Sei sulla pagina 1di 55

Então, o que é?

Em vez de olhar prefiro escutar.


O mais gracioso prazer sensual
que jamais inflamou dois amantes.
A Rainha beija a boca do caçador
e ele retribui-lhe os beijos.
Estão sentados debaixo dum salgueiro
cujos longos ramos
caiem sobre as suas cabeças.

A relva beija a confusão


de seus pés enlaçados.

A madeira do banco
geme sob a pressão dos corpos,

que formam um só
no abraço do prazer do amor.

Oh, assim se ama


um par de tigres na selva,

bem afastados do mundo.

O doce prazer fá-los um,

afasta-os,
para de novo mais intimamente ainda

se entregarem um ao outro.

Perante este quadro


fico sem fala e sem imagem.

Queres ver e ficar sem fala?

Não, sentiria náuseas.

E tu,
afasta-te desse tão indigno quadro.

A magia das cores não me larga.

Eis um quadro
cujo pintor é o doce amor.

Oh, como está deitada a Rainha,


apertada em seus fortes braços!

E como grita agora de prazer,


ele a cobri-la de beijos!

Assim se tapa uma terrina,


não, um céu.
Aquela boca aberta é já de si um céu.

O patife, o canalha é mesmo descarado.

Pensa que o fato de caça verde


o protege dos golpes.

Um golpe, sim, é isso que, deleitado,


me parece ver lá em baixo.

Oh, estou fora de mim!

Que mulher!

Não o finório, só a mulher!

Estraga tudo o finório, o bruto.

Ah, aquela doce, doce mulher!

Como não perder a cabeça


ao ver aquilo?

E agora estou perdido.

A tempestade devasta
tudo quanto se chamou,

ainda se poderia chamar,


mas já não se chama amor.

Basta!

Ai de mim, que tenho de ouvir isto!

Ai de nós, que tive de ver aquilo!

Oh, não peço mais nada


do que estar morta a sorrir.

Morta,
é isso que estou e sempre estive.

Nunca senti o quente impulso da vida.

Estou tão imóvel como a tenra neve


que se oferece aos raios de sol

para que a possua.

Sim, sou neve,


derreto sob o bafo quente,

não meu mas da primavera.


Que doce é este gotejar.

Minha terra muito querida,


acolhe-me em tua casa.

Este sol faz-me muito mal.

Sou eu que te causo este grave mal?

Oh, não, tu não. Tu não podes.

Que encantadora és.

Como me ris, como me sorris!

Não me ames. Só perturbo a tua paz.

Oh, porque não te deixei no caixão?

Jazias tão bela dentro do caixão.

Também assim jaz a neve


no silencioso lnverno.

Neve, sempre neve?

Perdoa-me,
querida imagem de lnverno, tu,

retrato de piedosa e branca paz.

Se te fiz sofrer foi só por amor.

De novo o amor se afasta de ti


chorando, e volta-se p'ra Rainha.

Perdoa ao amor
por te ter tirado do caixão,

Desse esquife de vidro


onde jazias de faces rosadas

e respirando de boca aberta


como alguém que está vivo.

Era uma imagem tão doce


que apetecia morrer:

tivesse-te eu deixado assim

ainda agora o amor estaria de joelhos


prostrado diante de ti.

Olha, olha!
Agora que estou viva, deitas-me fora
como se morta estivesse!

Que estranhos sois, vós, os homens!

Ralha a sério comigo, pois fazes bem.

Odeia-me, que me ajoelho diante de ti.

Chama-me ignóbil, que isso faz-me bem.

Mas deixa-me agora


ir procurar a Rainha,

que quero libertar dum amor indigno.

Por favor, fica muito irritada


e até muito zangada comigo.

Mas porquê?

Diz-me, porquê?

Ah, porque sou um canalha


que foge de ti,

e agora corre para outra


que lhe excita mais os sentidos.

Canalha, tu?

Isso nunca!
Como? Excita-te mais os sentidos?

Os teus sentidos?

Que falta de senso nesses sentidos!

Que matilha de cães


te excita tanto os sentidos

para fugires,
como uma corça assustada,

de um inimigo que te persegue?

Pois seja. Foge de mim,

foge p'ró ribeiro


que te sacia com melhor água.

Eu fico e sorrio,

de mão pálida estendida,

provoco-te e grito com voz alegre,


acompanhando a tua fuga:

" Branca de Neve espera por ti,

vem bater à velha porta".


E rio bem alto.

Então, tu viras
a tua querida cabeça fiel para mim

e imploras que fique calada,

porque gritar não serve para nada.

Pois vai! Vai. Oh, vai, eu liberto-te.

Recomenda-me à Rainha.

Recomendar-te à Rainha?

Como? Estarei a sonhar?

Pois claro. Então não posso


por teu intermédio saudar a mãe

que lá em baixo no parque,

à sombra, está ocupada com bordados?

Borda num pano de amor...


Quero lá saber!

Devo-lhe amor
e através de ti o amor a saudará.
Diz-lhe que lhe perdoo.

Ou não, porque neste caso justamente


não convém à filha.

De joelhos implora perdão para mim.

Aliás p'lo teu próprio amor


já terás de estar meio ajoelhado.

Transmite-lho então,
ao descair, como um rebuçado,

e nota a graciosidade
com que aquiesce,

como comovida, perturbada,

a ti,
ao teu beijo ardente, oferece a mão,

e a mim, porque foste tão galante,

me envia o perdão pela falta cometida.

Com que impaciência


aguardo a palavra da mãe!

Portanto, despacha-te, vai depressa.


Branca de Neve, não te compreendo.

Não importa.
Vai, peço-te. Deixa sozinha a flor,

que só na solidão
floresce em toda a sua plenitude.

Não te foi predestinada,


por isso acalma-te.

Vai, deixa-me entregue ao sonho,

que vai abrir-se esplêndido


como uma planta colorida.

Vai ter com a outra flor, vai,

aspira-lhe o doce aroma.

Fica tu calma. Espera-me aqui.

Reconciliada te trarei a Rainha.

Vou agora procurá-la


sob as sombras do jardim.

E ao infame caçador
irei pedir-lhe explicações,

Não importa quando,


como e onde o encontrar.

Até lá, fica calma e aguarda-nos.

Está inquieto,
e a mim recomenda-me calma,

que, aliás,
tenho em muito maior grau do que ele.

Que tudo aconteça


como tem de acontecer!

Magoa-me a infidelidade do príncipe.

Mas não choro,

tal como não exultaria se tivesse


provas de que me amava ardentemente.

Não quero excitar-me mais


do que a própria excitação faz;

cala-se,
engole a angústia, e assim faço eu.

Ah! Ali vem a mãe em pessoa


e completamente sozinha.

Oh, boa mãe. Oh, perdoa!


Mas porquê? Levanta-te, minha filha.

Não, de joelhos, assim, diante de vós.

Que tens, donde vem esse frémito,


o arfar desse seio?

Levanta-te e diz o que tens.

Não retireis a doce mão


que quero cobrir de beijos.

Quanto desejava este aperto!

Se fosse fingimento,

não vos implorava perdão


tão ansiosa como aqui estou.

Esqueci, perdoai.

Sede, pois, a minha mãe clemente.

Deixai-me ser
a filha da vossa bondade,

que se abriga ansiosa em vosso seio.

Oh, doce mão,


pensei que perseguisses a minha vida,
me oferecesses a maçã.
Mas não é verdade.

Só pensamentos variados poderiam


forjar tão subtilmente o pecado.

Aqui o pensamento
é o único pecado existente.

Oh, livrai-me da desconfiança


que vos magoa assim tanto.

Quero apenas amar, amar-vos.

Como? Então não te mandei o caçador?

Não o incitei com beijos a cometer


o grande, tão grande pecado?

Pondera, não pensas bem.

Só sinto!
O sentimento é arguto a pensar.

Sabe exactamente
todos os pontos da coisa.

Porém, perdoai,

o sentimento é muito mais nobre


do que o pensamento
a pensar numa coisa.

Sendo pobre nas sentenças,

é mais vivo, mais simples a julgar.

Por isso,
não gosto do que venha do pensamento.

Cheio de importantíssimos
conceitos e poses,

Divaga p'ra cá e p'ra lá,

depois diz
que as coisas se passaram assim,

e insiste numa condenação mesquinha.

Fora com o juiz que só pensa!

Se não sente, então pensa pouquíssimo.

O seu julgamento
tem dores de estômago,

está pálido e põe louco o queixoso,


por maior razão
absolve o pecador do pecado,

anulando a queixa num só fôlego.

Trazei-me esse tal outro juiz,


o sentimento doce, ignorante,

e escutai o que ele diz.

Oh, não diz nada.

Sorri, dá um beijo mortal ao pecado,

faz-lhe carícias como a uma irmã


e estrangula-o num beijo.

De todo o pecado
o meu sentimento vos absolve,

de joelhos diante de vós, ele implora:

chamai-me pecadora a mim,

que tão ansiosa peço perdão.

A maçã envenenada
fui eu quem ta enviou.

Comeste-a e por isso morreste.


Foste levada p'los anões
para o caixão de vidro,

até que o beijo do príncipe


te deu vida. É assim, não é verdade?

Até ao beijo é tudo verdade.

Estes lábios, aqui,

jamais uma boca de homem


os profanou.

Como poderia ele,


o príncipe, beijá-los?

Sequer tem pêlos no queixo,


ainda é um rapazinho,

nobre, sim,
mas horrivelmente pequeno,

fraco como o corpo onde está metido,

pequeno como o espírito


a que se agarra.

Sobre o beijo do bom príncipe, bem,


não digais mais nada, mãe.

O beijo está morto,


como se nunca ele tivesse sentido
o humor

de um par de lábios ambos húmidos.

De que queria eu falar?

Ah, do pecado,
que está de joelhos diante de vós,

querida pecadora.

Não, isso é falso.

Tu mentes
e inventas para ti própria um conto.

Mas o conto diz


que eu sou uma Rainha malvada,

que te enviei o caçador


e te dei a maçã a comer.

Responde claramente.

Fazes troça implorando o meu perdão,


não é verdade?

Tudo gestos e modos,


palavras que tu, esperta, ensaiaste?
De facto, tornaste-me
agora desconfiada. Que fazes?

Olho para a bondosa, doce mão,


vejo quão bela é,

como maravilhosa acorda a emoção


numa criança, quase a apagar-se.

Não, vós não sois pecadora.


Que gosto teríeis nisso?

E também eu não sou.

Nunca a desonra nos maculou.

É puro o nosso olhar para o céu puro,

são doces os nossos actos,


tal como aqui acontece.

Fizemos mal uma à outra uma vez.

Mas já lá vai tanto tempo


que não se sabe como foi.

Abri essa vossa querida boca,


peço-vos.

Contai-me algo bem divertido.


Ordenei que te matassem.

E não poupei carícias e beijos


a quem foi atrás de ti,

a quem como caça te perseguiu


por florestas e prados

até que caísses.

Ah, já conheço essa história,

também a da maçã e a do caixão.

Contai outra coisa, sede boa.

Não tendes outra ideia?

Tão agarrada estais a esses traços

que sempre tendes de os desenhar?

Beijos, com beijos inflamei o caçador,


o assassino.

Ah, os beijos choviam-lhe


como orvalho no rosto,
que a mim jurava lealdade
e a ti grande infortúnio.

Esquecei, querida Rainha.

Peço-vos, não penseis mais nisso.

Não roleis os grandes olhos assim.

Porque tremeis?

Toda a vida só me fizestes bem,

por isso vos estou tão agradecida.

Se o amor soubesse melhores palavras,

talvez fosse menos inepto a falar.

Não tendo o amor limites,


se não sabe falar

é porque está totalmente submerso


dentro do vosso ser.

Odiai-me, para que eu possa amar


ainda mais infantilmente,

mais só por amor ao fervor,


sem outra razão
senão que amar é doce e delicioso

para quem simplesmente o faz.

Não me odiais?

Odiei-me a mim muito mais do que a ti.

Outrora odiei-te,
invejava-te a beleza,

queria mal a todo o mundo, porque a ti


todo o mundo te elogiava muito,

rendia homenagens,

enquanto a mim,
a Rainha, me olhava de lado.

Oh, isso punha o meu sangue a ferver,


como um tigre.

Já não via com os meus próprios olhos,

nem ouvia com os meus ouvidos.

Só um imenso ódio via e ouvia,

comia, sonhava,
jogava, dormia por mim.

Deitava-me triste,
fazia o que ele fazia.

Isso acabou. O ódio quer amar.

O amor odeia-se
por não amar com mais força.

Mas vê, vem aí o jovem príncipe.

Vai, vai beijá-lo


e chama-lhe teu tesouro.

Diz-lhe que, apesar de ter dito


palavras ásperas em tua defesa,

gosto dele sinceramente.

Vai e diz-lhe!

Procurava-vos, graciosa Rainha.

Como?

Graciosa?

É uma saudação atenciosa.


Amo-vos, príncipe,

vós, que de Branca de Neve


quereis ficar noivo.

Branca de Neve
não quer ser minha noiva.

Diz que mudei depois que a tirei


do caixão e a trouxe p'ráqui.

E se ela tiver razão,


a culpa é toda vossa.

Entrego-me todo a vós, Rainha.

Donde vos vem esse fraco carácter


que oscila p'ra cá e p'ra lá

como um junco sacudido pelo vento?

Donde? Realmente não sei.

Mas uma coisa eu sei,


essa com toda a certeza:

estou apaixonado, e por quem?

Por vós, que sois a Rainha.


Não me agrada um amor assim.
É tudo rápido demais.

P'ra mim a vossa conduta


é demasiado juvenil,

vosso pensamento por demais


inconstante e dum ser muito apressado.

Tende paciência, não me digais


que sentis amor por mim.

Por certo ainda me quereis repreender


por causa de Branca de Neve,

que parecíeis
com desamor ter esquecido.

Caçador!

Para quê o canalha?

Não é um canalha.

Sob o seu fato de caça


ele vale dez mil príncipes.

Não sejais tão fogoso

e pensai naqueles
a quem a vossa fúria toca de perto.
Ah, eis-te!

Que mandais?

Como se fosse a sério,

representa a cena com Branca de Neve


em perigo na floresta.

Representa-a para nós, aqui.

Faz como se a quisesses matar.

E tu, menina,
foge como se fosse a sério.

Eu e o príncipe ficamos a assistir,

censurando-vos se forem demasiado


débeis no desempenho dos papéis.

Ora bem, começai!

Vem Branca de Neve, eu vou matar-te.

Ai, não tão depressa!

Sacai primeiro do punhal.


Não me intimido
com as vossas arrogantes ameaças.

Porque quereis dar-me cabo da vida,

se dela nunca vos veio mal ou ofensa?

A Rainha odeia-te; deu ordem


para que aqui te matasse,

instigando-me a isso
com ternos beijos.

Ha, ha, com beijos.


Ha, ha, ha!

Que falta à querida Rainha?

Nada, continuai.
Estais a representar muito bem.

O canalha representa de canalha


com muita naturalidade;

o papel assenta-lhe tão bem


como o seu fato de caçador.

Príncipe, príncipe!

Pois prepara-te p'rá morte.


Nada de cerimónias, por favor.
És areia no olho da Rainha,
tens de deixar o nosso belo mundo.

Assim quer quem mo ordena.

Apronta-te, porque resistes?

Então não posso defender-me

quando a descarada morte


agarra o meu pescoço?

És a morte, homem duro?

Não acredito.
O teu olhar é doce e bom,

a ternura é visível nas sobrancelhas.

Tu matas animais mas não seres


humanos, que não são teus inimigos.

Já estou a ver,
a piedade faz-te baixar a arma.

Oh, obrigada. Assim sentisse a Rainha.

Verdade? Falas a sério?


Excedes-te assim e falas verdade?

Então, caçador, por favor,

sai do papel que não é adequado


a um homem como tu.

Atira-te à malvada moça


que me atormentou hoje,

toda a tarde, com insinuações.

Oh, mata-a,
traz-me o seu falso coração,

põe-no aqui aos pés da tua Rainha!

Como? Foge, Branca de Neve!

Alto aí, canalha!


Oh, Rainha, que serpente sois!

É um jogo. Venham para o jardim.

O ar da primavera,
passeatas à sombra no parque,

Conversas
ao longo das áleas saibrentas,

será esse o fim feliz da discussão.


Aos vossos olhos
sou uma serpente ou 'inda pior.

Mas não faz mal,

porque a próxima hora


irá mostrar-vos que não, que não sou.

Vem, Branca de Neve.

E vós, príncipe,
permiti que lhe chame filha do coração.

Há pouco estávamos só a brincar!

Sim, os papéis
foram bem desempenhados.

A brincar, foi brandido um punhal


na mão dum caçador:

quem é o canalha?

Ha, ha, ha!


Venham, venham todos para o jardim!

Já não confio mais em vós.

Vem, príncipe-laparoto! Vem, caçador.


Que o riso nos acompanhe!

Sim, Rainha.

Voltas agora a queixar-te como antes,

estás amarga,
olhas-me com olhos tristes.

Mas porquê essa mudança silenciosa?

Sabes que não guardo rancor;

estás triste sem razão.

O príncipe
já se virou outra vez para ti.

Mas tu amuas e não vês amor


convergindo de todos os lados para ti.

Ah, não consigo livrar-me da ideia


que me odiais e perseguis.

Está sempre presente


no meu pensamento angustiado

e nunca, em toda a minha vida,


meu espírito se irá limpar dela.

Cola-se-me negra ao coração,

ensombra qualquer som alegre


dentro da minha alma.

Estou muito cansada e,


como imagem insensível,

gostaria de estar deitada


no caixão aberto.

Estivesse eu junto dos meus anões,


lá teria paz e paz vós teríeis.

Sou um tormento para vós.

É visível que me queríeis


a mil léguas de distância.

Não, não.

Ah, quem me dera


estar junto dos anões!

E que tal era lá? Era calmo e bonito?

A paz era calma como a neve.

Quem me dera estar lá com eles,


bons para mim como irmãos.

Lá tudo brilha de limpeza.

A dor, nojento resto de comida


que o gosto delicado odeia,

era estranha à luzente mesa da vida.

A alegria era como um lençol,

Tão pura,
que mergulhávamos ali adormecidos,

no reino dos sonhos coloridos.

Lá o povo desconhecia a mesquinhez.

E qualquer um prezava os brandos


costumes e as boas maneiras.

Nos lábios de cada qual,


as palavras doces encontravam eco.

Quem me dera ainda lá estar!

E, no entanto, algo me fez voltar


de novo, em lágrimas,
para junto de vós,

para o mundo,
onde um coração tem de murchar,

acabando por morrer.

Então não havia ódio


entre os teus anões,

E até talvez também


ignorassem completamente o amor.

Como bem sabes, o ódio alimenta


o amor e, como também sabes,

o amor ama de preferência


o frio, agreste ódio.

Pois lá
nunca uma palavra dura me atingiu,

nunca o ódio perturbou o amor.

Se lá havia amor,
não sei, sinceramente.

O ódio torna-nos antes sensíveis


ao amor.

Lá não sabia o que era o amor.


Aqui, sim, pois só existe ódio.

Ao desejar amor
tenho plena consciência dele.

Abalada pelo ódio,


a alma anseia p'lo amor.

Lá, junto dos anões,

vivia em tranquila alegria.

Nada resta. Acabou-se.

Pois bem, minha querida,


é preciso que riamos.

Não,

para rir é preciso uma vontade


diferente da que sinto no meu peito.

Eu só tenho vontade de chorar.

Vós incitastes o caçador


com muitos beijos e lisonjas,

e há pouco espicaçaste-lo para matar.


"Atira-te à malvada moça",
dissestes vós, tremendo de raiva,

depois chamastes àquilo um jogo.

Oh, estais com sede de vingança,


fazeis um jogo inaudito comigo,

que me não sei defender.

Ponham-me no caixão.
É o desejo de Branca de Neve.

Apenas no caixão,
onde jaz minha alegria,

encontrarei vontade de sorrir.

Sede boa, deitai-me ao pé dela.

Agora sorris, ris até.

Ah, mas só por um instante.

O instante seguinte já de novo me fala

do mal e da dor que me vêm de vós,

ameaça-me e aponta com o dedo,


arregala os olhos,
tal como vós fazeis.

Depois sussurra:

a mãe não é mãe.


O mundo não é o doce mundo.

O amor é ódio, mudo e desconfiado.

O príncipe é um caçador.
A vida, morte.

Vós não sois a boa Rainha,

mas sim a altiva, a arrogante


que me enviou o sangrento caçador.

Vós gostais dele, adulai-lo,

consentis-lhe doce beijo


com o qual o incitais à morte.

A caça dele, essa sou eu,

tudo isto diz o outro instante amargo.

Agora o vosso ódio por mim


vai redobrar.
Inflamei-o com beijos. Não?

Não foi assim?

Anda, diz.

Grita-o bem alto ao doce mundo,

repete-o aos ventos, às nuvens,

grava-o
em troncos de árvores frondosas,

sopra-o aos suaves ares,

para que, com o seu perfume delicado,

o propaguem como uma primavera.

Oh, vai ser aspirado por todos,


vão louvar-te como inocente,

eu serei malvada porque alimentei


o assassino com amor,

inflamei-o
com os meus beijos venenosos.

Olá, onde estás tu, caçador?


Vem daí. Afastemos a vergonha,

beijo-te
e proclamo-te o homem mais amado,

o melhor dos homens, o mais fiel,


forte e afável, cheio de audácia.

Branca de Neve, ajuda-me a louvá-lo.

Basta, basta, isto põe-vos louca.

Porque fui eu mexer


na ferida envenenada?

Agora sangra de novo


e nunca mais vai sarar.

Poderíeis perdoar-me, Rainha?

P'ró diabo com o perdão


e com a paciência!

Vergonha, bondade! Eh, lacaio!

Chamastes, nobre senhora?

Meu homem único,


primeiro um beijo.
Oh, pudesse eu desaparecer!

Mas ainda tenho de falar um breve


instante para esclarecer este jogo,

senão ela, a implicada,


diz que é brutal.

Fala em vez de mim.


Diz a esta tola e triste rapariga,

diz-lhe quanto a odeio e também a amo.

Puxa do punhal.

Mas não, querido. Deixa-o na bainha.

Fala, é tudo, consola-a.

Diz palavras em que ela


possa acreditar, e acalma-me;

repõe aqui o silêncio anterior


ao começo deste jogo vacilante.

Vai, mas tem cautela.

Não fales demasiado pouco,

não vão tuas parcas palavras


dizer demais.
Aproxima-te de mim, Branca de Neve.

Como já não tenho medo,


com todo o gosto.

Julgas que te queria matar?

Sim e também não.

Se abafar o sim,
o não apressa-se logo a dizer-me sim.

Diz que acredito. Di-lo de molde


a ser sempre crível pelo sim.

Estou cansada do não. O sim é grácil.

Acredito em ti, digas o que disseres.

Como gosto de dizer:


sim, acredito em ti!

Há muito tempo que o não me repugna.

Assim seja.
Sim, sim, acredito em ti.

Vê, esta é que é a voz


de Branca de Neve.
Se reina a desconfiança,
não é ela própria,

é um algoz que se tortura a si mesmo

e tortura os outros
que por amor se lhe rendem.

Mas se agora eu disser


que a desconfiança

só diz mentiras
inventadas e venenosas,

então, então tu acreditas em mim,

não é assim, Branca de Neve?

Sim, com todo o gosto.

Oh, sim,
e porque não sim a tudo quanto dizes?

Dizer sim faz muito bem


e é muitíssimo doce.

Acredito em ti.

Sim, mesmo que mintas,


construas contos que cheguem ao céu,
me apresentes mentiras
manifestamente toscas e patetas,

mesmo assim acreditarei sempre em ti.

Tenho de dizer sim, sempre sim.

Nunca como agora uma crença


cresceu tão bela assim em mim,

nem uma confissão foi tão doce


como este sim.

Diz o que quiseres, creio em ti.

Como facilitas tudo a mim,


a ti, e à querida Rainha!

Oh, obrigado.

Mas, menina,
acredita que te minto sem pudor.

Em prol da minha senhora ali,


conto-te contos frívolos.

Não, não mintas a ti próprio.


A tua alma fala, eu sei.

Acredito em ti.
Oh, esta confiança é certa,
nunca errou ao confiar.

Podes dizer mentiras,

que a minha confiança fá-las serem


verdadeiras como prata pura.

A tudo digo sim, antecipadamente.

No que penses ou digas, este sim


força o teu discurso a ser verdadeiro.

Fala, pois meu pensar confiante


tem o sim como se fosse prisioneiro,

e este quer libertar-se do cárcere.

Absolvo aqui a Rainha


de culpa e ignomínia.

Acreditas nisto?

Se acredito?

Sim, porque não haveria de acreditar


em tal amor?

Acredito. Continua.
Acredito. Vá, segue galhardamente.

Que ela me incitou ao crime


com beijos fogosos, não é verdade.

O conto, quando assim fala, mente.

Como pode ser verdade


se tu dizes que é mentira?

Continua, eu acredito.

Que ela, igual à víbora te odeia


por causa da tua doce beleza,

é mentira.

Ela própria é bela como


uma árvore esplendorosa no verão.

Olha-a e diz que é bela.

Bela, oh, quanto é bela!

O luxuriante esplendor da primavera


não é tão requintado.

Ela ultrapassa em magnificência

o mármore polido duma estátua


esculpida por um verdadeiro artista.

Ela é doce como um sonho doce.

Nem mesmo a fantasia


dum sonho agitado

seria capaz
de criar imagem tão feérica.

Deveria ela ter inveja de mim,


que estou, tal como o lnverno,

gelada e fria ao seu lado?

Nunca acreditarei nisso. Não pode ser.

Continua.
Como vês, concordo contigo.

A beleza não odeia assim tanto


a beleza como o conto aqui propaga.

Não, porque ela própria é bela.

Como pode ela odiar a imagem-irmã,

de rastos suplicante aos seus pés,

a qual implora poder estar


ao pé dela como uma sombra?
Que eu te queria matar
é pura invenção infantil.

Não tinha coração p'ra tal.

Logo à partida
tocou-me a doce súplica pueril

brotando da tua boca e olhos.

Baixei punhal e braço a um tempo,

e a ti, doçura, ergui-te para mim.

Apunhalei a corça
que se atravessou no caminho.

Aconteceu ou não assim?

Quase não vale a pena eu dar atenção


à história para a confirmar.

Sim, claro que sim.

Sim, foi assim.

A Rainha não te mandou veneno


para casa dos anões.
Não é verdade a tal maçã envenenada.

Venenosa
é a mentira que assim o afirma,

Inchada com o que diz,

como um belo fruto tentador,


cheio de encanto,

mas lá por dentro tal que, quem


se atreve a prová-lo, fica doente.

É uma mentira negra e louca,


que repugna ouvir.

Com isso se mete medo às crianças.

Fora com a mentira!


Que mais tens para dizer?

Por favor arranja outra mentira tola


e torce-lhe bem o pescoço.

Porque se cala a Rainha?

Cisma na mágoa inútil,

pensa no equívoco que vos lançou


a ambas numa luta acesa.
Ela chora por tantos mal-entendidos.

E se me é permitido pedir-te um favor,

dá-lhe um beijo, Branca de Neve.

Permiti-me este doce testemunho.

Que pálida estais!

Perdoai-me se com meus beijos


eu quero matar essa palidez.

Que eles bebam essa cor triste


que vos priva de vosso encanto.

Vamos, caçador, diz lá,


que outras novidades sabes?

Oh, muito mais.

Mas agora calo-me.


O fim beija-se no fim,

mesmo que o começo


não tenha chegado ao fim.

Graciosa, a Rainha faz-me sinal

e esta graça abafa minhas palavras.


Bem-aventurado,
é por isso que fico calado.

Oh, bondoso pai,

imprimi sobre esta luta ainda não


extinta de dois corações ardentes

vosso nobre selo.

Aceitai um beijo e,
como mensageiro de paz,

afastai do terreno
esta querela invejosa.

Julguei que estáveis sempre em paz.

Que querela, doce filha?

Já não há luta.
Palavras para rir, apenas.

Jogo que, tomando um ar sério,


com cara ameaçadora vos ilude.

Houve luta, sim, mas já não há.


O amor soube aqui vencer.

O ódio, perante um amor tão forte,


afundou-se.

Odiei, sim, mas era puro jogo,

Só irritação
levada por demais a sério,

Vaga ameaça dum capricho.

Nada mais, agora reina uma doce paz.

A inveja ferida por momentos


julgou que devia odiar.

Ah, mas isso fez-me pior a mim


do que aos outros.

Branca de Neve pode confirmar.

O caçador não tem culpa?


O príncipe é duro a acusá-lo.

Nem o céu é mais puro.

Talvez penseis que ele teve


relações ilícitas com a Rainha,

que trocou beijos e abraços.

Oh, não penseis em tal coisa.


Enganai-vos quanto ao carácter
deste homem,

que é nobre como uma jóia.

O amor deve amá-lo.

A honra, sem dúvida, coroá-lo.

Bravo homem,

pagar-te-ei tantos agradecimentos


quantos a gratidão te deve.

Senhor, vede: tudo isto é só amizade.

A querela transformou-se em céu azul.

De facto deu-se um milagre


no breve espaço de uma hora.

O biltre já não é biltre.

Calai-vos, nobre príncipe,

ignóbil é insistir na imagem,


que estais sempre a mostrar,

dum pequeno erro, que quereis


fazer florir em vez de o encobrir.

Fosse ele grande, nós não estaríamos


todos juntos aqui em paz.

Apertai as mãos,
esquecei a culpa num aperto amigável.

Devo esquecer
que o maldito biltre venenoso,

que o canalha verde em fato de caça

requestava os ricos favores da Rainha


há menos de uma hora?

Fazei-me esquecer
que sou príncipe ungido e soberano,

mas não este pecado demasiado grande

p'ra ser anulado


pelo meu esquecimento.

Oh, não há mais pecado.

Extinguiu-se no nosso círculo, fugiu.

E à pecadora a quem,
em criança leal, beijo a mão,
suplico que cometa tantos
e tão amáveis pecados.

O quê, príncipe? Acumular o ódio?

Haveis esquecido
a vossa promessa ainda fresca,

essa jura que haveis feito à Rainha,

ajoelhado face à imagem


do seu adorável esplendor?

Mostrai agora o vosso amor,

pois em boa verdade, é sobretudo a vós

que cabe dar alegremente


um beijo pudico de homenagem.

Também eu me julguei ferida,


perseguida,

repudiada, odiada.

Mas que tola e teimosa fui


ao admitir logo um vil pecado,

para cair rapidamente na suspeita


e ficar cega de amargura.
Expulsai a ideia precipitada
de um veredicto, de uma lei colérica!

A nossa lei é a doçura;


doçura é paz coroada.

Tomai parte na festa que,


santa e doce,

atira o pecado ao ar
e brinca com ele como com flores.

Estai alegres,
pois podeis ser alegres.

Oh, quem me dera poder falar


como devia

por amor de tão grande e santa causa!

Não tenho o dom da palavra.

O meu desejo é selvagem demais,

fogosa demais a sublime,


contraditória alegria que me enche!

Ah, mas que doces palavras,


graciosa filha minha!

Toma este beijo e que tudo hoje aqui


seja uma festa de alegria real.
Príncipe, faríeis bem melhor
se vos juntásseis à alegria geral.

Por certo não quereis ser um estranho,

Alheio a este grande júbilo a que


os corações se entregam confiantes.

Continuais com esse ar carrancudo?

Nem carrancudo, nem amorudo.

Não sei o que hei-de dizer.

E tu, já não estás cansada?

Saberás tu rir de novo, ser jovial,

semeando alegria como sementes?

Não, já não estou cansada.

Como? O príncipe está a fugir


medroso do nosso júbilo?

E é próprio
de um homem assim tão nobre?

É, é próprio, se for cobarde.


Não sei se é cobarde.
Mas foi feia a sua conduta.

Vai, caçador, trá-lo de volta.

Vou ralhar com ele quando voltar


e ele vai voltar com certeza;

só quer que, aflitos,


nos preocupemos com ele.

Então, será ainda e sempre


o teu bem amado.

E então... então direi,


se for necessário pensar nisso,

direi... Que dizia eu?

Ah, então direi,


como talvez o acaso diga:

"Com teus beijos incitaste-o a..."

Calai-vos, oh, calai-vos!

Só o conto diz isso. Vós, não.

Eu, nunca.
Um dia, uma vez, disse sim.

Acabou.

Vinde, pai. Vinde todos para dentro.

Adaptação e Legendagem
Rui Cruz / CRlSTBET, Lda.

Potrebbero piacerti anche