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Amor

HISTÓRIA

ao mundo e
através do mundo
uando embarcou na viagem aos anos 1920, em seu teca do pai, dedicou-se tanto às disciplinas científicas, como
Intelectuais, artistas, filme Meia-noite em Paris (2011), Woody Allen ex- física e química, quanto ao saber filosófico.
personalidades da elite e outras plorou a potencialidade irônica do realismo mágico Mais tarde, com a ajuda do escritor Marcel Schwob, mergulhou
nos apresentando, pela madrugada parisiense, a um num ambicioso programa de estudos que compreendia leituras fi-
figuras humanas, oriundos de universo povoado por seres incríveis, músicos, pintores, losóficas, teológicas e científicas, o que a levou às ideias de William
diversas partes do mundo, faziam de escritores, poetas. Nessa cidade, que se abria a um James, Friedrich Nietzsche e Henri Bergson. Entre 1907 e 1908,
quase inocente desejo de evasão do personagem Gil, frequentou os célebres cursos oferecidos pelo último no Collège de
Paris, na década de 1920, um lugar intenso, alter ego do cineasta norte-americano, recria-se um pouco do am- France. Além disso, ela alimentou por toda a vida um intenso in-
em que se mesclavam requinte, ideias e biente da cultura dos salões literários franceses. Meio intelectual teresse intelectual pelo budismo e uma grande inquietude a res-
de formação literária e filosófica, os salões remontam ao século 17 peito de si mesma.
prazeres. Nesse ambiente havia espaço para e tiveram seu auge na França pré-revolucionária do século 18. Ao final dos anos 1920, é aprovada no baccalauréat, espécie
personagens que, mesmo à sombra dos Ao final do século 19 e início do 20, esse tipo de sociabilidade de vestibular francês, o que a permite seguir cursos de química,
declinava. Nos anos 1920, porém, os salões, de certo modo, revi- física e biologia na Sorbonne e no Instituto Pasteur, onde se dedi-
ilustres e famosos, vivenciavam sua busca goram-se – como se tomassem um último fôlego –, tanto pelo ‘cli- ca à prática laboratorial e a experiências científicas. Mostrava,
por autoconhecimento e amor. Catherine ma’ do pós-Primeira Guerra, que misturava melancolia e ‘desbun- ao lado das paixões intelectuais, enorme apreço pelo refinamento
de’, quanto pelos novos ares vindos dos cafés, ambientes menos e pela elegância, o que a tornou cliente de grandes costureiros,
Pozzi, uma dessas pessoas, se destaca, por nobres que os salões, mas igualmente efervescentes. Ou ainda, como Callot Souers, Paul Poiret, Lucien Lelong, Madeleine
ter deixado um relato reflexivo, sofrido e como mostra o filme, pela presença de estrangeiros notáveis: os Vionnet e, mais tarde, Coco Chanel. Durante toda a vida, ela fez
escritores Scott Fitzgerald, Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway questão de ser uma referência de inteligência e de sofisticação.
minucioso de sua vida nos ‘loucos anos’. e Gertrude Stein, os pintores Pablo Picasso, Salvador Dalí e Man Nascida em meio abastado, Catherine Pozzi está destinada
Ray, o cineasta Luis Buñuel, o compositor Cole Porter e outros. a ter lugar na alta sociedade parisiense, que frequenta desde ce-
Aline Magalhães Pinto A Paris dos anos 1920, cenário povoado por homens e mulheres do, com o pai. Republicano fervoroso e humanista, o respeitável
Departamento de História, que o tempo configurou como protagonistas da história intelectual cirurgião Samuel Pozzi (1846-1918) circula pelo ambiente inte-
Pontifícia Universidade e artística do Ocidente, soube guardar espaço para seus coadju- lectual e literário parisiense, sendo figura presente nos salões de
Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) vantes, personagens que também registram em suas trajetórias um Madame de Caillavet, Madame Geneviève Strauss e Madame
pouco da aura desses ‘loucos’ anos. É o caso de Catherine Pozzi Lydie Aubernon de Nerville.
(1882-1934). A primeira edição de Journal, seu diário pessoal, em Doutor Pozzi, como era conhecido, lançou um dos primeiros
1987, trouxe a público sua intrigante personalidade, definida por livros abrangentes sobre cirurgia em mulheres, no campo recém-
ela como composta pela destreza social escorregadia do político, -batizado como ginecologia. Participou, como médico, da Guerra
aliada à resistência e impassividade do médico-cirurgião, com Franco-Prussiana, experiência que o levou a se interessar e a
olhos ébrios e expectativa de um náufrago. contribuir para os estudos sobre antissepsia e anestesia. O pai de
Catherine Pozzi nasceu em uma família da alta burguesia Catherine também se tornou, em 1888, presidente da Socieda-
francesa do final do século 19. Pelo lado paterno, recebeu in- de Francesa de Antropologia. Traduziu, com René Benoit, A ex-
fluências da família protestante vinda da Itália, enquanto sua pressão das emoções no homem e nos animais (1872), de Charles
mãe vinha de uma rica família católica de Lyon. Em um mundo Darwin (1809-1882), com quem se correspondia com frequência.
que, ao menos oficialmente, dava pouca importância à educação Descrito como extremamente bonito e charmoso, era íntimo
FoTo EDWIN PIJPE/FREEIMAGES.CoM

das mulheres, C. Pozzi – ao contrário do irmão, destinado a fre- de muitos expoentes da época – Marcel Proust, Georges Clemen-
quentar o Liceu Condorcet e a cumprir os rigorosos estudos ne- ceau, Robert de Montesquiou, Leconte de Lisle e Sarah Ber-
cessários à carreira diplomática – fez cursos ‘para moças’, teve nhardt, com a qual viveu uma amizade apaixonada. Assassina-
aulas, em casa, de história, literatura, música, alemão e inglês, e do por um antigo paciente, seu cortejo fúnebre reuniu, segundo
praticou esportes, como ciclismo, equitação, tênis, remo, até con- o jornal Le Figaro de 18 de junho de 1918, os mais marcantes
trair tuberculose em 1912. Aprendeu latim e grego e, na biblio- personagens da ciência e da política. >>>
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HISTÓRIA

diário, como ela vai tornando claro


encontro com Valéry A personalidade dominan- dora, amante e cúmplice. Eles passam oito anos juntos para si o que significa seu ‘naufrágio’.
te e sedutora do pai em tudo destoa de Catherine. Ven- e essa relação tem um peso decisivo sobre seu destino. Após recusar a proposta de Gaston
do a si mesma como pequena, magra, feia – inteligente Quando eles se conhecem, Valéry – que já era con- Morin, advogado que conduz o seu
e elegante, mas, no fundo, esquisita e inadequada –, Ca- siderado um herdeiro do poeta e crítico Stéphane divórcio, para um segundo casamen-
therine se insere no circuito dos salões franceses como Mallarmé –, passa por uma virada em sua carreira, após to, sua opção era dedicar-se exclusi-
uma luz discreta, quase apagada. Pouco confortável com um período de ostracismo editorial. A publicação dos vamente ao trabalho intelectual e à
as perspectivas reservadas para as mulheres de seu meio versos de La jeune parque (1917) e a reedição dos tex- exploração de sua potência criativa.
social, tentou, sem êxito, estabelecer-se na Inglaterra. tos La soirée avec le Monsieur Teste (1919) e L’introduction Ela buscava ser uma artista, mas isso
Catherine Pozzi
Cedendo a chantagens familiares, retorna à França e à la méthode de Leonard de Vinci (1919) projetam-no não significava dedicar-se apenas à arte. Paul valéry
se vê obrigada a se casar como único meio de inserção novamente no cenário intelectual francês. Para consoli- Seu objetivo intelectual sempre fora a ciên-
naquilo que chama de “machine française”, meio em dar seu lugar, Valéry passa a frequentar assiduamente cia e sua filosofia ou, mais especificamente,
que uma mulher solteira aos 25 anos não tem acesso à os salões parisienses, em especial os de Madame Muhl- uma filosofia que compreendesse a ciência como a
vida social. Porém, o casamento com o autor teatral feld e de Madame de La Rochefoucauld, grandes respon- intimidade do ‘ser’. Ao reivindicar ser artista, Pozzi alu- blemas íntimos possam ser elevados à condição de fazer-
Edouard Bourdet, em 1909, é breve. Logo C. Pozzi per- sáveis por sua eleição à Academia Francesa em 1925. dia à figura que, na sociedade em que vivia, era aquele se a si mesmo, e essa condição é entendida como um
cebe o casamento como a perda da própria alma, um erro Da intimidade do casal clandestino, de sua volumo- que pode ser ‘ele mesmo’. acesso ao universal. C. Pozzi nos oferece, na leitura de
pelo qual não se perdoa e do qual não tem certeza se sa correspondência e dos registros no Journal de Pozzi, No entanto, ao apaixonar-se por Valéry e assumir a seu diário, uma equação entre particular e universal em
poderá se recuperar. temos acesso ao que ela não ordenou ao fogo em seu tes- condição de sua amante, ela se vê apartada da felicidade que a doença e o amor assumem papéis-chave. Buscan-
O fracasso do casamento alia-se à manifestação dos tamento – além das referências cifradas de Valéry nos oferecida à esposa pela vida social ‘oficial’. Esse aspecto, do vencer a dualidade entre corpo e alma, Pozzi apre-
primeiros sintomas da tuberculose, imprimindo a ela Cahiers. A relação discreta permite que se torne interlo- embora sofrido, não é determinante para seu ‘afogamen- senta uma segunda dualidade, com maiores nuances, em
paradoxais disposições de espírito. O sentimento de fra- cutora de escritores e críticos como Julien Benda, Jean to’ pessoal. O insuportável é que, em seu modo de com- que o corpo é constituído de carne, mas em que a alma
casso social e afetivo, de estar condenada à morte e a Paulhan, Pierre Jean Jouve, Rainer M. Rilke, Jean preender, o amor, a atenção e o tempo dedicado a Valéry ou o espírito também têm um corpo.
uma ruína não apenas física conjuga-se com o desejo Guéhenno, Ernst Robert Curtius, Charles Du Bos, e do custaram-lhe a possibilidade de vida intelectual própria. A doença, então, não atinge apenas o corpo humano:
intenso por liberdade – a liberdade intelectual e espi- filósofo Jacques Maritain. À exceção de Rilke, que falece Ainda que, por muitas vezes, o ressentimento a faça é um mal que atinge o corpo espiritual. Como havia, para
ritual que, por engano ou covardia, deixara escapar. em 1926, ela convive e se corresponde com esses inte- culpar Valéry, o diário de C. Pozzi nos permite visualizar o corpo físico, o escorbuto, doença à época associada
Escreve seu diário sob o signo dessas emoções díspares, lectuais até o fim da vida. a rede social mais ampla que obstrui sua vontade e sua como decorrência da falta de luz do sol, haveria um “es-
mas inseparáveis. Recém-divorciada, o diário será um Ainda que à sombra, C. Pozzi obteve um lugar num vocação intelectual. Essa malha se faz ver nos momentos corbuto do espírito” (expressão de Pozzi), causado pela
laboratório e um palco, em que testará e encenará a si meio em que a universidade não ocupava a centralidade em que registra os conselhos que ouve das amigas, que falta de luminosidade à alma, sendo a luz compreendida
mesma e, ao mesmo tempo, registrará e analisará a rede que tem hoje, e em que as trocas e conversações intelec- a encorajam a abandonar as ciências e a se dedicar à como afeto, amor, amizade. Isso é, sem a mínima quan-
de sociabilidade intelectual que pulsa ao seu redor. tuais dependiam fortemente das relações pessoais. Nes- escrita de romances, ou ainda as vozes que dizem que tidade de afeto, o corpo espiritual padece de uma ceguei-
Seu cotidiano inclui conferências, palestras, festas, se contexto, a produção de conhecimento estava intrin- alguém que gosta tanto de belos vestidos não pode escre- ra infeliz.
óperas e jantares, nos quais as discussões intelectuais e secamente ligada à construção de uma reputação e de ver um tratado de filosofia. Na tentativa de transcender, de metamorfosear um
filosóficas disputam espaço com interesses, egoísmos e uma personalidade. Atento a isso, Paul Valéry, casado Sendo, portanto, inegável que o evento mais impac- nível narcísico de afecção, resultante de uma inadequa-
vaidades. Pelos salões de Paris, C. Pozzi faz parte de um com Jeannine Gobillard e pai de três filhos, tratou de tante da vida de Pozzi seja o envolvimento com Paul ção generalizada, Pozzi constrói uma ideia de ‘amor do
grupo de mulheres, como Madame Augustine Bulteau, apagar os traços desse e dos demais relacionamentos ex- Valéry, é igualmente verdadeiro que o relato em seu mundo’, em que o dom de criar e o dom de amar apare-
Colette, Martine de Béhague, Jeanne Mühlfeld, Edmée traconjugais que mantinha. O que se tornou motivo de diário transcende a dimensão privada e psicológica do cem mesclados, indistintos. Tendo como pano de fundo
de La Rochefoucauld, Madame de Pierrebourg, Renée de angústia para C. Pozzi, que, embora também tenha man- indivíduo que escreve, para atingir, pela frustração da teórico o élan vital bergsoniano, temendo horrivelmente
Brimont e Anna de Noailles, que ocupam – exceto no caso tido relações paralelas, esperava o reconhecimento não necessidade de autarquia intelectual e espiritual e pela a solidão, Catherine Pozzi compõe, ao mesmo tempo em
de Colette e Anna de Noailles – um lugar na história in- apenas de sua importância afetiva, mas também de sua certeza da proximidade da morte, o processo que ela que a deseja, uma noção de amor, dissociado de seus
telectual e literária francesa como agentes de divulgação contribuição intelectual para aquele com quem pensava denomina self-composure ou autorretrato. vínculos sociais, que representa o sentimento capaz de
e repercussão. viver “o mais nobre amor”. Desde a manifestação da tuberculose, à medida que restituir ao ser humano e ao universo a ordem perdida.
Como escritora, sua existência pública é restrita. Em a doença avança e que as crises de febre, as infecções,
vida, publicou alguns artigos de divulgação científica no o sentido do amor Se o registro do romance com as doses de morfina, de Laudanum, de Sédol, de ópio,
Le Figaro, o texto ‘Le problème de la beauté musicale Valéry no diário de Pozzi não é simplesmente a descrição aumentam o estrago sobre si, a consciência da fragilida-
et la science du mouvement intelligent’ (em 1914, sobre de um adultério burguês na Paris dos anos 1920, isso se de de seu corpo transforma o diário na composição de
as teorias estéticas de sua professora de piano, Marie deve ao estilo de sua escrita e à inclinação reflexiva do sua imagem antes de morrer. Esse exercício confere a ele
Sugestões para leitura
Jaëll) e, com maior destaque, uma autobiografia inti- relato, fazendo do diário um autorretrato em que a bus- uma ficcionalidade parcial. Não como falseamento de BoUTANG, P. Karin Pozzi et la quête de l’immortalité. Paris, la Différence, 1991.
tulada Agnes (em 1927, na Nouvelle Revue Française). ca de entendimento de si é acompanhada por uma preo- dados ou fatos, mas pelo arranjo com que incorpora na JoSEPH, l. e PAUlHAN, C. Catherine Pozzi, Une robe couleur du temps.
Após sua morte, surgiram um ensaio filosófico inacaba- cupação com o universal. Nesse sentido, o valor do Jour- escrita a reflexão sobre o peso das condições da vida so- Paris, la Différence, 1988.
do (Peau d’âme) e seis poemas que, incluídos em anto- nal reside menos na exposição da privacidade do que na bre os projetos humanos e o peso da condição mortal DIAZ-FloRIAN, Me. Catherine Pozzi. La vocation à la nuit.
logias importantes, como a de André Gide (1949), são reflexão sobre a dimensão social do convívio humano, explorada pela situação de estar condenada a morrer de Croissy-Beaubourg, Aden, 2008.
considerados representantes sofisticados de uma poe- revelada a partir do enfoque reflexivo de uma persona- tuberculose e a viver doente. na inTeRneT
sia neoclássica, ou ao menos não vanguardista. lidade lúcida, mas ferida. Para Pozzi, o mundo não está nem restrito à dimensão
PINTo, A. M. ‘No espelho de seus olhos – sinceridade e reflexividade na escrita
Em 1920, Catherine Pozzi conhece e se apaixona por Ao contrário da magia resgatada por Woody Allen, a carnal nem ligado com exclusividade ao espírito. Com- de Catherine Pozzi’, em Anais do Silel, v. 3, nº 1 (disponível em www.ileel2.
Paul Valéry (1871-1945), um dos homens mais célebres Paris de Pozzi é amarga, sentida como a lenta imposição põe-se como uma dimensão entre eles: um encontro, ufu.br/anaisdosilel/wp-content/uploads/2014/04/silel2013_1373.pdf).
da intelligentsia francesa, de quem desejará ser inspira- de uma dura realidade. Acompanhamos, ao longo de seu uma aliança. Essa aliança é o que faz com que os pro-

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