mundo e com os outros. Para aprender preciso de métodos.

A ideologia fatalista neoliberal afirma “O de-


semprego é uma fatalidade do fim do século.” Mas, O educador ( o método) o educando
conscientes do inacabamento, podemos questionar
Da heteronomia para autonomia do educando.
a ideologia fatalista, aprender e ensinar e intervir
na realidade. Nessa relação, o educador não pode ocultar
os seus valores, a sua opção política. A prática
2.3. Ensinar exige respeito à educativa não pode ser neutra.
autonomia do ser do educando Ser o professor é assumir as convicções, ser
O respeito à autonomia e à dignidade de sensível à boniteza da prática educativa, assumir
Gestão pedagógica

cada um é imperativo ético. O professor que suas limitações e buscar superá-las.


desrespeita a curiosidade do educando, sua lin-
guagem, que o ironiza, que é autoritário, que não 2.7.  Ensinar exige alegria e esperança
respeita as etnias...transgride os princípios éticos. Uma pessoa progressista ofende-se com as
Qualquer discriminação é imoral e lutar contra injustiças, com as determinações e se recusa ao
ela é um dever. fatalismo imobilizante.
A nossa raiva pressupõe o amanhã como
2.4.  Ensinar exige bom senso
um desafio. Não posso cruzar os braços diante
Confundimos autoridade com autoritarismo.
da miséria, esvaziando minha responsabilidade:
Muitas vezes falamos em democracia e liberdade “a realidade é mesmo assim”. O discurso da aco-
e somos autoritários e arrogantes. Devemos antes modação é um discurso negador da humanização.
de qualquer reflexão, ouvir o que o bom senso diz.
Exs: Que é imoral afirmar que a fome e a miséria 2.8. Ensinar exige a convicção de que a
mudança é possível
Nº 10 • Abril/99

são a fatalidade e que não há nada a fazer; que deve


haver algo a ser compreendido no comportamento O educador que chega às favelas ou às rea-
de um aluno assustado e silencioso; que não posso lidades “marcadas pela traição ao nosso direito
194
194
falar em responsabilidade para os meus alunos se de ser”, pretende que a sua presença vá se tor-
jan/2017 o testemunho que dou é de irresponsabilidade. O nando convivência. Pretende compreender os
problemas que se colocam, estudar é buscar a A autoridade docente é democrática e a relação
mudança. professor-aluno é dialógica.
presença convivência Professor Alunos
questões, estudo compreensão, leitura Diálogo
dos problemas do mundo O educador deve estimular a pergunta, a re-
história possibilidade flexão crítica sobre as perguntas. Sua aula é um
compreensão ação desafio.
- Para que serve o conhecimento? Para con-
tribuir à solução/ superação dos problemas que Cap.3. Ensinar é uma
afligem a humanidade. especificidade humana
- A favor de quem estudo ?
Posturas posturas para o processo de 3.1 Ensinar exige segurança,
Rebeldes revolucionárias transformação do mundo competência profissional e
generosidade.
Denúncia Anúncio ( nova realidade) Competência profissional Autoridade docente
Mudar é difícil, mas é possível (estudo, respeito, segurança,
generosidade, testemunho
Não posso proibir que os oprimidos com quem
ético, democracia, pureza,
trabalho votem num candidato reacionário, mas responsabilidade)
tenho o dever de adverti-los da contradição em
que se colocam. Ex. Se sou um educador progres- A administração privada e pública da educação
sista, não posso aceitar que votem num candidato devem
racista. respeito ao professor, Respeito ao aluno pelo professor
tratamento digno ao professor
Como aceitar quem diz que a miséria é fruto
da preguiça ou da punição de Deus? Como ficar 3.2.  Ensinar exige comprometimento
calado quando não veem a miséria como uma
Hoje, a ideologia dominante defende a natu-
violência? Como educador progressista, preciso
ralidade da educação e as práticas apolíticas dos
me preparar: estudar, renovar saberes, ler cada
alunos como se a maneira de estar no mundo
vez melhor o mundo. E respeitar os saberes das
pudesse ser neutra.
comunidades onde atuo. Isto não significa me
calar ou me converter ao saber ingênuo dos grupos O educador não passa despercebido pelos alu-
populares, mas dialogar. nos. Os alunos percebem a aproximação ou não

Gestão pedagógica
de comparar, de avaliar, de decidir, entre o que
O grupo – uma das tarefas do educador pro-
se fala e o que se faz. E a presença do educador é
gressista é ser sensível à leitura do grupo.
política – uma presença de opções, de análises, de
A culpa – O poder ideológico dominante in-
não falhar à verdade de ser um testemunho.
culca nos dominados a responsabilidade por sua
situação. Daí, a tarefa do educador progressista é 3.3. Ensinar exige compreender que
também ajudar o educando a ler o mundo para a educação é uma forma de
superar essa “culpa indevida”. intervenção no mundo.
educação . ensino/ aprendizagem de conteúdos
2.9.  Ensinar exige curiosidade intervenção no . reprodutora/ desmascaradora da
Sem curiosidade nem aprendo e nem ensino. mundo ideologia dominante
Curiosidade domesticada memorização seres humanos determinados intervenção no mundo
Curiosidade epistemológica conhecimento e livres
O exercício da curiosidade convoca a imagina- Interesses dominantes imobilização
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ção, a intuição, as emoções... quanto à educação fatalismo, desesperança


ocultamento de verdades
Curiosidade espontânea curiosidade epistemológica “neutralidade”
195
A tarefa do professor em relação aos alunos


a favor do mercado do capitalismo
muitas vezes incoerência o que diz e faz 195
jan/2017
Interesses das práticas lutas precisa falar a ele. Precisamos buscar a formação
progressistas possibilidade da mudança, esperança integral do ser humano e não a sua redução a “puro
quanto desvelamento da realidade treino”. Falar com não é falar de cima para baixo,
à educação não neutralidade
como se fôssemos os portadores da verdade.
a favor da liberdade, da democracia, da
ética (bem comum) O educador deve buscar a formação integral
do ser humano e não aceitar o puro treino. Deve
coerência entre o que diz e faz
respeitar as diferenças e a leitura do mundo do
Não posso defender qualquer projeto. Mas educando. Se discrimino, não aceito escutá-lo.
Contra A favor: A globalização reforça o mando das minorias
o despudor, da decência, poderosas. A “eternidade” do hoje neoliberal mata
o autoritarismo, da liberdade,
a ditadura da democracia minha possibilidade de sonhar com um mundo
mais justo. A avaliação nas escolas deve visar a
Ser professor exige ser contra a ordem capita- libertação e não a domesticação. O imobilismo
lista que inventou a miséria na fartura. nega o ser humano e sua possibilidade de se trans-
3.4. Ensinar exige liberdade e formar e transformar a realidade. A avaliação deve
autoridade promover a libertação.
Avaliação domesticadora
Liberdade exige limites. ou
A participação dos pais na tomada de decisão libertadora?
dos filhos não é uma intromissão, mas um dever. O diálogo e o respeito devem estar a serviço
O papel dos pais e sobretudo na análise das con- da leitura do mundo e da intervenção no mundo.
seqüências possíveis da decisão a ser tomada. To- A humildade significa que ninguém é superior
davia, a criança e o adolescente precisam aprender a ninguém. Respeitar a leitura do mundo e do
a decidir, para que construam a sua autonomia. educando significa tomá-la como ponto de partida
E ninguém amadurece de repente sozinho. É um para o papel da curiosidade para a produção do
processo. conhecimento.
3.5. Ensinar exige tomada consciente O papel do professor é ajudar o aluno a ser o
de decisões. arquiteto de sua prática cognoscitiva.
educação intervenção no visando às mudanças radicais . Ensinar o conteúdo e Ensinar como aprender
mundo na sociedade
visando a mobilizar a história 3.7. Ensinar exige reconhecer
Gestão pedagógica

A educação é política que a educação é ideológica


- Sou a favor da fome e da miséria no Brasil? - A ideologia dominante oculta a verdade
Sou contra? O educador toma partido. dos fatos, opaciza a realidade e nos torna
- Por que muitos não tomam partido? - Por “míopes”, faz-nos aceitar que a globalização
que muitos se dizem “neutros”? – Por que como- da economia é uma invenção do destino. E
dismo? Por medo? Lavar as mãos diante da fome não uma orientação política ditada pelos inte-
e da miséria é reforçar o opressor. resses dos que detêm o poder. A globalização
é uma produção histórica.
Se a educação não pode tudo, algo fundamental
ela pode. Há século e meio, Marx e Engels gritavam
em favor da união das classes trabalhadoras do
A professora democrática, coerente, competente,
mundo contra sua espoliação. Agora necessá-
que testemunha sua esperança no mundo melhor, que
ria e urgente se fazem a união e a rebelião das
atesta a capacidade de luta, seus respeitos às diferenças,
gentes contra a negação de nós mesmos como
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sabe o valor que tem a modificação da realidade.


seres humanos.
3.6.  Ensinar exige saber escutar a ética da solidariedade humana x a “ética” do lucro
196
196
Somente quem escuta paciente e criticamente o O educador progressista não privilegia o lucro
jan/2017 outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, em detrimento do homem ou da mulher.
3.8. Ensinar exige disponibilidade educativa, e a afetividade não o assusta, não tem
para o diálogo. medo de expressá-la. Querer bem não significa
Nas relações com os outros, o educador pro- condicionar a avaliação ao menor ou maior bem-
gressista respeita as diferenças. O professor deve -querer.
ter segurança de discutir temas, analisar fatos.
É necessário conciliar doçura e alegria
Segurança . não supor que sabemos tudo Essa força misteriosa que desenvolve em nós o
. é convicção de que sei algo
. é convicção de que ignoro algo gosto de querer bem e o gosto da alegria – às vezes
. é estar aberto a conhecer e a saber melhor chamada vocação, que explica os que permanecem,
. é estar aberto ao diálogo apesar da imoralidade dos salários.
- Como ensinar sem conhecer a realidade de seus A prática pedagógica é . afetividade
alunos? Sem conhecer a realidade hostil em que vivem? . alegria
Diminuo a distância que me separa das condi- a serviço
da mudança
ções negativas em que vivem na medida, em que os
. capacidade científica
ajudo a aprender com vistas à mudança no mundo. . domínio técnico
O saber fundado de ética alicerça essa travessia.
“Lido com gente e não com coisas.” Daí, o
Mas, não basta esse saber. É preciso que haja uma
educador não pode se fechar à problemática pes-
calorosa paixão. E que a ele se somem outros saberes
de diferentes áreas. E que todos os ajudem a com- soal ou ao sofrimento desse ou aquele aluno”. O
preender as arapucas, as farsas, o poder das mídias. educador não é terapeuta do aluno, mas é gente
sensível, generosa, que ama seus educandos. Ele
3.9. Ensinar exige querer bem realiza uma prática humana.
aos educandos A ausência de arrogância em certos professores
O educador quer bem os educandos e a prática e a presença da simplicidade, fariam

Gestão pedagógica
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197
197
jan/2017
Anotações:
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Gestão
de processos
administrativos
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e
prática. 6ª edição. São Paulo: Heccus, 2013.

APRESENTAÇÃO
Resenha elaborada por
O livro do professor José Carlos Libâneo foi
Antonia Maria Nakayama
organizado a partir do material de suas aulas ofe-
Graduada em Psicologia pela PUC-SP recidas junto à faculdade de Educação da Univer-
Mestrado em Psicologia Escolar pelo IPUSP sidade Federal de Goiás, na disciplina Organização
Doutorado em Didática pela FEUSP do trabalho pedagógico. Reúne escritos acerca da
estrutura e da organização das escolas e das con-
dições de exercício profissional dos professores.
O livro tem como função, segundo o autor,
contribuir para o enfrentamento das importantes
decisões com as quais os educadores se deparam
no cotidiano escolar principalmente da escola
pública, onde estão matriculados os filhos das
Gestão de processos administrativos

camadas média e pobre da população, sendo seu


direito uma educação de qualidade.
O autor aponta a falta de coordenadas sociais,
políticas e econômicas e educacionais claras para
que se efetive um projeto político progressista.
Por esse motivo o livro trata das questões macro
e micro, intra e extra-escolar, pois não é possível
compreender um fenômeno de maneira isolada de
modo a oferecer o conhecimento da cultura, das
relações de poder e do funcionamento da escola.
Tem também como objetivos apresentar o desen-
volvimento de saberes e competências para análises
de contextos de trabalho, de modo a identificar e
solucionar problemas previsíveis e imprevisíveis e
reinventar práticas. O estudo da organização e da
gestão da escola tem ainda como objetivo apontar
a capacitação dos educadores para a participação no
planejamento, organização e gestão da escola, espe-
cialmente no desenvolvimento do currículo escolar.

CAPÍTULO I. A ESCOLA COMO


ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO E
LUGAR DE APRENDIZAGEM DO
PROFESSOR
Libâneo explica que os estudos recentes
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sobre o sistema escolar apontam para sua descen-


tralização, tratando de temas com a autonomia,
projeto pedagógico, gestão centrada na escola e
200
200
avaliação institucional. Nesse aspecto cita a expli-
jan/2017 cação de Antonio Nóvoa, quando conta que nos
senvolve saberes e competências de ensinar, em um
anos 1960-70 as pesquisas educacionais destaca- processo individual e coletivo. Aprende a tomar
ram o tema desigualdade social e nos anos 1980 a decisões coletivamente, formular o projeto peda-
função social da escola de elevar o nível cultural dos gógico, dividir as preocupações com os colegas,
alunos, para prepará-los para enfrentar as situações assumir a responsabilidade pelo trabalho da escola
adversas da vida. e a investir em seu desenvolvimento profissional.
Aponta duas possibilidades da gestão centrada na O autor explica que a qualificação do professor
escola. A primeira, no ideário neoliberal, significa refere-se a aquisição de saberes requeridos para o
colocar a escola como cento da política, sendo que exercício de uma profissão e à confirmação legal
a comunidade tem a responsabilidade de planejar, dessa aquisição mediante certificação. Explica tam-
organizar e avaliar seus serviços. A segunda possi- bém que o desenvolvimento da competência do
bilidade, com a perspectiva sócio critica, significa professor refere-se a conhecimentos, habilidades
valorizar as ações concretas dos profissionais, efetua- e atitudes obtidas nas situações de trabalho, no
das a partir de seus interesses iniciativas e interações,
confronto de experiências, no contexto do exercício
sendo a escola vista como espaço de formação,
profissional.
onde os professores podem decidir seu trabalho e
aprender mais sobre sua profissão. O sentido de saberes e competências profissio-
nais não pode ser reduzido a habilidades e destrezas
Embora todos os participantes da escola te-
técnicas, isto é, ao saber fazer, mas uma prática

Gestão de processos administrativos


nham ali sua atuação não o fazem de maneira igual
intelectual e autônoma, baseada na compreensão
e Libâneo indica alguns exemplos que afetam o
da prática e na transformação dessa prática.
sucesso ou insucesso escolar dos alunos:
Um aspecto muito importante do desenvolvi-
 o estilo de gestão expressa o tipo de objetivos
mento de competência docente refere-se a partici-
e relações humanas que vigoram na instituição
pação ativa do professor na organização e gestão
 o tipo de atendimento da secretaria da escola da escola, que requer, entre outros, dos seguintes
aos pais saberes:
 a atitude das merendeiras para com os alunos  elaboração e execução do planejamento escolar
 a participação dos professores ou a manifesta-  organização e distribuição do espaço físico,
ção de poder do coordenador ou diretor nas qualidade do equipamento físico das escolas e
reuniões pedagógicas das condições materiais.
 o isolamento e solidão ou o trabalho coletivo
 estrutura organizacional e normas regimentais
dos profissionais
e disciplinares
 o funcionamento da escola, as relações huma-
 habilidades e participação e intervenção em
nas, as decisões, os valores, as atitudes expressas
reuniões de professores
no grupo
 atitudes necessárias a participação solidaria e
 a percepção dos professores e da direção a res-
responsável na gestão da escola
peito dos alunos
 habilidades para obter informação em várias
 o comportamento dos alunos como resultado
fontes
dos exemplos que recebem na escola
 elaboração e desenvolvimento de projetos de
As ações que ocorrem nas escolas dependem
investigação
fortemente da cultura organizacional, ou seja, um
mundo de significados, valores, atitudes, modos de  princípios e práticas de avaliação institucional
convivência, formas de agir e resolver problemas. e da aprendizagem dos alunos
.noções sobre financiamento da educação e con-
A PARTICIPAÇÃO DOS PROFESSORES NA
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troles contábeis.
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA ESCOLA
Para Libâneo considerar a escola como ENFRENTANDO A MUDANÇA
201
201
local de aprendizagem da profissão de professor Mudança significa transformação, altera-
significa entender que nesse local o professor de- ção de uma situação, passagem de um estado a jan/2017
outro. Os educadores enfrentam profundas mu- formação, afetando a produção, circulação e
danças no campo econômico, político, cultural, consumo da cultura.
geográfico e educacional.  M udanças nos processos de produção, na
Libâneo observa que o ensino tem sido afetado organização do trabalho, nas formas de orga-
por vários fatores como a mudança do currículo, nização dos trabalha, dores, nas qualificações
a organização da escola e a introdução de novos profissionais.
recursos didáticos e essas alterações provocam tam-  Alterações nas concepções de Estado e das suas
bém mudanças na identidade do professor, represen- funções, prevalecendo o modelo neoliberal de
tado pelo conjunto de conhecimentos, habilidades, diminuição do papel do Estado e fortalecimento
atitudes e valores que definem seu trabalho. das leis do mercado.
O desenvolvimento da atitude crítico-reflexiva é  Mudanças nos paradigmas da ciência e do
uma forma eficaz de aprender a enfrentar as mudan- conheci, mento, influindo na pesquisa, na
ças, de modo a associar o próprio fazer e o processo produção de conhecimentos, nos processos de
de pensar. A ação e a reflexão atuam simultaneamen- ensino e aprendizagem.
te, porque elas estão entrelaçadas e os dirigentes da
escola precisam apoiar os professores a partir da  Agravamento da exclusão social, aumento da
reflexão sobre a prática, a examinar suas opiniões distancia social e econômica entre incluídos e
atuais e os valores que as sustentam, a colaborar na excluídos dos novos processos de produção e
Gestão de processos administrativos

modificação dessas opiniões e valores tendo como das novas formas de conhecimento.
referencia as necessidades dos alunos e da sociedade Dentre esses aspectos, serão destacados alguns
e os processos de ensino e aprendizagem. que tocam mais de perto a escola e o
trabalho dos professores.
CAPÍTULO II. UMA ESCOLA
AS MUDANÇAS NA ECONOMIA: NOVO
PARA NOVOS TEMPOS PARADIGMA PRODUTIVO
As instituições escolares vêm sendo pressiona-
As mudanças na economia, expressas em novas
das a repensar seu papel diante das transformações
formas de produção baseadas nas novas tecnolo-
que caracterizam o acelerado processo de integra-
gias e no capitalismo financeiro, no processo de
ção e reestruturação capitalista mundial. De fato, o
globalização, que amplia as fusões entre empresas
novo paradigma econômico, os avanços científicos
transnacionais e amplia-se a circulação do capital
e tecnológicos, a reestruturação do sistema de
financeiro. O modelo econômico, conhecido por
produção e as mudanças no mundo do conheci-
neoliberalismo, ter trazido consequências bastante
mento afetam a organização do trabalho e o perfil
prejudiciais às políticas sociais dos países e o em-
dos trabalhadores, repercutindo na qualificação
pobrecimento da população.
profissional e, por consequência, nos sistemas de
ensino e nas escolas. Essas mudanças atingem o sistema educacional,
Destacam-se os seguintes aspectos: exigindo-se dele a adequação aos interesses do mer-
cado e investimentos na formação de profissionais
 Notáveis avanços tecnológicos na microele-
mais preparados para as modificações do processo
trônica, na informática, nas telecomunicações,
de produção e requerem trabalhadores com mais co-
na automação industrial, na biotecnologia,
nhecimento cultura e preparo técnico. Sendo assim,
na engenharia genética, entre outros setores,
o usufruto ou a falta da educação básica (incluindo
caracterizando urna revolução tecnológica sem
novas habilidades cognitivas e competências sociais)
precedentes.
passa a ser determinante da condição de inclusão ou
 Globalização da sociedade, internacionalização exclusão social, porque o mercado de trabalho não
do capital e dos mercados, reestruturação do
Nº 10 • Abril/99

aceita mais mão de obra não qualificada.


sistema de produção e do desenvolvimento
econômico. A REVOLUÇÃO INFORMACIONAL
202
202
 Difusão maciça da informação, produção de Este momento da história tem recebido várias
jan/2017 novas tecnologias da comunicação e da in- denominações: sociedade pós-moderna, sociedade
do conhecimento, sociedade da informação, socie- um relativismo moral baseado no interesse pessoal,
dade pós-industrial, sociedade tecnológica. Con- na vantagem, na eficácia, sem referência a valores
forme o sociólogo francês Alain Tourraine (1995), humanos como a dignidade, a solidariedade, a
estamos vivendo presentemente a passagem da so- justiça, a democracia, o respeito a vida.
ciedade industrial para a sociedade informacional. É preciso a colaboração da escola para a re-
Se na sociedade industrial predominou a produção vitalização da formação ética, atingindo tanto
de objetos materiais, na sociedade informacional as ações cotidianas quanto as formas de relações
o que se destaca é a produção e difusão de bens entre povos, etnias, grupos sociais, no sentido do
culturais, especialmente a informação. Dados da reconhecimento das diferenças e das identidades
A revolução tecnológica – que aparece na co- culturais, além do desenvolvimento e a defesa do
municação instantânea pela TV, nos computadores, meio ambiente, a luta contra a violência, o racismo
nas redes de informação, no telefone celular, na e a segregação social, os direitos humanos.
automação industrial, nas várias mídias – atinge a
A EXCLUSÃO SOCIAL
poucos, deixando a maioria da população a mar-
gem da economia, além de provocar um tipo de As transformações em curso impulsionam avan-
exclusão cultural, já que a população pobre, por ços científicos e tecnológicos, novos processos de
causa da baixa escolarização, tem reduzida capaci- produção, novas formas de conhecimento e ação
dade crítica diante da avalanche informativa vinda mas provocam, também, o aumento da distância

Gestão de processos administrativos


especialmente pela televisão. social e econômica entre incluídos e excluídos
desse processo, havendo 3 bilhões de pessoas (das
Há, portanto, um papel insubstituível das es-
6 bilhões de pessoas do mundo) que vivem na
colas e dos professores de propiciar as condições
pobreza, ganhando até 2 dólares por dia.
intelectuais para toda a população, de modo a
ampliar sua capacidade reflexiva e crítica em relação No plano socioeconômico, o ajustamento de
nossas sociedades a globalização significa a ex-
as condições de produção e de difusão do saber
clusão de dois terços da humanidade dos direitos
científico e da informação.
básicos de sobrevivência, emprego, saúde, educa-
A DESPOLITIZAÇÃO DA SOCIEDADE ção. No plano cultural e ético-político, a ideologia
No campo político, ressalta-se a diminuição da neoliberal prega o individualismo e a naturalização
crença na ação pública na solução dos problemas, da exclusão social, considerando-se essa como sa-
descrença nas formas convencionais de represen- crifício inevitável no processo de modernização e
tação política, aumento do individualismo, da globalização da sociedade. No plano educacional,
insensibilidade social. Tais características levam a a educação deixa de ser um direito e transforma-
novas formas de fazer política, destacando novos -se em serviço, em mercadoria, ao mesmo tempo
movimentos sociais, novas formas de organização, que se acentua o dualismo educacional: diferentes
que mostram novos caminhos de controle público qualidades de educação para ricos e pobres.
sobre o Estado que lançam novas perspectivas Esses aspectos mostram como a escola não
sobre o sentido da formação da cidadania, uma pode mais ser considerada isoladamente de ou-
vez que se faz necessário educar para a participa- tros contextos, outras culturas, outras mediações,
ção social, para o reconhecimento das diferenças precisa voltar-se para as novas realidades, ligar-se
entre os vários grupos sociais, para a diversidade ao mundo econômico, político, cultural, mas pre-
cultural, para os valores e direitos humanos. Isso cisa ser um baluarte contra a exclusão social. A
significa, também, que menor ou maior acesso luta contra a exclusão social e por urna sociedade
à educação escolar e a outros bens culturais de- justa, uma sociedade que inclua todos, passa pela
termina a qualidade da participação popular nos escola e pelo trabalho dos professores, com um
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processos decisórios existentes na sociedade civil. currículo centrado na formação geral e continuada
de sujeitos pensantes e críticos, na preparação para
A CRISE ÉTICA uma sociedade técnica/científica/informacional, na
203
203
No campo da ética, o mundo contemporâneo formação para a cidadania crítico-participativa e
convive com uma crise de valores, predominando na formação ética. jan/2017
A ESCOLA NECESSÁRIA PARA síntese, no exercício de seu papel na construção da
OS NOVOS TEMPOS democracia social e política, são propostos cinco
A escola necessária para fazer frente a essas objetivos:
realidades é a que provê formação cultural e cien-  promover o desenvolvimento de capacidades
tífica, que possibilita o contato dos alunos com a cognitivas, operativas e sociais dos alunos (pro-
cultura, aquela cultura provida pela ciência, pela cessos mentais, estratégias de aprendizagem,
técnica, pela linguagem, pela estética, pela ética. competências do pensar, pensamento crítico),
Especialmente, uma escola de qualidade é aquela por meio dos conteúdos escolares.
que inclui, uma escola contra a exclusão econômi-  promover as condições para o fortalecimento
ca, política, cultural, pedagógica. da subjetividade e da identidade cultural dos
A escola cumpre funções que não são providas alunos, incluindo o desenvolvimento da criati-
por nenhuma outra instância, ou a de prover for- vidade, da sensibilidade, da imaginação.
mação geral básica -capacidade de ler, escrever, for-  preparar para o trabalho e para a sociedade
mação científica, estética e ética, desenvolvimento tecnológica e comunicacional, implicando pre-
de capacidades cognitivas e operativas. Por outro paração tecnológica (saber tomar decisões, fazer
lado, a escola precisa ser repensada, porque ela análises globalizantes, interpretar informações
não detém o monopólio do saber, pois a educação de toda natureza, ter atitude de pesquisa, saber
acontece em muitos lugares, por meio de várias trabalhar junto etc.);
Gestão de processos administrativos

agências como a família, os meios de comunicação,  formar para a cidadania crítica, isto é, formar um
as empresas, os clubes, as academias de ginástica, cidadão-trabalhador capaz de interferir criticamen-
os sindicatos. te na realidade para transformá-la e não apenas
A escola de hoje não pode se limitar a passar formar para integrar o mercado de trabalho.
informação sobre as matérias, a transmitir o conhe-  desenvolver a formação para valores éticos, isto é,
cimento do livro didático. Ela é urna síntese entre formação de qualidades morais, traços de caráter,
a cultura experienciada que acontece na cidade, na atitudes, convicções humanistas e humanitárias.
rua, nas praças, nos pontos de encontro, nos meios
Em relação ao primeiro objetivo, o que está
de comunicação, na família, no trabalho etc., e a
em questão é uma formação que ajude o aluno a
cultura formal que é o domínio dos conhecimen-
transformar-se num sujeito pensante, de modo que
tos, das habilidades de pensamento.
aprenda a utilizar seu potencial de pensamento na
Na escola, pelos conhecimentos e pelo desen- construção e reconstrução de conceitos, habilida-
volvimento das competências cognitivas, torna-se des, atitudes, valores.
possível analisar e criticar a informação. Os alunos
O segundo objetivo visa a assegurar a ligação
vão aprendendo a buscar a informação (na TV, no
entre os aspectos cognitivos, social e afetivo da
rádio, no jornal, no livro didático, nos vídeos, no
formação. O ensino implica lidar com os sentimen-
computador, etc.) mas, também, os instrumen-
tos, respeitar as individualidades, compreender o
tos conceituais para analisarem essa informação
mundo cultural dos alunos e ajudá-los a se cons-
criticamente e darem-lhe um significado pessoal
truírem como sujeitos, a aumentar sua autoestima,
e social. A escola fará, assim, a síntese entre a cul-
sua autoconfiança, o respeito consigo mesmos.
tura formal (dos conhecimentos sistematizados)
e a cultura experienciada. Por isso, é necessário O terceiro objetivo propõe que a escola con-
que proporcione não só o domínio de linguagens temporânea atenda às demandas produtivas e de
para a busca da informação, mas também para a emprego, ou seja, promova a inserção competente
criação da informação. Ou seja, a escola precisa e crítica no mundo do trabalho, incluindo a prepa-
articular sua capacidade de receber e interpretar ração para o mundo tecnológico e comunicacional
e para as complexas condições de exercício profis-
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informação, coro a de produzi-la, considerando-


-se o aluno sujeito do seu próprio conhecimento. sional no mercado de trabalho.
O quarto objetivo refere-se à educação do
204 OS OBJETIVOS
204
trabalhador-cidadão. A escola precisa torná-lo
jan/2017 Para essa escola concebida como espaço de capaz de interferir criticamente na realidade para
transformá-la e não apenas para se integrar ao ças sexuais (naturais) também levam à distribuição
mercado de trabalho. A escola deve continuar in- de papéis sociais entre mulheres e homens. Contra
vestindo na ajuda aos alunos para que se tornem essa ideia, advogam a luta pelo respeito entre os
críticos, para se engajarem na luta pela justiça social gêneros e reconhecimento de suas diferenças.
e pela solidariedade humana. Nesse sentido, as práticas educativas na escola,
O quinto objetivo visa a propiciar conhecimen- na comunidade, no currículo e nas salas de aula de-
tos, procedimentos e situações em que os alunos vem sustentar-se no princípio de que as diferenças
possam pensar sobre valores e critérios de decisão entre homens e mulheres no trabalho, nas formas
e ação perante problemas do mundo da política e de expressão de sentimentos, em papéis sociais, não
da economia, do consumismo, dos direitos huma- resultam de uma base natural, mas são socialmente
nos, das relações humanas (envolvendo questões construídas. Propõe-se também que as escolas e os
raciais, de gênero, das minorias culturais), do meio professores não façam uso sexista da linguagem
ambiente, da violência e das formas de exclusão corrente. Trata-se, por exemplo, de evitar o uso
social e, também, diante das formas de exploração de termos masculinos como tendo abrangência
do trabalho humano que subsistem na sociedade universal -o homem, o aluno, o cidadão, os pais- ou
capitalista. de expressões que ocultam o lugar da mulher -"ela
As tarefas de construção de uma democracia porta-se como homem", "relação do homem com
econômica e política pertencem a várias esferas de a ciência", "inteligência do homem e dos outros

Gestão de processos administrativos


atuação da sociedade, e a escola é apenas uma delas. animais" (Henriques, 1994).
Mas a escola tem um papel insubstituível quando EDUCAÇÃO AMBIENTAL
se trata de preparação cultural e científica das novas
A sociedade da informação é uma sociedade de
gerações para enfrentamento das exigências postas
constante risco por causa da destruição da natureza
pela sociedade contemporânea.
e dos problemas humanos decorrentes da degrada-
AMPLIANDO OS OBJETIVOS DA ESCOLA ção ambiental. Respirar o ar, entrar num hospital
como doente ou como visitante, andar pelas ruas
Uma das importantes funções da escola é
da cidade, tomar banho num rio ou numa praia
interagir e articular-se com as práticas sociais.
são atividades que envolvem sistematicamente
Dentre elas, destacam-se alguns movimentos
riscos. Além disso, a sobrevivência humana está
sociais. Embora continuem existindo os partidos
ameaçada nas favelas, nos cortiços, nas moradias
tradicionais e vigorem ainda as formas de repre-
inadequadas. As autoridades, os órgãos públicos,
sentação política típicas da democracia e da repre-
os médicos dos hospitais vivem prometendo segu-
sentação sindical, outras formas de ação política
rança a população, todavia, boa parte da solução
estão surgindo, como os movimentos feministas,
dos problemas não depende dessas pessoas mas de
ecológicos, pacifistas etc. Vamos destacar alguns
interesses econômicos privados.
desses movimentos.
Há diferentes correntes em relação a educação
EDUCAÇÃO PARA A IGUALDADE ambiental, definidas como:
ENTRE OS SEXOS   Conservacionista: defende a preservação das
Dentre os ideais da escola pública destacam-se matas, dos animais, dentro de uma noção de
o da igualdade de oportunidades em geral e, em natureza biofísica intocável. Perante formas
particular, o da igualdade de direitos entre homens destruidoras da natureza e que retiram da
e mulheres. Os movimentos de mulheres ressaltam população meios de ganhar a vida, defenderia
a distinção entre sexo e gênero, mostrando que os a manutenção de formas de vida primitivas
gêneros masculino e feminino são noções estabele- (como é o caso, por exemplo, dos seringueiros
cidas numa cultura e numa sociedade organizada da Amazônia ou dos índios que resistem a ex-
Nº 10 • Abril/99

por homens. ploração do seu território e à destruição de seu


Segundo esses movimentos, a sociedade mas- meio natural de vida).
205
205
culina difunde a ideia de que diferenças de sexo   Naturalista: propõe uma forma de educação
resultam em diferenças de gênero, ou seja, diferen- pelo contato com a natureza, a vida ao ar livre jan/2017
(montanhismo, caminhadas ecológicas, trilhas capitalista de economia que gera sociedades
etc.), o que levaria ao turismo ecológico. individualistas, exploradoras e depredadoras da
 Gestão ambiental: incentiva ações de movi- natureza biofísica e da natureza humana.
mentos sociais, de comunidades e de governos A educação ambiental não pode ser apenas uma
na luta pela despoluição das águas e do ar, critica tarefa da escola, ela envolve ações práticas que di-
todas as formas de depredação da natureza, zem respeito ao nosso comportamento nos vários
principalmente pela indústria. ambientes (na família, na escola, na cidade, na
 E conomia ecológica: agrupa organismos empresa etc.). Ao mesmo tempo em que se precisa
internacionais, incluindo o Banco Mundial, conhecer mais a respeito da natureza e mudar nossa
a FAO, a Unesco, e várias organizações não relação com ela, é preciso articular ações individu-
governamentais e associações ambientalistas, ais com medidas mais gerais. As pessoas precisam
se caracteriza por defender tecnologias alter- ser convencidas ase engajar em campanhas para. A
nativas no trato da terra, no uso da energia, no coleta seletiva do lixo, a adquirir o hábito de não
tratamento dos resíduos etc. Essa corrente se jogar coisas na roa, a não mutilar a natureza, a lutar
desdobra em duas vertentes muito diferentes contra a poluição ambiental etc. Um outro sentido
entre si: (a) a vertente do "desenvolvimento da atitude ecológica é o de recusar um conceito de
sustentável" cujo modelo de desenvolvimento progresso baseado na capacidade de possuir mais
é o capitalista, devidamente reciclado; (b) a objetos e bens de consumo, assumindo uma visão
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vertente das "sociedades sustentáveis" que, sem de vida baseada mais na relação com a natureza e
negar os avanços técnicos e o desenvolvimento as pessoas do que com os objetos.
ambiental, questiona o modelo de progresso
EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
destruidor da natureza.
A educação intercultural se projeta num currí-
Essas quatro correntes enfatizam diferentes
culo intercultural assentada no princípio pedagógi-
concepções e formas de fazer educação ambiental
co mais amplo: o acolhimento da diversidade, isto
e, do ponto de vista pedagógico, não se excluem.
é, o reconhecimento dos outros como sujeitos de
A educação ambiental contribui na formação
humana: sua individualidade, portadores de uma identidade
cultural própria. Acolher a diversidade é a primei-
 levando os alunos a refletirem sobre as questões
ra referência para a luta pelos direitos humanos.
do ambiente no sentido de que as relações do ser
A presença da diversidade humana na sociedade
humano com a natureza e com as pessoas assegu-
resulta na transversalidade de culturas, no sentido
rem uma qualidade de vida no futuro, diferente
de que toda cultura é plural. Uma prática, um
do atual modelo economicista de progresso;
comportamento intercultural, significa reconhecer
 educando as crianças e jovens para proteger, o pluralismo cultural, aceitar a presença de várias
conservar e preservar espécies, o ecossistema e culturas e desenvolver hábitos mentais e atitude de
o planeta como um todo; abertura e diálogo com essas culturas.
 ensinando a promover o autoconhecimento, o De fato, professores e alunos convivem com
conhecimento do universo, a integração com uma pluralidade crescente de pessoas e grupos
a natureza; sociais. pela intensificação da migração decorrente
 introduzindo a ética da valorização e do respeito do aumento das desigualdades, da pobreza, da
à diversidade das culturas, às diferenças entre as falta de terra. Com isso, as crianças nas escolas
pessoas, pois os seres humanos estão incluídos convivem com pessoas diferentes, às vezes com
no conceito de natureza; culturas e costumes diferentes, diferentes etnias e
 empenhando os alunos no fortalecimento da diferentes linguagens.
democracia, da cidadania, das formas comu-
Nº 10 • Abril/99

Uma educação intercultural requer que as de-


nitárias de discutir e resolver problemas, da cisões da equipe escolar sobre objetivos escolares
educação popular; e organização curricular reflitam os interesses e
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206
 levando a tomadas de posições sobre a con- necessidades formativas dos diversos grupos sociais
jan/2017 servação da biodiversidade, contra o modelo existentes na escola (a cultura popular, o urbano e
o rural, a cultura dos jovens, a cultura de homens atendimento das necessidades individuais e sociais,
e mulheres, de brancos e negros, das minorias à inserção no mundo do trabalho, à constituição
étnicas, dos alunos com necessidades especiais). da cidadania, tendo em vista a construção de uma
Não basta, todavia, pensar apenas no currículo sociedade mais justa e igualitária.
formal. A educação intercultural perpassa a orga- O autor cita que Pedro Demo explica o con-
nização escolar, o tipo de relações humanas que ceito de qualidade como um atributo humano
existe entre os profissionais e os usuários da escola, e o que representa melhor a marca humana é o
o respeito a todas as pessoas que nela trabalham. desenvolvimento humano, relacionada a compe-
Ou seja, trata-se de uma mudança de mentalidade, tência histórica de fazer-se sujeito. Competência
de transformação das formas de pensar, de sentir, histórica significa capacidade de agir, de intervir
de comportar-se em relação aos outros. na realidade, portanto, capacidade participativa.
É preciso considerar, além disso, que os alunos Libâneo apresenta as características de uma
trazem para a escola e para as salas de aula um educação de qualidade social:
conjunto de significados, valores, crenças, modos  Assegura sólida formação e base que propicia
de agir, resultante de aprendizagens informais, o desenvolvimento de habilidades cognitivas,
que muitos autores chamam de cultura paralela ou operativas e sociais, o domínio de conteúdos
currículo extra-escolar. Fazem parte dessa cultura escolares, a preparação para o mundo tecno-
paralela o cinema, a TV, os vídeos, as conversas lógico e comunicacional, integrando a cultura

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entre adultos e entre amigos, as revistas populares, provinda pela ciência, pela técnica, pela lingua-
o rádio, de onde os alunos extraem sua forma de ver gem, pela estética e ética.
o mundo, as pessoas, as diferentes culturas, povos  Desenvolve processos de formação para a cida-
etc. A organização escolar e os professores precisam dania, incorporando novas práticas de gestão,
saber como articular essas culturas, ajudar os alu- possibilitando aos alunos a preparação para a parti-
nos a fazerem as ligações entre a cultura elaborada cipação nas organizações e movimentos populares.
e a sua cultura cotidiana, de modo que adquiram
 Assegura a elevação do nível escolar para todas
instrumentos conceituais, formas do pensar e de
as crianças e jovens sem exceção, em condições
sentir, para interpretar a realidade e intervir nela.
iguais de oferta dos meios de escolarização.
 Promove a integração entre a cultura escolar
CAPÍTULO III. BUSCANDO A e outras culturas, no rumo de uma educação
QUALIDADE SOCIAL DO ENSINO multicultural e comunitária.
A palavra-chave das reformas educacionais  Cuida da formação de qualidades morais, traços
atuais é a qualidade da escola, que se refere às ca- de caráter, atitudes, convicções, conforme ideais
racterísticas da sua organização e funcionamento humanistas.
quanto ao grau de excelência baseado em uma
 Dispõe de condições físicas, materiais e financeiras
escala de valores. Libâneo faz o seguinte questio-
de funcionamento, condições de trabalho, remune-
namento: Quais seriam os critérios que definiram
ração digna e formação continuada de professores.
uma qualidade social da escola?
O centro de referência dos critérios e estratégias
Aplicada ao sistema escolar o conceito de qua-
de qualidade refere-se ao que os alunos aprendem,
lidade total tem como objetivo o treinamento das
como aprendem e em que grau são capazes de
pessoas para serem competentes no que fazem,
pensar e atuar com o que aprendem.
com gestão eficaz dos meios, com mecanismos
de controle e avaliação dos resultados, visando a EIXOS DE QUALIDADE SOCIAL: O
tender a imperativos econômicos e técnicos. CURRÍCULO E OS PROCESSOS DE
ENSINO E APRENDIZAGEM
Nº 10 • Abril/99

A esse conceito opõe-se o conceito de quali-


dade social para o qual a educação de qualidade Para atender as necessidades dos alunos em con-
é aquela que promove para todos o domínio dos sonância com as exigências sociais e educacionais
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conhecimentos e o desenvolvimento das capacida- contemporâneas é necessário prestar atenção nos
des cognitivas, operativas e sociais necessárias ao conteúdos que estão sendo ensinados, no modo jan/2017
como estão sendo ensinados, na efetividade desses profissionais, comportamento ético e político,
conteúdos para a vida cultural e prática. domínio da matéria e dos métodos de ensino,
Atualmente existem distintas posições sobre dedicação ao trabalho, participação na construção
formas de organização para o aperfeiçoamento coletiva do projeto pedagógico, respeito à cultura
do currículo. de origem dos alunos, assiduidade, rigor no pre-
paro e na condução as aulas, e compromisso com
 o modelo centralizado. bastante criticado pela
um projeto político democrático.
maioria dos educadores, em que o currículo de-
veria ser planejado, administrado e controlado O profissionalismo por sua vez, refere-se ao
por órgãos superiores do sistema educacional. desempenho competente e comprometido do
professor, a partir do seu comportamento ético
 o modelo descentralizado. as decisões são
e político que se expressam nas atitudes de sua
tomadas no âmbito local, sendo o currículo
pratica profissional e que engloba o domínio da
uma questão e cada escola e de cada professor
matéria e dos métodos de ensino, dedicação ao tra-
em particular.
balho, participação na construção coletiva, respeito
  o modelo misto. confere importância ao mes- à cultura de origem dos alunos, assiduidade, rigor
mo tempo aos órgãos de coordenação central, no preparo e na condução das aulas.
promovendo uma certa unidade do sistema
Essas noções são complementares, pois o profis-
escolar e, ao mesmo tempo, oferecendo flexi-
sionalismo requer profissionalização e essa requer
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bilidade e liberdade as unidades locais.


profissionalismo. A desvalorização da profissão
O projeto pedagógico curricular é o instrumen- docente, sem dúvida, tem sua causa nas condições
to de articulação entre os meios e os fins. Ele faz precárias de profissionalização que engloba o sa-
o ordenamento de todas as atividades pedagógi- lário, os recursos materiais e didáticos, formação
cas, curriculares e organizativas da escola, tendo profissional e a carreira.
em vista os objetivos educacionais. A garantia de
Esse quadro prejudica a construção da identi-
qualidade social do ensino é, portanto, a crença
dade do professor, que diz respeito ao significado
na possibilidade de educar a todos como condição
pessoal e social que a profissão tem para a pessoa,
para a igualdade e inclusão social; um trabalho
sendo que as condições precárias promovem o
escolar integrado e articulado, com a participa-
mal-estar, a frustração, a baixa autoestima.
ção coletiva na elaboração e desenvolvimento
do projeto pedagógico e do currículo; a atuação Por isso, a construção e o fortalecimento da iden-
competente dos professores nos conteúdos e na tidade profissional devem fazer parte da formação
metodologia do ensino, implicando a relevâncias inicial e continuada dos professores, essa última visa
social desses conteúdos; a obtenção de bons re- ao desenvolvimento pessoal e profissional mediante
sultados escolares que evidenciam o trabalho da práticas de envolvimento na organização da escola,
escola e dos professores. na organização e articulação do currículo, nas ativi-
dades de assistência pedagógico-didática junto com
a coordenação pedagógica.
CAPÍTULO IV. O PROFESSOR
Na nova concepção de formação, o professor
E A CONSTRUÇÃO DE SUA
tem o papel de intelectual crítico, profissional
IDENTIDADE PROFISSIONAL reflexivo e elaborador de conhecimentos, como
Libâneo nesse capítulo acentua a construção da participante qualificado na organização e gestão da
identidade do professor, iniciando com a definição escola. O professor torna-se investigador em sua
de dois vocábulos importantes nesse tema, a pro- aula analisando suas práticas, revendo as rotinas,
fissionalização e o profissionalismo. inventando soluções. A análise de sua prática é
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A profissionalização refere-se às condições feita à luz da teoria, para que possa ter segurança
ideais que garantam o exercício profissional de de experimentar novas formas de atuação, novas
qualidade, ou seja, a formação inicial e a forma- estratégias de ensino. Assim se transforma em um
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208
ção continuada, nas quais o professor aprende e pesquisador, a caminho de construir sua autono-
jan/2017 desenvolve competências, habilidades e atitudes mia profissional, enriquecendo-se de conhecimen-
tos e praticas e aprendendo a resolver problemas, lhoria profissional na educação inicial e continuada
inclusive os imprevistos. como requisitos essenciais para a profissionalização.
É preciso desenvolver a capacidade de dar res-
postas criativas conforme cada situação, construindo CAPÍTULO V. OS CONCEITOS
estratégias e procedimentos adequados e, para que DE ORGANIZAÇÃO, GESTÃO,
isso ocorra o trabalho em equipe cria uma cultura PARTICIPAÇÃO E CULTURA
organizacional em que os professores pensam jun- ORGANIZACIONAL
tos, e assumem responsabilidades coletivamente.
A expressão “organização escolar” é frequente-
Nos últimos anos vários estudos vêm pesquisan- mente identificada com “administração escolar”,
do os saberes – conhecimentos teóricos e práticos termo que caracteriza os princípios e procedi-
requeridos para o exercício profissional, e as compe- mentos referentes a ação e planejar o trabalho da
tências – como qualidades, capacidades, habilidades escola, racionalizar o uso de recursos (materiais,
e atitudes relacionadas com esses conhecimentos financeiros, intelectuais), coordenar e controlar o
teóricos e práticos e que permitem a um profissional trabalho das pessoas.
exercer adequadamente sua profissão.
ORGANIZAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO
A partir dos estudos de diversos autores Libâ-
neo apresenta as qualidades e capacidades exigidas A maioria dos autores que estudam as tarefas
de administrar, gerir, organizar, dirigir, tomar de-

Gestão de processos administrativos


hoje na formação profissional de professores:
cisões, as reúnem no conceito de administração,
 dominar e exercer a profissão de professor configurando-se assim uma ciência da administra-
 refletir sobre sua prática, inovar, autoformar-se ção ou uma teoria da administração.
 dominar as disciplinas a ensinar e suas didáticas O sentido da administração é a utilização de
 servir-se das ciências humanas e sociais como recursos para a realização de fins determinados.
base de análise de situações complexas Assim, quando se trata de educação haveria o
 assumir a dimensão educativa do ensino conceito de administração escolar. Porém, autores
que reconhecem a especificidade das instituições
 conceber, construir e administrar situações de
educacionais, preferem atribuir maior abrangência
aprendizagem e de ensino
ao termo organização, entendendo que a adminis-
 considerar a diversidade dos alunos tração se realiza no contexto de uma organização.
Assumir as dimensões relacionais do ensino Sendo ainda a escola eminentemente um sistema
Integrar a componente ética à pratica cotidiana de relações, com fortes características interativas,
que a diferenciam das empresas convencionais,
 trabalhar em equipe e cooperar com outros
seria mais adequado o termo organização.
profissionais
A partir de várias definições, Libâneo adota
 servir-se conscientemente das tecnologias
o sentido amplo de organização, ou seja unidade
 manter uma relação crítica e autônoma com social que reúne pessoas que interagem entre si e
os saberes que opera através de estruturas e processos orga-
 capacitar-se e realizar pesquisas e análises de nizativos próprios, a fim de alcançar os objetivos
situações educativas e de ensino da instituição.
 d esenvolver competências do pensar para Para que as organizações funcionem e realizem
tornar-se sujeito pensante e crítico seus objetivos, requer-se a tomada de decisões e
 desenvolver sensibilidade aos problemas emer- a direção e controle dessas decisões. Portanto,
gentes em situações práticas, saber diagnosticá- organização e gestão da escola são conceitos mais
-los e enfrentá-los abrangentes do que administração e mais apro-
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priados ao processo educacional.


 desenvolver sólida cultura geral
O autor aponta que as condições de exercício GESTÃO E DIREÇÃO
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profissional não são adequadas, porém tem um pen- Gestão é a atividade pela qual são mobilizados
samento positivo quanto às possibilidades de me- os meios e os procedimentos para se atingir os jan/2017
objetivos da organização envolvendo, basicamente escolar faz parte das práticas de organização e
os aspectos gerenciais e técnico-administrativos, gestão, ao lado da est4rutrua organizacional, da
nesse sentido é sinônimo de administração. tecnologia, das relações de trabalho e das formas
A direção por sua vez, é um princípio ou de participação.
atributo da gestão mediante a qual é canalizado A cultura organizacional, ou cultura da escola,
o trabalho conjunto das pessoas, orientando-as e diz respeito ao conjunto de fatores sociais culturais,
integrando-as no rumo dos objetivos. Basicamen- psicológicos que influenciam os modos de agir da
te, a direção põe em ação o processo de tomada de organização como um todo e do comportamento
decisões na organização e coordena os trabalhos, das pessoas em particular, esses aspectos tem sido
de modo que sejam executados da melhor forma denominados frequentemente como currículo
possível. oculto, que atua de maneira poderosa nos modos
A organização e os processos de gestão, incluin- de funcionar das escolas.
do a direção, assumem significados conforme a O trabalho nas escolas é afetado pelas caracte-
concepção que se tenha dos objetivos da educação rísticas culturais dos alunos, definindo em parte
em relação à sociedade e a formação dos alunos. sua aprendizagem. Também os professores são
PARTICIPAÇÃO definidos por características culturais, seus saberes,
seus valores, seus quadros de referencia, as formas
A participação é o principal meio de se assegurar
com que lidam com a profissão, que marcam for-
Gestão de processos administrativos

a gestão democrática da escola, possibilitando o en-


temente as práticas docentes.
volvimento de profissionais e usuários no processo
de tomada de decisões e no funcionamento da orga- A direção da escola pode promover a criação de
nização escolar. Além disso, proporciona um melhor uma cultura organizacional favorável, trabalhando
conhecimento dos objetivos e metas, da estrutura as relações de confiança, como condições para
organizacional e de sua dinâmica, das relações da es- melhor funcionamento da organização.
cola com a comunidade, e favorece uma aproximação A organização escolar é propriamente uma
maior entre os professores, alunos e pais. cultura, pois seu modo de funcionar, as relações
O conceito de participação se fundamenta no que estabelecem no cotidiano nas salas de aula são
conceito de autonomia que significa a capacidade construídas pelos seus próprios membros, com
das pessoas e dos grupos de livre determinação de base nos significados que dão ao seu trabalho, aos
si próprios, isto é, de conduzirem sua própria vida. objetivos da escola e às decisões que são tomadas.
Nesse caso a organização deve ter objetivos co- O PAPEL DO DIRETOR DE ESCOLA
muns e compartilhados, buscando o envolvimento E DA EQUIPE DE ESPECIALISTAS
da equipe de profissionais com esses objetivos, O diretor da escola é o responsável pelo
contar com uma estrutura organizacional em funcionamento administrativo e pedagógico da
que as responsabilidades estejam bem definidas. escola. As funções administrativas referem-se ao
É importante dispor de canais de comunicação pessoal, aos recursos financeiros e materiais, a
eficientes e uma liderança que consiga motivar e organização da rotina, a manutenção do prédio e
mobilizar as pessoas para uma atuação conjunta
a interação com a comunidade escolar.
em torno de objetivos comuns.
No Brasil, a escolha do diretor ainda é prer-
Embora haja uma distribuição das tarefas, é ta-
rogativa do governo, sendo geralmente utilizado
refa da direção e coordenação da escola a gestão da
como representante dessa política. Essa forma de
participação, isto é, a busca do aproveitamento do
escolha acentua a falta de autonomia do diretor,
potencial de cada participante da equipe na busca
situação que é diferente quando o mesmo passa
do melhor resultado na aprendizagem dos alunos.
por um processo seletivo em que deve apresentar
Nº 10 • Abril/99

A CULTURA ORGANIZACIONAL títulos, realizar prova e apresentar um projeto de


A identidade do professor é formada a atuação a comunidade escolar.
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partir das múltiplas influencias que recebe no de- É importante que se entenda o diretor como
jan/2017 correr de sua via pessoal e profissional e a cultura um líder, uma pessoa que consegue aglutinar as
aspirações, os desejos, as expectativas da comu- O segundo enfoque vê a organização escolar
nidade escolar e articule a adesão e a participação basicamente como um sistema que agrega pes-
e todos os segmentos da escola na gestão de um soas, importando bastante a intencionalidade e
projeto comum. as interações sociais que acontecem entre elas, o
O acompanhamento do processo de ensino- contexto sociopolítico etc. A organização escolar
-aprendizagem é realizado mais de perto pelo não seria uma coisa totalmente objetiva e funcio-
coordenador pedagógico que, fazendo parte da nal, um elemento neutro a ser observado, mas uma
equipe de gestão, também necessita exercer seu construção social levada a efeito pelos professores,
papel com qualidade para que os professores pos- alunos, pais e integrantes da comunidade próxima.
sam ter condições de desenvolver cada um dos Além disso, não seria caracterizado pelo seu papel
alunos de sua turma. no mercado, mas pelo interesse público.
Com base nos estudos existentes no Brasil
CAPÍTULO VI. O SISTEMA DE sobre a organização e gestão escolar e nas experi-
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA ências levadas a efeito nos últimos anos, Libâneo
ESCOLA apresenta, três das concepções de organização e
gestão: a técnico-científica (ou funcionalista), a
O autor apresenta alguns elementos básicos da
autogestionária e a democrático-participativa.
organização escolar e a atuação dos professores e
A concepção técnico-científica baseia-se na

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pessoal técnico-administrativo.
hierarquia de cargos e funções visando a racio-
AS CONCEPÇÕES DE ORGANIZAÇÃO nalização do trabalho, a eficiência dos serviços
E GESTÃO ESCOLAR escolares, com tendência a seguir princípios e
O estudo da escola como organização de tra- métodos da administração empresarial. Algumas
balho teve inicio nos trabalhos dos pioneiros da características desse modelo são:
educação nova, nos anos 3º e referem-se a Ad-  Prescrição detalhada de funções, acentuando-se
ministração Escolar, frequentemente, marcados a divisão técnica do trabalho escolar (tarefas
por uma concepção burocrática, funcionalista, especializadas).
aproximando a organização escolar da organização  Poder centralizado do diretor, destacando-se as
empresarial. relações de subordinação em que uns têm mais
Nos anos 1980, com as discussões sobre re- autoridades do que outros.
forma curricular dos cursos de Pedagogia e de  Ênfase na administração (sistema de normas,
Licenciaturas, a disciplina passou a ser denomi- regras, procedimentos burocráticos de controle
nada de Organização do Trabalho Pedagógico ou das atividades), às vezes descuidando-se dos
Organização do Trabalho Escolar, frequentemente objetivos específicos da instituição escolar.
realizada por uma perspectiva crítica da escola – Comunicação linear (de cima para baixo),
dentro da organização do trabalho no Capitalismo. baseada em normas e regras.
No primeiro enfoque, a organização escolar é  Maior ênfase nas tarefas do que nas pessoas.
tomada como uma realidade objetiva, neutra, téc- Atualmente, esta concepção também é conhe-
nica, que funciona racionalmente; portanto, pode
cida como gestão da qualidade total.
ser planejada, organizada e controlada, de modo
A concepção autogestionária baseia-se na
a alcançar maiores índices de eficácia e eficiência.
responsabilidade coletiva, ausência de direção
As escolas que operam nesse modelo dão muito
centralizada e acentuação da participação direta
peso à estrutura organizacional: organograma de
e por igual de todos os membros da instituição.
cargos e funções, hierarquia de funções, normas
Outras características:
Nº 10 • Abril/99

e regulamentos, centralização das decisões, baixo


grau de participação das pessoas que trabalham  Ênfase nas inter-relações mais do que nas tarefas.
na organização, planos de ação feitos de cima para  Decisões coletivas (assembleias, reuniões),
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baixo. Este é o modelo mais comum de funciona- eliminação de todas as formas de exercício de
mento da organização escolar. autoridade e poder. jan/2017
 Vínculo das formas de gestão interna com as objetiva, mensurável, independente das pessoas, ao
formas de autogestão social (poder coletivo na contrário, ela depende das experiências subjetivas
escola para preparar formas de autogestão no das pessoas e de suas interações sociais, ou seja, dos
plano político). significados que as pessoas dão às coisas enquanto
 Ê nfase na auto-organização do grupo de significados socialmente produzidos e mantidos.
pessoas da instituição, por meio de eleições e Em outras palavras, dizer que a organização é
alternância no exercício de funções. uma cultura significa que ela é construída pelos
 Recusa a normas e sistemas de controle, acen- seus próprios membros. Esta maneira de ver a or-
tuando-se a responsabilidade coletiva. ganização escolar não exclui a presença de elemen-
 Crença no poder instituinte da instituição (vivência tos objetivos, tais como as ferramentas de poder
da experiência democrática no seio da instituição externas e internas, a estrutura organizacional, e
para expandi-la à sociedade) e recusa de todo o os próprios objetivos sociais e culturais definidos
poder instituído. O caráter instituinte se dá pela pela sociedade e pelo Estado.
prática da participação e autogestão, modos pelos Uma visão sociocrítica propõe considerar dois
quais se contesta o poder instituído. aspectos interligados: por um lado, compreende
A concepção democrática-participativa que a organização é uma construção social, a partir
baseia-se na relação orgânica entre a direção e a da Inteligência subjetiva e cultural das pessoas,
por outro, que essa construção não é um processo
Gestão de processos administrativos

participação do pessoal da escola. Acentua a im-


portância da busca de objetivos comuns assumidos livre e voluntário, mas mediatizado pela realidade
por todos. Defende uma forma coletiva de gestão sociocultural e política mais ampla, incluindo a in-
em que as decisões são tomadas coletivamente e fluência de forças externas e internas marcadas por
discutidas publicamente. Entretanto, uma vez to- interesses de grupos sociais, sempre contraditórios
madas as decisões coletivamente, advoga que cada e às vezes conflitivos. Busca relações solidárias,
membro da equipe assuma a sua parte no trabalho, formas participativas, mas também valoriza os
admitindo-se a coordenação e avaliação sistemática elementos internos do processo organizacional- o
da operacionalização das decisões tomada dentro planejamento, a organização e a gestão, a direção,
de uma tal diferenciação de funções e saberes. a avaliação, as responsabilidades individuais dos
membros da equipe e a ação organizacional coor-
Outras características desse modelo:
denada e supervisionada, já que precisa atender a
 Definição explícita de objetos sócio-políticos objetivos sociais e políticos muito claros, em rela-
e pedagógicos da escola, pela equipe escolar. ção à escolarização da população. As concepções de
 Articulação entre a atividade de direção e a gestão escolar refletem, portanto, posições políticas
iniciativa e participação das pessoas da escola e e concepções de homem e sociedade.
das que se relacionam com ela. Embora considere que ambas tenham enten-
 A gestão é participativa mas espera-se, também, dimentos das relações de poder dentro da escola,
a gestão da participação. e concebem a participação de todos nas decisões
 Qualificação e competência profissional. como importante ingrediente para a criação e
 Busca de objetividade no trato das questões desenvolvimento das relações democráticas e so-
da organização e gestão, mediante coleta de lidárias, o autor posiciona-se a favor da concepção
informações reais. democrático-participativa.
 Acompanhamento e avaliação sistemáticos com A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
finalidade pedagógica: diagnóstico, acompanha- DE UMA ESCOLA
mento dos trabalhos, reorientação dos rumos e O Regimento Escolar ou em legislação espe-
ações, tomada de decisões. – Todos dirigem e são
Nº 10 • Abril/99

cífica estadual ou municipal define a estrutura


dirigidos, todos avaliam e são avaliados. de organização interna de uma escola. O termo
O modelo democrático-participativo tem sido estrutura tem aqui o sentido de ordenamento
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influenciado por uma corrente teórica que com- e disposição das funções que asseguram o fun-
jan/2017 preende a escola não como estrutura totalmente cionamento de um todo, no caso a escola. Essa
estrutura é comumente representada graficamente dos alunos em todas as dependências do edifício,
num organograma, um tipo de gráfico que mostra menos na sala de aula, orientando-os quanto a
a inter-relações entre os vários setores e funções normas disciplinares, atendendo-os em caso de
de uma organização ou serviço. Evidentemente acidente ou enfermidade, como também do aten-
a forma do organograma reflete a concepção de dimento às solicitações dos professores quanto a
organização e gestão. material escolar, assistência e encaminhamento de
Conselho de Escola. Em alguns locais é alunos. O serviço de Multimeios compreende a
chamado de “colegiado” e sua função básica é biblioteca, os laboratórios, os equipamentos au-
democratizar as relações de poder. É formado com diovisuais, a videoteca e outros recursos didáticos.
proporcionalidade de participação docente admi- Setor Pedagógico. O setor pedagógico com-
nistrativo, pedagógico e discente com atribuições preende as atividades de coordenação pedagógica
consultivas, deliberativas e fiscais. Essas questões, e orientação educacional, havendo variações
geralmente, envolvem aspectos pedagógicos, dependendo da legislação estadual e municipal,
administrativos e financeiros. Em vários Estados sendo que em muitos lugares suas atribuições ora
o Conselho é eleito no início do ano letivo. Sua são unificadas em apenas uma pessoa, ora são de-
composição tem uma certa proporcionalidade de sempenhadas por professores. Como são funções
participação dos docentes, dos especialistas em especializadas, envolvendo habilidades bastante
educação, dos funcionários, dos pais e alunos, especiais, recomenda-se que seus ocupantes sejam

Gestão de processos administrativos


observando-se, em princípio, a paridade dos inte- formados em cursos de Pedagogia ou adquiram
grantes da escola (50%) e usuários (50%). formação pedagógico-didática específica.
Direção. O diretor coordena, organiza e geren- O coordenador pedagógico ou professor co-
cia todas as atividades da escola, auxiliado pelos ordenador supervisiona, acompanha, assessora,
demais componentes do corpo de especialistas e avalia as atividades pedagógico-curriculares. Sua
de técnicos-administrativos, atendendo às leis, re- atribuição prioritária é prestar assistência pedagó-
gulamentos e determinações dos órgãos superiores gico-didática aos professores em suas respectivas
do sistema de ensino e às decisões no âmbito da disciplinas, no que diz respeito ao trabalho com
escola e pela comunidade. O assistente de diretor os alunos. Há lugares em que a coordenação se
desempenha as mesmas funções na condição de restringe à disciplina em que o coordenador é espe-
substituto eventual do diretor. cialista; em outros, a coordenação se faz em relação
Setor técnico-administrativo. O setor técnico- a todas as disciplinas. Outra atribuição que cabe ao
-administrativo responde pelas atividades-meio coordenador pedagógico é o relacionamento com
que asseguram o atendimento dos objetivos e os pais e a comunidade, especialmente no que se
funções da escola. A Secretaria Escolar cuida da refere ao funcionamento pedagógico-curricular e
documentação, escrituração e correspondência da didático da escola e comunicação e interpretação
escola, dos docentes, demais funcionários e dos da avaliação dos alunos.
alunos. Responde também pelo atendimento ao
O orientador educacional, onde essa função
público. Para a realização desses serviços, a escola
existe, cuida do atendimento e do acompanhamen-
conta com um secretário e escriturários ou auxi-
to escolar dos alunos e também do relacionamento
liares da secretaria. O setor técnico-administrativo
escola-pais-comunidade.
responde, também, pelos serviços auxiliares (Ze-
ladoria, Vigilância e Atendimento ao público) e O Conselho de Classe ou Série. É um órgão
Multimeios (biblioteca, laboratórios, videoteca de natureza deliberativa quanto à avaliação escolar
etc.). A Zeladoria, responsável pelos serventes, dos alunos, decidindo sobre ações preventivas e
cuida da manutenção, conservação e limpeza do corretivas em relação ao rendimento dos alunos,
ao comportamento discente, às promoções e repro-
Nº 10 • Abril/99

prédio; da guarda das dependências, instalações


e equipamentos; da cozinha e da preparação e vações e a outras medidas concernentes à melhoria
distribuição da merenda escolar; da execução de da qualidade da oferta dos serviços educacionais e
ao melhor desempenho escolar dos alunos. 213
213
pequenos consertos e outros serviços rotineiros da
escola. A Vigilância cuida do acompanhamento Instituições Auxiliares. Muitas escolas mantêm jan/2017
Instituições Auxiliares que atuam paralelamente, realização do trabalho escolar, isto é, à racionalização
tais como: a APM (Associação de Pais e Mestres), do trabalho e à coordenação do esforço coletivo do
o Grêmio Estudantil e outras como Caixa Escolar, pessoal que atua na escola, envolvendo os aspectos,
vinculadas ao Conselho de Escola (onde este existia) físicos e materiais, os conhecimentos e qualificações
ou ao Diretor. A APM reúne os pais de alunos, o práticas do educador, as relações humano-interacio-
pessoal docente e técnico-administrativo e alunos nais, o planejamento, a administração, a formação
maiores de 18 anos. Costuma funcionar mediante continuada, a avaliação do trabalho escolar. Tudo
uma diretoria executiva e um conselho deliberativo. em função de atingir os objetivos. Ou seja, como
O Grêmio Estudantil é uma entidade representativa toda instituição as escolas buscam resultados, o que
dos alunos criada pela lei federal n.7.398/85, que lhe implica uma ação racional, estruturada e coordenada.
confere autonomia para se organizarem em torno Ao mesmo tempo, sendo uma atividade coletiva, não
dos seus interesses, com finalidades educacionais, depende apenas das capacidades e responsabilidades
culturais, cívicas e sociais. Ambas as instituições individuais, mas de objetivos comuns e comparti-
costumam ser regulamentadas no Regime Escolar, lhados e de ações coordenadas e controladas dos
variando sua composição e estrutura organizacional. agentes do processo. O processo de organização
Todavia, é recomendável que tenham autonomia de educacional dispõe de elementos constitutivos5 que
organização e funcionamento, evitando-se qualquer são, na verdade, instrumentos de ação mobilizados
tutelação por parte da Secretaria da Educação ou da para atingir os objetivos escolares. Tais elementos
Gestão de processos administrativos

direção da escola. Em algumas escolas, funciona a ou instrumentos de ação são:


Caixa Escolar, em outras um setor de assistência ao Planejamento. Processo de explicitação de objeti-
estudante, que presta assistência social, econômica, vos e antecipação de decisões para orientar a institui-
alimentar, médica e odontológica aos alunos carentes. ção, prevendo-se o que se deve fazer para atingi-los.
Corpo Docente. O Corpo docente é consti- Organização. Atividade através da qual se dá a
tuído pelo conjunto dos professores em exercício racionalização dos recursos, criando e viabilizando
na escola, que tem como função básica realizar o as condições e modos para se realizar o que foi
objetivo prioritário da escola, o ensino. Os profes- planejado.
sores de todas as disciplinas formam, junto com a
Direção/Coordenação. Atividade de coorde-
direção e os especialistas, a equipe escolar. Além do
nação do esforço coletivo do pessoal da escola.
seu papel específico de docência das disciplinas, os
professores também têm responsabilidades de par- Formação continuada. Ações de capacitação
ticipar na elaboração do plano escolar ou projeto e aperfeiçoamento dos profissionais da escola para
pedagógico-curricular, na realização das atividades que realizem com competência suas tarefas e se
da escola e nas decisões dos Conselhos de Escola desenvolvam pessoal e profissionalmente.
e de classe ou série, das reuniões com os pais (es- Avaliação. Comprovação e avaliação do fun-
pecialmente na comunicação e interpretação da cionamento da escola.
avaliação), da APM e das demais atividades cívicas,
culturais e recreativas da comunidade. CAPÍTULO VII. PRINCÍPIOS E
A gestão democrática-participativa valoriza a CARACTERÍSTICAS DA GESTÃO
participação da comunidade escolar no processo ESCOLAR PARTICIPATIVA
de tomada de decisão, concebe a docência como As escolas devem assegurar o desenvolvimento
trabalho interativo, aposta na construção coletiva dos processos de pensar, afirmação da cidadania e a
dos objetivos e funcionamento da escola, por meio formação ética e, para isso necessita adotar formas
da dinâmica intersubjetiva, do diálogo, do consenso. alternativas e criativas de organização e de gestão.
Nos itens interiores mostramos que o processo de
RETOMANDO OS CONCEITOS DE GESTÃO
Nº 10 • Abril/99

tomada de decisão inclui, também, as ações necessá-


rias para colocá-la em prática. Em razão disso, faz-se DEMOCRÁTICA, PARTICIPAÇÃO E GESTÃO
necessário o emprego dos elementos ou processo As formas de gestão na sociedade brasileira
214
214
organizacional, tal como veremos adiante. De fato, têm se caracterizado pela cultura personalista, em
jan/2017 a organização e a gestão referem-se aos meios de que a pessoa que detém o cargo é considerada a
responsável solitária pelas decisões. Desse modo, vivendo a prática da participação
A representação política se diferencia confor- nos órgãos deliberativos da escola, os pais, pro-
me as classes sociais havendo desvantagem nas fessores e alunos vão aprendendo a sentirem-se
camadas populares devido ao poder dos meios de responsáveis pelas decisões que os afetam em um
comunicação, a desescolarização da população, âmbito mais amplo da sociedade.
falta de organização popular e poder financeiro A DIREÇÃO COMO PRINCÍPIO E
das classes dominantes. ATRIBUTO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA
Esses são alguns empecilhos à organização dos As instituições educativas possuem a peculia-
movimentos populares que restringe a participação ridade de sal intencionalidade que representa o
popular nos processos decisórios. Nesse contexto, movimento de direção do comportamento para
o papel da escola na formação da cidadania é re- algo que tem significado coletivo. Essa intencio-
levante e pode ser expandido a partir da criação e nalidade se projeta nos objetivos sociopolíticos e
efetivo funcionamento do Conselho de escola, do educativos que dão rumo a ação deliberada, pla-
Grêmio escolar, colegiados e comissões.
nejada e integrada, a partir do consenso em torno
A participação significa a intervenção dos de normas e atitudes.
profissionais da educação e dos usuários (pais e
Esse processo educativo, portanto, inclui a ne-
alunos) na gestão da escola, havendo dois sentidos.
cessidade de direção consciente e planejada para
O primeiro refere-se a participação como conquista

Gestão de processos administrativos


que as ações de cada pessoa possam ser articuladas
da autonomia da escola, constituindo-se como
na busca dos objetivos comuns.
prática formativa, fazendo parte dos objetivos da
escola de modo a desenvolver capacidades intelec- ALGUNS PRINCÍPIOS DA ORGANIZAÇÃO
tuais, afetivas, éticas e estéticas, além de possibilitar E GESTÃO ESCOLAR PARTICIPATIVA
a participação na vida social, econômica e cultural. A escola como instituição social apresenta
O segundo sentido refere-se a participação unidade em seus objetivos sócio-políticos e peda-
como processo organizacional em que a equipe gógicos, interdependência no uso dos recursos e
escolar compartilha processos decisórios por meio coordenação do esforço humano coletivo e pela
dos canais de participação da comunidade, intera- complexidade desse trabalho adota alguns princí-
gindo com a sociedade civil. pios da gestão democrática-participativa:

N PRINCIPIO SIGNIFICADO
1. Autonomia das escolas e da Significa o poder de decisão da instituição sobre seus objetivos e formas
comunidade educativa. de organização, podendo gerir seus recursos, com a equipe corresponsável
pelo êxito. Requer a aplicação criadora das diretrizes gerais que recebe dos
níveis superiores da administração do ensino.
2. Relação orgânica entre a Sob a supervisão do diretor a equipe escolar formula o plano ou projeto
direção e a participação dos pedagógico, toma decisões por meio da discussão com a comunidade
membros da equipe escolar. escolar mais ampla e aprova o documento que orienta suas ações.
3. Envolvimento da comunida- O vínculo com a comunidade educativa permite a elaboração conjunta do
de no processo escolar projeto pedagógico, a prática de decisão coletiva que leva a possibilidade
de participação em outras instâncias decisórias e dão respaldo a busca de
soluções no poder legislativo.
4. Planejamento das tarefas O plano de ação da escola ou projeto pedagógico discutido e analisado
publicamente pela equipe escolar torna-se o instrumento unificador das
atividades escolares, convergindo na sua execução o interesse e o esforço
Nº 10 • Abril/99

coletivo dos membros da escola.


5. Formação continuada para A escola é um espaço educativo, lugar de aprendizagem em que todos
o desenvolvimento pessoal aprendem a tomar decisões e a desenvolver sua profissionalidade.
dos integrantes da comuni- 215
dade escolar
215
jan/2017
6. O processo de tomada de Implica coleta de dados i formações para a análise global dos problemas, isto
decisões deve basear-se em é, analisá-los além de sua aparência, identificando seus múltiplos aspectos
informações concretas, ana- verificando a qualidade das aulas, o cumprimento dos programas, as carac-
lisando cada problema em terísticas socioeconômicas e culturais dos alunos, o resultado das propostas,
seus múltiplos aspectos e na a adequação dos métodos e procedimentos, a saúde dos alunos etc.
ampla democratização das
informações.
7. Avaliação compartilhada. Todas as decisões e procedimentos organizativos necessitam de acompa-
nhamento e avaliação, a partir do princípio da relação entre a direção e a
participação dos membros da equipe escolar.
8. Relações humanas produti- A equipe da escola precisa investir sistematicamente para que haja mu-
vas e criativas assentadas na dança das relações autoritárias para as relações baseadas no diálogo e no
busca de objetivos comuns. consenso, de modo a evidenciar a importância das relações interpessoais
na qualidade do trabalho, na valorização da experiência individual e do
clima amistosos de trabalho.

CAPÍTULO VIII. O PLANEJAMENTO  Que tipo de escola, nós, profissionais dessa


ESCOLAR E O PROJETO escola queremos?
PEDAGÓGICO-CURRICULAR  Que objetivos e metas correspondem às necessi-
Gestão de processos administrativos

dades e expectativas dessa comunidade escolar?


O projeto e o exercício de planejar referem-se
a uma antecipação da prática, de modo a prever  Que necessidade precisamos atender em termos
e programar as ações e os resultados desejados, de formação dos alunos e alunas para a autono-
constituindo-se em uma atividade necessária to- mia, cidadania e participação?
mada de decisões, pois sem planejamento a gestão  C omo faremos para colocar o projeto em
corre ao sabor das circunstâncias. permanente avaliação dentro da prática ação-
No planejamento escolar, o que se planeja são -reflexão-ação?
as atividades de ensino e de aprendizagem, for- O termo projeto pedagógico-curricular é re-
temente determinadas por uma intencionalidade presentativo de uma concepção de educação que
educativa envolvendo objetivos, valores, atitudes, considera a pedagógica como reflexão sistemática
conteúdos, modo de agir dos educadores que sobre as práticas educativas e, a partir dessa refle-
atuam na escola. xão, formula os objetivos e meios formativos, dan-
São funções do planejamento escolar: do ênfase ao porque se faz, orientando o trabalho
para finalidades sociais.
O PROJETO PEDAGÓGICO-CURRICULAR –
CARACTERÍSTICAS GERAIS A proposta curricular é a projeção dos objeti-
vos, orientações e diretrizes operacionais previstas
O projeto pedagógico-curricular é a concreti-
no projeto pedagógico, considerando ao menos os
zação do planejamento, consolidado em um docu-
seguintes pontos:
mento que detalha objetivos, diretrizes e ações do
processo educativo a ser desenvolvido na escola.   Princípios. Pontos de partida comuns definidas
pelos professores e especialistas.
O projeto pedagógico-curricular deve ser enten-
dido como instrumento e processo de organização  Objetivos. Pontos de chegada comuns que ex-
da escola, pelo aspecto instituído- legislação, cur- pressam intenções concretas, definidos a partir
rículo, conteúdos, métodos, formas organizativas do diagnóstico.
da escola e pelo aspecto instituinte, posto que es-  Sistema e práticas de gestão negociadas. Acor-
tabelece, cria objetivos, procedimentos, estruturas, do entre a direção e os professores na definição das
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valores, ou seja institui uma cultura organizacional. decisões e cumprimento das ações necessárias para
Nesse sentido, sintetiza os interesses, desejos e seu alcance, com respeito a direção do processo.
216
216
propostas dos educadores que respondem a essas  Unidade teórico-metodológica no trabalho
jan/2017 perguntas: pedagógico. Definição dos objetivos comuns,
assegurados pela coordenação e articulado pelos de avaliação e as orientações didáticas.
professores. Libâneo apresenta a sugestão de um roteiro
  Sistema explícito e transparente de acom- para formulação do projeto pedagógico-curricular:
panhamento e avaliação do projeto e das 1.  Contextualização e caracterização da escola
atividades da escola. Põe em evidência os
1.1 Aspectos sociais, econômicos, culturais, ge-
êxitos, resultados e também as dificuldades ográficos
surgidas na implantação e execução dos planos,
1.2 Condições físicas e materiais
confrontando o que foi decidido com o que
está sendo feito. 1.3 Caracterização dos elementos humanos
1.4 Breve história da escola (como surgiu, como
A IMPORTÂNCIA DO PROJETO NA
vem funcionando, administração, gestão, partici-
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA ESCOLA
pação dos professores, visão que os alunos tem da
A ação de planejar representa o processo de escola, pais, escola, comunidade).
previsão de objetivos, metas, ações e procedimen-
2.  Concepção de educação e de práticas escolares
tos, concretizando-se no plano, o documento mais
abrangente, subdividido em programas, detalha- 2.1 Concepção de escola e de perfil de formação
dos em projetos. dos alunos
Sendo assim, pode resultar em diferentes con- 2.2 Princípios norteadores da ação pedagógica-

Gestão de processos administrativos


cepções de planejamento escolar: -didática
 Escolas como unidades administrativas do Mi- 3.  Diagnóstico da situação atual
nistério da Educação ou Secretaria de Educação 3.1 Levantamento e identificação de problemas e
define o seu projeto. necessidades a atender
 Escolas relativamente autônomas planejam seu 3.2 Definição de prioridades
plano, programas e projetos. 3.3 Estratégias de ação, escolha de soluções
 Escolas relativamente autônomas que definem 4.  Objetivos gerais
seu projeto, sem manter excessiva dependência 5.  Estrutura de organização e gestão
das instâncias superiores.
5.1 Aspectos organizacionais
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO 5.2 Aspectos administrativos
PROJETO PEDAGÓGICO-CURRICULAR 5.3 Aspectos financeiros
O documento Parâmetros curriculares Nacio- 6.  Proposta curricular
nais (PCN) estipula a partir de 1998 quatro níveis
6.1 Fundamentos sociológicos, epistemológicos,
de concretização do planejamento escolar:
pedagógicos, psicológicos, culturais
1. Proposição de subsídios para discussão e elabo-
6.2 Organização curricular (da escola, das séries
ração de propostas curriculares nos diferentes
ou ciclos, planos de ensino da disciplina): objeti-
estados e municípios.
vos, conteúdo, desenvolvimento metodológico,
2. Utilização dos PCNs para as propostas de Se- avaliação da aprendizagem.
cretarias de educação nos estados e municípios.
7.  Proposta de formação continuada de pro-
3. Uso dos PCNs na elaboração do projeto edu- fessores
cativo da escola.
8.   Proposta de trabalho com pais, comunidades
4. Realização do currículo na sala de aula, em que e outras escolas de uma mesma área geográfica
o professor contabiliza seu plano de ensino con-
9.  Formas de avaliação
forme as metas estabelecidas nas fases anterior
e às características de seu grupo de alunos. A PROPOSTA CURRICULAR – A
Nº 10 • Abril/99

Para que seja possível esse planejamento os ORGANIZAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO


PCN definem os objetivos gerais do Ensino Fun- DO CURRÍCULO
217
217
damental; os objetivos das áreas; os objetivos e O currículo constitui o elemento nuclear do
conteúdos dos ciclos de escolarização; os critérios projeto pedagógico, pois viabiliza o processo en- jan/2017
sino-aprendizagem, definindo o que ensinar, para  Currículo tradicional. A organização do conheci-
que ensinar, como ensinar e as formas de avaliação. mento se dá por disciplinas compartimentalizadas,
Etmologicamente currículo significa ato de caráter livresco e verbalista, ensino transmissivo,
correr, percurso. No linguajar comum o currículo centrado no professor e na matéria. O professor é
é compreendido como conjunto de disciplinas, o detentor da intelectualidade intelectual e moral
porém, desde os anos 1970 tem o significado e o aluno um receptor de conhecimentos.
de saberes e experiências, acompanhados de sua  Currículo racional-tecnológico (tecnicista).
comunicação na escola, concretizando objetivos Proposto para a transmissão de conteúdo e
e práticas que representam interesses sociais e desenvolvimento de habilidades a serviço do
políticos dos segmentos majoritários da sociedade. sistema de produção. Caracteriza-se pela intro-
dução de técnicas mais refinadas de transmissão,
NÍVEIS DE CURRÍCULO: CURRICULO como os computadores. A crítica que se faz a
FORMAL, CURRICULO REAL, CURRICULO esse tipo de currículo é sua definição muito
OCULTO estreita de competência, restrita ao saber-fazer.
O currículo formal é o determinado pelo go-  Currículo escolanovista (progressivista). Ênfase
verno, estabelecido pelos sistemas de ensino ou nas necessidades e interesses dos alunos, na
instituições educacional, estruturado por diretri- atividade no ritmo de cada um, sendo o pro-
zes normativas prescritas institucionalmente, sua fessor o facilitador da aprendizagem. Valoriza
Gestão de processos administrativos

intenção é dar uma base nacional comum à educa- a pesquisa do aluno e o clima psicológico e
ção, como as propostas curriculares dos estados e social da escola.
municípios, os parâmetros curriculares nacionais   Currículo construtivista. Diretamente associado
divulgados pelo Ministério da Educação. às ideias de Jean Piaget tem como ideia chave o
O currículo real é o currículo que acontece dentro papel ativo do sujeito no processo de aprendi-
da sala de aula com os professores e alunos a cada dia zagem e as atividades devem corresponder ao
em decorrência de um projeto pedagógico e dos pla- desenvolvimento intelectual dos alunos. o papel
nos de ensino. Constituído pela prática de ensino do do professor é o de organizador e facilitador da
professor e o que está sendo aprendido pelos alunos, aprendizagem visando assegurar a interação do
sendo assim uma contextualização dos conteúdos e aluno com os objetos de conhecimento. O constru-
o que efetivamente se passa em sala de aula. tivismo tem influenciado as chamadas ciências da
O currículo oculto. Uma característica deste cognição, entre elas a neurofisiologia, a linguística,
currículo é sua flexibilidade, pois os professores a neurociência e a inteligência artificial. Com base
podem fazer alterações a fim de que seus alunos teórica apoiada no russo Lev Vygotsky, a vertente
aprendam mais.to diz respeito àquelas aprendiza- interacionista de orientação histórico-cultural
gens que fogem ao controle da própria escola e supõe que o sujeito se relaciona com outros sujei-
do professor, passando quase despercebidas, mas tos e com objetos em meio cultural. a educação
que possui uma força formadora muito intensa. É tem o papel de promover o desenvolvimento das
tudo que o aluno aprende no meio social escolar Funções psicológicas superiores.
e que interfere significativamente no aprendizado  Currículo sócio-crítico (ou histórico-social).
do mesmo, como cultura, religião, entre outros. Essa abordagem tem duas correntes. Uma que
Este termo “oculto” usado para especificar esse dá enfatiza as questões políticas do processo
currículo é usado porque ele não é prescrito, não de formação, outras colocam a relação peda-
aparece no planejamento, embora seja um impor- gógica como mediação da formação política.
tante fator de aprendizagem. Essas abordagens convergem na concepção
do ensino como compreensão da realidade
CONCEPÇÕES DE ORGANIZAÇÃO
Nº 10 • Abril/99

para transformá-la, visando a construção de


CURRICULAR novas relações sociais, eliminar as mazelas
As concepções de organização curricular ex- sociais existentes como a pobreza, a violência,
218
218
pressam formas de concretização das intenções o desemprego, a destruição do meio ambiente
jan/2017 pedagógicas. e a desigualdade social. Ao lado do objetivo
de promover a autonomia do aluno, destaca   2. A escolarização obrigatória requer criteriosa
a importância da responsabilidade social e da seleção de conteúdos e adoção de adequadas
busca do interesse coletivo. práticas pedagógicas, conforme uma pedago-
 Currículo integrado ou globalizado. Autores gia diferenciada. o termo conteúdo refere-se
espanhóis influenciam a abordagem do cur- aos conhecimentos sistematizados; habilida-
rículo integrado, que prevê a globalização da des e hábitos e atitudes, convicções e valores.
aprendizagem e a interdisciplinaridade. A   3. O currículo escolar representa o cruzamento
superação da falta de comunicação das disci- das culturas, constituindo-se em um espaço de
plinas é realizada pela busca de integração dos síntese em que a cultura elaborada se articula
conhecimentos, que facilitam a compreensão com os conhecimentos e experiências concre-
crítica da realidade, além de ressaltar a compre- tas dos alunos vividas no seu seio social, com a
ensão de como se produz o conhecimento, ou cultura dos meios de comunicação, da cidade
seja, o aprender a aprender. A escola torna-se e de suas práticas sociais.
um espaço de reconstrução das experiências e   4. O processo de ensino e aprendizagem deverá
conhecimentos próprios da comunidade, me- estar centrado no ensino do aprender a pen-
diante o método de projetos. sar e do aprender a aprender, tendo como
referencia a internalização e reconstrução dos
TIPOS DE CURRÍCULO conteúdos culturais.

Gestão de processos administrativos


O conhecimento dessas concepções contribui
  5. A organização e desenvolvimento do currículo
para a elaboração da proposta curricular, no en- implica a inserção da educação moral, pela
tanto, no exercício prático de tomada de decisões, compreensão e clarificação de valores e atitudes.
importa distinguir os tipos de currículo. o currículo
  6. As transformações em curso na esfera econômi-
fechado baseia-se nas disciplinas isoladas, inscritos
ca, cultural e educacional estão requerendo um
em uma grade curricular, geralmente prescritos
vínculo mais estreito entre os saberes propicia-
externamente. os currículos abertos preocupam-se
dos pela escola e as capacidades e competências
com a integração entre as disciplinas, têm flexibi-
internalizadas pelos alunos que expressam a
lidade na definição de objetivos e competências e
relação entre conhecimento e ação.
os conteúdos podem ser organizados a partir de
temas geradores.   7. É preciso que as escolas busquem formas de
superação do currículo pluridisciplinar, favo-
No currículo aberto destaca-se a interdisciplina-
recendo a integração interdisciplinar, a partir
ridade como maneira de aproveitar os saberes dos
da especificidade das disciplinas.
alunos, de integrar os conhecimentos em uma rede,
 8. A escola voltada para uma sociedade que
de modo a levá-los a refletir sobre os conceitos
inclua todos precisa considerar a diversidade
científicos e a realidade que vivenciam.
cultural e as diferenças, de modo a represen-
ALGUNS PRINCIPIOS NORTEADORES DA tar em um currículo comum os interesses de
PROPOSTA CURRICULAR todos os alunos.
Se a organização curricular expressa os objetivos  9. A qualidade social do currículo se expressa no
e estratégias da ação pedagógica, torna-se relevante provimento das condições pedagógico-didáticas
cosniderar alguns princípios na construção de um que asseguram melhor qualidade cognitiva e
currículo sociocriítico: operativa das experiências de aprendizagem.
 1. A escolarização básica obrigatória tem um 10. O currículo escolar deve propiciar no processo
significado educativo, político e social, im- educativo a articulação entre as dimensões
plicando o direito de todos, em condições cognitiva, social e afetiva da aprendizagem.
Nº 10 • Abril/99

iguais de oportunidades, ao acesso aos bens 11. É necessário um incessante investimento no


culturais, ao desenvolvimento das capacidades desenvolvimento pessoal e profissional dos
individuais e sociais, à formação da cidadania, professores, seja propiciando-se na escola um
219
219
à conquista da dignidade humana e da liber- clima de trabalho receptivo, seja promovendo
dade intelectual e política. ações de formação continuada. jan/2017
12. As escolas precisam, também, cultivar os pro- O PAPEL DOS PARÂMETROS
cessos democráticos e solidários de trabalho, CURRICULARES NACIONAIS
convivência e tomada de decisões. Os PCN foram elaborados para fornecer uma
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA orientação geral e coerente do currículo, em âm-
PROPOSTA CURRICULAR bito nacional, visando a melhoria da qualidade do
ensino. representam uma referência, um ponto
A elaboração da proposta curricular supõe dois
de partida, para que se possa articular objetivos
momentos articulados entre si: a proposta da es-
e conteúdos com a cultura das escolas, havendo
cola e os planos de ensino.
espaço para a diversidade regional, as decisões do
A proposta curricular da escola implica decisões professor, a dinâmica das interações na sala de aula,
conjuntas dos professores, para o que se requer: o currículo oculto, a adequação local do conteúdo,
 conhecimento e análise crítica das orientações o significado social do conteúdo, as práticas de
normativas do sistema nacional de ensino. avaliação e o desenvolvimento metodológico.
 explicitação dos princípios norteadores de for- As críticas que são realizadas aos PCN quanto
mação expressando expectativas em relação à a proposta de um currículo universal são válidas
formação esperada. quando se reflete sobre as questões regionais,
 formulação de objetivos e competências gerais porém há necessidade de oferecer acesso a todos
por séries das várias áreas e disciplinas contem- os alunos ao conteúdo universal, desde que as
Gestão de processos administrativos

plando as dimensões dos conteúdos: conheci- equipes das escolas possam realizar as adequações
mentos, procedimentos e valores. necessárias para que o significado da aprendizagem
 seleção e organização das disciplinas que seja garantido.
compõem o currículo, com a definição de OS PCN E A ORGANIZAÇÃO
temas, metodologia, procedimentos e formas CURRICULAR
de avaliação.
A organização do conhecimento escolar em
 explicitação das formas de participação dos áreas, os respectivos conteúdos e o tratamento
alunos no planejamento do currículo e nas transversal de questões sociais constituem os
instâncias de organização e gestão. elementos básicos da organização curricular, in-
 concepções e procedimentos de avaliação da tegrando conhecimentos de diferentes disciplinas.
escola, do currículo, dos professores e da apren- Os temas transversais referem-se a questões
dizagem dos alunos. que interferem na vida dos alunos, como a ética,
Os planos de ensino são elaborados pelos pro- saúde, meio ambiente, orientação sexual e plura-
fessores em consonância com a proposta curricular lidade cultural. A transversalidade pressupõe um
da escola. Algumas recomendações: tratamento integrado das áreas e uma vivência
 o plano de ensino compreende os objetivos, os no âmbito da organização da escola e dos valores
conteúdos, as competências, o desenvolvimento trabalhados em sala de aula.
metodológico e a avaliação. Os PCN estão organizados em ciclos de dois
 o plano deve conter uma justificativa do papel anos, sendo o primeiro referente aos dois primeiros
da disciplina no currículo de formação geral, anos do ensino fundamental, o segundo refere-se aos
explicitando a interface com outras disciplinas. terceiros e quartos anos e, assim, sucessivamente.
 cada disciplina define seus objetivos, conteú-
dos, competências em relação aos objetivos e CAPÍTULO IX. ORGANIZAÇÃO
conteúdos. GERAL DO TRABALHO
Nº 10 • Abril/99

 o planejamento curricular coletivo deve as- A organização incide diretamente na eficiência
segurar, dentro da concepção e o formato de e na eficácia do processo de ensino e aprendiza-
currículos escolhidos, a articulação vertical e gem, na medida em que garante as condições de
220
220
horizontal entre as áreas e as disciplinas do funcionamento da escola e uma ação unificada da
jan/2017 currículo. equipe escolar.
As várias atividades da escola podem ser agru- O exercício da direção e da coordenação depende
padas em quatro áreas de ação: de fatores tais como: a autoridade, que se trata do
 A organização da vida escolar. Refere-se a exercício de um poder delegado a alguém para dirigir
criação de condições da correta distribuição de e coordenar medidas tomadas coletivamente; a res-
tarefas, organização do espaço físico, clima de ponsabilidade é uma exigência inerente da autoridade;
trabalho, relações humanas satisfatórias, sistema a decisão como capacidade de selecionar diante de
participativo de tomada de decisões, condições várias alternativas, a decisão mais adequada; a disci-
de higiene e limpeza, que concorrem para o plina implica compatibilizar a conduta individual com
desenvolvimento escolar dos alunos. as normas, regulamentos, interesse da vida social e
escolar; a iniciativa, como capacidade crítica e criativa
 A organização do processo de ensino e apren-
de encontrar soluções aos problemas.
dizagem. Para a organização do trabalho em sala
de aula é necessário que haja o planejamento das O diretor da escola tem como funções: supervi-
aulas, a busca do envolvimento dos alunos, o sionar e responder pelas atividades administrativas
desenvolvimento de habilidades e capacidades e pedagógicas da escola, bem como com as ativida-
intelectuais e o trabalho independente. des com os pais; assegurar as condições e meios de
manutenção de um ambiente de trabalho favorável;
 A organização das atividades de apoio
promover a integração e articulação entre a escola
técnico-administrativo. As atividades admi-
e a comunidade próxima; organizar e coordenar
nistrativas abrangem a secretaria, os serviços

Gestão de processos administrativos


as atividades de planejamento e do projeto peda-
gerais as atividades de limpeza e conservação do
gógico; conhecer a legislação do ensino; garantir
prédio e do material didático, com a função de a aplicação das diretrizes de funcionamento da
fornecer o apoio necessário ao trabalho docente. instituição e das normas disciplinares, apurando ou
  A organização das atividades que vinculam a fazendo apurar irregularidades; conferir e assinar
escola com a comunidade. O objetivo dessas documentos escolares; supervisionar a avaliação da
atividades é estender a ação educativa onde for produtividade da escola, buscar todos os meios que
possível e buscar cooperação e apoio das dife- favoreçam a atividade profissional dos pedagogos
rentes instituições que contribuam no ensino. especialistas, professores, funcionários e superviso-
res e responsabilizar-se pela organização financeira
CAPÍTULO X. AS ATIVIDADES DE e controle das despesas da escola.
DIREÇÃO E COORDENAÇÃO O coordenador pedagógico corresponde pela
Dirigir e coordenar são ações que canalizam viabilização, integração e articulação do trabalho
o esforço coletivo das pessoas para os objetivos e pedagógico-didático com os professores, em fun-
metas estabelecidos. A direção tem a tarefa de pôr ção da qualidade do ensino.
em ação, de forma articulada e integrada, os ele- São atribuições do coordenador:
mentos do processo organizacional (planejamento,  responder por todas as atividades pedagógico-
organização e avaliação), envolvendo atividades de -didáticas e curriculares da escola e pelo acom-
mobilização, liderança, motivação, comunicação e panhamento das atividades de sala de aula.
coordenação. Suas tarefas visam a:  supervisionar a elaboração de diagnósticos e
 dirigir e coordenar o andamento dos trabalhos, projetos
o clima do trabalho a eficácia da utilização dos  propor para discussão do projeto pedagógico-
recursos e meios em função dos objetivos da escola. -curricular da escola junto ao corpo docente
 assegurar o processo participativo de tomada  orientar a organização curricular e o desenvol-
de decisões, cuidando para que se concretizem vimento do currículo, incluindo a assistência
 assegurar a execução coordenada e integral das direta aos professores
Nº 10 • Abril/99

atividades dos setores e elementos da escola,  prestar assistência direta pedagógica-didática


com base nas decisões tomadas coletivamente. direta aos professores acompanhando o desen-
221
221
 articular as relações interpessoais da escola e volvimento dos planos de ensino, adequação
entre a escola e a comunidade. dos conteúdos, práticas avaliativas. jan/2017
 coordenar reuniões pedagógicas e entrevistas institucionais, técnicas e materiais para o desenvol-
com os professores vimento profissional dos professores.
 organizar turmas de alunos, designar os pro- A ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE
fessores para as turmas, elaborar o calendário FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA
escolar, coordenar o conselho de classe.
A profissão de professor combina sistematica-
 propor e coordenar atividades de formação mente elementos teóricos com situações práticas
continuada reais. Por essa razão, ao se pensar currículo de
 elaborar e executar programas e atividades com formação a ênfase na prática como atividade
pais e comunidade formadora aparece como possibilidade de aliar a
 acompanhar o processo de avaliação da apren- prática e a reflexão sobre a prática.
dizagem O caminho para a formação inicial deveria ser
 cuidar da avaliação processual do corpo docente a integração dos conteúdos das disciplinas peda-
 acompanhar e avaliar o desenvolvimento do pla- gógicas em situações de prática que coloquem
no pedagógico-curricular e dos planos de ensino problemas aos futuros professores e lhes possibili-
tem experimentar soluções e, ao mesmo tempo, os
O diretor e o coordenador pedagógico desem-
professores podem ter a oportunidade de retornar
penham funções específicas, diferentes da função
a universidade para atualizar seus conhecimentos.
docente, e a escola necessita desses profissionais
Gestão de processos administrativos

para que possa desenvolver seu projeto e levar o A ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA E A


conhecimento aos alunos. FORMAÇÃO CONTINUADA
As escolas têm traços culturais próprios a par-
CAPÍTULO XI. A FORMAÇÃO tir dos significados pessoais, valores, práticas e
CONTINUADA comportamentos das pessoas que nela trabalham
A formação inicial refere-se ao ensino de e convivem. entender a organização escolar como
conhecimentos teóricos e práticos destinados à cultura, significa dizer que ela é construída pelos
formação profissional. A formação continuada é seus próprios membros que tanto podem criar um
o prolongamento da formação inicial visando ao espaço de trabalho produtivo e até prazerosos ou
aperfeiçoamento profissional teórico e prático no um espaço hostil e estressante.
próprio contexto de trabalho, e ao desenvolvimen- O papel da escola como contexto de ação e for-
to de uma cultura geral mais ampla, para além do mação continuada de professores foi analisado pela
exercício profissional. professora M. Fátima Abdalla, que concluiu que:
Uma formação permanente, que se prolonga  As necessidades, experiências subjetivas, pers-
por toda a vida, torna-se crucial em uma profissão pectivas dos professores afetam seu desempenho
que lida com saberes e com a formação humana, profissional, seu envolvimento com o trabalho.
em uma época em que se renovam os currículos,  O sistema de organização e gestão, que faz parte
induzem-se novas tecnologias, modificam-se da cultura da escola constitui-se de um espaço
os comportamentos da infância e da juventude, não apenas de relações de poder, mas de todas
acentuam-se os problemas sociais e econômicos. as relações que derivam das características do
As escolas passam por inovações estruturais, novas grupo social
formas de gestão, a elaboração coletiva do projeto  Essa cultura interna influi no desenvolvimento
pedagógico, os ciclos de escolarização, os currículos pessoal e profissional do professor que nela
interdisciplinares, o interculturalismo a avaliação for- atua (positivamente ou negativamente), mas
mativa, a interligação entre a escola e a comunidade, os professores também podem produzir esse
a mídia, sendo essas questões motivo de reflexões espaço cultural da escola.
Nº 10 • Abril/99

para que os professores possam compreendê-las e O estudo de Abdalla pode contribuir para que
encontrarem novas formas de enfrentá-las. a escola repense sua cultura, abrindo espaço para
222
222
A formação em serviço ganha nova dimensão e possibilidades de mudança, em que as necessidades
jan/2017 os sistemas de ensino precisam assegurar condições subjetivas possam ser trazidas à tona, podendo
produzir novo caminho na profissionalidade dos cação para todos, realizada nos anos 1993-94,
professores. que prevê: reforma institucional com redefinição
das responsabilidades do MEC; d novos padrões
CAPÍTULO XII. AVALIAÇÃO DE der gestão e a ampliação do acesso, conteúdos
SISTEMAS ESCOLARES E DE curriculares básicos e padrões de aprendizagem a
ESCOLAS nível nacional, formação de professores, ensino à
distancia, sistema de avaliação das escolas e padrões
Até a alguns anos atrás a prática da avaliação era
de qualidade para o livro didático.
uma atividade da escola, dirigida ao desempenho
escolar dos estudantes, porém, atualmente, a prá- A avaliação global das escolas é feita pelo Mi-
tica de avaliação institucional tem sido frequente. nistério da Educação e pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e
Na avaliação dos sistemas de ensino a avaliação
compreende:
tem como objetivo fazer um diagnóstico amplo
do sistema escolar visando reorientar a política  SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Edu-
educacional, a gestão do sistema e a pesquisa. cação Básica. Realizada a cada dois anos por meio
de amostragem do ensino fundamental e médio.
A avaliação dos alunos realizada pelos profes-
sores é realizada com base nos processos de ensino  ENC – Exame Nacional de Cursos. Criado em
realizados em sala de aula e, nesse processo, tam- 1996 para avaliar os cursos de graduação, com
caráter obrigatório aos formandos.

Gestão de processos administrativos


bém está presente a avaliação dos procedimentos
realizados pelo professor.  ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.
A avaliação do sistema escolar e das escolas, Criado em 1998, é facultativo aos que já con-
através da avaliação externa e/ou interna das ins- cluíram e concluintes do ensino médio.
tituições se desdobra em: avaliação institucional O INEP também realiza o Censo Escolar, o
e avaliação acadêmica ou científica (denominada Censo do Ensino Superior e o Censo financeiro
Exame Nacional, no Brasil). da Educação. No âmbito estadual destacam-se o
A avaliação institucional é uma função primor- Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do
dial do sistema de organização e gestão dos siste- Estado de São Paulo – SARESP, e o Programa de
mas escolares e das escolas que visa a obtenção de Avaliação da Escola Pública de Minas Gerais.
dados qualitativos e quantitativos sobre os alunos, UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA DA
professores, a estrutura organizacional, os recursos AVALIAÇÃO DOS SISTEMAS
materiais, as práticas de gestão, a produtividade EDUCACIONAIS: DUAS FACES
dos cursos e dos professores.
O objetivo da avaliação educacional do sistema
A avaliação acadêmica visa a produção de seria a melhoria da qualidade, portanto, melho-
informações sobre o resultado da aprendizagem rar os resultados do rendimento escolar. Daí a
escolar em função do acompanhamento e revisão importância da avaliação externa pelo próprio
das políticas educacionais, do sistema escolar e das governo, ao qual cabe fixar padrões nacionais de
escolas, tendo em vista a formulação de indicadores
desempenho, facilitar insumos que influenciam
de qualidade dos resultados do ensino.
no rendimento escolar, monitorar o desempenho
AS REFORMAS ADUCATIVAS escolar, embora a ênfase recaia sobre os resultados
MUNDIAIS E A AVALIAÇÃO DOS e não no processo.
SISTEMAS DE ENSINO A avaliação pode prestar-se apenas a estabelecer
Em vários países as reformas educativas preten- mecanismos externos de controle, através de testes
dem alinhar os objetivos educacionais ao modelo padronizados, porém, deveria estar articulada com
neoliberal e requerem trabalhadores mais qualifi- as formas de gestão (descentralização, autonomia),
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cados, com maior flexibilidade profissional para com o projeto pedagógico e com o currículo, es-
atender as novas demandas do mercado de trabalho. tratégias que podem assegurar bons resultados de
rendimento escolar. 223
223
No Brasil, a reforma ensaiou seus primeiros
passos na formulação do Plano Decenal de Edu- Uma proposta pedagógica progressista pode jan/2017
assumir a avaliação dos estabelecimentos escola- nal dos professores e especialistas, os resultados
res por meio dos resultados do aprendizado dos do rendimento escolar dos alunos) em função da
alunos, a descentralização das escolas, favorecendo responsabilidade sociais da escola.
a identificação de necessidades locais, o envolvi- Se os testes e outras formas de aferição do ren-
mento dos professores e pais, a ênfase no desenvol- dimento escolar forem bem elaborados, é possível
vimento das capacidades básicas de aprendizado. detectar problemas e dificuldades no ensino das
AVALIAÇÃO EDUCACIONAL – matérias de forma que a escola e os professores to-
ENTRE A AVALIAÇÃO DE SISTEMAS mem providencias para saná-los. mas todo cuidado
EDUCACIONAIS E AS AVALIAÇÕES DO é pouco para que os resultados não sejam tomados
PROFESSOR NA SALA DE AULA como único parâmetro de análise da escola.
Embora os problemas envolvidos na avaliação ASPECTOS A SEREM AVALIADOS NO
educacional sejam muitos, é importante a implan- ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR
tação de programas de avaliação dos sistemas edu- A avaliação pode incidir sobre as seguintes
cacionais. Esses programas utilizam testes padroni- variáveis:
zados visando ao maior controle da qualidade do
 dados estatísticos sobre a população escolar-
ensino, inclusive para tentar diagnosticar disparida-
-reprovações, abandono escolar, situação so-
des de rendimento entre alunos que não podem ser
cioeconômica dos pais
Gestão de processos administrativos

captadas pelos professores, individualmente, dentro


da escola. Por exemplo a adequação do ensino às  clima organizacional da escola
exigências contemporâneas, efeitos da migração,  acompanhamento do rendimento escolar dos
diversidade cultural, segregação social, excesso de alunos
falta de rigor de avaliação feita por professores.  avaliação da execução do projeto pedagógico-
Com os programas nacionais ou estaduais, os -curricular
sistemas de ensino podem aferir a qualidade do  avaliação do desempenho dos professores, que
ensino em termos de sua equidade e verificar o inclui: qualidade das relações sociais, preparo
que a macroestrutura pode fazer para aprimorá-la. profissional do professor, gestão da classe em
Algumas medidas precisam ser tomadas nas vários aspectos, como organização e desenvol-
escolas para enfrentar os problemas de avaliação, vimento das aulas, qualidade da comunicação
tais como: com os alunos e procedimentos e instrumentos
 provocar reflexões conjuntas dos professores so- de avaliação da aprendizagem.
bre suas preocupações na sala de aula, dificulda- Outros fatores também precisam ser considera-
des que estão tendo, aluno com mais dificuldade, dos na avaliação do professor, relacionados com a
fatores que prejudicam o andamento das aulas. organização e funcionamento da escola. São eles:
 ligar a teoria sobre avaliação com o “saber-  disponibilidade, organização, utilização dos
-fazer” a avaliação recursos materiais,
 definir com clareza as competências do pro-  critérios de organização de turmas, horários de
fessor e saberes necessários para diagnosticar, aulas, e distribuição de disciplinas
compreender e neutralizar as causas dos insu-  ações de formação continuada
cessos escolares.  encontros e reuniões de professores
 compreender que a avaliação é instrumento, ela  estratégias de relacionamentos com os pais
apenas dá indícios de onde estão os problemas
 atividades administrativas de apoio pedagógico
de aprendizagem, para melhorar o ensino.
PARA FINALIZAR: A AVALIAÇÃO
Nº 10 • Abril/99

Os sistemas de ensino e as escolas se veem


hoje frente a avaliação dos resultados dos alunos EMANCIPATÓRIA
como critério para avaliação da produtividade da A tendência nas práticas de avaliação, em
224
224
escola. É indispensável verificar a efetividade dos uma perspectiva de educação emancipatória é
jan/2017 serviços prestados (o comportamento profissio- assegurar cada vez mais nas instituições o caráter
educativo da avaliação- meio de revisão das ações  Entrevistas individuais. Podem ser de dife-
do professor, de modo que tome decisões com rentes tipos- dirigida, não dirigida ou mista.
maior conhecimento de causa.
  Seminários. Indicados para estudo de um
A avaliação emancipatória tem como caracte- tema junto com outras pessoas, em reuniões
rística previamente planejadas. A ideia básica dessa
 avaliação compreensiva e global do processo de técnica e promover aprendizagem ativa entre os
ensino de aprendizagem membros, em clima de colaboração recíproca.
 avaliação democrática em que os resultados são   Conselho de classe. Órgão colegiado com-
discutidos e negociados posto pelos professores da classe, por represen-
 autoavaliação mediante um processo reflexivo tantes dos alunos e em alguns casos dos pais.
rigoroso de planejamento-observação-análise- É a instância que permite o acompanhamento
-reflexão-planejamento, em que o professor é dos alunos visando a um conhecimento mais
também um investigador. minucioso da turma e de cada um. Tem como
objetivo o aprimoramento dos diagnósticos,
CAPÍTULO XIII. ESTRATÉGIAS DE das dificuldades, obtenção de informações,
busca de soluções alternativas, elaboração de
COORDENAÇÃO DO TRABALHO
programas de recuperação, reformulação do
ESCOLAR E DE PARTICIPAÇÃO NA plano de ensino, identificação de progressos e

Gestão de processos administrativos


GESTÃO DA ESCOLA mudanças de comportamento de alunos.
A gestão de uma escola pode ser analisada por  Modelo clínico de formação continuada.
meio de duas atividades básicas- a racionalização Supõe levantamento de necessidades de desen-
do trabalho engloba as ações, processos e relações volvimento profissional através de observação
referentes a utilização racional dos recursos e a de aulas. Considera o professor como alguém
coordenação do esforço humano coletivo, que diz que reflete sobre sua prática a partir da própria
respeito a utilização racional das relações entre os investigação sobre essa prática. Frente a uma
profissionais da instituição. situação problemática o professor avalia a situa-
Alguns procedimentos e técnicas são úteis ção, pensa numa intervenção eficaz, coloca-a em
para a viabilização do trabalho escolar, referentes prática, avalia a sua eficácia e corrige o rumo.
especialmente a coordenação pedagógica e aos  Etapas para a elaboração dos projetos. O
professores visando ao aprimoramento das práticas projeto consiste na colocação clara do problema
de organização de gestão da escola, tais como: e no planejamento da ação para solucioná-lo,
 Reuniões de professores. Encontro formal para a partir dos seguintes passos: definição do
trocar ideias e tomar decisões sobre questões problema, determinação dos objetivos, levan-
pedagógicas, administrativas e financeiras da es- tamento de alternativas de solução, organização
cola. A reunião pode ser informativa, com coleta do projeto, implementação do projeto, acompa-
de opiniões, opinativa-deliberativa ou de estudo. nhamento, avaliação e realimentação do projeto. Nº 10 • Abril/99

225
225
jan/2017
Anotações:
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Gestão de
pessoas
MORAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS, Marilda.
Novas tecnologias e mediação pedagógica. 21. ed. rev. e atual.
Campinas: Papirus, 2013.

Dos autores
Resumo elaborado por
Jose Manuel Moran
Fábio Cristiano de Moraes.
Possui graduação em Filosofia pela Faculdade
Graduado em Filosofia Nossa Senhora Medianeira (1971), mestrado
Mestrado em Filosofia pela Universidade de São (1982) e doutorado em Ciências da Comunicação
Paulo pela Universidade de São Paulo (1987). Foi pro-
Doutorado em Filosofia pela Universidade de fessor de Novas Tecnologias na Universidade de
São Paulo
São Paulo (aposentado). Professor, Pesquisador,
Conferencista e Orientador de Projetos Educa-
cionais Inovadores com metodologias ativas nas
modalidades presencial e a distância.
Marcos Tarciso Masetto
Possui graduação em Licenciatura em Filosofia
pela Faculdade Anchieta de São Paulo (1970),
mestrado em Educação (Psicologia da Educação)
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1975) e doutorado em Educação (Psicologia da
Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (1981). É professor titular da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Tem experiên-
cia na área de Educação, com ênfase em Formação
Pedagógica de Professores Universitários, atuando
principalmente nos seguintes temas: currículo,
ensino superior, formação de professores, apren-
Gestão de pessoas

dizagem e formação de professores.


Marilda Aparecida Behrens
Possui graduação em Pedagogia Orientação Edu-
cacional pela Universidade Federal do Paraná (1973),
graduação em Pedagogia Supervisão Escolar pela
Universidade Federal do Paraná (1977), Mestrado
em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo (1991) e Doutorado em
Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1996). Desde 1975 atua na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR,
na qual é professora Titular. Dentre outras atividades
Nº 10 • Abril/99

destaca a docência No Programa de Pós-Graduação


em Educação e no Curso de Pedagogia. Tem experi-
ência na área de Educação, com ênfase em Educação
228
228
Superior, atuando principalmente nos seguintes
jan/2017 temas: docência universitária, formação de professo-
res, prática pedagógica, paradigmas e metodologias visando à aprendizagem dos nossos alunos e não
inovadoras. apenas servindo para transmissão de informação;
7. Compreensão da mediação pedagógica como
Apresentação categoria presente tanto no uso das próprias
De acordo com os autores na apresentação, o técnicas como no processo de avaliação;
livro trata-se de uma introdução à informática e 8. E, por fim, não menos importante, o desempenho
à telemática1 na educação sobre diversos ângulos: do papel do professor apresenta a nova realidade.
sobre a informatização da escola; sobre a ideia, Fica evidente que estes não esgotam todos os
muitas vezes presente na mídia de que o laborató- pontos críticos em relação ao impacto da tecnolo-
rio de informática numa escola será a panaceia do gia na educação, mas eles estão entre os principais.
ensino; sobre a educação à distância. Esses são os Os escolhemos porque eles aparecem com mais
temas que margeiam e perpassam as reflexões que frequência nas angústias que preocupa os profes-
se tentam produzir nas páginas seguintes. sores do século 21.
Certamente, a tecnologia é uma realidade inegá- Esses aspectos cruciais serão trabalhados, no
vel, e que a todos alcança. Neste campo, ocorrem decorrer do livro, em três partes: a primeira, ela-
altos investimentos e cria-se um sentimento de que borada pelo Professor Doutor José Manuel Moran,
conexão de todos com todos permitirá ao homem leva o título de "Ensino e Aprendizagem inovado-
liberta-se dos limites temporais e espaciais. Vê-se, res com tecnologias audiovisuais e telemáticas"; já
de alguma maneira, com um certo otimismo essa a segunda parte, escrita pela Professora Doutora
nova realidade. No campo educacional, alimenta-se Marilda Aparecida Behrens, é uma proposta meto-
certas expectativas de que as tecnologias nos trarão dológica subsidiada por referenciais teóricos e prá-
soluções rápidas para mudar a educação. De uma ticos. O ensaio de Behrens tem por título "Projetos
parte, é verdade, pois ela nos ajuda a ampliar o de aprendizagem colaborativa num paradigma
conceito de aula, ela que estabelecer novas formas emergente". Na sua essência, esse ensaio se consti-
de estar junto física ou virtualmente. Contudo, tui de uma reflexão e de uma proposição sobre ação
ultrapassado este otimismo imediato, é possível docente que venham a atender as exigências desse
vislumbrar alguns pontos críticos e cruciais, a novo paradigma, posto ao professor do século 21.
partir dos quais pode-se estabelecer reflexão sobre De modo Acadêmico, a autora propõe uma aliança
o verdadeiro local das tecnologias na sala de aula. entre a abordagem progressista, a visão holística e
o ensino com pesquisa. Na terceira e última parte,
Note-se que este é o núcleo duro do texto, qual
escrita pelo Professor Doutor Marcos Masetto, se
seja, trazer à baila a discussão sobre a tecnologia
procura aprofundar o tema da mediação como

Gestão de pessoas
em sala de aula e, como isso, traçar algumas consi-
característica fundamental para o uso em educa-
derações fundamentais, sem as quais as tecnologias
ção tanto da tecnologia convencional, quanto das
prestarão um desfavor à educação. E quais são os chamadas novas tecnologias. Seu ensaio tem título
seus pontos críticos? de “Mediação pedagógica e o uso da tecnologia”.
1. A discussão sobre a qualidade da educação;
2. A construção do conhecimento na sociedade Parte I. Ensino e Aprendizagem
de informação; inovadores com tecnologias
3. As novas concepções do processo de ensino- audiovisuais e telemáticas
-aprendizagem colaborativo;
José Manuel Moran
4. A revisão e a atualização do papel e das funções
do professor; Para onde estamos caminhando
5. A formação profissional do professor; no ensino?
Nº 10 • Abril/99

6. A compreensão e a utilização das novas tecnologias A primeira realidade que se nos apresenta é a

1 Telemática é o conjunto de tecnologias da informação e da comunicação resultante da junção entre os recursos das telecomunicações
229
229
(telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc.) e da informática (computadores, periféricos, softwares e sistemas de redes), que possibilitou
o processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados (nos formatos texto, imagem e
som), em curto prazo de tempo, entre usuários localizados em qualquer ponto do Planeta. jan/2017
característica mais proeminente da sociedade do sé- o ensino, visto que a primeira (a educação) pres-
culo 21: a mudança. Todas as estruturas, processos supõe o segundo (o ensino), mas não o inverso.
e valores que foram consagrados no decorrer dos Educar é uma forma de transformar a vida
séculos passados, têm se transformado. A educa- em um processo de permanente aprendizagem.
ção, nesse contexto, tem sido pressionada para que Ensinar, distintamente, é um processo social, na
mude em novas formas de ensino-aprendizagem. A medida em que está inserido em cada cultura com
maneira milenar de ensinar já não mais se justifica, suas normas, tradições e leis; mas também é um
neste ambiente novo. processo profundamente pessoal, já que cada um
A mudança da educação abre um novo mercado de nós desenvolve um estilo, uma forma própria de
que tem atraído grandes grupos econômicos dis- aprender. Além disso, “ensinar depende também de
postos a investir neste nicho de comércio. Para estes um aluno querer aprender e estar apto a aprender
investidores, o caminho de transformação do ensino em determinado nível (depende da maturidade,
está na esteira das tecnologias telemática de alta velo- da motivação da competência adquirida)” (p.13).
cidade. Pretende-se conectar os alunos, os professores O ensino desta forma entendido, é possível
e a administração. Objetivo é ter cada classe conectada dizer que, em alguns poucos casos, nós temos
à internet e cada aluno com o notebook. Por isso, os alguns cursos, faculdade e universidades com áreas
investidores que estão entrando no campo educacio- de relativa excelência no ensino, mas o conjunto
nal, vendo nele meio de ganhar dinheiro, investem das instituições de ensino está muito distante do
pesadamente no ensino a distância. conceito de qualidade. Isto porque o ensino de
Este movimento – já presente em grande parte qualidade envolve muitas variáveis: ele pressupõe,
de nosso país – assume a premissa segundo a qual de um lado, uma organização inovadora, aberta
a tecnologia poderá resolver os problemas na educa- e dinâmica com projetos pedagógicos coerentes
ção, que a forma anterior de ensinar não podia fazê- e participativos; uma infraestrutura adequada,
-lo. Esquecem, porém, que: “se ensinar dependesse atualizada, confortável e tecnologias acessíveis,
rápidas e inovadoras; a isso se deve somar um
só de tecnologias já teríamos achado as melhores
corpo docente bem preparado intelectual e emo-
soluções há muito tempo. Elas (as tecnologias) são
cionalmente, bem remunerado motivado e com
importantes, mas não resolvem as questões de fun-
boas condições profissionais. Por fim soma-se essas
do. Ensinar e aprender são os desafios maiores que
duas condições uma terceira, é preciso ter alunos
enfrentamos em todas as épocas e particularmente
motivados e preparados intelectual e emocional-
agora em que estamos pressionados pela transição
mente, com capacidade de interagir em grupo e
do modelo de gestão industrial para o da informa-
que não veja no ensino apenas o diploma.
ção e do conhecimento". (p.12).
Como se percebe, a partir destas exigências,
  Os desafios de ensinar e educar com qualidade
ensino de qualidade envolve variáveis que no fim
Com certa dose de ignorância, apregoa-se a das contas encontra barreira no seu financiamento,
necessidade de se ter um ensino de qualidade, com efeito escreve Moran: “o ensino de qualidade é
quando na verdade se deveria empreender todos muito caro, pode ser pago por poucos ou tem que
os esforços para ter uma educação de qualidade. ser amplamente subsidiado e patrocinado” (p.14).
Por falta de referência teórica, confunde-se ensi- Tem-se, de modo geral, um ensino muito mais
no com educação. Estes conceitos, contudo, são problemático – por questões econômicas – da ma-
radicalmente diferentes. Diz o autor: “no ensino ravilha anunciada pelas instituições. Há muito mais
organiza-se uma série de atividades didáticas para marketing do que ensino real. Num quadro mais
ajudar os alunos a compreender áreas específicas geral, “temos muitos alunos que ainda valorizam
do conhecimento […]. Na educação o foco, além mais o diploma do que o aprender, que fazem o
Nº 10 • Abril/99

de ensinar, e ajudar a integrar ensino e vida, co- mínimo (em geral) para serem aprovados” (p.15);
nhecimento e ética, reflexão e ação, a ter uma visão ao lado destes encontram-se instituições que, na
de totalidade” (p.12). Tomando tal distinção por sua maior parte, estão voltadas “para o lucro fácil,
230
230
Moran, numa cognição sumária, é possível perce- aproveitando a grande demanda existente” (p.15).
jan/2017 ber que educação é infinitamente mais ampla que O desafio maior, como se percebe, é o de caminhar
para o ensino e a educação de qualidade. Educação O processamento da informação se dá de três
que engloba um ensino de qualidade é aquela que formas, segundo o nosso objetivo e o nosso univer-
integra todas as dimensões do ser humano. so cultural. A mais habitual delas é o processamen-
  As dificuldades para mudar educação to lógico-sequencial, que se expressa na linguagem
falada e na escrita, em que vamos construindo
A mudança da Educação depende, em primeiro
o sentido aos poucos, em sequência espacial ou
lugar, de termos educadores maduros intelectual e
temporal, dentro de um código relativamente de-
emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas,
finido que é o da língua, com maior liberdade na
abertas, que saibam motivar e dialogar. Pessoas
fala e na escrita pessoal ou coloquial. Em outros
com as quais valha a pena entrar em contato,
momentos, processamos a informação de forma
porque deste saímos enriquecidos. O educador
hipertextual, contando histórias, relatando situa-
autêntico é humilde e confiante. Mostra o que
ções que se interconectam, ampliam-se, que nos
sabe e, ao mesmo tempo, está atendo ao que não
leva a novos significados importantes inesperados.
sabe, ao novo. Os grandes educadores atraem não
É a comunicação “linkada”. A leitura hipertextual
só pelas suas ideias, mas pelo seu pessoal. Dentro
é feita como que em “ondas”, em que uma leva à
ou fora de aula chamam atenção. Há sempre algo
outra, acrescentando novas significações. Embora
de surpreendente neles. São diferentes não apenas
a construção seja lógica e coerente, ela não segue,
no que dizem, mas nas relações que estabelecem,
contudo, uma trilha previsível sequencial, mas vai
na sua forma de olhar ou de comunicar. Em sín-
se ramificando em diversas trilhas possíveis. Por
tese, os bons professores são diferentes na sua
fim, a terceira forma de processamento de infor-
forma de agir. Tais educadores são, na verdade,
mação é chamada de multimídica. É a forma de
um poço inesgotável de descobertas. A mudança,
processar informações que junta pedaço de textos
em segundo lugar, não se fará apenas de bons
de várias linguagens superpostas simultaneamente,
professores. Ao lado deste, é necessário nós termos
compondo um mosaico impressionante que se co-
bons administradores, diretores e coordenadores
nectam todas as partes. Neste caso, a leitura é cada
mais abertos, que entendam todas as dimensões
vez menos sequencial. As conexões são tantas que
que estão envolvidas no processo pedagógico,
o mais importante é a visão ou leitura em flash, no
que não limite a sua visão apenas as dimensões
conjunto, uma leitura rápida, que cria significações
empresariais ligadas ao lucro. Junto dos professo-
provisórias, dando uma interpretação rápida para o
res e administradores escolares, o terceiro ator de
todo, e que vai se completando como as próximas
mudança é o aluno. Alunos curiosos e motivados
telas, através do fio condutor da narrativa subjeti-
facilitam enormemente o processo, estimulam as
va: dos interesses de cada um, das suas formas de
melhores qualidades dos professores, tornam-se
perceber, sentir e relacionar-se.
interlocutores lúcidos e parceiros de caminhada
do professor. Todas as vezes que os alunos estão Convive-se com essas diferentes formas de
motivados, eles aprendem melhor, avançam mais processamento da informação e elas serão usadas
e ajudam o professor avançar. dependendo da bagagem cultural, da idade e dos
objetivos pretendidos de cada pessoa. Por exem-
Em síntese: a mudança na educação passa em
plo, se estivermos concentrados em objetivos
primeiro lugar pela formação docente; em segundo
específicos muito determinados, predominará
lugar, pelos gestores escolares; e por fim pelo corpo
provavelmente o processamento sequencial; agora,
docente. Como é fácil perceber numa cognição
se trabalhamos com pesquisa, projetos de médio
sumária, as dificuldades para mudar educação são
prazo, interessa-nos o processamento hipertextual,
gigantescas.
em razões das suas muitas conexões, divergências
A construção do conhecimento na e convergências; por fim, se é o caso de termos de
sociedade da informação dar respostas imediatas e situarmo-nos rapidamen-
Nº 10 • Abril/99

Pelo ato de conhecer compreende o autor: "co- te, precisaremos do processamento multimídico.
nhecer significa compreender todas as dimensões Ocorre que, na sociedade da informação, a
231
231
da realidade, captar e expressar essa totalidade de pessoa não dispõe de tempo suficiente para dar res-
forma cada vez mais ampla e integral” (p.18) postas às demandas. A velocidade característica da jan/2017
sociedade do século 21 cria um grupo de pessoas Além disso, a aprendizagem tem dois movi-
que apreciam a instantaneidade com a qual correm mentos importantes: “aprendemos com interagi-
as informações e a e a facilidade de obtê-las. As mos com os outros e o mundo e depois, quando
crianças e principalmente nos jovens, desta socie- interiorizamos, quando nós nos voltamos para
dade, habituado com esta a rapidez de trânsito, não dentro, fazendo nossa própria síntese nosso reen-
apreciam a demora, a reflexão, a depuração. Com contro do mundo exterior com nossa elaboração
essas palavras sintetiza o autor: “cada vez são mais pessoal” (p.23).
difundidas as formas de informação multimídia Aprendermos mais quando conseguimos juntar
ou hipertextual e menos é a lógico sequencial. As todos os fatores: quando temos interesse sobre o
crianças e os jovens estão totalmente sincroniza- assunto, quando nossa motivação é clara, quando
dos com a multimídia e quando lidam com texto desenvolvemos hábitos que facilitam o processo de
fazem-no mais facilmente com o texto conectado aprendizagem, e quando sentimos prazer no que
através de links, de palavra-chave, o hipertexto. estudamos e na forma de estudar. “[…] aprende-
Por isso o livro se torna uma opção inicial menos mos realmente quando conseguimos transformar
atraente; está competindo com outras formas mais nossas vidas em um processo permanente, pacien-
próximas da sensibilidade deles, da sua forma mais te, confiante e afetuoso de aprendizagem” (p.24).
imediata de compreensão” (p. 21). A implicação
 Conhecimento pela comunicação e pela inte-
lógica desta situação é que nós nos tornamos cada
vez mais dependentes do sensorial. Isso é interes- riorização
sante, mas poucos partem do sensorial para voos O conhecimento se dá fundamentalmente no
mais ricos, abertos, inovadores. A maior parte das processo de interação. Isso implica em dizer que
pessoas se deixam seduzir pelo atrativo do poder o conhecimento depende em absoluto da comu-
tocar, sentir, ver e ouvir. Nesse sentido, uma das nicação, ou seja, conhecer é entrar em contato
principais tarefas da Educação é ajudar a desen- com o outro, com o diferente. Não há, portanto,
volver tanto o conhecimento de resposta imediata, conhecimento que se dê no isolamento, pois
multimídico, como também o de longo prazo, o conhecer é relacionar, integrar, contextualizar,
lógico sequencial, assevera Moran: “muitos dados, em uma palavra, fazer nosso o que vem de fora.
muitas informações não significam necessariamen- O conhecimento efetivo só se dá à medida que
te mais e melhor conhecimento. O conhecimento deixamos a superfície e penetramos nas realidades
torna-se produtivo se o integramos em uma visão mais interiores, mais profunda. Deste modo, o co-
ética pessoal, transformando em sabedoria, em nhecimento acontece no rico processo de interação
saber pensar para agir melhor” (p.22) do externo com o interno.
  Caminhos que facilitam a aprendizagem Conseguimos compreender melhor o mundo
O grande desafio do educador é ajudar seu e os outros, equilibrando os processos de intera-
aluno a selecionar as informações importantes e ção e de interiorização. Pelo primeiro conceito
dar seu devido significado e valor, a partir de um (interação) devemos compreender o contato que
referencial maior de interpretação. Apenas quan- estabelecemos com tudo o que nos rodeia; só
do o aluno consegue referenciar as informações poderemos compreender aquilo que nos rodeia se
dentro de um contexto mais profundo é que de formos capazes de interiorizá-los no processo de
fato ocorreu a aprendizagem. Se aprende melhor síntese pessoal, reelaboração de tudo que captamos
quando se vivencia, experimenta e sente. Aprendi- por meio da interação. Hoje temos muitas chances
zagem, portanto, se relaciona com a capacidade de de interagir, de encontrar muitas informações. Sem
selecionar, estabelecer vínculos, laços, entre aquilo dúvida, hoje temos mais informações disponíveis
que estava solto, caótico e disperso integrando-o ao nosso alcance do que qualquer um dos grandes
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em um novo contexto, dando-lhe significado e pensadores da história o tiveram. Por outro lado, a
encontrando-lhe um novo sentido. Desta forma grande quantidade de interação que temos não se
entendida, aprendizagem passa pelo equilíbrio traduz efetivamente em conhecimento, na medida
232
232
e integração das dimensões sensorial, racional, em que falta o segundo momento para o conheci-
jan/2017 emocional, o ético, o pessoal e o social. mento, a saber: a interiorização. Este é, como fica
claro, o desafio do docente. Os professores da so- 5 encontrar o estilo pessoal de dar aula, por meio
ciedade da informação não são mais responsáveis, do qual nos sentimos confortáveis e consigamos
absolutamente, de oferecer a seus alunos uma gama realizar melhor os objetivos.
vasta de informação, ao contrário, eles já as têm. Por isso, “[…] ensinar e aprender exige hoje
O docente deste século tem como desafio ajudar muito mais flexibilidade espaço-temporal, pessoal e
o aluno a interiorizar tais informações. Quanto de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais
mais e melhor interiorizarmos tanto mais e melhor abertos de pesquisa e de comunicação” (p. 29).
interagiremos, “interagiremos melhor se souber- É fato que aquisição de informações, de dados,
mos também interiorizar, se encontramos formas tem dependido cada vez menos dos professores.
mais ricas de compreensão, que proporcionarão Em razão do avanço em especial da internet, e das
novos momentos de interação. Se equilibrar os TICs, os alunos têm acesso de forma muito mais
interagir e o interiorizar conseguiremos avançar rápida, muito mais atraente e na sua linguagem
mais, compreender melhor o que nos rodeia, o qualquer informação que ele queira, ou que o pro-
que somos; conseguiremos levar às outras novas fessor tenha para lhe transmitir. Neste contexto,
sínteses e não seremos só papagaios, repetidores o papel do professor (e seu principal papel, para
do que ouvimos” (p. 25). ser mais claro) é ajudar o aluno a interpretar esses
  Podemos modificar a forma de ensinar dados – e o oceano de informações que recebe –,
Não está mais no campo da discussão a certeza a relaciona-los e contextualiza-los.
de que a educação precisa se encontrar novamente Em síntese, a modificação na forma de ensinar
com a sua identidade, saber quais as suas caracterís- passa pela compreensão de uma nova identidade
ticas específicas e o seu papel no mundo moderno. do docente: menos transmissor de informações,
Em outras palavras, se torna urgente que educação mais auxiliador na compreensão, o que implica, di-
repense a sua atuação na sociedade da informação. retamente, estar ao lado do aluno incentivando-o.
A forma com a qual hoje administramos as escolas  O docente como orientador/mediador de
cria grande dificuldade para ensinar, porque mante- aprendizagem.
mos, no nível organizacional e interpessoal, formas O professor, na sociedade da informação e
de gerenciamento autoritários. Avançaremos mais comunicação (no ambiente das TICs), deve se
se soubermos adaptar os programas previstos às tornar um orientador/gestor setorial do processo
necessidades dos alunos, criando conexões com o de aprendizagem, integrando de forma equilibrada
cotidiano, com o inesperado, se transformarmos a a orientação intelectual, a emocional e a gerencial.
sala de aula em uma comunidade de investigação.
Orientador/mediador intelectual: informa, ajuda
1. 
Se torna urgente, na modificação da forma de
a escolher as informações mais importantes, dá
ensinar, aprendermos a equilibrar planejamento
auxílio aos alunos para que as compreendam, as
e criatividade, organização e adaptação a cada avaliem – conceitual e eticamente – e as reelaborem
situação, acertar os imprevistos, a gerenciar o que adaptando-as aos seus contextos pessoais;
podemos prever e a incorporar o novo, o inespe-
Orientador/mediador emocional: motiva, in-
2. 
rado. Planejamento aberto, que prevê, que está
centiva, estimula, organiza os limites, com equi-
pronto para mudança, para sugestões, adaptações.
líbrio, credibilidade, autenticidade e empatia;
A flexibilidade permite adaptar as diferenças in-
dividuais às exigências educacionais. Colaboram Orientador/mediador gerencial e comunicacio-
3. 
para flexibilidade: nal: organiza grupos, atividades de pesquisa,
ritmos, interações. Organiza o processo de
1 Traçar linhas de ação pedagógica maiores que
avaliação. O professor atua como orientador
norteiam as ações individuais sem sufocá-lo;
como comunicacional e tecnológico; ajuda a
2 respeitar os estilos de dar aula que dão certo; desenvolver todas as formas de expressão, de
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3 respeitar as diferenças que contribuem para o interação, de troca de linguagens, conteúdos e


mesmo objetivo; tecnologias;
233
233
4 personalizar os processos de ensino-aprendiza- Orientador ético: ensina a assumir e vivenciar
4. 
gem, sem descuidar do coletivo; valores construídos individual e socialmente. jan/2017
Cada um dos professores colabora com um de um contexto comunicacional afetivo, de forte
pequeno espaço, uma pedra na construção impacto emocional, que facilita a aceitação da
dinâmica do “mosaico” sensorial-intelectual- mensagem. Diz o autor “[…] a imagem na televi-
-emocional-ético de cada aluno. são, no cinema e no vídeo é sensorial, sensacional
e tem um grande componente subliminar, isto
Integrar as tecnologias
é, passa muitas informações que não captamos
de forma inovadora
claramente” (p. 34). A comunicação, em especial
Aprendemos quando relacionamos, quando a televisiva, é uma comunicação poderosa como
integramos. Se a integração é uma condição ne- nunca antes tivemos na história da humanidade.
cessária à aprendizagem, então fica evidente que é Sua organização narrativa não se baseia somente
necessário integrar todas as tecnologias: as telemá- na lógica convencional, na coerência interna na
ticas, as audiovisuais, as textuais, as orais, músicas, relação de causa e efeito, mas numa lógica mais
lúdicas e corporais como vistas à aprendizagem intuitiva, mais conectiva.
dos alunos. Como se vê, o professor dispõe de
A educação escolar precisa compreender e in-
um grande leque de opções tecnológicas, isto é, de
corporar mais as novas tecnologias, isso é, dominar
possibilidades de organizar sua comunicação com
as possibilidades de expressão e as possíveis mani-
os alunos, para introduzir um tema, por exemplo,
pulações. É preciso educar para usos democráticos,
para trabalhar com os discentes de modo presencial
mais progressistas e participativos das tecnologias,
ou virtual, para avalia-los.
que facilitem a evolução dos indivíduos.
As possibilidades são gigantescas e os docentes
 Integrar a televisão e o vídeo na educação
podem encontrar a forma mais adequada de inte-
escolar
grar as várias tecnologias aos seus procedimentos
metodológicos. Junto disto, os professores podem A televisão e o vídeo integram: dimensões
dominar outras formas de comunicação interpes- sensoriais, visuais, linguagem falada, linguagem
soal/grupal e nova forma de comunicação audiovi- musical e escrita. Linguagens que interagem su-
sual e telemática. É possível, como se demonstrar, perpostas, interligadas, somadas, não separadas.
integrar diversas tecnologias com a finalidade de Daí a sua força. Atingindo todos os sentidos e
inovar o ensino. de todas as maneiras, a televisão e o vídeo nos
  Integrar os meios de comunicação na escola seduzem, informam, entretêm, projetam-nos
em outras realidades (no imaginário), em outros
Antes de a criança chegar ao ambiente escolar,
tempos e espaços. Sem dúvida eles (televisão e
ela já passou por processos de educação muito
vídeo) encontraram a fórmula de comunicar-se
importantes: primeiro, o processo educacional
com a maioria das pessoas, tanto crianças como
no interior de sua família; depois, o processo de
adultos. A linguagem da TV e do vídeo respondem
educação que a mídia eletrônica exerce sobre ela.
a sensibilidade dos jovens e da grande maioria da
No segundo caso, o exemplo mais concreto é o
população adulta. São dinâmicas dirigem-se antes
da televisão. Esta desenvolve formas sofisticadas
à afetividade do que a razão. O jovem lê o que
multidimensionais de comunicação sensorial,
pode visualizar, precisa ver para compreender. Toda
emocional e racional, superpondo linguagens e
sua fala é mais sensorial-visual do que racional e
mensagem que facilitam a interação com o públi-
abstrata. Lê, vendo!
co. Os meios de comunicação, em especial a TV,
operam imediatamente com a sensível, com o con-  Propostas de utilização da televisão e do vídeo
creto, em especial com a imagem em movimento. na educação escolar:
Combinam a dimensão espacial com a sinestésica.2 1. Começar por vídeos mais simples para depois
Ao mesmo tempo, utiliza uma linguagem con- exibir os mais complexos e difíceis, tanto do
ponto de vista temático quanto tempo.
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ceitual mais formalizada e racional. Na televisão


imagem, palavras e música integram-se dentro 2. Vídeo como sensibilização. Um bom vídeo pode

234
234
2 O Sinestésico tem a ver com aquele que é “sensorial”, ou seja, aquele que é capaz de fundir, ou misturar, diferentes sentidos humanos.
Exemplos de sinestesia: algumas pessoas sinestésicas conseguem ouvir um movimento visual (audição + visão), conseguem sentir cheiro ou
jan/2017 gosto de uma imagem visual (olfato ou paladar + visão), outros ainda conseguem visualizar cores ao ouvir uma música (visão + audição).
introduzir um novo assunto e despertar no aluno dizem as cenas? Quais suas consequências e
a curiosidade em Pesquisar mais sobre o tema. aplicações?
3. Vídeo como ilustração. O vídeo pode ser usado   4. Análise funcional: antes da exibição escolher
para mostrar o que se discutir em sala de aula, algumas funções ou tarefas para que os alu-
para compor o cenário desconhecido dos alu- nos as cumpram durante a exibição. Ao fim,
nos. O vídeo com ministração é uma maneira socializar as anotações na lousa.
de trazer para sala de aula realidades distantes   5. Análise da linguagem: se perguntar I) história
e não vividas pelo educando. contada? II) como é contada essa história?
4. Vídeo como simulação. O vídeo pode simular III) que ideias passa claramente o filme? IV)
experiências de química que seriam perigosas qual sua ideologia?
em laboratório exige muito tempo de curso.   6. Completar o vídeo: exibição filme até deter-
É uma forma mais sofisticada de ilustrar um minado ponto e pede para que os alunos criem
conceito. Um vídeo pode por exemplo, mostrar um final da história. Depois compare a his-
o crescimento acelerado de uma planta de uma tória real do filme com a criada pelos alunos.
árvore em poucos segundos.
  7. Modificar o vídeo: os alunos procuram víde-
5. Vídeo como conteúdo de ensino. Vídeo que os e outros materiais audiovisuais sobre um
mostra determinado assunto de forma direta ou determinado assunto. Modificam, adaptam,
indireta, no primeiro caso quando informa sobre editam, narram. Criam um novo material
um tema específico orientando sua interpretação; adaptado a sua realidade a sua sensibilidade.
no segundo caso quando aborda um tema permi-
  8. Vídeo produção. Produz-se um vídeo a partir
tindo múltiplos enfoques interdisciplinares.
de pesquisas de jornal, revista, entrevista com
6. Vídeo como produção. É usado todas as vezes que pessoas.
no lugar de consumidor da produção o professor e
  9. Vídeo dramatização: conta-se uma história
sua sala passam a ser produtores dos vídeos. Esses
no vídeo.
podem ser usados em diversos contextos, podem
ser, também, material para avaliação. 10. Comparar versões: procurar ver os pontos
7. Vídeo espelho. Permitimos nos vermos na convergentes e divergentes de narrativas,
tela para corrigirmos eventuais cacoetes. Além versões, adaptações de uma mesma obra para
disso o vídeo espelho serve para analisar um do texto escrito para o cinema.
grupo e os papéis e cada um para acompanhar O computador e internet:
o comportamento do ponto de vista participa- propostas metodológicas
tivo para incentivar os mais retraídos e pedir
Os computadores, e tanto mais os celulares/
aos que falam muitos para que dê mais espaço
smartphone, tornaram-se o meio mais poderoso
aos colegas.
de comunicação e informação que comunidade
 Algumas dinâmicas de análise da televisão e já produziu. Com internet podemos modificar
do vídeo mais facilmente a forma de ensinar e aprender
  1. Análise em conjunto: o professor exibe as cenas tanto nos cursos presenciais quanto no a dis-
mais importantes e as comenta/discute junto tância. São muitos e variados os caminhos que
com os alunos, com base no que estes destacam internet nos apresenta. O professor, que precisa
ou pergunta. É uma conversa sobre o vídeo. se aproximar e estabelecer um elo de empatia
  2. Análise globalizante: abordar como os alunos, com seu aluno, pode usar uma página de inter-
depois da exibição, essas quatros questões: net pessoal na qual além de se apresentar pode
I) aspectos positivos do vídeo? II) aspectos disponibilizar neste meio cursos, canais e links
negativos? III) principais ideias que o vídeo com os seus alunos.
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passa? IV) o que eles mudariam no vídeo? “Hoje temos acesso a programas que facilitam
 3. Leitura concentrada: recolher uma ou duas a criação de ambientes virtuais, colocam alunos e
235
235
cenas marcantes e revê-las uma ou mais vezes professores juntos na internet [ambientes nos quais]
e perguntar o que chama mais atenção? O que professor pode disponibilizar o seu curso, atividades jan/2017
dos alunos, participar de pesquisa em grupo, discutir precisa ter como projeto político a procura de
assuntos nos fóruns ou chats”. (P. 46). formas de diminuir a distância que separa os que
O professor pode usar a ferramenta simples da podem e os que não podem pagar pelo acesso à
internet para melhorar sua interação presencial informação. Deste ponto de vista, a sociedade
virtual com todos os alunos, tais como: precisa voltar suas atenções às escolas públicas e às
1.  Lista eletrônica/fórum. comunidades carentes, uma vez que são estas que
devem ter o acesso garantido à informação, para
Aulas pesquisas. É possível transformar uma
2. 
não ficarem condenadas à segregação definitiva,
parte da aula em processos contínuos de in-
ou ter um “ensino de quinta classe” (sic).
formação, comunicação e pesquisa. Nas aulas
pesquisas, os professores e os alunos procuram Conseguida a disseminação da tecnologia em
novas informações, cercam com problema, todas as classes, o nível seguinte será o de auxiliar
desenvolvem uma experiência, avançam em os professores na utilização pedagógica da internet
campo desconhecido. O professor motiva, dá os e dos programas multimídicos. É preciso ensiná-lo a
primeiros passos para sensibilizar o aluno para fazer pesquisa. O corpo docente precisa ser educado
o valor do que vai ser feito, para a importância tecnologicamente, em todas as formas de pesquisas.
da participação do aluno no processo. Aluno A internet nas escolas pode ser utilizada para o
motivado e com participação ativa avança mais, trabalho com uma classe ou um projeto voluntário,
facilita todo trabalho do professor. O papel do que envolva, portanto, pessoas fora da escola. A
professor agora é o de gerenciador do processo internet permite, também, que a escola integre seu
de aprendizagem, é o coordenador de todo o projeto com vários outros colégios, outras cidades
andamento adequado, o gestor das diferenças ou, ainda quem sabe, outros países. Nesse sentido,
e convergências. Em síntese “os grandes temas a internet permite a presença da interdisciplinari-
da matéria são coordenados pelo professor, dade ao criar condições para integrar professores,
iniciados pelo professor, motivados pelo pro- escolas e sistemas de ensino.
fessor, mas pesquisados pelos alunos, às vezes  Questões que a internet coloca ao professor
todos simultaneamente – ora em grupo, ora Diante de tantas possibilidades que a internet
individualmente” (p.29). oferece aos professores em sala de aula é neces-
3. Construção cooperativa. A internet favorece sário que se acendam algumas luzes amarelas. A
a construção cooperativa, trabalho conjunto navegação é sedutora e pode ser substituída pelo
entre professores e alunos, próximos física ou árduo trabalho de interpretação das informações:
virtualmente. É possível fazer a construção “Os alunos tendem a dispersar-se diante de tantas
coletiva de uma página na internet para sala de conexões possíveis, de endereços dentro de outros
aula, na qual os alunos postem seus trabalhos. endereços, de imagens e textos que se sucedem
Em relação professor, o seu papel muda pois ininterruptamente. [Os alunos] colocam os dados
são repensadas na produção coletiva os limites em sequência mais do que em confronto” (52).
de espaço tempo e comunicação. Espaço de Isso se deve, parece claro, em razão do deslum-
trocas aumenta quando saímos da sala de aula bramento diante de tantas possibilidades que a
física para a aula virtual; a troca de informações internet lhe oferece. É muito mais fácil navegar
amplia-se para os sete dias da semana, e não descobrindo novas coisas do que as analisar e as
mais um dia da aula. comparar com aquelas que já sabemos. É o pro-
 Preparar os professores para utilização do com- fessor que deve dirigir a pesquisa e análise dos
putador e da internet. dados, sem deixar que seus alunos se dispersem
O primeiro desafio é se dar conta da necessi- durante o caminho.
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dade de que haja sala de aula (não laboratórios) Se bem conduzido pelo professor, a internet
conectada à internet; salas de aulas preparadas e pode ajudar a desenvolver a intuição, a flexibilidade
adequadas à pesquisa. É preciso, nente sentido, mental, a adaptação, ritmos diferentes de aprendi-
236
236
que professor e aluno tenham facilidade no acesso zagem e cooperativa, a pesquisa em grupo e a troca
jan/2017 à rede. Para uma escola do século 21, a sociedade de resultados. A interação bem-sucedida aumenta
a aprendizagem. Na internet desenvolvemos, além ser feitas virtualmente, todas as outras podem.
disso, novas formas de comunicação, em especial a Contudo, com a tecnologia até mesmo o conceito
escrita, na medida em que na internet escrevemos presencial se alterará. Presencial poderá ser uma
de forma mais aberta, hipertextual, conectada, videoconferência.
multilinguística, aproximando texto e imagem,  Alguns caminhos para integrar as tecnologias
“[…] outro resultado comum à maior parte dos no ensino inovador
projetos na internet confirma a riqueza de intera- É fato que na sociedade informatizada do século
ções que surgem, os contatos virtuais, a amizade, 21, estamos reaprendendo a nos comunicar. Isso
as trocas constantes com outros colegas, tanto por quer dizer que devemos também reaprender a
parte do professor como de alunos. Os contatos ensinar, já que o ensino se faz na comunicação, no
virtuais transformam-se, o quanto possível, em diálogo entre professor e alunos. Uma das formas
presenciais” (p. 54). de ensinar de forma diferente é chegar ao aluno por
 Mudanças no ensino presencial com tecnologias todos os caminhos possíveis, experiência, imagem,
Está em curso, ainda que não explicitamente, som, dramatizações, simulações. “Ensinar não
uma profunda revolução na educação por conta é só falar, mas se comunicar, com credibilidade,
dos avanços da tecnologia. É possível vislumbrar falando de algo que conhecemos e vivenciamos e
e não a longo prazo o momento em que “haverá que contribua para que todos avancemos no grau
uma integração profunda entre a sociedade e a es- de compreensão do que existe” (62).
cola, entre aprendizagem e a vida. A aula não é um
espaço determinado; tempo espaços contínuos de Parte II: Projetos de
aprendizagem. Os cursos serão híbridos no estilo aprendizagem colaborativa num
na presença das tecnologias nos requisitos" (p. paradigma emergente
56). Cada vez mais nós nos distanciamos do mo- Marilda Aparecida Behrens
delo no qual a aula se limita dentro de um tempo
No século 21, a humanidade se transformou
determinado e o espaço ilimitado. As tecnologias
como nunca, a partir do que ficou conhecido
transformam o ensino presencial integrando todos
como o advento da sociedade do conhecimento e
os tempos e lugares. O ensino será híbrido.
a globalização. Nesse novo contexto, a educação
 Quando vale a pena encontraremos na sala de ganhou escala planetária, mundial, isto é, a educa-
aula? ção foi globalizada. A sociedade industrial dá lugar
A tecnologia trará a flexibilidade dos espaços a sociedade do conhecimento, a qual está voltada
e tempos na educação, assim, como regra ampla: para a produção intelectual com o uso intensivo
“podemos encontrar-nos fisicamente no começo e de tecnologias.
no fim do novo tema de um assunto importante. Esse processo de mudança paradigmática atinge
No início, para colocar esse tema dentro de um todas as instituições e, como não deveria deixar de
contexto maior, para motivar os alunos, para que ser, atinge a escola e os diversos níveis de ensino.
percebam o que vamos pesquisar para organizar O advento dessas mudanças exige da população
como vamos pesquisá-lo. [...] os alunos voltam a uma aprendizagem constante.
sala de aula um tempo depois para apresentar seus O mundo que foi construído a partir das ideias
resultados” (p. 57). newtoniana-cartesiano – isto é, a posição mecani-
 Equilibrar o presencial e o virtual cista e reducionista do conhecimento que levou
É fundamental fazer a síntese dos dois mo- a sua fragmentação – vem sendo superado pelo
dos de comunicação, valorizando o que há de paradigma da sociedade do conhecimento, que
melhor e cada um deles: estar juntos fisicamente propõe a integração do saber. Em suma, trata-se
de reconectar o conhecimento que foi fragmentado
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é importante em determinados momentos fortes


para se conhecer, criar elos, confiança, afeto. Já em partes e reuni-lo no todo.
conectados, podemos realizar trocas de informa- Por outro lado, a globalização é acentuada pelo
237
237
ções mais rápidas, mais cômodo e mais prática. neoliberalismo, modelo econômico, que apregoa
Há algumas dimensões do ensino que não podem a competição, o individualismo, e a eficiência. A jan/2017
exigência de uma economia globalizada afeta dire- A era digital e a aprendizagem
tamente a formação dos profissionais em todas as colaborativa
áreas do conhecimento, em especial a do professor. Não há nada que dê melhor a dimensão do
Nesse sentido, “o novo desafio das universidades que seja o ensino na sociedade do conhecimento
é instrumentalizar os alunos para o processo de do que expressão ‘aprendizagem colaborativa’. Na
educação continuada que deverá acompanhá-lo em medida em que todos os estão conectados, como
toda sua vida” (p. 71). Nesse sentido, no contexto de numa grande rede, a informação pode fluir por
formação contínua e permanente, o professor precisa todos os fios desta cadeia, de modo que cada um
entender que sua função pedagógica não é fornecer dos seus pontos tenha acesso a ela. A soma de todas
aos alunos informações, mas ajudá-los a compreender as partes interagindo constrói algo maior do que
as que já tem, e a buscar novas. Ou seja, “universo a soma das partes isoladas.
de informações ampliou-se de maneira assustadora
Professores que ainda estão ligados ao para-
nas últimas décadas, portanto o eixo da ação docente
digma antigo de ensino, o qual centrava-se sobre
precisa passar do ensinar para enfocar o aprender e
principalmente o aprender a aprender” (p.71). a linguagem oral e escrita, as quais tomava forma
na repetição e na decoração de datas, números, fór-
A produção do saber nas áreas do conhecimento
mulas, têm um desafio de mudar o eixo de ensino.
demanda ações que levem o professor e o aluno a
Essa transição deve ser compreendida a partir das
buscar processos de investigação e pesquisa. O fa-
ideias desenvolvidas por Pierre Lévy.
buloso acúmulo de informações gera a necessidade
de aprender acessar as informações. O acesso ao De acordo com Lévy, hoje há três formas
conhecimento, em especial a rede informatizada, diferentes sobre as quais o conhecimento se apre-
desafia o docente a buscar novas metodologias senta: a oral, a escrita, - e diferente de todas as
para atender as exigências da sociedade. Diante épocas da humanidade –, a digital. Embora essas
dessa realidade, o professor tornar-se-á um inves- três formas coexistam é fato que o conhecimento
tigador, um pesquisador do conhecimento, crítico digital vem se apresentando com uma significativa
e reflexivo. Disso tudo fica claro que o docente velocidade de comunicação. O reconhecimento da
inovador precisa ser criativo, articulador e, prin- era digital como uma nova forma de categorizar
cipalmente, parceiro de seus alunos no processo o conhecimento não implica em descartar todo o
de aprendizagem. caminho trilhado pela linguagem oral e escrita até
o momento, mas implica que: “A linguagem digital
O aluno, por sua vez, precisa ultrapassar o pa-
apresenta-se nas tecnologias eletrônicas de comu-
pel passivo de escutar, ler, decorar e de repetidor
nicação e na rede de informação. O paradigma na
fiel dos ensinamentos do professor para tornar-se
crítico, pesquisador e atuante na produção do co- era digital, na sociedade da informação, enseja uma
nhecimento, sempre em parceria com o professor. prática docente assentada na construção individual
Em suma “professores e alunos precisam aprender e coletiva do conhecimento” (p.74)
a aprender como acessar a informação, onde buscá- Na era digital o professor precisa saber que
-las e o que fazer com elas” (p72). pode romper barreiras mesmo dentro da sala de
Espera-se que os docentes universitários, face aula, criando possibilidades de encontros presen-
ao novo paradigma e as novas abordagens meto- ciais e virtuais que levem o aluno acessar as infor-
dológicas, possam contemplar dois polos em suas mações disponibilizadas no universo da sociedade
práticas pedagógicas: de um lado formar para do conhecimento. A abertura de novos horizon-
cidadania; de outro, contribuir para a produção do tes, mais próximos da realidade contemporânea
conhecimento compatível com o desenvolvimento e das exigências da sociedade do conhecimento,
tecnológico contemporâneo. Em outros termos, dependem de uma reflexão crítica do papel da in-
formática na aprendizagem e dos benefícios que a
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trata-se de aliar a formação ética-humanística aos


desafios tecnológicos científicos, sob pena de era digital pode trazer para o aluno como cidadão
construir uma sociedade produtiva e ao mesmo Só é possível romper com o conservadoris-
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tempo agressiva racional e desumana acentuando mo se o professor conseguir compreender que
jan/2017 os problemas e as injustiças sociais. a linguagem digital deve somar-se à linguagem
oral e escrita. Nesse processo de incorporação, é i. Aprender a conhecer: Esse tipo de aprendi-
necessário que haja uma reformulação na concep- zagem que visa não tanto aquisição de um
ção de ensinar do professor. Ao incorporar uma repertório de saberes codificados, mas antes
metodologia inovadora em sua prática em sala de ao domínio dos próprios instrumentos de
aula, o professor deve entender que a sala de aula conhecimento que pode ser considerado simul-
é um Locus privilegiado como ponto de encontro taneamente como meio e como finalidade da
para acessar o conhecimento, discuti-lo, depurá-lo vida. Em outros termos, aprender a conhecer
e transforma-lo. O professor, como parceiro dos implica em ter prazer de compreender, de
alunos, desencadeia uma aprendizagem coope- descobrir, de construir e reconstruir o conhe-
rativa para buscar a produção do conhecimento. cimento, autonomia, atenção.
Na aprendizagem colaborativa, o desafio do ii. Aprender a fazer: Aprender a fazer não pode,
professor é construir uma abordagem pedagógica pois, continuar a ter o significado simples de
que valorize aprendizagem em rede, além do tra- preparar alguém para fazer tarefa material
balho, ao mesmo tempo, com as oito inteligências: bem determinada, para fazê-lo participar no
espacial, interpessoal, intrapessoal, cinestésico- fabrico de alguma coisa. Como consequência,
-corporal, linguística ou verbal, lógico-matemática as aprendizagens devem evoluir e não podem
musical e naturalista. Além do desenvolvimento mais ser consideradas como simples trans-
das múltiplas inteligências, é fundamental pensar missão de práticas mais ou menos rotineiras,
na oportunidade de desenvolver a inteligência embora estas continuem a ter um valor forma-
emocional. Os desenvolvimentos das inteligências tivo que não é de desprezar. Aprender a fazer,
devem ser focados a partir de três eixos, 3cs: co- trata-se de ir além das tarefas repetitivas, mas
municação colaboração e criatividade. de buscar o fazer na criação com criticidade e
A relação professor-aluno na aprendizagem cola- autonomia. Como consequência, aprender a
fazer vem coligado com o desenvolvimento
borativa contempla a inter-relação, interdependência
de aptidões que levam a pessoa a atuar na sua
dos seres humanos, que deverão ser solidários ao
profissão com mais competência e habilidade.
buscar caminhos felizes para uma vida sadia deles
próprios e do planeta. Esse processo é preciso empre- iii. Aprender a viver juntos: É levar o aluno a
ender projetos que privilegiem uma relação dialógica tomar consciência das semelhanças e da inter-
e que permitam ao professor e ao aluno aprender a dependência entre todos os seres humanos no
aprender, num processo colaborativo, para a produção planeta. Deve-se acrescentar aí, a aprendiza-
do conhecimento. A relação é de parceiros solidários gem de conviver harmoniosamente com todos
que enfrentam desafios de problematização do mun- os seres vivos, homem e animais, além do mar,
do contemporâneo e se apropriam da colaboração, da terra e do ar. Se aprende a viver junto à
cooperação e da criatividade, na aprendizagem cola- medida que se descobre o outro, participando
borativa, ativa e transformadora. em projetos comuns. Projetos de cooperação
são uma forma de aproximar as pessoas para
Quatro pilares da aprendizagem que elas desenvolvam a percepção dos seus
colaborativa semelhantes e construam uma integração entre
Em 1998 Jacques Delors coordenou o “Re- os indivíduos.
latório para Unesco da comissão internacional iv. Aprender a ser: A educação deve contribuir
sobre educação no século 21" no qual apontou que para o desenvolvimento total da pessoa, espí-
característica da educação no século 21, em razão rito e corpo, inteligência, senilidade, sentido
da sociedade do conhecimento, é seu caráter pere- estético, responsabilidade pessoal, espirituali-
ne, isto é, uma educação que deve continuar para dade. Todo o ser humano deve ser preparado,
Nº 10 • Abril/99

vida toda. A proposição manifestada por Delors especialmente, graças à educação que recebe na
apresenta para educação uma aprendizagem ao juventude, para elaborar pensamentos autôno-
longo de toda vida assentada em quatro pilares: mos e críticos e para formular os seus próprios
239
239
i) Aprender a Conhecer, ii) Aprender a Fazer; juízos de valor, de modo a poder decidir. Por
iii) aprender a viver juntos; e iv) Aprender a Ser. isso, mesmo como agir nas diferentes circuns- jan/2017
tâncias da vida, cabe à escola tornar possível abordagem progressista e do ensino com pesquisa.
o desenvolvimento desses quatro pilares. Os Esses três instrumentalizados pelo uso inovador
profissionais preparados para o século 21 da tecnologia. A conjunção, a interconexão o
deverão ser criativos, críticos, autônomos, inter-relacionamento da teia formada por estas
questionadores, participativo e, principalmen- abordagens possibilitam a aproximação e referen-
te, transformadores da realidade social. ciais significativas para a prática pedagógica. A
dimensão e alcance da aliança dependem da opção
Paradigma emergente e do aprofundamento teórico-prático que cada
na prática pedagógica docente tiver o entusiasmo e arrojo de construir.
Um paradigma inovador que vem atender os O ensino com pesquisa: defende-se apren-
I. 
pressupostos necessários às exigências da socie- dizagem baseada na pesquisa para a produção
dade do conhecimento tem sido denominado de do conhecimento, superando a reprodução, a
paradigma emergente. Por esse conceito, deve-se cópia e a imitação referenciada no pensamento
entender a busca da visão de totalidade, o enfoque de outro. Busca-se defender a pesquisa como
da aprendizagem e o desafio de superação da re- princípio educativo e não apenas como princípio
produção para a produção de conhecimento. Em científico. A concepção do ensino com pesquisa
outros termos, é uma ação pedagógica que leva tem como pressuposto básico o processo de
a produção de conhecimento com autonomia, produção do conhecimento. O aprendiz que é
com criatividade, com criticidade e com espírito movido pela dúvida encontrará prazer na desco-
investigativo, de tal modo a usar o conhecimento berta, na criação e na pesquisa. Nesse processo
numa nova interpretação da realidade no lugar de de aprender a aprender, o professor deve intervir
aceitar passivamente as interpretações já dadas. propondo situações que levem o aluno acessar
Aprendizagem colaborativa precisa ter como o conhecimento para refletir sobre ele e discuti-
referência uma prática pedagógica, a partir da -lo, ao contrário das lineares que vem sendo
perspectiva do paradigma emergente, tal como apresentadas. Em síntese, o procedimento pro-
acabamos de indicar no último parágrafo. Para posto (ensino com pesquisa), leva a uma prática
alicerçar uma prática pedagógica compatível pedagógica que alia ações que levem o aluno
com as mudanças paradigmática da ciência num a problematizar, observar, comparar, acessar,
paradigma emergente acredita-se que isso só é criticar, sistematizar, produzir conhecimento e
possível com uma aliança de abordagens pedagó- se posicionar diante da realidade.
gicas, formando uma verdadeira teia que integre: Abordagem Progressista: Ela tem como pres-
II. 
i) da visão holística; ii) a abordagem progressista suposto básico a busca pela transformação social.
e iii) o ensino com pesquisa. Soma-se a estes três Os professores progressistas, como intelectuais
elementos, a tecnologia. transformadores, promovem processos de mu-
Esta aliança ou teia proposta a partir das três dança manifestando-se contra as injustiças so-
abordagens permitem uma prática pedagógica ciais, as atitudes antiéticas e as injustiças políticas
competente que dê conta dos desafios da sociedade e econômicas. No processo de diálogo, instigam
moderna, a qual exige uma inter-relação às aborda- seus alunos a buscar soluções que permitam ao
gens para sua compreensão. As teias de abordagens homem uma melhor qualidade de vida. Essa vi-
só se efetivarão com a instrumentalização de uma são política do professor leva ao cumprimento de
tecnologia inovadora servindo como instrumento tornar possível uma aprendizagem significativa,
o computador e a rede de informações. Estes apa- reflexiva, crítica e transformadora na construção
recem como suportes relevantes na proposição de da cidadania. A abordagem progressista, como
uma ação docente inovadora. se vê, torna-se o pilar da ética democrática que
envolve processos de companheirismo, solidarie-
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Paradigma emergente numa aliança dade e de entreajuda, de responsabilidade social


de abordagens pedagógicas e espírito de cidadania.
240
240
Defende-se para o paradigma emergente uma III. A
 visão holística: A proposição da visão holís-
jan/2017 aliança entre os pressupostos da visão holística, da tica contempla processo de construção de uma
sociedade a partir da formação de homens e processo de aprender a aprender.
mulheres que se pautam nos princípios éticos
da dignidade humana, da paz, da justiça, do
A tecnologia da informação
respeito, da solidariedade e da defesa do meio
e o avanço dos procedimentos.
ambiente. A visão holística busca a perspectiva A tecnologia de informação pode contribuir
interdisciplinar, em contraponto com a fragmen- com pelo menos sete procedimentos
tação, a compartimentação do conhecimento. O 1. a tecnologia de informação encorajar o contato
processo educativo numa abordagem holística entre estudantes e universidades;
implica aprender a conhecer, aprender a fazer, 2. a tecnologia de informação criar condições para
aprender a conviver e aprender a ser. Conce- cooperação entre estudantes;
bendo o universo como uma totalidade divisa, 3. a tecnologia de informação ser o meio pelo
a visão holística apresenta o mundo como um qual se concretiza a aprendizagem colaborativa;
complicado tecido de eventos no qual conexões
4. a tecnologia de informação possibilitar o re-
de diferentes tipos se alternam, se sobrepõe ou
torno de respostas imediatas às dúvidas dos
se combinam e, por meio disso, determinam a
alunos;
textura do todo. A visão holística recebe outras
denominações como ecológica ou sistêmica. A 5. a tecnologia de informação possibilitar estender
visão sistêmica ou holística apresenta, desta for- o tempo para as tarefas para além do horário
ma, o sentido da uma rede de teia, de conexão, de presencial de aula;
sistemas integrados. O docente com uma visão 6. a tecnologia de informação, pelo fato de dar
holística propícia ações que levam a criação e o publicidade aos trabalhos dos alunos, criar alta
desenvolvimento da imaginação, de atividades expectativa de retorno (de feedback) aos alunos
que promovem a aprendizagem contemplando de seu desenvolvimento.
o homem como um todo. Daí uma visão ho- 7. a tecnologia de informação dar condições para
lística implica em estimular no aluno ações que respeitar os talentos e modos de aprender de
lhe possibilitem contemplar as funções dos dois cada aluno.
lados do cérebro buscando o desenvolvimento A realidade virtual na era digital é uma nova
harmonioso das dimensões da totalidade pesso- dimensão que pode ser oferecida como recursos
al: física, intelectual, emocional e espiritual. O de aprendizagem. A tecnologia na realidade vir-
processo pedagógico que leve em consideração tual tem-se caracteriza como Cyber-espaço, que
os oito diferentes tipos de inteligência possibili- comporta o Espaço Interativo das possibilidades
tará indivíduos com uma visão interdisciplinar. computacionais. O cyber-espaço é uma rede que
IV. Tecnologia como ferramenta para apren- torna todos os computadores participantes e seus
dizagem colaborativa. Os alunos devem ser conteúdos acessíveis e/ou disponíveis aos usuários
beneficiários da tecnologia da informação de qualquer computador ligado a esta rede. Não
que, além da internet, ofereça a eles diversos é somente o espaço de armazenamento, mas o
tipos de programas aplicados à educação qual o usuário pode interagir, fazer coisas, pode
como: exercitação, tutoriais aplicativos, jogos, criar, ou tomar emprestado uma sala virtual en-
linguagem, programas de autoria, editores contraram outros usuários. Em poucas palavras, o
de texto e simulação. Torna-se importante cyber-espaço é o espaço no qual as possibilidades
considerar que esses recursos informatizados dependem da criatividade do homem para buscar
estão disponíveis, mas dependem de projetos uma aliança entre a computação e interação, para
educativos que levem à aprendizagem e que criação e armazenamento, e, principalmente, de
possibilitem o desenvolvimento do espírito acesso à informação com possibilidade de produ-
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crítico e de atividades criativas. O recurso por ção de conhecimento crítico e criativo. Os recursos
si só não garante a inovação, mas depende de informática não são o fim da aprendizagem,
de um projeto bem arquitetado, alimentado mas meios que podem instigar novas metodologias
241
241
pelos professores e alunos que são usuários. que levem o aluno “a aprender a aprender” com
O computador é a ferramenta auxiliar no interesse, com criatividade, com autonomia. jan/2017
O paradigma emergente e aprendizagem e não receitas prontas e acabadas, optou-se por
colaborativa baseada em projetos descrever algumas possibilidades do que pode vir
Atendendo à proposição de aliança entre a a ser desenvolvido em cada fase do projeto peda-
abordagem progressista, o ensino com pesquisa e gógico de aprendizagem. Os projetos criados pelos
a visão holística, denominada ‘paradigma emergen- professores não precisam se apresentar nesta ordem
te’, o professor preocupado com uma ação docente nem contemplar todas as fases. A criação depende
colaborativa dos seus alunos pode propor a me- da Autonomia e da competência do docente.
todologia de aprendizagem baseada em projeto. Projetos de aprendizagem colaborativa
Com a intenção de apresentar uma proposta de num paradigma emergente
ensino baseada em projetos no paradigma emer- A aprendizagem baseada em projetos demanda
gente que leve a uma aprendizagem significativa, um ensino que provoque ações colaborativas num
não se pretende apresentar um esquema fechado. A paradigma emergente instrumentalizado pela tecno-
perspectiva é auxiliar o docente a buscar novos pa- logia inovadora. As fases ou passos propostos não são
radigmas metodológicos com a visão de que cada estanques nem precisam ser ordenados desta maneira
docente pode analisar, refletir e criar seu próprio que estão apresentados. Cabe aos profissionais profes-
projeto. Com o intuito de apresentar sugestões sores analisar e propor seu próprio projeto.

Aprendizagem Para a Sociedade do se apropriar dos conhecimentos disponíveis e produ-


conhecimento: a busca das competências zir conhecimentos próprios. Ao depararem com uma
e da autonomia. proposta metodológica emergente, os alunos podem
Os projetos de aprendizagem possibilitam a apresentar alguma resistência, pois são desafiados a
produção do conhecimento significativo. Os alunos trabalhar de maneira diferenciada. O convencimen-
que se envolvem nesses processos de parceria têm a to e a qualidade de atuar docente no processo de
possibilidade de desenvolver competências, habili- aprendizagem por projetos baseados em situação
dades e aptidões que serão úteis a vida toda. O foco problema dependem da qualidade do professor como
da ação docente passa do ensinar para aprender, por profissional, o que implica uma formação de base e
consequência, focaliza o aluno como sujeito crítico continuada profunda e sólida.
e reflexivo no processo de aprender a aprender,
propiciando-lhe situações de busca, de investigação, Parte III: Mediação pedagógica e
autonomia, crítico, vivência de parcerias, habilidade o uso da tecnologia
exigida para os profissionais no século 21.
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Marcos Tarciso Masetto.


As opções metodológicas num paradigma emer-
gente assentam-se em ações diferenciadas como saber Apresentação.
242
242
pensar, aprender a aprender, aprender a conviver, É necessário, antes de entrar no tema proposto
jan/2017 aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conhecer e - que envolve a análise do uso da tecnologia como
mediação pedagógica -, considerar alguns fatos e professor; iv) o uso da tecnologia.
pressupostos que estão envolvidos na questão do O conceito de ensinar está mais diretamente
emprego da tecnologia. Fatos e pressupostos que, ligado a um sujeito, o professor. O conceito de
sem análise prévia, perdem sentido. São dois: aprender, ao contrário, está ligado mais diretamen-
1. O primeiro deles é o fato de que na educação te ao outro sujeito do processo, ao aluno. Ensino
escolar não se valorizou adequadamente o uso da e aprendizagem são atividades desenvolvidas pelo
tecnologia visando tornar o processo de ensino- professor e aluno, respectivamente. Nas relações
-aprendizagem mais eficiente e mais eficaz. A que estabelecem ambos se desenvolvem. De um
razão dessa desvalorização, com relação ao uso da lado, o aluno, ao questionar a realidade e refletir
tecnologia, se deve, em grande parte, a concepção sobre ela, cresce e se forma como se humano e cida-
a respeito da finalidade da escola como uma instân- dão; do outro lado, o professor tem a oportunidade
cia na qual o patrimônio cultural da humanidade de realizar o seu verdadeiro papel: o de mediador
deve ser preservado e ensinada as atitudes sociais entre o aluno e a sua aprendizagem, o facilitador,
esperadas. Ao lado desta concepção tradicional incentivador e motivador desta aprendizagem.
de sua finalidade, a desvalorização da tecnologia O aluno só cumpre seu papel se, e somente se,
na educação ganhou impulso nas décadas de assumir na aprendizagem um papel ativo e parti-
1950/1960 com a inserção pedagogia tecnicista. cipante, nunca passivo e repetidor. À medida que
O resultado destas (não são as únicas) possíveis ele se torna ativo e participante no seu processo de
causas foi que a desvalorização da tecnologia formação, realizará a autoaprendizagem; à medida
trouxe, muitas vezes, para o campo da educação, que interage com os professores e com os outros
certo descompromisso com o processo de apren- colegas, realizará a interaprendizagem. Busca-se
dizagem, seus resultados e suas consequências na uma mudança de mentalidade, de atitude por parte
formação do homem e do cidadão. do aluno: que ele trabalha individualmente para
2. O segundo fato de desdobram em dois. O primei- aprender, para colaborar com a aprendizagem dos
ro, foi o surgimento da informática e da telemática demais colegas, com um grupo.
que proporcionou aos seus usuários a oportuni- O professor também assumirá uma nova atitu-
dade de entrar em contato com as mais novas e de. Embora ainda desempenhe papel de especia-
recentes informações, e produções científicas do lista, deverá desempenhar, além deste, também o
mundo todo, em todas as áreas do conhecimento. papel de orientador das atividades do aluno, de
O segundo fato novo, que suscita o mesmo tipo consultor e facilitador da aprendizagem, de alguém
de debate, fica por conta da abertura que está que pode colaborar para dinamizar a aprendizagem
havendo no ensino superior, a saber, a formação do aluno, desempenhar o papel de quem trabalha
das competências pedagógicas dos professores em equipe, junto com aluno, buscando os mesmos
universitários, questão fundamental para atuação objetivos; numa palavra, desenvolverá o papel de
docente e aprendizagem de seus alunos. mediação pedagógica.
Esses dois fatos, em que pesem os problemas com A ênfase no processo de aprendizagem exige
a tecnologia, apresentam-se como suficientemente que se trabalhe com técnicas que incentivem a
fortes para exigir um estudo, uma reflexão, uma participação dos alunos, a interação entre eles, a
análise de situação de aprendizagem com tecnologia pesquisa, o debate, o diálogo; que promova uma
adequada, suficiente e necessária, e uma revisão da produção de conhecimento; que permita o exer-
mediação pedagógica nestas circunstâncias. cício de habilidades humanas importantes como
pesquisar em biblioteca, de trabalhar em equipe
A tecnologia no processo de com profissionais da mesma área e de áreas afins,
aprendizagem de apresentar trabalhos e conferências, de fazer
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É impossível dialogarmos sobre tecnologia e comunicações, enfim de dialogar.


educação sem abordarmos a questão do processo
de aprendizagem. Em relação a ele devemos re- Tecnologia e mediação pedagógica
243
243
conhecer quatro elementos: i) o conceito mesmo Fica evidente que este conceito de aprendiza-
de aprender; ii) o papel do aluno; iii) o papel do gem tem a ver com o conceito de desenvolvimento jan/2017
do ser humano como um todo, em suas diferentes VIII. Colaborar para estabelecer conexões entre o
áreas: área de conhecimento, de sensibilidade, de conhecimento adquirido e novos conceitos;
competências e de atitudes ou valores. IX. Fazer a ponte com outras instituições aná-
Após a breve discussão a respeito dos princípios logas;
básicos sobre o processo de aprendizagem, pode- X. Colocar o aprendiz frente a frente com ques-
mos avançar para a discussão e o debate sobre o tões éticas, sociais, profissionais, por vezes,
ponto central deste capítulo, qual seja, como fazer conflitivas;
para que o uso da tecnologia em educação possa
XI. Colaborar para desenvolver crítica com
desenvolver uma mediação pedagógica?
relação à quantidade e a validade das infor-
Deter-nos-emos sobre o conceito de mediação mações obtidas;
pedagógica e os reflexos desta concepção sobre o
XII. Cooperar para que o aprendiz use e comande
uso da tecnologia em três tópicos: i) o que enten-
as novas tecnologias para suas aprendizagens
demos por mediação tecnológica; ii) mediação tec-
e não seja comandado por ela ou por quem
nológica em técnicas convencionais; iii) mediação
a tinha programado;
tecnológica e as novas tecnologias.
XIII. Colaborar para que se aprenda a comunicar
i) o que entendemos por mediação tecnológica
conhecimentos seja por meio de meios con-
Por mediação tecnológica entendemos a
vencionais, por meio de nova tecnologia.
atitude, o comportamento do professor que se
coloca como um facilitador, incentivador ou mo- ii) mediação tecnológica em técnicas convencionais.
tivador da aprendizagem, que se apresenta com As técnicas que se usam para favorecer ou facili-
a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e tar a aprendizagem também podem ser trabalhadas
sua aprendizagem. Não uma ponte estática, uma com uma perspectiva de mediação pedagógica.
ponte rolante, que ativamente colabora para que o Essa perspectiva de mediação pedagógica pode
aprendiz chegue aos seus objetivos. É a forma de se estar presente tanto nas técnicas assim chamadas
apresentar e tratar um conteúdo ou tema que ajuda convencionais como nas apelidadas de novas tec-
o aprendiz a coletar informações, relacioná-las, nologias. Por técnicas convencionais identificamos
organizá-las, manipulá-las, discuti-las, debatê-las aquelas que já existem há algum tempo e que são
com seus colegas, o professor e com outras pes- muito importantes para aprendizagem em proces-
soas (interaprendizagem), até chegar a produzir so presencial. Não tem sido muito frequente nas
um conhecimento que seja significativo para ele, escolas porque os professores não as conhecem,
cimento que se incorpora ao seu mundo intelec- por não dominar em sua prática. Denominamos
tual e vivencial, e que o ajude a compreender sua novas tecnologias aquelas que estão vinculadas
realidade humana e social, mesmo a interferir nela. ao uso do computador, informática, telemática e
São características da mediação pedagógica: a educação a distância.
I. Dialogar permanentemente de acordo com Vamos comentar como as técnicas conven-
o que acontece no momento; cionais podem ser usadas com a característica de
II. Apresentar perguntas orientadoras; mediação pedagógica.
III. Orientar nas carências e dificuldades técnicas Em um primeiro grupo é possível reunir as técni-
ou de conhecimento quando o aprendiz não cas de apresentação simples. Em certas circunstâncias,
consegue encaminha-las sozinho; técnicas podem ajudar os membros do grupo a expres-
sar expectativas ou problemas que estejam afetando
IV. Garantir a dinâmica do processo de apren-
o clima entre eles ou o desempenho de cada um.
dizagem;
São técnicas criadoras de ambientes que favorecem a
V. Propor situações-problema e desafios;
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aprendizagem individual ou grupal. Em um segundo


VI. Desencadear e incentivar reflexões; grupo, podemos colocar as técnicas que permitem que
VII. Criar intercâmbio entre a aprendizagem e a os aprendizes se desenvolvam em situações simuladas,
244
244
sociedade real onde nos encontramos, nos por exemplo, dramatização, desempenho de papéis,
jan/2017 mais diferentes aspectos; jogos dramáticos, jogos de empresa, estudo de caso.
São técnicas que desenvolvem a capacidade de ana- ções por meio de recursos que permitem a esses
lisar problemas, encaminhar soluções e preparar-se interlocutores se encontrarem e enriquecerem-se
para enfrentar situações reais e complexas. Em um com o contato mútuo.
terceiro grupo, podemos reunir técnicas que colocam Sob este aspecto central da concepção da tecno-
o aprendiz em contato com situações reais, são exem- logia - como aquela que aproxima professor e aluno
plos dos estágios, excursões, aulas práticas, visita a - encontramos uma primeira grande diferença entre
obras, indústrias, empresas, enfim, em locais próprios os usuários destas tecnologias: para uns, as tecnologias
das atividades profissionais. Como último exemplo são ótimas para o ensino a distância, no seu sentido
de técnicas convencionais, queremos apresentar a mais estrito. Para outros, a tecnologia, o uso do
estratégia do ensino com pesquisa ou por meio de computador, é reservado apenas como um banco de
projetos. Tais técnicas são poderosíssimas em termos dados no qual ficam armazenados os dados de uma
de aprendizagem, porém são um tanto complexas na disciplina. Para este segundo grupo, a tecnologia, e
medida em que exige tempo maior, compõe-se de o uso da informática na educação, restringe-se a sua
várias partes ou etapas e, por isso mesmo, favorecem dimensão instrucionalista. Para os primeiros, a tec-
sobremaneira a aprendizagem. nologia privilegia a educação a distância, ao processo
Elas, por outro lado, incentivam o aprendiz a do aprender contínuo. O uso da tecnologia permite
buscar informações, dados e materiais necessários. desenvolver, aos olhos deste, a interaprendizagem,
Ajudam-nos a selecionar, organizar, comparar, isto é, a aprendizagem como produto das inter-
analisar, relacionar os dados e informações; a -relações entre as pessoas. Sob este ângulo, então, a
fazer inferências, levantar hipóteses, checá-las, informática e a telemática abrem um outro grande
comprová-las, reformulá-las e tirar conclusões. mundo de experiências e de contatos. Contudo aqui
vale uma ressalva importantíssima: a forma de usar
Parece-nos que a consideração das técnicas con-
as novas tecnologias poderá estar a serviço de uma
vencionais mostra que elas podem se apresentar com
educação que emancipe o aluno ou apenas a serviço
uma forte conotação de mediação pedagógica, ou seja,
do ensino a distância. Dito de outro modo, as novas
como capazes de se constituírem como instrumento
tecnologias dependem de professores preparados
de aprendizagem significativa, de aprendizagem que
para usa-las ou serão usados por elas, a depender do
significa desenvolvimento da totalidade humana.
interesse econômico envolvido.
iii) mediação tecnológica e as novas tecnologias
As novas tecnologias devem estar voltadas para
Por novas tecnologias em educação, estamos colaborar com o processo de aprendizagem. Assim
entendendo o uso da informática, do computador, todas elas:
internet, CDROM, da hipermídia, multimídia,
 Teleconferência.
ferramentas para educação a distância, dos aplica-
  Chat ou bate-papo.
tivos de celular e de outros recursos e linguagens
  Listas de discussão.
digitais e que atualmente dispomos e que podem   Correio eletrônico.
colaborar significativamente para tornar o processo   Uso da internet.
de educação mais eficiente e mais eficaz.  CD-ROM.
Essas novas tecnologias cooperam sobrema-   Aplicativos de celular.
neira para o desenvolvimento da educação em   Pacote Office.
sua forma presencial, física. Cooperam também e, Todas elas são apenas meios e não fins em
principalmente, para o processo de aprendizagem si mesmo. A aplicação correta dessas novas tec-
a distância, virtual, uma vez que foram criadas para nologias pode favorece a autoaprendizagem e a
o atendimento dessa nova realidade e modalidade interaprendizagem, tanto na situação educativa
de ensino. presencial como na a distância. Nós as entendemos
Nº 10 • Abril/99

As novas tecnologias exploram o uso da e as valorizamos numa perspectiva construcionista


imagem, do som e do movimento simultanea- que pressupõe seu uso com uma característica de
mente; coloca professores e alunos trabalhando e mediação pedagógica, incentivando a participação
245
245
aprendendo a distância, dialogando, discutindo, e o envolvimento do aprendiz entre os participan-
pesquisando, perguntando, comunicando informa- tes, uma utilização de técnicas e máquinas que per- jan/2017
mite visualizar um problema sua possível solução, atual que o interlocutor está vivendo, para que
discutir o processo, usar criticamente a solução não haja ruídos de comunicação.
desenhada, revê-las à luz de outras informações VI. Todo feedback tem que ser dado de forma
e ideias novas. Sem dúvida, essas técnicas podem clara e direta.
mediatizar pedagogicamente a aprendizagem.
VII. Além do feedback contínuo, é preciso que o
Tecnologia avaliação e mediação pedagógica. professor desenvolva registros de todos os
Avaliação, indubitavelmente, pode ser motiva- aprendizes. Uma ficha individual dos alunos
dora da aprendizagem. Com efeito, muitas vezes o com os registros de seus avanços.
que acontece é a perda de todo o trabalho docente VIII. O professor também deve receber um fee-
inovador por não se cuidar coerentemente do pro- dback do seu desenvolvimento.
cesso de avaliação, ou em outras palavras: perde-se
IX. Por fim as avaliações tanto presenciais quan-
todo um trabalho novo porque a avaliação é feita
to à distância devem permitir que os alunos
do modo mais tradicional e convencional que se
e os professores desenvolvam auto avaliação
conhece. Por esta razão, é necessário nós termos
e a registrem.
alguns pontos básicos, no que concerne a avaliação.
I. Considerar o processo de avaliação inte- O professor como mediador pedagógico
grado ao processo de aprendizagem, que Para que as estratégias funcionem como me-
funcione como um elemento motivador e diadores de aprendizagem é imprescindível que
incentivador da aprendizagem. o professor que planeja e organiza esteja imbuído
II. É preciso alterar a cultura dos alunos e a prática de uma nova perspectiva para seu papel: o de ser
dos professores, os quais reduzem avaliação um mediador pedagógico. Para isto, é preciso levar
ao processo de obtenção de uma nota final. em conta características fundamentais:
Na verdade, a nota é o que menos importa. 1) Colocar o aprendiz no centro do processo de
É preciso, numa perspectiva de mediação pe- ensino
dagógica, que a avaliação seja contínua. Só há 2) Confiar sempre no aluno
uma avaliação nos casos nos quais os alunos
3) Se co-responsabilizar pelo desenvolvimento
recebem a devolutiva de suas produções para
de seu aluno
melhorá-las.
4) Considerar o aluno como um ser capaz
III. Avaliação tem que ser um processo de fee-
dback ou de retroalimentação que traga ao 5) Demonstrar profundo domínio e competência
aprendiz informações necessárias, oportu- na sua área de conhecimento
nas e no momento em que ele precisa para 6) Ser criativo para oferecer situações novas e
que desenvolva sua aprendizagem. inusitadas aos alunos
IV. O feedback não precisa obrigatoriamente 7) Estar disponível ao diálogo
ser dado pelo professor, ele pode vir de um 8) Levar em consideração a subjetividade e indivi-
grupo de alunos que se auto avaliam. O fee- dualidade tanto do professor quanto do aluno
dback da produção do aluno, muito mais do 9) Se comunicar e se exprime sempre em função
que indicar onde se errou ou se acertou, tem da aprendizagem.
por finalidade incentivar o aluno a avançar
ainda mais para além do que já aprendeu. Encerrando esta parte...
V. A informação que se oferece ao aluno como Isto foi o que esperamos: que nossos leitores,
retorno de sua atividade deve ser dada em um dando prosseguimento a estas considerações com
diálogo imediato. No feedback é preciso olhar suas próprias reflexões e vivências pedagógicas,
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o aluno nos seus olhos. Quando feedback é possam retornar a sua docência com novo ânimo
dado no processo de educação a distância, é e com novas propostas para serem implementadas,
fundamental que o professor tome extremo propiciando melhores condições de aprendizagem
246
246
cuidado com a redação. É imprescindível para nossos alunos e maior gratificação para nós
jan/2017 sempre contextualizar a mensagem na situação em nosso trabalho docente.
TRIGO, João Ribeiro; COSTA Jorge Adelino. Liderança nas
organizações educativas: a direcção por valores. Revista Ensaio:
Avaliação e Políticas Públicas em Educação. Rio de Janeiro,v. 16,
n. 61, p. 561-582, out./dez. 2008. Disponível em : <www.scielo.br/
pdf/ensaio/v16n61/v16n61a05.pdf> Acesso em 20/11/2016.

O artigo científico “Liderança nas organi-


João Ribeiro Trigo* zações educativas: a direcção por valores”, dos
Diretor do Colégio do Rosário, Portugal. estudiosos João Ribeiro Trigo e Jorge Adelino
Costa, propõe uma análise crítica interessante
Jorge Adelino Costa** sobre a importância de compreendermos que
Doutor em Ciências da Educação; Professor a escola tem características muito distintas das
da Universidade de Aveiro, Portugal. outras organizações que funcionam numa linha
mais técnica-instrumental no âmbito da gestão,
e sinalizam que as unidades educativas podem
Resenha elaborada por beneficiar-se das outras áreas do conhecimento,
Carla Rizzo tais como: administração, sociologia e psicologia
Profa. Ms. Psicologia da Educação organizacional, entre outras, para o desenvolvi-
mento de uma liderança mais centrada no modelo
da Direção por Valores (DpV), tendência nascida
aproximadamente na década de 1990.
Nas últimas décadas, a questão da liderança na
organização tem sido objeto de vários estudos e
pesquisas, o que resultou na consolidação de uma
série de abordagens e concepções, mas conforme
os próprios autores ressaltam, alguns teóricos fa-
zem ressalvas quanto à transferência dos modelos
organizacionais e de gestão empresarial para o
interior das escolas.
Neste estudo, os pesquisadores estabelecem
vários questionamentos sobre como as escolas
podem melhorar sua eficácia e qualidade orga-
nizacional, retomando as ideias dos autores, tais
como: Perrenoud (2003) que defende lideranças
menos burocráticas e mais técnicas (profissio-
nal); Neto (2002, pág. 50-52) que retoma as
afirmações de Marçal Grilo: “três condições
para uma escola de qualidade: existência de
um projecto, liderança forte e estabilidade do
corpo docente”.
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É possível observar que João Ribeiro Trigo


e Jorge Adelino Costa desenvolvem o artigo
resenhado com base em quatro eixos temáticos:
247
247
Um estudo das organizações; A escola como or-
ganização educativa; A liderança nas organiza- jan/2017
ções educativas e a Direção por Valores (DpV). O terceiro eixo temático: A liderança nas
Como referencial teórico, os autores optaram organizações educativas ressalta a importância
pela revisão de literatura sobre o desenvolvi- "do fator liderança" em qualquer organização
mento das teorias e conceitos desenvolvidos social, inclusive na escola. É complexo definir
sobre lideranças no mundo contemporâneo, o conceito de liderança na organização. No
rápido, incerto e globalizado, mas defendem ambiente educativo, João Ribeiro Trigo e Jorge
a liderança no interior das escolas pautada no Adelino Costa escolheram defender a liderança
diálogo e valores. focada na "Direcção por Valores" (DpV). A base
O primeiro eixo temático, Um mundo de or- que sustenta a liderança centrada na teoria DpV
ganização, explica que definir uma organização são os valores, as pessoas e o diálogo em relação
é tarefa árdua, uma vez que diferentes vertentes às questões morais. Acredita-se que as lideran-
teóricas e conceitos foram desenvolvidos ao longo ças pós-convencionais que tenham como base a
do tempo, como por exemplo: a concepção de Et- DpV promovam a habilidade de liberar a energia
zioni (1984, p. 3): “As organizações são unidades criativa de seus colaboradores, pensar de forma
sociais (ou agrupamentos humanos) intencional- autônoma (capacidade do auto-governo) e não
mente construídas e reconstruídas, a fim de atingir heterônima (obediência cega e passiva - sem ques-
objectivos específicos” ou as abordagens de Muñoz tionamentos) e incentivar a construção de valores
Sedano e Roman Perez (1989), que indicam cinco essenciais para o bem comum da coletividade e
características que definem uma organização: a organização educativa.
composição (pessoas e grupos interconectados); os João Ribeiro Trigo e Jorge Adelino Costa
objetivos e fins; a diversidade nas funções; gestão (2008) fazem uma breve retrospectiva das várias
intencional e racional e continuidade através do tendências teórico-práticas desenvolvidas sobre
tempo. liderança nas organizações. Abaixo, vamos co-
O segundo eixo temático: A escola como nhecer algumas concepções desenvolvidas por
organização educativa trata basicamente de suas outros estudiosos que também caminham na
especificidades em relação a outras organizações direção de liderança na DpV nas organizações
sociais tradicionais. Não podemos esquecer que educativas, tais como: ética na liderança, quali-
a teoria das organizações retrata geralmente as dade na escola, liderança centrada nas pessoas, a
tendências ou concepções desenvolvidas num parábola da organização polifônica, primazia dos
determinado momento histórico-econômico valores sobre os fatos, o líder transformacional,
e social do universo corporativo, mas como ressonância, entre outros.
ressalta Licínio Lima (1992, p. 42) “é difícil Goleman, Boyatzys & Mckee (2002) abordam
encontrar uma definição de organização que a inteligência emocional desenvolvida, ou seja, a
não seja aplicável à escola”. Neste sentido, várias habilidade de controlar suas emoções e sintonizar
linhas de pesquisa sociológico-organizacionais com os sentimentos das pessoas. Nesta perspectiva
começaram a surgir para a compreensão dos da inteligência emocional, esses líderes cuidam das
processos administrativos, estratégicos, de ges- relações interpessoais saudáveis, fomentam um
tão, coordenação e planejamento no ambiente clima de relacionamento colaborativo, preocupam-
educativo. Ao longo dos anos, procurou-se -se com a carreira dos colaboradores, trabalho e
estabelecer pontes entre as organizações sociais valores compartilhados. Outra corrente de lideran-
formais e as escolas, entretanto, esqueceram de ça desenvolvida foi a transformacional: "a noção
considerar as dimensões administrativas aos fe- de que a avaliação ética da liderança não pode se
nômenos pedagógicos, didáticos e educacionais. bastar com a análise das suas consequências – é
Essa desconexão gerou inúmeros equívocos no necessário escrutinar o carácter moral do líder, a
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interior das escolas, como por exemplo: falta legitimidade ética dos valores embebidos na visão
de investimento na formação dos educadores e na respectiva articulação, e a moralidade dos pro-
e/ou de recursos materiais importantes para o cessos de escolha e acção que líderes e seguidores
248
248
desenvolvimento do trabalho pedagógico rea- abraçam e prosseguem" (Rego & Cunha, 2004,
jan/2017 lizado em sala de aula. pág. 239).
Nas organizações escolares, segundo Sergio- complexas, organizações aprendentes, entre
vanni (2004), faz-se necessário uma liderança outras. Entretanto, Estevão (2002) centra sua
específica que respeite o bem comum da coleti- atenção no conceito metafórico de organizações
vidade: pais, equipe de apoio educativo, profes- polifônicas, ou seja, calcado na dialogicidade;
sores, alunos etc. Sergiovanni (2004), defende através do diálogo todos comunicam suas ne-
os valores morais para o fortalecimento dos cessidades. Nesta perspectiva, acredita-se que
vínculos entre comunidade e escola, em torno liderar é promover o diálogo sobre valores.
de um objetivo maior, ou melhor, da busca pelo Vicente (2004) afirma que numa "escola para a
atendimento das necessidades de todos os envol- qualidade", um líder foca na valorização, inova-
vidos no processo educativo; compreendendo a ção, integração de informações entre todos, e,
escola como organização diferenciada das demais principalmente, mobiliza o comprometimento
organizações que ainda agem de forma distante eu/outro/organização.
e racional diante das pessoas. Ao revisar as teo- Por fim, Fullan (2003) reforça que a escola
rias das lideranças relacionadas à escola, Fullan tem muito a aprender com as outras organiza-
(2003) acrescenta a importância do diálogo como ções formais no quesito liderança, uma vez que
forma de consolidar os relacionamentos saudáveis conhecimentos devem ser compartilhados para
em busca do fortalecimento dos valores morais, resolução dos problemas de ensino-aprendizagem
para a garantia da eficácia no trabalho e do clima numa sociedade rápida e incerta.
relacional positivo. Bolivar (2003) complementa
Apesar do modelo Direçção por Valores (DpV)
as ideias de Fullan (2003) ao reforçar o papel da
ter sido desenvolvido para o universo das empre-
liderança para a promoção do compartilhamento
sas, os estudiosos João Ribeiro Trigo e Jorge Ade-
de informações, capacidade de perceber as expec-
lino Costa acreditam na eficácia dessa concepção
tativas do grupo, na identificação e solução dos
nas escolas.
problemas, bem como no desenvolvimento de
ações morais que estejam comprometidos com a O quarto eixo temático: A Direcção por Valores
organização educativa. tem como objetivo central definir para o leitor o
modelo DpV e sua aplicabilidade na organização
Marzano (2005) acrescenta que o líder deve
desenvolver a competência interpessoal para me- escolar. Em 1997, a abordagem DpV nas organiza-
lhoria dos relacionamentos, ou melhor, o fator ções foi defendida, simultaneamente, na Espanha,
humano como prioridade. Barroso (1996) enxerga por Salvador Garcia e Dolan e, nos EUA, por Ken
que a escola é um espaço para construção social e Blanchard, Michael O'Connor e Jim Ballard.
os métodos positivistas e racionais desenvolvidos Garcia (2002) explica que trabalhar nas or-
nas outras organizações sociais devem ser aban- ganizações com o modelo de DpV é uma forma
donadas. Costa (2002) afirma que a liderança diferente de liderar, uma vez que a estratégia básica
deve ser pedagógica, ou seja, atenta para os meios é o diálogo aberto e democrático alicerçado nos
que atendam às ações educativas, como também valores, nas pessoas e no compartilhamento dos
constituírem-se eles próprios como objetos das conhecimentos, informações, sucessos e insuces-
ações pedagógicas. sos, através da dialogicidade (diálogo).
Fátima Sanchez (2002) defende a concepção A Psicologia Social contribuiu muito para o
da "liderança colegial" nas organizações educa- avanço da DpV nas organizações. Na abordagem
tivas. Trata-se do desenvolvimento do diálogo organizacional DpV, Garcia e Dolan (1997) ex-
ético baseado em valores que diluem os relacio- plicam que a cultura da empresa é redefinida, a
namentos de competitividade e racionalidade partir da efetivação dos compromissos firmados
entre os educadores e que promove valores coletivamente através de novos projetos; das
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como solidariedade, escuta ativa, tolerância, adaptações e reformulações necessárias em to-


entre outros. Estevão (2002) acrescenta que as dos os níveis da organização; da reestruturação
organizações no universo globalizado podem política e estratégica que dirige as pessoas para
249
249
ser comparadas a metáforas, tais como: teia o melhor rendimento profissional do indivíduo
de aranhas, trevo, democráticas, redes globais e da organização. jan/2017
Nesta perspectiva, uma das principais combatida. A dignidade, sensibilidade e confiança
características da DpV nas organizações é a são valores primordias na DpV.
possibilidade que o modelo traz de adaptar-se Pode-se afirmar que valores, diálogo e pes-
rapidamente às complexidades do cotidiano soas formam a tríade do DpV nas organizações.
moderno exigente e imprevisível: necessidade de A deficiência de valores e da dialogicidade na
qualidade voltada para o cliente, necessidade de organização gera organizações desumanas e in-
autonomia e compromisso dos colaboradores, sensíveis às necessidades dos seus colaboradores.
necessidade de lideranças com perfil facilitador e Integrar a economia aos processos humanos não
necessidade de estruturas corporativas mais ho- é tarefa fácil. Como equacionar na organização,
rizontalizadas e rápidas. Essas quatro tendências orientações tradicionais e prosaicas, voltadas para
se interligam com a trajetória da DpI (Direção
o controle e eficácia da gestão (planejamento, es-
por Instrução – típica das empresas no início
tratégia, otimização, obediência e cumprimento)
do século e ao modo clássico de organização
com o modelo poético (orientações voltadas para
industrial e as teorias de Taylor e Fayol), pas-
confiabilidade, compromisso, criatividade, moti-
sando pela DpO (Direção por Objetivos – teoria
vação e liberdade)? É possível essa conciliação?
introduzida por Peter Drucker – aqui existe a
preocupação de partilha com os colaboradores Segundo García (2002), a metodologia DpV
dos objetivos a serem atingidos pela empresa), é alicerçada em um "modelo triaxial", ou melhor,
e, finalmente, a DpV que pretende um envol- em três dimensões, que devem ser consideradas,
vimento ainda maior dos colaboradores com a integradas e funcionar de forma equilibrada: o
cultura organizacional da empresa, ou seja, iden- eixo de valores práxios (relacionados a ação), o
tificação com a missão e valores da empresa. Em eixo de valores poéticos (relacionados aos pro-
outras palavras, vestir a camisa da empresa para cessos emocionais, sensíveis e criativos) e o eixo
a promoção do desenvolvimento profissional e de valores éticos (relacionados ao bem comum
da missão da organização. da coletividade), eixo central interconectado nos
Nos antigos modelos organizacionais, a pessoa outros dois eixos.
era vista como uma "engrenagem da máquina" É possível considerar que os estudiosos João
(início do século XX), depois houve uma evolução Ribeiro Trigo e Jorge Adelino Costa acreditam
para visão de "pessoa como recurso", e, por último, que as escolas devem ter como ponto de partida
o desenvolvimento da abordagem DpV: a "pessoa uma gestão baseada no equilíbrio dos três eixos
como fim". citados acima. Uma liderança inspirada na pers-
Na organização que aplica a DpV, a liderança pectiva pós-convencional é baseada no "diálogo
tem papel preponderante, o líder "pós-convencio- sobre valores”; na desburocratização dos processos
nal", como costuma ser chamado, é um sujeito com administrativos que impedem a evolução dos pro-
características cosmopolitanas, aberto às questões cessos de ensino-aprendizagem; na implementação
humanas e globais, ético, prático e poético, segun- de políticas contínuas de formação de professores;
do García (2001). Como já explicado no terceiro no desenvolvimento de uma cultura escolar mais
eixo, o líder "pós-convencional" tem autonomia humanizada, colaborativa, nas quais valores e
intelectual e não se deixa governar pelo sistema conhecimentos sejam discutidos e partilhados, na
dominante do seu meio, é justo, ético e persegue busca de soluções para os problemas, eficiência da
um sentido para si e para os seus colaboradores. organização e crescimento de todos os envolvidos
A liberdade é valorizada e a gestão pelo medo no processo educacional.

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9 fev. 2005. Aceito para publicação em: 03/11/2008 251
jan/2017
ALMEIDA, Maria Elizabeth B. de; SILVA, Maria da Graça Moreira da.
Currículo, tecnologia e cultura digital: espaços e tempos de web
currículo. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 1-19, abr.
2011.

Das autoras
Resenha elaborada por
Maria Elizabeth Bianconcini Trindade
Fábio Cristiano de Moraes
Morato Pinto de Almeida
Graduado em Filosofia Professora associada da Pontifícia Universi-
Mestrado em Filosofia pela Universidade de São dade Católica de São Paulo (PUC-SP), Doutora
Paulo em Educação (Currículo) pela PUC-SP (2000)
Doutorado em Filosofia pela Universidade de com mestrado em Educação (Currículo) pela
São Paulo PUC-SP (1996), graduação em Matemática
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1973). Atualmente é membro
do Comitê Assessor da área de Educação do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-
tífico e Tecnológico (CNPq), pesquisadora
produtividade do CNPq, consultora ad hoc da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), líder do grupo de
pesquisa Formação de educadores com suporte
em meio digital, certificado desde o ano 2003.
Tem experiência em Educação e Tecnologias,
com pesquisas e publicações sobre os seguintes
temas: educação a distância, tecnologia de in-
formação e comunicação (TIC) e formação de
professores, currículo e tecnologias, letramento
digital, web currículo.

Maria da Graça Moreira da Silva


Concluiu o doutorado em Educação (Currí-
culo) pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo em 2004. Atualmente é docente do
Departamento de Computação e do Programa
de Pós-graduação em Educação: Currículo da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Integra o programa postdoctoral de investi-
gación en ciencias sociales niñez y juventud,
pelo Centro de Estudios Avanzados en Niñez
y Juventud. Consultora na implantação de
Nº 10 • Abril/99

projetos educacionais e sociais em secretarias


de educação, secretarias da saúde, instituições
de ensino, ONG e empresas. Experiência na
252
252
gestão de projetos em larga escala, na for-
jan/2017 mação de recursos humanos para inovação,
e-learning, EaD e tecnologias. Participou de 2. Tecnologia na Educação.
diversos projetos internacionais e nacionais Entendemos que as TDIC na educação con-
junto ao MEC, UNDIME, PRADIME, UNDP tribuem para a mudança das práticas educativas
e em outras instituições governamentais e não com a criação de uma nova ambiência em sala
governamentais. de aula e na escola que repercute em todas as
instâncias. A disseminação e uso de tecnologias
O artigo. digitais, favoreceu o desenvolvimento de uma
1. Contextualização. cultura de uso das mídias e, por conseguinte, de
Após um período de estudos sobre porque, o uma configuração social pautada num modelo
que e para que utilizar tecnologias na educação, digital de pensar, criar, produzir, comunicar,
neste momento as investigações se voltam para aprender – viver.
a concepção, gestão e avaliação dos processos de As tecnologias móveis já começam a se fazer
ensino e de aprendizagem que se desenvolvem presentes na educação, em parte com os compu-
mediatizados pelas tecnologias digitais. Essas tadores portáteis, telefones celulares ou outros
investigações versam sobre o uso de tecnologias dispositivos móveis, que propiciam a conexão
digitais de informação e comunicação (TDIC), contínua e sem fio. O uso dessas TDIC permite
em ambientes de aprendizagem com suporte em estabelecer relacionamentos e conexões entre dis-
plataformas. tintos contextos de práticas sociais, que propiciam
No momento em que distintos artefatos tecno- aos inter-atores a escolha dos elementos criando
lógicos começaram a entrar nos espaços educativos as próprias narrativas, ou seja, produzindo uma
evidenciou-se que as TDIC não mais ficariam nova obra e tornando-se co-autor da obra original.
confinadas a um espaço e tempo delimitado, mas Desse movimento emerge um novo significado,
passariam a fazer parte da cultura, tomando lugar que integra novas e velhas mídias e formas de
nas práticas sociais e ressignificando as relações representação do pensamento.
educativas. Dentre os artefatos tecnológicos típicos A escola é desafiada a conviver com as transfor-
da atual cultura digital estão: mações que as tecnologias e mídias digitais provo-
I. os jogos eletrônicos; cam na sociedade e na cultura, e que são trazidas
II. as ferramentas características da Web 2.0, para dentro das escolas pelos alunos. Diante dessa
como as mídias sociais; constatação, Wim Veen e Ben Vrakking (2009)
III. os dispositivos móveis, como celulares e com- usam, desde meados desta década, a expressão
putadores portáteis, que permitem o acesso Homo Zappiens para denominar essa geração de
aos ambientes virtuais em diferentes espaços crianças e adolescentes que "consideram a escola
e tempos, dentre outros. como um lugar de encontro com os amigos, mais
do que um ambiente de aprendizagem”. (p. 47).
Com o propósito de identificar as contribui-
Crianças e adolescentes nascidos após a década
ções propiciadas pelo uso das TDIC na apren-
de 1980, demandam a “inserção das tecnologias
dizagem e no ensino e de identificar as possibi-
digitais nas práticas educativas”. (LARA; QUAR-
lidades de mudanças educacionais evidenciadas
TIERO, 2010).
passamos a nos dedicar a investigações sobre a
integração das tecnologias com o currículo, já O percentual de crianças entre 5 a 9 anos
que na escola as tecnologias não ficam apenas que se situam nessa categoria vem aumentando a
isoladas em laboratórios e começam, pouco a passos largos. O pensamento das novas gerações
pouco, a ser integradas às atividades de sala de se desenvolve no âmago de um sistema de co-
aula. Nessa perspectiva, tecnologias e currículo -produção mediatizado pelas TDIC compondo
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passam a se imbricar de tal modo que as interfe- uma ecologia cognitiva, “uma rede na qual, neu-
rências mútuas levam a ressignificar o currículo rônios, módulos cognitivos, humanos, instituições
e a tecnologia, e então começamos a criar um de ensino, línguas, sistemas de escrita, livros e
253
253
novo verbete - web currículo, cuja construção computadores interconectam, transformam e tra-
analisamos neste artigo. duzem as representações” (LÉVY, 1993, p.135). jan/2017
A efetiva participação da escola nessa eco- é garantia de resultados satisfatórios na melhoria da
logia implica em promover a formação de aprendizagem e no desenvolvimento do currículo e,
educadores que possam se apropriar da cultura muitas vezes, o uso das TDIC se restringe a ativida-
digital e das propriedades intrínsecas das TDIC. des pontuais sem uma real integração ao currículo
Além dos educadores, é preciso criar condições (VALENTE; ALMEIDA, F., 1997; ALMEIDA,
para que a escola como um todo tome parte da 2008). É importante salientar que a formação do
cultura digital e, portanto, se articule com a professor para o uso das TDIC é referência para
comunidade global. sua prática pedagógica e assim a concepção emba-
Para compreender o porquê, para que, com sadora e as práticas desenvolvidas no processo de
quem, quando e como se integrar com a cultura formação se constituem como inspiração para que
digital por meio do uso das TDIC, é importan- ele possa incorporar as TDIC ao desenvolvimento
te assumir uma posição crítica, questionadora do currículo. Logo, a problemática da integração
e reflexiva diante da tecnologia, que expresse o das TDIC na educação precisa levar em conta a for-
processo de criação do ser humano, com todas as mação de professores em articulação com o trabalho
suas ambiguidades. pedagógico e com o currículo, que é reconfigurado
no ato pedagógico pelos modos de representação
A formação de professores inter-relaciona as dife-
e produção de conhecimentos propiciados pelas
rentes dimensões envolvidas no seu uso, que são:
TDIC. Evidencia-se assim a constituição de um
Dimensão crítica humanizadora: representa
I)  currículo que é reconstruído por meio da web e
uma opção política ancorada em valores e demais propriedades inerentes às TDIC, o que
compromissos éticos que relacionam a teo- denominamos de web currículo.
ria com a prática, a formação de educadores
com o fazer pedagógico e o pensar sobre o 3. Web currículo.
fazer, o currículo com a experiência e com a Integrar as TDIC com o currículo significa que
emancipação humana. essas tecnologias passam a compor o currículo,
Tecnológica: corresponde ao domínio das
II)  que as engloba aos seus demais componentes e
tecnologias e suas linguagens de tal modo assim se trata de buscar a integração transversal
que o professor explore seus recursos e fun- das competências no domínio das TDIC com o
cionalidades. currículo, pois este é o orientador das ações de
Pedagógica: se refere ao acompanhamento de
III)  uso das tecnologias. Logo, precisamos esclarecer
processo de aprendizagem do aluno, a busca de o que entendemos por currículo, cujo conceito é
compreender sua história e universo de conhe- polissêmico. Entendemos o currículo como uma
cimentos, valores, crenças e modo de ser, estar construção social (Goodson, 2001) que se de-
e interagir com o mundo mediatizado pelos senvolve na ação, em determinado tempo, lugar
instrumentos culturais presentes em sua vida. e contexto, com o uso de instrumentos culturais
presentes nas práticas sociais. Nossa compreensão
IV) D idática: se refere ao conhecimento do
de currículo alinha-se com a perspectiva sócio-
professor em sua área de atuação e às com-
-cutural no sentido de acentuar a tensão existente
petências relacionadas aos conhecimentos
no processo curricular entre dois focos: o conhe-
globalizantes.
cimento escolar e a cultura.
A integração das TDIC ao currículo demanda,
A integração das TDIC na educação (Sánchez,
dessa forma, que os agentes da educação (professor,
2002) pode ocorrer em três níveis:
aluno, gestor e comunidade) façam a leitura crítica
do mundo digital, o interprete e “lancem sobre ele 1º nível trata de aprender sobre as TDIC;
suas palavras” (ALMEIDA, 2009). Mas “a leitura 2º nível se refere ao uso no âmbito de alguma
atividade pedagógica, mas sem uma intencionali-
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deste mundo não pode ser feita com os mesmos


instrumentos de mundos passados” (idem, p. 30). dade clara do que se pretende com esse uso para
Diversos estudiosos desse tema (ALMEIDA, 2008; a aprendizagem;
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COSTA e VISEU, 2007; COSTA, 2004) indicam 3º nível é que se enquadra o uso das TDIC
jan/2017 que a presença das TDIC nas escolas por si só não integradas ao currículo com clareza das intenções
pedagógicas e das contribuições que se espera tecnologias digitais ao currículo, tendo reunido
para a aprendizagem, sendo as TDIC considera- especialistas do Brasil e de outros países da Amé-
das invisíveis. rica Latina e da Europa. O evento teve o objetivo
Nesse terceiro nível é que identificamos as pos- de discutir investigações a respeito da integração
sibilidades de as TDIC trazerem contribuições ao de tecnologias em práticas educativas, identificar
desenvolvimento do currículo na concepção que aquelas que privilegiem concepções inovadoras
adotamos. de currículo, criar um espaço de divulgação de
Nessa perspectiva integradora compreendemos novas ideias, concepções e propostas de formação
que o currículo se desenvolve com a exploração das e de trabalho em cooperação entre universidades,
propriedades das TDIC para a expressão do pen- sistemas de ensino e setor corporativo.
samento por meio da escrita, da imagem, do som No ano de 2010 foi realizado o II Seminário
e da combinação de suas múltiplas modalidades, Web Currículo, com o apoio da CAPES, tendo
impulsionando a comunicação, a criação de redes apresentado e discutido resultados de investiga-
móveis e a coautoria nas obras. O web currículo ções e experiências de integração de tecnologias
potencializa: à prática pedagógica e as concepções de cur-
I. a criação de narrativas de aprendizagem; rículo que se explicitam nessas práticas. A par
II. o protagonismo pelo exercício da autoria; disso, pretendeu identificar referências teóricas e
III. o diálogo intercultural; metodológicas que pudessem guiar o desenvol-
IV. a colaboração entre pessoas situadas em dife- vimento de modelos de inovação curricular com
rentes locais e a qualquer tempo. a integração da web.
O desenvolvimento do ‘web currículo’ pro- Para compreender e vivenciar o significado
picia a articulação entre os conhecimentos do do web currículo, as atividades do evento, com
cotidiano do universo dos alunos, dos profes- diferentes narrativas e ambientes virtuais, foram
sores e da cultura digital com aqueles conheci- realizadas simultaneamente em distintos espaços
mentos que emergem nas relações de ensino e da PUC/SP e integradas com o meio virtual com
aprendizagem e com os conhecimentos consi- ações utilizando web conferências, mundos virtuais
derados socialmente válidos e sistematizados no digitais tridimensionais (Second Life), apresenta-
currículo escolar. Essa ideia sobre web currículo ções online (streaming de vídeo) com interações
tomou vulto e conduziu nossas discussões para por meio da Chat, além de contar com um Blog
distintos espaços de diálogo com pesquisadores, e com o twitter (twitter.com/webcurriculo), que
professores e outros profissionais, quando então funcionou como espaço de cobertura do evento e
identificamos a importância de ampliarmos o como espaço de interação e construção de novas
debate com distintas audiências em um espaço aprendizagens. O microblog@webcurriculo tam-
que fosse além do encontro físico, formando um bém foi um canal instantâneo de comunicação
entrelaçado de espaços físicos e digitais. Assim com pesquisadores presentes ao evento ou que o
nasceu a ideia de um evento que denominamos acompanhem virtualmente.
de web currículo.
Conforme relatório do II seminário Web Cur-
4. Web currículo em debate. rículo (CED-PUC/SP, 2010), dentre os temas
No ano de 2008 foi realizado o 1º Seminário abordados no evento, observa-se no Quadro apre-
Web Currículo cujo tema versou sobre a Integração sentado a seguir, que no conjunto dos trabalhos
de Tecnologias de Informação e Comunicação ao inscritos há a predominância do tema tecnologia,
Currículo, realizado pela Pontifícia Universidade currículo e formação de educadores, seguido pelo
tema integração de mídias e tecnologias ao cur-
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Católica de São Paulo – PUC/SP, e concebido por


pesquisadores do Programa de Pós-Graduação rículo; o terceiro tema é currículo e web 2.0. Já
em Educação: Currículo. O evento foi o primeiro os temas de menor incidência foram: tecnologia,
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realizado especificamente para tratar de ques- currículo e avaliação; currículo e comunicação;
tões relacionadas com a integração de mídias e tecnologia, currículo e cultura. jan/2017
Comunicação Relato de Submissões
Tema Pôster
oral prática aprovadas
Tecnologia, currículo e formação de educadores 28 11  9  48
Políticas Públicas para a inserção das TIC no Currículo  3  2  0   5
Currículo e web 2.0  7  2  3  12
Tecnologias, Currículo e Cultura  3  0  1   4
Integração de mídias e tecnologias ao currículo  9  4 19  32
Tecnologias móveis e currículo  5  1  1   7
Tecnologias, currículo e pesquisa  3  1  1   5
Currículo e Comunicação  3  0  1   4
Tecnologias, currículo e avaliação  1  0  0   1
Outros  1  4  4   9
Total de trabalhos aprovados 63 25 39 127

A análise dos dados do I Web Currículo e do reconfigurado no ato pedagógico pelos modos
II Web Currículo indica a evolução dos debates de representação e produção de conhecimentos
entre os pesquisadores e a emergência da tríade: propiciados pelas TDIC.
Formação de Professores –tecnologias - Currículo Pode-se identificar, também, pela análise dos
nos temas em estudo. temas debatidos nos dois seminários que as tec-
nologias estão rompendo com o isolamento em
Considerações finais
laboratórios e começam a ser integradas às ativi-
A análise das palavras-chave das comunicações dades de sala de aula e a outros espaços da escola
orais no I e II Seminários Web Currículo apontou ou fora dela. Corrobora-se a constituição de um
que a tríade Tecnologias-Currículo-Formação de currículo que é reconstruído por meio da web e
Professores tem tomado a cena quando objetiva o demais propriedades inerentes às TDIC, o que
debate a respeito da integração de tecnologias em denominamos de web currículo.
práticas educativas. Evidencia-se, portanto, a relevância da conti-
Essa análise reitera, como mencionado ini- nuidade das pesquisas sobre a constituição do web
cialmente no artigo, a importância e relevância currículo na prática social de educadores e estu-
da formação de professores em articulação com dantes envolvidos com a construção do currículo
o trabalho pedagógico e com o currículo, que é experienciado que se desenvolve na cultura digital.
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Anotações:
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Expediente
DIRETORIA DA APEOESP – TRIÊNIO 2014/2017
DIRETORIA EXECUTIVA:
Presidenta: Maria Izabel Azevedo Noronha; Vice-Presidente: Fábio Santos de Mora-
es; Secretário Geral: Leandro Alves Oliveira; Secretário Geral Adjunto: Fábio Santos
Silva; Secretário de Finanças: Luiz Gonzaga José; Secretária de Finanças Adjunta:
Maria Sufaneide Rodrigues; Secretário de Administração: Odimar Silva; Secretária de
Administração Adjunta: Maria José Carvalho Cunha; Secretária de Patrimônio: Miguel
Noel Meirelles; Secretária de Patrimônio Adjunta: Tereza Cristina Moreira da Silva;
Secretária de Assuntos Educacionais e Culturais: Francisca Pereira da Rocha Seixas;
Secretário de Assuntos Educacionais e Culturais Adjunto: Richard Araújo; Secretário de
Comunicações: Roberto Guido; Secretário de Comunicações Adjunto: Silvio de Souza;
Secretário de Formação: Zenaide Honório; Secretário de Formação Adjunto: Paulo
José das Neves; Secretário de Legislação e Defesa dos Associados: Francisco de Assis
Ferreira; Secretária de Legislação e Defesa dos Associados Adjunta: Solange A. Benedeti
Penha; Secretário de Política Sindical: Moacyr Américo da Silva; Secretária de Política
Sindical Adjunta: Ozani Martiniano de Souza; Secretária de Políticas Sociais: Rita de
Cássia Cardoso; Secretário de Políticas Sociais Adjunto: Ezio Expedito Ferreira Lima;
Secretária para Assuntos de Aposentados: Ana Lúcia Santos Cugler; Secretária para
Assuntos de Aposentados Adjunta: Fátima da Silva Fernandes; Secretária para Assun-
tos da Mulher: Suely Fátima de Oliveira; Secretária para Assuntos da Mulher Adjunta:
Diretores Responsáveis Eliana Nunes dos Santos; Secretária para Assuntos Municipais: Nilcea Fleury Victorino;
Zenaide Honório Secretária para Assuntos Municipais Adjunta: Mara Cristina de Almeida; Secretária
Secretária de Formação Geral de Organização: Cilene Maria Obici; Secretária de Organização para a Capital:
Silvana Soares de Assis; Secretário de Organização para a Grande São Paulo: Stenio
Paulo José das Neves Matheus de Morais Lima; Secretária de Organização para o Interior: Jorge Leonardo Paz;
Secretário de Formação Adjunto Secretária de Organização para o Interior: Paula Cristina Oliveira Penha; Secretário
Conselho Editorial de Organização para o Interior: Sergio Martins da Cunha; Secretária de Organização
Maria Izabel Azevedo Noronha para o Interior: Sonia Maria Maciel.
Fábio Santos de Moraes
Roberto Guido Diretoria Estadual
Sílvio de Souza Ademar de Assis Camelo; Alfredo Andrade da Silva; Altair de Oliveira Gomes; Ana Lucia
Leandro Alves Oliveira Ferreira; Anatalina Lourenço da Silva; Andre Luis F. da Silva; André Sapanos de Carvalho;
Fábio Santos Silva Andressa de Sousa R. Mesko; Antonio Carlos Amado Ferreira; Antonio Gandini Junior;
Rita de Cássia Cardoso Antonio Jovem de Jesus Filho; Ariovaldo de Camargo; Ary Neves da Silva; Benedita Lúcia
Ezio Expedito F. Lima da Silva; Benedito Jesus Dos Santos Chagas; Carlos Alberto Rezende Lopes; Carmen
Luiz Gonzaga José Luiza Urquiza; Claudelício dos Reis; Claudia Cristina Alves de Souza; Clodoaldo Rocha
Maria Sufaneide Rodrigues de Oliveira; Danilo Giaconetti Paris; Decio Alves da Silva; Dorival Aparecido da Silva;
Francisco de Assis Ferreira Douglas Martins Izzo; Edna Azevedo Fernandes; Eduardo Martins Rosa; Elizeu Pedro
Solange A. Benedeti Penha Ribeiro; Emanuel Duarte; Fabiana Ribeiro da Silva; Fabio Henrique Granados Sardi-
nha; Flaudio Azevedo Limas; Floripes Ingracia Borioli Godinho; Fransergio Noronha De
Coordenação da equipe de resenhistas Oliveira; Idenilde de Almeida Conceicao; Jesse Pereira Felipe; João Luis Dias Zafalão;
Professora Mestra Luci Ana Santos da Cunha
Joaquim Soares da Silva Neto; Joel Fernando Cângane; José de Jesus Costa; Josefa Gomes
Jornalista responsável da Silva; José Francisco da Silva; José Reinaldo de Matos Lima; Jovina Maria da Silva;
Luis Brandino Jucinaldo Souza Azevedo; Julio Cesar Rodrigues Brasil; Juvenal de Aguiar Penteado Neto;
Luis Antonio Nunes da Horta; Luiz Claudio de Lima; Luzelena Feitosa Vieira; Magda
Diagramação e Editoração Gráfica Souza de Jesus; Maíra Machado Rodrigues; Marcos César da Costa; Marcos Luiz da Silva;
Carlos Roberto Ferreira dos Santos Maria Carlota N.Rocha; Maria Licia A.Orlandi; Maria Margarete da Silva Oliveira; Mariana
Coelho Rosa; Mauro da Silva Inácio; Nilson Silva; Orivaldo Felicio; Pedro Alberto V. de
Assessoria da Formação Oliveira; Pedro Paulo V. de Carvalho; Reginaldo Alberto de Almeida; Ricardo Augusto
José Geraldo Fábio Botaro; Riquembergue Medeiros Da Silva; Rita Leite Diniz; Roberta Iara M.Lima; Roberta
Maria T. Castro; Roberto Mendes; Rodolfo Alves de Souza; Ronaldi Torelli; Rosa M. de
Secretária Araujo Fiorentin; Sergio de Brito Garcia; Sonia Aparecida A. de Arruda; Suzi da Silva;
Maria Juliana da Silva Tales Amaro Ferreira; Tania Siqueira; Telma Aparecida Andrade Victor; Teresinha de Jesus
de S. Martin; Uilder Cacio de Freitas; Valfredo Alves Siqueira; Vanessa Silva Ruta; Vera
Lucia Zirnberger e Wilson Augusto Fiuza Frazão.

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