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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS

THIAGO HANNEY MEDEIROS DE SOUZA

SELEÇÃO DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI


SEGUNDO O DIREITO BRASILEIRO

Porto Alegre
2013
2

THIAGO HANNEY MEDEIROS DE SOUZA

SELEÇÃO DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI

SEGUNDO O DIREITO BRASILEIRO

Dissertação apresentada como requisito parcial


para a obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação de Ciências
Criminais da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.

Orientadora: Prof.ª Dra. Ruth Maria Chittó


Gauer

Porto Alegre
2013
3

S729s Souza, Thiago Hanney Medeiros de

Seleção dos Jurados no Tribunal do Júri segundo o Direito


Brasileiro. ¾ Porto Alegre, 2013.

117 f.
Diss. (Mestrado) – Faculdade de Direito, Programa de Pós-
Graduação em Ciências Criminais, PUCRS, 2013.

Orientador: Profa. Dra. Ruth Maria Chittó Gauer.

1. Direito Penal. 2. Sistema Penal. 3. Criminologia. 4.


Tribunal do Juri. I. Gauer, Ruth Maria Chittó. II. Título.

CDD: 341.4391

Bibliotecária responsável:

Alessandra Pinto Fagundes

CRB10/1244
4

THIAGO HANNEY MEDEIROS DE SOUZA

SELEÇÃO DOS JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI


SEGUNDO O DIREITO BRASILEIRO

Dissertação apresentada como requisito parcial


para a obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação de Ciências
Criminais da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.

Aprovada em 11 de dezembro de 2013

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________
Prof.ª Dra. Ruth Maria Chittó Gauer – PUCRS
Presidente da Comissão Examinadora

______________________________________________
Prof. Dr. Álvaro Filipe Oxley da Rocha
Membro da Comissão Examinadora

______________________________________________
Prof. Dr. Celso de Paula Rodrigues
Membro da Comissão Examinadora

Porto Alegre
2013
5

AGRADECIMENTOS

Eis chegado o momento em que expresso minha gratidão aos seres que
estenderam a mão ou me olharam com atenção durante esta caminhada.

Lembro perfeitamente como tudo começou, ainda na cidade de João Pessoa:


em uma manhã de outono de 2011 escutei falar pela primeira vez no Programa
de Pós-graduação de Ciências Criminais da PUCRS durante uma aula da
especialização. Instantaneamente fiquei fascinado ao ver o professor Fabio
D’avila incentivar o ingresso de alunos de todas as partes do Brasil no
Programa.

Agradeço ao Céu pela transmissão de sinais que me ajudaram a abraçar a


oportunidade. Especialmente à Maria, por desatar os nós da minha vida. Aos
meus pais devoto toda minha gratidão, pelo amor incondicional e por todas as
renúncias feitas em nome do meu crescimento como ser humano.
Especialmente a minha mãe, pela fibra inspiradora e por mergulhar de mãos
dadas comigo em todos os projetos. As minhas irmãs, pelo imenso carinho e
paciência, por compreenderem o meu distanciamento durante todo esse
tempo.

Sou muito grato à Ruth Gauer, minha orientadora. Pelo acolhimento,


preocupação, sugestões e todo direcionamento ao longo da pesquisa. Levo
comigo a experiência de ter convivido com uma mulher questionadora e
comprometida com todas as missões que lhe foram confiadas.

Ao encontro com a essência de Thayara Castelo Branco, pela amizade que foi
uma das maiores conquistas alcançadas nessa temporada. Pela parceria
constante, por semear luz na minha vida.

À Natália Rodrigues, pela amizade que se transformou em minha maior


companhia durante essa fase. Pelo compartilhamento de tantas incertezas, por
todas as discussões e pela apresentação de um modo de viver tão leve.
Obrigado por rabiscar traços de alegria na minha vida!
6

À Inez Andrade, por guiar a mudança do roteiro dos próximos capítulos da


minha história. Por conseguir ler aquilo que ainda não está escrito em mim!

À Mariana de Paula, por me ensinar a viver intensamente cada instante e por


despertar em mim a vontade de lidar com as dificuldades com um sorriso no
rosto. Sim, com ela aprendi a “dançar com a chuva quando a chuva vem”!

À Carina Petsch, pela lealdade, pelo exemplo de dedicação ao mundo


acadêmico e ao cultivo de sorrisos nos rostos dos amigos.

A minha turma de Mestrado, por todas as partilhas e encontros. Agradeço


especialmente à Brunna, Carlos, Chiavelli e Milton. Também agradeço aos
amigos que escutaram minhas angústias nos momentos em que mais precisei
de conforto: Bruna, Goddman, Luana, Rafael e Rodrigo. À Cecy, Helena e
Hellane, pelo apoio e torcida. A todos meus amigos paraibanos, meu imenso
afeto.

Aos professores que fizeram parte da banca de qualificação e defesa do


Mestrado, por todas as contribuições.

Aos servidores da 2ª Vara do Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre,


pela concessão do acesso às listas dos jurados, por todas as explicações e
conversas que me ajudaram a construir a pesquisa.

E finalmente, à Porto Alegre. Por ter ampliado meus horizontes, por ter
alimentado minha mente com tantas experiências culturais e pela sensação de
estar em casa. Minha eterna gratidão a esta terra!
7

RESUMO

Na presente pesquisa analisamos a forma pela qual o Tribunal do Júri


seleciona pessoas para atuar como jurados no Brasil. Buscamos investigar as
etapas decisivas desta forma de julgamento através de uma abordagem
histórica, o que nos possibilitou identificar quem são as autoridades
responsáveis pelo alistamento dos possíveis jurados e quais foram os critérios
utilizados segundo as legislações pertinentes. Desta forma, compreendemos os
problemas enfrentados desde o início do século XIX em que houve a
implantação desse sistema de administração de justiça no Brasil. Com base
nesses indicadores, podemos retratar as etapas da atual dinâmica de
organização da lista de jurados bem como avaliar a participação dos cidadãos
através dos dados presentes nos anos posteriores à Reforma do Júri com a
aplicação da Lei 11.689/08.

Palavras-chave: Tribunal do Júri; Jurados; julgamento; seleção.


8

ABSTRACT

In the present research we analyze the way in which the Jury selects people to
serve as jurors in Brazil. We seek to investigate the decisive stages of this form
of judgment through a historical approach, which enabled us to identify who are
the authorities responsible for the enrollment of prospective jurors and what
were the criteria used in accordance with pertinent legislation. Thus, we
understand the problems faced since the early nineteenth century, when this
system of justice administration in Brazil was implanted. Based on these
indicators, we can depict the steps of the current dynamics of organization of
the list of jurors as well as evaluating the participation of citizens through the
data present in the years following the Jury’s Reform with the implementation of
the Law 11.689/08.

Key-words: Jury; jurors; rituals; judgment; selection.


9

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Participação no Júri, conforme categorias/profissões.....................91

Tabela 2 – Média da presença das categorias nos últimos cinco anos............91

Tabela 3 – Participação no Júri, de acordo com o gênero................................96

Tabela 4 – Média da participação no Júri nos últimos cinco anos, de acordo


com o gênero....................................................................................................96
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................11
1 SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL IMPERIAL...................................16
1.1 Quem Julga? A administração da Justiça em discussão........................16
1.2 Contexto histórico do Júri no Brasil Imperial...........................................22
1.2.1 1822: Ano do advento da instituição no nosso país...............................23
1.2.2 1824: Primeira Constituição Federal brasileira.......................................26
1.2.3 1831: Surgimento do Código de Processo Penal...................................30
1.2.4 1841: Reforma do Código de Processo Penal.......................................36

2 SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL REPÚBLICA.............................43


2.1 Advento da República.............................................................................43
2.2 O papel do poder local............................................................................50
2.3 1930: A década das transformações......................................................55
2.4 As novas concepções sobre o Conselho de Sentença..........................60
2.4.1 Argumento contrário à presença das mulheres: Ausência do lar..........63
2.4.2 Argumento contrário à presença das mulheres: Sentimentalismo.......66
2.5 O Tribunal do Júri como definidor de papéis sociais.............................68

3 A ATUAL SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL.................................72


3.1 Dinâmica da seleção dos jurados..........................................................72
3.2 Critério da notória idoneidade................................................................76
3.3 Papel do Juiz..........................................................................................82
3.4 Recusas peremptórias...........................................................................84
3.5 A efetividade da medida de requisição de pessoas aos órgãos mais
populares...............................................................................................87
3.6 Quem são os jurados?...........................................................................89
3.6.1 Concentração de nomes em segmentos bem definidos........................89
3.6.2 Advogado também julga........................................................................94
3.6.3 A questão de gênero – participação feminina no Júri............................95
3.6.4 A perpetuação de nomes nas listas.......................................................98
3.6.5 Em busca de mudanças.........................................................................99
4 CONCLUSÃO...........................................................................................103
REFERÊNCIAS........................................................................................110
11

INTRODUÇÃO

Os estudos acerca do Júri, em suas diversas esferas, frequentemente


figuram entre trabalhos de pós-graduação. A grande abrangência do tema e a
interface com outras áreas do conhecimento justificam o interesse da academia
pelos estudos envolvendo o tribunal.1

O objetivo consistiu em compreender a origem do Tribunal do Júri.


Pretendemos delimitar a pesquisa para analisar a incorporação desta
instituição no ordenamento jurídico brasileiro, com foco na forma de seleção
dos jurados desde a primeira experiência em 1822.

A questão que permeou a presente investigação foi “quem são os


julgadores convocados para fazer parte do Júri?”. Para respondê-la
averiguamos as condições profissionais do corpo de jurados, tomando como
base as fontes onde são buscados os nomes dos possíveis candidatos.

Dentro dessa perspectiva, foram elencados, como objetivos específicos,


a análise da abordagem do contexto histórico do Júri no Brasil, a descrição do
significado do Júri visto como um ritual, avaliação do critério da notória
idoneidade bem como o funcionamento da medida de requisição de pessoas às
associações e núcleos comunitários ditos “mais populares”.

Estudar a seleção imputou à pesquisa a necessidade de investigar a


trajetória do mecanismo de escolha dos jurados desde a implantação desta
forma de julgamento no Brasil, dando ênfase aos critérios previstos na
legislação para o exercício da função e às autoridades responsáveis pelo
comando desta atribuição.

Sob a perspectiva do Júri como um ritual, estruturamos a pequisa com a


leitura das obras de Arnold Van Gennep, Victor Turner e Mary Douglas. No que
se refere à escolha dos jurados, fundamentamos a pesquisa nos autores Fauzi
Hassan Choukr, Kant de Lima, Aury Lopes Jr. e Lênio Streck.

1
Nesse sentido, Salo de Carvalho aborda que: “As discussões sobre o Tribunal do Júri são
invariavelmente instigantes e muito ricas, o que permite que este espaço de jurisdição
constitua-se em um constante, renovado e fértil campo de pesquisa.” In: CARVALHO, Salo de.
Como não se faz um trabalho de conclusão. São Paulo, Saraiva, 2013. P. 91
12

O que direcionou nosso interesse em estudar o objeto como forma de


administração de justiça criminal implantada no Brasil foi o desencadeamento
de uma série de problemas nesse âmbito, como a escassez de nomes para
compor as listas, os riscos da formação de um conselho de sentença sujeito a
uma série de influências externas e a ausência de representantes de alguns
grupos de cidadãos neste campo de atuação devido ao contexto sociopolítico.

A estrutura da dissertação foi dividida em três capítulos. No primeiro


identificamos a implantação do Tribunal do Júri em 1822, concedendo abertura
para que pessoas leigas, quanto ao conhecimento jurídico, pudessem julgar os
crimes de imprensa.

Os primeiros contatos com as fontes na época da primeira Constituição


Federal revelaram quais eram as autoridades responsáveis pelo alistamento
dos jurados, os critérios determinados pela legislação vigente e a existência de
dois conselhos de jurados: o conselho de acusação e o conselho de
julgamento.

Em 1832 foi promulgado o primeiro Código de Processo Criminal


brasileiro que ditou regras sobre os jurados, vistos como pessoas
encarregadas da administração da Justiça nos contextos locais. Já em 1841
houve uma Reforma do Código de Processo Penal, que criou o cargo de
Delegado através das figuras “Chefe de Polícia”, “Delegado de Polícia” e
“Subdelegado de polícia”, concedendo uma série de atribuições, entre elas, a
organização da lista de jurados com os critérios exigidos como a alfabetização
e a comprovação de uma renda mínima.

No final do segundo Império constataram-se algumas mudanças


estruturais como a extinção do Primeiro Conselho de Acusação, a escolha das
autoridades responsáveis pela formação das listas dos julgadores e o
fortalecimento dos critérios estabelecidos para aptidão da função.

No segundo capítulo constatamos as mudanças ocorridas no início da


República brasileira, levando em consideração a conjuntura social. A
permanência do Júri no século XX foi identificada por aspectos referentes ao
seu possível desaparecimento, em alguns momentos, pela falta de uma
13

regulação nacional bem como à “elitização” do conselho de sentença notada


em alguns registros.

Analisamos a interferência do coronelismo, em especial na região do


Nordeste, no início do século XX, influenciando na formação do conselho de
jurados. Tomamos este fenômeno como exemplo para tentar demonstrar o
quanto o tribunal do júri estava vulnerável devido às possíveis práticas que
tendiam a impor a tomada de decisões de acordo com certos interesses locais,
como a não revelação de crimes supostamente cometidos pelos capangas dos
fazendeiros das cidades do interior do Brasil.

Com o andamento da pesquisa detectamos a necessidade de


realizarmos uma identificação da participação feminina no tribunal do júri. A
abordagem dessa questão foi estruturada no segundo capítulo pelo momento
da concessão do direito do voto às mulheres em 1932, logo, aproveitamos esta
informação para enfatizar as regras que revelaram a manutenção da tradição
de desigualdade entre homens e mulheres no nosso país. Para expressar o
nível de resistência à participação das mulheres no Júri, tomamos como
exemplo o registro do discurso do Magistrado Inocêncio Borges da Rosa,
responsável pelo alistamento dos jurados em Porto Alegre no início do século
XX para discutir os motivos da não inclusão do gênero nas listas.

No terceiro capítulo apresentamos um mapeamento da atual forma de


seleção de jurados, que tem como parâmetro o Código de Processo Penal de
1941. Para além desta questão, procuramos elencar dados que se referem à
importância da responsabilidade desta atribuição dada ao Juiz da Vara do Júri,
bem como descrever o roteiro da escolha dos cidadãos.

A legislação ordinária brasileira estabelece apenas três critérios para


seleção dos jurados: idade acima de 18 anos, condição de cidadão e notória
idoneidade. Na presente pesquisa buscamos discutir o último critério de índole
subjetiva, tomando como alicerce o entendimento de Lenio Streck sobre o
assunto:
O Código de Processo Penal, como se viu, "especifica" quem
pode e quem não pode ser jurado. A linha norteadora é a de
que os jurados devam ser cidadãos de notória idoneidade. Mas
o que são cidadãos de notória idoneidade? Como na maioria
14

das palavras da lei, está-se diante do que se chama de


vagueza ambigüidade.2

Atentamos que há certo silêncio sobre este aspecto, o que abre espaço
para que o Juiz Presidente do Júri, na condição de administrador do processo
seletivo dos cidadãos, possa formar uma lista de acordo com sua concepção
sobre quem é idôneo ou não, recorrendo, na maioria das vezes, à forma mais
cômoda de alistamento: requisição de nomes a bancos de dados disponíveis
pelas universidades e instituições bancárias.

A pesquisa também buscou promover o debate em torno do que


podemos apontar como último ato da escolha dos jurados – o sistema de
recusas peremptórias – submetido à Defesa e à Acusação antes da formação
do Conselho de sete jurados para julgar um determinado caso. Destacamos
ainda a medida de requisição de nomes de possíveis jurados aos núcleos mais
“populares” conforme previsão contida no art. 425, § 2º, do Código de Processo
Penal.3

Optamos pela abordagem do objeto de estudo, fundamentalmente,


através do viés quantitativo. Verificamos, inicialmente, a qualificação do ponto
de vista pessoal dos jurados alistados perante a 2ª Vara do Júri de Porto
Alegre, especialmente, em relação ao exercício da profissão, o que nos permite
identificar as fontes que dão origem ao banco de dados dos possíveis jurados.
Tomamos como base as listas dos últimos cinco anos posteriores à Reforma do
procedimento do Júri através da Lei 11.689/08. Consideramos ainda a
identificação da questão de gênero para averiguar a participação feminina na
atual conjuntura do Júri. Os dados obtidos por meio do acesso às listas são
analisados no programa de computador Excel e a apresentação do conteúdo
das informações é anexada em tabelas que servem de base para a análise.

2
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. 4. Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, P. 98-100.
3
Art. 425. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos)
a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de
habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil)
habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população. (Redação
dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro,
entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos,
repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as
condições para exercer a função de jurado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
15

Por fim, são apresentadas algumas conclusões embasadas na análise


dos dados bem como a sugestão da adoção de algumas medidas que possam
promover a diminuição de riscos que envolvem este sistema de administração
de justiça no contexto contemporâneo.
16

1) SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL IMPÉRIO

1.1) “Quem julga?” A administração da justiça em discussão

Tomando como base a noção do Estado como ente titular da jurisdição


penal e do poder de punir, verificamos uma preocupação com o sistema de
administração de justiça responsável pela formatação dos julgamentos. Nesse
sentido, a pergunta “Quem pode julgar?” tem atravessado gerações e toma
conta de discussões que buscam (ou tentam buscar) um modelo apropriado
para o enfrentamento dos processos que competem à área penal.

De acordo com Ferrajoli, optar por juízes-magistrados ou juízes-


cidadãos sempre se apresentou como a decisão mais importante em matéria
de ordenamento judicial, caracterizando boa parte da história do processo
penal. Além das formas múltiplas e variadas de organização da justiça, a
substancialidade da diferença entre os dois sistemas reside numa ideia única4
que gira em torno da questão do critério da justiça profissional.

Vemos que a função de juízes criminais é exercida, por pessoas


privilegiadas, escolhidas e estipendiadas pelo Governo, como seus
empregados, ou se exercem por cidadãos livres. Chamem-se estes jurados,
escabinos, notáveis, pares ou que nomes lhes sejam atribuídos, tudo resulta,
exclusivamente, em que são sempre juízes cidadãos.5

A escolha dos sujeitos que vestirão a toga para assumir a


responsabilidade de julgar fatos tem como apontamentos várias situações
históricas, como por exemplo, a superação do sistema da Inquisição e a
propagação dos ideais da Revolução Francesa.

A participação popular nos julgamentos criminais foi preconizada como


uma das melhores formas de estruturação da justiça penal. De início, razões de
ordem política serviam de base aos argumentos de seus pregoeiros e adeptos,
depois, motivos sentimentais, fantasiados com a indumentária da política

4
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2006, p. 530
5
CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Vol. II. São Paulo: Saraiva,
1957, p. 243-244.
17

criminal, foram desenvolvidos e expostos para justificar a magistratura


popular.6

Temos constatado no cenário jurídico, atualmente, a necessidade de


questionar esta forma de participação do “povo” na tomada de decisões do
Sistema de Justiça Brasileiro, tendo em vista uma série de mudanças ao longo
do tempo. Afinal, de acordo com Aury Lopes Jr., para valorizar a figura do juiz
profissional, em confronto com a dos juízes leigos, não são adequados os
critérios do século passado (ou melhor, retrasado), invocados com algum
acerto naquele momento, mas completamente superados na atualidade.7

Torna-se necessário compreendermos o Tribunal do Júri como


instituição que tem como nota básica a participação popular nos julgamentos
criminais. Em uma definição sobre a dinâmica do julgamento, Firmino
Whitacker atribui que o Júri é visto como um tribunal em que cidadãos
previamente alistados, sorteados e afinal escolhidos, em sua consciência e sob
a fé de um solene juramento, decidem, de fato, sobre a culpabilidade ou não
culpabilidade de um acusado, na generalidade das infrações penais.8

Trata-se de um órgão judiciário com vestes especiais, tendo em vista


vários fatores envolvidos: a convocação de pessoas leigas para julgar fatos e a
dinâmica diferenciada na sessão plenária (o sorteio, juramento, exposições
argumentativas das partes adversas, entre outros) conferem a este órgão ares
de um verdadeiro ritual jurídico.

6
MARQUES, José Frederico. O Júri no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª ed. ,
1955, p. 45.
7
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: 9ª edição, 2012, p. 1048. Neste
sentido, Goldschmidt expõe o contexto de existência do Júri e problematiza a questão no livro
Princípios gerais do processo penal (2002, P. 82) ao revelar que os meios de prova regulada
foram substituídos pelo direito do acusado de invocar, primeiramente, o testemunho e, depois,
o juízo de seus compatriotas. Desse modo, desenvolveu-se o Júri na Inglaterra, enquanto seu
transplante para o mundo chegou a ser objeto de uma petição política, que se justifica por ser a
Administração de justiça não apenas uma operação lógica, mas também um exercício de
império; e por isso a participação dos súditos nela foi uma consequência da intervenção do
povo em todos os poderes do Estado. Pelo contrário, a justificação dessa exigência política
pela maior independência dos juízes populares decaiu a partir da garantia constitucional da
independência dos magistrados, e, além disso, é verdade que os juízes populares são
independentes do governo, mas, pelo contrário, dependem da opinião pública.
8
WHITACKER, Firmino. Jury (Estado de S. Paulo). São Paulo: Typ. Espíndola, Siqueira e
Comp. – 1904, p. 1 e 2.
18

Sabe-se que os caracteres do júri resultam de: primeiro, em cada causa


são chamados, para decidir, cidadãos tirados entre o povo; segundo, estes
cidadãos são apenas juízes de fato; terceiro, são livres de quaisquer regras de
prova legal e, só obedecendo à sua convicção, não tem satisfações a dar sobre
sua sentença; quarto, gozando o acusado do mais amplo direito de recusar,
esses caracteres aparecem como juízes, cuja decisão o mesmo acusado
livremente aceita.9

Vale considerarmos os seguintes fatos: há um juiz técnico que preside o


julgamento, responsável pela convocação dos jurados e, em relação ao
sistema brasileiro de provas, estes cidadãos estão sob a égide do sistema da
íntima convicção, ou seja, não precisam fundamentar os posicionamentos
tomados nas decisões, o que se constitui como um dos mais delicados
problemas que permeiam o nosso sistema, tendo em vista a falta de motivação
aliada à condição leiga dos jurados.

Em relação ao Conselho de Sentença, vemos que jurado é o cidadão


escolhido, mediante sorteio prévio, dentre os 25 recenseados para o Júri.10
Desses 25 jurados, serão sorteados, em cada julgamento, sete pessoas para
constituir o conselho de sentença, estando os demais dispensados pelo juiz
presidente após a escolha. O Conselho de Sentença é o grupo final composto
de 7 pessoas aptas a julgar um determinado caso, formado, a partir da
sequência de três momentos: primeiramente, a partir da lista geral anual de
jurados e posteriormente, após o sorteio de 25 nomes convocados para
comparecerem na sessão determinada e à submissão às recusas. Se houver o
número mínimo de jurados, o Conselho será formado, procedendo então ao
juramento, através da fórmula estabelecida no art. 472 do CPP, sendo esta
uma fórmula simbólica através da qual os jurados prometem julgar com
imparcialidade e decidir de acordo com sua consciência os “ditames da justiça”.
É, de certo modo, um instrumento de captura psíquica, em que se busca

9
MITTERMAIER, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal ou exposição
comparada dos princípios da prova em matéria criminal, etc, de suas diversas aplicações na
Alemanha, França, Inglaterra, etc.. Campinas: Editora Bookseller, 1997, p. 88.
10
TORRES, Margarino. Processo Penal do Júri no Brasil. São Paulo: Editora Quorum, 2008, p.
329.
19

fortalecer o compromisso dos jurados em julgar com a seriedade e


comprometimento que a função exige.11

Tendo como foco a compreensão do universo dos jurados, Margarino


Torres acentua12 que a palavra “jurado” provém do juramento que faziam
outrora, e ainda hoje, sob a forma de compromisso cívico, os cidadãos são
obrigados a fazer, ao serem investidos na função julgadora, em conselho de
sentença. Este juramento tem por fim avivar-lhes a consciência da importância
e gravidade da missão e, ao mesmo tempo, que adverte cada um das
responsabilidades, não só moral, perante a sociedade, de que são
representantes, como individualmente, em face da lei, por abusos ou
transgressões qualificadas. Em relação a este ato, Mauss revela que a etiqueta
desempenha um papel essencial em toda a organização judiciária: a marcha do
processo é comandada pelo emprego de certas palavras consagradas, de
certos gestos. 13

A designação da função de jurado é envolta por toda uma rede


significativa que acumula elementos religiosos, assim, por exemplo, podemos
relacionar a questão da reunião de pessoas com diferentes perfis e
posicionamentos com a escolha dos 12 apóstolos pela figura de Jesus Cristo.
Do mesmo modo, podemos relacionar o juramento como forma de
compromisso com a missão imposta de julgar conforme a consciência.

Consiste o voto de consciência em julgar considerando não somente o


crime, de que os códigos cogitam, senão também o criminoso, pelo seu
passado e pelas circunstâncias morais do caso.14 Essa consciência, real ou
presumida, é produto do ambiente, da moral dominante em cada época e lugar,
de que, portanto, a lei, única e duradoura, não pode ser jamais a expressão fiel;
mas tão somente o jurado, quando, pela seleção, seja expoente da moralidade
e representante legítimo da cultura média da sua classe, com a prerrogativa
ainda do conhecimento dos hábitos desse meio e talvez da personalidade do

11
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. Op. cit. , p. 1026-1029
12
TORRES, Margarino. Processo Penal do Júri nos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro:
Livraria Jacinto, 1939, nº 17, p. 77.
13
MAUSS, Marcel. Manual de etnografia. Lisboa : Dom Quixote, 1993, p. 191.
14
TORRES, Magarinos. Processo penal do júri no Brasil. Op. cit., p. 119-120.
20

próprio imputado e da vítima, o que lhe permitiria avaliar a periculosidade ou


temibilidade [sic] daquele.15

Assim, vemos que essa linha de raciocínio tem como base uma
compreensão de que o povo conhece mais o contexto da situação do crime e,
por isso, pode ter uma carga maior de elementos para tomar a decisão no
momento em que é posto para julgar no Tribunal do Júri, ou seja, aos jurados é
dada certa amplitude para que possam refletir e chegarem a uma conclusão
sem necessidade de uma resposta lógica formal.

No chamado sistema da íntima convicção que rege o julgamento dos


crimes em sede de Júri, o princípio da certeza do homem é tomado como base
da afirmação ou negação da prova. Consiste ele em que a lei absolutamente
não se ocupe dos elementos de prova pelos quais o juiz declara existir o delito,
desse modo, a ela basta que o homem a quem venha confiada essa grave
função se afirme convencido. Esse sistema faz com que o juiz, mesmo ante
uma prova que se diria pleníssima, possa declarar-se não convencido, e
absolver e vice-versa, ou seja, que possa condenar sem nenhum, e mesmo
contra os mais expressos testemunhos, e sem a obrigação de prestar contas
da razão pela qual condena.16

Sobre o tema, Foucault expõe que o princípio da íntima convicção,


formulado e institucionalizado no fim do século XVIII, tinha um sentido histórico
perfeitamente preciso: primeiro não se deve mais condenar antes de ter
chegado a uma certeza total e, segundo, o sentido desse princípio é que não
se podem validar apenas provas definidas e qualificadas pela lei. E, por fim – é
o terceiro significado do princípio da convicção íntima - o critério pelo qual se
reconhecerá que a demonstração foi estabelecida não é o quadro canônico das
boas provas, é a convicção, sendo esta a de um sujeito qualquer, de um sujeito
indiferente, que como indivíduo pensante, é capaz de conhecimento e de
verdade. Ou seja, com o princípio da convicção íntima passamos do regime

15
TORRES, Margarino. Processo Penal do Júri no Brasil. Op. cit., p. 148.
16
CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Op. cit., p. 409.
21

aritmético-escolástico da prova clássica a este tipo de regime supostamente


universal.17

Constatamos, portanto, que a amplitude do mundo extra-autos, de que


os jurados podem lançar mão, sepulta qualquer possibilidade de controle e
legitimação desse imenso poder de julgar.18 Neste sentido, vemos que a falta
de mecanismo apto a tomar ciência das múltiplas decisões das mentes
presentes no Conselho de Sentença expõe um dos maiores dramas
enfrentados pela dinâmica do processo penal brasileiro.

No que diz respeito à escolha dos jurados, dois sistemas opostos se


defrontam: o da mais ampla administração de todos os cidadãos ao encargo de
jurados, desde que não se encontrem em condições de desmerecer
completamente da confiança pública; e o chamado sistema de categorias,
segundo o qual as autoridades escolhem um número restrito de cidadãos, a
quem concedem o privilégio de tomar assento como juízes populares, o que
pode lentamente conduzir a uma oligarquia.19

Verificamos, portanto, duas constatações: o primeiro sistema


compreende todas as pessoas que preencham uma série de requisitos, ou
melhor, que não possuam “manchas em seus currículos” na época da
designação, como exemplo: a certidão negativa de antecedentes criminais. Já
o segundo sistema elege apenas cidadãos pertencentes a segmentos
específicos, como exemplo, funcionários de órgãos públicos, que possam
corresponder às expectativas criadas pela Instituição que organiza o
procedimento de seleção.

O jurado não tem parcela alguma de mandato popular, pois não é


escolhido pelo povo para o exercício de suas funções, sendo seu recrutamento
baseado em um duplo sorteio: um em que é escolhido para compor o Tribunal,
e outro em que é apontado para servir como integrante do Conselho de
Sentença. Em nosso sistema legal, é o juiz quem procede ao alistamento do
Júri, ao que se seguem os dois sorteios mencionados. Assim, dizer que esse

17
FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no collège de France : 1974-1975. São Paulo:
Martins Fontes, 2001, p. 10-11.
18
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. Op. cit., p. 1052.
19
CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Op. cit., p. 417.
22

processo semi-arbitrário de escolha traduz uma incumbência da sociedade


para declarar culpado, ou não, o réu levado a julgamento, é dar aos vocábulos
uma significação muito elástica e pouco técnica.20

Neste trabalho, buscamos analisar o roteiro que imprime os critérios


existentes para obter a seleção dos jurados no ordenamento jurídico brasileiro,
realizando uma análise histórica de boa parte dos problemas encarados pela
instituição do Tribunal do Júri.

1.2 Contexto histórico do Júri no Brasil Império

As instituições judiciárias, para que tenham bom êxito, também exigem


cultura, terreno e clima apropriados.21 Para compreendermos a existência do
Tribunal do Júri no solo brasileiro temos que levar em consideração o contexto
social da época em que a instituição “desembarcou” no nosso espaço.

A instituição do Júri, através das diversas Constituições Brasileiras,


sofreu várias modificações. Podemos observar que estas mudanças,
verificadas ao longo dos séculos XIX e XX, foram implantadas de acordo com
os regimes políticos impostos.

James Tubenchlak observa que “no Brasil, o caminho percorrido pelo


Júri, desde 1822, assemelha-se a uma Guerra Santa: ora avançando, ora
compelido a recuar, ora deformado em sua competência material, resistiu
galhardamente a tudo isso, inclusive dois períodos ditatoriais”.22

Em princípio, nos deparamos com uma Instituição que surgiu para


conduzir o julgamento de processos relativos a uma série de crimes e que,
posteriormente, tomou outros contornos, alterando sua dinâmica conforme o
pensamento transmitido através das Constituições e das legislações
pertinentes.

20
MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. São Paulo: Saraiva, Volume I, 1963, p. 88.
21
MITTERMAIER, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal ou exposição
comparada dos princípios da prova em matéria criminal, etc, de suas diversas aplicações na
Alemanha, França, Inglaterra, etc.. Op. cit., p. 100.
22
TUBENCHLAK James, Tribunal do Júri: contradições ou soluções. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 4.
23

Para conduzir o estudo sobre a questão do alistamento dos jurados, faz-


se necessária uma análise do contexto histórico da época em que a Instituição
foi implantada no Brasil e dos marcos temporais subsequentes para
compreender os critérios utilizados na realização de tal procedimento, assim
como das principais mudanças transmitidas através das Constituições e
reformas feitas no Código de Processo Penal.

Seguimos a seguinte lógica temporal para conduzir a abordagem do Júri


no Brasil Imperial:

a) 1822, ano da instalação do Júri no Brasil;


b) 1824, advento da primeira Constituição;
c) 1832, marco do primeiro Código de Processo Penal brasileiro;
d) 1841, ano que marcou a reforma do Código de Processo Penal;

1.2.1 1822: Origem do Júri no Brasil

A transição do sistema colonial para o Império acarretou grandes


transformações e movimentos no país. Conforme Ruth Gauer, o poder Imperial
se caracterizou por se erguer como um poder tutelar que se encarregou de
controlar os destinos da nova nação. D. Pedro I, ao aceitar o título de “Defensor
e Protetor Perpétuo do Brasil”, passou a olhar a segurança da nova nação
como sua responsabilidade. Na hierarquia social, o Imperador se colocara e
fora colocado como soberano legítimo o que lhe permitiria dirigir e vigiar o seu
governo e o povo brasileiro que seria “desgraçado” sem a sua presença.23

A figura de D. Pedro I exerceu papel fundamental para caracterizar


alguns contornos dados ao Brasil nesta época tão turbulenta: o seu discurso
era pautado pelo compromisso com o povo brasileiro, com o qual ele passou a
conviver intensamente, atuando como controlador da sociedade.

Coube a ele, por influência de José Bonifácio de Andrada e Silva, a


instituição do Júri no Brasil, pelo ato de 18 de junho de 1822, criando, assim,
juízes de fato para julgamento de abusos de liberdade de imprensa, declarando
nesse ato24 que “procurando ligar a bondade, a justiça e a salvação pública,

23
GAUER, Ruth Maria Chittó. A Construção do Estado-Nação no Brasil. Op. cit., P. 243.
24
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro. Rio de Janeiro: 2ª edição,
Livraria Francisco Alves, nº 112, 1911, p. 144.
24

sem ofender a liberdade bem entendida de imprensa, que desejo sustentar e


conservar, e que tanto bem tem feito à causa sagrada da liberdade brasileira”.

Constatamos que o Tribunal do Júri “desembarcou” no nosso país


justamente nos suspiros finais do período do “Brasil Colônia”, tendo como foco
o enfrentamento da questão dos crimes referentes à legislação de imprensa,
evitando, assim, o desgaste da imagem do sistema centralizador perante o
povo considerado, até então, pacífico e cordial.

Houve um episódio decisivo que marcou a implantação do Júri no Brasil:


Em 15 de janeiro de 1822, um panfleto do jornalista José da Silva Lisboa –
Heroicidade Brasileira – provocou a ira do governo e desencadeou um
processo de censura: o Príncipe Regente mandava que a Junta Diretora da
Tipografia Nacional não consentisse a impressão de qualquer escrito sem a
identificação com o nome do autor. Criou-se, então, o primeiro júri de imprensa
no Brasil com o objetivo de evitar difusões polêmicas. Ordenava-se que as
tipografias encaminhassem ao procurador da Coroa e Fazenda um exemplar
de todos os papeis impressos; os artigos deveriam ser assinados pelos
escritores para sua responsabilidade, assim como os editores e impressores
seriam responsáveis por todas as publicações.25 Vale ressaltar que o decreto
baixado pelo Príncipe prescrevia que tal forma de julgamento era provisória.

Notamos a crescente preocupação do sistema imperial com a


manutenção da ordem, pautada no discurso propagado pelo decreto que
instituiu o Júri, ou seja, era necessário conter os meios de comunicação para
evitar qualquer espécie de ofensa à imagem da atuação de controle político no
cenário nacional.

O júri era composto de vinte e quatro “juízes de fato”, cidadãos


escolhidos dentre os homens bons, honrados, inteligentes e patriotas, cabendo
sua nomeação ao Corregedor e Ouvidores do crime, nos casos ocorrentes e a
requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que seria o Promotor e
Fiscal de tais delitos. Para cada sessão de julgamento 24 cidadãos eram

25
MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1977-1979.
v.II, p. 151,154.
25

convocados, podendo o réu, recusar até 16 nomes dos sujeitos sorteados para
compor o Conselho de Sentença, competindo a oito procederem “no exame,
conhecimento e averiguação do fato.”.26

Primeiramente era feita uma seleção dos cidadãos aptos ao ofício de


julgar, sendo montada uma lista com base em critérios bem subjetivos, de
acordo com a ótica das autoridades responsáveis inseridas no âmbito de cada
comarca. Note-se, ainda, a concessão do direito ao réu de recusar
determinados sujeitos, no que tange à formação do Conselho de Sentença, o
que diminuiria, em tese, a possibilidade de um julgamento parcial ou
tendencioso.

Em 22 de novembro de 1823, D. Pedro ordenou a execução provisória


de um projeto de lei que criou em cada comarca, dois Conselhos de Juízes de
Fato, sendo um com nove vogais e o outro com doze. O conselho de nove
vogais equivalia ao júri de acusação e o de doze ao júri de julgamento ou
conselho de sentença. As qualidades exigidas para ser jurado eram as
mesmas requeridas para ser eleitor e os conselhos eram formados por sorteio,
dentre sessenta homens “bons”.27

Observamos, então, a vinculação do sistema eleitoral com a política de


seleção dos jurados para atuação no Tribunal do Júri. Logo, constatamos a
restrição maciça da população do alcance dos direitos políticos e,
consequentemente, da concessão do direito ter participação “ativa” nas
sessões de julgamentos destinadas à decisão popular.

Assim, a dinâmica do primeiro funcionamento do Júri no ordenamento


brasileiro acontecia da seguinte forma: um julgamento era dividido em duas
fases, sob a análise de dois conselhos de jurados. Na primeira fase, o primeiro
conselho, chamado de Júri de Acusação, tinha competência para decidir sobre
a procedência da denúncia dos fatos relatados e era formado por nove jurados.
No caso de recebimento da denúncia, segunda fase, o segundo conselho

26
VASCONCELOS, L. C.. A supressão do júri. Fortaleza : Ed. Instituto do Ceará, 1955, p. 49-
50.
27
Ibid., p. 50-51.
26

equivalia ao Júri de julgamento ou conselho de sentença, constituído por doze


jurados.

A entrada em cena, no mundo brasileiro, de um projeto de organização


política calcado nos princípios da representatividade, da liberdade e da
igualdade dos cidadãos, com base na racionalidade jurídica, foi retratada no
projeto da elaboração da primeira constituição por parlamentares eleitos pelo
voto censitário. Assim como a montagem do Estado e da Nação mobilizava
vários segmentos sociais, dando à monarquia constitucional a soberania ao
Imperador e, ao mesmo tempo, aos poderes constituídos – executivo,
legislativo e judiciário - os súditos libertos da tutela do Rei passavam à
condição de cidadãos, gozariam de direitos políticos.28

Compreendemos, desse modo, a formação de um estabelecimento de


um sistema que buscou uma abertura da gestão estatal ao povo e, mais ainda,
o debate em torno de quem mereceria participar ativamente deste processo,
tendo em vista o contexto social tão diversificado presente no nosso país. Toda
essa discussão ativa em torno do sistema de administração de justiça deve-se
à propagação das concepções semeadas no continente europeu através de
brasileiros formados em Coimbra, os quais exerceram papel fundamental na
construção das ideias retratadas na Constituição brasileira de 1824 e nas
seguintes legislações.

1.2.2 1824: A Primeira Constituição Brasileira

Proclamada a Independência em 7 de setembro de 1822, a Constituição


Imperial de 25 de março de 1824 não silenciou a respeito do Júri e, elevando-
se a um dos ramos do Poder Judiciário, deu-lhe, nos artigos 151 e 152,
atribuições para, em matéria de fato, decidir as questões criminais, bem como
as civis.29 O Tribunal do Júri ganhou reconhecimento, ultrapassando a esfera

28
GAUER, Ruth Maria Chittó. Violência e medo na fundação do Estado-Nação. Civitas –
Revista de Ciências Sociais. Ano 1, nº 2, dezembro de 2001, p. 82.
29
BRASIL. Constituição (1824). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal, 1824.: Art. 151 – O poder judicial é independente, e será composto de juízes
e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os
códigos determinarem. Art. 152 – Os jurados se pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a
lei.
27

de julgamento dos crimes de imprensa, e conseguiu obter um lugar entre as


instâncias competentes para julgar determinados processos criminais e cíveis.

Essa instituição, porém, não exerceu poder algum nos processos cíveis,
pois os legisladores, que procuraram desenvolver e regulamentar os preceitos
da Carta Constitucional, entenderam que juízes do povo poderiam somente
decidir com acerto as questões criminais, porque, para julgar os processos
cíveis, em sua maioria complexos e difíceis, eram indispensáveis o
conhecimento das leis e a pratica de julgar, que só os magistrados podem ter.30

Percebemos que a adoção dessa postura da não permissão do povo


para julgar fatos cíveis revela uma preocupação com a condução de um
julgamento que impõe uma análise mais técnica para poder tomar uma
decisão, menosprezando totalmente a complexidade do julgamento de crimes.

Com o advento da nossa primeira Constituição, em 25 de março de


1824, passou o Tribunal do Júri a abranger um leque bem maior de delitos. Sua
composição mudou, passando a ter o Júri de Acusação vinte e três
componentes, e o Júri de Sentença, a ser formado por doze jurados. Já seu
caráter de representatividade passou a ser questionado, na medida em que,
numa sociedade escravocrata, só pudessem ser jurados os cidadãos que
podiam ser eleitos, ou seja, os chamados “homens bons”, que detivessem uma
determinada renda, e que consequentemente, pertencessem às camadas
dominantes.31

A preocupação com o rumo da Instituição do Tribunal do Júri começou a


despertar tons de preocupação a partir do momento em que as primeiras listas
foram montadas: tornou-se visível o desencontro da ideia de representatividade
popular pregada pelo Brasil afora com a prática de seleção dos jurados.

Mariza Corrêa ressalta que, em uma sociedade escravocrata e elitista, o


júri não tinha nenhum caráter de representação popular, embora ampliasse o
círculo dos decisores. Podiam ser jurados os que podiam ser eleitores, isto é,

30
WHITACKER, Firmino. Jury Op. cit., p. 9.
31
ALMEIDA, Vital Alberto Rodrigues de. Tribunal do júri e o conselho de sentença. São Paulo:
WVC, 1999, p. 24.
28

os chamados “homens bons”, com uma determinada renda e pertencentes a


determinadas categorias sociais.32

A primeira Constituição traçou a configuração da participação política do


povo com base no sufrágio censitário, ou seja, a concessão do direito ao voto
tinha como critério basilar a percepção da renda econômica anual das pessoas.
Embora a ideia inicial tenha tomado como base a ampliação da oferta de uma
possível participação do povo no que diz respeito à vida pública, este discurso
não foi efetivado devido à centralização da estrutura político-eleitoral existente
no primeiro reinado do Brasil.

Constata-se que, na época, mais de 85% dos brasileiros eram


analfabetos, entre os quais se incluíam muitos dos grandes proprietários
rurais, mais de 90% da população vivia em áreas rurais, sob o controle
ou a influência dos grandes proprietários. Nas cidades, muitos votantes eram
funcionários públicos controlados pelo governo e a maior parte dos cidadãos do
novo país não tinha usufruído do exercício do voto durante a Colônia.
Certamente, não tinha também noção do que fosse um governo
representativo e d o q u e s i g n i f i c a v a o a t o d e e s c o l h e r a l g u é m
c o mo seu representante político. A p e n a s pequena parte da
população urbana teria noção aproximada da natureza e do funcionamento das
novas instituições e até mesmo o patriotismo tinha alcance restrito, pois para
muitos, ele não ia além do ódio ao português, não era o sentimento de
pertencer a uma pátria comum e soberana.33

Observamos, portanto, rastros de uma sociedade marcada pela forte


concentração do poder de decisão nas mãos de determinados segmentos
sociais e a visível predominância masculina no comando das esferas de
atuação. Todo esse cenário despertava a atenção de uma população até então
desconhecedora de ações que possibilitassem o exercício do povo no
gerenciamento de determinadas decisões.

32
CORRÊA, Mariza. Os crimes da paixão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981, p. 29.
33
CARVALHO, José Murilo de. C i d a d a n i a n o B r a s i l , O l o n g o C a m i n h o . 3 ª
e d . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 32
29

Vejamos também, a presença da ideia de que são rejeitados aqueles


que se sabe com má reputação e são escolhidos aqueles que são
reconhecidos como sérios, decentes, etc.; apenas o convívio cotidiano na
esfera municipal pode permitir tal processo de escolha. A justiça correta nasce
nessa esfera, na qual se pode conhecer os eleitos que, por sua vez, voltarão
para a vida local após o término do mandato, devendo, portanto, desempenhar
suas funções de forma justa. Em resumo, a vida local fornece a chave para a
eleição dos cargos. É a partir da esfera municipal que os cidadãos
acompanham e participam da montagem do poder.34

Vemos, então, uma política de seleção ainda mais subjetiva: a busca de


cidadãos portadores de uma conduta condizente com o sistema e a exclusão
de outros que pudessem afrontar o pensamento centralizador presente na
época.

Tornou-se visível a formação do seguinte quadro: uma sociedade


governada pelos interesses materiais de uma oligarquia de grandes
proprietários rurais, exploradores de escravos, e pelo idealismo jurídico,
cultivado nas duas faculdades de Direito surgidas no Brasil, continuadoras das
tradições coimbrãs, que, em vez de buscar redução da distância entre a cultura
das elites e a dos segmentos populares, dava ao Brasil a fisionomia de uma
realidade mísera de pobretão sob um manto de lantejoulas’ e de pedrarias...35

Sistematiza-se, assim, um contexto social marcado pela forte influência


de alguns setores na escolha dos sujeitos que poderiam compor o cenário
jurídico. Logo, nota-se uma contínua forma de exclusão de núcleos de
cidadãos no que diz respeito à obtenção do direito à representação da nação,
fato que transcende o debate entre a questão de classes elitizadas ou não,
tendo em vista que o dado fundamental buscado pela seleção abrangia a
condição de homem “bom”.

Segundo esse sistema, diz Cândido de Oliveira Filho, o Júri, em vez de


ser na época, a consciência da sociedade, era, simplesmente, nas comarcas e

34
COSER, Ivo. Visconde do Uruguai – centralização e federalismo no Brasil/ 1823-1866. Belo
Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008, p. 88-89.
35
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. Introdução ao estudo da cultura no Brasil. Rio
de Janeiro: IBGE, 1943, p. 179.
30

termos do interior dos Estados, a consciência dos caciques políticos36. Com


base nesses dados podemos imaginar um Conselho de Sentença com uma
composição formada por sujeitos dignos da confiança dos responsáveis pela
indicação dos possíveis nomes para lista, o que poderia acarretar numa
reprodução do pensamento “vertical” acerca das possíveis decisões a serem
tomadas nas sessões de julgamento do Tribunal do Júri.

1.2.3. 1832: Advento do Código de Processo Criminal

Em 1832, entrou em vigor o Código de Processo Criminal, que fixou


normas para a aplicação do Código Criminal de 1830. O Código deu maiores
poderes aos juízes de paz, eleitos nas localidades já no Império de Dom Pedro
I, mas que agora podiam, por exemplo, prender e julgar pessoas acusadas de
cometer pequenas infrações. Ao mesmo tempo, seguindo os modelos
americano e inglês, o Código instituiu o júri para julgar a grande maioria dos
crimes, e o habeas corpus, a ser concedido a pessoas presas ilegalmente, ou
cuja liberdade fosse ameaçada.37

O Código de Processo Criminal de 1832 foi o primeiro conjunto de


normas capaz de abordar procedimentos distintos referentes à necessária
conjugação com o Código Criminal estabelecido em 1830. Em relação a
algumas mudanças referentes ao Júri, podemos analisar a ampliação dos
poderes dados aos Juízes de paz – figuras responsáveis pela resolução de
conflitos mais corriqueiros no cotidiano, eleitos pelos cidadãos ativos, tendo
também como um de seus deveres selecionar os jurados.

O círculo judiciário de primeira instância dividiu-se, com o estatuto de


1832, em três circunscrições: o distrito, o termo e a comarca. O distrito foi
entregue ao juiz de paz, com tantos inspetores quanto fossem os quarteirões;
no termo haveria um conselho de jurados, um juiz municipal, um escrivão das
execuções e os oficiais de justiça necessários; na comarca – a mais ampla
expressão territorial – havia o juiz de direito, em número que se estenderia até
três, nas cidades populosas, um deles com o cargo de chefe de polícia. O juiz

36
OLIVEIRA FILHO, Cândido de. A Reforma do Júri. São Paulo: Editora Quorum, 1932. p. 19.
37
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 4. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1996, p. 163.
31

de paz era filho direto da eleição popular, nomeados os inspetores de


quarteirão pelas câmaras municipais, sob proposta daquele. Os juízes
municipais e os promotores públicos – que serviam nos termos – provinham da
nomeação dos presidentes de província, sob proposta encaminhada em lista
tríplice, para um mandato de três anos. Os juízes de direito, escolhidos dentre
bacharéis, saíam das mãos do imperador, por obra e graça de sua vontade.38
Os termos eram presididos pelo juiz municipal e compunham-se de um ou mais
municípios em condições de fornecer um mínimo de 50 jurados.39

Sobre as províncias, Tobias Barreto expressava que sem exercer os


limites de mera circunscrição territorial, não tinha a província outra vida que a
do interdito: por si nada fazia, à espera do consentimento muito expresso do
vulto eminente que lhe davam por curador. Estávamos fartos de aparências
ilusórias. Nada se realizava sem o “placet central”.40
A organização judiciária dividiu as províncias em comarcas, estas em
distritos, e estes em termos, para facilitar a desafiadora situação de um país
com ares de continente. Vale ressaltar que a escolha dos integrantes tinha
respaldo na indicação e aceitação de figuras políticas - caso dos Juízes e
promotores - ou na eleição popular - juízes de paz.

Outra mudança, pertinente ao Tribunal do Júri com o advento do


mencionado Código, diz respeito à ampliação do leque de crimes a serem
julgados por essa instituição judiciária, o que demonstra uma concordância dos
legisladores com o sistema de “distribuição da função de julgar” incorporado no
ordenamento brasileiro.

O projeto do Código de Processo Criminal foi redigido em 1831 por uma


comissão mista do senado e da câmara, sendo redator Alves Branco, formado
em Leis por Coimbra, em 1823. A modernização na estrutura das instituições

38
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3ª Ed.
São Paulo: Globo, 2001, p. 352-353.
39
TORRES, João Camillo de Oliveira. A democracia coroada: teoria política do Império do
Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1964, p. 231.
40
BARRETO, Tobias. Crítica política e social. Rio de Janeiro: Record, 1990, p. 74
32

brasileiras possibilitou reformas administrativas que desenharam um novo perfil


em nossa sociedade.41

Podemos compreender que os avanços legislativos encontrados neste


contexto foram frutos de uma crescente influência dos brasileiros que
estudaram em Coimbra - berço acadêmico que contribuiu para alimentar uma
nova concepção de mundo – os quais difundiram visões propícias a um
rompimento com uma arcaica estrutura judicial.

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império do


Brasil estabeleceu em vinte e três jurados o número do “Júri de Acusação” e
doze o do “Júri de Sentença”, sendo que em cada termo haveria um Conselho
de Jurados. As qualidades exigidas para a função eram basicamente três: ser
eleitor, possuir bom-senso e probidade.42

Com essa legislação houve um reforço da distinção de dois momentos


procedimentais para avaliar determinados fatos: os jurados eram convocados
para analisar a procedência da acusação, caso positiva, entraria em cena outro
grupo de jurados, o qual teria a função de julgar toda situação. Vale mensurar
também a descrição dos requisitos impostos em 1832: a condição de eleitor
constituía o único critério concreto para figurar na lista de jurados, o que
minimizava consideravelmente as possibilidades de alguém exercer tal função.

O Código, com sua ênfase na participação popular no Tribunal do Júri,


inflacionou a estrutura judicial até chegar ao ponto de não ter mais cidadãos
suficientes para preencher os postos de jurados. A situação ficou tão ridícula
nas províncias pouco povoadas que, em 1835, um comunicado da província do
Ceará afirmava que não podia reunir as pessoas nem tinha recursos materiais
necessários para reorganizar a justiça provincial de acordo com o Código de
Processo Criminal. Em muitos condados rurais eram muitos os problemas para
selecionar sessenta homens respeitáveis para trabalhar como jurados. Como
os soldados da Guarda Nacional, os poucos jurados elegíveis não podiam se

41
GAUER, Ruth Maria Chittó. A Construção do Estado-Nação no Brasil. Op. cit., p. 307.
42
ALMEIDA, Vital Alberto Rodrigues de. Tribunal do júri e o conselho de sentença. Op. cit., p.
24.
33

dar ao luxo de deixar os seus negócios, e quase sempre davam desculpas para
não apresentar-se..43

Nesta perspectiva, torna-se visível um foco problemático no que diz


respeito ao alistamento dos jurados: a falta de cidadãos aptos para o exercício
da missão. Através dos dados presentes no período histórico analisado,
compreendemos a difícil missão que competia aos responsáveis pela seleção
dos cidadãos em províncias com um menor número de pessoas.

Os críticos notaram os vícios do processo de seleção dos jurados e, em


todas as partes, se suspeitava que os postos locais estivessem dominados por
indivíduos parciais. Ou seja, os jurados eram considerados os “filhos legítimos”
do juiz de paz, pároco e do presidente do conselho municipal, autoridades
responsáveis pelo alistamento.44 O Padre Lopes Gama, um dos observadores
sociais mais sensíveis da época em Pernambuco, afirmou que em todas as
cidades do interior havia certo número de figuras poderosas que elegiam os
jurados e logo determinavam as decisões destes de acordo com seus próprios
interesses.45

Podemos notar que o novo sistema implantado nas unidades político-


administrativas no século XIX para lidar com a seleção dos jurados acarretou
alguns vícios: a formação de uma lista suspeita, devido à inclusão de
indivíduos que não tinham a imparcialidade necessária para julgar os casos,
assim como a perpetuação de uma lista com os mesmos nomes nos anos
subsequentes, o que demonstra um descompromisso com os ideais
propagados pela Instituição popular pelo mundo afora.

O Visconde de Uruguay relatava que o governo (central) recorria à única


arma que lhe fora deixada. Suspendia e mandava responsabilizar o empregado
que não executava ou iludia as suas ordens, muitas vezes acintosamente e de
acordo com a parcialidade à qual pertencia. Era este acusado pelo promotor
filho da eleição em que triunfara a mesma parcialidade. Era formada a culpa

43
FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. México (D.F.): Fondo de
Cultura Economica, 1986, p. 191
44
APOLINÁRIO DE JABOATÃO. Correio Mercantil, Salvador, Bahia, 19 de outubro de 1839.
45
O CARAPUCEIRO, O Despertador. São Luís, 8 de março de 1840.
34

pelo juiz de paz do mesmo partido. Se por acaso era pronunciado, era julgado
pelos jurados apurados pelo juiz de paz e presidente da Câmara eleitos pelo
mesmo partido.46

Notamos, no arranjo social montado, alguns indícios de um


preenchimento de determinados cargos de acordo com fins de dominação, ou
seja, os atos dos cidadãos executores de funções públicas deveriam
corresponder à rede de pretensões estatais.

Desde 1834 o ministro da Justiça reconheceu que as juntas


responsáveis para nomear os jurados usavam seus poderes discricionários
para eliminar os homens cujas opiniões políticas diferissem das suas.47 Na
busca da figura do jurado independente da influência do governo e dos juízes
técnicos, os legisladores haviam criado uma instituição que estava aberta às
pressões ilegítimas por todos os lados.48

Algumas vozes começaram a anunciar a prática existente para


selecionar os jurados na época: eram convocados cidadãos obedientes e
adeptos à linha de raciocínio dos responsáveis pelo alistamento. Ou seja, os
jurados eram considerados canais de transmissão das decisões do Juiz de
Paz, do pároco e do Presidente da Câmara Municipal – o que mantinha uma
espécie de mecanismo de controle das decisões penais.

Em relação à atribuição dada aos párocos, José Murilo de Carvalho


afirma que não há dúvida de que a Igreja era uma instituição influente, sendo
parte da burocracia estatal. É igualmente inegável que houve intensa
participação política de padres em certos períodos.49 Aqui, temos o
reconhecimento da Igreja Católica como detentora de poder deliberante acerca
da escolha dos cidadãos mais aptos para o serviço de jurado no Tribunal do
Júri.

46
URUGUAY, Visconde de. Ensaio sobre o direito administrativo. Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1862, tomo II, p. 204, nº2, p. 216 e 217.
47
BRASIL, Discurso do ministro de Justiça (Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho). Relatório,
1834, p. 21-22 apud VASCONCELOS, L. C.. A supressão do júri. Op. cit., p. 55
48
FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. Op. cit., p. 192
49
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. 2 ed. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996, p. 47.
35

Os cargos eleitos do Judiciário eram um mero instrumento de defesa de


grupos familiares. Nas pequenas localidades, a ação política não era pautada
por valores calcados na civilização, consistindo, então, em mera expressão de
paixões e de uma ambição voltada para o extermínio do adversário [...] Seria
pertinente indagar em que medida, nas pequenas localidades, poder-se-ia
encontrar cidadãos capazes de formar o júri isento capaz de resistir às
pressões dos clãs familiares. 50

Percebe-se, então, uma cultura local marcada pela existência de


vínculos entre os jurados e a sociedade (fato que tendia a suspeição e
dificultava a formação do Conselho de Sentença) e, ainda mais grave, a
possibilidade da submissão à pressão advinda de pessoas interessadas em
determinados rumos acerca da decisão em julgamentos específicos.

Segundo uma proposta do ministro da Justiça no ano de 1835,


Limpo de Abreu, o júri, nos moldes previstos pelo Código do Processo,
somente deveria ter vigência plena em cidades com uma determinada
população, pois, em cidades com uma população escassa, o júri não teria um
bom funcionamento.51

É evidente que a difícil situação da realização de sessões de


julgamentos em regiões marcadas pela escassa concentração de cidadãos
aptos ao alistamento chega a despertar a preocupação de boa parte de sujeitos
comprometidos com o funcionamento do Tribunal do Júri no ordenamento
brasileiro.

O Senador Alves Branco, o mesmo autor do Código de Processo, assim


se manifestava, na Câmara dos Deputados, em sessão de 9 de setembro de
1835:

Reputo também da primeira importância providenciar soluções


sobre o júri. Sabe-se quanto é difícil no nosso país achar
atualmente grande número de pessoas habilitadas para
julgarem as causas; sabe-se quanto é difícil reunir, nas cidades
principais, quarenta e oito jurados, quanto mais sessenta,
número necessário para que diariamente trabalhem os dois

50
COSER, Ivo. Visconde do Uruguai – centralização e federalismo no Brasil/ 1823-1866. Op.
cit., p. 180- 192.
51
Ibid., p. 170.
36

conselhos; sabe-se quão pouca vantagem presta o primeiro às


partes e de quanta demora lhes é causado. E é esta a razão
por que proponho que só haja juízo por jurados nas cidades
populosas e nas cabeças de comarcas e como com esta
providência é possível dar aos mesmos melhores qualificações,
assentei que a renda de 500$00 fosse indispensável, para que
um cidadão tivesse o direito de julgar os outros, procurando no
maior rendimento maior independência e cultura intelectual.52

Surge, portanto, a necessidade de uma busca do aprimoramento desta


forma de administrar a Justiça, considerando quão problemática era a situação
para poder realizar a seleção dos jurados, tendo em vista o contexto de fatores
que afetou à sociedade brasileira e que desfavorecia o recrutamento: a
condição de eleitor (que eliminava boa parte da população para participar do
Júri), a sucessão de dias de duração de uma sessão de julgamento e a falta de
remuneração dos jurados para o exercício do ofício.

Quanto ao Júri, conforme o ato adicional antes de 1840, é objeto de lei


provincial, não da geral: a fixação do número preciso de jurados para
funcionarem os tribunais; a renda, base do censo para a qualificação dos
cidadãos-juízes; as épocas e lugares dos julgamentos; a distinção, segundo o
grau dos crimes, e o grande júri para conhecer os mais graves atentados, em
suma, toda a parte variável e regulamentar desta bela instituição.53

1.2.4 1841: Reforma do Código de Processo Penal

No final do ano de 1841 foi aprovada a Reforma do Código do Processo


Criminal, que mexeu com o retrato procedimental até então conhecido de modo
que o poder central atrelou as influências locais, armadas com a polícia e a
justiça, ao comando de seus agentes. Criou, no município da corte e em cada
província, um chefe de polícia, com os delegados e os subdelegados a ele
subordinados, nomeados pelo imperador e pelos presidentes. O juiz de paz
despediu-se da majestade rural, jugulado pela autoridade policial, que passou a
assumir funções policiais e judiciárias; os juízes municipais e os promotores

52
ALVES BRANCO, Discurso, p. 31 Apud ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo
criminal brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos. Vol. I, 1959, p. 176-178.
53
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. A província: estudo sobre a descentralização no
Brasil. Brasília: Senado Federal, 1996, p. 217.
37

perderam o vínculo com as câmaras e o júri desceu mais um degrau na sua


dignidade de justiça popular.54

Durante o Segundo Império brasileiro o Tribunal do Júri foi alvo de


algumas mudanças no que diz respeito ao recrutamento dos jurados:
diminuição do número de cidadãos na lista de 60 para 48 nomes a cada sessão
de julgamento; atribuição da seleção para outras autoridades e a abolição do
conselho de sentença referente à admissibilidade da denúncia. Todas essas
alterações referentes ao procedimento evidenciaram, ainda mais, os
desdobramentos do Poder Legislativo na tentativa de administrar tal forma de
julgamento popular no ordenamento brasileiro.

Através da Reforma do Código de Processo Penal em 1841 podemos


visualizar a criação do cargo de Delegado de Polícia, que tinha como uma de
suas atribuições a seleção dos jurados, função antes exercida pelos Juízes de
paz, párocos e vereadores.

Compreende-se, então, que os chefes de polícia, assim como os


delegados e subdelegados, além de funções policiais, tinham função judiciária.
A reforma extinguiu o Júri de Acusação e a formação da culpa e a sentença de
pronúncia foram distribuídas às autoridades policiais e aos juízes municipais,
dependendo a pronúncia dos delegados e subdelegados de confirmação dos
juízes municipais. A lista com os nomes dos jurados passou a ser organizada
pelos delegados de polícia, que, por sua vez, a remetiam aos juízes de direito,
competindo a uma junta, composta por este, pelo promotor e pelo presidente
da câmara municipal, conhecer das reclamações a fazer a lista geral de
jurados.55

A concentração de poderes retratada na figura do Chefe de Polícia


revela a presença de ranços inquisitoriais nas alterações legislativas: a decisão
de admissibilidade da denúncia, que antes competia a cidadãos jurados, agora
fazia parte do rol de funções do Delegado, o que pôde revelar a mesma
condução de decisão no que diz respeito à investigação e ao julgamento,

54
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Op. cit.,
p. 383.
55
MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Op. cit., p. 19.
38

situação que minimizou consideravelmente os direitos do sujeito frente à


acusação.

A Reforma do Código também ampliou os requisitos para os que


queriam ser jurados: tinham agora que saber ler e escrever, e ter uma renda
mínima anual, não mais de duzentos mil-réis, mas de quatrocentos, trezentos
ou duzentos mil-réis, conforme o tamanho da cidade. Além disso, as sentenças
proferidas pelo júri ficaram passíveis de apelação, quando o juiz de direito
assim achasse conveniente.56

Com a Reforma, houve uma ampliação em torno dos critérios para


verificar a condição de cidadãos aptos ao serviço do Júri sendo a primeira
alteração referente à alfabetização, entendida como necessária para que o
jurado pudesse compreender alguns dados escritos possivelmente levados em
consideração durante o julgamento e à importância do entendimento da
resposta a ser proferida no momento da decisão. A segunda alteração versa
sobre o aumento da renda mínima anual do candidato a jurado, o que consistiu
em um retrocesso para efetivação de um conselho de sentença mais
representativo da sociedade, tendo em vista a utilização de um critério
apropriado para excluir cidadãos pertencentes às camadas sociais mais baixas.

O mecanismo de seleção dos jurados consistiu em ponto de angústia


para José Marcelino Pereira de Vasconcellos, processualista que conviveu com
o universo do Júri na época:

Não se pode esperar decisões fundadas em justiça, nem


contar com garantia alguma, se não houver escrúpulos na
qualificação dos juízes de fato. Que se pode esperar do
homem que não tiver juízo claro, ou certa inteligência para bem
avaliar as questões que são submetidas a seu conhecimento?
Que não tiver independência, a qual só existe possuindo meios
de estar a coberto de urgentes necessidades? Que não tenha
consideração e posição honesta, da qual lhe resulte respeito e
força moral? É por isso que deve haver grande zelo da parte
57
dos delegados de polícia, na formação das respectivas listas.

56
BASILE, Marcello Otávio N. de C. O império brasileiro: panorama político. In: LINHARES,
Maria Yedda (org.). História geral do Brasil. 9. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 240.
57
VASCONCELLOS, José Marcelino Pereira de. Código dos Jurados. Rio de Janeiro:
Laemmert & C., 1885, p. 15.
39

A geração de uma nítida preocupação com a seleção dos jurados nesta


época pode ser compreendida pela esdrúxula concentração de atos nas mãos
da Polícia: esta, além de assumir a missão de decidir sobre a procedência da
admissibilidade do caso, emitindo verdadeiro julgamento em sede processual,
agora pode escolher os jurados não só de acordo com os critérios formalmente
estabelecidos, mas de acordo com a sua visão sobre os cidadãos mais bem
cotados para reproduzir as conclusões policiais.

O deputado Ferreira Souto demonstrou sua preocupação com este tipo


de problema:

Entendo que o modo de qualificar jurados deve ser reformado:


é realmente um mal que os jurados sejam qualificados pelos
juízes de paz e câmaras municipais. Mas, não posso concordar
que se dê ao delegado de polícia e ao juiz de direito a
atribuição de qualificar os jurados. O juiz de direito tem de
presidir o Júri; por consequência, não deve arriscar-se à
suspeita de preparar jurados moldados às suas opiniões. Sei
que na França os prefeitos formam listas parciais e a organiza
o presidente da Corte; mas esta forma de organizar o júri é
muito atacada e má. Dar ao juiz de direito esta faculdade, isso
me parece contrário à natureza da instituição dos jurados e
contra o conceito de imparcialidade que deve caracterizar o juiz
58
para poder inspirar toda a confiança às partes.

A pauta de discussão sobre a formação da lista de jurados tem como


uma de suas faces a nítida preocupação com a atribuição da seleção para
autoridades que poderiam macular o Júri com recrutamento de cidadãos
suspeitos, representantes de uma vontade “vertical”, frutos do descompromisso
com um julgamento imparcial. Note-se também a intenção de remeter a
seleção dos jurados aos Magistrados que tinham a responsabilidade de presidir
a sessão de julgamento, estratégia que foi confirmada posteriormente após o
advento da República.

A última grande reforma judiciária do Império deu-se em 1871 e


seu principal objetivo foi separar as funções policiais e judiciárias misturadas
em 1841 nas atribuições dos delegados e subdelegados de polícia.59 A

58
FERREIRA SOUTO, Discurso, p. 32 apud ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo
criminal brasileiro. Op. cit., p. 181.
59
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Op. cit., p.
159.
40

mudança da atribuição da admissibilidade da pretensão acusatória do Chefe de


Polícia para a figura do Juiz revela um avanço no sentido de alcançar um
modelo acusatório, tomando como base uma separação das funções de
investigação e julgamento, atividades dadas a pessoas distintas.

Os primeiros dados gerais sobre instrução mostram enormes carências


nessa área. Em 1872, entre os escravos, o índice de analfabetos atingia 99,9%
e entre a população livre aproximadamente 80%, subindo para mais de 86%
quando consideramos só as mulheres. Mesmo descontando-se o fato de que
os percentuais se referem à população total, sem excluir crianças nos primeiros
anos de vida, eles são bastante elevados. Um abismo separava, pois, a elite
letrada da grande massa de analfabetos e gente com educação rudimentar.60

Os índices acerca do nível de instrução da sociedade no final do


segundo reinado brasileiro configuram um retrato marcado por grandes
disparidades que acaba surtindo consequências na manutenção do exercício e
controle das funções jurídicas nas mãos de uma seleta camada de pessoas.

Tanto as ideias e valores que predominavam entre a elite como as


instituições implantadas por esta mesma elite mantinham relação ambígua de
ajuste e desajuste com a realidade social do país: uma sociedade escravocrata
governada por instituições liberais e representativas; uma sociedade agrária e
analfabeta dirigida por uma elite cosmopolita voltada para o modelo europeu de
civilização.61

Constatamos que as características descritas acerca do mecanismo de


seleção dos jurados ao longo da existência do Júri no Brasil Imperial foram
circunscritas de acordo com uma visão monopolizadora de controle das
decisões penais.

Segundo Raymundo Faoro, a camada dominante entendia que a


sociedade brasileira não dispunha dos instrumentos necessários de cultura e
autonomia para o trato de seus negócios e para governar a si mesma. O

60
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 4. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1996, p. 237.
61
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Op. cit, p. 382.
41

dogma, não longe da verdade, perdia-se num círculo vicioso: o povo não tinha
capacidade para os negócios porque o sistema lhe impedia de neles
participar.62

Nesse contexto podemos ver a configuração de uma sociedade


patriarcal, na concepção de Max Weber, onde ele expõe que na dominação
patriarcal é a submissão pessoal ao senhor que garante a legitimidade das
regras por este estatuídas, e somente o fato e os limites de seu poder de
mando têm, por sua vez, sua origem em "normas", mas em normas não-
estatuídas, sagradas pela tradição.63

Entretanto, a ótica de Faoro sobre a concepção da sociedade naquela


época mantém como foco o aspecto da centralização política, ignorando,
assim, uma veiculação de informações mais condizentes com o amplo cenário
nacional.

Vemos, assim, um estabelecimento de critérios formais


descomprometidos com a realidade social brasileira, o que reflete num mau
enfrentamento legal acerca da participação de sujeitos no sistema de
administração de justiça.

Sob as leis vigentes não é o cidadão que se tem achado na posse do


direito de voto; é a qualificação que tem estado sempre no gozo da autoridade,
utilizada por todas as situações, cimentadas por todas as nossas reformas
eleitorais, de liberalizar aos amigos, e retirar aos adversários, a mercê do voto,
de nomear e demitir votantes.64

Em relação à importância da qualificação, ressaltamos que o mecanismo


de seleção entra em descompasso com os propósitos da "Justiça popular" bem
antes da busca de cidadãos no seio popular com base nos seguintes fatores: a
subjetividade encontrada nos termos adotados que dão margem a situações de

62
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Op. cit.,
p. 452.
63
WEBER, Max. Economia e sociedade. V. 2, Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília:
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, p. 234.
64
BARBOSA, Rui. Discursos parlamentares. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde,
Obras completas, v. 7, 1880, tomo I. 1945, p. 27.
42

risco; a necessidade de comprovação de certa condição financeira, a qual


eliminava considerável parte da população, o que ensejava um descompasso
com o propósito de administração da justiça; e por último, a arriscada atribuição
da seleção dada a determinados setores estatais.
43

2 SELEÇÃO DOS JURADOS NO BRASIL REPÚBLICA

2.1 ADVENTO DA REPÚBLICA

A ordem republicana se exprimiu através de uma nova Constituição. E,


ao contrário da Carta Imperial, a Constituição de 1891 trazia uma unidade
interna maior. Enquanto aquela tinha conjugado o “princípio” monárquico com
os postulados liberais da separação de poderes e das garantias individuais,
revelando inclinações díspares e ensejando interpretações contrastantes, o
texto republicano abrigava uma coerência mais sólida.65

A monarquia constitucional parlamentarista do Império foi derrubada por


um levante político-militar, situação que acarretou na Proclamação da
República Brasileira. O imperador D. Pedro II foi destituído e o Marechal
Deodoro da Fonseca (que liderou o movimento revolucionário) assumiu o poder
no país. A Primeira República foi o coroamento do liberalismo no Brasil. Suas
bases constitucionais, traçadas pela geração republicana de 89 – à qual viera
unir-se o mais conceituado crítico e poderoso opositor da política imperial
vigente, Rui Barbosa – bem demonstravam o compromisso com a doutrina que
não pudera medrar inteiriça no texto outorgado de 1824.66

Podemos constatar, na época, a presença de uma busca do poder “em


nome do povo” que se refletia em uma maior abertura na ordem constitucional
tendente a preconizar por liberdades individuais. Uma nova Assembleia
Constituinte teve como uma de suas missões discutir questões indigeríveis na
nossa primeira Constituição.

A luta por descentralização, representação nacional autêntica, um maior


progresso econômico, uma educação mais eficiente, justiça social, pela
Abolição da escravatura, todas essas ações convergiram para uma batalha
contra o sistema monárquico. Clubes e centros se formaram; jornais,
manifestos, discursos, artigos, tudo se mobilizou. Na nova linguagem,

65
SALDANHA, Nelson. O pensamento político no Brasil. Op. cit., p. 107.
66
BONAVIDES, Paulo. História constitucional do Brasil. 4. ed. Brasília (DF) : OAB, 2002, p.
257.
44

“democracia” significava República, e as alusões à soberania popular eram


sublinhadas com contra-alusões [sic] à Coroa.67

Com a proclamação da República implantou-se o presidencialismo como


nova forma de governo. A descentralização dos poderes da União exposta no
aumento da delegação de atribuições para os estados, até então, tidos como
províncias, demonstra o compromisso da nova Ordem com uma maior
autonomia administrativa.

A Constituição da República quis manter a instituição do Júri, tanto para


a jurisdição federal, como para as jurisdições estaduais, tal como estava
constituída no tempo do Império, de sorte que os estados federados deveriam
manter as formas da constituição, podendo fazer alterações apenas nas formas
assistentes ou regulamentares.68 Assim, os Estados não podiam: primeiro,
deixar de qualificar jurados todos os cidadãos brasileiros que tivessem as
habilitações legais; segundo, deixar de determinar a revisão anual do
alistamento e a organização de duas listas, uma geral de todos os jurados,
outra suplementar, na qual, dos jurados da lista geral, deviam ser alistados os
residentes no perímetro da proximidade do tribunal; terceiro, reduzir a lista de
sessão periódica a menos de 48 jurados, a lista do sorteio a menos de 36
jurados, o conselho de julgamento a menos de 12 jurados; e por último, abolir a
recusa não motivada, a incomunicabilidade do Conselho e o voto secreto.69

A manutenção do Júri como forma de julgamento ficou expressa na


Constituição republicana, entretanto, um manancial de dúvidas referentes às
suas características veio à tona devido à delegação de estabelecimento de
diversos aspectos à legislação estatal. Ou seja, todos os estados brasileiros

67
SALDANHA, Nelson. O pensamento político no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1978, p. 98. Vale ressaltar o contexto do final do século apontado por João Mendes Almeida
Júnior no livro O século XIX : panorama político (1956, P. 191): O período de 1880-1890
apresentou, na política brasileira, os seguintes problemas: a agitação abolicionista, a agitação
para autonomia e mesmo para a federação das províncias e uma agitação republicana.

68
ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. Direito judiciário brasileiro. 2. ed.. Rio de Janeiro:
Batista de Souza, 1918, p. 92.
69
Id. O processo criminal brasileiro. Rio de Janeiro: Laemmert, 1901-1903, V. 3, p. 54.
45

deveriam ter o tribunal do júri como forma de julgamento com a característica


basilar que gira em torno da presença do povo na tomada da decisão judicial,
mas tinham certa autonomia para elencar a composição do número de jurados,
a competência para determinados crimes, tudo em consonância com a situação
peculiar de cada região.70

Em relação aos critérios para ser jurados: primeiro, podiam ser os


eleitores, de acordo com o artigo 1º da Lei federal n. 35 de 26 de janeiro de
1892, os cidadãos brasileiros, maiores de 21 anos. Segundo, os que
soubessem ler e escrever e, terceiro, os que tivessem rendimento anual por
bens de raiz ou emprego público, de acordo com cada região.71

A seleção dos jurados tinha como base determinados requisitos


objetivos, a saber, a condição de eleitor e a questão da alfabetização. Já no
tocante à questão da renda do possível candidato à integrante do Conselho de
Sentença, esta tinha certa variação conforme a legislação e a percepção
adotada em cada estado.

As leis eleitorais do Império consistiram em um processo contínuo e


lento da tendência de representação individualista, o que permitiu a
manutenção de grupos dominantes no poder, tanto no plano nacional como no
local. As leis vigentes durante o período imperial oscilaram entre eleições
diretas e indiretas; regularam as mesas eleitorais, que permitiam o controle do
voto; estipularam a renda necessária para o cidadão ser eleitor; faziam divisão
distrital das Províncias, etc. A República modificou parte dessa estrutura: o
sufrágio tornou-se amplo e geral para os maiores de 21 anos; o voto manteve-
se direto. Contudo, subsistiram os vícios anteriores, pois foi através deles que
os grupos novos e antigos puderam controlar o eleitorado, as oposições e as
reivindicações gerais.72

70
Notamos que vários estados desrespeitaram tais regras, como expõe João Mendes de
Almeida Júnior no livro Direito Judiciário Brasileiro (1918, p. 92-93) especialmente o do Rio
Grande do Sul, que chegou até a abolir francamente a recusa não motivada, o voto secreto e a
redução da lista de jurados de 15 para a sessão e sorteio, e 5 para o julgamento.
71
UFLACKER, Augusto. Jury e Jurados: tratado completo de todos os actos e competência do
tribunal do jury. Porto Alegre: Oficinas da Livraria Americana. 1892, p. 10-11.
72
CARONE, Edgard. A República Velha: instituições e classes sociais. São Paulo: DIFEL,
1970, p. 292-293.
46

Na verdade, o panorama do sistema de concessão do direito ao voto


continuou com os mesmos traços existentes no Brasil império, ou seja, ainda
perdurou a exclusão dos analfabetos e das mulheres no que diz respeito à
participação do processo eleitoral até 1934.

A primeira inovação eleitoral trazida pela República foi a da eliminação


do “censo pecuniário”: o Decreto nº 6, de 19 de novembro de 1889,
considerava eleitores, “para as câmaras gerais, provinciais e municipais”, todos
os cidadãos brasileiros no gozo de seus direitos civis e políticos. Mantinha-se,
no entanto, o “censo literário”, votando, somente, os “que soubessem ler e
escrever”.73

Com a transição do Império para a República o sistema eleitoral eliminou


a exigência de comprovação de renda anual para efeitos da obtenção do direito
ao voto, alcançando assim um importante estágio de avanço tendente a uma
maior abertura da participação política de cidadãos até então excluídos do
sistema.

O regime republicano extingue o sistema censitário, mas mantém o


capacitário [sic], com a exclusão, agora definitiva, dos analfabetos (Decreto
220-A, de 8 de fevereiro de 1890). A República Velha continua, sem quebrar o
movimento restritivo da participação popular, paradoxalmente consanguíneo do
liberalismo federal irrompido no fim do Império – situação que se estende, não
caracterizando apenas esta época. A política seria exercida através da
ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comando das maiorias
analfabetas, sem voz nas urnas.74

Notamos, assim, uma vinculação da concessão do sufrágio ao sistema


educacional padrão estabelecido pela sociedade.75 Vale ressaltar que a

73
CARONE, Edgard. A República Velha: instituições e classes sociais. São Paulo: DIFEL,
1970, p. 169.
74
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Op. cit.,
p. 699.
75
Sobre o projeto que resultou na reforma da legislação eleitoral a respeito do critério da
alfabetização, Tobias Barreto alegava que “o saber ler e escrever é condição essencial para o
exercício do direito do voto. Saber ler e escrever!... Isto é bem claro? É ler com prosódia, e ler
com ortografia? No caso negativo, mal se compreende o que a reforma adianta; quase nada,
visto como a incultura é a mesma, e não se pode dizer com razão que são excluídos os
analfabetos. No caso afirmativo, porém, se se toma em linha de conta as exigências da
ortoépia e os preceitos ortográficos, se não tem qualificação legal, quem, por exemplo,
47

questão pertinente ao estudo dos jurados não diz respeito à oposição “cultos
no comando” x “analfabetos dominados”, mas, sim sobre a falta do
chamamento para participar do exercício de escolha dos seus representantes,
o que configura, consequentemente, a chance de participar dos julgamentos no
Tribunal do Júri.

Na generalidade dos estados, a lista geral estava a cargo de uma junta,


composta do juiz de direito, promotor de justiça e o juiz de paz, os quais
tomavam por base as listas parciais remetidas pelos juízes de paz. No Rio
Grande do Sul, no entanto, competia aos juízes da comarca exclusivamente o
alistamento de jurados (art. 58). Para esse fim procediam anualmente a uma
escrupulosa revisão da lista geral, na qual eram inscritas somente as pessoas
que, a seu juízo, tivessem as qualidades precisas para ser jurado e excluídas
as que houvessem perdido, e bem assim as que tivessem morrido ou mudado
de município.76

Em relação às autoridades responsáveis pela montagem da lista, vemos


que naquela época alguns estados ainda atribuíam tal função para as figuras
dos delegados de polícia, entretanto a maioria das constituições dos estados
incumbia aos juízes a missão de recrutar pessoas aptas ao exercício da
função, os quais buscavam indicações através de sujeitos que gozavam de
uma boa reputação e que tinham “contato maior” com a sociedade, como os
juízes de paz, párocos e fazendeiros.

Rui Barbosa demonstrava preocupação com a seleção dos jurados ao


elencar que o Brasil precisava melhorar a composição do júri, bem como
ampliar a participação do eleitorado, atuando-lhe sobre a qualificação, filtrando-
o, decantando-lhe as impurezas.77 Vale ressaltar que o jurista registrou o seu
posicionamento favorável acerca do julgamento perante o Tribunal do Júri,

pronunciar hipóteses em vez de hipótese e escrever senso em vez de censo, então...viva a


pátria!” In BARRETO, Tobias. Crítica política e social. Rio de Janeiro : Record, 1990, p. 204.

76
VASCONCELOS, L. C.. A supressão do júri. Op. cit., p. 27-28.
77
BARBOSA, Rui. A obra de Rui Barbosa em Criminologia e Direito Criminal. Rio de Janeiro:
Editora Nacional de Direito, 1952, p. 239
48

entretanto, tinha consciência das limitações que faziam parte da escolha dos
cidadãos, buscando questionar o atual método para poder, então, aprimorá-lo.

Uma parcela do pensamento da época desejava que o pessoal do júri e


a forma prescrita para compor a junta revisora, fossem organizados com tal
circunspecção e precaução que só pudessem ser jurados os cidadãos dignos
da confiança pública; que as condições de aptidão para juiz de fato fossem
fixadas, não em termos gerais, mas de uma maneira precisa, difícil de se iludir
por falsas informações ou mentirosas conjecturas; que fossem tirados dos
segmentos mais inteligentes e mais prestimosos por seus hábitos e gênero de
vida.78

Algumas precauções eram bem-vindas como a busca de autoridades


incumbidas mais preparadas para lidar com as indicações e convocação de
pessoas, bem como uma Junta Revisora comprometida com a seleção. Porém,
podemos verificar uma visão de que o Conselho de Sentença deveria ser
composto por cidadãos detentores de um maior grau de instrução, pensamento
que entra em contradição com os propósitos estabelecidos pelo julgamento no
Tribunal do Júri.

Roberto Lyra combatia essa forma de seleção dos jurados apontando


que:

Júri de elite, porém, para excluir trabalhadores com a suposta


preocupação de nível cultural, que o Júri não pede, mas, na
realidade, visando às aparências até nos trajes. Se a maioria
de um povo é pobre e iletrada, Júri de ricos ou sábios não
79
representará o povo.

Compartilhando a mesma linha de pensamento, que lutava por um maior


zelo com o mecanismo de seleção dos jurados, defendida por Rui Barbosa, a
voz de Roberto Lira consistiu em importante instrumento de condenação da
constante formação de júris elitizados pelo Brasil afora. Era importante
esclarecer que a pauta de decisão dessa espécie de julgamento deveria ser
avaliada por pessoas advindas de diversos contextos.

78
BARBALHO, João. Comentários. Rio de Janeiro: Typographia da Companhia Litho-
Typographia, 1902, p. 337.
79
LYRA, Roberto. Introdução de “O Júri sob todos os aspectos”: textos de Ruy Barbosa sobre
a Teoria e a Prática de Instituição. In: Revista Brasileira de Criminologia, Rio de Janeiro: Ano
III, Nº 8, 1949, p. 24.
49

O STF expressou sua opinião em um acórdão em 1899 mensurando que


o Conselho de Sentença deveria ser composto de cidadãos qualificados
periodicamente por autoridades designadas pela lei, tirados de todos os
segmentos sociais.80

A defesa desse posicionamento reforçava a concepção de um


julgamento popular pretendido pela instituição do Júri nos seus moldes iniciais.
Tornou-se importante confirmar que a decisão acerca de determinados crimes
deveria ser imposta a cidadãos advindos dos mais variados segmentos sociais,
“representantes” de toda sociedade.

Entretanto, ainda havia quem discordasse desta linha, como abordava o


jurista Borges da Rosa ao mencionar que:

O bom ou mau desempenho que o Júri dava às suas funções


dependia principalmente da escolha dos jurados. Nesta devia,
portanto, haver-se o Juiz com tal diligência e circunspecção
que só podiam ser jurados os cidadãos dignos da confiança
pública, tirados das classes mais prestimosas e mais
conceituadas da sociedade por seus hábitos e gênero de
81
vida.

Que o desempenho do rumo de um julgamento perante o Júri tenha


como um dos seus fatores fundamentais a composição do Conselho de
Sentença, podemos concordar. Porém, discordamos da assertiva de que
somente os homens mais bem “estruturados” estariam aptos a tomarem
decisões judiciais. Impossibilitar uma parcela de pessoas para tomar decisões
judiciais tomando como base a sua não inserção em determinados segmentos
sociais constitui um retrocesso democrático.

As críticas de jornais em relação a julgamentos que tinham como


resultados absolvições dos réus atacavam a instituição sob vários aspectos.
Um dos aspectos definia-se em razão do caráter mais e mais “científico” que
assumia a administração da justiça criminal. Muitas das críticas à instituição do

80
MARQUES, José Frederico. A instituição do Júri. Op. cit., p. 22
81
ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Penal brasileiro. Vol. III. Porto Alegre: Livraria do
Globo, 1942, p. 51.
50

júri que persistiram pelas três primeiras décadas do século XX – colocavam no


despreparo “científico” um dos principais motivos para sua supressão.82

Neste cenário de críticas a este modelo de julgamento, podemos


constatar o poder da imprensa na transformação de versões de casos isolados
como verdades únicas. Neste sentido, uma série de opiniões deu ao Júri uma
roupagem de tribunal irracional, descompromissado com a avaliação prudente
dos casos. A lógica para mudar essa dinâmica seria a seguinte: já que o Júri
não podia ser modificado no que tange à delegação da decisão para juízes
técnicos e experientes, que possamos delegar tal função para os homens mais
instruídos e “sábios”.

Sobre esse fator, Sergio Buarque de Holanda avalia que a qualidade


particular dessa tão admirada ‘inteligência’ é ser simplesmente decorativa,
correspondendo a uma sociedade de coloração aristocrática e personalista, a
necessidade que sente cada indivíduo de se distinguir dos seus semelhantes
por alguma virtude aparentemente congênita e intrasferível, semelhante por
esse lado à nobreza de sangue.83

Cremos que, apesar da não existência de um critério expresso acerca do


grau de intelectualidade dos cidadãos para compor a lista de jurados, havia, na
época, uma constante preocupação dos Juízes com o nível de compreensão
dos sujeitos que iriam substituí-los na função do julgamento de crimes dignos
de uma maior atenção, ou seja, somente os homens portadores da mais
apurada “inteligência” poderiam ser dignos de vestir as togas e tomar
decisões.

2.2 O papel do poder local

A passagem do regime imperial ao republicano acentuou e exacerbou a


função eleitoral do coronel. Tirou-lhe as albardas centrais, não para fazê-lo

82
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Evaristo de Moraes, tribuno da república. Campinas:
UNICAMP, 2007, p. 178 e segs.
83
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, 2ª edição, 1948, p. 106 e
segs.
51

autônomo, mas para entregá-lo aos poderes estaduais. Essa transição está na
essência dos acontecimentos que partem do 15 de novembro.84

Com a proclamação da República e a descentralização dos poderes


houve um significativo aumento das relações estabelecidas entre os políticos
regionais e os cidadãos aptos ao exercício do direito ao voto pelo Brasil afora
(principalmente nas cidades menores do interior do Nordeste brasileiro),
cenário que tem como semente todo histórico de uma tradição patriarcal.

O “coronelismo” podia ser considerado, sobretudo, um compromisso,


uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a
decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de
terras. Desse compromisso fundamental resultavam as características
secundárias do sistema “coronelista”, como sejam, entre outras, o
mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos
serviços públicos locais.85

A expressão significou, portanto, um fenômeno sócio-político que tinha


como base o controle do panorama das eleições nas mãos dos coronéis,
líderes locais, os quais ditavam o comando para os eleitores para votarem nos
candidatos que representassem seus interesses particulares.

No que se refere ao Tribunal do Júri, Joseli Mendonça afirma que uma


das características mais marcantes e deletérias da instituição, tão antiga
quanto ela própria, consiste na cabala. Solicitações que provocavam piedade
em relação ao réu era somente um dos aspectos que definiam a cabala. O
“mercadejamento” [sic] de votos era outro. Negociações que podiam envolver
recompensas pecuniárias ou outros tipos de “favores” eram referenciadas
como práticas que, constantes, comprometiam a isenção dos jurados.86

Tomando como base o fato de que o julgamento perante o Júri envolve


cidadãos comuns – eleitores - no processo de votação para decidir o resultado,
a influência do poder local lança seus tentáculos na arena dos jurados com o

84
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Op. cit.,
p. 700-701.
85
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto : o município e o regime representativo no
Brasil. 4. ed. São Paulo : Alfa-Omega, 1978, p. 20.
86
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Evaristo de Moraes, tribuno da república. Op. cit., p. 213.
52

objetivo de interferir nas decisões que pudessem envolver algum interesse


particular.

O impacto da grande sociedade, pelo processo mediador do grupo


chefiado pelo coronel, sofreu transformações desaceleradoras, graças a uma
cadeia simétrica de para-choques e dobradiças. Do compadrio depurou-se o
compadre-mor, que se entrosou com as categorias estaduais, tanto na ordem
econômica como na política. Lidar com a polícia, com a justiça, etc., eram
tarefas que exigiam a presença de quem pudesse recomendar o pobre
cidadão, mal alfabetizado e sem maneiras. Diante do guichê da coletoria o
contribuinte solidário pagava todo o produto de seu trabalho, se a lei não fosse
abrandada pelas circunstâncias. Um “simples” crime de morte, tratado pela lei,
com o delegado, promotor, jurados e o juiz não advertidos, dava em cadeia.
Outro seria o resultado se o réu ou o contribuinte tivessem um compadre ou um
padrinho – “quem tem padrinho não morre pagão”.87

Constata-se, assim, a necessidade que muitos tinham de buscar um


apadrinhamento, ou seja, manutenção de uma ligação com alguma figura local
que pudesse interceder perante as autoridades estatais nas situações que
representassem riscos à liberdade do sujeito vulnerável.

Neste sentido, vemos que Foucault analisa que os mecanismos de


poder são bem mais amplos do que o simples aparelho jurídico, legal, e que o
poder se exerce por procedimentos de dominação que são muito numerosos.
As relações de poder são aquelas que os aparelhos de Estado exercem sobre
os indivíduos, mas é aquela, igualmente, que o pai de família exerce sobre sua
mulher e suas crianças, o poder que o médico exerce, o poder que o notável
exerce, é o poder que o patrão exerce em sua usina sobre os operários.88

Diante deste contexto podemos ver o quanto o papel do poder local


ultrapassa o poder das instituições jurídicas – situação visível nas práticas
coronelistas que tentavam conduzir a seleção e decisão dos jurados nos
julgamentos perante o Tribunal do Júri.

87
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Op. cit.,
p. 712-713.
88
FOUCAULT, Michel. Repensar a política. São Paulo: Forense Universitária, 2010, p. 165.
53

Victor Leal Nunes previa que a liderança municipal devia ser


compreendida com base em vários fatores, como os favores pessoais de toda
ordem, desde arranjar emprego público, contratar advogado, influenciar
jurados, estimular e “preparar” testemunhas.89

A figura do coronel tinha por meta alcançar seus objetivos - absolvição


ou condenação do réu - com base em diversas táticas: indicando nomes para a
formação da lista de jurados, mantendo, assim, controle sobre a esfera de
decisões, bem como, cercando testemunhas e profissionais envolvidos nos
casos que lhe interessavam.

Desde a sua criação, o júri foi responsabilizado, pelos que desejavam a


sua extinção ou modificação, por qualquer falha na aplicação da justiça dos
júris das pequenas cidades do interior – dos quais se dizia que os jurados eram
de todos controlados pelos “coronéis” locais – até os das capitais, sendo o
argumento que o júri ali era composto por pessoas mal preparadas para julgar
e que se deixavam facilmente levar pelo brilho oratório dos advogados e
promotores, quando não por relações políticas.90

Se o coronelismo já despertava preocupações no que diz respeito às


consequências de suas práticas no Júri, imagine quando se pensava no
contexto dos julgamentos realizados no interior do Brasil. A cultura de
influência dos líderes locais sobre a tomada de decisões dos jurados
estigmatizava boa parte dos casos postos em análise.

A relativa impunidade dos capangas dos “coronéis” encontrava sua


explicação principal na influência que os chefes políticos locais exerciam sobre
o júri. Pôr na rua ou fazer condenar quem tivesse cometido algum crime
constituía, tradicionalmente, problema importante para a política local,
sobretudo quando o criminoso, ou seu mandante, ou a vítima tinha atuação
partidária de relevo. Nessa tarefa desempenhava papel decisivo a conivência
da polícia, na investigação das provas; a tolerância do promotor, diluindo a
acusação ou dispensando os recursos; a atuação dos advogados filiados às

89
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto : o município e o regime representativo no
Brasil. Op. cit., p. 38.
90
CORRÊA, Mariza. Os crimes da paixão. Op. cit., p. 30-31.
54

correntes municipais, às vezes chefiadas por eles próprios, ou chamados de


fora, quando a importância da causa assim o exigia.91

A dinâmica de atuação dos coronéis no espaço de controle das decisões


no Júri tinha como pano de fundo toda uma lógica de interesses para
manutenção do sistema político. Os chefes locais não mediam esforços para
manipular todos os aspectos envolvidos no que dizia respeito à resolução do
caso, apelando para a rede de contatos que recebia favores em troca da
concessão dos pedidos e até mesmo sentia temor perante o pedido.

O Código Penal, promulgado em 1890, estabelecia um crime específico


com a seguinte descrição: “Usar de violência, ou ameaças, para constranger
algum juiz, ou jurado, a proferir, ou deixar de proferir, sentença, despacho ou
voto; a fazer ou deixar de fazer algum ato oficial.”92 Podemos constatar que,
diante do contexto de submissão de boa parte das autoridades estatais com as
práticas coronelistas, tal previsão legislativa figurava apenas como símbolo de
tutela.

A nomeação do chefe de polícia dependia também dos grupos no poder:


o apoio do governo estadual permitia que eles indicassem o seu candidato, o
que lhes possibilitava o domínio de todos os trunfos, sendo seus desejos
facilmente realizados. Finalmente, as tentativas de dominar os cargos
judiciários completavam o quadro: os juízes vitalícios tinham seus lugares
garantidos, o mesmo não se dando com os juízes temporários. Era comum os
coronéis fazerem pressão para a remoção daqueles que pretendiam exercer
sua profissão com imparcialidade; em geral, havia aquiescência e identificação
dos juízes com os poderes dominantes.93

Tomando como base o fato de que os chefes locais mantinham certa


influência com as autoridades, como juízes técnicos e delegados, podemos
ressaltar ainda mais o grau de contato que os mesmos tinham com os cidadãos

91
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto : o município e o regime representativo no
Brasil. Op. cit., p. 210.
92
BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 - Art. 133 do Código Penal.
93
CARONE, Edgard. A República Velha : instituições e classes sociais. São Paulo: DIFEL,
1970, p. 253.
55

aptos à tomada de decisão no julgamento do tribunal do júri, o que poderia


acarretar sério desvirtuamento no rumo do julgamento.

Na organização das listas de jurados e na “preparação” dos


pertencentes à sua parcialidade, é que mais avultava a influência do chefe
local. Não era, pois, somente a “lógica do sentimento” que informava as
decisões do Júri, senão ainda a “lógica partidária”, que nem sempre funcionava
para absolver, mas também para condenar.94

Ou seja, durante a Primeira República o Júri foi marcado pela chaga do


controle das decisões que disseminava medo e toda uma lógica de interesses
manifestados através da dinâmica do sistema político local.

2.3 1930: A década das transformações

O reflexo político da ruína da economia cafeeira, resultante do


rebaixamento de preços, superprodução e perda de mercados, se traduziu na
chamada revolução de 1930, que fez instalar um Governo Provisório de quatro
anos, durante o qual importantes transformações ocorreram no Brasil, com
estímulos estatais à industrialização e modernização da economia; maior
atenção à disciplina legislativa das relações do trabalho com o capital, bem
como a introdução de uma justiça trabalhista e outra eleitoral, esta última com o
objetivo de purificar as consultas eleitorais e assim expungir do regime os
vícios que maculavam e falseavam a participação política.95

A onda econômica do pós-guerra ajudou o país a industrializar-se, ainda


que desigualmente. A bolha econômica estourou, como em toda parte, com o
crash de 1929, embora o Brasil se recuperasse mais rapidamente do que a
maioria dos países na esteira da Grande Depressão.96

94
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto : o município e o regime representativo no
Brasil. Op. cit., p. 210,211.
95
BONAVIDES, Paulo. Os poderes desarmados : à margem da ciência política, do direito
constitucional e da história : figuras do passado e do presente. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
20-21.
96
SKIDMORE, Thomas E. Uma história do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2 ed., 1998, p. 137.
56

O início da década 30 foi marcado por passagens decisivas, como o


rompimento com a política do café com leite97, o baque na economia, devido ao
declínio da cafeicultura, e pela crescente busca da padronização do sistema
eleitoral através da instituição de um Código específico e da Justiça Eleitoral
em 1932, o que demonstrou uma preocupação que visava amenizar os efeitos
nefastos causados no país na época.

Nesta temporada as conferências feitas acerca do tema propagavam


que o júri realizava, em tese, dois ideais: o ideal democrático da participação
de pessoas leigas em matéria jurídica no governo da nação, e ao mesmo
tempo o ideal científico da harmonização da lei com a moral dominante em
cada época e lugar.98

Esta espécie de discurso, muito reproduzido pelos defensores da


Instituição do Júri, tinha como estratégia associar a forma aberta de julgamento
aos valores democráticos, buscando retratar uma imagem avançada do
ordenamento jurídico do nosso país.

Firmino Whitaker escreveu uma carta para Margarino Torres, em 30 de


abril de 1932, insistindo em duas condições fundamentais para aprimorar a
instituição: O Juiz, com as qualidades necessárias, de ilustração e probidade,
paciência, imparcialidade, discrição e por outro lado, a lista de jurados
composta somente de homens de bom senso e integridade.99

Cabe afirmar que, para que o modelo de administração de justiça,


implantado há mais de um século no nosso solo, tivesse êxito ou apenas mais
segurança para cumprir os seus propósitos, seria necessária não apenas a
conjugação dos esforços do Juiz Presidente responsável pelo alistamento com
a composição de um Conselho de Sentença sério, mas com toda rede de
profissionais e pessoas envolvidas em cada caso.

97
A política do café com leite representou a aliança dos dois maiores estados da Federação
(São Paulo e Minas Gerais) para manter o controle político baseado nos interesses e na
alternância de gestores dos respectivos estados a cada eleição.
98
MOURÃO, Carvalho. TORRES, Margarino. Conferência nacional de Juristas sobre Instituição
do Júri. Rio de Janeiro: Editora Livraria Jacintho. Vol. 1, maio de 1933, p. 433.
99
TORRES, Margarino. Revista de Direito. Rio de Janeiro: Editora Livraria Jacintho. Vol. 1,
maio de 1933, p. 14.
57

Em relação à seleção, Margarino Torres chegou a denunciar os


presidentes togados como os únicos responsáveis pela decadência do Júri no
interior do Brasil, porque não cumpriam o seu dever, selecionando os cidadãos
dignos, mas, ao contrário, os admitiam de parceria com os chefes políticos, a
que eles próprios se subalternizavam; porque não davam o exemplo de
serenidade e de respeito pelo direito alheio, que eles malbaratavam, por
descaso, por ignorância ou partidarismo; porque, enfim, moralmente, não
valiam mais do que os próprios jurados-eleitos, a quem entregavam
criminalmente tal função.100

Aqui podemos constatar quão grave era o descompromisso das


autoridades responsáveis pela seleção dos jurados. A omissão dos juízes tinha
como consequência a formação de um tribunal constituído por pessoas inaptas
ao exercício da função, sob o ponto de vista da suspeição ou parcialidade.

Em relação à polêmica presença do Júri no interior, Roberto Lira


combatia o pensamento de que, nas capitais, ainda podia ser admitido o Júri,
mas, no interior, ele se tornaria instrumento dos chefes políticos. O jurista
expressava que o fenômeno não tinha relação direta com o problema do Júri e,
se tivesse, diria respeito à constituição e ao funcionamento e não à instituição
em si.101

O argumento de Lira tomou como base as falas que buscavam uma


possível eliminação desta forma de julgamento popular no interior. Esta
corrente defendia que a maior aproximação dos cidadãos alistados com os
líderes locais poderia alterar corriqueiramente o rumo dos julgamentos. Ou
seja, o conselho de sentença interiorano era, muitas vezes, estigmatizado
como suspeito para assumir a função de julgar.

Com o golpe de Estado que nos legou a Carta Constitucional de 10 de


novembro de 1937, e porque esta silenciasse a respeito do Júri, não o incluindo
como garantia constitucional, como o fizera a Constituição Federal de 1891,
nem o referindo expressamente em seu artigo 90, ao enumerar os órgãos

100
TORRES, Margarino. Revista de Direito. Op. cit., p. 11.
101
LYRA, Roberto. Introdução de “O Júri sob todos os aspectos”: textos de Ruy Barbosa sobre
a Teoria e a Prática de Instituição. In: Revista Brasileira de Criminologia. Rio de Janeiro: Ano
III, Nº 8, 1949, p. 19-20.
58

componentes do Poder Judiciário, como entendera a Constituição Federal de


1934, dúvidas houve, e de logo, sobre a subsistência, em nosso país, da
centenária instituição liberal. Opiniões diversas surgiram na imprensa
sustentando a supressão do Tribunal do Júri no organismo judiciário
brasileiro.102

A omissão da figura do Júri na Constituição de 1937 despertou a


polêmica: será que a falta de menção significava exclusão desta forma de
julgamento no atual estágio do ordenamento jurídico brasileiro? A quem
caberia a competência para julgar os crimes até então dados ao Conselho de
Sentença?

Veio a campo, porém Margarino Torres, que presidia o Tribunal do Júri


na capital da República, proclamando a subsistência do Júri e, ao abrir a
sessão de 16 de novembro do tribunal, cuja presidência tanto dignificou,
proferiu as seguintes palavras103:

Cumpre-me dirimir as dúvidas suscitadas sobre a subsistência


do Júri, em face do ato de 10 do corrente ano. Será que a falta
de referência à instituição no novo texto, basta para considera-
la abolida? Mas o texto em questão não enumera os “órgãos”
do Poder Judiciário nos Estados e no Distrito Federal (art. 90,
letra b), caso único em que a omissão teria tal sentido. Fora
disto, só por incompatibilidade com os outros princípios, aí
estabelecidos, ou conceitos formais, poderia entender-se
extinto o Júri. E, quais são os “princípios” da nova organização
entendíveis como repugnantes a ele? Não será o
democratismo limitarmente expresso, de que “o poder político
emana do povo e é exercido em nome dele” visto que nos
“tribunais militares inferiores” referidos no art. 112, tais poderes
são exercidos diretamente. Com a supressão do Júri, pois,
somente o legislador se iludiria sobre a cultura e a opinião das
massas. O júri, entretanto, subsiste. Cuidemos dele com o zelo
que merece.

Mesmo com o impacto inicial sentido pela falta de previsão legislativa


sobre o tema, o Júri continuou sendo adotado como fórmula de administração
da justiça em todos os estados do Brasil, em que pese todos os problemas.

102
FRANCO, Ary Azevedo. O Júri e a Constituição Federal de 1946. Rio de Janeiro: 1950, p.
10.
103
TORRES, Margarino. Processo Penal do Júri nos Estados Unidos do Brasil. Op. cit., p. 20.
59

Em 5 de janeiro de 1938 entrou em vigor o Decreto-Lei nº 167, que teve


como objetivo regular a instituição do Júri. A seleção dos jurados teve como
alicerce os seguintes dispositivos:

Art. 5º - O serviço do júri é obrigatório aos cidadãos maiores de


vinte e cinco anos até sessenta.

Art. 7º - Os jurados devem ser escolhidos dentre os cidadãos


que, por suas condições, ofereçam garantias de firmeza,
probidade e inteligência no desempenho da função.

Parágrafo único. São isentos de servir no Júri:

IX – as mulheres que não exerçam função pública e provem


que, por suas ocupações domésticas, o serviço do júri lhes é
particularmente difícil;

Art. 10 – Anualmente serão alistados pelo juiz presidente do


Júri, mediante escolha por conhecimento pessoal ou
informação fidedigna.

Houve, portanto, mais uma vez, a delegação da seleção para o Juiz


presidente do júri, dando preferência àqueles que, por conhecimento pessoal,
ou por fidedignas informações colhidas, achasse mais aptos.104 O mecanismo
de seleção dos jurados foi confiado, mais uma vez, ao zelo do Magistrado
responsável pela Vara do Júri, tendo como únicos critérios objetivos a idade e a
ausência de condenação criminal. Ou seja, cabia às autoridades judiciais a
adoção de critérios mais subjetivos para poder montar a lista de jurados com
base em características variadas.

De toda a obra do governo de Vargas, foi o Decreto-Lei nº 167, de 5 de


janeiro de 1938, que instituiu uma série de modificações no funcionamento do
júri, a que mais claramente provocou decepção em Evaristo de Moraes, um dos
maiores advogados da área. A lei, entre outras medidas, federalizou os
procedimentos e as competências do júri, de modo que os delitos julgados
pelos juízes populares seriam os mesmos em todo o país (art. 1º). A
federalização implicou também uma uniformização das normas de
funcionamento da instituição: definiu em 21 o número de jurados (art. 2º), o que
para algumas localidades – como o Distrito Federal, em que o júri se compunha
de 28 julgadores – acarretou uma diminuição do número de membros; O
decreto também atribuía aos tribunais superiores a prerrogativa de modificar

104
ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. Campinas:
Bookseller, 2000, p. 434.
60

uma decisão expressa pelo júri, avaliando a sentença quanto ao mérito do feito,
ou seja, avaliando sua pertinência em relação às provas constantes nos autos
(art. 92). Segundo o decreto, os presidentes dos tribunais do júri deveriam
investigar os jurados, no sentido de estabelecer um “censo alto” no júri (art.
10).105
Foi através do Decreto-lei nº 167 que o julgamento perante o Tribunal do
Júri foi federalizado, ou seja, todas as características estabelecidas pelos
estados foram uniformizadas a nível nacional: número de jurados, critérios de
seleção, competência de crimes, e assim por diante. Entretanto, a possibilidade
de reforma de decisão dos jurados perante o Tribunal de Justiça causou
protestos através do discurso da retirada de autonomia do Conselho de
Sentença.

2.4 As novas concepções sobre o Conselho de Sentença

Entre 1920 e 1940, a população brasileira passou de 30,6 milhões de


habitantes a 41,1 milhões. Os dois censos realizados nesta época constataram
quase um equilíbrio entre população masculina e feminina.106

Ainda na primeira metade do século XX o Brasil foi palco do constante


aumento no número de pessoas, situação que potencializou a busca pelo
tratamento de desafios, até então não considerados nas discussões sociais,
como, por exemplo, o papel da mulher no contexto nacional vigente.

No que se refere ao cenário político interessa compreender que o


sufrágio feminino no Brasil foi, essencialmente, um movimento de vários
segmentos da sociedade em prol de uma mudança judicial para garantir o voto
daquelas mulheres que haviam alcançado a mesma qualificação que os
homens, não uma tentativa de revolucionar o papel da mulher na sociedade,
nem a própria sociedade em si.107

105
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Evaristo de Moraes, tribuno da república. Op. cit., p. 465-
466.
106
FAUSTO, Boris. História do Brasil. Op. cit., p. 389.
107
HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil.
Florianópolis: Editora das Mulheres, 2003, p. 31.
61

Vale ressaltar que o debate em torno deste movimento de inserção das


mulheres no campo eleitoral começou a ganhar fôlego justamente no início do
período republicano, através de mulheres que ingressaram no mundo
acadêmico e sentiram a necessidade de questionar a falta de
representatividade feminina.

Neste cenário surge a figura de Bertha Luz como uma das maiores
referências na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, tendo como
marca de seu discurso as seguintes palavras:

Não proponho uma associação de “sufragetes” para quebrar as


vidraças da Avenida, mas uma sociedade de brasileiras que
compreendessem que a mulher não deve viver parasitamente
do seu sexo, aproveitando os instintos animais do homem, mas
que deve ser útil, instruir-se e a seus filhos, e tomar-se capaz
de cumprir os deveres políticos que o futuro não pode deixar de
repartir com ela. Assim deixariam de ocupar sua posição social
tão humilhante para elas como nefasta para os homens, e
deixariam de ser um dos pesados elos que atam o nosso país
ao passado, para se tomarem instrumentos preciosos ao
progresso do Brasil.108

Assim, o movimento esclarecia os seus propósitos: não se tratava de


uma rebelião contra o universo masculino, mas sim da busca de
reconhecimento da cidadania para as mulheres, as quais eram excluídas de
uma série de direitos básicos.

Em 1932, a campanha do sufrágio no Brasil atingiu o objetivo almejado.


Lideradas por Berta Luz, as sufragistas puderam creditar-se o mérito de ter
conseguido o direito ao voto para as mulheres, sujeito às mesmas exigências
de alfabetização que para os homens. Essa vitória foi confirmada pela
Constituição de 1934.109

O ano de 1932 foi considerado como marco da conquista da inclusão


das mulheres como eleitoras através de previsão expressa no Código Eleitoral.
A consagração da luta veio com o reconhecimento através da Constituição de
1934, inspirada por ideais progressistas, buscando o rompimento com a
tradição do processo eleitoral excludente e marcado por várias lacunas.

108
LUTZ, Bertha. Cartas de Mulher. Revista da Semana, 28 de dez. de 1918 In HAHNER, June
E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil. Op. cit., p. 408.
109
HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil.
Op. cit., p. 30.
62

Após a confirmação da concessão do direito do voto às mulheres,


Margarino Torres, expressou a sua opinião de que:

...Mas hoje a mulher é cidadã, companheira do homem e


capaz de substitui-lo em todos os misteres e, pois, interessada
direta na ordem e nas garantias públicas consubstanciadas na
Justiça. O Júri, que só continha metade de uma sociedade,
evidentemente não representava esta nem tinha autoridade
para impor sanções.110

Verifica-se, então, que o panorama da ausência da participação das


mulheres na construção do processo eleitoral desaguava na impossibilidade de
serem consideradas aptas ao serviço de juradas no Júri, tendo em vista que a
condição de eleitor ainda era considerada como requisito básico para poder ter
o nome presente na lista e na futura formação do Conselho de Sentença.

Se as mulheres podiam agora votar, poderiam, portanto ser juradas. Em


tese. O primeiro juiz do Brasil a raciocinar dessa forma, ainda em 1931, foi o da
cidade de Barueri (SP), selecionando mulheres na lista de jurados. No entanto,
o Tribunal de Justiça do Estado, talvez por pensar que faltassem às mulheres
outros requisitos, revogou-lhe o ato.111

Constatamos que o raciocínio sobre a inserção das mulheres como


eleitoras não foi absorvido pelo pensamento jurídico da época de forma
imediata. Muitas autoridades responsáveis pela condução da lista dos nomes
dos jurados ainda precisaram de uma boa margem de tempo para
compreender que o público feminino podia compor o Conselho de Sentença.

Essa situação fica evidente com o posicionamento do Magistrado


Borges da Rosa que atuava como Desembargador do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul na década de 1930 :

Se ainda desempenhássemos as funções de Juiz de Direito,


presidente do Júri, que exercemos durante vinte e dois anos de
judicatura, faríamos todo o possível para não incluir mulheres

110
TORRES, Margarino. Chronica do Jury. Revista de Direito Penal, vol. 14, fascículo II, agosto
de 1936, p. 252. É interessante ver que este tipo de crítica partia de um dos maiores
conhecedores do universo dos jurados, tomando como base o fato de que foi Juiz presidente
da Vara do Distrito Federal e responsável pela seleção dos jurados durante boa parte do início
do século XX.
111
FONTOLAN, Tania. Mulher e representatividade no espaço público : a participação
feminina no Tribunal do Juri. Campinas: Dissertação, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas, 1994, p. 53.
63

na lista geral de jurados. Assim procederíamos não por não


reconhecermos nelas falta de idoneidade moral e intelectual,
mas, pelos seguintes motivos:
1º) para não as desviarmos de suas ocupações, em geral, mais
exigentes do que as dos homens, em atenção à vida do lar;
2º) para sujeita-las à companhia dos jurados homens,
constrangedora de uma forma ou de outra;
3º) para evitar qualquer violação à delicadeza de seus
sentimentos, quer sujeitando-as a ouvir acusações ou defesas
escrabosas, quer obrigando-as moralmente a proferir
veredictos atentatórios da tranquilidade das suas consciências,
112
em geral, muito mais excitáveis do que as dos homens.

Vislumbramos, então, a compreensão do pensamento da sociedade da


época para poder captar o sentido dos argumentos utilizados para excluir as
mulheres do cenário de julgamento do Júri: a preocupação com as donas-de-
casa, o perigo do contato com outros homens nos ambientes
predominantemente marcados por assuntos “masculinos” e o maior grau de
sentimentalismo na condução de decisões.

2.4.1 Argumento contrário à presença das mulheres: Ausência do lar

Eram nítidos os preconceitos que cercavam o trabalho feminino nessa


época. Como as mulheres ainda eram vistas prioritariamente como donas de
casa e mães, a ideia da incompatibilidade entre casamento e vida profissional
tinha grande força no imaginário social. Um dos principais argumentos dos que
viam com ressalvas o trabalho feminino era o de que, trabalhando, a mulher
deixaria de lado seus afazeres domésticos e suas atenções e cuidados para
com o marido: ameaças não só à organização doméstica como também à
estabilidade do matrimônio.113

O tom de conservadorismo imposto neste tipo de pensamento


demonstra o quanto a sociedade estava despreparada para lidar com a

112
ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Penal brasileiro. Op. cit., p. 55.
113
BASSANEZI, Carla. As mulheres dos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História
das mulheres no Brasil. 3ª Ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 624. . Em um discurso pautado
na defesa de um projeto que visava a luta pela ampliação dos direitos à educação feminina, na
data de 22 de março de 1879 Tobias Barreto afirmava: “Até hoje educada só e só para a vida
íntima, para a vida da família, ela chegou ao estado de parecer que é esta a sua única missão,
que nasceu exclusivamente para isso. E tal é a ilusão em que laboramos: tomando por efeito
da natureza o que é simplesmente um efeito da sociedade, negamos ao belo sexo a posse de
predicados que aliás ele tem de comum com o sexo masculino. In: BARRETO, Tobias. Crítica
política e social. Rio de Janeiro : Record, 1990, p. 173).
64

ausência da mulher nos seus respectivos lares. Muitos imaginavam que o corte
do cordão umbilical com o “habitat natural” provocaria sérias consequências
para a condução da vida familiar.

O crescente aumento da entrada das mulheres no ambiente acadêmico


tinha como um de seus resultados uma constante (ainda que tímida) inserção
das mesmas em algumas esferas de atuação de trabalho. Tal situação rompia
com toda tradição patriarcal vigente até então que concebia a figura feminina
apenas como zeladora da educação dos filhos e da liderança das funções
domésticas.

No Brasil, como em todo lugar, uma visão sentimental do lar e da mãe


era cara ao coração dos oradores anti-sufragistas. A sociedade concebia toda
a vocação da mulher determinada não por sua capacidade individual,
expectativas ou desejos, mas por seu gênero. E o gênero era, no total, algo
cujos deveres, privilégios e necessidades nunca mudavam, porque fluíam de
uma natureza feminina interna particular. Enquanto os homens podiam se
permitir ter uma variedade de ambições e experiências, as mulheres estavam
destinadas desde o nascimento a ser, em tempo integral, esposas e mães.114

Os adversários ao movimento que lutava pela concessão do direito ao


voto às mulheres transmitiam um discurso que levava em consideração a
clássica divisão de funções entre os gêneros. A reprodução desta ideia tinha
como base a demarcação clara e irreversível do papel social feminino a ser
cumprido na cultura da época.

Toda essa discussão no início do século XX pôs em pauta uma nascente


que deu abertura para a desconstrução da memória social acerca da
identidade feminina. Neste sentido, podemos ver a propagação de vozes que
combatiam o preconceito contra a presença das mulheres nos ambientes
públicos, o que acarretou na retirada da sociedade da “zona de conforto” em
que estava inserida.

114
HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil.
Op. cit., p. 168.
65

Podemos perceber que, no momento em que a sociedade patriarcal


começou a notar “o perigo” da busca de uma inserção das mulheres no campo
de trabalho e a promulgação de leis protecionistas, houve a criação de um
movimento excludente que acontecia nos “bastidores” e tinha como objetivo
impedir o acesso da figura feminina nos espaços públicos.
Quanto mais as mulheres se distanciavam do papel doméstico, que
tradicionalmente sempre lhes fora imposto, para exercer fora de casa
atividades que nem todos consideravam extensões dos encargos maternos,
era cada vez mais obstinada a oposição masculina que encontravam.
Aceitavam-se, com facilidade, mulheres fora de casa para se ocuparem de
funções de benemerência ou da prática de caridade, mas era inadmissível que
passassem a invadir e a se apossar da reserva masculina de cargos do serviço
público.115

Com efeito, enxergamos as consequências desse movimento


“silencioso” de exclusão na escolha dos jurados em sede de julgamento no
Júri. Apesar da confirmação dada às mulheres para serem eleitoras (condição
imprescindível para poder ser apta ao serviço do Júri na época), as autoridades
responsáveis pelo alistamento desconsideravam a inovação legislativa e,
ainda, utilizavam o critério subjetivo estabelecido na lei para justificar o
“despreparo” das mulheres para atuarem no Conselho de Sentença.

Como exemplo, vemos que na década de 30, o Tribunal de Justiça de


São Paulo vetou a participação das mulheres no Júri, a despeito delas
possuírem os requisitos legais para tal, sob a justificativa de necessidade da
autorização do marido para suas atividades públicas, e da necessidade da
mulher trabalhar no lar, cuidar do marido e dos filhos, ainda que elas
trabalhassem fora e fossem eleitoras.116

A resistência das autoridades era reforçada pelo argumento da


necessidade de autorização do marido para que as mulheres pudessem
cumprir o ofício de juradas no espaço jurídico. E, ainda que houvesse

115
HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil.
Op. cit., p. 154.
116
FONTOLAN, Tania. A participação feminina no Tribunal do Júri. In: BRUSCHINI, Christina;
SORJ, Bila (orgs.) Novos olhares: mulheres e relações de gênero no Brasil. São Paulo, Editora
Marco Zero, Fundação Carlos Chagas, 1994, p. 78.
66

permissão, era melhor evitar a convocação de mulheres para não tumultuar a


agenda de compromissos profissionais e domésticos já exercidos.
Nesse contexto, Lipovetsky compreende que a atividade feminina
passou a ser uma aspiração “legítima”, passou a ser condição da existência
feminina no mundo e a recusa de uma identidade constituída exclusivamente
pelas funções domésticas.117

Considerando toda efervescência de lutas desencadeadas em torno da


mudança de perspectivas que mantinham as mulheres enclausuradas em
padrões pré-estabelecidos pela sociedade, deve-se ter em mente que toda
essa discussão conduziria, ainda que lentamente, a ala feminina a um justo
reconhecimento de aptidão para a missão de juradas no Tribunal do Júri.

2.4.2 Argumento contrário à presença das mulheres: Sentimentalismo

Os juízes responsáveis pela seleção reuniam outro argumento contra a


capacidade feminina de julgar, dizendo que as mulheres, salvo raras exceções
de reconhecida idoneidade moral e intelectual, em geral, não podiam dar bom
desempenho às funções de juradas no Júri devido à sua acentuada
sensibilidade, à maneira fácil porque se deixam impressionar pelas exortações,
dissertações e invocações sentimentais, isto é, pelas incursões no terreno do
sentimentalismo.118

Devemos tomar como base um dado que pode definir o julgamento de


crimes no Júri: uma plena abertura de discussão em torno dos mais variados
argumentos possíveis no plenário. Sendo assim, nutriu-se uma visão de que a
mulher seria muito mais propensa para tomar uma decisão pautada em
elementos fora dos autos, ou seja, correria um risco maior de proferir o seu
voto de acordo com o discurso do Promotor ou advogado apto a “sensibilizar” a
sua postura. Acreditava-se que a mulher possuía uma visão mais “romântica”
do mundo, ou seja, não conseguiria alcançar a compreensão da profundidade
dos temas desenvolvidos nas discussões colocadas no ambiente do Júri.

117
LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: Permanência e revolução do feminino. Lisboa,
Instituto Piaget, 1997, p. 215.
118
ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Penal brasileiro. Op. cit., p. 54-55.
67

Esse tipo de pensamento levou o jurista Carlos Sussekind a questionar:

Será possível que, com a liberdade que têm hoje as mulheres


entre nós, tanto na escolha das suas leituras, como, e
principalmente, na dos seus cinemas, exista ainda algumas de
mais de 21 anos que “não tenha conhecimento exato dos
dramas sociais” de tal forma que se possa equipar o
“constrangimento” a que fique exposta, ouvindo os debates de
certos “casos escabrosos” levados ao Júri, ao “daqueles que
sofrem ultraje ao seu pudor, figura capitulada na lei penal”?119

Todas essas projeções colocavam em evidência a visão da mulher sobre


uma série de conflitos existentes na sociedade. Podemos destacar a instalação
de dúvidas acerca da procedência da figura feminina na composição do
Conselho de Sentença, especificamente, no que diz respeito ao possível
aumento do número de absolvições. Se tal estatística chegasse a ser
confirmada, a parcela de culpa recairia justamente sobre a parcela de novas
integrantes.

Neste sentido, vale dizer que ocupar o espaço simbólico de “juiz leigo”
significa estar instituído na posição simbólica daquele que julga com base no
senso comum; que é facilmente conduzido pelos aspectos emocionais e,
consequentemente, está sujeito às manipulações retóricas de advogados e
promotores.120

Para poder compreender a rede de relações existentes no Júri é


necessário verificar o preconceito existente contra a decisão dos jurados, tendo
em vista que esta se dá sem fundamentação, ou seja, é tomada com base na
íntima convicção. Tal fator acaba dando margem para direcionar críticas para
as juradas como mentes mais sujeitas a moldar os fatos de acordo com uma
versão transmitida através de uma boa retórica.

119
MENDONÇA, Carlos Sussekind de. Mais uma reforma para o Jury. Rio de Janeiro: Editora
Livraria Jacintho. Vol. 1, junho de 1933, p. 491.
120
FIGUEIRA, Luiz Eduardo de Vasconcellos. O ritual judiciário no Tribunal do Júri: O caso do
ônibus 174. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal Fluminense. p. 218. Disponível em:
http://www.necvu.ifcs.ufrj.br/images/Tese%20LUIZ%20EDUARDO%20FIGUEIRA.pdf Acesso
em: 20 de agosto de 2013.
68

2.5 O Tribunal do Júri como definidor de papéis sociais

De acordo com Mary Douglas cada um de nós ocupa pelo menos duas
ou três posições na sociedade. Um indivíduo pode ser aluno, alfaiate, dona de
casa ou advogado – consoante a espécie de trabalho que executa; o mesmo
indivíduo também pode ser filho, filha, mãe ou pai – segundo a posição que
ocupa no lar. Qualquer que seja essa posição, esperamos que a pessoa que a
ocupe se comporte de determinada maneira. Aquilo que esperamos de tal
comportamento define o que chamamos função de tal pessoa. Em
determinadas sociedades, certas funções só podem ser desempenhadas por
homens, outras somente por mulheres.121

A partir do momento em que começamos a compreender o quanto a


sociedade é movimentada para definir e demarcar funções de acordo com as
características de cada ser humano, podemos constatar a busca de
correspondência à construção de expectativas em torno dos padrões
estabelecidos.

Dessa forma, o sistema estabelece os meios de categorizar as pessoas


e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros
de cada uma dessas categorias: os ambientes sociais estabelecem as
categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas.122

Sob a ótica do contexto analisado, vemos uma nítida separação de


funções entre homens e mulheres e toda uma lógica de amplitude de
possibilidades e crescimento direcionado para o universo masculino. Em
relação à ausência das mulheres nos espaços públicos, podemos identificar
que essa exclusão ocorre através da adoção de critérios internalizados nas
culturas de cada instituição.

Diante deste cenário, Simone Beauvoir busca aprofundar o tema ao


revelar que ensinaram às mulheres a aceitar a autoridade masculina;
renunciando, pois, a crítica, ao exame e ao julgamento por sua conta. Elas

121
DOUGLAS, Mary. A sociologia : o homem, a família, a sociedade. Lisboa, Publicações
Europa-América, 1964, p. 64.
122
GOFFMAN, Erving. Estigma : notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed.
Rio de Janeiro : LTC, 1988, p. 11-12.
69

foram ensinadas a confiar na casta superior. Eis por que o mundo masculino se
apresenta a elas como uma realidade transcendente, um absoluto.123

Interessa-nos, portanto, retratar a concepção de toda tradição histórica


de submissão a um sistema patriarcal em que a mulher exercia funções
meramente configuradas como “maternais” e em que não podia questionar toda
essa dinâmica social. Ao examinarmos esta rede de relações, vemos que a
saída da mulher do seu “habitat natural” - até então predefinido – constituiria
uma fonte de perigo para o sistema social. A coloração dada às características
pertencentes ao universo feminino poderia acarretar uma poluição que teria
como consequência uma ofensa à ordem comum.124
Em relação ao estreitamento da visão acerca de determinadas
características, levamos em conta que muitas vezes deixamos de considerar a
criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída. Tal
característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é
muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma
fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a
identidade social virtual e a identidade social real.125

O conjunto de características que são apresentadas pela cultura como


pertencentes à mulher a tornam vítima de um estigma - como a fragilidade e
sensibilidade aflorada - o que provoca uma associação de perigo à sua
possível presença em espaços de representação pública. No que diz respeito
ao Júri, tal situação pode ser constatada no discurso de exclusão das mulheres
da atuação como juradas.

Com base em tais dados, enxergamos o julgamento do Júri como uma


espécie de ritual, com atuação de papéis demarcados, com atos estabelecidos
para facilitar a percepção da situação ocorrida, para que os sujeitos envolvidos

123
BEAUVOUIR, Simone de. O segundo sexo. 2. A Experiência vivida. 2 edição. Tradução de
Sergio Milliet. Editora Difusão Européia do livro,1967, p. 366.
124
As idéias de perigo e ordem tem como base o conteúdo de Pureza e Perigo da antropóloga
Mary Douglas. In: DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo.
125
GOFFMAN, Erving. Estigma : notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Op. cit.,
p. 12.
70

possam compreender toda a dinâmica da comunidade. Mais além, podemos


ver esta forma de julgamento como um ritual masculino.

No que diz respeito à questão do ritual, Victor Turner expõe que falar de
ritual é falar de vida social, como fenômeno de transformação e passagem do
gesto rotineiro ao ato ritual, e sobre movimentos sociais coletivos, quando todo
o sistema passa por um período especial, invertendo, neutralizando ou
reforçando a realidade cotidiana.126
No ritual há um contexto histórico que precisa ser remontado, sendo
assim, torna-se necessário remontar uma história acontecida, realizando
aproximações e fazendo conexões necessárias para compreender a lógica dos
fatos. Entretanto, temos que ter em mente que, embora o ritual pretenda
demarcar e reconstruir uma verdade, ele nunca consegue chegar neste nível.
Em relação ao rito de passagem, cremos que o rito exorciza o perigo, na
medida em que separa o indivíduo de seu antigo estatuto, durante algum
tempo, para em seguida fazê-lo entrar publicamente no quadro de sua nova
condição. Não só a própria transição é perigosa, como também os ritos de
segregação constituem a fase mais perigosa do rito.127

No que tange ao histórico de seleção dos jurados no ordenamento


brasileiro, podemos entender que a instituição da previsão legislativa acerca da
concessão do voto feminino configura como um rito de passagem que teve
como objetivo dar voz às mulheres, o que acabou franqueando sua entrada no
Conselho de Sentença. Entretanto, verificamos que, apesar deste marco
simbólico, o processo de inclusão das mulheres nas listas levou décadas para
ganhar força.128

126
TURNER, Victor W. O Processo Ritual, estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974, p.
12.
127
DOUGLAS, Mary. De La souillure. Essais sur lês notions de pollution ET de tabou. Paris:
Maspéro, 1971, p. 113 APUD Segalen, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de
Janeiro : FGV, 2002, p. 48.
128
Sobre a questão do rito de passagem, tomamos como referência o estudo de Gennep In:
GENNEP, Arnold Van. Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta e da
soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, gravidez, infância,
puberdade, iniciação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc. Tradução de
Mariano Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1977.
71

Neste contexto nos deparamos com uma série de indivíduos em posição


liminar, os quais apresentam traços específicos e que serão, de alguma forma,
colocados no molde, retirados do seu estado preliminar e encaminhados ao
estado social pleno, tornando-se iguais aos outros membros da comunidade.129

O surgimento das mulheres no cenário jurídico pode ser visto, então,


como um rito de passagem que marcou, de forma gradativa, a transição de um
estado social para outro, ou seja, aos poucos, um novo panorama de
desprendimento da figura, até então, presa ao lar foi tomando corpo.

Manter as mulheres fora do espaço público do júri, então, seria não uma
decisão isolada, tomada por funcionários que desvirtuariam o sentido da
Justiça, mas sim uma lógica mais arraigada e poderosa, a perpassar a
sociedade e a moldá-la, sendo atualizada, também, na seleção dos jurados.130

Neste sentido, vemos que a opção pelo não alistamento das mulheres
como juradas não constituía um problema relativo ao preconceito que cerca o
sistema judiciário, pois a situação revela que as autoridades apenas
reproduziam o discurso tendente a deslegitimar a presença das mulheres em
tal ambiente.

Constata-se então que, quanto mais acentuados são os símbolos da


masculinidade, mais as atividades tendem para o ritual e à codificação e mais
as mulheres são delas excluídas. A sociedade moderna reproduz as grandes
divisões sexuais que em todo tempo e em toda parte estabelecem que os
homens estão coletivamente encarregados de manifestar o sagrado.131

Tendo em vista os aspectos observados, podemos captar que durante


mais de um século da inserção do Tribunal do Júri no Brasil houve a
prevalência de um ritual fechado à presença masculina no que tange à
composição do Conselho de Sentença, para além de outras categorias, como
por exemplo, letrados e eleitores.

129
SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Rio de Janeiro, FGV, 2002, p. 49.
130
FONTOLAN, Tania. A participação feminina no Tribunal do Júri. Op. cit., p. 71-72.
131
SEGALEN, Martine. Ritos e rituais contemporâneos. Op. cit., p. 89-90.
72

3 A ATUAL SELEÇÃO DOS JURADOS

Neste capítulo analisamos a atual forma de seleção dos jurados que


data o Código de Processo de 1941, levando em consideração a sua dinâmica
através da descrição de etapas.

Enfatizamos o critério da ‘notória idoneidade’ previsto na seleção para


discutir o sentido desta noção no atual contexto social de acordo com os
padrões desejados.

O papel do Juiz como sujeito responsável pela atribuição da escolha dos


jurados bem como as recusas peremptórias – etapa decisiva em que as partes
(Acusação e Defesa) podem escolher os candidatos a jurados de acordo com
suas convicções – são aspectos abordados para que possamos compreender
como esses personagens podem moldar o julgamento de acordo com a
seleção.

Propomo-nos a investigar a efetividade da medida de requisição de


nomes de pessoas aos órgãos mais populares, conforme a previsão na Lei
11.698/08 – denominada “Reforma do Júri”.

E, por fim, discutimos a atual formação do Conselho de Sentença,


tomando como base as críticas que apontam a sua composição apta a aceitar
apenas pessoas pertencentes a determinados segmentos sociais, de acordo
com dados mínimos que se referem apenas às suas respectivas profissões.

3.1 A dinâmica da seleção dos jurados

O contexto histórico brasileiro, os aspectos constitutivos que marcam a


sociedade desde o processo de colonização, a falta de tradição democrática,
as intensas desigualdades sociais que, apesar de alguns avanços no contexto
mais recente, permanecem como um grande desafio para a sociedade e o
Estado, todos esses dados constituem-se como macrofatores para
compreender a dinâmica dos tribunais no país.132 O método de escolha eleito

132
FACHINETTO, Rochele Fellini. Quando eles a matam ou quando elas o matam: uma análise
dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Tese de Doutorado do Programa de Pós
em Sociologia da UFGRS. Porto Alegre, 2012, p. 49.
73

para o sistema discutido atravessou séculos e sua presença nos dias atuais
demonstra a consolidação do Júri sem questionamentos ou maiores reflexões.

De acordo com Ferrajoli a escolha do modelo de juiz – de seus


requisitos pessoais, de suas modalidades de seleção e recrutamento, de sua
posição constitucional, dos critérios de determinação de suas competências e
das formas de controle de sua atividade – de fato está ligada à fonte de
legitimação de modo geral atribuída à jurisdição.133

A atual forma de seleção dos jurados tem como fonte o Código de


Processo Penal de 1941, tendo a marca da ditadura da Era Vargas. Desde
então, consta apenas um registro de mudança, que aconteceu pela lei
11.689/08, a qual representou tímidos avanços no que diz respeito ao assunto,
como veremos adiante.

No que diz respeito à participação popular na produção das decisões


judiciais, Fauzi Choukr expõe que entram em cena a abordagem do papel do
julgador leigo junto ao Tribunal do Júri e o renascimento da participação não
profissional na modalidade de conciliadores junto ao Juizado Especial de
Pequenas Causas por força de preceito constitucional.”134 Logo, vemos que a
inserção de pessoas leigas em matéria jurídica na esfera do Poder Judiciário
torna-se palpável em duas situações: na Conciliação nos Juizados e no
julgamento perante o Júri. Uma semelhança entre ambas funções reside na
questão da falta de remuneração para o efetivo exercício, o que evidencia um
descompasso com o sistema de administração de justiça.

Nota-se que a entrada dos juízes leigos no campo jurídico significou – e


ainda significa – o ingresso dos profanos no sagrado templo da justiça, onde o
domínio da competência jurídica consubstancia-se num elemento central de
reconhecimento daqueles que podem legitimamente falar e julgar dentro do
processo.135

133
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Op. cit., p. 529.
134
CHOUKR, Fauzi Hassan. Júri: reformas, continuísmo e perspectivas práticas. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 21.
135
FIGUEIRAS, Luiz Eduardo Vasconcellos. O ritual judiciário do Tribunal do Júri. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris. 2008, P. 148.
74

O julgamento perante o Júri rompe com a lógica técnica imposta. A


presença de pessoas sem a formação peculiar para exercício das funções da
Magistratura no Conselho de Sentença é uma situação que enfrenta vários
questionamentos como a existência do receio em relação à falta de
compreensão do que será abordado em plenário e a falta de independência
que tem o Juiz, assim o jurado estaria mais vulnerável a ser afetado pelas
partes – levando em consideração a grande chaga dessa espécie de
julgamento: a falta de fundamentação para as decisões. Tem-se ainda, a
constante preocupação com o perfil dos sujeitos que servirão como jurados e
das múltiplas variáveis em relação ao resultado do julgamento de acordo com o
perfil de todos os envolvidos na situação.

Para Calamandrei os ritos essenciais da justiça são aqueles que se


celebram sem espectadores nas câmaras de conselho em que se decidem as
sortes das causas, ou nos conselhos judiciários, em que se decidem as sortes
dos magistrados. Desses “mistérios órficos”, e não das formalidades exteriores,
depende o bom funcionamento da justiça.136

Em relação ao Tribunal do Júri, vemos que o ritual vai demarcar o papel


das pessoas que atuam no processo ao mesmo tempo em que ele demarca o
lugar da pessoa que está sendo julgada, assim como o lugar dos jurados.
De acordo com Roberto Da Matta:
Não podemos deixar de estudar o momento anterior ao rito (as
fases preparatórias), o momento mesmo do rito e as suas
sequências finais. É vendo toda a combinação de fases que se
pode não só ter uma visão globalizada de todo o ritual, como
também saber qual o ponto onde ele é mais dramatizado. Este
seria, teoricamente, o ponto crítico que forneceria os elementos
137
chaves para o seu significado.

Com base nestes apontamentos, encaramos a seleção dos


jurados como um ritual fundamental que poderá mudar o rumo do julgamento
de acordo com a composição do Conselho de Sentença.
É importante ressaltar que o termo ritual é empregado quando se
analisam atos cuja simbologia destaca quando o sujeito atuante merece

136
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes vistos por um advogado. São Paulo, Martins Fontes,
2000, p. 20.
137
DA MATTA, Roberto. Apresentação na obra GENNEP, Arnold Van Gennep. Os Ritos de
Passagem. Petrópolis, Editora Vozes, p. 18.
75

respeito ou, ainda, quanto ele considera que os outros merecem ser
respeitados. Dessa forma, a “reputação é, portanto, um objeto sagrado”, por
isso, “a ordem expressiva necessária à sua preservação é uma ordem ritual”.138
Podemos sistematizar a lógica do ritual da seleção dos jurados em três
etapas:
1) A escolha pelos órgãos públicos requisitados/ Alistamento
voluntário:
O Cartório da Vara do Júri envia ofícios para órgãos públicos,
instituições privadas e associações requisitando nomes de cidadãos
idôneos para compor a lista de jurados. As varas do Júri também
divulgam informações sobre as inscrições para jurados voluntários,
ou seja, qualquer cidadão que preencha os critérios estabelecidos
pela lei pode se inscrever diretamente no Fórum local para o
exercício da função.
2) Escolha pelo Juiz – resultado dos ofícios dos órgãos e dos
voluntários:
Com as respostas dos ofícios e as fichas com os nomes dos
voluntários em mãos, o Juiz e os funcionários da Vara do Júri
começam a verificar a compatibilidade dos nomes disponíveis com o
possível trabalho. A medida básica reside na observância da certidão
de antecedentes criminais dos candidatos a jurados.

3) Escolha pelas partes – Acusação e Defesa:


As partes interferem em dois momentos distintos na seleção dos
jurados: primeiro, antes da formação da lista anual, é dada a
oportunidade para que a Acusação e Defesa possam opinar acerca
dos nomes. Segundo, no momento do sorteio dos cidadãos na
audiência, através das recusas fundamentadas ou, ainda, sem
motivação – o que a doutrina denomina de “recusas peremptórias”.

Em relação ao mecanismo de seleção, Álvaro Fernandes aponta que


não se pode deixar de examinar a forma de escolha dos jurados, algo que, por

138
SEGALEN, Martine. Ritos e Rituais Contemporâneos. Op. cit.,, p. 112.
76

si só, consiste em um ritual rigoroso. Entre nós, anualmente serão alistados


pelo juiz-presidente do Tribunal do Júri, sob sua responsabilidade e mediante
escolha por conhecimento pessoal e informação fidedigna.139
A nossa legislação ordinária estabelece apenas três critérios para
seleção dos jurados: idade acima de 18 anos, condição de cidadão e notória
idoneidade.

3.2 Critério da notória idoneidade

O Código de Processo Penal “especifica” quem pode e quem não pode


ser jurado. A linha norteadora é a de que os jurados devam ser cidadãos de
notória idoneidade. Mas o que são cidadãos de notória idoneidade? Como na
maioria das palavras da lei, está-se diante do que se chama de vagueza e
ambiguidade.140 De acordo com Warat, um termo é vago nos casos onde não
existe uma regra definida quanto a sua aplicação. Na prática, não é possível
decidir os limites precisos para a sua denotação. Por isso, a decisão de
inclusão ou não de determinadas situações, objetos ou subclasses de termos
dentro da denotação é do usuário.141

Nota-se que tal denominação consiste em um molde semeado nas


características “de homens bons e honrados” estabelecidas logo na primeira
forma de seleção dos jurados no sistema de administração do Tribunal do Júri
no nosso país. Ou seja, a falta de objetividade do critério norteou as escolhas
dos jurados, situação que reforça a responsabilidade dos órgãos incumbidos da
missão.

No que tange às condições morais do candidato, salvo as que emergem


de condenação criminal, não existe nenhum procedimento republicano que
permita avaliá-las. Ademais, é exatamente o mesmo que ocorre com qualquer
outra função estatal, e a seleção partidária arbitrária tampouco tem servido
para prevenir esses fatos. Presume-se que a honestidade seja igualmente
requerida para o presidente da República, os ministros e os legisladores,

139
FERNANDES, Álvaro Roberto Antanavicius. O tribunal do júri popular : um olhar sobre o
processo ritual. Porto Alegre, 2007, p. 86.
140
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Op. cit., p. 82.
141
WARAT, Luis. O direito e sua linguagem. Porto Alegre, Fabris, 1984, p. 76.
77

contudo, os procedimentos democráticos de seleção tampouco servem para


assegurá-la, mas a ninguém passa a ideia de suprimi-los.142

No âmbito do Tribunal do Júri, a noção de “cidadão de notória


idoneidade” pode ser vista como uma definição persuasiva, que expressa as
crenças valorativas e ideológicas do magistrado (e quem o auxilia/influi) sobre
o modo de escolha dos jurados. A designação/nomeação do que seja um
cidadão de notória idoneidade estará permeada pelo poder de violência
simbólica que se estabelece. O resultado desse processo é a
formação/introjeção no imaginário social de um padrão de normalidade acerca
do que seja “notória idoneidade”.143

De acordo com esta linha de pensamento a seleção dos jurados pode ter
contornos amplos e diferentes, de acordo com a visão de cada conjunto de
pessoas responsável pela formação da lista. Ou seja, vivemos em uma época
em que o Juiz e as partes envolvidas, revestidas pela capa da autoridade,
possuem o poder de atribuir, ou desmerecer, idoneidade de acordo com os
padrões sociais estabelecidos em suas premissas.

Desde a criação do júri, seus membros foram sempre, explicitamente,


pessoas pertencentes aos segmentos dominantes ou pelo menos, como diz o
Código vigente, “cidadãos de notória idoneidade”.144Ou seja, com base nas
formas de seleções anteriores ao atual quadro legislativo do Tribunal do Júri, é
possível observar a manutenção de um critério que preconiza a integridade do
sujeito para fazer parte do Conselho de Sentença.

Em relação à escolha de um modelo puro de jurados tomamos como


base os estudos de Mary Douglas sobre “Pureza e Perigo” tendo em vista que
a autora refere que o reconhecimento de qualquer coisa fora do lugar constitui-
se em ameaça, assim as consideramos desagradáveis e as varremos
vigorosamente, pois são perigos em potência.145

142
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1995, p. 144.
143
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Op. cit., p. 84
144
CORRÊA, Mariza. Os crimes da paixão. Op. cit., p. 32.
145
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 56.
78

Neste sentido, a reflexão sobre a sujeira envolve pensar a relação entre


ordem e a desordem. Nada mais eficaz do que a disciplina moderna para
garantir a ordem. As técnicas disciplinares preocupam-se não apenas com a
sujeira e a doença, elas trataram e tratam de organizar meios para disciplinar
todas as formas de expressão e de comportamento, do modo como sentamos
à mesa até a mais cotidiana comunicação, buscando os ideais de ordem. 146

Verifica-se então que, no atual sistema os jurados, são pessoas


‘eleitas na sociedade’, conforme padrões de normalidade, impondo-se, em
decorrência das disposições legais pertinentes, que sejam cidadãos de ‘notória
idoneidade’.147 Vemos que a abordagem expressa no Júri ainda prioriza a
prática de escolher jurados de acordo com as expectativas do órgão incumbido.

Além do padrão de normalidade, integram também um padrão de


aceitação pela sociedade, cumprindo-se advertir, com base em Erving
Goffman148, que é possível tomar como estabelecido que uma condição
necessária para a vida social é que todos os participantes compartilhem de um
único conjunto de expectativas normativas, sendo as normas sustentadas, em
parte, porque foram incorporadas.

Assim, nos deparamos com o seguinte contexto: já que não existe


preparação técnica para assumir o ofício de jurado e na falta de critérios mais
objetivos, a medida tomada consiste em selecionar pessoas mais “dignas” de
acordo com a visão do sistema responsável (Juiz, funcionários da Vara do Júri,
advogados e promotores) que possa corresponder aos anseios da sociedade.

Deparamo-nos, então, com uma espécie de etnocentrismo, uma vez que


temos uma visão do mundo com a qual tomamos nosso próprio grupo como
centro de tudo, e os demais grupos são pensados e sentidos pelos nossos
valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. [...] O grupo
do “eu” faz, então, da sua visão a única possível ou, mais discretamente, se for
o caso, a melhor, a natural, a superior, a certa. O grupo do “outro” fica, nessa
lógica, como sendo engraçado, absurdo, anormal ou inteligível. Este processo

146
Gauer, Ruth Maria Chittó. A fundação da norma para além da racionalidade histórica. Porto
Alegre, EDIPUCRS, 2011, p. 78.
147
FERNANDES, Álvaro Roberto Antanavicius. Op. cit., p. 82-83
148
GOFFMAN, Erving. Estigma. Op. cit., p. 138.
79

resulta num considerável reforço da identidade do “nosso” grupo. No limite,


algumas sociedades chamam-se por nomes que querem dizer “perfeitos”,
“excelentes” ou, muito simplesmente, “ser humano” e ao “outro”, ao
estrangeiro, chamam, por vezes, de “macacos da terra” ou “ovos de piolho”. De
qualquer forma, a sociedade do “eu” é a melhor, a superior. É representada
como o espaço da cultura e da civilização por excelência. É onde existe o
saber, o trabalho, o progresso. A sociedade do “outro” é atrasada.149

Pode-se acrescentar, ainda, que, assim como o padrão de normalidade


vigente na sociedade tem enorme influência na designação de quem possui as
características que permitam encaixe de alguém no conceito de “notória
idoneidade”, tal “padrão de normalidade” terá efeito no âmbito da apreciação
dos jurados sobre o acusado no momento do julgamento pelo júri, ou seja, a
partir da composição do corpo de jurados delineia-se o padrão de
comportamento social a ser exigido do “restante da sociedade”.150

De acordo com o posicionamento expresso, a composição de um


Conselho de Sentença com características próximas pode resultar em que o
julgamento possa ser direcionado conforme os preconceitos existentes na
mente dos jurados.

Os jurados, escolhidos dentre os “cidadãos de notória idoneidade”,


fazem parte, assim, de um padrão de normalidade e um padrão de aceitação
pela sociedade. A normalidade, então, é uma normalidade instituída, onde
“normal” tem a acepção de “normar”, de estabelecer um “dever-ser-social-não-
desviante”. E, ao ser instituída, ao mesmo tempo passa a ser instituinte. 151

A partir do momento em que os cidadãos ficam cientes da inclusão dos


seus nomes na lista anual de jurados de uma cidade, acontece um processo
interno de reflexões em torno do papel social a ser desenvolvido durante os
julgamentos enfrentados. Vistos como referências pela sociedade, os
“escolhidos” são constantemente cobrados a um exercício de função que
corresponda à vontade da maioria.

149
ROCHA, Everardo Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo, Editora Brasiliense.
2006, p. 7-9.
150
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Op. cit., p. 84.
151
Ibidem, p. 84.
80

Calamandrei observa que a missão da pessoa que julga é tão elevada


em nossa estima, a confiança nele é tão necessária, que as fraquezas
humanas, que não se notam ou se perdoam em qualquer outra ordem de
funcionários públicos, parecem inconcebíveis num magistrado.152

Os padrões de comportamento tidos/estabelecidos como normais têm


uma relação direta com a estrutura social que os engendra.
Consequentemente, aquilo que se entende como sendo um-padrão-de-
normalidade vai depender do desenvolvimento e das transformações pelas
quais passa a sociedade.153

Esta constatação revela que as formações de listas dos jurados podem


ser as mais variáveis possíveis conforme a linha de pensamento e a dinâmica
da escolha pelos Juízes e demais profissionais envolvidos no ofício.

As identificações, entre indivíduos e grupos, mínimas introjetadas em


uma sociedade – mesmo que tal identidade não seja perene – podem trazer a
lume algumas características que moldam o seu comportamento, é dizer, o
comportamento-tido-como-normal. Desse modo, é razoável afirmar que o
magistrado – que tem a tarefa legal de selecionar e dizer quem é cidadão-de-
notória-idoneidade - além de usar os seus próprios critérios axiológicos e sua
visão de mundo (instituinte/instituída na e com as identificações daquela
sociedade), estará remetido àqueles padrões de comportamento tidos e
havidos como normais para aquela sociedade.154

Aqueles que são diferentes do grupo do “eu” – os diversos “outros” deste


mundo – por não poderem dizer algo de si mesmos, acabam representados
pela ótica etnocêntrica e segundo as dinâmicas ideológicas de determinados
momentos.155

Temos, então, a vigência de um modelo de mecanismo de seleção


“refém” dos parâmetros estabelecidos por uma demanda social de ordem
conservadora.

152
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes vistos por um advogado. Op. cit., p. 263.
153
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Op. cit., p. 84.
154
Ibidem, p. 84-85
155
ROCHA, Everardo Guimarães. O que é etnocentrismo. Op. cit., p. 15.
81

Consideramos que o Conselho de Sentença brasileiro deverá ser


composto de jurados sérios, íntegros, de notória idoneidade moral, isentos,
para que, quando sorteados, tenham a condição de, como cidadãos do povo,
decidir sobre um fato ocorrido e a liberdade de um semelhante. Entretanto, é
possível reconhecer a inexistência, no Brasil, de um critério básico, definitivo,
para a escolha do membro do Conselho de Sentença. No mais das vezes, o
jurado soma-se ao grupo por indicação de terceiros, por exemplo, os conselhos
comunitários, os próprios jurados, o ambiente acadêmico ou mesmo indicados
pelo juiz, não havendo uma preparação específica da sua missão
constitucional, sendo possível, por isso, ocorrerem equívocos que não foram
noticiados ou sequer percebidos por aqueles vinculados diretamente ao
julgamento.156

Com base em tais dados podemos apontar a falta de uma logística


precisa para definir a lista de jurados, o que afeta a imparcialidade do sistema
de administração da justiça criminal.

O que se quer enfatizar nesse debate sobre “seleção dos jurados” é que
a própria composição do conselho de sentença está permeada por uma série
de disputas, ou seja, não é um ponto consensual no campo jurídico. Ademais,
nessa seleção, levam-se em conta também aspectos do “perfil” dos jurados, ou
seja, é central saber “quem são os profanos”, julgamento que, de certa forma,
também envolve uma adequação às expectativas do cumprimento de papéis
sociais.157

Neste sentido, Mariza Corrêa expõe que as listas de jurados nos dizem,
em última instância, quem são os principais guardiões da ordem pública, dos
valores estabelecidos, as pessoas respeitáveis, que detêm o poder de decidir
se a quebra de uma regra básica de relacionamento entre as pessoas pode ou
não ser considerada legítima, e em que termos158.

156
LOPES FILHO, Mario Rocha. O Tribunal do Júri e algumas variáveis potenciais de
influência. Porto Alegre, Nubia Fabris, 2008, p. 47.
157
FACHINETTO, Rochele Fellini. Quando eles a matam ou quando elas o matam: uma análise
dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Op. cit., p. 81.
158
CORREA, Mariza. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de
Janeiro, Ed. Graal, 1983, p. 78.
82

O banco de jurados pode revelar quem são as pessoas dignas de


confiança para decidir um determinado caso. Entretanto, apesar dos rostos
revelados nas sessões de julgamentos, não temos como mensurar os termos
da análise de cada mente pela ausência de fundamentação nas decisões do
Júri.

3.3 Papel do juiz

Segundo Cappelletti, o papel do juiz é muito mais difícil e complexo do


que se tenha imaginado, tendo em vista o rol de escolhas e decisões em
cheque. Nota-se então, que escolha significa discricionariedade, embora não
necessariamente arbitrariedade; significa valoração e “balanceamento”;
significa ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da
própria escolha.159

Neste sentido, vemos que a missão da magistratura é envolta por uma


série de medidas importantes que ultrapassa a esfera das decisões
jurisdicionais. Como administrador, cabe ao Juiz Presidente da Vara do Júri
nortear o trabalho da seleção dos jurados aptos à atuação.

“As qualidades que fazem um bom juiz”, todas de caráter não técnico,
foram enumeradas por Hobbes:

1) Um justo entendimento da lei principal da natureza


chamada equidade, que depende não da leitura dos escritos de
outros homens, mas da bondade da própria razão natural e da
própria meditação.
2) O desprezo por inúteis opulências e promoções;
3) Ser capaz, ao julgar, de se desvencilhar de todo temor,
160
fúria, ódio, amor e compaixão.

Tais considerações ganham contornos mais consistentes quando se


trata do Tribunal do Júri, tendo em vista possíveis riscos de influências
externas e esquemas de corrupção. Cabe ao Presidente Da Vara do Júri evitar
a formação de uma lista tendenciosa dando atenção merecida para o ritual de
seleção dos jurados.

159
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto
Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 33.
160
HOBBES, Hobbes, Thomas. Leviatã , ou matéria, forma e poder de uma república
eclesiástica e civil. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 240.
83

Atualmente a definição-atribuição-de-sentido do que seja um cidadão


notoriamente idôneo é responsabilidade do juiz-presidente do júri, que é o
encarregado de alistar os candidatos a jurados. O magistrado recebe
sugestões de promotores, escrivães e advogados, principalmente daqueles
bacharéis com maior circulação nos fóruns.161

Entre tantos aspectos espinhosos referentes à seleção de jurados,


podemos questionar até que ponto é merecedora de crédito essa dinâmica de
indicações de nomes de cidadãos por pessoas que transitam no meio jurídico.
Com a obediência a tal medida, não haveria uma espécie de formação
tendenciosa da lista de acordo com interesses do segmento em questão? Para
evitar inconveniências como essa, cabe ao Juiz a busca da ampliação de
mecanismos aptos ao conhecimento dos candidatos que poderão compor o
Conselho de Sentença.

Mario Lopes apresenta outro desafio imposto ao lembrar que o Juiz de


Direito, ao assumir uma comarca distante ou mesmo a Vara do Júri de uma
capital de Estado, receberá um Conselho de Sentença pronto, acabado,
constituído por seus antecessores, sendo impossível e até desnecessário, o
magistrado escolher ou revisar uma lista que envolve pessoas que ele não
conhece.162

Em relação a este tipo de situação, que pode acontecer durante


qualquer época do ano, cabe o desafio no período propício ao alistamento: o
não conformismo com os nomes constantes na lista anterior – prática que
ainda perdura em muitas varas, mesmo com o repúdio presente na legislação.

É essencial analisar a figura do Presidente do Conselho de Sentença,


pois, entre outras atribuições, cabe a ele garantir o desempenho isento dos
jurados, afastando quaisquer influências indevidas e ilegais na formação de
sua íntima convicção.163

161
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Op. cit., p. 81.
162
LOPES FILHO, Mario Rocha. O Tribunal do Júri e algumas variáveis potenciais de
influência. Op. cit., p. 42.
163
LOPES FILHO, Mario Rocha. O Tribunal do Júri e algumas variáveis potenciais de
influência. Op. cit., p. 54.
84

Cabe ao Juiz togado, no comando da presidência do Júri, assumir o


compromisso de constante vigilância dos cidadãos alistados para evitar ou
minimizar as tentativas de um contato maior destes com as partes envolvidas –
situação que pode acarretar prejuízos para o enfrentamento do caso.

3.4 Recusas peremptórias

As recusas peremptórias consistem na terceira fase da seleção dos


jurados: nela as partes possuem o direito de escolher os jurados que irão
compor o Conselho de Sentença. Através das palavras “aceito” ou “recuso” o
julgamento ganha uma formatação decisiva que afetará o rumo de muitas
histórias envolvidas.

Sobre este momento de decisão, Ferrajoli expõe que é necessário que o


juiz não tenha qualquer interesse privado ou pessoal na solução da causa.
Para garantir essa indiferença ou desinteresse pessoal em relação aos
interesses em conflito é necessária a possibilidade de recusa do juiz por
qualquer das partes interessadas.164

Tal situação atende ao cumprimento de uma expectativa: a de que os


jurados não tenham contato ou interesse na tomada de decisão do caso em
apreço.

Neste sentido, o julgador se não deve gozar do consenso da maioria,


tem, no entanto, de desfrutar da confiança dos sujeitos individuais e concretos
por ele julgados, de modo que essas pessoas não só não tenham, mas,
inclusive, não temam ter um juiz inimigo ou, seja como for, não imparcial.165
Para que os juízes contem com a confiança do povo não basta que sejam
justos, mas é preciso também que se comportem e apareçam como tais.166

Compete aos profissionais envolvidos na dinâmica da seleção certa


atenção perante as situações que apontem indícios que possam comprometer
o rumo do julgamento. Ou seja, as recusas têm como objetivo minimizar riscos

164
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Op. cit., p. 535. A aceitação
dos juízes pelos réus sempre foi um traço característico do processo acusatório: em Roma,
onde os juízes são sorteados e recusados livremente pelas partes, contanto que se mantivesse
o número prescrito, p. 536.
165
Ibidem, p. 536.
166
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes vistos por um advogado. Op. cit., p. 246.
85

em relação à presença de pessoas inadequadas para a composição de um


julgamento.

Aury Lopes aborda que a cada jurado sorteado, deverá o juiz ler o seu
nome, podendo a defesa e, depois dela, o Ministério Público, recusar o jurado
sorteado. Duas são as espécies de recusa:

- Recusa motivada (por suspeição, impedimento,


incompatibilidade e proibição), sem qualquer limite numérico,
cabendo ao juiz decidir no ato sobre a procedência ou não da
alegação;

- Recusa imotivada, limitada a 3 para cada parte. É uma recusa


peremptória, sem necessidade de fundamentar o porquê de
determinado jurado não ser admitido. No modelo brasileiro, não
existe uma entrevista com os jurados, em que os advogados e
promotores poderiam ter um contato maior com eles, buscando
traçar o perfil social, econômico e mesmo psicológico (ainda
que superficial, é claro). Então, no mais das vezes, a recusa é
puramente instintiva.167

Vemos então que, como no sistema brasileiro não há espaço de


discussão propícia para que as partes possam tomar notas de algumas
características dos jurados, a medida “recusa peremptória” funciona como
válvula de escape no processo de escolha em questão.

É possível constatar a natureza instintiva das recusas peremptórias: no


momento em que o Juiz sorteia o nome, o cidadão se apresenta e rapidamente
as partes terão que responder se aceitam ou não a sua presença no Conselho
de Sentença. Nos poucos segundos entre o sorteio e a resposta a Acusação e
a Defesa fazem uma análise superficial das características visíveis dos
cidadãos, tomando a decisão, geralmente, com base na intuição.

Embora inexista qualquer dado científico, a recusa sem motivação


poderá ser relacionada à profissão do jurado, seu gênero, sua idade, sua
experiência, sua formação intelectual, não havendo qualquer dado concreto
para que se possa esclarecer seu sentido. Além disso, se motivada, não há
número máximo, podendo as partes recusar tantos jurados quantos
impedimentos estiverem presentes.168 Na face in casu o simulacro de controle
é até vexatório, na medida em que se recusa ou aceita a “participação cidadã”

167
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. Op. cit., p. 1028.
168
LOPES FILHO, Mário Rocha. O tribunal do júri e algumas variáveis potencias de influência.
Op. cit., p. 50
86

sem qualquer base de racionalidade ou funcionalidade para com o sistema,


deixando-se ao sabor das simpatias ou antipatias de cor, credo, raça e sexo a
inclusão ou exclusão de alguém do sistema. Neste sentido, em vez de significar
um incremento da participação cidadã, acaba sendo um recrudescimento de
crendices populares, como, pessoas de determinada profissão não servem
para julgar determinadas causas, ou mulheres são melhores juradas para
crimes passionais que homens (ou vice-versa, a imprestabilidade da colocação
é a mesma) etc.169

Entretanto, outro dado deve ser considerado: o Promotor e o Defensor


público responsáveis pelos processos que transitam na Vara do Júri possuem
uma considerável vantagem em relação aos advogados que não possuem
atuação constante neste espaço. Convivendo com os jurados diariamente, as
partes acabam identificando certas características dos futuros candidatos aos
Conselhos de Sentença, situação que favorece o processo de recusas no
momento da audiência.

Um ponto relevante, contudo, é que, no caso de Porto Alegre, segundo a


percepção da pesquisa de Roberto Lorea, tomando como base a sociabilidade
já existente entre a promotoria e os jurados que atuam há muitos anos na
função, a acusação parece estar em vantagem no momento de escolher
aqueles jurados que irá recusar para o julgamento, posto que, conhecendo-os
tem mais possibilidades de conformar o Júri segundo os seus interesses.170

Calamandrei aponta que há profissionais que em vez de estudar a


causa, sabe que precisa estudar os homens que devem decidi-la; em vez de
procurar a solução nos códigos, onde só há fórmulas abstratas, é preciso
procurá-la nos juízes, analisando-os amorosamente um a um, na sua vida, nas
suas dores, nas suas esperanças; examiná-los contra a luz, para descobrir em
cada um deles a passagem secreta: amizades, ambições, doenças, manias até

169
CHOUCKR, Fauzi Hassan. Participação cidadã e processo penal. In: Revista dos Tribunais,
v.782, São Paulo, dez. 2000, p. 459-476, p. 469-470.
170
LOREA, Roberto Arriada. Os jurados “leigos”: uma antropologia do Tribunal do Júri. Porto
Alegre, Dissertação de Mestrado do Programa da Pós-graduação de Antropologia social da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003, p. 84.
87

– o bilhetinho inocente do político, a recordação do amigo de infância, as


conversas à mesa de um café, a partida de cartas, o círculo da esposa, etc.171

Buscando evitar este tipo de desequilíbrio no processo de escolhas,


poderia ser franqueada uma bateria de perguntas aos jurados. Como exemplo,
se o julgamento envolvesse um caso de aborto, antes da constituição do
conselho, perguntar-se-ia aos jurados qual o pensamento deles a respeito do
assunto e, a partir das respostas, ter-se-ia a possibilidade de escolher um
conselho, o mais isento possível, para o julgamento que iria ocorrer.172

Com adoção da suposta hipótese no sistema de administração do Júri


brasileiro o perfil dos jurados ganharia contornos menos obscuros, o que
poderia evitar a submissão de julgamento de certos casos à pessoas que
tenham manifestado uma predisposição a decidir de acordo com um
determinado sentido.

3.5 A efetividade da medida de requisição de pessoas às associações

Em 2008 entrou em vigor a Lei 11.689 que apresentou algumas


modificações para o procedimento do Júri. Em relação à seleção dos jurados,
duas medidas podem ser consideradas: a) a alteração da idade mínima – de 21
para 18 anos - para poder ser alistado e b) A requisição do juiz presidente às
autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e
culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições
públicas e outros núcleos comunitários para a indicação de pessoas que
reúnam as condições para exercer a função de jurado.

As requisições de nomes para as mais diversas entidades e órgãos têm


por objetivo formar uma lista de pessoas com diferentes formações e visões de
mundo.

Cremos que a Reforma do Júri leva em consideração todo o histórico de


seleções de pessoas pertencentes aos segmentos dominantes na sociedade
brasileira. Nessa perspectiva, a medida consiste em uma tentativa de tornar o

171
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes vistos por um advogado. Op. cit., p. 61.
172
LOPES FILHO, Mário Rocha. O tribunal do júri e algumas variáveis potencias de influência.
Op. cit., p. 50.
88

conselho mais plural possível, legitimando a inclusão de pessoas de


segmentos menos favorecidos em termos econômicos no sistema de
administração de justiça brasileiro.

A inovação se esforça para se adequar ao sistema de “julgamento pelos


pares”, tendo como premissa a grande formação do rol de acusados por
pessoas retiradas de segmentos mais pobres.

Montesquieu pregava que o Poder Judiciário não deve ser confiado a um


senado permanente, mas sim a pessoas escolhidas dentre o povo, em
determinados períodos do ano... É necessário, além disso, que os juízes
possuam a mesma condição do acusado, isto é, sejam seus pares, para que
ele não possa suspeitar de ter caído nas mãos de pessoas propensas a lhe
tratar com violência.173

A ideia de julgamento pelos pares consiste em uma marca associada ao


Tribunal do Júri desde a sua concepção, ou seja, foi construído o pensamento
de que, para poder julgar um determinado réu, seria mais adequado que o
julgador convivesse em um contexto de vida semelhante ao daquele.

O povo julga a si mesmo através de seus concidadãos que ele nomeia


para esse efeito, com livre escolha, como seus representantes, para cada ato
particular. Somente o povo pode, ainda que de modo indireto, por meio dos
seus representantes por ele mesmo nomeados (do júri), julgar cada um de
seus membros.174

A garantia do julgamento pelos pares é sustentada por Beccaria: “É


utilíssima aquela lei segundo a qual todo homem deve ser julgado pelos seus
pares, porque, quando se trata da liberdade e da fortuna de um cidadão,
devem silenciar aqueles sentimentos que a desigualdade inspira: aquela
superioridade com a qual o homem rico olha o infeliz e aquele desdém com
que o inferior trata o superior não podem agir nesse julgamento. Mas quando o
delito for uma ofensa de um terceiro, então os juízes deveriam ser metade

173
MONTESQUIEU. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos
poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 169.
174
KANT, Immanuel. Metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2004, p. 132.
89

pares do réu e metade pares do ofendido; assim, sendo balanceado cada


interesse privado que modifica, ainda que involuntariamente, as aparências do
objeto, não falam senão a lei e a verdade.175

O propósito exposto por Beccaria busca um equilíbrio na composição do


Conselho de Sentença partindo da premissa de que o pertencimento de um
possível julgador a um segmento social ou situação o faria decidir a causa de
acordo com o bem-estar do seu “par”.

A sentença que proferem a respeito desse homem, outros homens,


semelhantes a ele, que fazem parte da mesma cidade, e se encontram na
mesma situação em todos os lugares, exceto quanto ao delito sobre o qual
devem proferir uma decisão, deve expressar aquela sentença que também ele
teria pronunciado sobre todos que não ele próprio.176

Cabe, portanto, analisar o cumprimento desta inovação legislativa no


cotidiano da seleção de jurados, aqui tomando como referência a Comarca de
Porto Alegre.

3.6 QUEM SÃO OS JURADOS?

3.6.1 Concentração de nomes em segmentos bem definidos

Na prática, a “seleção” [dos jurados] acontece dentro de um grupo


bastante restrito, geralmente servidores públicos, que pertencem a um
determinado estrato social e com alguma escolaridade.177 Vemos, então, que o
ciclo de seleção dos jurados está marcado por um grau de limitação relativo
apenas à determinadas categorias.

Escolhidos pela sorte, numa lista onde os nomes são lançados segundo
o critério do magistrado profissional incumbido dessa função, o jurado não é

175
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 66.
176
PERET, Lauzé Di. Trattato, p. 24, Apud FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do
garantismo penal. Op. cit., p. 603
177
FACHINETTO, Rochele Fellini. Quando eles a matam ou quando elas o matam: uma análise
dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Op. cit., p. 213.
90

representante do povo nem recebe incumbência alguma da sociedade para o


exercício de sua missão.178

Esta visão expressa bem a linha de pensamento de que não existe


“seleção” de pessoas aptas ao ofício de jurados no Júri, tendo em vista a
adoção de um mecanismo automático de nomes pertencentes a segmentos
específicos sem uma pesquisa mais precisa.

Sobre a formação da lista de jurados, Kant de Lima apresenta a seguinte


análise em uma de suas pesquisas:
Examinando a lista oficial de jurados dos quatro principais
Tribunais de Júri da cidade do Rio de Janeiro entre 1977 e
1983 (cerca de sete mil nomes), apurei que variavam muito
pouco as profissões dos jurados. Eles eram principalmente
funcionários públicos, bancários e professores. Entrevistando
jurados arrolados durante um ano em dois Tribunais de Júri,
descobri que os bancários e os professores trabalhavam, em
sua maioria, em bancos ou escolas do Estado. 179

Esta falta de variação de profissões das pessoas demonstra o quanto o


sistema de administração do júri ainda permanece adotando um método mais
conveniente ao órgão responsável pela atribuição, sem um comprometimento
maior com a questão. Ou seja, como a vara do Júri adota a prática de envio de
ofícios a determinados órgãos públicos para solicitar nomes de pessoas aptas
ao cargo de jurados, logo, a larga maioria de seus integrantes possuem algum
vínculo com a administração estatal.

Tomando como base a variação das profissões, coletamos as listas de


jurados dos últimos cinco anos na 2ª Vara do Júri de Porto Alegre. O período
em questão justifica-se pelo decurso de tempo de formação das listas após a
Reforma do Júri pela Lei 11.648/08.
Tivemos acesso às listas que contabilizaram 3.775 nomes de pessoas
aptas à convocação para participarem do Conselho de Sentença nos
respectivos anos.
Constatamos que, no período compreendido pela pesquisa, as cinco
categorias mais presentes nas listas foram: servidores públicos, bancários,
estudantes, aposentados e professores, o que correspondeu a uma soma de

178
MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri. Op. cit., p. 183.
179
LIMA, Roberto Kant de. A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos. 2.
Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, p. 151.
91

60,9% em relação a todas as profissões dos jurados destacados, conforme a


descrição da tabela 2.

Em relação às falhas de seleção dos jurados e à falta de


representatividade social, Aury Lopes Jr. estabelece que os jurados não
92

possuem a “representatividade democrática” necessária (ainda que analisasse


em uma dimensão formal de democracia), na medida em que são membros de
segmentos bem definidos: funcionários públicos, aposentados, donas de casa,
estudantes, enfim, não há uma representatividade com suficiência
180
democrática. Neste sentido, tomando como base a prevalência de
ocupações próprias de extração social média, este perfil ocupacional indica que
os réus não são julgados por seus pares, aspecto que, igualmente, intervém no
desfecho processual.181

A crítica à seleção contribui para desconstruir a ideia de “tribunal


democrático”, associada ao Tribunal do Júri, com base no julgamento pelos
pares – tendo como base a constatação de pessoas pertencentes a segmentos
definidos na formação da lista.
Logo, pode-se constatar que o Conselho de Sentença, no mais das
vezes, foi constituído de funcionários públicos e bancários, pessoas idôneas
que, ao exercerem seu múnus, tivessem seu salário garantido e sem
problemas com seus empregadores na hipótese de terem de faltar um ou mais
dias de trabalho.182

Este dado revela a falta de preparação do sistema de administração de


justiça em relação à remuneração dos jurados. Como a função não é
remunerada, pensamos que uma das hipóteses que sustenta a presença de
funcionários públicos é justamente relativa à garantia do salário pelo próprio
estado, o que pode explicar a ausência de profissionais autônomos – tendo em
vista a falta de reembolso de trabalho exercido.

No mais, o Código de Processo Penal concede aos jurados apenas


algumas “prerrogativas”, como a prisão especial e o não desconto dos

180
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. Op. cit., p. 1049.
181
ADORNO, Sérgio. Crime, justiça penal e desigualdade jurídica: As mortes que se contam
no Tribunal do Júri. São Paulo, Revista da USP in: http://www.usp.br/revistausp/21/12-
sergioadorno.pdf, v. 21, p. 132-51, 1994, P. 144. Nessa conjuntura Fauzi Hassan expõe que
“...não há “pares” julgando os réus no Tribunal do Júri, o que pode ser facilmente comprovado
pelo simples cotejo da faixa social dos jurados e dos acusados – e que, de resto, seria a
apologia do óbvio -, a escolha para o caso concreto também necessita de plena reforma no
intento de otimizar a participação “cidadã”. In: CHOUCKR, Fauzi Hassan. Participação cidadã e
processo penal. Op. cit., p. 473-474.
182
NASSIF, Aramis. Júri objetivo. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60-61
93

vencimentos, mas, fundamentalmente, considerando inescusável a


participação sob pretextos políticos ou religiosos e impondo-lhes as mesmas
sanções penais que podem ser aplicadas ao Juiz togado.183

Que os jurados historicamente têm pertencido às camadas dominantes é


afirmação que, ainda hoje, pode ser feita com certa tranquilidade.184 Vemos,
então, a perpetuação da forma de seleção dos jurados muito ligada ao controle
estatal, na medida em que o estado dispõe de seus funcionários para assumir
tal função.

De acordo com Tania Fontolan, esse tipo de corte é justificado pelos


agentes envolvidos na seleção, pela “necessidade de se manter um bom nível
nas decisões”. Essa definição genérica se desdobra em duas expectativas
acerca da participação dos segmentos populares: por não disporem de maiores
conhecimentos formais não conseguiriam entender as questões técnicas
envolvidas e, portanto, tenderiam a se confundir na apreensão das provas e
depois, na votação dos quesitos; e ainda, por possuírem um universo cultural
diverso do das camadas médias e altas, que partilhariam da realidade que a
legalidade legítima, tenderiam a considerar normal e/ou justo o que é ilegal e
passível de punição. Tratar-se-ia, portanto, de “segmentos perigosos”, porque
deles, potencialmente, sairiam os réus a serem julgados.185

Neste sentido, torna-se visível a preocupação dos responsáveis com a


formação da lista com a tentativa ou possibilidade de incluir pessoas de
segmentos desfavorecidos: o receio em relação à compreensão das questões
pertinentes ao julgamento, a impossibilidade ou dificuldade de dedicação de
trabalho nas sessões de julgamento, bem como “a imaginada” visão
diferenciada que poderia afetar o rumo de cada caso.

Reforçamos que a postura prática da seleção abre pouco espaço na


tentativa de ampliar o alcance de nomes aptos à formação das listas, tomando
como base apenas o dado objetivo, ou seja, a presença de pessoas em

183
CHOUCKR, Fauzi Hassan. Participação cidadã e processo penal. Op. cit., p. 469-470.
184
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Op. cit., p. 81.
185
FONTOLAN, Tania. Mulher e representatividade no espaço público: a participação
feminina no Tribunal do Juri. Op. cit., p. 185.
94

ambientes pertencentes respeitados pelo órgão responsável, evitando a


inserção de pessoas sem vínculo com instituições públicas.

Nesse contexto, levamos em consideração a perturbadora situação em


que o sistema criminal está destinado para incluir, nele, negativamente, como
sujeito passivo, o excluído pela sociedade, quem é, como regra, o réu do
processo penal,186 o que nos leva a acreditar que a conjuntura dos dados
pertinentes à seleção do Júri revela um método hierárquico, na medida em que
impõe o ofício aos funcionários públicos e cidadãos escolhidos; e excludente,
no sentido da falta de abertura do campo de atuação para pessoas
pertencentes a outros segmentos sociais.

3.6.2 Advogado também julga

O sentido do julgamento dos crimes relativos ao Tribunal do Júri consiste


na análise da situação por pessoas que geralmente não tem formação jurídica.
Entretanto, vemos que a formação das listas de jurados acaba englobando
determinada parcela de cidadãos que convivem com o campo do direito.

Em sua pesquisa, Kant de Lima aborda que a maioria possuía instrução


superior, e alguns eram bacharéis em Direito. Certo Juiz, também professor de
uma Faculdade de Direito, incluiu uma vez todos os alunos de uma de suas
turmas na lista oficial de jurados durante um ano.187 Já Rochele Fachineto
descreveu em seu trabalho empírico que, em várias ocasiões, ouvia os agentes
perguntarem aos jurados: “alguém aqui é bacharel ou estudante de direito?”
Fazia sentido o agente perguntar se, entre os jurados, havia aqueles que
tinham alguma formação em direito?188

A condição de cidadão pertencente à área do Direito possui um


significado para os operadores que irão atuar no Júri: A Defesa e a Acusação,
cientes da presença de uma pessoa com tal característica, poderá explorar ou

186
GIACOMOLLI, Nereu José. "Exigências e Perspectivas do Processo Penal na
Contemporaneidade II". In: GAUER, Ruth Chittó. (Org.). Criminologia e Sistemas Jurídico-
Penais Contemporâneos II. 2ªed.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011, v. 01, p. 285-305, p. 299.
187
LIMA, Roberto Kant de. A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos.
Op. cit., p. 151.
188
FACHINETTO, Rochele Fellini. Quando eles a matam ou quando elas o matam: uma
análise dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Op. cit., p. 210.
95

adequar uma tese na fase da explanação oral, trabalhando, assim, com


elementos e conceitos mais técnicos.

Segundo Max Weber, neste contexto de diferença entre jurados comuns


versus jurados com ligação com o Direito, a racionalidade seria caracterizada
pelo recurso à regras formais e abstratas e manifesta-se pela sua
generalização, enquanto que a irracionalidade diz respeito à fundamentação
em valores emocionais e individuais. Em relação aos critérios de decisão
adotados por um sistema jurídico, a formalidade diz respeito a critérios que são
próprios do campo jurídico, enquanto que a materialidade refere-se a critérios
de decisão que são externos ao sistema jurídico, como valores éticos,
religiosos, morais.189

De acordo com os dados obtidos através da pesquisa, a média de


advogados presentes nas listas de jurados dos últimos cinco anos na 2ª Vara
do Júri de Porto Alegre representa 3,06%. Devemos levar em consideração
que ainda há alistamento de estudantes ou bacharéis em direito, apesar da não
especificação nas listas, bem como de serventuários de justiça, característica
descrita de forma precisa apenas na lista de jurados de 2009.

Podemos interpretar a identificação de jurados ligados à disciplina do


Direito como uma chance de um julgamento mais “adequado” conforme a linha
que defende a análise de um juiz mais técnico.

3.6.3 A questão de gênero – Participação feminina no Júri

Talvez, para “evitar contratempos” para quem se dedica às prendas


domésticas, o corpo de jurados de muitas cidades brasileiras somente a partir
da década de 80 começou a admitir a participação de mulheres em sua
composição, sendo que, em sua expressiva maioria, o número de mulheres é
inferior ao de homens.190

Não temos como identificar o avanço da participação das mulheres no


conselho de sentença nas últimas décadas, entretanto constatamos que, no

189
WEBER, Max. Sociologia do Direito. In: Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2009, p. 100 e segs.
190
STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Op. cit., p. 81.
96

período posterior à Reforma do Júri, a presença feminina prevaleceu com a


média de 55,36% em relação ao número total de pessoas inseridas nas listas.

Dentro do contexto de constantes transformações ao longo do século


XX, notamos um rompimento com o sistema que privilegiava a presença do
homem no espaço público através do considerável aumento do acesso das
mulheres às funções pertencentes à esfera pública de trabalho.
97

No que diz respeito ao fator “gênero”, notamos que a forma de seleção


dos jurados acompanhou os avanços sociais, na medida em que reconheceu e
deu maior abertura para as mulheres atuarem no cenário jurídico, alcançando
ampla participação no contexto pesquisado. O crescimento da presença
feminina nas listas de jurados está, desse modo, associado, ao avanço
inequívoco alcançado pelas mulheres no espaço público do trabalho nas
últimas décadas.

Entretanto, identificamos que a concentração de mulheres no espaço


público ainda é marcada pelo discurso sustentado no início do século passado,
tendo em vista que, uma vez aceitas como parceiras legítimas no jogo, levam à
definição de estratégias, tidas como adequadas pelos agentes, com vistas a
explorarem e/ou controlarem a emotividade feminina.191

Considerando que a condução do teor das teses pode variar de acordo


com cada sujeito e caso, não podemos enquadrar ou generalizar que o público
feminino terá mais direcionamento com base em um discurso que apele para a
emoção.

Vale lembrar que o processo, enquanto ritual de reconstrução do fato


histórico, é a única maneira de obter uma versão aproximada do que ocorreu.
Nunca será o fato, mas apenas uma aproximação ritualizada do fato.192

A reconstrução do caso posto em análise no Júri poderá ter tons


diversos nas colocações pelas partes, conforme a visão da montagem do
Conselho de Sentença, tendo em vista a vasta abertura para apresentação de
dados no plenário.

Nesse sentido, a questão do discurso ainda presente na atualidade


revela que a composição do Conselho de Sentença pode ser decidida,
conforme a visão da Acusação e Defesa, no momento do sorteio que antecede

191
FONTOLAN, Tania. Mulher e representatividade no espaço público: a participação
feminina no Tribunal do Júri. Op. cit., p. 189.
192
LOPES JÚNIOR, Aury. Processo Penal, Tempo e Risco: Quando a Urgência atropela as
garantias In: BONATO, Gilson (org.) Processo penal : leituras constitucionais. Rio de Janeiro,
Lumen Juris, 2003, p. 33
98

a sessão de julgamento, de acordo com os valores e aspectos que poderão ser


trabalhados no plenário.

3.6.4 A perpetuação de nomes nas listas

A preocupação com a prática (ou falta de prática ou adoção de novos


nomes) despertou a atenção do setor responsável pela reforma do Código de
Processo Penal de 2008, o qual incluiu o §4º do artigo 425 que expressa que o
jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos últimos 12 meses que
antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído.

Dada a sistemática que orientava o Código de Processo Penal, havia a


possibilidade concreta de uma pessoa servir durante largo tempo de sua vida
como juiz leigo, beirando a situação a uma indesejada “profissionalização”.193 A
função de tal proibição é ventilar o Conselho de Sentença e evitar a figura do
‘jurado profissional’, que ano após ano participe dos julgamentos. O cidadão
que sistematicamente participa dos júris pode se transformar em um mau
jurado, pois ele continua não tendo conhecimento de direito penal e processo
penal, mas, pelas sucessivas participações, é levado a ter a falsa impressão de
que conhece o suficiente (a ilusão do conhecimento). Também visa diminuir a
contaminação pelas constantes presenças nos julgamentos e a proximidade
que isso possa trazer em relação ao promotor que lá costumam atuar.194

A questão da perpetuação de pessoas nas listas jurados ao longo de


anos consecutivos provoca repúdio pela falta oxigenação do Conselho de
Sentença e até mesmo pela dificuldade da obtenção de nomes comprometidos
com a prestação do serviço.

Em seu estudo sobre os jurados, Roberto Lorea aponta que não raras
vezes os jurados que atuaram num ano permaneceram na lista do ano
seguinte. O autor expõe um absoluto descaso em relação ao tempo que o
jurado atua, pois descobriu que as listas dos jurados não são guardadas, mas
vão para o arquivo “sexto”, como mencionaram os servidores, fazendo alusão
ao “cesto” do lixo. Não há um controle sobre quais jurados atuaram e mesmo

193
CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica
jurisprudencial. 3. Ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 740.
194
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. Op. cit., p. 1019.
99

se estão atuando há anos seguidos, ou seja, essa longevidade no júri submete


os leigos a uma superexposição à hierarquia vigente no júri.195

Na nossa pesquisa foi possível identificar nomes de pessoas que


integraram as listas dos últimos cinco anos, - como aconteceu com A.G.M.,
bancário. Ou seja, mesmo após o impedimento estabelecido pela Reforma,
ainda há presença de nomes em várias listas, o que, de certa forma, revela
uma ingerência na condução do sistema de seleção.

Não houve uma análise qualitativa prévia das reformas parciais de 2008,
dos pontos de avanço principalmente no que se referia à simplificação
procedimental, procedimento do Tribunal do Júri.196 Ou seja, até o presente
momento não houve qualquer monitoramento para avaliar se a medida está
sendo cumprida pelos tribunais.

3.6.5 Em busca de mudanças

Todos os mecanismos de proteção que busquem amenizar o sofrimento


e os riscos que ele encerra são um imperativo de justiça. Isso é crucial para o
processo penal poder ser inserido no complexo sistema de garantias que forma
o Direito.197

A busca do aprimoramento da seleção de jurados tem como uma de


suas pretensões a oferta de um terreno mais seguro que possa proporcionar
mais clareza em relação à participação de pessoas que poderão ter a missão
de avaliar questões pertinentes aos crimes postos em pauta, garantindo,
portanto, um julgamento mais prudente e menos obscuro ao réu.

195
LOREA, Roberto Arriada. Os jurados “leigos”: uma antropologia do Tribunal do Júri. Op. cit.,
p. 25-26.
196
BARROS, Flaviane de Magalhães; NUNES, Dierle José. Estudo sobre o movimento de
reformas processuais macroestruturais: a necessidade de adequação ao devido processo
legislativo. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em
Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010,
In:http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3482.pdf ,p. 7555
197
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito de defesa e acesso do Advogado aos autos do inquérito
policial: desconstruindo o discurso autoritário. In: BONATO, Gilson (org.) Processo penal :
leituras constitucionais. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 45.
100

O único ponto que consta no atual anteprojeto de Reforma do CPP diz


respeito ao número de jurados presentes no Conselho de Sentença, o qual
passaria de sete para oito, de acordo com o art. 349 do citado anteprojeto.198

Tendo em vista a consolidação do sistema, podemos pensar em


algumas reformulações para tentar minimizar alguns problemas. Primeiro, é
preciso reformular o critério “notória idoneidade” para retirá-lo da zona de
abstração, possibilitando uma seleção baseada em termos mais objetivos ou,
até mesmo, ofertando um roteiro mais preciso que não abarque apenas em sua
maioria pessoas retiradas de suas funções públicas.
A adoção de uma forma de seleção dos jurados com base em vários
perfis dos cidadãos requer uma atenta análise prévia, por parte do Juiz, sobre a
conduta social e a profissão exercida por aqueles candidatos à ocupação de
um dos assentos destinados ao Conselho de Sentença.
Uma situação que ganha destaque também diz respeito ao vários
jurados que, voluntariamente, se candidatam para participar no júri.199 A forma
de inscrição voluntária, considerada válida e aplicada atualmente, deve ser
questionada – interessa saber o motivo e os propósitos dos aspirantes ao
cargo de jurado através de entrevistas.

Do ponto de vista técnico alguns problemas poderiam ser resolvidos com


uma audiência prévia à sessão de julgamento com a submissão dos potenciais
jurados a um confronto com as partes que, de forma motivada, rejeitariam
determinada pessoa como jurada.200

198
Exposição de motivos do Coordenador da Comissão de elaboração do anteprojeto de
reforma do Código de Processo Penal, Ministro Hamilton Carvalhido: “A elevação do número
de jurados de sete para oito demonstra a cautela com que se move o anteprojeto em temas de
maior sensibilidade social. O julgamento por maioria mínima é e sempre será problemático,
diante da incerteza quanto ao convencimento que se expressa na pequena margem
majoritária. Naturalmente, tais observações somente fazem sentido em relação ao Tribunal do
Júri, no qual se decide sem qualquer necessidade de fundamentação do julgado.”
199
Assim Rochele Fachinetto destaca a situação em sua pesquisa empírica: “Em plenário,
alguns jurados comentaram que estavam lá por vontade própria, porque tinham curiosidade de
saber como era, outros porque tinham interesse no tema, outros ainda porque queriam
contribuir com a sociedade de alguma forma; outro comentou que era ‘fascinado’ por esse
universo de crimes, julgamentos, que era ‘fã’ de romances policiais e que sempre teve vontade
de atuar como jurado.”FACHINETTO, Rochele Fellini. Quando eles a matam ou quando elas o
matam: uma análise dos julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Op. cit., p. 209.
200
CHOUCKR, Fauzi Hassan. Participação cidadã e processo penal. Op. cit., p. 474.
101

Acreditamos que a realização de entrevista deve ser medida implantada


como etapa da seleção para que as partes e o órgão responsável possam ter
dados menos obscuros sobre os candidatos a jurados. Vale dizer que tal ato
não se presta a tentar colher informações para tentar aproveitar no momento
do plenário, mas sim para tentar evitar a presença de uma pessoa no Conselho
de Sentença com certa predisposição a julgar conforme um determinado
sentido que possa prejudicar o julgamento.

Tomamos como base o tratamento dado ao Júri espanhol, em que as


partes podem entrevistar os candidatos a jurados a fim de extrair deles o perfil
social, político, econômico, estilo de vida, religião, eventuais preconceitos de
raça e cor e tudo mais o que possa refletir no julgamento do fato. As perguntas
das partes levam em consideração determinados dados psicológicos, por isso
muitas vezes são assistidas por psicólogos, durante a tramitação do processo.
No mesmo sentido, as partes consultam cientistas sociais (sociólogos e
antropólogos) para utilização de dados em relação a fatores demográficos,
econômicos e culturais que possam envolver a causa, e, consequentemente,
escolher os jurados que compreendam aquelas questões.201
Levando em consideração que o sistema de administração de justiça
brasileiro deve continuar adotando a histórica forma de julgamento, submetido
à pessoas leigas, a possibilidade da inserção de seletiva para analisar dados
dos possíveis jurados com a ajuda de profissionais, de áreas pertinentes a
cada caso particular, poderia ajudar a diminuir a potencialização de riscos no
momento da tomada de decisão.
O redimensionamento da escolha do quadro geral de jurados deve
propiciar a participação efetiva da Ordem dos Advogados do Brasil e dos
Ministérios Públicos, eis que representam o ideal de partes no processo penal
de matriz acusatória.202 Nesse sentido, a concessão do direito às partes de

201
VELASCO, Pilar de Paul. El tribunal del jurado desde la psicologia social. Madrid: Siglo XXI,
1995, p. 55-58.
202
CHOUCKR, Fauzi Hassan. Participação cidadã e processo penal. Op. cit., p. 473. No Brasil
consta uma interessante experiência no estado do Rio: Como se deve proceder um juiz para
escolher os seus jurados? Os critérios são múltiplos e dependem de fatores diversos. Mas é de
meu dever registrar o que constatei na Comarca de Duque de Caxias no estado do Rio. O Juiz
Presidente do júri local mandou imprimir um formulário-questionário que será preenchido pelo
candidato a jurado. Após há uma entrevista pessoal do Juiz com o candidato onde as
respostas serão examinadas e só então, será o candidato aprovado ou não. In: TORRES DE
102

terem uma espécie de acesso aos dados dos jurados consiste em uma
tentativa de que possa possibilitar a formação de uma lista coerente.

A composição das comissões examinadoras é altamente significativa: a


banca que qualifica para a seleção não deve ser integrada ou dominada por
juízes, porque isto privilegia conhecimentos funcionais em detrimento dos
conhecimentos jurídicos, tendendo a reproduzir o mesmo modelo burocrático.
Por tal efeito, seria sadio que nas bancas participassem um terço de juízes, um
terço de professores universitários e um terço de advogados, por exemplo.203

Muitos estudos têm vindo a chamar a atenção para um ponto


tradicionalmente negligenciado: a importância crucial dos sistemas de
formação e de recrutamento dos magistrados e a necessidade urgente de os
dotar de conhecimentos culturais, sociológicos e econômicos que os
esclareçam sobre as suas próprias opções pessoais e sobre o significado
político do corpo profissional a que pertencem, com vista a possibilitar-lhes um
certo distanciamento crítico e uma atitude de prudente vigilância pessoal no
exercício das suas funções numa sociedade cada vez mais complexa e
dinâmica.204

Torna-se cabível a adoção de algum mecanismo que possibilite os


possíveis julgadores certa instrução acerca da dinâmica do julgamento no que
diz respeito a todas suas etapas. Entretanto, capacitar pessoas com noções
referentes às diversas áreas pode ser um desafio difícil de ser aplicado pela
alta rotatividade de pessoas na função e até mesmo pelo descompromisso do
Estado com gastos ou investimento no aprimoramento do sistema.

MELO, Carlos Alberto. Ministério Público e Júri. Revista Justitia, Rio de Janeiro, V. 80, 1973, P.
73.
203
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. Op. cit., p. 183.
204
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
modernidade. São Paulo, Cortez, 2000, p. 174.
103

CONCLUSÃO

Nesta dissertação realizamos um estudo sobre o sistema de


administração de justiça que atravessa o seu terceiro século de existência.
Consideramos o contexto histórico abordando dados do panorama social e
político relativos ao ordenamento brasileiro. Seguimos a linha do tempo de
sucessão dos diplomas legais referentes aos critérios que envolvem a escolha
dos jurados.

A proposta buscou discutir o tom “popular” desta forma de julgamento,


tomando como base a noção da seleção de pessoas leigas quanto ao
conhecimento jurídico. Procuramos encontrar o sentido da função de “jurado”,
que tem como marco a situação de juramento proferido para julgar
determinados casos. Acabamos nos deparando com o sistema de íntima
convicção que expressa a falta de fundamentação relativa ao Júri em toda a
sua existência histórica.

Constatou-se que no início do Império existia a formação de dois


conselhos de jurados, o primeiro apto a julgar a procedência do caso, o que
corresponde hoje à decisão de pronúncia e o segundo conselho responsável
pelo julgamento final, peculiaridade que foi extinta com a Reforma do Código
de Processo Penal em 1841.

Identificamos que a instituição analisada já adotava o sistema de


recusas peremptórias no Império, tendo em vista que o próprio réu poderia
recusar diretamente os seus possíveis candidatos a julgadores. Hoje, tal
situação é franqueada à Defesa - que pode e deve indagar o réu sobre a
aceitação de determinada pessoa no momento do sorteio - e ao Ministério
Público.

A instituição ganhou consistência com a ampliação da competência dos


crimes, porém, vale ressaltar que a Constituição Federal de 1824 expressava o
julgamento do Júri referente não só a assuntos criminais, mas também às
causas cíveis. Entretanto, esta última forma não prosperou, pois os jurados
selecionados não tinham o conhecimento técnico exigido para estes casos.
104

Em relação ao número de jurados presentes no Conselho de Sentença,


vimos uma constante oscilação durante a trajetória do Júri: em 1822, o número
correspondia a oito, em 1824 a doze, já no início da República cada estado
tinha autonomia para escolher respeitando o rol mínimo de doze jurados,
entretanto, o Rio Grande do Sul, por exemplo, chegou a ter apenas cinco
jurados, o que aponta para o desrespeito à Constituição. Contudo, foi o
Decreto-Lei nº 167, de 5 de janeiro de 1938 que acabou instituindo o número
de sete jurados que perdura até hoje. Pensamos que tal situação deve ser
revista para tentar dar mais dinâmica à seleção dos jurados, buscando um
aumento no número de pessoas no Conselho de Sentença.

A situação inicial do Império apontou para uma seleção marcada por


pessoas pertencentes às camadas dominantes, com base no critério da
necessidade de comprovação da renda econômica das pessoas indicadas para
compor o Tribunal do Júri. Foi possível observar um panorama que revelou
uma sociedade regida por interesses que expressava um movimento de
exclusão de pessoas com baixa renda assim como das mulheres para
participar do Júri.

Concluímos que a seleção dos jurados teve sua fase mais problemática
em 1841 com a distribuição da responsabilidade para o Delegado de Polícia,
levando em consideração uma série de riscos impostos à condução do
julgamento se pensarmos que o mesmo Delegado responsável pela formação
da linha de investigação do crime também possuía o poder de escolher as
pessoas que julgaram o caso pré-julgado por ele. Logo, no final do Segundo
Império, conferimos que a Reforma Judiciária retirou o poder da seleção do rol
de atribuições de tais autoridades.

Em relação aos critérios elencados para a escolha, concluímos que


algumas características marcaram o processo de seleção, como a
subjetividade dos requisitos a exemplo a “notória idoneidade”.

Verificamos que o panorama de escolha continuou atrelado aos critérios


estabelecidos pelo Código Eleitoral para exercício do direito ao voto, mantendo,
assim, as mesmas características da época do Império: exclusão dos
analfabetos e das mulheres. Após o início do período republicano não houve
105

mais necessidade de franquear o voto apenas aos donos de pré-determinadas


rendas, o que abriu o leque de possibilidades, mas não mudou muito a situação
da escolha dos jurados, tendo em vista que as autoridades continuaram
escolhendo pessoas pertencentes a alguns segmentos em detrimento de
outros.

No que diz respeito às autoridades responsáveis a pesquisa constatou


que a seleção passou, em períodos distintos, pelas mãos do Presidente do
Conselho municipal, padre, Juiz de Paz (na fase inicial do Império), Delegado
de Polícia (a partir de 1841) e Juiz, Promotor e Juiz de Paz (início da
República) e, desde a década de 1930, tal atribuição pertence ao Magistrado
da Vara do Júri.

Ao finalizarmos o estudo, podemos considerar que boa parte das


autoridades optou pela escolha de pessoas com certo grau de instrução. No
início da República houve um movimento tendente a buscar cidadãos
pertencentes a todos os segmentos sociais para participar do Júri conforme os
discursos de juristas a exemplo de Rui Barbosa, Roberto Lira e até mesmo do
Supremo Tribunal Federal.

Abordamos a problemática do coronelismo nas cidades do interior do


Brasil para relatar como a situação afetou e pôs o julgamento do Júri em
descrédito. Esse fato apontou para os riscos enfrentados pela falta de uma
estrutura de garantias, tendo em vista que atualmente ainda podemos
visualizar situações que comprometem a decisão. Nesse sentido, cabe o
questionamento: até que ponto os jurados tem segurança necessária para
decidir um caso sem risco de influências indevidas? Podemos verificar que,
através da perpetuação de nomes nas listas durante alguns anos, as decisões
podem ser mais vulneráveis às interferências de alguns jurados que são
escolhidos conforme critérios que podem por em descrédito o próprio
julgamento do réu, como exemplo o caso de formação de Conselho de
Sentença em pequenas cidades onde as pessoas se conhecem, o que acarreta
prejuízos para a impessoalidade necessária para o Tribunal do Júri.

A preocupação com o Júri em cidades menores no interior do Brasil


retratada nas primeiras décadas do século XX ainda pode ser vista nos tempos
106

atuais através da falta de oxigenação de nomes, ou seja, pela ausência de um


mecanismo que enseje uma maior circulação de pessoas e que ofereça
maiores garantias para evitar situações incômodas. Buscamos, então, uma
forma de seleção que possa propiciar desprendimento de vínculos de jurados
com interesses particulares.

Nos anos 30 verificou-se o momento estratégico que proporcionou


abertura do campo de atuação profissional às mulheres através da concessão
do direito ao voto feminino e, consequentemente, a permissão do alistamento
nas varas do Júri. Entretanto, apesar da abertura do campo ter consistido em
um passo legislativo decisivo, no sistema de justiça estudado ainda levou um
bom tempo para acontecer a inclusão feminina no Conselho de Sentença
devido ao preconceito ou visões de autoridades responsáveis pelo alistamento,
a exemplo do Juiz Inocêncio Borges da Rosa. Deparamo-nos, então, com o
despreparo da sociedade para acolher mulheres nos espaços públicos, o que
configurou um movimento de desconsideração da legislação com base na
continuação da prática de manutenção da predominância masculina, situação
que aponta para o júri como um ritual definidor de papéis sociais.

Sob o comando do Código de Processo Penal de 1941, a seleção


passou a ser pautada objetivando pessoas pertencentes a órgãos públicos
através de ofícios e indicações de tais lugares. Dito isso, foi possível averiguar
que a função do jurado ocorre em razão do vínculo de trabalho que se
estabelece entre o servidor e o Estado. Ou seja, o Poder Público aproveita a
disponibilidade do seu quadro de servidores para ampliar, entre as suas
atribuições, a atividade de jurado. Logo, notamos que a Administração poupa
esforços operacionais para selecionar outras pessoas e economiza no que diz
respeito aos sujeitos que poderiam receber um retorno financeiro pelo trabalho
desenvolvido. Vale levar em consideração que, apesar da função de jurado ser
obrigatória, muitos profissionais autônomos ao serem convocados peticionam
ao Magistrado para terem seus nomes excluídos da lista anual, principalmente,
usando como argumento a falta de tempo para se dedicar ao ofício.

Notou-se que a constituição do critério “notória idoneidade” é


demasiadamente abstrata, o que permite o encaixe de categorias da forma
107

como bem entender a autoridade responsável pela seleção. O atual formato de


seleção acaba cumprindo um papel de segregamento e exclusão de outros
segmentos, mantendo a configuração social exatamente da mesma forma,
preservando a busca de sujeitos vinculados aos órgãos públicos, mantendo
assim um sistema de administração verticalizado.

De acordo a coleta de dados dos nomes presentes nas listas dos últimos
cinco anos, após a reforma do procedimento do Júri através da Lei 11.968/08,
as cinco categorias que representam o grande número de participações
(servidores públicos, bancários, estudantes, professores e aposentados)
revelaram o método comum de obtenção dos possíveis candidatos a jurados:
repartições públicas, bancos e universidades.

O dado a respeito da forte presença de professores e estudantes tornou


visível o alto grau de instrução das pessoas aptas ao exercício da função de
jurado. Podemos notar que as universidades se constituem em fontes
presentes nos banco de dados utilizados pelos Juízes para encontrar nomes
que possam dedicar parte do seu tempo a esta forma de administração de
conflitos.

Podemos constatar ainda que a predominância feminina, relatada no


aumento constante ilustrado nos dados da pesquisa, é fruto da consolidação
das mulheres nos campos de trabalho e, mais especificamente, nos espaços
em que são coletados os nomes de pessoas aptas à atividade.

Por meio deste percurso histórico, foi nos foi possível concluir que a
escolha dos jurados do sistema de justiça criminal brasileira sempre foi
marcada pela presença de pessoas pertencentes aos segmentos sociais
médios de acordo com os padrões estabelecidos pelas autoridades
responsáveis.

Nesse sentido, compreendemos que a complexidade da sociedade


contemporânea não comporta mais a prática de seleção dos jurados de acordo
com o atual modelo. É preciso repensar o método utilizado para tentar reduzir
riscos. Nesse contexto, pensar em uma reforma referente à escolha dos
jurados é plenamente possível se levarmos em consideração a previsão
108

constitucional do art. 5º, XXXVIII, “com a organização que lhe der a lei”,
respeitando os princípios estabelecidos.

No que diz respeito à abertura do campo de seleção, podemos apontar


algumas medidas: a) possibilidade de oferta de remuneração pelo trabalho
empreendido, o que buscaria envolver pessoas de outros segmentos, não
restringindo a decisão apenas aos profissionais pertencentes aos bancos de
dados habituais; b) aumento do número de jurados para oito pessoas, o que
proporcionaria uma maior oxigenação de ideias e daria uma margem maior de
segurança ao réu na decisão final, pois a condenação somente ocorreria com
uma diferença de, no mínimo, dois votos e c) compromisso maior com a
requisição aos núcleos comunitários para ter nomes de pessoas pertencentes a
diferentes contextos.

Sobre o conhecimento do perfil dos jurados, seria cabível a implantação


de uma audiência prévia para que as partes – Acusação e Defesa – pudessem
interrogar os possíveis candidatos a jurados para avaliar as suas
características, o que contribuiria para aprimorar o mecanismo de recusas
peremptórias no momento do sorteio das pessoas antes da formação do
Conselho.

Para os que buscam a trilha de um julgamento mais estruturado em


termos profissionais, vale a pena pensar na adoção de um escabinado técnico:
uma espécie de julgamento que contaria com a participação de profissionais de
outras áreas para avaliar o caso.

Explanamos as ideias principais buscando um Processo penal como


instrumento de garantia contra o arbítrio. Por todo o exposto, constatamos que
garantias processuais mínimas perdem espaço na arena de julgamento do
tribunal do júri – tendo em vista a falta de garantias orgânicas que podem afetar
a condução de um julgamento devido e a criação de uma seleção mais
consistente, com critérios e etapas mais bem definidas que possam respeitar a
plenitude de defesa estabelecida pela Constituição. Ou seja, o processo penal
brasileiro tem um longo caminho a percorrer para conseguir criar um sistema
mais adequado de garantias fundamentais que permita ao acusado estar mais
109

protegido à série de problemas provocados pelo descompromisso com a


seleção dos jurados.
110

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