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Robert Alexy

stituciona
iscursiv
LUÍS AFONSO HECK
Organizador/Tradutor

3 a edigáo
revista

livrary
DO AD O GADO
editora
Este trabalho tenta configurar a
ideia do constitucionalismo discur-
sivo. Dela fazem parte: os direitos
fundamentais, a ponderagao, o
discurso, a jurisdicao constitucio-
nal e a representacao. A existencia
disso requer, tambem, a existencia
de pessoas racionais, que sao capa-
zes e dispostas a aceitar argumentos
validos ou corretos. Em conjunto,
assim, o constitucionalismo discur-
sivo tern a sua base lido s6 em insti-
tuicOes e argumentos, mas, essen-
cialmente, tambem em pessoas que
o apoiam.

Luis Afonso Heck


Luis Afonso Heck nasceu na cidade de
Arroio do Meio, RS, em 18.11.1960.
Graduou-se em Direito na Universidade
Federal de Minas Gerais em 1988. Ingres-
sou no curso de doutorado, area de concen-
tracao Direito Constitucional, da Universi-
dade Federal de Minas Gerais em 1989,
cumprindo os creditos no tempo minimo de
dois anos, sob orientacao do Prof. Dr. Jose
Alfredo de Oliveira Baracho.

Permaneceu na Alemanha, do semestre de


veil° de 1992 ate o semestre de inverno de
1994 sob a orientacao do Prof. Dr. Konrad
Hesse, juiz aposentado do Tribunal Consti-
tucional Federal Alemao, em pesquisa,
elaboracao e conclusao da sua tese de
doutorado, defendida em 1995 na Universi-
dade Federal de Minas Gerais, publicada
sob o titulo "0 tribunal constitucional
federal e o desenvolvimento dos principios
constitucionais. Contributo para uma
compreensao da jurisdicao constitucional
federal alema”.
Lecionou na Fundagao Universidade de
Itanna, Universidade Federal de Ouro Pre-
to, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Universidade do Vale dos Sinos e Uni-
versidade Luterana do Brasil. Em 2002
prestou concurso para professor adjunto,
area de concentracao Direito do Estado, na
Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
A necessidade do direito no significa a despedida
da racionalidade discursiva. A pretensáo, necessaria-
mente unida com o direito, de correláo exige, ao con-
trário, que o positivo e o correto ou, para formular
em outras palavras, o institucional e o ideal se com-
plementem, penetrem e intensifiquem mutuamente.
Por esse complemento, penetraláo e intensificaláo
nasce o estado constitucional democrático ...
O estado constitucional democrático deixa funda-
mentar-se no só com auxílio da teoria do discurso,
ele próprio é, também, dependente de discursos como
meio da formaláo da vontade racional em todos os
planos. Ele fundamenta-se, por conseguinte, no só
teoricamente sobre discursos, mas vive também pra-
ticamente por eles. Esse é o fundamento por que esse
volume leva o título "constitucionalismo discursivo".
Robert Alexy

livraria
DO AD OGADO
editora
Rua Riachuelo, 1338
90010-273 - Porto Alegre - RS
Fone/Fax: 0800-5 1 -7522
editora@livrariadoadvogado.com.br
441 ISBN 978-85 7348-728-2

1 1 11
9 788573 487282
wu imnP'

CONSTITUCIONALISMO
DISCURSIVO

1312
A384c Alexy, Robert
Constitucionalismo discursivo / Robert Alexy; org./trad. Luis
Afonso Heck. — 3. ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2011.
168 p.; 23 cm.
ISBN 978-85-7348-728-2

1. Direito Constitucional. 2. Direitos e garantias individuals.


I. Heck, Luis Afonso, trad. II. Titulo.

CDU - 342

Indices para o catalog° sistematico:


Direito Constitucional
Direitos e garantias individuais

(Bibliotecaria responsavel: Marta Roberto, CRB-10/652)


Robert Alexy

CONSTITUCIONALISMO
DISCURSIVO

LUIS AFONSO HECK


Organizador/Tradutor

edicao
revista

livraria
DO AD OGADO
editora

Porto Alegre 2011


© Robert Alexy, 2011

Organiza0o/Traductío/Revisáo
Luís Afonso Heck

Capa, projeto gráfico e diagrama0o


Livraria do Advogado Editora

Direitos desta ediffio reservados por


Livraria do Advogado Editora Ltda.
Rua Riachuelo, 1338
90010-273 Porto Alegre RS
Fone/fax: 0800-51-7522
cditora@livrariadoadvogado.com.br
www.doadvogado.com.br

I mpresso no Brasil / Printed in Brazil


Nota do tradutor
Robert Alexy nasceu em 9 de setembro de 1945, em Oldenburg. Apos
o exame final do ensino secundario, ele prestou servico tres anos no exercito
federal, o altimo ano, como segundo-tenente. No semestre de verao de
1968, ele iniciou o estudo da ciencia do direito e da filosofia, na universidade
Georg-August, em Gottingen. Na disciplina filosofia, ele estudou, sobretudo,
corn Gunther Patzig.
Depois do primeiro exame estatal juridic°, no ano de 1973, ele traba-
lhou, ate 1976, em sua dissertacao "Teoria da argumentacao juridica". Etc
foi, nisso, como ja antes do exame, fomentado pela fundacao de estudos do
povo alemao. Em 1982, ele obteve por essa investigacao, aparecida impres-
sa pela primeira vez em 1978. o premio da classe historico-filologica da
academia da ciencia, em Gottingen. Em 1976, etc iniciou o servico prepa-
raga() juridic°, que ele concluiu corn o segundo exame estatal juridic°, em
1978. Ele foi, a seguir, ate 1984, assistente de Ralf Dreier na catedra de
teoria do direito geral, em Gottingen. Em 1984, ele habilitou-se na facul-
dade de direito, da universidade de Gottingen, para as disciplinas de direito
priblico e filosofia do direito. 0 tema de seu escrito de habilitacao diz:
"Teoria dos direitos fundamentais".
Seguiram-se representacOes de catedras em Regensburg e Kiel. Apos
recusa de um chamamento da universidade de Regensburg, ele, em 1986,
aceitou o chamamento da universidade Chiristian-Albrechts, em Kiel. Em
marco de 1991, ele recusou urn chamamento da universidade Karl-Fran-
zenz, em Graz (sucessao de Ota Weinberger). Em 1992, apareceu o livro
"Conceit° e validez do direito". De 1994-1998, ele foi presidente da secao
alema da associacao internacional para filosofia do direito e filosofia social.
Em 1997, ele recebeu um chamamento da universidade Georg-August, em
Gottingen (sucessao de Ralf Dreier), que ele, em fevereiro de 1998, recu-
sou. Etc 6, desde 2002, membro ordinario da classe historico-filologica da
academia das ciencias, em Gottingen.
0 livro, agora apresentado, esta em conexao corn a atividade realizada
durante o estagio probat6rio junto ao departamento de direito public() e
filosofia do direito, da faculdade de direito da UFRGS. Em unido corn isso,
eu gostaria, assim, neste lugar, de expressar aos alunos, sobretudo áqueles
do ámbito das orientagóes, o fato de que as suas colocaglies das questóes,
as discussóes disso resultantes e, mais além, o resultado dos seus trabalhos
acompanharam a feitura deste livro e, desse modo, também, esto em rela-
gáo com ele.
A um agradecimento de coragáo eu estou obrigado a Robert Alexy.
Primeiro, por suas indicagóes, pelos envios, pelas autorizagóes, pelos auxí-
lios na corregáo e pelo prefácio circunstanciado, que antecede a este livro.
Segundo, por ter-me acolhido durante unia semana, tanto na Christian-
-Albrechts-Universitát, em Kiel, onde, entre outras coisas, foram resolvidas
questóes, entáo ainda pendentes, relativas a este livro, como na Otto-Fried-
rich-Universitát, em Bamberg, na qual, nos dias 23 e 24 de fevereiro de
2006, teve lugar a conferéncia especializada internacional sob o título "Teo-
ria dos direitos fundamentais".
Agradego, por fim, á Livraria do Advogado Editora por ter aceito a
publicagáo deste volume e pelo cuidado em sua produgáo.
Porto Alegre, veráo de 2006.

Luís Afonso Heck


Prof. da UFRGS
Surnario
Apresentacao ...................................................................................................................... ...... 9
1. Minha filosofia do direito: a institucionalizacao da razao .................................... 19
2. Direitos fundamentais no estado constitucional democratic° ............................. 41
3. Colisao de direitos fundamentals e realizacao de direitos fundamentais no
estado de direito social ............................................................................................ 55
4. Direito constitucional e direito ordinario — jurisdicao constitucional e
jurisdicao especializada ............................................................................................ 71
5. Sobre o desenvolvimento dos direitos do homem e fundamentals na Alemanha 93
6. Direitos fundamentais, ponderacao e racionalidade ............................................... 105
7. Fundamentacao juriclica, sistema e coerencia ........................................................ 117
8. A formula peso .......................................................................................................... 131
9. Ponderacao, jurisdicao constitucional e representacao ......................................... 155
Apresentagáo

Os trabalhos reunidos neste volume tentam dar forma á ideia do cons-


titucionalismo discursivo. O comego forma um artigo, publicado, pela
primeira vez, em inglés, em 1999, com o título programático "A institucio-
nalizagáo da razáo - .' A tese desse artigo é que, primeiro, razáo prática
somente por institucionalizagáo pode tornar-se real e que, segundo, o cons-
titucionalismo discursivo é a melhor forma dessa institucionalizagáo. Isso
será exposto em quatro passos.
No primeiro passo, trata-se da base do sistema todo, do conceito de
direito no positivista. Segundo o conceito de direito positivista, o direito
compóe-se exclusivamente de fatos sociais da decretagáo e da eficácia. O
conceito de direito no positivista acrescenta a essa dimensáo real ou fática
a dimensáo ideal ou discursiva da corregáo. O elemento central da corregáo
é a justiga. Desse modo, é produzida urna uniáo necessária entre o direito,
como ele é, e o direito, corno ele deve ser, e, com isso, entre o direito e a
moral. O argumento principal para essa uniáo entre direito e moral é a tese
que o direito, necessariamente, promove urna pretensáo de corregáo.
A pretensáo de corregáo inclui urna pretensáo de fundamentabilidade.
Isso leva ao segundo grau do argumento para o constitucionalismo discur-
sivo. Nele, trata-se da teoria do discurso como teoria da fundamentagáo de
normas. A teoria do discurso mostra que argumentagáo prática racional é
possível. Mas ela também torna claro os limites do argumentar prático ra-
cional. Alguma coisa, como, por exemplo, o núcleo dos direitos do homem
e os princípios fundamentais da democracia, é discursivamente necessária.
alguma coisa, como, por exemplo, a escravidáo, é discursivamente impos-
sível, muita coisa, porém, é meramente discursivamente possível. Pode-se,
no caso da possibilidade discursiva, de modo racional, tanto ser para urna
solugáo como para o seu contrário. A teoria do discurso, como caminho
1
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 9
intermediario entre teorias puramente objetivistas e puramente subjetivis-
tas, inclui, corn isso, necessariamente, um problema do conhecimento.
Rigorosamente nesse ponto e posto o pe no terceiro grau do argument°
para o constitucionalismo discursivo. 0 problema do conhecimento pode
ser resolvido somente por procedimentos regulados juridicamente, que ga-
rantem uma decisao. Já isso fundamenta a necessidade do direito. Essa
necessidade e intensificada alem pelo problema da imposicao e pelo pro-
blema da organizacao.
A necessidade do direito nao significa a despedida da racionalidade
discursiva. A pretensao, necessariamente unida corn o direito, de correcao
exige, ao contrario, que o positivo e o correto ou, para formular em outras
palavras, o institucional e o ideal se complementem, penetrem e intensifi-
quern mutuamente. Por esse complemento, penetracao e intensificacao nas-
ce o estado constitucional democratic°. Isso sera desenvolvido no quarto
grau.
0 estado constitucional democratic° deixa fundamentar-se nao so corn
auxilio da teoria do discurso, ele proprio 6, tambem, dependente de discur-
sos como meio da formacao da vontade racional em todos os pianos. Ele
fundamenta-se, por conseguinte, nao so teoricamente sobre discursos, mas
vive tambem praticamente por eles. Esse e o fundamento por que esse vo-
lume leva o atulo "constitucionalismo discursivo".2

Os direitos fundamentais sao a parte nuclear do constitucionalismo


discursivo. Objeto do segundo artigo, publicado, pela primeira vez, em
portugues, em 1999, "Direitos fundamentais no estado constitucional de-
mocratico", 3 6 a relacao dos direitos fundamentais para corn os direitos do
homem, a democracia e a jurisdicao constitucional.
Entre direitos do homem e direitos fundamentals existe uma relacao
estreita. Direitos do homem sao definidos por cinco caracteristicas. Eles
sao (1) universais, (2) fundamentais, (3) preferenciais, (4) abstratos e (5)
morals. Como direitos morais, eles tern urn carater suprapositivo. Rigoro-
samente isso distingue-os dos direitos fundamentais. Direitos fundamentais
sao direitos que foram acolhidos em uma constituicao corn o intuito ou corn
a intencao de positivar direitos do homem. Essa tentativa de positivacao
dos direitos do homem pode, como cada tentativa, dar mais ou menos born
resultado. Isso vale nao so para a positivacao por uma constituicao, mas
tambem para a positivacao por pactos de direitos do homem internacionais.
2
Entre aspas no original.
3
Entre aspas no original.

10 Robert Alexy
A positivagáo no anula a validez moral dos direitos do homem. Ela acres-
centa-lhe somente urna validez jurídica. Com isso esto, no conceito de
direitos fundamentais, necessariamente, unidos direito e moral.
Em vez da positivagáo dos direitos do homem, pode falar-se, também,
de sua institucionalizagáo. Os problemas principais de sua institucionaliza-
gáo resultam de sua abstratividade. A abstratividade leva a uma medida
máxima de necessidade de interpretagáo e de ponderagáo. Sobre a interpre-
tagáo e ponderagáo dos direitos fundamentais, porém, decide em última
instancia — independente de como organizado — o tribunal constitucional e
no o dador de leis parlamentar. Com isso, nasce, necessariamente, urna
relagáo de tenso entre direitos fundamentais e jurisdicáo constitucional,
de um lado, e democracia e parlamentarismo, do outro.
Essa relnáo de tenso deixa afilar-se no paradoxo que direitos funda-
mentais tanto so democráticos como no democráticos. Direitos funda-
mentais so democráticos, porque eles, com as garantias como as da vida,
da liberdade, da formagáo e da propriedade, bem genericamente, asseguram
a existéncia e o desenvolvimento de pessoas que, no fundo, sáo capazes de
pór em marcha e manter com vida o processo democrático e porque eles,
com a garantia da liberdade de opiniáo, de meios de comunicagáo, de reu-
nido e de associagáo, assim como do direito eleitoral, garantem as condigóes
funcionais do processo político. As avessas, direitos fundamentais sáo no
democráticos, porque eles, ao eles também vincularem o dador de leis par-
lamentar, expressam urna desconfianga perante o processo democrático. O
que os direitos fundamentais exigem está subtraído ás decisoks do parla-
mento. O tribunal constitucional, como guarda dos direitos fundamentais,
é, com isso, posto acima do processo democrático. Isso, porém, pode em
urna democracia somente entáo, primeiro, ser legítimo e, segundo, exitoso
se no só o parlamento, mas também o tribunal constitucional representa o
po y o. A representagáo do po y o por um tribunal constitucional, porém, so-
mente pode ser urna representagáo argumentativa. Como, porém, urna tal é
possível?

Jurisdigáo constitucional é somente entáo, como representagáo argu-


mentativa, portanto, como representagáo do po y o por melhores argumentos
que os do dador de leis, pensável se, no fundo, existe argumentagáo jurídi-
co-constitucional racional. Se, como e em que medida argumentagáo jurí-
dico-constitucional é possível é extremamente debatido. Com particular
nitidez coloca-se o problema da racionalidade no caso da colisáo de direitos
fundamentais. Direitos fundamentais colidem tanto um com o outro como
com bens coletivos e, em ambos os casos, existem conjunturas completa-

Constitucionalismo discursivo 11
mente diferentes. 0 terceiro artigo "Colisdo de direitos fundamentais e
realizacao de direitos fundamentais no estado de direito social" 4 que, como
o segundo, foi publicado, pela primeira vez, em portugues, em 1999,
segue a questa° de uma solucao racional do problema de colisao. Propostas
como a de uma atenuacao da forca vinculativa dos direitos fundamentais
ou de uma formulacilo estreita de seu ambito de protecao sao rejeitadas. Em
seu lugar é posta a teoria dos princfpios, na qual o princfpio da proporcio-
nalidade desempenha o papel decisivo. 0 princfpio da proporcionalidade
pede que colisoes de direitos fundamentais sejam solucionadas por ponde-
rag -do. A teoria dos princfpios pode mostrar que se trata, na ponderacao, de
uma estrutura racional de argumentar jurfdico-constitucional. Mas ela tam-
bem toma claro que a ponderacao deve ser encaixada em uma teoria geral
do discurso jurfdico racional e em uma teoria da jurisdicao constitucional,
se a ponderacao deve desenvolver plenamente o seu potencial de raciona-
lidade.

IV.
No centro da teoria da jurisdicao constitucional esta a relacao entre
jurisdicao constitucional e dacao de leis. 0 quarto artigo "Direito constitu-
cional e direito ordinario — jurisdicao constitucional e jurisdicao especiali-
zada", 5 no qual se trata de uma exposicao, feita no ano de 2001, diante da
associacao de professores de direito do estado alemaes, tenta determinar
essa relacao de modo que tanto uma sobreconstitucionalizacao como uma
subconstitucionalizacao é evitada. Ambas podem ser evitadas se se deixa
mostrar que uma constituicao, simultaneamente, é capaz de ser uma orde-
nag do
-
fundamental e uma ordenacao-quadro. Rigorosamente isso é possfvel
em uma teoria dos espacos do dador de leis. A distincao fundamental dessa
teoria e a distincao entre espacos estruturais ou substanciais, de urn lado, e
espacos episternicos, do outro. Nos espacos estruturais do dador de leis cai
tudo o que as normas da constituicao nem ordenam nem profbem. No ambito
dos direitos fundamentais deixam distinguir-se tres espacos estruturais: o
espaco de determinacao da finalidade, o espaco de escolha medio e o espaco
de ponderacao. 0 espaco de ponderacao tern importancia particular, porque
ele enlaca a teoria dos espacos corn a teoria da ponderacao. Urn caso reside
no espaco de ponderacao quando existe um empate de ponderacao. Urn
empate de ponderacao existe quando o cumprimento dos princfpios coli-
dentes, em ambos os lados, tern o mesmo peso. A natureza do direito cons-
titucional permite somente escalaciies relativamente rudes dos pesos que se
encontram em jogo na ponderacao. Isso leva a numerosos empates de pon-
4
Entre aspas no original.
5
Entre aspas no original.

12 Robert Alexy
deragáo e, com isso, a numerosos espagos de ponderagáo. O equivalente dos
espagos estruturais ou substanciais sáo os espagos epistémicos. Um espago
epistémico compóe-se da competéncia do dador de leis de, em casos de
incerteza do conhecimento, determinar o que as normas da constituigáo
ordenam ou proíbem e o que elas liberam. Nos casos da incerteza epistémi-
ca, os espagos epistémicos so relativamente no problemáticos. Se o dador
de leis somente em virtude de suposigóes empíricas absolutamente certas
pudesse atuar, ele, em vista da incerteza da maioria das prognoses empíri-
cas, de modo algum mais poderia atuar. Isso contradiria tanto o princípio
democrático como o da diviso de poderes. De longe, mais problemático é,
pelo contrário, o espago epistémico normativo. Até aonde um tal alcanga,
decidem vinculados sobre sua vinculagáo. É estabelecida a tese que o pro-
blema deixa solucionar-se por urna ponderagáo de princípios materiais e
formais no quadro de urna teoria adequada dos espagos. A teoria dos espa-
gos converte-se, com tudo isso, em um pilar importante na construgáo do
constitucionalismo discursivo.

V.
Os direitos fundamentais, como direitos do homem transformados em
direito positivo, descansam sobre urna base filosófica, no núcleo, intempo-
ral e universal. S imultaneamente, porém, sua institucionalizagáo somente
no história é possível e, lá, eles so objetos de lutas políticas. O quinto
amigo, publicado no ano de 2002, "Sobre o desenvolvimento dos direitos
do homem e fundamentais na Alemanha", 6 dedica-se a essa relagáo de iden-
tidade e historicidade com vista á Alemanha que, no século passado, expe-
rimentou desenvolvimentos jurídico-fundamentals dramáticos. Se se quer
descrever a história dos direitos fundamentais e do homem, na Alemanha,
no século 20, com urna curva, entáo se pode, no ano de 1900, no império
wilhelminiano, iniciar em um nível relativamente baixo, mas, de modo ne-
nhum, no observável, que foi criado, sobretudo, por urna ciéncia do direito
administrativo e jurisdigáo administrativa obrigadas á estatalidade jurídica.
Esse nível sobe suavemente até a primeira guerra mundial. De 1919, o
início, até 1933, o fim da república de Weimar, deveria apontar-se um bater
para cá e para lá vibrante, com grandes oscilagóes para cima e para baixo
e, no total, com leve subir. 1933, no ano da tomada do poder de Hitler, a
curva cai abruptamente para baixo, para lá desaparecer completamente.
Após a ruína do "terceiro Reich", 7 no ano de 1945, ela deixa ver-se nova-
mente para, desde 1949, o ano da fundagáo da república federal da Alema-
nha, subir algo lentamente, mas continuamente e com oscilagóes,
6
Entre aspas no original.
7
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 13
relativamente reduzidas, ate aos nossos dias a urn nivel realmente alto. Ter
obtido um nivel alto certamente nao significa estar em urn estado sem pro-
blemas. Existe nao so o perigo de um demasiado pouco em direitos funda-
mentais, mas tambem o de urn em demasia e, como institucionalizacao da
razdo, eles estao, como a razdo, bem genericamente, sempre ameacados
pelos demonios da irracionalidade.

VI.
Nada enformou o desenvolvimento dos direitos fundamentais na
Alemanha tanto como sua interpretacao como normas de principio ou
principios suscetiveis de ponderacao e carentes de ponderacao. Esse desen-
volvimento, que na sentenca-LUth, do ano de 1958, uma das sentencas mais
i mportantes do tribunal constitucional federal, pela primeira vez, chegou
ao desdobramento pleno, foi, certamente, desde o inicio, acompanhado de
criticas. Criticos antigos proeminentes foram Carl Schmitt e Ernst Forst-
hoff. Urn dos criticos atuais mais importantes e Jurgen Habermas. Sua ob-
jecao principal diz que tido existem medidas racionais para o ponderar. 0
sexto artigo "Direitos fundamentais, ponderacao e racionalidade - , 8 que foi
publicado, pela primeira vez, em 2002, opoe a ele que existe uma conexdo
interna entre ponderacao, argumentacdo e correcao. Essa conexao faz cair
a, iantas vezes feita, objecao de irracionalismo.

VII.
A ideia, que entre ponderacao e argumentacao existe uma uniao ne-
cessaria, perpassa, como urn fio vermelho, numerosos artigos, aqui reuni-
dos. Argumentos no so individuos isolados, mas formam sempre urn
sistema, tambem quando isso, em passos de argumentacao particulares, nao
ou mal se expressa. Isso, porem, significa que a qualidade de urn argumento
depende, essencialmente, da qualidade da conexao sistematica no qual ele
esta, explicita ou implicitamente. Existem dois criterios formais da
dade de urn sistema argumentativo: a consistencia e a coerencia. A consis-
tencia e urn criterio negativo. Ele esta cumprido quando o sistema nao
mostra nenhuma contradicao. A coerencia e um criterio positivo. Ele exige
conexales positivas tao fortes quanto possivel entre os elementos do sistema.
0 setimo artigo, publicado, pela primeira vez, em 1990, "Fundamentacao
juridica, sistema e coerencia", 9 investiga os criterios de coerencia. Nisso,
mostra-se que a fixacao de relaciies de primazia condicionadas concretas
entre principios colidentes na producao de um sistema coerente desempe-
8
Entre aspas no original.
9
Entre aspas no original.

14 Robert Alexy
nha um papel importante. A teoria dos princípios mostra-se, com isso, como
um elemento necessario de urna teoria da coeréncia. Mas, também, fica
claro que o ideal da coeréncia, como ideal de um sistema de ideias táo
perfeito quanto possível, por si só, náo basta. Como mera construgáo de
ideias, o sistema no pode viver. Para viver, ele precisa apoiar-se no dis-
curso de pessoas reais. Com isso, certifica-se a viso que somente um sis-
tema complexo, que enlaga ideal e real, pode realizar razáo.

VIII.
O papel da ponderagáo, na argumentagáo jurídica, deixa, somente en-
táo, compreender-se totalmente, guando sua estrutura é revelada completa-
mente. Isso é o objetivo do oitavo artigo "A fórmula do peso", I ° do ano de
2003. A fórmula do peso é urna precisagáo da lei da ponderagáo, que já se
encontra na "Teoria dos direitos fundamentais"," do ano de 1985 (S. 146,
verso espanhola: página 160 e seguinte). A lei da ponderagáo diz: "quanto
mais alto é o grau do no cumprimento ou prejuízo de 1l M princípio, tanto
maior deve ser a importancia do cumprimento do outro". 12 Na lei da pon-
deragao, o no cumprimento ou prejuízo de um princípio Pi e a importancia
do cumprimento do outro princípio colidente Pj esto face a face. A fórmula
do peso precisa a lei da ponderagáo pelo fato de ela distinguir. em cada lado,
trés fatores. Do lado de Pi, s o isso: (1) a intensidade da intervengo (Ji)
em Pi, (2) o peso abstrato ( Gi) de Pi e (3) a certeza das suposigóes empíricas
sobre isto, o que a medida a ser apreciada significa para a realizagáo de Pi
(Si). Do lado de Pj, so isso: (1) a intensidade da intervengo em Pj por
omissáo da intervengo cm P (.1j), (2) o peso abstrato de P (G1) e (3) a
certeza das suposigóes empíricas sobre isto, o que a medida a ser apreciada
significa para a realizagáo de Pj(S1). Esses seis fatores somente se deixam
pór em relagáo com os meios da matemática. Desse modo, nasce urna fór-
mula do peso que expressa o peso concreto de Pi (Gi,j). O peso concreto de
Pié o peso que P. no caso a ser decidido, tem relativamente a Pj. Na "teoria
dos direitos fundamentais", somente a primazia concreta de Pi perante Pj e
a primazia concreta de Pj perante Pi foi tratada sistematicamente (S. 82,
página 92). 13 Agora, é acrescentado o empate ou a hierarquia igual que, para
os espagos do dador de leis, tem importáncia decisiva. Tudo isso somente
é possível sob o fundamento de urna teoría da escalagáo, que é conveniente
para a natureza discursiva do direito constitucional. Desse modo, é assegu-
rado que náo a matemática apresenta-se como senhora do direito constitu-
10
Entre aspas no original.
11
Entre aspas no original.
12
Entre aspas no original.
13
Em itálico e entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 15
cional, mas o direito constitucional serve-se da matematica como criada. 0
argumento nao é substituido por contas, mas, por relacoes maternaticas,
trazido em uma forma na qual, e somente nela, ele pode obter a sua consu-
maga° extrema.

IX.
0 nono e ultimo artigo, no ano de 2005 pela primeira vez publicado,
em inglés, "Ponderacao. jurisdicao constitucional e representacao"," coloca
a estrutura da ponderacao, expressada pela formula do peso, na conexao do
constitucionalismo discursivo. Ponderacao e discursiva, porque na ponde-
raga° sentencas 15 sobre intensidades de intervencao, pesos abstratos e graus
de seguranca sao enlacados um com os outros corn a pretensao de correcao.
Discursos praticos sao tao pouco possiveis sem ponderacao como constitu-
cionalismo sem direitos fundamentais e jurisdicao constitucional. Corn
isso, o problema, discutido nos pri meiros artigos, da relacao de direitos
fundamentais e democracia, aparece, de novo, no final da colecionacao. Ele
6, agora, formulado na questa°, porque a sentenca do tribunal constitucional
"A lei G é anticonstitucional" deve — em geral, so implicitamente — ser
preferida a sentenca do parlament° "A lei G e de acordo corn a constitui-
cao". 16 A resposta reside no conceito da representacao argumentativa. A
representacao do povo por urn tribunal constitucional distingue-se daquela
pelo parlamento pelo fato de a representacao por urn tribunal constitucional
ser puramcnte argumentativa ou discursiva, enquanto aquela pelo parla-
mento ter um carater tanto argumentativo ou discursivo como volitivo ou
decisionista." Sob esse aspecto, a representacao pelo tribunal constitucio-
nal tern um carater mais ideal que aquela pelo parlamento e, isso, é o fun-
damento para a primazia da sentenca do tribunal constitucional diante
daquela do parlamento. 0 carater mais ideal da representacao pelo tribunal
constitucional deve-se, certamente, confirmar na realidade. Isso somente
pode dar born resultado quando as condicties de representacao argumenta-
tiva autentica estao dadas. Pertencem a elas, ao lado da existencia de argu-
mentos validos ou corretos, a existencia de pessoas racionais, que sao
capazes e dispostas a aceitar argumentos validos ou corretos, porque eles
sao validos ou corretos. Isso mostra que o constitucionalismo discursivo
tern sua base nao so em instituicoes e argumentos, mas, essencialmente,
tambem ern pessoas que o apoiam.

14
Entre aspas no original.
15
Em italic° no original.
16
Entre aspas no original.
17
Nota do tradutor: ver infra, 1, nota 14.

16 Robert Alexy
Os nove artigos desse volume foram reunidos e traduzidos por Luís
Afonso Heck. Eu agradelo-lhe de coraláo pela ideia de tal volume, pela
traduqáo, cuidadosa e experta, dos artigos e pela sugestáo para escrever esta
apresentaláo. Eu estou multo contente por té-lo encontrado como tradutor
dos nove trabalhos aqui juntados.
Kiel, majo de 2006.

Robert Alexy

Constitucionalismo discursivo 17
— 1—

Minha filosofia do Direito:


a institucionalizacao da razao*

Sumario: I. A pretensao de correcao: 1. 0 promover; 2. A necessidade; a) Urn artigo


constitucional absurdo: b) Uma sentenca absurda; c) A alternativa: 3. 0 conteUdo;
II. Teoria do discurso; 1. As ideias fundamentais da teoria do discurso; 2. Os limites
da teoria do discurso: a) Discursos reais e ideais; b) As modalidades discursivas; Ill.
A necessidade do direito; IV. Instituicao e ideal; 1. 0 limite da antijuridicidade extre-
ma; 2. 0 estado constitucional democratico; a) Direitos fundamentals; b) Democra-
cia: c) Jurisidicao constitucional; 3. Argumentacao juridica: a) Argumento de
principio; b) Tese do caso especial.

Cada filosofia do direito 6, explicita ou implicitamente, expressao de


urn conceito de direito. Todos os conceitos de direito compoem-se da de-
terminacao e ponderacao de tr8s elementos de definicao: (1) a decretacao
de acordo corn a ordem, (2) a eficacia social e (3) a correcao quanto ao
conteddo) Quem exclusivamente direciona para a decretacao de acordo
corn a ordem e a eficacia social, a correcao quanto ao contado, portanto,
na definicao do direito, nao atribui nenhum peso, representa urn conceito
de direito positivista. A teoria de Hans Kelsen 6, para isso, urn exemplo. A
famosa proposicao de Kelsen: "Por isso, cada contelido qualquer pode ser
direito" 2 expressa isso claramente. A posicao contraria mais extrema para
corn o positivism° juridic° representa quern define o direito exclusivamente
pela sua correcao quanto ao contend°. Urn tal conceito de direito puramente
juridico-natural nao 6, para aquele que quer reconhecer, seguir, interpretar
e aplicar o direito vigente, interessante. A questao decisiva para a adequa-
bilidade do conceit° de direito nao 6, por conseguinte, se a correcao quanto
* Este artigo encontra-se publicado no livro corn o titulo "The Law in philosophical Perspectives: My
Philosophy of Law", editado por Luc J. Wintgens, Dordrecht/Boston/London: Kluwer Academic Publish-
ers, 1999, p. 23 et seq. Titulo no original: My Philosophy of Law: The Institutionalisation of Reason.
1
Comparar R. Alexy, A Definition of Law, in: W. Krawietz/N. MacCormick/G. H. v. Wright (Hg.),
Prescritive Formality and Normative Rationality in Modern Legal Systems. Festschrift ftir Robert S.
Summers, Berlin 1994, S. 110 f.
2
H. Kelsen, Reine Rechtslehre, 2. Aufl., Wien 1960, S. 201.

Constitucionalismo discursivo 19
ao conteúdo cm vez da decretagáo de acordo com a ordem e eficácia social
deve definir o direito, mas antes esta, se ela deve fazer isso ao lado delas.
O decretado e o eficaz formarn o lado fático e institucional do direito,
o correto, a sua dimensáo ideal ou discursiva. Minha tese é que um conceito
de direito adequado, somente entáo, pode nascer, guando ambos os lados
s o enlagados. Esse enlace pode somente dar bom resultado em urna teoria
ampla do sistema jurídico. Urna tal teoria é a teoria do discurso do estado
constitucional democrático. Eu irei tentar desenvolver essa teoria cm quatro
passos. No primeiro passo, trata-se do fundamento de todo o edifício, da
pretensáo de corregáo. Deve ser mostrado que essa pretensáo está unida,
necessariamente, com o direito. Se isso dá bom resultado, está achado o
germe que leva ao rompimento do conceito de direito positivista. O conteú-
do da pretensáo de corregáo permanece nisso, todavia, ainda aberto. Urna
primeira precisagáo resulta primeiro no segundo passo, no qual se trata da
teoria do discurso como teoria da corregáo prática. Nisso, devem ficar claras
náo só as possibilidades, mas também os limites da racionalidade discursi-
va. Estes levam, no terceiro passo, á necessidade do direito. A necessidade
do direito no significa a despedida da racionalidade discursiva. Isso deve
ser exposto no quarto passo, no qual se trata da uniáo do fático ou institu-
cional como ideal ou discursivo nos distintos planos do sistema jurídico.

I. A pretensáo de correláo
Minha teoria depende da tese que o direito promove, necessariamente,
urna pretensáo de corregáo. Essa tese é formulada muito genericamente. Se
se quer precisá-la, entáo trés questóes devem ser respondidas: (1) o que
significa que o direito promove urna pretensáo? (2) 0 que deve ser enten-
dido sob a necessidade da pretensáo? (3) Em que consiste o conteúdo da
pretensáo, a corregáo?

I. 0 promover
Pretensóes podem, tomado ao pé da letra, somente ser promovidas por
sujeitos capazes de atuar. Que o direito promove urna pretensáo de correqáo,
pode, por isso, somente significar que a promovem aqueles que atuam no e
para o direito ao eles o criar, interpretar, aplicar e impor. Casos paradigmá-
ticos so o dador de leis e o juiz. Que eles promovem 3 aquela pretensáo,
significa, primeiro, que com os seus atos institucionais, portanto, com as
decisóes de lei e sentengas judiciais, o ato no institucional da afirmaffio4
está unido, que o ato jurídico é correto quanto ao conteúdo e procedimen-
3
Em itálico no original.
4
EM itálico no original.

20 Robert Alexy
talmente. Correcao implica fundamentabilidade. A pretensao de correcao
5
abarca, por conseguinte, segundo, uma garantia da fundamentabilidade.
6
Como terceiro elemento. acresce a afirmacao e a garantia a esperanga que
cada urn. que se peie no ponto de vista do sistema juridic° respectivo e
racional, reconhece o ato juridico como correto. 0 promover da pretensao
de correcao consiste, portant°, da triade de (1) afirmacao da correcao, (2)
garantia da fundamentabilidade e (3) esperanca do reconhecimento da cor-
recao. 7 Essa triade nao esta vinculada apenas corn atos institucionais como
deciseies de lei e sentencas judiciais. Cada urn que, como participante de
urn sistema juridic°, por exemplo, como advogado diante do tribunal ou
como cidadao na discussao publica, alega argumentos a favor ou contra
determinados conteudos do sistema juridic°, promove a pretensao compos-
ta da afirmacao da correcao, da garantia da fundamentabilidade e da espe-
ranca do reconhecimento.

2. A necessidade
A pretensao de correcao 6, somente entao, de interesse para o conceito
de direito, quando ela, necessariamente, esta unida corn o direito. Pudesse
o direito tanto promover como nao promover essa pretensao, tratar-se-ia
nela somente de uma das numerosas qualidades contingentes do direito, que
nao tern importancia definidora de direito. A necessidade pode, corn base
em dois exemplos, ser demonstrada e explicitada.

a) Urn artigo constitucional absurdo


No primeiro exemplo, trata-se do primeiro artigo de uma nova cons-
tituicao para o estado X, 8 no qual a minoria oprime a maioria. A minoria
pretende continuar a gozar das vantagens da opressao da maioria, mas tam-
ser honrada. A reuniao dadora da constituicao vota, por conseguinte,
como primeiro artigo da constituicao, a proposicao seguinte:
(1) X9 é uma reptiblica soberana, federal e injusta.
Esse artigo constitucional tern algo de vicioso. A questa° é somente,
em que consiste essa viciosidade. Sem dtivida, sao infringidas convenceies
sobre a composicao de textos constitucionais, porem, isso sozinho nao ex-
plica o vicio. Um catalog° de direitos fundamentais de cem paginas seria,
5
Em italic° no original.
6
Em italico no original.
7
Mais pormenorizadamente para isso, R. Alexy, Recht und Richtigkeit, in: W. Krawietz/R. S. Sum-
mers/O. Weinberger/G. H. v. Wright (Hg.), Reasonable as Rational an legal Argumentation and Justi-
fication. Festschrift fur Aulis Aarnio, Berlin 2000, S. 3 ff.
8
Em italico no original.
9
Em italico no original.

Constitucionalismo discursivo 21
por exemplo, também extremamente inabitual ou no convencional, porém,
ele no teria, apesar de sua náo conformidade á finalidade, que acresce á
inabitualidade, o absolutamente absurdo da cláusula de injustiga. Análogo
vale para a viciosidade moral. Do ponto de vista da moral, no existiria
diferenga se tivessem sido retidos explicitamente direitos da maioria opri-
mida, mas sob o ponto de vista da viciosidade, sim. A cláusula de injustiga
é no só imoral, mas também, de alguma maneira, louca. Foi feito valer que
a cláusula de injustiga apresenta somente um vício político, porque ela é
"politicamente no conforme a finalidade". 1 ° Isso ela é, seguramente, po-
rém, também isso no explica completamente o vício. Muita coisa pode, em
urna constituigáo, ser politicamente no conforme a finalidade e, nesse sen-
tido, tecnicamente vicioso, sem que isso atue táo particularmente como
nosso primeiro artigo. 11 Nema viciosidade convencional, nem a moral, nem
a técnica explicam a absurdidade da cláusula de injustiga. Ela resulta, como
táo frequentemente no absurdo, de urna contradigo. Urna tal nasce pelo
fato de com o ato da dagáo da constituigáo ser promovida urna pretensáo de
corregáo que, nesse caso, é, essencialmente, urna pretensáo de justiga. Pre-
tensóes abarcam, como exposto, afirmagóes. Na pretensáo, aqui promovida,
de justiga, é a afirmagáo que a república constituída é justa. A contradigo
consiste, portanto, nisto, que com o ato da dagáo da constituigao, implici-
tamente, é estabelecida urna afirmagáo que contradiz o conteúdo explícito
do ato dador de constituigáo, da cláusula de injustiga.

b) Urna sentenga absurda


No segundo exemplo, trata-se de um juiz que proclama a seguinte
sentenga:
(4) 0 acusado é, o que é urna interpretagáo falsa do direito vigente,
condenado a uma pena privativa de liberdade para toda a vida.
Essa proposigáo dá motivos a urna série de questóes que aqui, contudo,
no devem ser perseguidas. 12 Na conexo existente, somente tem importan-
cia que a suposigáo de um vício convencional, moral ou técnico, do mesmo
modo como a de urna infragáo contra direito positivo» também aqui no
basta para compreender o caráter particular da viciosidade. A absurdidade
1()
E. Bulygin. Alexy und das Richtigkeitsargument, in: A. Aarnio/S. L. Paulson/O. Weinberger/G. H.
v. Wright/D. Wyduckel (Hg.), Rechtsnorm und Rechtswirklichkeit. Festschrift für Werner Krawietz,
Berlin 1993, S. 23 f.
I
Comparar para isso R. Alexy, Begriff und Geltung des Rechts, 2. Aufl.. Freiburg/München 1994,
S. 66.
12
Comparar para isso, por um lado, U. Neumann, Juristische Argumentationslehre, Darmstadt 1986,
S. 87 ff.; E. Bulygin (nota 10), S. 23 e, por outro, R. Alexy (nota 11), S. 69 ff.; o mesmo, Bulygins
Kritik des Richtigkeitsarguments in: W. Krawietz u. a. (Hg.). Festschrift für Eugenio Bulygin und
Gedachtnisschrift für Carlos Alchourrón, Berlin 1997, S. 235 ff.
13
Comparar R. Alexy (nota 11), S. 69.

22 Robert Alexy
da proposicao explica-se, tambern nesse caso, somente por uma contradi-
cao. Corn uma sentenca judicial sempre é promovida a pretensao, que o
direito seja aplicado corretamente, por mais que essa pretensao tambem,
ainda, nao muito seja cumprida. A classificacao da sentenca, unida corn a
sentenca, contradiz essa pretensao de correcao, promovida corn a efetivacao
do ato institucional da condenacao, como falsa. Que uma pretensao de cor-
recao é promovida significa, entre outras coisas, que implicitamente é es-
tabelecida a afirmacao que a sentenca é correta. A afirmacao, unida
explicita e publicamente corn a sentenca, contradiz essa afirmacao implicita
que a sentenca é falsa. Essa contradicao entre o implicit° e o explicit°
explica a absurdidade.

c) A alternativa
Poderia ser objetado, que tudo isso ainda nao mostra a necessidade da
pretensao de correcao. A absurdidade é evitavel em ambos os casos. Deve-
-se somente modificar exaustivamente a pratica, ate agora, e a autocons-
ciencia, ate agora, do direito. Se constituicOes, uma vez, primeiro, fossem
interpretadas por todos exclusivamente como expressao de poder, vontade
e fortidao e sentencas judiciais como uma mistura de emocao, decisao i4 e
14
Alexy emprega aqui a palavra Decision. Ao lado dela estao, no ambito idiomatic° alemao, as palavras
Dezisionismus e dezisionistisch. Eu decidi-me pela traducao seguinte respectiva: decisao, decisionismo
e decisionista. Essas palavras, no ambito idiomatic° portugues, todavia, ate onde se pode ver, ainda
nao foram registradas corn o significado que elas tern naquele ambito. Parece, por conseguinte, justi-
ficada a referencia seguinte: "Dezision, Dezisionismus designa decisOes ou procedimentos de deciseles
para as quais 6 caracteristico que elas nao sao fundamentadas ou fundamentaveis corn referenda a
padreies de racionalidade gerais. Isso vale para contextos concernentes a uma determinada situacao,
nos quais, por exemplo, em virtude de informacao limitada ou tempo limitado, os fundamentos ou
relacaes-meio-finalidade, relevantes para uma decisao, nao podem ser clarificados suficientemente.
Em seguimento ao criterio de sentido empiric° do empirismo logic° 6 sustentada a tese que uma
fundamentacao, no sentido rigoroso, somente pode haver no ambito de declaraciies capazes de verdade,
que dizem respeito a fatos empiricos. A posicao metaetica do emotivismo tira disso a consequencia,
quando ela sustenta essa tese, que manifestaciies morais somente expressam colocaVies e sentimentos
subjetivos, que mesmos, mais alem, nao sao fundamentaveis. Nas exposicoes sobre a liberdade dos
valores das ciencias M. Weber, na questa° da fundamentabilidade de proposicOes de valores, ocupa a
posicao que valoracoes nao podem ser objeto de conhecimento cientifico. Normas e sentencas de valor
estao sujeitas a uma outra logica da fundamentacao que declaracOes empiricas. Disso foi derivada a
tese — nao coberta pela argumentacao weberiana — que ultimas valoracOes sao um assunto da decisao
pessoal. A posicao, exposta por H. Albert, do racionalismo critico remete a isto, que uma fundamen-
tacao Ultima valida de normas ou proposiciies morais rid° 6 possivel, uma vez que cada exigencia por
fundamentacao Ultima deve levar ou a urn regresso infinito ou a urn circulo logic° ou a demolicao do
procedimento de fundamentacao por referencia a urn dogma (trilema de Miinchhausen). A pretenslio
de fundamentacao racional pode, por conseguinte, ser sustentada so convenientemente corn referencia
revisao das consequencias de proposigOes morais, corn referenda a sua realizabilidade e liberdade
da contradicao. A proposicOes morais pode somente ser conferido o status de normas aceitas hipoteti-
camente, uma vez que a revisabilidade dessas normas nao pode ser excluida fundamentalmente. A
reserva do decisionismo leva em Albert a posicao de uma racionalidade pratica limitada. Se justificacao
equiparada corn deducao e racionalidade 6 limitada ao metodo cientifico de presuncao e refutacao
(por referenda a fatos), entao tambem nao 6 possivel justificar mesmo essa colocacao critica. Resta,
como Unica possibilidade, a escolha subjetiva entre modelos de conhecimento e de atuacao concorren-

Constitucionalismo discursivo 23
ordem desapareceria, dos nossos exemplos, com a pretensáo de corregáo,
simultaneamente, também, a contradigo e, com isso, a absurdidade. A pre-
tensáo de corregáo iria ser substituída por algo como urna pretensáo de
poder.
O significado dessa objegáo torna-se particularmente claro guando se
a amplia ou generaliza. Pretensóes de corregáo existem, de modo nenhum,
somente no direito. Elas também so promovidas com sentengas de valor e
de obrigagáo morais e sua forma mais geral é enlagada com o ato de falar
da afirmagáo. Tomadas de posigáo morais, que no promovem essa preten-
sao, no so sentengas morais, mas somente a expressáo de emogóes, requi-
sigóes, de sentir semelhantemente, ou relatórios sobre sentimentos e
colocagóes.' 5 Quem desiste da pretensáo de corregáo perde, bem generica-
mente, a possibilidade de estabelecer afirmagóes, seja qual for o tipo, por-
que afirmagóes so somente tais atos de falar, com os quais é promovida
urna pretensáo de verdade ou corregáo. 16 A eliminagáo da possibilidade de
afirmagóes iria alterar, fundamentalmente, nosso idioma e, com isso, nossa
autoconsciéncia e vida. Em vez de sentengas e afirmagóes existiriam, somente
ainda, sentimentos e opinióes, fundamentagóes transformar-se-iam cm persua-
slies, e no lugar de corregáo e verdade por-se-iam manipulagóes exitosas e
convicgóes que esto bem fixas. Tudo seria subjetivo, nada objetivo.
Com isso, está claro cm que sentido a pretensáo de corregáo é neces-
sária. Ela é necessária relativamente a urna prática, que, essencialmente, é
definida pela distingo entre verdade ou corregáo e falsidade. 17 Essa prática
é, todavía, urna prática de um tipo particular. Nós podemos tentar despedir
tes, que nem podem ser justificados dedutivamente nem certificados cientificamente. — No ámbito da
argumentagáo jurídica foi alegado por C. Schmidt, contra a pretensáo de auséncia de lacunas do orde-
namento jurídico (da parte do positivismo jurídico), a reserva, que com os meios de conhecimento
jurídicos náo se pode derivar cada decisáo jurídica necessária do material jurídico. Ao contrário,
permanece sempre um elemento de decisáo que náo é derivável mais além. Do mesmo modo, o caso
excepcional contém — guando por meio de decisáo soberana primeiro deve criar a situagáo, na qual
preceitos jurídicos (novos) devem valer — um tal elemento de decisáo voluntário." (Metzler-Philoso-
phie-Lexikon: Begriffe und Definitionen/Hrsg. von Peter Prechtl und Franz-Peter-Burkard. 2. Aufl.,
Stuttgart; Weimar: Metzler, 1999, S. 106 f. [Artikel Dezison. Dezisionismus.] Pontuagáo no original.)
15
Comparar para isso R. Alexy, Theorie der juristischen Argumentation, 3. Aufl., Frankfurt a. M. 1996,
S. 60 ff.
16 Mais pormenorizadamente R. Alexy, Recht, Vernunft, Diskurs, Frankfurt a. M. 1995, S. 134 ft
17
Essa relativizagáo da necessidade de pretensáo de corregáo a uma determinada prática corresponde,
cm sua estrutura, á tese de Grice e Strawson. que urna coisa é conceder que náo existe urna necessidade
absoluta de aceitar ou de usar algum esquema conceitual ou sistema conceitual, e urna bem outra,
afirmar que náo existe necessidade dentro de algum esquema conceitual ou sistema conceitual que nós
aceitamos ou usamos. Isto náo resulta daquilo (H. P. Grice/P. F. Strawson, In Defense of a Dogma, in:
Philosophical Review 65 (1956), S. 157 f.). A necessidade dentro de um determinado esquema concei-
tual ou sistema conceitual e também dentro de urna determinada prática é, de outra forma como a
necessidade de um determinado esquema conceitual ou sistema conceitual como tal ou de urna deter-
minada prática como tal, sem mais, compatível com a tese de Quine, que nenhuma proposigáo e ne-
nhuma regra é imune diante de urna revisáo (W. V. O Quine, Two Dogmas of Empiricism, in: ders.,
From a Logical Point of View, 2. Aufl., Cambridge, Mass. 1961, S. 43).

24 Robert Alexy
as categorias de verdade, de correcao e de objetividade. Se isso desse-nos
born resultado, nosso falar e atuar, porem, seriam algo essencialmente di-
ferente como 6 agora. 0 preco nao so seria alto. Ele compor-se-ia, em urn
certo sentido, de nos mesmos.

3. 0 conteado
Corn a tese, que uma pretensao de correcao é promovida, ainda nao
está dito nada sobre o conteddo dessa pretensao. Isso nao é uma desvanta-
gem, mas uma vantagem, porque, em caso contrario, essa pretensao nao
poderia ser promovida em toda parte. Os criterios de correcao dependem
do contexto. Assim, para uma reuniao dadora da constituicao valem outros
criterios que para o trabalho cotidiano do dador de leis parlamentar e, outra
vez, outros criterios sao correspondentes para sentencas judiciais. Uma coi-
sa, porem, caracteriza a pretensao de correcao em todos os contextos: ela
abarca uma pretensao de fundamentabilidade." No direito, trata-se, nisso,
sempre imediata ou mediatamente da fundamentacao de normas gerais ou
individuais, 19 portanto, de questoes normativas ou praticas. Antes de ser
exposto a quais conteddos a pretensao de correcao leva nos contextos ins-
titucionais distintos do direito, deve, por conseguinte, primeiro ser pergun-
tado como, bem genericamente, portanto, independente do direito,
possivel uma fundamentacao de normas. A resposta dá a teoria do discurso
pratico geral.

II. Teoria do discurso


1. As ideias fundamentais da teoria do discurso
A teoria do discurso é uma teoria procedimental da correcao pratica.
Na base das teorias procedimentais da correcao pratica esta a seguinte de-
fin lc-do:
Uma norma N é correta rigorosamente entao, quando N pode ser o
resultado do procedimento P.2°
0 procedimento do discurso é um procedimento de argumentacao. Isso
distingue a teoria do discurso, fundamentalmente, de teorias procedimen-
tais da tradicao hobbesiana, que trabalham corn procedimentos de negocia-
cao e de decisao.21
18
R. Alexy (nota 16). S. 215.
19
0 exemplo mais importante para uma norma individual 6 a sentenca judicial. Comparar H. Kelsen
(nota 2), S. 20.
20 R. Alexy (nota 16), S. 110. Em italic° no original.
21
Comparar, par exemplo, J. M. Buchanan, The Limits of Liberty. Chicago/London 1975, S. 6 ff., 28
ff.; D. Gauthier. Morals by Argreement. Oxford 1986, S. 113 ff.

Constitucionalismo discursivo 25
O procedimento P da teoria do discurso deixa definir-se por um siste-
ma de regras do discursa' : que expressam as condigóes do argumentar
prático racional. Urna parte dessas regras formula exigéncias de racionali-
dade gerais, que também valem independentemente da teoria do discurso.
Delas fazem parte a liberdade da contradigo, a universalidade no sentido
de um uso consistente dos predicados empregados, a clareza conceitual-
-idiomática, a verdade empírica, a consideragáo das consequéncias, o pon-
derar, a troca de papéis e a análise do nascimento de convicgóes morais.
Todas essas regras valem também para monólogos. Já isso torna claro que
a teoria do discurso, de modo nenhum, como a ela foi objetado, 23 substitui
o fundamentar pela mera produgáo de consensos. Ela abarca completamente
as regras do argumentar racional aplicáveis ás fundamentagóes monológi-
cas. Sua particularidade consiste, exclusivamente, nisto, que ela acrescenta
a esse plano um segundo plano, ou seja, aquele das regras relacionadas com
o procedimento do discurso. Essas tém um caráter no monológico. Seu
objetivo é a imparcialidade do discurso. Esse objetivo deve ser obtido pelo
asseguramento da liberdade e igualdade da argumentagáo. As mais impor-
tantes dessas regras dizem:
1. Cada um que pode falar tem permissáo de participar em dis-
cursos.
2. (a) Cada um tem permissáo de pór em questáo cada afirmag-áo.
(b) Cada um tem permissáo de introduzir cada afirmagáo no
discurso.
(c) Cada um tem permissáo de manifestar suas colocagóes, de-
sejos e caréncias.
3. Nenhum falante pode, pela coergáo dominante dentro ou fora
do discurso ser impedido nisto, de salvaguardar seus direitos de-
terminados em (1) e (2).24
Essas regras expressam, no plano da argumentagáo, as ideias da liber-
dade e igualdade universal. Se elas valem, portanto, cada um pode decidir
livre e igualmente sobre aquilo que ele aceita, entáo, vale, necessariamente,
a condigo seguinte de aprovagáo universal:
Urna norma pode, em um discurso, somente entao, encontrar
aprovagáo universal, guando as consequéncias de seu cumpri-
mento geral para a satisfago dos interesses de cada um particular
podem ser aceitas por todos.
22
Para urna tentativa de formular um tal sistema com auxílio de 28 regras do discurso, comparar R.
Alexy (nota 15), S. 234 ff. Em itálico no original.
23
Comparar O. Weinberger. Grundlagenprobleme des Institutionalistischen Rechtspositivismus und
der Gerechtigkeitstheorie, in: Rechtstheorie, Beiheft 14 (1994), S. 258 f.
24
R. Alexy (nota 15), S. 240.

26 Robert Alexy
uma suposicao central da teoria do discurso, que a aprovacao no
discurso, primeiro, pode depender de argumentos e que, segundo, entre a
aprovacao universal sob condicoes ideais e os conceitos de correcao e de
validez moral existe uma relacao necessaria. Essa conexao deixa formular-
-se como segue:
Corretas e, corn isso, validas, sao, rigorosamente, as normas que, em
urn discurso ideal, por cada um, iriam ser apreciadas como corretas.
Se se faz certas atenuagOes, resulta disso o principio do discurso abs-
trato de Habermas:
"Validas sao, rigorosamente, as normas de atuacao que poderiam
ser aprovadas por todos os possIveis afetados como participantes
em discursos racionais".25
Isso corresponde, em todo o caso, na intencao fundamental, ao prin-
cipio de Kant do poder dador de leis:
"Portant°, pode somente a vontade, concordante e unida, de to-
dos, contanto que cada um decida sobre todos e todos sobre cada
um o mesmo, portanto, somente a vontade popular, universal-
mente unida, ser dadora de lei".26
Isso mostra que a teoria do discurso situa-se na tradicao kantiana.

2. Os limites da teoria do discurso


A teoria do discurso leva a numerosos problemas. Tres tern importan-
cia particular. No primeiro, trata-se da teoria do discurso como teoria da
correcao pratica. Pode designar-se isso tambern como "probletna de sta-
tus". 27 0 problema do status concerne a questao, se realmente, como afirma
a teoria do discurso, existe uma relacao necessaria entre discursos e cone-
cao pratica. 28 No segundo problema, trata-se da fundamentacao das regras
do discurso. 0 problema da fundamentaccio 29 deixa solucionar-se, quando
puder ser mostrado que, primeiro, aqueles que participam na pratica do
afirmar, do perguntar e do argumentar, pressupOem, necessariamente, essas
regras e que, segundo, a participacao em uma tal pratica para cada, um em
algum sentido, é necessaria. Eu tentei expor, em outro lugar, que tanto o
primeiro como o Ultimo e exato." Aqui deve estar no primeiro piano o
terceiro problema. E o problema da aplicacao 31 da teoria do discurso.
25
J. Habermas, Faktizitat und Geltung, 4. Aufl., Frankfurt a. M. 1994, S. 138.
26
I. Kant, Metaphysik der Sitten, in: Kant's gesammelte Schriften, hg. v. der KOniglich PreuBischen
Akademie der Wissenschaften, Bd. 6, Berlin 1907, S. 313 f.
27
Entre aspas e em italic° no original.
28 Comparar para isso R. Alexy (nota 16), S. 118 ff.
29
Em italic() no original.
30 Comparar R. Alexy (nota 16), S. 132 ff.
31
Em italic() no original.

Constitucionalismo discursivo 27
a) Discursos reais e ideais
Sob o ponto de vista da aplicabilidade, a fraqueza principal da teoria
do discurso consiste nisto, que seu sistema de regras no oferece um pro-
cedimento que permite, cm um número finito de operagóes, sempre chegar,
rigorosamente, a um resultado. Isso tem trés fundamentos. As regras do
discurso no contém, primeiro, nenhuma determinagáo com respeito aos
pontos de partida do procedimento. Pontos de partida so as, cada vez,
existentes convicgóes normativas e interpretagóes dos interesses dos parti-
cipantes. Segundo, as regras do discurso no determinam todos os passos
da argumentagáo. Terceiro, uma série de regras do discurso tem caráter
ideal e, por conseguinte, só aproximativamente é cumprível.
O último leva á distingo, fundamental para a teoria do discurso, entre
discursos ideais e reais. O discurso prático ideal cm todos os sentidos é
definido pelo fato de, sob as condigóes de tempo ilimitado, participagáo
ili mitada e auséncia de coergáo perfeita no caminho da produgáo de clareza
conceitual-idiomática perfeita, do ser informado empírico perfeito, da ca-
pacidade e da disposigáo perfeita para a troca de papéis e da liberdade de
pré-juízos perfeita, ser procurada a resposta a urna questáo prática. O con-
ceito de discurso ideal causa uma série de problemas 32 e é objeto de intensa
crítica. 33 Nunca, ainda, uma pessoa participou de um discurso ideal cm
todos os sentidos e nunca um mortal fará isso. Sobre os resultados de dis-
cursos ideais, por conseguinte, nunca pode haver certeza, mas sempre, so-
mente, suposiqóes. Nem, sequer, é certo se o discurso ideal, cm todos os
sentidos, iria levar a um consenso cm cada questáo prática ou se existem
diversidades resistentes ao discurso das pessoas, que também sob as condi-
góes mais ideais excluem consensos.
Tudo isso, contudo, no é capaz de desvalorizar o conceito do discurso
ideal. A ideia do discurso ideal é uma ideia regulativa sempre presente cm
discursos reais. 34 Como ideia regulativa, ela expressa seu objetivo ou ponto
final. Discursos práticos reais so definidos pelo fato de neles, sob as con-
digóes de tempo limitado, de participagáo limitada e auséncia de coergáo
limitada com clareza conceitual-idiomática limitada, ser informado empí-
rico limitado, capacidade limitada para a troca de papéis e liberdade de
pré-juízos limitada, ser procurada a resposta a urna questáo prática. Apesar
dessas limitagóes, o discurso real está enlagado conceitualmente com o
ideal. Quem tenta convencer um oponente com argumentos, pressupóe que
esse, sob condigóes ideais, deveria aprovar. O discurso ideal, como ideia
32
Comparar R. Alexy (nota 16), S. 113 ff.
33
Comparar O. Weinberger (nota 23), S. 259 ff.
34
Para o conceito de ideia regulativa, comparar I. Kant, Kritik der reinen Vernunft. A. 509, 644; B
537, 672.

28 Robert Alexy
regulativa, e a pretensao de correcao sao, desse modo, dois lados de uma
materia.
Contra isso, poderia ser objetado que o discurso ideal, como ideia
regulativa, 6 sem sentido. Ele seria isso, se uma aproximacao a ele ou fosse
i mpossivel ou irrelevante para a correcao. Que uma aproximacao de discur-
sos reais é possivel a discursos ideais, é facil de reconhecer. Assim, existem
discursos limitados e abertos, indistintos e claros, teimosos e criticos e tudo
isso, e mais, existe em diferentes graus. A questa() pode, por conseguinte,
somente dizer se existe uma_uniao interna entre a aproximacao a discursos
ideais e a correcao pratica. E uma suposicao central da teoria do discurso,
que isso é o caso. Em discursos praticos nao se trata somente da compro-
vac do
-
de interesses comuns, mas, essencialmente, tambem da solucao cor-
reta de conflito de interesses. Uma solueao correta de conflito de interesses
no nuclei:), uma materia da determinacao correta dos pesos relativos dos
interesses que se encontram em jogo. Seja somente aceito que a norma Ni,35
que soluciona um conflito de interesses, encontra aprovacao geral segundo
um discurso do qual foram excluidos oponentes nao dispostos a aprovacao
e no qual dominava um grupo, retorica emocional dominava o campo, fatos
falsos ate ao fim foram tratados como verdadeiros e os vencedores somente
quiseram salvaguardar exclusivamente seus proprios interesses e daqueles
dos outros nada quiseram ouvir. Seja comparado esse cendrio corn a solucao
do mesmo contlito de interesses pela norma N2, 36 que encontra aprovacao
geral segundo urn discurso do qual ninguem foi excluido e no qual ninguem
dominava, foi argumentado clara e precisamente, foram realizadas suposi-
goes somente acertadas ou provaveis sobre as circunstancias Micas e todos
se puseram, ate aonde eles puderam, na situacao dos outros e com eles
discutiram suas interpretacOes de interesses. 0 segundo caso esti, sem chi-
vida, mais proximo ao discurso ideal do que o primeiro, e por conseguinte,
em todo o caso, ceteris paribus, 37 N2 esta mais pr6ximo da correcao do que
Ni . 38 Isso basta para aquilo que se trata aqui: a aproximacao do discurso
real ao ideal nao é irrelevante para a coffee-do.

b) As modalidades discursivas
0 enlace do discurso real corn o ideal e capaz de eliminar, certamente,
so extremamente limitado a indefinidade do resultado. Existem certas coi-
sas que, ern aproximacao suficiente e, em geral, praticamente possivel ao
discurso ideal, como resultado, nao entram em questao. Um exemplo 6 a
35
Em italic° no original.
36
Em italic° no original.
37
Nota do tradutor: ceteris paribus: sob, em outras ocasiOes, as mesmas circunstancias.
38
Em italico, a cada vez, no original.

Constitucionalismo discursivo 29
escravidáo. Ela pode ser designada como "impossível discursivamente".39
Outra coisa pode, com seguranga suficiente, ser classificada como resultado
do discurso e deve, por conseguinte, ser denominada de "necessária di scur-
sivamente". 4 ° A democracia é um exemplo. 4 ' Ao lado do impossível discur-
sivamente e do necessário discursivamente, porém, existe um amplo espago
do meramente possível discursivamente, no qual se pode, de modo racional
em discursos, chegar a resultados diferentes. A teoria do discurso bate, aqui,
em um limite, que ela própria no pode exceder.

III. A necessidade do direito


Que a teoria do discurso no oferece um procedimento, que permite,
cm um número finito de operagóes, sempre chegar rigorosamente a um
resultado, o que leva ao espago amplo do meramente possível discursiva-
mente, pode ser designado como "problema do conhecimento". 42 O proble-
ma do conhecimento leva á necessidade de procedimentos juridicamente
regulados, que garantem urna decisáo. O exemplo mais importante é a y o-
tagáo no parlamento. Se se projeta isso sobre os trés elementos do conceito
de direito, a decretagáo de acordo com a ordem, a eficácia social e a corre-
gáo quanto ao conteúdo, entáo se pode dizer que o problema do conheci-
mento remove os pesos da corregáo quanto ao conteúdo para a decretagáo
de acordo com a ordem.
O problema do conhecimento no é o único problema que leva da
teoria do discurso pura ao direito. Dois outros acrescem: o problema da
imposigáo e o da organizagáo. O problema da imposigáo nasce porque o
conhecimento da corregáo ou da legitimidade de uma norma é outra coisa
que o seu cumprimento. Assim, a apreciagáo concordante, alcangada cm um
discurso, de urna norma como justa e, por conseguinte, correta, náo tem,
necessariamente, o seu cumprimento por todos como consequéncia. Mas se
alguns, sem mais, podem infringir urna norma, o seu cumprimento de nin-
guém mais pode ser exigido. O fato que conhecimentos no acarretam sem-
pre atuagóes correspondentes a eles é, por conseguinte, uin segundo
fundamento para a necessidade do direito, e precisamente, um fundamento
para o direito como um sistema de regras armadas com coergáo. 43 I sso dá
á eficácia social, que abarca a coergáo organizada," um peso decisivo na
definiQáo do direito. O problema da organizagáo, finalmente, resulta disto,
39
Entre aspas no original. Comparar R. Alexy (nota 15), S. 256; o mesmo (nota 16), S. 150.
40
Entre aspas no original.
41 Comparar R. Alexy (nota 16). S. 163 f.
42
Entre aspas no original.
43
O argumento do conhecimento e da imposiláo correspondem, no essencial, aos argumentos de Kant
para a passagem do estado de natureza para o estado civil. Comparar I. Kant (nota 26). S. 312.
44 Comparar R. Alexy (nota 11), S. 139 ff.

30 Robert Alexy
que numerosas exigencias morais e objetivos dignos de esforco, somente
por atuacao individual e cooperacao espontanea, nao podem ser cumpri-
dos suficientemente ou obtidos. Seja pensado no apoio a desempregados
ou no auxilio para urn pals necessitado. A organizacAo necessaria pressu-
poe direito. Isso tambem vale para a propria administracao do direito. Di-
reito deve ser organizado por direito. Para o conceito de direito, isso
significa uma intensificacao do peso, tanto da decretacao de acordo corn a
ordem como tambern da eficacia social por conta da correcao quanto ao
conteddo.

IV. Instituicao e ideal


Poderia achar-se que em vista dos pesos, que poem o problema do
conhecimento, da imposicao e da organizac5o na decretacao de acordo corn
a ordem e na eficacia social, a correcao quanto ao conteddo é suprimida do
conceit° de direito. A teoria do discurso despede-se, por se assim dizer,
mesma e cede, totalmente, o campo a urn positivismo juridic° que esta
fundamentado pelos argumentos elassicos da evitacao de anarquia e guerra
civil e da possibilitacao de cooperacao efetiva, concisamente: pela seguran-
ca juridica.45
Quem assim argumenta ignora, contudo, duas coisas distintas. Ele,
primeiro, nao percebe que, na situacao normal, peso relativamente muito
alto da seguranca juridica tanto mais baixa quanto mais forte a justica e,
corn isso, a correcdo quanto ao conteddo é contida. Isso abre a possibilidade
de urn ponto no qual a prioridade muda. Segundo, nao entra em considera-
cdo que entre a decretacao de acordo corn a ordem e a eficacia social,
portanto, a positividade, de urn lado, e correcao quanto ao conteddo, de
outro, existe nao so uma relacao de alternatividade, mas tambem uma tal
de complemento, penetracao e intensificacao. Esse complement°, penetra-
cao e intensificacao d condicao de legitimidade do direito.

I. 0 da antijuridicidade extrema
Se os melhores argumentos falassem a favor de uma primazia rigorosa
do decretado de acordo corn a ordem e da eficacia social sobre a correcao
quanto ao contend°, a famosa proposicao de Kelsen "por isso, cada conted-
do qualquer pode ser direito" 46 seria exata em sua totalidade. Radbruch
objetou contra isso, apos 1945, que o conflito entre a justica, portanto, a
45
Nesse sentido C. Braun, Diskurstheoretische Normenbegriindung in der Rechtswissenschaft. Rechts-
theorie 19 (1988), S. 259 f.
46
H. Kelsen (nota 2), S. 201.

Constitucionalismo discursivo 31
correQáo quanto ao conteúdo, e a seguranga jurídica, sem dúvida, funda-
mentalmente, deve ser solucionado a favor da seguranga jurídica. mas isso
no vale ilimitadamente. A primazia do decretado e do eficaz sobre o cor-
reto bate em um limite, guando a contradigo de urna lei positiva com a
justiga obtém urna "medida insuportável . Isso deixa trazer-se á formula
- 47

concisa: Antijuridicidade extrema no é direito."


O particular nessa fórmula é que ela náo exige urna cobertura completa
do direito com a moral. Ela deixa valer o direito decretado e eficaz também
entáo, guando ele é injusto. Por ela somente é encaixado um limite exterior
no direito.
A jurisprudéncia alemá aplicou a fórmula de Radbruch, após 1945, á
antijuridicidade nacional-socialista" e, após 1989, a normas da República
Democrática Alemá que justificavam as matangas na fronteira intra-ale-
má. ° Tudo isso é extremamente debatido, o que, aqui, no pode ser sa-
5

lientado. Seja apenas observado que a plausibilidade dessa fórmula


51

apresenta-se bem diferentemente, conforme se se a considera da perspectiva


de um observador ou de um participante. Muita coisa fala a favor disto,
52

considerá-la como falsa da perspectiva do observador, mas como correta da


do participante. Em último lugar decide, sobre isso, urna ponderagáo de
fundamentos normativos. Nessa ponderagáo desempenha um papel essen-
cial a pretensáo de corregáo unida sempre com o direito, também com tal
de tipo extremamente injusto. Diante desse fundo falam os melhores fun-
damentos, guando se ocupa a perspectiva do participante, a favor da fórmula
de Radbruch. ' Desse modo é, por exemplo, excluído que alguém, após
5

1945, possa-se apoiar sobre um fato institucional como a perda da naciona-


lidade de um testador, que foi criada durante o tempo do nacional-socialis-
mo por urna norma da dagáo de lei racial» A corregáo quanto ao conteúdo
tem, com isso, ainda que somente pela determinagáo de um limite extre-
mo, um significado definidor de direito e, com isso, diante da decretagáo de

47 G. Radbruch, Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches Recht (1946), in: ders., Gesamtausgabe.
Bd. 3, Heidelberg 1990, S. 89. Entre aspas no original.
48
R. Alexy, Mauerschützen, Hamburg 1993, S. 4.
49 BGHZ 3,94 (107); BGHSt 2, 173 (177); 2, 234 (237 ff.); 1 357 (362 f.); BVerfGE 3. 58 (119); 3,

225 (232); 6, 132 (198); 6, 389 (414); 23,98 (106); 54,53 (68).
50 BGHSt 39, 1 (16); 40, 218 (232); 40, 241 (244); 41, 101 (106 ff.). Comparar para isso R. Alexy (nota

48), S. 7 ff.
51 Em vez de muitos. seja, nesse ponto, somente mencionado o antípoda mais importante de Radbruch,

ou seja, H.L.A. Hart, Positivism and the Separation of Law and Morals, in: Harvard Law Review 71
(1957/58), S. 615 ff.
52 Comparar R. Alexy (nota 11), S. 51 ft., 70 ff.

53 Para urna fundamentnáo mais pormenorizada em virtude da análise de oito argumentos pró e contra,

comparar R. Alexy (nota 11). S. 72 ft".


54 Comparar BVerfGE 23, 98 (100 f., 106).

32 Robert Alexy
acordo corn a ordem e da eficacia social, urn peso autonomo. 55 Isso ja basta
para classificar o conceito de direito como "nao positivista".56

2. 0 estado constitucional democrat-kw


A formula de Radbruch vale para uma situacao de excecao: a da lei
extremamente injusta. Tais situagoes de excecao sao sinais de uma desgraca
nacional. Na situacao normal, o problema nao e a alternativa dramatica
entre positividade e correcao, mas o seu complemento, penetracao e inten-
sificacao. 0 discurso precisa do direito para obter realidade e o direito do
discurso para obter legitimidade. Se se desenvolve isso, entao se produz,
apos a limitacao, criada pela formula de Radbruch, do institucional pelo
ideal, uma uniao de ambos esses lados, cuja expressao, ate agora mais corn-
pieta, é o estado constitucional democratic°.
A teoria do discurso leva ao estado constitucional democratic°, porque
ela coloca duas exigencias fundamentais ao contend° e a estrutura do sis-
tema juridico: direitos fundamentais 57 e democracia.

a) Direitos fundamentals
Para a teoria do discurso, a liberdade e a igualdade sao constitutivas
no discurso. As regras do discurso expressam isso claramente. Isso sugere
concluir da liberdade e igualdade no discurso pela liberdade e igualdade em
todos os ambitos da atuacao. Uma tal conclusao imediata de regras do falar
sobre regras juridicas, contudo, nao e possivel. Para isso, sao necessarias
outras premissas. Para fundamentar a liberdade juridica precisa-se da pre-
missa, que aquele, que faz discursos corn o interesse de solucionar proble-
mas politicos por consensos criados e controlados discursivamente, deve
reconhecer a liberdade dos outros tambem fora de discursos. 58 Quem faz
discursos sem essa motivacao deve, pelo menos, hipocrisar aquele interes-
55
Os maiores problemas causa a formula de Radbruch no ambito do direito penal. Aqui se trata,
sobretudo, da questa°, se a eliminacao de fundamentos de justificacao de um regime antijuridico
infringe o principio "Nullum cri men, nulla poena sine lege" que, na maioria dos estados, tern hierarquia
constitucional. Porem, isso nao 6 urn problema que acerta a fOrmula de Radbruch como tal. Ele diz
respeito somente a sua aplicabilidade no direito penal. Comparar para isso R. Alexy, Der BeschluB des
Bundesverfassungsgerichts zu den TOtungen an der innerdeutschen Grenze vom 24.10.1996, Hamburg
1997. S. 26 ff. Entre aspas no original, nota 39.
56
Entre aspas no original.
57
Direitos fundamentals sao direitos que sao tao importantes que sua concessao ou nao concessao nao
pode ser deixada a cargo da simples maioria parlamentar (comparar R. Alexy, Theorie der Grundrechte,
2. Aufl., Frankfurt a.M. 1994, S. 406). Eles limitam, como direitos constitucionais. os poderes de
decisao do parlament°. Direitos do homem sac' direitos que competem a todas as pessoas, independente
disto, se eles sao reconhecidos por direito positivo. Todos os direitos do homem deveriam ser acolhidos
em cada constituicao como direitos fundamentais. Ao lado dos direitos do homem, constituicifies podem
comer outros direitos como direitos fundamentais.
58
Comparar R. Alexy (nota 16), S. 149 f.

Constitucionalismo discursivo 33
se, se ele quer obter legitimagáo por argumentos. Isso leva a um dilema de
tiranos teórico-discursivo: por um lado, terror coberto com véu de argumen-
tos é mais barato e estável que poder nu, por outro, o argumentar e mentir
provoca crítica e desmascaramento.59
O interesse em urna solugáo discursiva de problemas políticos desem-
penha o seu papel principal na fundamentagáo da liberdade. Do lado da
igualdade, o consenso hipotético desempenha um papel correspondente cm
um discurso ideal. Sobre os resultados de discursos ideais so possíveis,
fundamentalmente, só especulaOes. Em alguns casos elementares pode,
porém, ser dito, com seguranga suficiente, o que é necessário ou impossível
discursivamente. A igualdade dos direitos do homem faz parte desses casos
elementares. Direitos do homem ou fundamentais desiguais no se deixam
justificar cm um discurso ideal, porque nele, devido á liberdade, igualdade
e racionalidade da argumentagáo lá dominantes, argumentos para urna dis-
tribui0o desigual dos direitos do homem náo tém existéncia."
Com o direito á liberdade e o á igualdade está fundamentado o núcleo
dos direitos fundamentais. Todos os outros direitos fundamentais so ou
casos especiais de ambos esses direitos ou meios necessários para a produ-
gáo e asseguramento de urna medida suficiente de liberdade e igualdade
fática. O último vale, por exemplo, para o direito a um mínimo existencia1.61
O uso de liberdade é autonomia. É de importancia fundamental para a
teoria do estado constitucional democrática, que os direitos fundamentais
assegurem tanto a autonomia privada como a pública. Isso ocorre por um
espectro amplo de direitos, que se estende da liberdade de opiniáo, sobre a
liberdade de reuniáo e de imprensa até o direito de eleigáo geral, livre, igual
e secreta. Desse modo, nasce urna uniáo necessária entre direitos fundamen-
tais e democracia.62
59
R. Alexy (nota 16), S. 153.
60
Pormenorizadamente para isso R. Alexy (nota 16), S. 155 ff.
61
R. Alexy (nota 16), S. 154; o mesmo (nota 57), S. 458 ff.
62
0 fato que direitos fundamentais deixam justificar-se teórico-discursivamente significa que urna
reuniáo dadora da constitui0o, na questáo, se a constitui0o deve garantir direitos fundamentais ou
náo, náo é livre. Urna constituiQáo cumpre, somente entáo, a pretensáo de corregáo e é, somente entáo,
legítima, guando ela garante os direitos como direitos fundamentais, que sáo exigidos pela teoria do
discurso. ySe se parte de um conceito decisionista [ver supra, nota 14] de soberania popular, segundo o
qual o po o é soberano se ele pode decidir o que sempre ele quiser, entáo a necessidade discursiva de
direitos fundamentais significa urna limitaláo da soberania popular de fora. Se se emprega, pelo con-
trário, um conceito deliberativo ou discursivo da soberania popular, segundo o qual um po y o é soberano
se ele forma sua vontade em discursos livres, entáo os direitos fundatnentais estáo, em todo o caso, sob
pressupostos ideais, contidos necessariamente em sua vontade. Um processo ideal de daQáo de consti-
tuirjáo os direitos fundamentais nAo podem limitar, porque eles estáo contidos em sua definillio. De
outra forma parece a materia, todavia, cm um processo real de dnáo de constitu4o. Discursos reais
podem malograr o correto e, com isso, também os direitos fundamentais. Os direitos fundamentais
li mitam, entáo, sem dúvida, o processo real, mas essa limitaláo é algo diferente daquela que se obtém
em um conceito decisionista I ver supra, nota 141 de soberania popular. Os direitos fundamentais náo
póem sobre a soberania popular, compreendida discursivamente, nada de alheio, mas formulam aquilo
que o po y o, representado pela reuniáo dadora da consrituiyáo, queda como o seu mais próprio sob

34 Robert Alexy
b ) Democracia
Existem ideias extremamente diferentes de democracia. 0 principio
do discurso exige a democracia deliberativa. A democracia deliberativa
mais do que urn procedimento para a producao de uma compensacao de
interesses otima abaixo do limite de ditadura ou guerra civil. Nela, o piano
dos interesses e do poder é coberto por urn piano dos argumentos, no qual
todos os participantes lutam por uma solucdo politica correta. A democracia
deliberativa pressup6e, desse modo, a possibilidade de racionalidade dis-
cursiva. Se a ideia de racionalidade discursiva fosse uma imagem enganosa,
entdo a democracia deliberativa seria uma ilusão. Uma proposicdo como
aquela do tribunal constitucional alemdo: "A discussdo livre e o verdadeiro
fundament° da sociedade liberal e democratica" 63 seria, entdo, ndo mais
que expressdo de uma mera ideologia.
Que a democracia deliberativa, somente entdo, e possivel, quando
existe algo como discursos praticos racionais, é somente urn lado da mate-
ria. 0 outro, e que a ideia do discurso somente pode ser realizada pela
institucionalizacao da democracia deliberativa ate o ponto onde ela é rea-
lizavel. Quem quer correcdo, deve querer discursos; quem quer discursos,
deve querer democracia.
A formacdo das instituiceles democraticas é materia do process° demo-
cratic°. Democracia 6, sob esse aspecto, reflexiva. Algumas linhas fundamen-
tais deixam, todavia, ja se fixar somente na base da teoria do discurso. Assim
deve, para mencionar dois exemplos, nos meios eletronicos, ser assegurado
um jogo de argumentos livre suficiente, que rid° deve ser desfigurado ou
oprimido por dinheiro e poder, e o financiamento dos partidos politicos
deve ser regulado de modo que a retrovinculacdo do processo politico seja
assegurada e conservada na raid° e responsabilidade do cidadao.64

c) Jurisdicdo constitucional
Se o processo de formacdo de vontade politica da born resultado, a
maioria parlamentar ira regar exigencias da democracia deliberativa, como
as duas antes mencionadas, em forma de leis. As leis irdo, entdo, tambem
condicOes mais ideais. Se se projeta isso sobre o conceito de direito, entao se pode dizer que na
concepcao decisionista [ver supra, nota 14] da soberania popular o decretado de acordo corn a ordem
e o eficaz social sao limitados per algo completamente diferente, pela correcao quanto ao contend°,
enquanto na concepcao discursiva, o decretado de acordo coin a ordem e o eficaz social no case ideal
sempre 6, simultaneamente, o correto quanto ao contend° e no caso real, pelo menos, visa a isso ou
tenta acerta-lo, o que funda uma uniao interna entre o lado institucional e o ideal. que corresponde
aquela entre o direito e a pretensao de correcao.
63
BVerfGE 90, 1(20 f.).
Comparar R. Alexy, Grundgesetz und Diskurstheorie, in: W. Brugger (Hg.), Legitimation des Grund-
gesetzes aus Sicht von Rechtsphilosophie und Gesellschaftstheorie, Baden-Baden 1996, S. 355 ff.

Constitucionalismo discursivo 35
respeitar e concretizar os direitos fundamentais. Mas o que é, guando leis
sáo aprovadas, que violam direitos fundamentais ou destroem a democracia
deliberativa? Pode-se, entáo, ou confiar na foro de cura espontánea da
democracia ou entáo receitar o medicamento da jurisdi0o constitucional.
A favor do último fala que, em caso contrário, deficits crónicos podem
ameaor e crises levar a um final mortal, embora isso devesse ter sido
impedido. Assim, maiorias sáo propensas a isto, perseverar cm privilégios
e costumes agradáveis, também guando elas violam direitos de minorias, e
nunca pode ser excluído que foros obtenham a maioria, que querem elimi-
nar a democracia deliberativa. A jurisdiOo constitucional, todavia, no é
um remédio universal. Se no mais existe o suficiente que quer a democra-
cia, entáo ninguém pode salvá-la. Além disso, a democracia também pode
desenvolver efeitos negativos. Cada jurisdiQáo constitucional contém o pe-
rigo do paternalismo. 65 Esse, somente entáo, pode ser conjurado, se a juris-
diOo constitucional, como urna representaláo argumentativa dos cidadáos,
primeiro, está claramente mais próxima de ideais discursivos que o proces-
so político, que levou á lei anulada, e se, segundo, no processo político
posterior, a decisáo do tribunal constitucional é reconhecida pelos cidadáos
cm discussáo e reflexáo crítica corno sua própria.66

3. Argumentaffio jurídica
Nenhum dador de leis pode criar um sistema de normas que é táo
perfeito que cada caso somente cm virtude de urna simples subsurwáo da
descriláo do fato sob o tipo de urna regra pode ser solucionado. Para isso
existem vários fundamentos. De importáncia fundamental sáo a vagueza da
linguagem do direito, a possibilidade de contradiOes normativas, a falta de
normas, sobre as quais a decisáo deixa apoiar-se, e a possibilidade de, cm
casos especiais, também decidir contra o texto de urna norma. 67 Existe, sob
esse aspecto, urna abertura necessária do direito.68
No ámbito da abertura do direito positivo, náo pode, conforme a defi-
niláo, ser decidido cm virar& do direito positivo, porque se isso fosse
possível, no se se encontraria no ámbito da abertura. Positivistas como
Kelsen e Hart sáo, por conseguinte, somente consequentes, guando eles
dizem que o juiz, no ámbito de abertura, está autorizado, semelhantemente
como um dador de leis, a decidir cm virtude de critérios extrajurídicos. 69 A
65
Comparar J. Habermas (nota 25), S. 323.
66 Comparar R. Alexy. Grundrechte und Demokratie in Jürgen Habermas' prozeduralem Rechtspara-
digma, in: O. Behrends/R. Dreier (Hg.), Gerechtigkeit und Geschichte. Beitráge emes Symposions zum
65. Geburtstag von Malte DieBelhorst, Gdttigen,1996, S. 85 f.
67
Comparar R. Alexy (nota 15). S. 17 f.
68 Comparar H. L. A. Hart, The Concept of Law, 2nd ed., Oxford 1994, S. 128.
69
H. Kelsen (nota 2), S. 350; H. L. A. Hart (nota 68), S. 126. 135. 204 f.

36 Robert Alexy
pretensao de correcao leva, pelo contrario, a uma interpretacao nao positi-
vista. Esta deixa desenvolver-se de dois modos: (1) pelo argumento de
principio e (2) pela tese do caso especial.

a) Argument° de principio
A base do argumento de principio forma a distincao entre regras e
principios. Regras sao normas que ordenam, proibem ou permitem algo
definitivamente ou autorizam a algo definitivamente. Elas contem urn dever
definitivo. Quando os seus pressupostos estao cumpridos, produz-se a con-
sequencia juridica. Se nao se quer aceitar esta, deve ou declarar-se a regra
como invalida e, corn isso, despedi-la do ordenamento juridic°, ou, entao,
inserir-se uma excecao na regra e, nesse sentido. criar uma nova regra. A
forma de aplicacao de regras 6 a subsuncao. Principios contem, pelo con-
trario, urn dever idea1. 7 ° Eles sao mandamentos a serem otimizados. Como
tais, eles nao contem um dever definitivo, mas somente urn dever-prima-
-facie. Eles exigem que algo seja realizado em medida tao alta quanto pos-
sive' relativamente as possibilidades faticas e juridicas. 7 ' Pode expressar-se
isso abreviadamente, embora urn pouco inexatamente, 72 pelo fato de se
designar principios como "mandamentos de otimizacao". 73 Como manda-
mentos ideais, principios exigem mais do que é possivel realmente. Eles
colidem corn outros principios. A forma de aplicacao para eles tipica 6, por
isso, a ponderacao. Somente a ponderacao leva do dever-prima-facie ideal
ao dever real e definitivo.
7()
R. Alexy (nota 16), S. 203 f.
71
R. Alexy (nota 57). S. 75.
72
A inexatidao resulta da mistura de dois pianos: de urn piano do objeto e de um metaplano. No piano
do objeto, encontram-se os principios como mandamentos ideals e, por conseguinte, a serem otimiza-
dos. Como tais des sao, diferentes que regras, que sempre somente ou podem ser cumpridas ou nao
cumpridas, cumpriveis em graus diferentes (R. Alexy (nota 16), S. 202 f.). Principios, como manda-
mentos ideals, sao os objetos de ponderaceles. Os mandamentos de otimizacao sao, pelo contrario,
estabelecidos em urn metaplano, no qual 6 dito o que deve ser feito corn aquilo que se encontra no piano
do objeto. Mandamentos de otimizacao exigem que seus objetos, os mandamentos a serem otimizados,
sejam realizados tao amplamente quanto possivel. Eles mesmos, porem, nao devem, outra vez, ser
otimizados, mas sempre ou cumpridos ou nao cumpridos. Mandamentos de otimizacao como tais tem,
por conseguinte, come foi observado, repetida e acertadamente. a estrutura de regras (A. Aarnio, Taking
Rules Seriously, in: Archl y far Rechts- und Sozialphilosophie. Beiheft 42 (1990), S. 187; J. Sieckmann,
Regelmodelle und Prinzipienmodelle des Rechtssystems, Baden-Baden 1990, S. 63 ff.). Contudo, o
assunto de mandamentos de otimizacao permanece cheio de sentido. Esse conceito expressa, de modo
particularmente simples. do que se trata, no micleo. em principios. Alem disso, existe uma relacao
necessaria entre o dever ideal. portanto, o verdadeiro principio, e o mandamento de otimizacao como
regra: o dever ideal implica o mandamento de otimizacao e as avessas. Trata-se de dois lados de uma
inateria. A questa° levantada por Peczenik, se o mandamento de otimizacao esta estabelecido dentro
ou fora do significado do principio, que ele necessariamente acompanha (A. Peczenik, On Law and
Reason. Dordrecht/Boston/London, 1989, S. 77 f.), deve, por conseguinte. ser respondida no sentido
de que ele 6 compreendido pelo significado de um principle, porque sua eliminacao, simultaneamente,
iria tomar do principio correspondente o seu carater de principle.
73
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 37
O ponto de partida do argumento de princípios é que a pretensáo de
corregáo, entáo, guando urna ponderagáo é possível, pede urna ponderagáo.
Os objetos de ponderagáo unicamente possíveis, porém, so princípios.
Como a pretensáo de corregáo necessariamente faz parte do direito, também
a ponderagáo, exigida por ela, faz parte necessariamente do direito. Mas se
as ponderagóes fazem parte necessariamente do direito, entáo também os
objetos de ponderagáo. A pretensáo de corregáo leva, portanto, a isto, que
os princípios, que formam os fundamentos para as regras antigas, como
também para as novas a serem criadas, devem ser incluídos no conceito de
direito. Desse modo, os fundamentos ideais convertem-se para aquilo que
é definitivamente devido cm componente do direito.
Entre os fundamentos ideais para aquilo que é definitivamente devido
juridicamente, porém, contam sempre, também. princípios morais. Se se
une isso, novamente, com a pretensáo de corregáo, entáo resultam duas
consequéncias. A pretensáo de corregáo exige, primeiro, que os princípios
morais, que devem ser considerados no direito, sejam corretos. A corregáo
jurídica abarca, assim, elementos de corrqáo moral. É a corregáo substan-
cial de princípios morais que a torna considerável juridicamente, e nada
mais. Isso concerne ao conteúdo dos princípios morais incorporados ao
direito pela pretensáo de corregáo. A segunda consequéncia concerne á
aplicaqáo dos princípios morais, portanto, á sua ponderagáo contra outros
princípios morais e contra princípios jurídicos específicos, por exemplo,
contra tais que tém como objeto a seguranga jurídica, o procedimento e a
efetividade do direito. A participagáo de princípios morais cm urna ponde-
ragáo significa que também argumentos morais desempenham um papel na
fundamentagáo da decisáo de ponderagáo. Se a pretensáo de corregáo deve
ser cumprida, entáo isso deve ser urna argumentagáo moral racional. Isso
leva de volta á ideia do discurso.
Poderia objetar-se contra o último, que a teoria dos princípios leva a
urna ideia completamente diferente, que substitui aquela do discurso: á
ideia da coeréncia. 74 Isso é, cm parte, correto, cm parte, falso. Correto é que
a teoria dos princípios implica a ideia da coeréncia. A ponderagáo é urna
das operagóes mais importantes para a produgáo e asseguramento da coe-
réncia e, com isso, da unidade do sistema jurídico. Também, mal pode ser
sobreestimado o significado da coeréncia para a corregáo do direito. 75 Falso
seria, contudo, considerar a coeréncia como o critério supremo ou único
para a corregáo de urna interpretagáo do direito, para o que, cm alguns
autores, certas tendéncias devem ser observadas. 76 A ideia de coeréncia no
74
Nota do tradutor: ver sobre isso, infra, 7.
75
Comparar R. Alexy/A. Peczenik, The Concept of Coherence and Its Significance for Discursive
Rationality, in: Ratio Juris 3 (1990), S. 130 ff.
76
0 exemplo historicamente mais significativo oferece a teoria de Friedrich Carl von Savigny do "todo
orgánico" e da 'conexo interna ou do parentesco, pelo que os conceitos de direito e regras jurídicas

38 Robert Alexy
pode substituir a ideia do discurso, mas somente cotnplementar e intensifi-
car. Seu dominio exclusivo iria terminar em urn holism° juridic°, segundo
o qual, todas as premissas ja estao contidas ou escondidas no sistema juri-
dic° e, ainda, somente precisann ser descobertas. Contra isso fala que nor-
mas, se agora regras ou principios, nao mesmas formam urn sistema e urn
sistema de normas nao mesmo pode produzir e assegurar sua coerencia.
Para isso, sao necessarios pessoas e procedimentos. Nesse ponto, entra em
jogo a tese do caso especial.

b) Tese do caso especial


A tese do caso especial diz que o discurso juridic° e urn caso especial
do discurso pratico geral." Na argumentacao juridica, trata-se, como na
argumentacao pratica geral, em Ultimo lugar, sempre disto, o que é ordena-
do, proibido e permitido, portanto, de questOes praticas. Tanto no discurso
pratico geral como no juridic° é promovida uma pretensao de correcao. A
part icularidade consiste nisto, que a pretensao de correcao no discurso ju-
ridic°, de outra forma como no discurso pratico geral, nao se refere a isto,
o que absolutamente é correto, mas a isto, o que, no quadro de urn determi-
nado sistema juridic°, é correto. 0 que em urn sistema juridic° é correto,
depende, essencialmente, daquilo que foi determinado fundado em autori-
dade ou institucionalmente e cabe no sistema. Se se quer formular isso em
uma formula concisa, entao se pode dizer que a argumentacao juridica esta
vinculada a lei e ao precedente e deve observar o sistema de direito apro-
fundado pela dogrnatica juridica. 78 Se lei. precedente ou dogrnatica deter-
minam, inequivocamente, a decisao e se, sob o aspecto da correcao quanto
ao conterido, nao existem objecoes serias, o caso é decidido somente pelo
fundado em autoridade e institucional. Mas, se lei, precedente e dogmatica
nao determinam a resposta a uma questa° juridica, 79 o que define casos
dificeis, sao necessarias valoracOes adicionais, que nao se deixam despren-
individuais sao unidos para uma grande unidade" (F. C. v. Savigny. System des heutigen Romischen
Rechts, Bd. 1, Berlin 1840, S. XXXVI f.). De tempo mais recente deve ser mencionada, sobretudo, a
teoria da integridade de Ronald Dworkin que, sob aspectos metodologicos, 6 identica com a ideia de
coerencia: lei como integridade requer um juiz para testar sua interpretacao de qualquer parte da
grande rede de estruturas politicas e decisOes de sua comunidade perguntando se poderia fazer parte
de uma teoria coerente que justifique a rede como um todo" (R. Dworkin, Law's Empire, Cambridge,
Mass./London 1986, S. 245).
77
R. Alexy (nota 15), S. 263 ff.
78
Essas vinculacOes sac) expressas pelas regras e formas especificas do discurso juridico. Comparar
R. Alexy (nota 15), S. 273 ff., 364 ff.
79
0 caso, que existem object-1es serias contra a solucao coercitivamente exigida pelo fundado ern
autoridade, de modo que aparece o problema de uma decisao contra o texto da lei ou do desvio dos
precedentes, aqui nao deve ser tratado. Comparar para isso R. Alexy/R.Dreier, Statutory Interpretation
in the Federal Republik of Germany, in: N. MacCormick/R. S. Summers (eds.), Interpreting Statutes,
Aldershot et al. 1991, S. 95 ff.

Constitucionalismo discursivo 39
der somente do material fundado cm autoridade dado. Se a pretensáo de
corregáo deve ser satisfeita, essas premissas adicionais devem ser funda-
mentadas. Mas isso é, se o fundado em autoridade ou institucional sozinho
no dá resposta, possível somente no caminho da argumentagáo prática
geral. Em seu quadro, reflexñes de conformidade com a finalidade e ideias
daquilo que é bom para a comunidade tém, sem dúvida, o seu lugar legítimo.
Isso, porém, nada modifica nisto, que a questáo diretiva do decidir judicial
no ámbito da abertura é a questáo sobre a compensagáo correta e a distri-
buigáo correta. Questóes sobre a distribuigáo correta e a compensagáo cor-
reta so questóes de justiga. Questóes de justiga, porém, sáo questóes
morais. Assim, a pretensáo de corregáo funda, também, no plano da aplica-
gáo do direito, urna unido necessária de direito e moral."

80
Contra a tese do caso especial foram feitas numerosas objegóes. Assim, Jürgen Habermas fez valer
que o discurso jurídico náo deveria ser entendido como caso especial do discurso moral, porque no
direito, ao lado de fundamentos morais, também éticos e pragmáticos desempenham um papel legítimo
(Habermas (nota 25), S. 282 f.). Como "morais-, Habermas designa argumentos que visam a isto, o
que para todas as pessoas igualmente é bom. Para Habermas, isso é a questáo sobre a justiga (o mesmo
(nota 25), S. 191 f., 343 f.). De discursos político-éticos deve, pelo contrário, tratar-se, guando questóes
da "autoconsciéncia coletiva" figuram na ordem do dia, o que abarca a discussáo de tradigóes e formas
de vida comuns (o mesmo (nota 25), S. 139), assim como objetivos e bens coletivos (o mesmo (nota
25), S. 191). 0 uso pragmático da razáo prática deve, finalmente, ser exigido, guando se trata da
"compensagáo de interesses" (ibid.), que deve ser produzida pela "negociagáo de compromissos". cm
que devem ser consideradas "condigóes de negociagáo corretas" (o mesmo (nota 25). S. 139). Se se
toma por base essa distingáo, entáo Habermas tem com sua tese, que o discurso jurídico náo é um caso
especial do discurso moral, sem dúvida, razáo, porque o discurso jurídico está aberto náo só para
fundamentos morais, mas também para éticos e morais (o mesmo (nota 25), S. 345). Isso, contudo, náo
acerta a tese do caso especial. Sob um "discurso prático geral" deve ser entendido um discurso prático,
no qual questóes e fundamentos morais, éticos e pragmáticos estáo unidos um com os outros. A forma-
gáo de um tal conceito do discurso prático é cheia de sentido e necessária, porque entre os trés tipos
de fundamentos existe nao só uma relagáo de complemento, mas também urna tal da penetragáo. Se se
pressupi5e esse conceito do discurso prático geral, entáo é exata a tese do caso especial (R. Alexy (nota
16), S. 172 ff.). Klaus Günther objetou que a tese do caso especial ignora que no discurso jurídico náo
se trata de um discurso de fundamentagáo, mas de um discurso de aplicagáo (K. Günther, Critica]
Remarks on Robert Alexy' s "Special-Case Thesis", in: Ratio Juris 6(1993), S. 143 ff.). A ele deve ser
objetado que a jurisprudencia deve, na aplicagáo do direito, desenvolver um sistema de regras de
precedentes, se ela quer satisfazer os postulados da igualdade e da seguranga jurídica. Mas essas regras
sáo suscetíveis e carentes de fundamentagáo (R. Alexy, (nota 16). S. 52 ff.). Dos críticos da tese do
caso especial devem aqui, ademais, ser mencionados A. Kaufmann, Grundprobleme der Rechtsphilo-
sophie, München 1994, S. 79 e U. Neumann (nota 12, S. 86 ff.). Uma defesa pormenorizada da tese do
caso especial encontra-se cm I. Dwars, Application Discourse and the Special Case-Thesis, in: Ratio
Juris 5 (1992), S. 67 ff. (Em itálico e entre aspas, a cada vez, no original, nota 61.)

40 Robert Alexy
Direitos fundamentals no estado
constitucional democratic°
Para a relacao entre direitos do homem, direitos fundamentals,
democracia e jurisdicao constitucional*

Sumario: I. Os tres problemas dos direitos do homem; 1. Os problemas episternicos:


2. Os problemas substanciais; 3. Os problemas institucionais; II. 0 conceito de direito
do homem; 1. Direitos universais; 2. Direitos morals: 3. Direitos preferenciais; 4.
Direitos fundamentais; 5. Direitos abstratos: III. Direitos fundamentais, democracia
e jurisdicao constitucional; 1. Quatro extremos: 2. Tres modelos: 3. Representacao
politica e argumentativa.

Passaram-se, hoje quase no dia, rigorosamente, 50 anos desde que a


assembleia geral das nacOes unidas, em 10 de dezembro de 1948, aprovou
a declaracao dos direitos do homem universal. Nisso, nao se tratou de al-
guma das numerosas resolucoes das nacoes unidas. Norberto Bobbio desig-
nou, acertadamente, a declaracao dos direitos do homem universal como a
"ate agora major prova hist6rica para o 'consensus omnium gentium' corn
respeito a urn sistema de valores determinado".' Que se tratava de urn con-
senso sobre valores fundamentais de significado eminente estava claro aos
48 estados, naquele tempo, representados na assembleia geral. 0 preambulo
exprime isso impressionantemente pelo fato de designar os direitos do ho-
mem "como o ideal comum a ser obtido por todos os povos e nacoes". Corn
isso, estao duas qualidades fundamentais dos direitos do homem desde o
inicio, claramente, diante dos olhos: os direitos do homem sao urn ideal
universal.
* Palestra inaugural da comemoracao dos cem anos da faculdade de direito da UFRGS. proferida no
-
dia 9 de dezembro de 1998 no sal do nobre da faculdade de direito da UFRGS. Ela tambem se encontra
impressa em: revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 217, p. 55 et seq., jul./set. 1999; revista
da faculdade de direito da UFRGS. Porto Alegre. v. 16. p. 203 et seq., 1999. A presente versa() foi
revisada. Titulo no original: Grundrechte im demokratischen Verfassungsstaat. Zum Verhaltnis von
Menschenrechten, Grundrechten, Demokratie und Verfassungsgerichtsbarkeit.
I
Norberto Bobbio. Das Zeitalter der Menchenrechte, Berlin 1998, S. 9.

Constitucionalismo discursivo 41
I. Os trés problemas dos direitos do homem
Urna apresentagáo táo cheia de pretensóes como um ideal universal
deve, com certeza, forgosamente, levantar numerosas questóes e a literatu-
ra, ilimitada para os direitos do homem, mostra que isso, de modo nenhum,
é somente urna suposiqáo. Os problemas que estáo unidos com os direitos
do homem deixam dividir-se cm trés grupos.

I. Os problemas epistémicos
Do primeiro grupo fazem parte os problemas epistémicos. 2 Neles, tra-
ta-se da questáo, se e como os direitos do homem podem ser reconhecidos
ou fundamentados. Podem os direitos do homem, no fundo, ser reconheci-
dos objetivamente ou o consenso de 10 de dezembro de 1948 foi somente
urna concordancia contingente, condicionada pelos horrores de ambas as
guerras mundiais, de colocagóes subjetivas, o que iria significar que aquele
consenso, com a modificagáo dessas colocagóes, perderla cada significado?
Esse é o lugar da objegáo de Alasdair MacIntyres, muito citada: "nao exis-
tem tais direitos e a crenga neles é urna com crengas cm bruxas e unicór-
nios". 3 Com isso, o primeiro problema está diante dos olhos: podem, no
fundo, alguns direitos do homem ser justificados ou fundamentados racio-
nalmente? Apesar de seu caráter filosófico, esse problema tem, de todo,
significado prático. Assim que o consenso cm questóes de direitos do ho-
mem vacila, obtém a possibilidade de alegar fundamentos para elas impor-
tancia. Enquanto todos acreditam firmemente nos direitos do homem, a sua
fundamentagáo é um problema meramente teórico; ele torna-se tanto mais
prático, quanto mais forte cresce a dúvida fundamental.

2. Os problemas substanciais
Os problemas do segundo grupo nascem assim que se acordou sobre
isto. que direitos do homem devem ser reconhecidos. Aparece, entáo, a
questa°, que direitos so direitos do homem. Esse é o problema substancial
dos direitos do homem. 4 A declaragáo dos direitos do homem universal
contém, nos artigos 1 até 20, os direitos de liberdade e igualdade clássicos
como eles, no Virginia Bill of Rights, de 12 de junho de 1776, no primeiro
catálogo de direitos fundamentais amplo, sao indicados. Artigo 21 regula
o ter parte na formagáo da vontade política. Também isso está na tradigáo
liberal e democrática do Virginia Bill of Rights. Mas, entáo, inicia um novo

2
Em itálico no original.
3
Alasdair MacIntyre, After Virtue, 2. Aufl., London 1985, S. 69.
4
Em itálico no original.

42 Robert Alexy
capitulo. Artigo 22 promete "seguranca social" e "direitos econOmicos,
sociais e culturais", artigo 23 normaliza um direito ao trabalho, a "condi-
goes de trabalho convenientes e satisfatorias, assim como a protecao contra
desemprego", artigo 24 concede uma pretensao de "descanso e tempo li-
vre", artigo 25 da a cada homem uma "pretensao de urn custo de vida que
garante satide e bem-estar seu e de sua familia, inclusive nutricao, vestuario,
habitacao, a assistencia medica e as prestacOes necessarias da assistencia
social", artigo 26 determina o direito a formacao e artigo 27 coroa tudo isso
corn o direito "de participar livremente na vida cultural da comunidade, de
alegrar-se corn as artes e de ter parte no progresso cientifico e do seu bene-
ficio". Corn isso, os direitos do homem sociais — muitas vezes, tambem,
denominados direitos do homem de segunda geracao — encontraram aceita-
cao em sua totalidade na declaracao dos direitos do homem universal. Mas
eles tambem estao fundamentados em igual medida como os direitos libe-
rais da primeira geracao? Tern eles a mesma force Sobre isso domina
discussao. Muito mais discussao domina sobre a questa° se aos direitos de
primeira e segunda deve ainda uma familia de direitos de terceira geracao
ser acrescentada. Como tais sao considerados, sobretudo, direitos de esta-
dos, povos ou grupos ao fomento do desenvolvimento. 5 Finalmente, existe
a possibilidade de pot- em jogo aspectos ecolOgicos. Poderia assim, se nao
se quer embrulhar-se todo o novo sem classificar, chegar a uma quarta
geracao ou dimensao. A discussao, alem disso, nao so trata do que deve ser
incluido na lista dos direitos do homem. Ela brame, sobretudo, em volta da
questa°, como devem ser ponderadas as distintas geracOes ou dimensOes.
Um exemplo para uma tal discussao e a disputa, durante toda a guerra fria,
entre o oeste e o leste sobre isto, se o primado é devido aos direitos do
homem liberais ou sociais. As linhas de frente removeram-se hoje, mas a
estrutura logica da disputa permaneceu igual.

3. Os problemas institucionais
0 terceiro problema principal dos direitos do homem é o da sua insti-
tucionalizaccio. 6 Tambem aqui vale a pena uma leitura da declaracao dos
direitos do homem universal. Artigo 28 6, a primeira vista, uma prescricao
peculiar. Ele diz que todo homem tern uma pretensao "de uma ordem social
e internacional, na qual os direitos e liberdades, citados na presente decla-
raga°, podem ser realizados plenamente". Isso pode ser entendido como
direito a institucionalizacao. Como mera declaracao, um catalog° de direi-
5
Comparar K. J. Partsch, Das Recht auf "internationale Solidarit5t" — ein neues "Menchenrecht der
dritten Generation"?, in: Europaische Grundrechte-Zeitschrift 1980, S. 511 f.; E. Riedel, Menchenrech-
te der dritten Generation, in: Europische Grundrechte-Zeitschrift 1989, S. 12 ff.
6
Em italic° no original.

Constitucionalismo discursivo 43
tos do homem permanece sem efeito. Os direitos do homem devem ser
transformados cm direito positivo para que seu cumprimento esteja garan-
tido. O preámbulo expressa isso claramente guando ele diz que "é essencial
proteger os direitos do homem pelo domínio do direito". Existem dois pla-
nos principais da institucionalizagáo, o nacional e o internacional. Ambos
podem, dentro de si, outra vez, ser estruturados multiplamente. Assim, exis-
tem, em um sistema nacional federal, dois planos. Além disso, o plano
nacional e o internacional esto hoje estreitamente enlagados um com o
outro, o que se mostra, por exemplo, no fato que o pacto internacional sobre
direitos civis e políticos, de 19 de dezembro de 1966, foi transformado cm
direito intra-estatal por numerosos estados.
É impossível atravessar todos os trés círculos de problemas, aquí, tam-
bém, somente cm amplo pedago. Eu irei concentrar-me, por isso, no pro-
blema institucional e, nisso, limitar-me ao quadro nacional. O
-
significado da proteg áo dos direitos do homem internacional náo pode,
sem dúvida, ser sobrestimado. Sem a imposigáo dos direitos do homem
pelos estados particulares, o ideal, do qual fala o preámbulo, contudo,
jamais se pode tornar realidade. Também sob esse aspecto vale o princípio
da subsidiariedade.
A concentragáo sobre a institucionalizagáo cm estados particulares é,
certamente, no mais do que o fazer possível ou facilitagáo de um primeiro
passo. É indiferente onde se inicia nos direitos do homem, realmente se
chega a todos os problemas. Assim, a solugáo da questáo institucional está
unida estreitamente com a da substancial. Quem reconhece catálogos am-
plos com direitos de todas as geragóes será muito aplaudido cm algumas
discussóes. Para isso, ele precisa aceitar problemas na institucionalizagáo,
porque vale a proposigáo que os direitos do homem so táo mais difíceis de
impor. quanto mais eles prometem. Mesmo entre o plano epistémico e o
institucional existem conexóes muito estreitas. Quanto melhor direitos do
homem sito fundamentados, tanto mais legítima é a sua imposigáo interna-
cional por meio de coergáo. Os direitos do homem formam, assim, com
todos os seus problemas, um sistema.
Para chegar a esse sistema, do lado institucional, deve ser efetuada,
primeiro, urna determinagáo do conceito de direito do homem. Nisso, a
necessidade de sua transformagáo cm direitos fundamentais jurídico-posi-
tivamentevigentes irá resultar, de certo modo, como que espontaneamente.
Em um segundo passo, eu quero, entáo, mostrar quais problemas nascem
disso para o principio democrático. No final, eu espero poder mostrar urna
solugáo que impede urna autodestruigáo da ideia dos direitos do homem por
urna contradigo interna.

44 Robert Alexy
II. O conceito de direito do hornern
Os direitos do homem distinguem-se de outros direitos 7 pela combi-
nnáo de cinco marcas. Eles so direitos (1) universais, (2) morais, (3)
fundamentais, (4) preferenciais e (5) abstratos.

I. Direitos universais
Da universalidade já se tratava na caracterizalao dos direitos do ho-
mem como ideal universal. Agora, este conceito deve ser determinado mais
de perto. Um primeiro aspecto da universalidade é a universalidade dos
titulares e destinatarios. Aqui, somente deve ser dada urna olhada nos titu-
lares.8
A universalidade da titularidade consiste nisto, que direitos do homem
s o direitos que competem a todos os homens. A determinnao do círculo
dos titulares causa varios problemas, dos quais dois devem, aqui. interessar.
O primeiro resulta do emprego do conceito de homem. A delimitnáo mais
clara ganha-se guando se define esse conceito biologicamente. Contra isso,
é objetado que isso é um especiesismo que se aproxima do racismo. 9 Essa
obje0o ignora, contudo, que no emprego do conceito biológico do homem,
para a delimitnáo do círculo de titulares, trata-se somente do conceito de
direito do homem, nao, porém, de suafundamentaffio.'" Se os fundamentos
rnelhores falassem cm favor disto, de conceder determinados direitos, por
exemplo, o á vida, a animais em igual proporOo como aos homens, entáo
o direito á vida, como direito do homem,' ' estaria caduco e deveria ser
criado de novo, por exemplo, como -direito das criaturas", com círculo de
titulares ampliado.
O segundo problema nasce disto, que entáo, guando se direciona para
o conceito biológico do homem, somente homens como indivíduos podem
ser titulares de direitos do homem. Contra isso, poderia objetar-se que,
mesmo assim, existem bons fundamentos para isto, conferir também a gru-
pos, comunidades e estados determinados direitos, por exemplo, direitos á
existéncia, identidade ou desenvolvimento. Outra vez, deve ser acentuado
que, aqui, no se trata da fundamentagao de alguns direitos, mas somente
de urna formnao de conceito adequada. Grupos, comunidades e estados
compó'em-se, sem dúvida, de homens, mas no so homens. No que concer-
7
Para o conceito do direito (subjetivo), comparar R. Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frank-
furt a.M. 1996, S. 171 ff.
8
Para a universalidade dos destinatários, comparar R. Alexy, Die Institutionztlisierung der Menschen-
rechte im demokratischen Verfassungsstaat, in: Stefan Gesepath/Georg Lohmann (Hg.), Philosophie
der Menschenrechte, Frankfurt a.M. 1998, S. 248.
9
Comparar C. S. Nino, The Ethics of Human Rights, Oxford 1991, S. 35.
10
Em itálico no original.
II Ein itálico no original.

Constitucionalismo discursivo 45
ne ao conceito de direito do homem, assim, nao causa problemas, falar de
urn direito do homem do particular, a seguir, que seu grupo, sua comunidade
ou seu estado é protegido na existencia, na identidade ou no desenvolvi-
mento. 0 titular de tais direitos, que tern a integracao do individuo em sua
comunidade como objeto e como fundamento, permanece o homem parti-
cular. Trata-se, em tais direitos, de uma ampliacao dos direitos individuais
a existencia e desenvolvimento da personalidade na dimensao da comuni-
dade. As coisas, porem, modificam-se quando, como titular desses direitos,
apresentam-se o grupo, a comunidade ou o estado. Podem existir bons fun-
damentos para tais direitos, mas se deveria, porem, designar eles como
aquilo que eles sao, ou seja, como "direitos grupais", "comunitarios" ou
"estatais". Isso tern, sem duvida, a desvantagem que para os defensores de
tais direitos perde-se o som belo da expressao "direitos do homem". Mas,
para isso, nasce clareza. Alern disso, permanece possivel fundamentar di-
reitos de coletividades como meio para a realizacao de direitos do homem.'2
Tudo isso aguca a vista para isto, que direitos coletivos nao degenerem em
direitos de funcionario. Em Ultimo lugar, trata-se disto, corn todo "o estar
relacionado a comunidade e o estar vinculado a comunidade",' 3 perseverar
na protecao do individuo como intencao original dos direitos do homem.
Isso nao exclui ancorar direitos coletivos — como, por exemplo, tambern
a protecao de bens coletivos — na constituicao. Todos os direitos do homem
merecem, como ainda devera ser mostrado, protecao juddico-constitucio-
nal, mas nao tudo que merece protecao juridico-constitucional precisa ser
urn direito do homem. Basta que ele, para falar como Rawls, faca parte do
"constitutional essentials". 14 Corn auxclio desse conceito pode o uso infla-
cionario da expressao "direito do homem" ser reprimido, que nao faz bem
a materia dos direitos do homem.15

2. Direitos morais
A segunda qualidade essencial para os direitos do homem é que eles
sao direitos morais. 0 conceito de direito moral e ambiguo. Aqui, ele deve
ser empregado como conceito contrario ao conceito de direito jurldico-po-
sitivo. Direitos juridico-positivos nascem – como todas as normas do direito
positivo – por atos de fixacao, por exemplo, por contrato, dacao de consti-
tuicao, decisao de lei ou uma pratica judicial ou social e dependem em sua
existencia – outra vez, como todas as normas do direito positivo – disto, se
eles obtem e conservam urn minim° de eficacia ou oportunidade de eficacia
12
Em italico no original.
13
BVerfGE 4.7 (15 f.).
14 Comparar J. Rawls, Political Liberalism, New York 1993, S. 227 ff. Entre aspas no original.
15
Entre aspas no original.

46 Robert Alexy
social.' 6 Direitos morais podem, simultaneamente, ser direitos jurídico-po-
sitivos, sua validez, porém, nao pressuplie urna positivagáo. Para a validez
ou existéncia de um direito moral basta que a norma, que está na sua base,
vale moralmente. Urna norma vale moralmente guando ela, perante cada
um que aceita uma fundamentagáo racional, pode ser justificada. 17 Direitos
do homem existem, com isso, rigorosamente entáo, guando eles, no sentido
apresentado, perante cada um, podem ser justificados. Á universalidade da
estrutura dos direitos do homem, que consiste nisto, que eles sao, funda-
mentalmente, direitos de todos contra todos, acresce, com isso, urna uni-
versalidade de validez, que é definida por sua fundamentabilidade perante
cada um que aceita urna fundamentagáo racional.'8

3. Direitos preferenciais
Apesar de seu caráter moral, direitos do homem estáo cm urna relagáo
íntima com o direito. Se existe um direito moral, portanto, fundamentável
perante cada um, por exemplo, á vida, entáo também deve existir um direito,
fundamentável perante cada um, á imposigáo desse direito. Se se quer evitar
guerra civil entra, como instancia de imposigáo, somente o estado cm ques-
tao. O direito moral á vida implica, portanto, um direito moral á protegáo
por direito estatal positivo. Nesse sentido, existe um direito do homem ao
estado, mais concisamente, um direito moral ao direito positivo. A decla-
ragáo dos direitos do homem universal expressa isso, como já observado,
acertadamente, cm seu preámbulo e no artigo 28.
O direito do homem ao direito positivo náo é um direito do homem ao
direito positivo de qualquer conteúdo, mas a um direito positivo que res-
peita, protege e fomenta os direitos do homem, porque é justamente o as-
seguramento dos direitos do homem que fundamenta o direito do homem
ao direito positivo. A observáncia dos direitos do homem é urna condiga()
necessária para a legitimidade do direito positivo. Nisto, que o direito po-
sitivo deve respeitar, proteger e fomentar os direitos do homem para ser
legítimo, portanto, para satisfazer sua pretensáo de corregáo, expressa-se a
prioridade dos direitos do homem. Direitos do homem estáo, com isso, em
urna relagáo necessária para com o direito positivo, que está caracterizada
pela prioridade dos direitos do homem. Essa prioridade necessária é a ter-
ceira marca definidora dos direitos do homem.
16
Comparar para isso, R. Alexy, Begriff und Geltung des Rechts, 2. Aufl., Freiburg/München 1994,
S. 147 f.
17
Comparar para isso, R. Alexy, Diskurstheorie und Menchenrechte, in: ders., Recht, Vernunft, Dis-
kurs. Studien zur Rechtsphilosophie. Frankfurt a.M. 1995. S. 127 ff.
18
Em itálico no original.

Constitucionalismo discursivo 47
4. Direitos fundamentals
A relacao interna, definida pela prioridade necessaria, entre direitos
do homem como direitos morais e o direito positivo desempenha na questa°,
quais conteUdos direitos do homem tern, urn papel decisivo. Nos objetos
dos direitos do homem deve tratar-se de interesses e carencias para os quais
valem duas coisas distintas. Deve tratar-se, em primeiro lugar, de interesses
e carencias que, no fundo, podem e devem ser protegidos e fomentados por
direito. Assim, muitos homens tern uma carencia fundamental de amor. Nao
deveria ter poucos, aos quais é mais importante ser amado do que participar
em demonstracoes politicas. Contudo, nao existe um direito do homem ao
amor, porque amor nao se deixa coagir por direito. A segunda condicao
que o interesse ou a carencia seja tao fundamental que a necessidade de seu
respeito, sua protecao ou seu fomento deixe fundamentar-se pelo direito.19
A fundamentabilidade fundamenta, assim, a prioridade em todos os graus do
sistema juridic°, portanto, tambem perante o dador de leis. Um interesse ou
uma carencia 6, nesse sentido, fundamental quando sua violacao ou nao satis-
facao ou significa a morte ou padecimento grave ou acerta o ambito nuclear
da autonomia. Disso sao compreendidos nao so os direitos de defesa liberais
classicos, mas. por exemplo, tambem direitos sociais que visam ao assegu-
ramento de urn minim° existencial. Nao sao direitos do homem, segundo
esse criterio da fundamentabilidade, pelo contrario, por exemplo, o clireito
garantido no artigo 7, VIII, da constituicao brasileira, a um decimo terceiro
salario mensal ou a garantia, la minutada no artigo 230, paragrafo 2, do uso
livre dos meios de circulacao pUblicos urbanos para os maiores de 65 anos.

5. Direitos abstratos
A quinta marca caracteristica para direitos do homem e que neles tra-
ta-se de direitos abstratos. Isso mostra-se mais claramente na necessidade
de sua limitacao ou restricao que, por direitos de outros e pelo mandamento
da conservacao e fomento de bens coletivos como, por exemplo, da protecao
do meio ambiente, é exigida. Qual limitacao 6 admissivel pode, em Ultimo
lugar, ser determinado somente por ponderacao. A aplicacao dos direitos
do homem em casos concretos pressupOe, corn isso, ponderacoes. Sobre
ponderacOes, porem, pode discutir-se longamente. Se a discussao nao deve
durar eternamente, o que iria pôr em perigo a realizacao dos direitos do
homem, devem ser criadas instancias que estao autorizadas a decisOes de
ponderacao juridicamente vinculativas. 0 estado 6, portanto, necessario
nao sa como instancia de imposicao, mas tambern como instancia de decisao
para a realizacao dos direitos do homem. Acresce a isso, que a realizacao
de numerosos direitos do homem nao e possivel sem organizacao. Nem a
19
Em italico no original.

48 Robert Alexy
protegáo diante de atos de violéncia de outros cidadáos nem o cuidado para
o mínimo existencial podem ficar a cargo de agáo espontánea, se se deve
tratar de urna garantia. Os direitos do homem levam, portant°, por trés
fundamentos para a necessidade do estado e do direito: por causa da neces-
sidade de sua imposigáo, em caso de necessidade também por coergáo, da
necessidade de náo só discutir sobre questóes de interpretagáo e pondera-
gáo, mas também decidi-las e por causa da necessidade de organizar o cum-
primento de direitos do homem. A travessia dos direitos do homem, como
direitos morais, para o direito positivo, certamente, no significa sua des-
pedida. O contrário é exato, porque a parte nuclear dessa travessia é a trans-
formagáo dos direitos do homem cm direitos fundamentais de conteúdo
igual. Os direitos do homem náo perdem, nessa transformagáo, nada cm
validez moral, obtém, porém, adicionalmente, urna jurídico-positiva. A es-
pada torna-se cortante. Primeiro, com isso, é efetivado definitivamente o
passo do reino das ideias para o reino da história.

III. Direitos fundamentais,


democracia e jurisdilño constitucional
Poderia achar-se que com a codificagáo dos direitos do homem por
urna constituigáo, portanto, com sua transformagáo cm direitos fundamen-
tais, o problema de sua institucionalizagáo está solucionado. Isso, contudo,
no é o caso. Muitos problemas dos direitos do homem agora primeiro se
tornam visíveis cm toda sua extensáo e novos acrescem por sua vinculati-
vidade, agora existente.

1. Quatro extremos
As fontes das dificuldades, que se manifestam com a institucionaliza-
gáo, so quatro extremos que caracterizam direitos fundamentais plenamen-
te formados. O primeiro extremo é o grau de hiera rquia extremo na ordem
graduada do direito intra-estata1. 2 ° Isso resulta do mero fato que direitos
fundamentais so direitos com hierarquia constitucional. O grau de hierar-
quia extremo seria de pouco interesse se no acrescesse o segundo, a foroa
de imposiffio extrema. 21 Dela dispóem direitos fundamentais guando eles,
primeiro, vinculam todos os trés poderes, portant°, também o dador de leis,
e guando essa vinculagáo é controlada judicialmente, portanto, é justiciável.
Se se excetuasse o dador de leis dessa vinculagáo ou se se qualificasse
alguns direitos fundamentais de no justiciáveis, entáo desapareceriam,
sem dúvida, muitos problemas. O prego para isso seria, contudo, alto. Ele
Em itálico no original.
21
Em itálico no original.

Constitucionalismo discursivo 49
consistiria em uma rentincia a uma institucionalizacao plena ou autentica.
Uma tal rentincia, porem, seria uma infracao contra direitos do homem.
ConstituicOes modernas Tao aos direitos fundamentais em geral, por
isso, a forca de imposicao extrema e quando elas nao o fazem, elas ou
deveriam ser interpretadas nesse sentido ou, se isso nao é possfvel, modi-
ficadas.
Tambem a uniao entre grau de hierarquia extrema e forca de imposicao
extrema iriam significar pouco se os direitos fundamentais regulassem
questOes especiais insignificantes. Rigorosamente o contrario 6, porem, o
caso. Corn a garantia da propriedade, da liberdade de profissao e da liber-
dade contratual, a decisao cai para uma economia de mercado. A garantia
da liberdade de opiniao, da de imprensa e da de radiodifusao e de televisao
fixa os pilares de fundamento de urn sistema de comunicacao social. Outros
direitos fundamentals precisam somente ser mencionados para reconhecer
seu significado fundamental, assim, a garantia do matrimonio e familia e a
do direito de heranca, a liberdade de religiao e a protecao da vida e integri-
dade corporal.
Convertem-se em urn problema real os tres extremos tratados ate ago-
ra, o gran de hierarquia extremo, a forca de imposicao extrema e os objetos
extremamente importantes, primeiro, pelo enlace corn urn quarto problema,
a medida maxima de necessidade de interpretacao. Na maioria das consti-
tuic.Oes isso ja resulta da formulacao concisa e lapidar de seu catalog° de
direitos fundamentals. Mas tambem la, onde uma formulacao mais rigorosa
dos direitos fundamentais é tentada, nao muito diferente as coisas situam-
-se. Assim, os direitos de liberdade e igualdade classicos sao regulados no
artigo 5 da constituicao brasileira em 74 ntimeros e os direitos sociais no
artigo 7 em 34 mimeros, assim como em muitas outras prescricOes do tftulo
oitavo sobre a ordem social. Os problemas de interpretacao jurfdico-funda-
mentais, que se apresentam em toda a parte, sao, por meio dessa regulacao
relativamente pormenorizada, contidos em amplo pedaco, mas nao elimi-
nados; em alguns casos, nascem ate novos. Assim, o artigo 5, IV, declara a
manifestacao das ideias como livre. Isso quer dizer que todas as manifes-
tacoes de opiniao sao permitidas, tambem tais que violam a honra de outros
e tais com contetido racista? Isso iria ajustar-se mat ao artigo 5, X, que
protege a honra, e ao artigo 5, XLII, que poe sob pena praticas racistas. Em
contrapartida, nao pode cada manifestacao de opiniao, que de alguma ma-
neira molesta um concidaddo ou membro de uma determinada raga, ser
proibida se a liberdade de manifestacao de opinido nao deve atrofiar. Isso
mostra que uma fixacao de barreira corn auxilio de uma ponderacao é ne-
cessaria. A ponderacao como parte de um exame de proporcionalidade,
porem, e o problema nuclear da dogmatica dos direitos fundamentals e o
fundamento principal para a abertura dos catalogos de direitos fundamen-
50 Robert Alexy
tais. Em alguns casos, esse problema salta aos olhos abertamente, por exem-
plo, guando o artigo 5, XXII, garante a propriedade e entáo, de imediato,
no inciso XXIII é acrescentado que a propriedade deve servir á sua fungáo
social. Em outros casos, a necessidade de um exame de proporcionalidade
primeiro cm olhar circunstanciado fica clara, por exemplo, guando o artigo
5, XI, admite o entrar na habitagáo de dia em virtude de ordenagáo judicial.
Isso no quer dizer que tribunais, por qualquer fundamento, devem admitir
um adentrar na habitagáo. O adentrar deve ser proporcional. Análogo vale
para os direitos fundamentais de igualdade. Quando o artigo 5, caput, de-
termina a fórmula clássica, que todos os homens diante da lei so iguais,
para o Brasil, entáo isso no significa que no pode ser diferenciado. Essa
prescrigáo náo prescreve, por exemplo, que pobres e ricos devam pagar
i mpostos no mesmo montante. Isso mostra que diferenciagóes sáo permiti-
das se para elas existem fundamentos razoáveis. Discussáo particular do-
mina cm vários estados sobre a fórmula que se encontra no artigo 5, I, que
homens e mulheres tém os mesmos direitos. Isso exclui discriminagáo con-
trária em favor de mulheres, ela a admite ou ela é até exigida? Problemas
correspondentes existem cm muitos direitos fundamentais sociais. Tome-se
somente o direito á saúde, regulado no artigo 196. Ele deve ser garantido
por medidas de política social e económica. Sem ponderagáo náo pode ser
comprovado o conteúdo rigoroso desse direito.
Interpretado deve ser cm muitas áreas. A forga explosiva da interpre-
tagáo constitucional resulta dos trés extremos primeiro mencionados, do
grau de hierarquia extremo, da forga de imposigáo extrema e do conteúdo
extremamente importante. Quem consegue, o tribunal, que decide, ao fim
e ao cabo, sobre a constitucionalidade e com isso — independente de sua
designagáo — cumpre a tarefa de um tribunal constitucional, convencer de
sua concepgáo sobre a interpretagáo dos direitos fundamentais obteve o que,
no processo político ordinário, é no obtenível: ele transformou sua con-
cepgáo sobre coisas sociais e políticas, extremamente importantes, pratica-
mente, cm componentes da constituigáo e, com isso, tomou da ordem do
dia política. Urna maioria parlamentar simples, entáo, nada mais pode con-
seguir. Somente o próprio tribunal constitucional ou a maioria qualificada,
cada vez exigida para modificagóes da constituigáo, podem, entáo, ainda
modificar a situagáo. Tudo isso explica porque em todos os estados, dotados
com catálogo de direitos fundamentais e jurisdigáo constitucional, sobre a
interpretagáo dos direitos fundamentais, náo só é refletido com calma, mas
também litigado na arena política. Pode falar-se de urna luta pela interpre-
tagáo dos direitos fundamentais. Juiz arbitral nessa luta, porém, náo é o
po y o, mas o tribunal constitucional respectivo. Isso é compatível com o
princípio democrático, cujo núcleo, no artigo 1, parágrafo único, da cons-

Constitucionalismo discursivo 51
tituicao brasileira, assim como no artigo 20, alinea 2, proposicao 1, 22 da lei
fundamental, e expresso corn a formulacao classica: "Todo o poder estatal
provem do povo"? 23 Os direitos do homem parecem converter-se em um
problema para a democracia quando eles sao levados a seri° e_de urn mero
ideal transformados, por institucionalizacao, em algo real. E exata essa
impressao? E o ideal, do qual se trata no preambulo da declaracao dos
direitos do homem universal, uma quimera que leva ao arrebentamento uma
contradicao entre direitos fundamentais e democracia?

2. Tres modelos
Para responder a essa questa°, devem ser distinguidos tres modos de
ver da relacao entre direitos fundamentais e democracia: urn ingenuo, um
idealista e urn realista. Segundo o modo de ver ingenuo, entre direitos fun-
damentais e democracia ja por isso nao pode existir conflito, porque tanto
direitos fundamentais como democracia sac) algo bom. 24 Como devem co-
lidir duas coisas boas? A concepcao ingenua acha, por conseguinte, que
ambos pode ter-se ilimitadamente. Essa perspectiva de mundo é muito bo-
nita para ser verdadeira. Seu pont° de partida, que somente existem contli-
tos entre o born e o mau, nao, porem, no interior do born, e falso. Quem
quer impugnar que prosperidade e pleno emprego, que se baseiam sobre
crescimento economic°, em si sao algo born e quem quer negar que seja
certo que a protecao e a conservacao do meio ambiente é algo born? Con-
tudo, existe entre esses bens, de fundamentos bem conhecidos, no nosso
mundo caracterizado por finitude e escassez, urn conflito. 0 modo de ver
ideulista concede isso. 25 Sua reconciliacao entre direitos fundamentais e
democracia, por conseguinte — dito exageradamente tern lugar, tambern
de modo algum, primeiro, neste mundo, mas no ideal de uma sociedade
politicamente perfeita. Nela, o povo e seus representantes politicos, de
modo algum, estao interessados nisto, de violar os direitos fundamentais de
algum cidadao por decisoes de maioria parlamentares, portanto, leis, ao
contrario. A salvaguarda dos direitos fundamentais e urn motivo politico
eficaz para todos. 0 catalog° de direitos fundamentais tern, nesse modelo
rousseauniano, somente ainda um significado simbolico. Ele formula so-
mente ainda aquilo que todos, alias, acreditam e querem. Como ideal, que
pode ser oposto a realidade politica e ao qual se deveria aproximar, esse
model° tern, sem mais, seu valor. Mesmo assim, pode saber-se que esse
22
Nota do tradutor: artigo 20, alinea 2, da lei fundamental: todo o poder estatal provem do povo. Ele
6 exercido pelo povo nas eleicdes e nas votacbes e por meio de &gabs especiais do legislativo, do poder
executivo e da jurisdicao.
23
Entre aspas no original.
24
Em italic° no original.
25
Em italico no original.

52 Robert Alexy
ideal é no obtenível. Por conseguinte, para aquele que quer institucionali-
zar os direitos do homem no mundo como ele é, somente o modo de ver
realista é correto. 26 Segundo ele, a relagáo entre direitos fundamentais e
democracia é caracterizada por duas vises cm sentido contrário e, com
isso, na realidade, por urna contradigo. A primeira diz: (1) Direitos funda-
mentais so democráticos; a segunda: (2) Direitos fundamentais so no
democráticos.
Direitos fundamentais so democráticos porque eles, com a garantia
dos direitos de liberdade e de igualdade, asseguram o desenvolvimento e
existéncia de pessoas que. no fundo, so capazes de manter o processo
democrático com vida e porque eles, com a garantia daliberdade de opiniáo,
i mprensa, radiodifusáo, reuniáo e associagáo, assim como com o direito
eleitoral e as outras liberdades políticas asseguram as condigóes funcionais
do processo democrático. No democráticos so os direitos fundamentais,
pelo contrário, porque eles desconfiam do processo democrático. Com a
vinculagáo, também do dador de leis, eles subtraem da maioria parlamen-
tarmente legitimada poderes de decisáo. Em muitos estados, este jogo deve
ser observado: a oposigáo perde primeiro no processo democrático e obtém,
entáo, diante do tribunal constitucional. Também a constituigáo brasileira
conhece essa possibilidade ao ela, no artigo 103. VII, conceder aos partidos
políticos, representados no congresso, o direito a urna demanda por causa
de anticonstitucionalidade diante do tribunal constitucional.
Esse caráter duplo dos direitos fundamentais deve ser antipático a
defensores de urna doutrina pura. Esses espreitam em ambos os lados do
problema. Existem tanto partidários de um processo democrático ilimitado
quanto ao conteúdo (em geral, eles so idealistas rousseaunianos, escondi-
dos ou abertos) corno céticos sobre democracia, para os quais existe urna
ordem dada das coisas que, pelo processo democrático, somente é posta cm
desordem e, por conseguinte, ainda, de longe mais fortemente, por direitos
fundamentais e outros princípios constitucionais, deveria ser protegida do
que isso hoje, cm geral, ocorre. Nem um nem outro pode aqui ser seguido.
A questáo deve, ao contrário, dizer se a contradigo pode ser dissolvida pelo
fato de ser encontrado um caminho entre essas posigóes extremas.

3. Representacáo política e argumentativa


A chave para a solugáo é a distingo entre a representagáo política e
a argumentativa do cidadáo. A proposigáo fundamental: "Todo o poder
estatal provém do po y o" exige conceber no só o parlamento como, ainda,
o tribunal constitucional como representagáo do po y o. A representagáo
ocorre, certamente, de modo diferente. O parlamento representa o cidadáo
26
Em itálico no original.

Constitucionalismo discursivo 53
politicamente, o tribunal constitucional, argumentativamente. Corn isso,
de‘e ser dito que a representacao do povo pelo tribunal constitucional tern
urn carater mais idealistic° do que aquela pelo parlamento. 0 cotidiano da
exploracao parlamentar contem o perigo que maiorias imponham-se des-
consideradamente, emocoes determinem o ocorrer, dinheiro e relacOes de
poder dominem e simplesmente sejam cometidos erros graves. Urn tribunal
constitucional que se dirige contra tal nao se dirige contra o povo, mas, em
nome do povo, contra seus representantes politicos. Ele nao so faz valer
negativamente que o processo politico, segundo criterios juridico-humanos
e juridico-fundamentais, fracassou, mas requer tambem positivamente que
os cidadaos iriam aprovar os argumentos do tribunal se eles aceitassem urn
discurso juridico-constitucional racional. 27 A representacao argumentativa
da born resultado quando o tribunal constitucional é aceito como instancia
de reflexao do processo politico. Isso é o caso, quando os argumentos do
tribunal encontram uma repercussao no public() e nas instituicOes politicas,
que levam a reflexOes e discussOes, que resultam em convencimentos revi-
sados. Se um processo de reflexao entre public°, dador de leis e tribunal
constitucional estabiliza-se duradouramente, pode ser falado de uma insti-
tucionalizacao, que deu born resultado, dos direitos do homem no estado
constitucional democratic°. Direitos fundamentais e democracia estao, en-
tao, reconciliados. Corn isso, esta fixado, como resultado, que o ideal, do
qual fala a declaracao dos direitos do homem universal, pode ser realizado
e nao precisa fracassar ern uma contradicao interna entre direitos funda-
mentais e democracia.

27
Em italico no original.

54 Robert Alexy
—3-

Colisáo de direitos fundamentais e


realizagáo de direitos fundamentais
no estado de direito social*

Sumário: I. 0 fenómeno da colisáo de direitos fundamentais; 1. Colisóes de direitos


fundamentais em sentido restrito; a) Colisóes de direitos fundamentais de direitos
fundamentais idénticos; b) Colisóes de direitos fundamentais de direitos fundamen-
tais distintos; 2. Colisóes de direitos fundamentais em sentido amplo: II. A solucáo
do problema da colisáo; 1. A forca vinculativa dos direitos fundamentais; 2. Regras
e principios; a) A distincáo; b) As opcóes da teoria das regras; c) O caminho da teoria
dos principios: d) Vinculacáo e flexibilidade.

Os direitos fundamentais sao, por um lado, elementos essenciais do


ordenamento jurídico nacional respectivo. Por outro, porém, eles remetem
além do sistema nacional. Nesse exceder do nacional deixam distinguir-se
dois aspectos: um substancial e um sistemático. Os direitos fundamentais
rompem, por razóes substanciais, o quadro nacional, porque eles, se querem
poder satisfazer as exigéncias a serem postas a eles, devem abarcar os di-
reitos do homem. Os direitos do homem tém, porém, independentemente
de sua positivagáo, validez universal.' Eles póem. por conseguinte, exigén-
cias a cada ordenamento jurídico. Urna contribuigáo importante para a sua
imposigáo mundial prestou e presta a declaragáo dos direitos do hornera
universal, de 10 de dezembro de 1948. Os direitos do homem tornaram-se
vinculativos jurídico-positivamente no plano internacional pelo pacto in-
ternacional sobre direitos civis e políticos, de 19 de dezembro de 1966. Urna
pega paralela a ele é o pacto internacional sobre direitos económicos, so-
ciais e culturais, do mesmo dia, que, certamente, está dotado com t'orla de
* Palestra proferida na sede da escola superior da magistratura federal (ESMAFE) no dia 7 de dezembro
de 1998. Ela também se encontra impressa em: revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, v. 217,
p. 67 et seg., jul./set. 1999; revista da faculdade de direito da UFRGS, Porto Alegre, v. 17, p. 267 et
seg., 1999. A presente versáo foi revisada. Título no original: Grundrechtskollision und Grundrechts-
verwirklichung im sozialen Rechtsstaat.
1
Comparar R. Alexy, Diskurstheorie und Menschenrechte, in: ders., Recht, Vernunft, Diskurs, Frank-
furt a.M. 1995.S. 144f.

Constitucionalismo discursivo 55
i mposicao muito menor. Ao lado deles e de outros pactos postos mundial-
mente colocam-se convencOes regionais. Tudo isso cria comunidades subs-
tanciais.
As substanciais acrescem as comunidades sistematicas. Em toda a par-
te, onde direitos fundamentals existem, colocam-se os mesmos ou seme-
lhantes problemas. Apenas para mencionar alguns: que diferencas
estruturais existem entre direitos de defesa liberais, direitos a protecao,
direitos fundamentais sociais e direitos de cooperacao politica? Quem é o
destinatario, quem o titular de direitos fundamentais? Sob quais pressupos-
tos formals e materiais direitos fundamentais podem ser limitados? Corn
que intensidade pode urn tribunal constitucional controlar o dador de leis
sem que sejam violados o principio democratic° e o principio da divisao de
poderes? A comunidade de semelhantes questOes sobre a estrutura de direi-
tos fundamentais e jurisdicao constitucional abre, diante do fundo das co-
munidades substanciais, a possibilidade de uma ciencia dos direitos
fundamentais transcendente aos ordenamentos juridicos particulares, a qual
muito mais que uma mera comparacao de direito. 2 E a ciencia dos direitos
fundamentais ampla. 3 0 objetivo da ciencia dos direitos fundamentais am-
pla nao 6, de modo nenhum, a nivelacao das ordenacOes dos direitos funda-
mentals particulares. Ao contrario, as diferencas lhe dao sugestoes e tarefas.
Sua aspiracao vale, ao contrario, ao revelar das estruturas dogmaticas e ao
destacamento dos principios e valores que estao situados atrás das codifi-
cacoes e da jurisprudencia. 0 confuso e pouco claro pode, assim, conver-
ter-se em uma multiplicidade sistematicamente penetrada e, corn isso,
entendida no melhor sentido, que desse modo, simultaneamente, compreen-
de-se como unidade.

I. 0 fenomeno da colisao de direitos fundamentais


A maioria das constituicOes contern hoje catalogo de direitos funda-
mentais escritos. A primeira tarefa da ciencia dos direitos fundamentais,
como uma disciplina juridica, 6 a interpretacao desses catalogos. Nisso,
valem as regras usuais da interpretacao juridica. Essas, na interpretacao dos
direitos fundamentais, contudo, batem rapidamente em limites. Urn funda-
ment° essencial para isso 6 a colisao de direitos fundamentals.
0 conceito de colisao de direitos fundamentais pode ser formulado
estreita ou amplamente. Se ele é formulado estreitamente, entao sac, exclu-
sivamente colisoes, nas quais somente direitos fundamentais tomam parte,
colisOes de direitos fundamentais. Pode falar-se, aqui, de colisbes de direi-
2
Comparar P. Haberle, Verfassungsentwicklung in Osteuropa — aus der Sicht der Rechtsphilosophie
und der Verfassungslehre, in: AOR 117 (1992), S. 170 ff.
3
Em italic° no original.

56 Robert Alexy
tos fundamentais cm sentido restrito. Em urna formulagáo ampla sao, pelo
contrário, também colisóes de direitos fundamentais com algumas normas
ou princípios, que tém como objeto bens coletivos, colisóes de direitos
fundamentais. Isso é o conceito de colisáo de direitos fundamentais em
sentido amplo. Ambos os tipos de colisáo so temas centrais da dogmática
dos direitos fundamentais. Sua análise leva a quase todos os problemas dessa
disciplina. Porém, antes de iniciar essa análise, deve, primeiro, o fenómeno
a ser analisado ser tomado cm consideragáo circunstanciadamente.
No existe catálogo de direitos fundamentais sem colisáo de direitos
fundamentais e também um tal no pode existir. Isso vale tanto para colisóes
de direitos fundamentais cm sentido restrito como para tais cm sentido amplo.

I. Colisóes de direitos fundamentais em sentido restrito


Colisóes de direitos fundamentais cm sentido restrito nascem, sempre
entáo, guando o exercício ou a realizagáo do direito fundamental de um
titular de direitos fundamentais tem repercussóes negativas sobre direitos
fundamentais de outros titulares de direitos fundamentais. Nos direitos fun-
damentais colidentes pode tratar-se ou dos mesmos ou de distintos direitos
fu n damentais.

a) Colisóes de direitos fundamentais de


direitos fundamentais idénticos
Deixam distinguir-se quatro tipos de colisóes de direitos fundamentais
idénticos. No primeiro tipo está, cm ambos os lados, afetado o mesmo
direito fundamental como direito de defesa libera1. 4 Urna tal colisáo existe,
por exemplo, entáo, guando dois grupos políticos hostis, por um motivo
atual, querem demonstrar, ao mesmo tempo, no centro de urna cidade e
existe o perigo de choques. No segundo tipo trata-se do mesmo direito
fundamental, urna vez como direito de defesa liberal de um e, outra, como
direito de protegáo do outro. 5 Um tal caso existe, por exemplo, guando é
atirado cm um tomador do refém para salvar a vida de seu refém. Nisso,
deve, todavia, ser acentuado que com a colisáo entre o direito á vida, de um
lado, do tomador do refém, e, de outro, do refém. somente é compreendida
urna parte do problema total. É frequentemente possível salvar a vida do
refém pelo fato de, simplesmente, ceder ás exigéncias do tomador do refém.
Entra, entáo, como terceiro elemento da colisáo total, um "dever de prote-
gáo perante a totalidade dos cidadáos- 6 cm jogo, que pede do estado no
4
Em itálico no original.
5
Em itálico no original.
6
BVerfGE 46, 160 (165).

Constitucionalismo discursivo 57
fazer nada que possa dar atrativos a outras tomadas de refens. 0 objeto
i mediato desse dever de protecao e urn bem coletivo: a seguranca
Isso torna claro que muitas colisoes sao complexas. Justamente para corn-
preender adequadamente colisoes complexas, porem, é necessario identifi-
car claramente os elementos fundamentais dos quais elas sao compostas. 0
terceiro tipo de colisao de direitos fundamentais iguais resulta disto, que
muitos direitos fundamentais tern urn lado negativo e urn positivo. 7 Isso
especialmente claro na liberdade de crenca. Ela abrange tanto o direito de
ter e de praticar uma crenca, como o direito de nao ter uma crenca e de ficar
livre da pratica de uma crenca. Quais problemas podem resultar disso, mos-
tra a resolucao-crucifixo, uma das decisoes mais debatidas do tribunal cons-
titucional federal alemao, 8 corn toda a clareza. Nessa decisao trata-se da
questa°, se o estado pode ordenar que nas salas de aula de escolas ptiblicas
deve ser colocada uma cruz. Aqui col ide a liberdade de crenca negativa dos
nao cristaos que, assim o tribunal constitucional federal, "durante a licao,
em virtude do estado e sem possibilidades de evitacao, sao confrontados
corn esse simbolo e sao coagidos a aprender 'sob a cruz'", 9 corn a liberdade
de crenca positiva dos cristaos, "de atuar sua convicao de crenca no quadro
das instituicoes estatais".'° 0 tribunal soluciona essa "relacao de tensao
entre liberdade religiosa negativa e positiva'" ao ele interditar a colocacao
de cruzes ou crucifixos em espacos escolares publicos, em que. para a fun-
damentacao, outros pontos de vista sao citados, especialmente aquele da
neutralidade de concepcao de mundo religiosa. 12 A quarta variante de co-
lisOes dos mesmos direitos fundamentais de titulares distintos resulta quan-
do se acrescenta ao lado juridic° de urn direito fundamental, urn fatico.13
Como exemplo, seja considerada a jurisprudencia do tribunal constitucional
federal alemao sobre auxilio de custas processuais. Se se parte da igualdade
juridica, entao pobres e ricos sao tratados igualmente quando nenhum deles
recebe apoio estatal para o financiamento de custas judiciais e custas de
adn ogado. Sob o ponto de vista da igualdade Mica, porem, isso é um tra-
tamento desigual, porque do pobre, corn isso, as oportunidades de impor
seu direito sao tomadas ou estreitadasi 4 Se se fomenta, porem, o pobre,
entao se trata o rico juridicamente de outra forma como o pobre, portanto,
desigualmente, porque: "Fomentar grupos particulares sign i fica ja" tratar
7
Em italic° no original.
8
Comparar, para isso, Winfried Brugger/Stefan Huster (Hg.), Der Streit urn das Kreuz in der Schule,
Baden-Baden 1998.
9
BVerfGE 93, 1(18).
I
° BVerfGE 93,1 (24).
11
BVerfGE 93, 1(22).
12
Ebd.
13
Em italic° no original.
14
liVerfGE 56, 139 (144).

58 Robert Alexy
outros desigualmente." 15 Se se estende o princípio da igualdade tanto á
igualdade jurídica como á fática, entáo se encontra irrecusavelmente esse
paradoxo da igualdade. O paradoxo da igualdade é urna colisáo que se apre-
senta tanto mais fortemente quanto mais é realizado em estado social. No
é, por conseguinte, nenhum acaso que o tribunal constitucional federal ale-
máo enlaga a ideia da igualdade fática com o princípio do estado socia1.16

b) Colisóes de direitos fundamentais de


direitos fundamentais distintos
Sob as colisóes entre direitos fundamentais distintos de titulares de
direitos fundamentais distintos, ocupa a colisáo da liberdade de manifesta-
gáo de opiniáo com direitos fundamentais do afetado negativamente pela
manifestagáo de opiniáo urna posigáo particular. É essa a problemática que,
em 1958, deu lugar ao tribunal constitucional federal com sua sentenga-
-Lüth, 17 no fundo, urna das sentengas mais significativas da jurisdigáo cons-
titucional alemá, pré-determinar o desenvolvimento pretendido para a sua
jurisprudéncia do ordenamento de valores, que leva a duas consequéncias,
para os direitos fundamentais, fundamentais: primeiro, á irradiagáo dos
direitos fundamentais sobre o sistema jurídico todo e, segundo, á ubiquida-
de da ponderaqáo. Urna consequéncia posterior dessa sentenga é a resolu-
gáo-soldados-sáo-assassinos, na qual a condenagáo de pacifistas, que
designaram soldados como assassinos, por causa de ofensa, foi classificada
como anticonstitucional. Aqui colide a liberdade de manifestagáo de opi-
nido (artigo 5, alínea 1, proposigáo 1, 18 da lei fundamental) dos pacifistas
com o direito de personalidade geral (artigo 2, alínea 1, 19 em uniáo com o
artigo 1, alínea 1, 20 da lei fundamental) dos soldados, que abarca a protegáo
da honra. 21 O debate cerrado, que essa sentenga causou, mostra que matéria
explosiva colisóes de direitos fundamentais podem conter.
Na resolugáo-soldados-so-assassinos trata-se de urna colisáo de di-
reitos de liberdade distintos de titulares de direitos fundamentais distintos.
15
BVerfGE 12, 354 (367).
16
BVerfGE 12, 354 (367); 56. 139 (143).
17
BVerfGE 7, 198.
18
Nota do tradutor: artigo 5. alínea 1. da lei fundamental: cada um tem o direito de manifestar e de
propagar livremente a sua opiniáo em palavra, escrita ou imagem e de informar-se, sem entraves, nas
fontes gerais acessíveis. A liberdade de imprensa e a liberdade de reportagem por meio de radiodifusáo
e filme seráo garantidas. Urna censura náo tem lugar.
19
Nota do tradutor: artigo 2, alínea 1, da lei fundamental: cada um temo direito ao livre desenvolvi-
mento de sua personalidade, á medida que ele náo viola os direitos de outros e nlio infringe a ordem
constitucional ou a lei moral.
20
Nota do tradutor: artigo 1, alínea 1. da lei fundamental: a dignidade da pessoa é intangível. Consi-
derá-la e protegé-la é obrigagáo de todo o poder estatal.
21
BVerfGE 93. 266 (290).

Constitucionalismo discursivo 59
Colisfies de direitos fundamentais distintos de titulares de direitos funda-
mentals distintos existem nao so no ambito dos direitos de liberdade. Elas
sao possiveis entre direitos fundamentais de qualquer tipo. Particularmente
i mportante é aquela entre direitos de liberdade e igualdade. Se se relaciona
a proibicao de discriminacao corn o ordenamento juridico todo, portanto,
tambem corn o direito privado, entao colisoes entre a autonomia privada do
empregador e o direito ao tratamento igual do empregado sao inevitaveis.

2. Colisoes de direitos landamentais em sentido amplo


Ate agora se tratou de colisoes de direitos fundamentais em sentido
restrito, portanto. de colisoes entre direitos fundamentais iguais e distintos
de titulares de direitos fundamentais distintos. Nao menos significativas
sao as colisoes de direitos fundamentais em sentido amplo, portanto, as
colisoes de direitos fundamentais corn bens coletivos. Um exemplo para
isso oferece a resolucao de abolicao de saibro que afeta a agua subterranea
do tribunal constitucional federal alemao. Nela trata-se da questao se, em
qual proporcao e como o dador de leis pode proibir ao proprietario aprovei-
tamentos de seu terreno que prejudicam a agua subterranea. 22 A qualidade
da agua 6 urn bem coletivo classic°. 0 olhar, que se torna sempre mais
rigoroso, para problemas ecologicos, alga sempre mais tais colisoes de bens
coletivos ecologicos corn o direito fundamental a propriedade a luz.
Bens coletivos nao sao, certamente, so adversarios de direitos indivi-
duais. Eles tambem podem ser pressuposto ou meio de seu cumprimento ou
fomento. 23 Assim, o dever legal da indastria de tabacos de colocar adver-
tencias sobre prejuizos a satide em seus produtos é uma intervened() na
liberdade de exercicio profissional dos produtores de tabaco, portanto, em
urn direito fundamental. A justificacao direta dessa intervencao reside na
"protecao da populacao diante de riscos a satide", 24 portanto, em urn bem
coletivo. Mediatamente, trata-se, nisso, de algo que tambem por direitos
individuais é protegido, ou seja, da vida e da saude do particular. 0 mais
claro é o carater ambivalente no bem coletivo classic° da seguranca interna
ou püblica. 0 dever do estado de proteger os direitos de seus cidadaos
obriga-o a produzir uma medida tao alta quanto possivel deste bem. Isso,
porem, nao é possfvel sem intervir na liberdade daqueles que prejudicam
ou ameacam a seguranca pablica.
A seguranca interna 6 urn bem coletivo central do estado de direito
liberal. A protecao do meio ambiente define sua Ultima variante: o estado
22
BVerfGE 58, 300 (318 ff.).
23
Comparar. para isso, R. Alexy, Individuelle Rechte und kollektive Gilter, in: Recht, Vernunft,
Diskurs. Frankfurt a.M. 1995, S. 243 ff.
24
BVerfGE 95, 173 (185).

60 Robert Alexy
de direito ecológico. Visto historicamente, no meio disso está situado o
estado de direito social. O cumprimento dos postulados do estado de direito
social causa poucos problemas guando um equilibrio económico cuida dis-
to, que todos os cidadáos mesmos ou por sua familia estejam dotados sufi-
cientemente. Quanto menos isso é o caso, tanto mais os direitos
fundamentais sociais pedem redistribuigáo. Disso existem duas formas fun-
damentais. A primeira existe guando o estado, por impostos ou outros tri-
butos, proporciona-se o dinheiro que é necessário para cuidar do mínimo
existencial dos carecidos. O dever de pagar impostos, porém, intervém em
direitos fundamentais. Duvidoso é somente quais so eles: o direito de pro-
priedade ou a liberdade de atuagáo gera1. 25 Como o estado nunca cobra
i mpostos somente para a finalidade do cumprimento de postulados estatal-
-sociais, no é oportuno citar imediatamente os direitos fundamentais sociais
para a justificagáo dessa intervengo. Ao contrário. a cobranga de impostos
serve imediatamente só á produgáo da capacidade de atuar financeira do
estado. A capacidade de atuar financeira do estado é, bem genericamente,
um pressuposto de sua capacidade de atuar. O estado social pede que ela
seja consideravelmente ampliada.
A segunda forma da redistribuigáo estatal-social no sucede por tesou-
ros públicos, que antes por impostos ou outros tributos foram enchidos, mas
diretamente de um para outro cidadáo. Assim, trata-se de urna redistribui-
gáo direta de um cidadáo para outro cidadáo guando o dador de leis, para a
protegáo do inquilino, promulga prescrigóes que dificultam a rescisáo ou
li mitam as possibilidades da elevagáo do alugue1. 26 O artigo 7 da constitui-
gáo brasileira, de 5 de outubro de 1988, faz uso fortemente de urna tal
redistribuigáo direta ao, por exemplo, o inciso I prescrever urna protegáo
de rescisáo, o inciso IV um salário mínimo, o inciso XIII um horário de
trabalho máximo e o inciso XVII férias anuais pagas. O problema de tais
direitos fundamentais sociais á custa de terceiros, ou seja, do empregador,
é que, em último lugar, o mercado decide sobre isto, se eles so efetivos.
Para aquele que no encontra emprego, esses direitos andam no vazio. Aqui,
deve interessar somente que nesses direitos trata-se de uma situagáo de
colisáo complexa. Do lado do empregador, o assunto ainda é simples. Sua
liberdade empresarial é limitada. Defronte disso no está imediatamente
um direito do lado do empregado, mas somente um direito a isto, que ele
entáo, guando ele encontra um empregador que o emprega, receba um sa-
lário mínimo. Isso é um direito social condicionado. Imediatamente pelo
artigo 7 somente é criado um bem coletivo, ou seja, um estado da economia,
no qual — se essa prescrigáo for observada — existem somente postos de
25
BVerfGE 93, 121 (137 f.).
26 Comparar BVerfGE 68, 361 (367); 89, 1(5 ff.).

Constitucionalismo discursivo 61
trabalho corn salario minim°, em que a questa° sobre sua distribuicao ainda
fica completamente aberta.

H. A solucao do problema da colisao


0 olhar sobre o fenomeno da colisao de direitos fundamentais trouxe
a luz conjunturas extremamente diferentes que, porem, tern algo em co-
mum: todas as colisiies podem somente entao ser solucionadas se ou de urn
lado ou de ambos, de alguma maneira, limitacoes sao efetuadas ou sacrifi-
cios sao feitos. A questa° é como isso deve ocorrer. Na resposta a esta
questa° devem ser tomadas decisOes fundamentais sobre a estrutura funda-
mental da dogmatica dos direitos fundamentais.

1. A forca vinculativa dos direitos fundamentais


A questa° mais importante para cada catalog° de direitos fundamen-
tais e se nos direitos fundamentais trata-se de normas juridicamente vincu-
lativas ou nao. 0 conceit° da vinculacao juridica é determinado
diferentemente na doutrina do direito geral. Em urn sistema juridic°, que
conhece a divisao de poderes e, corn isso, o poder judicial como terceiro
poder, tudo fala em favor disto, de designar como "juridicamente vincula-
ti vas" somente aquelas normas de direitos fundamentais cuja violacao, seja
em que procedimento for, por urn tribunal pode ser comprovada, que, por-
27
tanto, sao justiciaveis. E ideal, quando essa comprovacao, em Ultima ins-
tancia, é deixada a cargo de um tribunal constitucional, porem, tambem
possivel que ela caia somente na competencia dos tribunais especializados.
Normas de direitos fundamentais, cuja violacao nao pode ser comprovada
por nenhum tribunal, tern, pelo contrArio, um carater nao justiciavel e sao,
sob esse aspecto, vinculativas nao juridicamente, mas, no maxim°, moral
ou politicamente. Elas sao meras proposicoes programaticas ou, se se quer
formular polemicamente, mera lirica constitucional.
0 problema da colisao iria, como problema juridic°, desaparecer de
i mediato completamente se se declara todas as normas de direitos funda-
mentais como nao vinculati vas. As colisoes seriam, entao, problemas poli-
ticos ou morais e nao cairiam, como tais, na competencia dos tribunais. Na
Alemanha, essa solucao é excluida pelo artigo 1, alinea 3, 28 da lei funda-
mental, que vincula todos os tres poderes aos direitos fundamentais como
direito imediatamente vigente. Tambem no Brasil o caminho de uma decla-
raga° de nao vinculatividade de todos os direitos fundamentais nao deveria
27
italico no original.
Em
28
Nota do tradutor: artigo I, alfnea 3, da lei fundamental: os direitos fundamentais que seguem vin-
culam dayao de leis, poder executivo e jurisdicao como direito imediatamente vigente.

62 Robert Alexy
ser transitável, porque o artigo 5, parágrafo 1, declara, pelo menos, as pres-
crigóes de direitos fundamentais desse artigo como imediatamente aplicá-
veis. 29 Mas também independente de tais ordenagóes de vinculagáo
jurídico-positivas a justiciabilidade dos direitos fundamentais deve ser exi-
gida. Direitos fundamentais so essencialmente direitos do homem trans-
formados em direito positivo." Direitos do homem insistem cm sua
institucionalizagáo. Assim, existe no somente um direito do homem á vida,
mas também um direito do homem a isto, que exista um estado que impóe tais
direitos. 31 A institucionalizagáo abarca, necessariamente, justicializagáo.
Poderia achar-se agora que a justiciabilidade no precisa ser completa
ou ampla. Assim, por exemplo, a cláusula de vinculagáo do artigo 5, pará-
grafo 1, da constitui0o brasileira, está nos direitos de defesa clássicos e
no nos direitos fundamentais sociais. Tal poderia ser entendido como con-
vite a isto, declarar os direitos fundamentais sociais como no justiciáveis.
A náo justiciabilidade, nisso, poderia estender-se a todos os direitos funda-
mentais sociais ou a alguns da respectiva constituigáo. O problema da co-
lisáo, com isso, sem dúvida, no estaria completamente solucionado,
porque existem, como mostrado, numerosas colisóes entre direitos funda-
mentais de tradigáo liberal, mas ele seria suavizado consideravelmente.
Colisóes estatal-sociais permaneceriam, conforme o objeto, sem dúvida,
mais além, possíveis se maioria parlamentar por si, portanto, sem estar
obrigado a isso pela constituigáo, torna-se ativa no campo da redistribu 4o
estatal-social. O social, porém, teria perante o liberal pouca forga, porque
ele náo se poderia apoiar cm princípios de direito. Além disso, colisóes
estatal-sociais no teriam lugar completamente se o dador de leis renun-
ciasse totalmente a atividades sociais. Onde no existe dever jurídico nada
pode colidir juridicamente. Análogo vale para o lado ecológico da consti-
tuigáo.
A todas as tentativas de suavizar o problema da colisáo pela elimina-
gáo da justiciabilidade deve opor-se com énfase. Elas so nada mais que a
solugáo de problemas jurídico-constitucionais pela aboligáo de direito
constitucional. Se algumas normas da constituigáo no so levadas a sério,
é dificil fundamentar por que outras normas também entáo devem ser leva-
das a sério se isso urna vez causa dificuldades. Ameaga a dissolugáo da
constituigáo. A primeira decisáo fundamental para os direitos fundamentais
é, por conseguinte, aquela para a sua forga vinculativa jurídica ampla em
forma de justiciabilidade.
29
Em itálico-no original.
30
R. Alexy, Grundrechte, in: Enzyklopádie Philosophie, hg. v. Hans Jürg Sandkühler, Hamburg 1999,
S. 526.
31
Ders., Die Institutionalizierung der Menchenrechte im demokratischen Verfassungsstaat, in: Stefan
Gosepath/Georg Lohmamm (Hg.), Philosophie der Menschenrechte, Frankfurt a.M. 1998, S. 254 ff.

Constitucionalismo discursivo 63
2. Regras e princiPios
A segunda decisao fundamental 6 se direitos fundamentais tern o
rater de regras ou o de principios. Na primeira decisdo fundamental trata-
va-se disto, se direitos fundamentais sao direitos; objeto da segunda é o que
eles sao como direito. Nao so a solucao do problema da colisao, mas tarn-
bem as respostas a quase todas as questoes da dogmatica dos direitos fun-
damentais geral dependem desta decisdo fundamental. Isso esclarece a
intensidade e a amplitude do litigio. Aqui, devem bastar algumas observa-
cOes a tese que a teoria dos principios dos direitos fundamentais oferece a
melhor solucao do problema da colisao.

a) A distincao
Segundo a definicao padrao da teoria dos principios, 32 principios sac)
normas que ordenam que algo seja realizado em uma medida tao alta quanto
possivel relativamente a possibilidades faticas ou juridicas. Principios sao,
33
por conseguinte, mandamentos de otimizaceio. Como tais, eles podem ser
preenchidos em graus diferentes. A medida ordenada do cumprimento de-
pende nao so das possibilidades faticas, mas tambem das juridicas. Estas
s5o, alem de regras, determinadas essencialmente por principios em sentido
contrario. As colisoes de direitos fundamentais supra descritas devem, se-
gundo a teoria dos principios, ser designadas como colisOes de principios.
0 procedimento para a solucao de colisOes de principios 6 a ponderacao.
Principios e ponderacoes sao dois lados do mesmo objeto. Urn 6 do tipo
teorico-normativo, o outro, metodologico. Quem efetua ponderacOes no
direito pressupOe que as normas, entre as quais é ponderado, tern a estrutura
de principios e quern classifica normas como principios deve chegar a pon-
deracOes. 0 litigio sobre a teoria dos principios 6, corn isso, essencialmente,
urn litigio sobre a ponderacao.
Completamente de outra forma sao as coisas nas reuas. Regras sao
normas que, sempre, so ou podem ser cumpridas ou nao cumpridas. Se uma
regra vale, 6 ordenado fazer rigorosamente aquilo que ela pede, nao mais e
nao menos. Regras contem, corn isso, fixacoes no espaco do Mica e juridi- 34
camente possivel. Elas sao, por conseguinte, mandamentos definitivos. A
forma de aplicacao de regras nao 6 a ponderacao, mas a subsuncao.
A teoria dos principios nao diz que catalogos de direitos fundamentais,
no fundo. nao contem regras, portanto, no fundo, fixacoes. Ela acentua nao
32
R. Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frankfurt a.M. 1996, S. 75 f.
33
Uma refinacao, que responde a criticos, dessa definicao corn auxilio do conceito do mandamento a
ser otimizado encontra-se em R. Alexy, Zur Struktur der Rechtsprinzipien, in: B. Schilcher/P. Kol-
ler/B.-C. Funk (Hg.), Regel. Prinzipien und Elemente im System des Rechts. Wien 2000, S. 38 f. Em
italic° no original.
34
Em italic° no original.

64 Robert Alexy
só que catálogos de direitos fundamentais, á medida que efetuam fixagóes
definitivas, tém urna estrutura de regras, mas realga também que o plano
das regras precede prima facie o plano dos princípios. 35 Seu ponto decisivo
é que atrás e ao lado das regras esto princípios. O contrário de tuna teoria
dos princípios é, por conseguinte, no urna teoria que aceita que catálogos
de direitos fundamentais também contém regras, mas urna teoria que afirma
que catálogos de direitos fundamentais compóem-se somente de regras.36
Exclusivamente tais teorias devem aqui ser designadas como "teoria das
regras".37

b) As opgóes da teoria das regras


Á teoria das regras dos direitos fundamentais esto abertos trés cami-
nhos para a solugáo de colisáo de direitos fundamentais: primeiro, a decla-
ragáo, pelo menos, de urna das normas colidentes como inválida ou
juridicamente náo vinculativa, segundo, a declaragáo, pelo menos, de tuna
das normas como no aplicável ou correspondente e, terceiro, o encaixe,
livre de ponderagáo, de uma excegáo cm uma de ambas as normas.
O primeiro caminho já foi declarado como no transitável, urna vez
que, nas normas de direitos fundamentais, trata-se de normas com hierar-
quia constitucional e constituigóes devem ser levadas a sério. 38 Poderia, no
máximo, pensar-se nisto, de renunciar a conteúdos jurídico-fundamentais
que foram obtidos por interpretagáo. Assim, poderia eliminar-se, por exem-
plo, a colisáo, no caso do direito dos pobres mencionado, pelo fato de se
eliminar por interpretagáo cada elemento da igualdade fática do princípio
da igualdade. Contra isso falam, contudo, fundamentos fortes. De resto, o
problema da colisáo no estaria solucionado com isso, porque existem co-
lisóes suficientes que no podem ser eliminadas desse modo.
O segundo caminho é seguido guando se reconhece a norma de direito
fundamental, também aquela obtida por interpretagáo, como tal, porém,
entáo, intepreta-a estreitamente. 39 Assim, poderla no caso-soldados-sao-as-
sassinos pensar-se nisto. de negar á afirmagáo, que soldados so assassinos,
o caráter de urna manifestagáo de opiniáo. A manifestagáo dos pacifistas
entáo no mais cairia no ámbito de protegáo da liberdade de manifestagáo
de opiniáo. A colisáo desapareceria. Porém, corno se deveria fundamentar
que a manifestagáo duvidosa no é urna manifestagáo de opiniáo? O texto
e o sentido e finalidade da liberdade de manifestagáo de opiniáo falam cm
35
R. Alexy, Thcorie der Grundrechte (nota 32), S. 121 f.
36
Em itálico no original.
37
Entre aspas no original.
38
Em itálico no original.
39
Em itálico no original.

Constitucionalismo discursivo 65
favor de uma classificacao como manifestacao de opinido. 0 pacifista efe-
tua uma tomada de posicao valorativa para corn a profissao de soldado e
todos — sobretudo os soldados — sentem isso assim. Poderia dizer-se, quando
muito, que uma manifestacao de opiniao protegida juridico-fundamental-
mente nao existe, porque a manifestacao é uma ofensa. Porem, corn isso, a
colisao entra, outra vez, em jogo. A protecao da honra é citada como fun-
damento a isto, que nao seja concedida nenhuma protecao juridico-funda-
mental definitiva. Isso, porem, deveria ser construido sobre uma
ponderacao aberta e nao por uma formul acao estreita do ambito de protecao.
Isso vale para todas as tentativas de iludir colisOes por construcOes de am-
bitos de protecao estreitas.40
A terceira opcao da teoria das regras dos direitos fundamentais con-
siste no encaixe, livre de ponderacao, de uma excecao no direito fundamen-
tal. 4 ' Tome-se, por exemplo, o caso, supra mencionado, das advertencias
sobre prejuizos a sarlde nas embalagens de produtos de tabaco. Poderia ser
dito que a melhor solucao consiste nisto, de dotar a liberdade do exercicio
da profissao corn uma excecao, o que, aproximadamente, deixa formular-se
como segue: cada urn tern o direito de determinar livremente o modo de seu
exercicio da profissao, a nao ser que se trate de advertencias sobre prejulzos
saude nas embalagens de produtos de tabaco. Isso é uma ideia, algo bi-
zarra, de uma excecao, porque se se classifica tal como excecao, cada direito
fundamental é cercado de urn enxame quase infinito de exceciies. A isso
ajusta-se mal o conceito de excecao. Disso, aqui, porem, nao se deve tratar.
A questa° 6, ao contrario, se a "excecao", agora mesmo mencionada, pode
ser fundamentada livre de ponderacao. 42 0 texto da parte da formulacao do
direito fundamental, que concede ao cidaddo a liberdade do exercicio da
profissao, para isso nada dd. Isso vale tanto para o artigo 12, alinea 1,
proposicao 2, 43 da lei fundamental, como para o artigo 5, inciso XIII, da
constituicao brasileira. Poderia, porem, achar-se que o caso deixa subsu-
mir-se livre de ponderacao sob a clausula de barreira. Seja considerado,
aqui, somente o artigo 12, allnea I, proposicao 2, da lei fundamental. La
diz que o exercicio da profissao pode "ser regulado por lei ou corn base em
uma lei". 44 Se se subsume sob esta formulacao, entao se pode, de fato,
rapidamente e sem qualquer problema, cornprovar livre de ponderacao que
o clever de colocacao de advertencias em produtos de tabaco é uma regula-
40 Comparar, para isso, R. Alexy, Theorie der Grundrechte (nota 32), S. 278 ff.
41
Em italic° o
42
Entre aspas no original.
43
Nota do tradutor: artigo 12, alinea I, da lei fundamental: todos os alemdes t8m o direito de escolher
livremente profissao, posto de trabalho e centros de formacao. 0 exercicio da profissdo pode ser
regulado por lei ou corn base em uma lei.
" Entre aspas no original.

66 Robert Alexy
gáo com base em urna lei. 45 Com isso o problema da colisáo está solucio-
nado? A teoria das regras venceu?
Precisa olhar-se somente sobre as consequéncias de um tal proceder
para reconhecer que isso no é o caso. Doces, cucas e tortas sao, segundo
convicgáo propagada, menos sadios para os dentes que pdo. Suponha-se que
um partido de fanáticos de saúde obtém a maioria no parlamento. Ele proíbe
aos padeiros e a todos os outros a produgáo de doces, cucas e tortas. Poste-
riormente, também é proibido o páo de trigo e somente ainda admitido páo
de centeio. Isso é, sem dúvida, urna intervengo na liberdade do exercício
da profissáo dos padeiros. É, porém, também, sem dúvida, urna intervengo
que resulta "por lei". Se isso devesse bastar para a justificagáo da interven-
go, o direito fundamental perderia, perante o dador de leis. qualquer forga.
O direito fundamental, sob esse aspecto, andana no vazio. O dever do páo
de centeio seria de acordo com a constituigáo.

c) O caminho da teoria dos princípios


É o grande mérito da teoria dos princípios que ela pode impedir um
tal andar no vazio dos direitos fundamentais sem conduzir ao entorpecimen-
to. Segundo ela, a questáo, se urna intervengo cm direitos fundamentais é
justificada, deve ser respondida por urna ponderagáo. O mandamento da
ponderagáo corresponde ao terceiro princípio parcial do princípio da pro-
porcionalidade do direito constitucional alemáo. O primeiro é o princípio
da idoneidade do meio empregado para a obtengo do resultado com ele
aspirado, o segundo, o da necessidade desse meio. Um meio no é necessá-
rio se existe um meio atenuado, menos interveniente.
É um dos argumentos mais fortes, tanto para a foNa teórica como para
a prática, da teoria dos princípios que todos os trés princípios parciais do
princípio da proporcionalidade resultam logicamente da estrutura de prin-
cípios das normas dos direitos fundamentais e essas, outra vez, do princípio
da proporcionalidade." Isso, contudo, aqui no pode ser perseguido. Deve
somente ser dada urna olhada no terceiro princípio parcial, o princípio da
proporcionalidade cm sentido restrito ou da proporcionalidade, porque ele
é o meio para a solugáo das colisóes de direitos fundamentais.
O princípio da proporcionalidade cm sentido restrito deixa formular-
-se como urna lei de ponderagáo, cuja forma mais simples relacionada a
direitos fundamentais 47 diz:
45
Comparar BVerfGE 95, 173 (174).
46
R. Alexy, Theorie der Grundrechte (nota 32), S. 100 ff.
47
Para urna formulagáo geral relacionada a princípios, comparar R. Alexy, Theorie der Grundrechte
(nota 32), S. 146.

Constitucionalismo discursivo 67
Quanto mais intensiva e uma intervencao em urn direito fundamen-
tal, tanto mais graves devem pesar os fundamentos que a justificam.
Segundo a lei da ponderacao, a ponderacao deve realizar-se em tres
graus. No primeiro grau deve ser determinada a intensidade da intervencao.
No segundo grau trata-se, entao, da importancia dos fundamentos que jus-
tificam a intervencao. Somente no terceiro grau realiza-se, entao, a ponde-
raga° no sentido restrito e verdadeiro.
Muitos acham que a ponderacao nao e urn procedimento racional. A
possibilidade do exame de tres graus mostra que o ceticismo da ponderacao
e nao autorizado. Seja, para isso, outra vez, dada uma olhada no caso-tabaco
e no caso-padeiro. No caso-tabaco, a intervencao na liberdade de profissao
tern somente uma intensidade muito reduzida. A inch:Istria de tabacos pode,
ademais, tambem por propaganda, ser ativa. Ao fumante e, como o tribunal
acertadamente diz, tornado "consciente somente um fundamento de consi-
deracao que, segundo o estado de conhecimento medico atual, deveria ser
universalmente consciente"." Os fundamentos que justificam a interven-
cao, a repressao dos danos sanitarios provocados pelo fumo que, muitas
vezes, tern como consequencia a morte, pelo contrail°, pesam gravemente.
A ponderacao leva, portanto, quase coercitivamente a solucao da colisao:
a intervencao na liberdade da profissao e de acordo corn a constituicao. No
caso-padeiro, as coisas estao situadas ao contrario. A proibicao de produzir
doces, cucas e tortas intervem muito intensivamente na liberdade de pro-
fissao do padeiro. Isso ainda e intensificado quando acresce a proibicao do
p5o de trigo. A sairde e, como mostra o caso-tabaco, sem thivida, um bem
de alta hierarquia, mas deve ser diferenciado. Aqui, trata-se, sobretudo, de
en ferm idades dos dentes pelo consumo de comidas doces e macias. I mpedir
isso nao e insignificante, contudo, no maxim°, de peso mediano. Corn isso,
tambem no caso-padeiro o resultado esta fixado: a regulacao que esta em
questa° seria anticonstitucional. Pois bem, ambos os casos sao muito sim-
ples. Existem numerosas colisoes, cuja solucao nao 6 tao simples, mas causa
grandes dificuldades. Tais casos existem, por exemplo, entao, quando tanto
a intervencao e muito intensiva como os fundamentos que a justificam pe-
sam muito gravemente. 0 supra mencionado caso-tomada de refem e desse
tipo. Tornam-se entao necessarios outros argumentos e e bem possivel que nao
se pode acordar sobre a solucao. Isso, contudo, nao e uma objecao contra a
ponderacao, mas uma qualidade geral de problemas praticos ou normativos.

d) Vinculacao e flexibilidade
A teoria dos principios e capaz nao so de estruturar racionalmente a
solucao de colisOes de direitos fundamentais. Ela tern, ainda, uma outra
48
BVerfGE 95, 173 (187).

68 Robert Alexy
qualidade que, para os problemas teórico-constitucionais a ser tomados em
consideragáo aqui, tem grande importáncia. Ela possibilita um caminho
intermediário entre vinculagáo e flexibilidade. A teoria das regras conhece
somente a alternativa: validez ou no validez. Em urna constituigáo como
a brasileira, que conhece direitos fundamentais numerosos, sociais genero-
samente formulados, nasce sobre esse fundamento uma forte pressáo de
declarar todas as normas no plenamente cumpríveis, simplesmente, como
no vinculativas, portanto, como meras proposigóes programáticas. A teo-
ria dos princípios pode, pelo contrário, levar a sério a constituigáo sem
exigir o impossível. Ela declara as normas no plenamente cumpríveis
como princípios que, contra outros princípios, devem ser ponderados e,
assim, esto sob ultra "reserva do possível no sentido daquilo que o indiví-
duo pode requerer de modo razoável da sociedade". 49 Com isso, a teori a dos
princípios oferece no só urna solugáo do problema da colisáo, mas também
urna do problema da vinculagáo.

49
BVerfGE 33, 303 (333).

Constitucionalismo discursivo 69
—4 —

Direito constitucional e direito


ordinario - jurisdicao constitucional
e jurisdicao especializada*

Sumario: I. Problemas e programa; 1. Forga de validez formal e densidade de nor-


malizagao material; 2. A expansao de conteildos constitucionais materiais; 3. Cons-
titucionalizacao direta e indireta; 4. Constitucionalizagdo, sobreconstitucionalizacao.
subconstitucionalizagao; II. Ordenagao-guadro e ordenagao fundamental; 1. Orde-
nagdo-guadro; 2. Ordenagao fundamental; Ill. Espacos; 1. Espagos estruturais; a)
Espaco de determinagao da finalidade; b) Espago de escolha medio; c) Espago de
ponderagdo; 2. Espagos episternicos; a) Espaco de conhecimento empfrico; b) Es-
pago de conhecimento normativo; IV. Resultado

I. Problemas e programa
1. Forca de validez formal e densidade de
normalizacclo material
A proposicao. que tipo e extensao dos problemas da relacao entre
direito constitucional e direito ordinario, assim como entre jurisdicao cons-
titucional e jurisdicao especializada sao determinados, essencialmente, por
dois fatores, que podem ser designados coma forca de validez formal e
densidade de normalizacao material da constituicao, pode ser considerada
coma acertada a todas as constituicOes. A lei fundamental 6, por suas orde-
nacoes de vinculacao, que expressam a primazia da constituicdo, no artigo
20, alinea 3,' e artigo 1, alinea 3, 2 da lei fundamental, assim como por sua
* Esta palestra foi proferida em Wiirzburg, na quinta-feira, dia 4 de outubro de 2001, na Jornada dos
Professores de Direito do Estado. Ela vai sair nas Publicacoes da Associacao dos Professores de Direito
do Estado Alemaes (VVDStRL), v. 61, p. 7 et seq., em 2002. Sua traducao foi autorizada pela propria
editora Walter de Gruyter. Ela tambem se encontra impressa em: revista dos tribunais, v. 799, p. 33 et
seq., maio 2002; revista dos tribunals, v. 809, P. 54 et seq., marco 2003. A presente versa) foi revisada.
Titulo no original: Verfassungsrecht und einfaches Recht — Verfassungsgerichtsbarkeit und Fachge-
richtsbarkeit.
I
Nota do tradutor: artigo 20, althea 3, da lei fundamental: a dacao de leis esti vinculada a ordem
constitucional. o poder executivo e a jurisdicao, A lei e ao direito.
2
Nota do tradutor: artigo I, alinea 3, da lei fundamental: os direitos fundamentals que seguem vinculam
dacao de leis, poder executivo e jurisdicao como direito imediatamente vigente.

Constitucionalismo discursivo 71
autorizagáo e obrigagáo ampla do tribunal constitucional federal para o
controle dessas vinculagóes, urna constituigáo de validade extremamente
formal. Urna tal medida máxima é relativamente náo problemática, enquan-
to a densidade de norinalizagáo material é li mitada e essa limitagáo é cla-
ramente determinável. Problemas sérios nascem, porém, guando a
densidade de normalizagáo é indeterminável ou é liberada dos limites.3Essa
conexáo é desde há muito conhecida. Assim Hans Kelsen, no congresso de
Viena de nossa associagáo, no ano de 1928, vinculou seu discurso de defesa
de um tribunal constitucional 4 náo só com a exigéncia que a constituigáo
deve determinar, "táo precisamente quanto possível, os preceitos, linhas
diretivas, barreiras..." materiais a serem controlados pelo tribunal consti-
tuciona1, 5 mas também com a adverténcia sobre um "papel extremamente
perigoso - , que "valores" ou "princípios" como, por exemplo, "liberdade"
e "igualdade", "por falta de urna determinagáo mais circunstanciada", "jus-
tamente no ámbito da jurisdigáo constitucional", podem desempenhar. 6 Ao
tribunal constitucional pode, por meio deles, "(ser) concedida urna plenitu-
de de poderes, que absolutamente deve ser sentida como insuportável".7
Forga de validez formal extrema é, assim diz a mensagem de Kelsen, so-
mente suportável sob a condigáo de densidade de normalizagáo material
suficientemente limitada e determinável.

2. A expansáo de conteúdos constitucionais materiais


Adverténcias como essas náo puderam impedir que sob a lei funda-
mental se produzisse urna expansáo de conteúdos constitucionais materiais.
Essa história da expansáo foi tantas vezes descrita, 8 que aqui bastam apon-
tamentos. O bigue-bange - que, certamente, já se anunciou antes 9 - teve
lugar em 1958 na sentenga-Lüth. Agumas coisas nessa decisáo ainda so
tateantes e pouco desenvolvidas, algumas coisas equivocadas e antiguadas,
mas trés ideias entrelagadas estreitamente urna com a outra permaneceráo
para sempre - indiferente se se as aprova ou náo - grandes e importantes.
A primeira, e que já contém em si todo o resto, é que o catálogo de direitos
fundamentais náo garante apenas direitos de defesa, mas também expressa
um sistema de normas de tipo amplo, que o tribunal, naquele tempo. antes
3
Comparar Wahl Der Vorrang der Verfassung, Der Staat 20 (1981), 502 ff.
4
Kelsen Wesen und Entwicklung der Staatsgerichtsbarkeit. VVDStRL 5 (1929), 53 ff.
5
Ders. (Fn. 4), 70.
6
Ders. (Fn. 4), 69.
7
Ders. (Fn. 4), 70.
8
Comparar, cm vez de muitos, Bdckenfürde Grundrechte als Grundsatznormen, in: ders.. Staat, Ver-
fassung, Demokratie, 1991, 163 ff.; Dreier, Dimensionen der Grundrechte, 1993, 10 ff.; Dolderer
Objektive Grundrechtsgehalte, 2000, 117 ff.
9
Comparar, por exemplo, BVerfGE 6, 55, 72.

72 Robert Alexy
equivocadamente, designou como valores e normas objetivas, 1 ° mais tarde,
entao, dotou-as de descricOes tao amplas como "funcao juridico-objetiva
como norma de principio decididora de valores'"," mas tambern, simples-
mente, titulou como "principios", 12 o que tambem deve suceder aqui." Corn
isso, o postulado de Kelsen da forca de validez formal foi, com a interpre-
tacao de Smend do catalogo de direitos fundamentais como expressao de
urn "sistema de valores ou de bens, um sistema de cultura", 14 unido. 15 A
segunda ideia entende-se quase por si mesma em vista do artigo 1, alinea
3, 16 da lei fundamental. Se os direitos fundamentais vinculam todos os tres
poderes e tambem sao principios, entOo des vinculam tambem todos os tres
poderes como principios. Mas, como principios ou valores, eles podem ser
correspondentes em toda a parte. Produz-se a ubiquidade dos direitos fun-
damentais que, corn o conceito de irradiacao em "todos os ambitos do
direito", I7 sem drivida, é descrito algo plasticamente, mas o micleo acerta-
damente. A terceira ideia resulta da estrutura daquilo que o tribunal cons-
titucional federal, naquele tempo, designou como "valor". Valores ou
principios tern o costume de colidir. A proposicao central para o cotidiano
juridico da sentenca-Liith, por isso, diz: "Torna-se necessaria, por conse-
guinte, uma `ponderacao de bens — . 18 Isso tem, como o tribunal constatou
corn nitidez, consequencias: "Uma ponderacao incorreta pode violar o di-
reito fundamental e, assim, fundamentar o recurso constitucional para o
tribunal constitucional federal". 19 A ideia smendiana sac, implantados, as-
sim, dentes kelsenianos.
A triade de valor ou principio, irradiacao e ponderacao fora introdu-
zida para contribuir a validez dos direitos fundamentais no direito civil.
Hoje, isso é formulado, mais precisamente, corn auxilio da figura, empregada
em todos os campos do direito, do direito A protecao. 2 ° Direito A organizacao

10
BVerfGE 7, 198, 205.
11
BVerfGE 77, 170, 214.
12
BVerfGE 81, 242, 254.
13
Comparar Alexy Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., 1996, 71 ff.
14
Smend Verfassung und Verfassungsrecht (1928), in: ders., Staatsrechtliche Abhandlungen, 3. Aufl.,
1994, 264.
15
Smend emprega, ao lado do conceito de valor, tambem o conceito de principio; comparar dens. Das
Recht der freien MeinungsauBerung. VVDSIRL 4 (1928), 47: "principios de direitos fundamentais."
16
Nota do tradutor: ver nota 2, supra.
17
BVerfGE 7, 198, 205.
18
BVerfGE 7. 198, 210.
19
BVerfGE 7. 198. 212.
20
Comparar BVerfGE 39, 1, 42; 46, 160, 164 f.; 88, 203, 251 ff.; 89, 214, 231 f.; 97, 169, 176, assim
como Isensee Das Grundrecht auf Sicherheit. 1983; Hermes Das Grundrecht auf Schutz von Leben und
Gesundheit, 1987; Robbers Sicherheit als Menchenrecht, 1987; Dietlein Die Lehre von den grundrech-
tlichen Schutzpflichten, 1992; Unruh Zur Dogmatik der grundrechtlichen Schutzpflichten. 1996; Ca-
!Innis Grundrechte und Privatrecht, 1999.

Constitucionalismo discursivo 73
e procedimento 2 ' e prestagóes positivas fáticas 22 associaram-se e a intensi-
ficagáo do princípio da igualdade geral para o critério de um, orientado
pelos "requisitos de proporcionalidade", "exame rigoroso" 23 fez mais do
que o necessario.

3. Constitucionalizagao direta e indireta


A expansáo esbogada de conteúdos jurídico-fundamentais efetuou
urna constitucionalizagáo material da ordem jurídica. 24 Todos os trés pode-
res so afetados por ela diretamente. Em comparagáo com a jurisdigáo es-
pecializada, acresce urna constitucionalizagáo indireta ou forma1. 25 Cada
aplicagáo de direito viciosa é, pelo menos, 26 anticonstitucional, porque ela
infringe a vinculagáo, ordenada pelo artigo 20, alínea 3, 27 da lei fundamen-
tal, á lei e ao direito. 28 A cada violagáo jurídica jurídico-ordinária corres-
ponde, assim, urna anticonstitucionalidade de conteúdo igual. Se um titular
de direitos fundamentais é afetado, entáo existe, se se segue a linha da
sentenga-Elfes, 29 pelo menos, urna violagáo do direito fundamental á liber-
dade de atuagáo geral."

21 Comparar BVerfGE 35, 79, 116; 52, 380. 389 f.; 53, 30, 65 f.; 73, 280, 296; 90, 60. 96, assim como
Haberle Grundrechte im Leistungsstaat. VVDStRL 30 (1971), 80 ff.; Nesse Bestand und Bedeutung
der Grundrechte in der Bundesrepublik Deutschland, EuGRZ 1978, 434 ff.; Goerlich Grundrechte als
Verfassungsgarantien, 1981; Denninger Staatliche Hilfe zur Grundrechtsausübung durch Verfahren,
Organization und Finanzierung, HStR V. § 113 Rn. 1 ff.
22 Comparar BVerfGE 33, 303, 333; 40. 121, 133; 45, 187, 228; 74, 40, 62 f.; 82. 60, 85; 87, 153, 171;
90, 107. 115, assim como Murswiek Grundrechte als Teilhaberechte, soziale Grundrechte, HStR V, §
112 Rn. 86 ff.; Borowski Grundrechte als Prinzipien, 1998, 289 ff.
23
BVerfGE 88, 87, 96 f.; comparar, além disso, BVerfGE 55, 72, 88; 84, 197, 199; 99, 129. 139, assim
como Kirchhof Der allgemeine Gleichheitssatz, HStR V, § 108 Rn. 215 ff.; Nesse Der allgemeine
Gleichheitssatz in der neueren Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts zur Rechtsetzungs-
gleichheit, FS Lerche, 1993, 121 ff.; Huster Rechte und Ziele, 1993; Sachs Die MaBstabe des allge-
meinen Gleichheitssatzes - Wilkürverbot und sogenannte neue Formel. JuS 1997. 124 ff.
24
Comparar Schuppert/Bumke Die Konstitutionalizierung der Rechtsordnung. 2000.
25
Aos conceitos de constitucionalizaQáo direta e indireta correspondem os conceitos da anticonstitu-
cionalidade direta e indireta; comparar Kelsen (Fn. 4), 39 f., que, ao lado de "direto" e "indireto",
também emprega as express6es "imediato - e "mediato", e Papier "Spezifisches Verfassungsrecht"
und "Einfaches Recht" als Argumentationsformel des Bundesverfassungsgerichts, FG Bundesverfas-
sungsgericht, Bd. 1, 1976, 435.
Ao lado disso, entram cm considernao infracóes contra reservas de lei jurídico-fundamentais e
contra a proibilao de arbitrariedade do artigo 3, alínea 1, da lei fundamental [Todas as pessoas sao,
diante da lei, iguais.]; comparar Voflkithle, in: v. Mangolt/Klein/Starck. GG III. Art. 39 Rdnr. 55;
Jestaedt Verfassungsrecht und einfaches Recht - Verfassungsgerichtsbarkeit und Fachgerichtsbarkeit,
DVBI. 2001, 1310.
27
Ver supra, nota 1.
28
H.-J. Koch Bundesverfassungsgericht und Fachgerichte, OS Jeand'Heur, 1999, 136.
29
BVerfGE 6, 32.
30
Comparar Schumann Verfassungs- und Menchenrechtsbeschwerde gegen richterliche Entscheidun-
gen, 1963, 196 f.; Papier (F. 25), 434; Ossenbühl Verfassungsgerichtsbarkeit und Fachgerichtsbarkeit,
FS Ipsen. 1977, 137 f.

74 Robert Alexy
Os problemas que a constitucionalizacao indireta ou formal prepara
na relacdo jurisdicao constitucional e jurisdicao especializada devem ficar
fora de consideracao. Minhas exposicoes irao limitar-se completamente
constitucionalizacao material ou direta. Essa leva, na relacao entre jurisdi-
cao constitucional e jurisdicao especializada, fundamentalmente, As mes-
mas questoes como na relacao entre tribunal constitucional e dador de leis,
o que tern o seu fundamento na ideia nuclear acertada da formula de Schu-
mann, 3 ' que nenhum tribunal deve tomar por base para a sua decisao uma
regra que -nem sequer o dador de leis poderia ordenar". 32 Somente esse
aspecto deve, aqui, interessar.

4. Constitucionalizacao, sobreconstitucionalizacdo,
subconstitucionalizacdo
A constitucionalizacao material foi sempre acompanhada de objecoes.
Seja somente lembrada a critica mordaz de Carl Schmitt 33 e Ernst Forst-
hoff. 34 Em tempo mais recente, Bockenforde continuou a fiar esse fio. Pela
transformacao dos direitos fundamentais "de principios e garantias na re-
lacao cidadao-estado em principios supremos do ordenamento juridic° no
total" 35 perde a constituicao o carater de uma ordenacao-quadro e conver-
te-se em "ordenacao fundamental juridica da coletividade", 36 que "ja
contern o ordenamento juridic° no total ... - no piano das normas-principios
corn tendencia de otimizacao". 37 0 tribunal constitucional esta obrigado a
i mpor isso por decisOes de ponderacao. 38 0 processo politico democratic°
perde em significado, 39 e a "passagem do estado-dador de leis parlamentar
para o estado-jurisdicao judicial-constitucional" nao pode mais ser deti-
da."
A diagnose de Bockenforde de uma sobreconstitucionalizacao deixa
transferir-se facilmente A relacao entre jurisdicao constitucional e jurisdi-
31
Schumann (Fn. 30), 334, circunstanciado 206 f.; comparar para isso Berkemann Das Bundesverfas-
sungsgericht und "seine" Fachgerichtsbarkeiten. DVBI. 1996, 1032 f.; Starck Verfassungsgerichtsbar-
keit und Fachgerichte, JZ 1996. 1039; Robbers Hi- ein neues Verhaltnis zwischen
Bundesverfassungsgericht und Fachgerichtsbarkeit. NJW 1998, 936; Koch (Fn. 28), 139, 146 ff.; Je-
staedt (Fn. 26), 1321; Diewel Kontrollbefugnisse des Bundesverfassungsgerichts bei Verfassungsbe-
schwerden gegen gerichtliche Entscheidungen, 2000, 65 ff., 264 f.
32
BVerfGE 89, 28, 36; comparar, ademais. BVerfGE 79, 283, 290; 81, 29.31 f.; 82, 6, 15 f.; 84, 197.
199; 84. 372, 379.
33
C. Schmitt Die Tyrannei der Werte. ES Forsthoff, 1967, 60 ff.
34
Forsthoff Zur heutigen Situation einer Verfassungslehre, FG C. Schmitt. 1968, 185 ff.
35
Bockenforde (Fn. 8), 188.
36
Ders. (Fn. 8), 198.
37
Ders. (Fn. 8), 189.
38
Ders. (Fn. 8), 196.
39
Ders. (Fn. 8), 197.
40 Ders. (Fn. 8), 190.

Constitucionalismo discursivo 75
gáo especializada. Se a constituigáo realmente já contivesse em si todo o
ordenamento jurídico, isso seria, portanto, o que Forsthoff sarcasticamente
denominou de "ovo do mundo jurídico - , 4 ' entáo ela determinaria comple-
tamente o lado normativo de cada decisao judicial especializada. O tribunal
constitucional entáo mal poderia escapar do papel de urna instáncia de su-
per-reviso e precisaria, entre outras coisas, como Diederichsen o formula
em crítica rude, converter-se em um "tribunal civil supremo". 42 Seria um
Moloc devorador de duas vítimas: os outros poderes e o proprio.
É exata a diagnose da sobreconstitucionalizagao? O desenvolvimento
dos últimos 50 anos foi um desenvolvimento defeituoso, que carece de
corregáo fundamental? Minha resposta diz: nao.
A linha-Lüth está, em geral, correta. Naturalmente, erros foram come-
tidos e espreitam sempre em toda parte perigos. Estes, porém, podem ser
combatidos com meios que sao imanentes á estrutura dos princípios cons-
titucionais e, com isso, á estrutura da constituigáo que os abarca. Algá-los
á luz é tarefa de lima dogmática dos espagos. Ela no pode ser substituída
pelas grandes fórmulas do debate da constitucionalizagao. Se é direcionado
para a diferenga entre lei e política, 43 entre defesa e protegao, 44 entre normas
de atuagáo e normas de controle, 45 entre critérios materiais e jurídico-fun-
cionais" ou entre intervengo e formagao 47 ou se é recomendada a limitagáo
a posigóes mínimas" ou a métodos económicos," em toda a parte algo ou
alguma coisa parece ser verdade, porém, nada basta. A forga de condugáo
41
Forsthoff Der Staat der Industriegesellschaft, 2. Aufl., 1971, 144.
42
Diederichsen Das Bundesverfassungsgericht als oberstes Zivilgericht — ein Lehrstück der juristi-
schen Methodenlehre. in: AcP 198 (1998), 171 ff.
43
Comparar E. Kaufmann Die Grenzen der Verfassungsgerichtsbarkeit. VVDStRL 9 (1952). 3 ff.;
Leibholz Der Status des Bundesverfassungsgerichts, JOB 6 (1957), 120 ff.
" Comparar Bückenfürde (Fn. 8), 183 f, 194.
45
Comparar Forsthoff über MaBnahmegesetze, in: ders. Rechtsstaat im Wandel, 2. Autl., 1976, 117
f.; Bryde Verfassungsentwicklung 1982, 335 ff.; Krebs Kontrolle in staatlichen Entscheidungsprozes-
sen, 1984, 102.
46
Comparar Ehmke Prinzipien der Verfassungsinterpretation. VVDStRL 20 (1963), 73; Schuppert
Funktionell-rechtliche Grenzen der Verfassungsinterpretation, 1980; Hesse Funktionelle Grenzen der
Verfassungsgerichtsbarkeit, FS Huber, 1981. 261 ff.; Heun Funktionell-rechtliche Schranken der Ver-
fassungsgerichtsbarkeit, 1992, 49 ff.
47
Comparar Gellermann Grundrechte in einfachrechtlichem Gewande, 2000, 57 ff., 350 ff.
48
Deve ser diferenciado entre teorias das posigóes mínimas absolutas e relativas. Urna teoria da posigáo
mínima absoluta sustenta quem determina a posigáo mínima sem recurso ao princípio da proporciona-
lidade cm sentido restrito, portanto, livre de ponderagáo; comparar, por exemplo, Schlink Abwágung
im Verfassungsrecht, 1976, 78 f.; 193 f. O problema é como isso deve ser possfvel. Teorias relativas
determinam a posigáo mínima, pelo contrário, rigorosamente, por aquilo que a teoria absoluta quer
evitar: por urna ponderagáo; comparar, por exemplo, Hain Die Grundsátze des Grundgesetzes, 1999,
193 ff. A figura da posigáo mínima perde, com isso, o caráter de urna alternativa auténtica para a
ponderagáo. lsso mostra que coisa extremamente diferente apresenta-se sob a etiqueta "posigáo míni-
49
Comparar Forsthoff Zur Problematik der Verfassungsauslegung, 1961, 34 ff.; Jestaedt Grundrechts-
entfaltung im Gesetz, 1999, 329 ff.

76 Robert Alexy
dos criterios oferecidos é ou muito difusa. de forma que demais fica aberto,
ou ela vai demais em direcao a uma subconstitucionalizacao, que do mesmo
modo deve ser evitada como uma sobreconstitucionalizacao. 5 ° Uma cons-
titucionalizacao adequada somente é possivel obter sobre o caminho, pe-
dregoso e rico em manhas, de uma dogmatica do espaco. Ela estende-se,
como o problema da constitucionalizacao, no fundo, alem do ambito dos
direitos fundamentais. Mas ela tern, aqui. o seu ponto essencial e de partida.
Eu irei, por isso, limitar-me a esse campo.

H. Ordenavio-quadro e ordenacao fundamental


0 conceito de espaco esta unido estreitamente corn aquele da ordena-
cao-quadro. A ideia da constituicao como ordenacao-quadro 6, frequente-
mente, contraposta aquela da constituicao como ordenacao fundamental
como uma alternativa fundamenta1. 51 Assim, trata-se, segundo Beickenfor-
de, na questa°, se a constituicao deve ser concebida como ordenacao-qua-
dro ou como ordenacao fundamental, de nada menos que uma decisao
fundamental sobre "a compreensao fundamental da constituicao". 52 Em
olhar mais circunstanciado, mostra-se, contudo, que a ideia da ordenacao-
-quadro 6, sem mais, compatIvel corn a ideia da ordenacao fundamental.

I. Ordenagio-quadro
Uma constituicao fixa ao dador de leis, rigorosamente. entao, urn qua-
dro, quando eta the profile alguma coisa — por exemplo, por direitos de
defesa ordena alguma coisa — por exemplo, por direitos de protecao — e
alguma coisa nem proibe nem ordena, portanto, libera. 0 proibido pode
designar-se juridico-constitucionalmente como impossivel. o ordenado ju-
ridico-constitucionalmente como necessario e o liberado juridico-constitu-
cionalmente como possivel. 0 liberado ou possIvel reside no quadro, o
proibido ou impossivel forma, juntamente corn o ordenado ou necessario,
o quadro. 0 conceito de espaco define-se sob este fundamento como que
por si: tudo e somente isto que esta liberado reside no espaco.

2. Ordenaccio fundamental
Nao e necessario realcar que isso 6 um conceit° de espaco e de quadro
completamente formal. Isso fica claro quando se o poe em relacao corn o
conceit° de ordenacao fundamental. 0 conceito de ordenacao fundamental
50 Trata-se de urn "caminho intermediario" ; comparar H. H. Klein Der demokratische Grundrechts-
staat, Bitburger Gesprache. Jahrbuch 1995/1. 85.
51
Comparar Wahl (Fn. 3). 507; Bockenforde (Fn. 8), S. 198; Starck (Fn. 31), 1038 f.
52
Backenforde Verfassungsgerichtsbarkeit: Strukturfragen, Organization, Legitimation, NJW 1999, 13.

Constitucionalismo discursivo 77
pode ser formulado quantitativa ou qualitativamente. Urna constituigáo é
urna ordenagáo fundamental no sentido quantitativo, guando ela no libera
nada, portanto, para tudo tem á disposigáo ou um mandamento ou urna
proibigáo. Isso é o ovo do mundo de Forsthoff. Tal coisa Lerche tem em
vista, guando ele, cm um jogo de ideias, constrói o extremo do "caso con-
trário rigoroso" da ordenagáo-quadro. 53 Nenhum conceito contrário para
com a ordenagáo-quadro é, pelo contrário, o conceito de ordenagáo funda-
mental qualitativo. Urna constituigáo é urna ordenagáo fundamental quali-
tativa, guando ela decide aquelas questóes fundamentais da comunidade,
que so suscetíveis e carecidas de decisáo por urna constituigáo. Esse con-
ceito de ordenagáo fundamental é compatível com aquele da ordenagáo-
-quadro. Urna constituigáo pode decidir questóes fundamentais e, sob esse
aspecto, ser urna ordenagáo fundamental e, contudo, deixar muitas coisas
cm aberto e, sob esse aspecto, ser urna ordenagáo-quadro.
Com tudo isso ainda nada está dito sobre isto, que questóes, como
que stóes fundamentais, podem e devem ser decididas por urna constituicáo
e quais, como tais questóes, esto decididas pela lei fundamental. Isso so
problemas da teoria da constituigáo material, assim como da dogmática
dos direitos fundamentais geral e especial, para a qual, aqui, no tem
espago. Pelo menos, porém, também sua resposta depende, essencial-
mente, da questáo, a ser aqui somente perseguida, se urna compreensáo
fundamental da constituigáo, que segue a linha-Lüth, pode, no fundo, con-
seguir um equilibrio correto entre ordenagáo fundamental e ordenagáo-qua-
dro. Isso determina-se segundo sua capacidade para a solugáo de problema
de espago.

III. Espagos
O tribunal constitucional federal fala muito de espagos. A terminolo-
gia é rica. Ao lado da simples palavra "espago" 54 encontram-se as expres-
sóes "espago de estimativa, de valoragáo e de configuragáo", 55 "espago de
apreciagáo", 56 "espago de atuagáo", 57 "espago de decisáo", 58 "espago de
prognose", 59 "espago de experiéncia e de adaptagáo", 6 ° "espago de interpre-
53
Lerche Die Verfassung in der Hand der Verfassungsgerichtsbarkeit?, in: Macke (Hrsg.). Verfassung
und Verfassungsgerichtsbarkeit auf Landesebene, 1998, 216.
54
Comparar BVerfGE 89, 214, 234.
55
Comparar BVerfGE 88, 203, 262.
56
Comparar BVerfGE 90, 145, 173.
57
Comparar BVerfGE 39, 210, 225.
58
Comparar BVerfGE 95, 335, 350.
59
Comparar BVerfGE 50, 290. 332.
6
° Comparar BVerfGE 56, 54, 82.

78 Robert Alexy
tacao", 61 "espaco de avaliacao" 62 e "espaco de ponderacao". 63 Acresce a
isso um flamer° nao estimavel de enlaces que, sem dtivida, nab empregam
o conceito de espaco, contudo, designam o mesmo ou analog°, como "zona
de configuracao", 64 "espaco livre de configuracao", 65 "poder de configura-
c a e " , 66 e "liberdade de configuracao", 67 "primazia de prognose"" e "prer-
rogativa de decisao".69

I. Espacos estruturais
Se se olha mais rigorosamente, entao se encontra rapid° a dicotomia
decisiva. E a diferenca entre espacos estruturais e espacos epistemicos ou
de conhecimento.
0 espaco estrutural é definido por nada mais que pela ausencia de
mandamentos e probklies definitivos. 7 ° 0 que a constituicao nem ordena
nem proibe, ela libera. 71 Ao espaco estrutural, corn isso, pertence tudo que
a constituicao libera ou deixa livre definitivamente. Espacos estruturais
iniciam, portanto, rigorosamente au i onde termina a normatividade material
definitiva da constituicao. Como o controle judicial-constitucional é exclu-
sivamente controle no criterio da constitukao, segue forcosamente que la,
onde irlicia o espaco estrutural, cada controle judicial-constitucional ter-
mina.
0 espaco epistemico ou de conhecimento e" de tipo completamente
diferente. Ele nao nasce dos limites daquilo que a constitukao ordena e
prolbe, mas dos limites da capacidade de reconhecer do que a constituicao,
por urn lado, ordena e profbe e, por outro, nem ordena nem profbe, portanto,
libera. Se se quer afilar as coisas, pode dizer-se que o espaco epistemico
nasce dos limites da capacidade de reconhecer dos limites da constitukao.
No espaco estrutural, consideraciies juridico-funcionais ou principios for-
61
Comparar BVerfGE 95, 28. 38.
62 Comparar BVerfGE 99, 341, 353.
63
Comparar BVerfGE 96, 56, 66.
64 Comparar BVerfGE 81, 242, 255.
Comparar BVerfGE 97, 169. 176.
66 Comparar BVerfGE 64, 72, 85.
67
Comparar BVerfGE 77, 170, 215.
Comparar BVerfGE 87, 363, 383.
Comparar BVerfGE 90, 145, 183.
70 A ausencia de mandamentos-prima facie e proibicoes-prima facie ndo 6 necessaria para a existencia
de urn espaco estrutural. Au dador de leis ja prima facie e proibido intervir no ambito de protecdo de
um direito fundamental. Se a intervened°. porem, 6 de acordo corn a constituicao, formal e material-
mente, entao eta esta definitivamente permitida. Trata-se disso, e somente disso, na questa() sobre a
existencia de um espaco estrutural. Para a distilled° entre proibicoes definitivas e prima facie e man-
damentos, comparar Alexy (Fn. 13). 87 ff.
71
Alexy (Fn. 13). 185.

Constitucionalismo discursivo 79
mais náo desempenham nenhum papel. Os problemas dos espagos episté-
micos, pelo contrário, sem eles no podem ser solucionados. Existem trés
espagos estruturais: o espago de determinagáo da finalidade, o espago de
escolha médio e o espago de ponderagáo.

a) Espago de determinagáo da finalidade


O legislador tem, perante um direito fundamental, um espago de de-
terminagáo da finalidade guando o direito fundamental contém urna auto-
rizagáo de intervengo, que ou deixa aberto os fundamentos da intervengo
ou. sem dúvida, menciona fundamentos de intervengo, mas somente per-
mite a intervengo na existéncia desses fundamentos, no, porém, ordena.
No primeiro caso, pode o dador de leis — supondo a proporcionalidade —
perseguir todas as finalidades que a lei fundamental no lhe proíbe já como
tais, portanto, abstratamente. 72 O espago de determinagáo da finalidade diz
respeito náo só com a selegáo das finalidades, mas também com a determi-
nagáo da medida de sua realizagáo.
Como os limites do espago de determinagáo da finalidade dependem,
essencialmente, do princípio da proporcionalidade, o espago de determina-
gáo da finalidade está enlagado com todos os espagos aos quais a estrutura
do exame da proporcionalidade leva. Esse fenómeno do enlace de espagos
é um fundamento essencial para a complexidade da dogmática do espago.

b) Espago de escolha médio


O segundo espago, o espago de escolha médio, aparece no plano guan-
do direitos fundamentais no só proíbem intervengóes, mas também orde-
nam agáo positiva, sobretudo, na dimensáo da protegáo." Ele resulta da
estrutura de deveres positivos» Se o dador de leis deve perseguir um ob-
jetivo e vários meios idóneos, por exemplo, em geral igualmente bons, esto
á disposigáo, ele, fundamentalmente, tem a liberdade da escolha dos meios.
Problemas nascem, todavia, guando os meios que esto á disposigáo reper-
cutem negativamente, em medida diferente, sobre outros objetivos ou prin-
cípios" ou guando é incerto se e em qual medida eles fomentam e
prejudicam. 76 Produz-se entáo, outra vez, enlace de espagos, o que, como
por si mesmo, leva ao espago de ponderagáo e ao espago de conhecimento.

72
A proibiláo abstrata de urna finalidade tem caráter de regra; para o conceito de regra. comparar
Alexy (Fn. 13), 76 ff.
73
Comparar. por exemplo, BVerfGE 46. 160, 164 f.
74
Alexy (Fn. 13), 422 f.
75
Comparar. por exemplo, BVerfGE 97, 169, 176.
76
Comparar para isso Borowski (Fn. 22), 1998, 140 ff.

80 Robert Alexy
c) Espaco de ponderacao
0 espaco de ponderacao e a parte nuclear da dogmatica-quadro. Como
o problema da constitucionalizacao deve ser solucionado, depende, essen-
cialmente, da solucao do problema da ponderacao. Nao é, por conseguinte,
nenhum exagero, quando Ossenbiihl diz que a "questa° sobre a ponderacao
no direito constitucional ..." contem "questoes fundamentais e de existen-
cia da jurisprudencia constitucional e do ordenamento juridico no total".77
0 mandamento de ponderacao é identico ao terceiro prinapio parcial do
principio da proporcionalidade. No problema do espaco de ponderacao tra-
ta-se, por isso, do papel da proporcionalidade na dogmatica-quadro.
facil de reconhecer que ambos os primeiros principios parciais sao
criterios-quadro genuinos. Isso é o mais claro no principio da idoneidade.
Se uma prova de conhecimento especializado comercial, como pressuposto
para a autorizacao do estabelecimento de urn automatic° de cigarros, viola
o artigo 12, 78 da lei fundamental, porque ele nao é idoneo para proteger os
consumidores, 79 entao ao dador de leis é tracado negativamente um limite.
Analog° vale para o princlpio da necessidade. Quando o tribunal constitu-
cional federal declara anticonstitucionais os §§ 2232, 80 2233, 8 ' do codigo
civil alemao, e o § 31, 82 da lei de autenticacao, a medida que eles vedam a
pessoas capazes de testar, que nem podem escrever nem falar, a possibili-
dade de redacao do testamento, e isso fundamenta corn isto, que uma ex-
clusao de urn mudo. incapaz de escrever, de toda possibilidade de testar nao
necessaria para obter os objetivos, perseguidos pelas prescricOes juridi-
co-civis mencionadas, da seguranca juridica e da protecao de pessoas nao ca-
77
Ossenbahl, Abwagung im Verfassungsrecht. DVBI. 1995, 911.
78
Nota do tradutor: artigo 12 da lei fundamental: ( I) Todos os alemaes tern o direito de escolher
livremente profissao, posto de trabalho e centros de formacao. 0 exercicio da profissao pode ser
regulado por lei ou corn base em uma lei. (2) Ninguem pode ser coagido a urn determinado trabalho,
exceto no quadro de urn dever de prestacao de servico usual, geral, publico para todos igual. (3)
Trabalho forcado somente C admissfvel em uma retirada da liberdade judicialmente ordenada.
79
BVerfGE 19, 330, 338 f.
80
Nota do tradutor: § 2232 do codigo civil: [Testamento ptiblico] Pela minuta de urn notario urn
testamento C estabelecido, ao o testador declarar oralmente sua Ultima vontade ao notario ou !he entre-
gar uma escritura corn a declaracao que a escritura contem sua Ultima vontade. 0 testador pode entregar
a escritura aberta ou fechada; ela nao precisa ser escrita por ele.
81
Nota do tradutor: § 2233 do cOdigo civil: [Casos especiais de estabelecimento] (1) Se o testador
menor. entao ele pode estabelecer o testamento somente por declaracao oral ou por entrega de uma
escritura aberta. (2) Se o testador, segundo seus dados ou segundo o convencimento do notario, nao
esta em condiceies de ler documentos, entao ele pode estabelecer o testamento somente por declaracao
oral. (3) Se o testador, segundo seus dados ou segundo o convencimento do notario. nao C capaz de
falar suficientemente, entao ele pode estabelecer o testament° somente por entrega de uma escritura.
82
Nota do tradutor: § 31 da lei de autenticacao: [Entrega de uma escritura por um mudol Urn testador,
que segundo seus dados ou segundo o convencimento do notdrio no 6 capaz de falar suficientemente
(§ 2233, alfnea 1, cOdigo civil) deve, na negociacao, escrever de proprio punho na minuta ou em urn
papel especial, que deve ser juntado a minuta, a declaracao que a escritura entregue contem sua Ultima
vontade. 0 minutar de prOprio punho da declaracao deve ser comprovado na minuta. A rninuta nao
precisa ser particularmente autorizada pelo part icipante aleijado.

Constitucionalismo discursivo 81
pazes de autodeterminagáo, porque no caso de mudos incapazes de escrever,
guando eles sao capazes de autodeterminacao, so imagináveis, como meio
mais atenuado, procedimentos de autenticagáo que obtém aqueles objetivos
também, mas limitam menos a liberdade de testar, 83 entao o tribunal limita
o espago do dador de leis civil em urna forma negativa, sem o determinar
positivamente. Isso é fixagáo-quadro. Simultaneamente, trata-se de otimiza-
gáo, urna vez que os princípios da idoneidade e da necessidade pedem aqui,
como noutra parte, nada mais que urna realizagáo táo ampla quanto possível
dos princípios correspondentes, cada vez, relativamente ás possibilidades
reais, 84 portant°, otimidade-Pareto. 85 Se, o que ocorre frequentemente, a oti-
mizagáo é posta em contato com uma perda do caráter-quadro, 86 entao aquele
aspecto da otimizagáo, que reside no melhoramento de um lado sem pioramen-
to do outro, no pode estar intencionado. Urna ordenagáo-quadro que admitisse
sacrifícios de direitos fundamentais desnecessários no seria urna ordenagáo-
-quadro razoável.
Sério fica primeiro no princípio da proporcionalidade em sentido res-
trito. Dissolve o mandamento de ponderagáo nele contido a estrutura-qua-
dro? Essa questa° deveria ser afirmada se a ponderagáo, em virtude da
constituigáo, ou tudo admitisse ou tudo determinasse. Se a ponderagáo de-
terminasse tudo, a constituigáo seria um ovo do mundo de Forstlioff e o
tribunal constitucional no só se poderia intrometer em toda a parte. mas
deveria isso também. Se a ponderagáo, ás avessas, admitisse tudo, signifi-
caria a obrigagáo do tribunal constitucional para o controle de ponderagáo
nada mais que autorizagáo de, sem vinculagáo material á constituicao, de-
cidir tudo o que chegar em suas máos como ele quer. A adverténcia de
Kelsen seria exata em sua totalidade. Em ambos os casos, o caráter-quadro
se perderia, em que, isso, no segundo caso, poderia suceder por um enlace
de liberdade de vinculagáo real com pretensáo de estar vinculado.
A compatibilidade entre ponderagáo e quadro depende, portanto, dis-
to, se pela ponderagáo alguma coisa é determinada e alguma coisa nao. Se
isso é o caso, somente urna olhada na estrutura da ponderagáo pode mostrar.
Urna reina° forma o núcleo da ponderagao, a qual, guando se trata de
direitos fundamentais como direitos de defesa, pode ser descrita como re-
i na() "entre a gravidade da intervengo e o peso dos fundamentos que a
justificam". 87 Uma primeira viso na qualidade dessa relagáo permite urna
fórmula quanto-tanto, que se encontra com frequéncia, que pode ser desig-
nada como "lei de ponderagáo", e, que abrange igualmente defesa como
83
BVerfGE 99, 341, 353 f.
84
Alexy (Fn. 13), 75 f.
85
Schlink (Fn. 48), 181 f.
86
Bóckenfórde (Fn. 8), 196 ff.; Starck (Fn. 31), 1035, 1039.
87
BVerfGE 101, 331, 350.

82 Robert Alexy
protecao, formulada coma segue: quanta mais alto e o grau de nao cumpri-
mento ou prejuizo de um principio, tanto major deve ser a importancia do
cumprimento do outro.88
Essa formula deixa reconhecer que a ponderacao compOe-se de tres
passos. Em urn primeiro passo, deve ser comprovado o grau do nao cum-
primento ou prejuizo de urn principio. Isto 6, quando se trata da dimensao
de defesa, a intensidade da intervencao. A isso tern de seguir, em urn se-
gundo passo, a comprovacao da importancia do cumprimento do principio
em sentido contrail°. Em urn terceiro passo, finalmente, deve ser compro-
vado se a importancia do cumprimento do principio em sentido contrario
justifica o prejuizo ou nao cumprimento do outro.
Essa estrutura elementar mostra o que ceticos da ponderacao radicais
como, par exemplo, Schlink, devem impugnar, quando eles dizem que nos
"exames da proporcionalidade em sentido restrito por fim somente a
subjetividade do examinador" faz-se "valer" e que as "operacCies de valo-
racao e ponderacao do exame da proporcionalidade em sentido restrito
por fim devem" ser "prestadas so decisionisticamente". 89 Eles devem im-
pugnar que sentencas racionais sobre intensidades de intervencao e graus
de importancia sao possiveis. Pois bem, mas facilmente se deixarn encontrar
exemplos, nos quais tais sentencas, sem mais, podem ser feitas. Assim,
dever dos produtores de produtos de tabaco colocar em seus produtos alu-
skies a perigos a saude, uma intervencao relativamente leve na liberdade de
profissao. Uma intervencao grave seria, pelo contrail°, uma proibicao corn-
pieta de todos os produtos de tabacaria. No meio disso deixam classificar-se
casos de intensidade de intervencao mediana. Desse modo, nasce uma es-
cala corn as graus "leve", "medio" e "grave". 0 exemplo mostra que asso-
ciacoes validas a esses graus sao possiveis.
Analog° vale para os fundamentos em sentido contrario. Os perigos
sadde unidos corn o fumo sao altos. Os fundamentos da intervencao pesam,
par conseguinte, gravemente. Se, desse modo, primeiro, uma vez, esta fi-
xacla a intensidade da intervencao coma leve e o grau de importancia do
fundament° de intervencao como alto, entao o resultado da ponderacao,
como o tribunal constitucional federal, em sua decisao sobre alusOes a ad-
vertencia, observa, é "manifesto"." 0 fundamento de intervencao grave
justifica a intervencao leve.
Poderia agora se achar que o exemplo nao diz Inuit°. De urn lado,
trata-se de atividades economicas, do outro, de fatos empiricamente inves-
88 Comparar Alexy (Fn. 13), 146.
Schlink Freiheit durch Eingriffsabwehr — Rekonstruktion der klassischen Grundrechtsfunktion.
EuGRZ 1984, 462; Pieroth/Schlink Grundrecht. 17. Aufl., 2001, Rdnr. 293. Nota do tradutor: ver supra,
1, nota 14.
90
BVerfGE95, 173. 187.

Constitucionalismo discursivo 83
tigáveis. A escalagáo deve-se ás possibilidades da quantificagáo sob pontos
de vista de custas e de probabilidades. Isso no é, contudo, nenhuma obje-
gáo. Escalagóes rudes como a de trés graus também so possíveis lá onde
o escalado, como tal, no pode ser medido com números. Tome-se a
decisáo-Titanic. O tribunal constitucional federal classificou a designagáo
de um oficial da reserva hemiplégico, que praticou exitosamente sua con-
vocagáo para um exercício militar, como "nascido assassino", por causa do
contexto satírico, no como grave violagáo da personalidade. 9I Pode discu-
tir-se sobre isto, o que leva ao problema dos espagos epistémicos. Aqui,
deve tratar-se somente disto, que mal se pode discutir sobre isto, que a
designagáo posterior, mal ainda adornada satiricamente como "aleijado",
acerta gravemente o oficial da reserva hemiplégico cm sua personalidade,92
o que basta para justificar a intervengáo, residente na indenizagáo em di-
nheiro por dano imaterial sofrido no total de 12.000 marcos alemáes, "com
efeito forte e duradouro"," portanto, bastante grave, na liberdade de opi-
niáo.
A decisáo-tabaco e a decisáo-Titanic, ás quais se deixariam adicionar
numerosas, mostram que existem casos nos quais, com o auxilio da ponde-
ragáo, deixa determinar-se de modo racional o que, em virtude da consti-
tuigáo, é ordenado, proibido e permitido definitivamente. Com isso,
contudo, simplesmente, está refutada a tese, que mediante urna ponderagáo
sempre tudo é possível. Isso é um passo importante para a solugáo do pro-
blema do espago de ponderagáo estrutural, mas ainda náo a solugáo mesma.
Para chegar-se a ela, deve ser tomado cm consideragáo o sistema que está
situado atrás das classificagóes observadas até agora. Todas as classifica-
góes consideradas até agora tiveram lugar cm um modelo de trés graus ou
triádico. Seus trés graus deixam caracterizar-se pelas expressóes
"médio" e "grave"." Tais escalagóes chamam, de certo modo, automati-
camente, a objegáo, que as passagens so de forma móvel e os graus, por
conseguinte, artificiais. Naturalmente, as passagens sao, em realidade, de
qualquer modo, de forma móvel. Mas compreender conceitual reside, pois,
urna vez, na construgáo de limites. Além disso, a tripla gradualidade encer-
ra, cm si, absolutamente nada. A classificagao pode iniciar guando se tem
dois graus: leve e grave. Somente um modelo de um grau, no qual tudo seria
igual, destruiria a ideia do ponderar. Para cima, o número de graus está, cm
principio, aberto. A isso deverá voltar-se. Seja aqui, a favor da tripla gra-

91
BVerfGE 86, 1, 12.
92
BVerfGE 86, 1, 13.
93
BVerfGE 86, 1, 10.
94
Naturalmente, podem, também, outras palavras ser empregadas, cm vez de "leve", por exemplo,
"reduzido" ou "fraco" e, em vez de "grave", por exemplo, "alto" ou "forte".

84 Robert Alexy
dualidade, somente exposto, que ela satisfaz bem as intiticOes cotidianas do
mesmo modo como a pratica juridica.95
0 ponto decisivo para o espaco de ponderacao estrutural 6, pois, que
as classificaVies podem determinar o que a constituicao ordena ou proibe,
isso, porem, nao precisam. Elas levam a uma determinacao, quando elas sao
desiguais. De outra forma situam-se as coisas no caso de uma paridade ou
empate. Aqui, a constituic5o nao decide a colisao. 0 que, porem, a consti-
tuicao nao decide 6, por ela, liberada. 96 No caso de empate de ponderacao
existe, corn isso, urn espaco de ponderacao estrutural.
95
A escalacao triadica tern, corn a teoria de tres grans, desenvolvida pelo tribunal constitucional federal
pars o artigo 12, alinea 1, da lei fundamental [ver nota 78, supra] (BVerfGE 7, 377, 404 ff.), a tripla
gradualidade em comum. Poderia achar-se que a escalacao triadica, por conseguinte, tambern deveria
comparulhar das fraquezas da teoria dos tres graus. Isso, contudo, sem prejuizo da ampliacao, entre-
mentes realizada, para a teoria de qualm graus (BVerfGE 86, 28, 39), nao é o caso. 0 mais tardar, desde
a sentencarmedico conveniado (BVerfGE II, 30,44 f.) esta claro que a classificacao de uma interven-
ea° come regulacao da escolha da profissao ou do exercicio da profissao nao ja corresponde uma
diferenca relevante na intensidade da intervened°, o que 6 o principio da construcao da teoria de tres
graus. Uma regulacao do exercicio da profissao pode-se aproximar ou equivaler. na intensidade da
intervencao, a uma regulacao da escolha da profissao. Analog() vale para a distincao entre pressupostos
objetivos e subjetivos; comparar Rupp Das Grundrecht der Berufsfreiheit in der Rechtsprechung des
Bundesverfassungsgerichts, AOR 92 (1967), 234 f. Isso significa, contudo, somente que os criterios
"objetivo" e "subjetivo", assim como "escolha" e "exercicio" nao permitem compreender todos os
casos corretamente. o que, por causa de sua abstratividade, tambem seria surpreendente. Eles sao, por
conseguinte, somente utilizaveis como formula rude. Que pelos criterios da teoria dos graus nao todos
os casos sao compreendidos corretamente. quer dizer que existem casos nos quais a intensidade da
intervencao deve ser classificada de outra forma como isso seria ordenado segundo seus criterios.
Assim, segundo eles, na sentenca-medico conveniado. a intervened°, como regulacao do exercicio da
profissao, em si, deveria ter sido classificada como intervencao de grau de intensidade reduzida, por-
tanto, como leve. Se, pois. contra a teoria de tres graus 6 feito valer que essa classificacao seria falsa,
entao 6 pressuposto que uma outra classificacao, aqui, uma classificaeao como grave, 6 correta. Essa
classificaeao desviante das divisoes abstratas da teoria dos graus, porem, somente 6 possivel, quando,
no fundo, classificacoes sao possfveis. Isso mostra que a critica a teoria de tres grans 6 uma critica a
utilidade de determinados criterios de graus abstratos e nao uma critica a tripla gradualidade como tal.
A possibilidade da teoria de tres graus 6, ao contrario, condicao da possibilidade da critica da teoria
de tres graus. A critica a teoria de tres graus nao pode, por conseguinte, ser transferida a escalacao
triadica. Pelo contrario, ela pressupOe uma tal ou uma escalacao semelhante. 0 que, na primeira vista,
parece apoiar uma objecao contra o modelo triadic°, mostra-se, assim, na segunda vista, sua certifica-
ea°.
Que a constituicao pode deixar algo nao decidido nao significa que no direito constitucional a ideia
regulativa da resposta unicamente correta (comparar Alexv Recht, Vernunft, Diskurs, 1995, 122) deva
ser abandonada. Quando a constituicao nao decide algo e, corn isso, libera, a resposta unicamente
correta a questa°, o que em virtude da constituicao vale, 6 que a constituicao libera a materia, portanto,
deixa urn espaeo. Se se quisesse afilar isso, poderia dizer-se que a resposta unicamente correta diz que
nao existe uma resposta unicamente correta. 0 espaco pode, da parte do legislador, ser enchido por
consideracOes politicas e, da parte da jurisdicao especializada, por consideracOes juriclico-ordinarias.
Afirmacaes sobre a existencia de espacos podem, como todas as afirmacides, ser corretas ou falsas. Sua
negacdo 6 a afirmacao da firmeza. no espaco de ponderacao, portanto, a afirmacdo de uma diferenea
de peso. Por conseguinte. pode discutir-se sobre afirmacoes de espaco. Isso mostra a resolucao do
tribunal constitucional federal sobre o direito de filhos ilegitimos perante a mae a informacao sobre a
identidade de todos os homens que entram em questa° como pais biologicos, porque eles coabitavam
corn a mar e durante o period° de concepedo legal. 0 tribunal de segunda instancia de Mtinster reconhe-
ceu um tal direito corn a fundamentacao que os interesses do filho, protegidos juridico-fundamental-
mente. precedem, em tais casos, aqueles da Mae, porque ela tern de sustentar o embate urn corn o outro
dos interesses distintos. Corn isso. 6 concedido ao direito de personalidade, alimenticio e de heranca

Constitucionalismo discursivo 85
O espno de pondernáo estrutural tem duas dimensóes. Isso mostra-
-se, com particular clareza, na decisáo do tribunal constitucional federal
sobre o § 353d, número 3, 97 do código penal. A "stern" ilustrada citou, em
seus relatórios sobre a investignáo da advocacia do estado de Bonn, no
chamado "caso donativo-Flick", antes da primeira negociaQáo pública, li-
teralmente dos autos de averigualáo. Isso é punível, segundo o § 353d,
número 3, do código penal. O tribunal de primeira instancia de Hamburg
considerou essa prescri0o anticonstitucional porque ela no é suficiente-
mente idónea para obter as finalidades, com ela perseguidas, e apresentou-a

do filho ilegítimo, juntamente com o mandamento de equiparacáo do artigo 6, alínea 5 [Aos filhos
ilegítimos devem, por dacáo de lei, ser criadas as mesmas condicóes para o seu desenvolvimento
corporal e espiritual e para a sua posicáo na sociedade, como para os filhos legítimosi, da lei funda-
mental, urna importáncia superior do que ao direito de personalidade da máe. O tribunal constitucional
federal vé nisso um desconhecimento "do espaco para uma ponderagáo", que compete ao tribunal de
segunda instáncia. Náo pode "ser excluído, que o tribunal de segunda instáncia, no esgotamento de seu
espaco de ponderacáo", teria "chegado a um outro resultado" (BVerfGE 96, 56, 65 f.). O direito de
personalidade da máe do artigo 2, alínea 1 [Cada um tem o direito ao livre desenvolvimento de sua
personalidade, á medida que ele náo viola os direitos de outros e no infringe a ordem constitucional
ou a lei cm uniáo com o artigo 1, alínea 1 [A dignidade da pessoa é intangível. Considerá-la
e protegé-la é obrignáo de todo o poder estatal.], da lei fundamental, é violado por esse desconheci-
mento de espaco. Pois bem, um espaco somente entáo pode ser desconhecido, guando ele existe. Um
espaco de ponderagáo existe somente entáo, guando há um empate de ponderagáo. A resolucáo baseia-
se, portanto, na tese que no caso concreto existe, no plano da constituicáo, um empate de ponderacáo,
que deixa espaco a argumentos jurídicos subconstitucionais, que atrihuem ao interesse da mrie, de no
precisar denominar os homens com os quais ela coabitou dentro do período de concepcáo legal, um
peso superior do que áqueles do filho ilegítimo, de modo que cm virtude da constituicáo urna decisáo
favorável á máe náo está excluída.
Contra essa afirmacáo da existéncia de um empate de ponderacáo deixam apresentar-se objegóes con-
sideráveis. Assim, Eidenmüller realcou, com razáo, que a desvalorizagáo "faticamente completa" das
pretensóes alimentícia e de heranca do filho ilegítimo pela retengáo da informacáo apresenta urna
"intervengáo agravante" em seus direitos do artigo 14, alínea 1 [A propriedade e o direito de heranca
seráo garantidos. Conteúdo e barreiras seráo determinados pelas leis.], e artigo 6, alínea 5, da lei
fundamental (Eidenmüller Der Auskunftsanspruch des Kindes gegen seine Mutter auf Benennung des
leiblichen Vaters — BVerfGE 96, 56, JuS 1998, 791). Se se acrescenta a esse lado material o aspecto
imaterial do significado do conhecimento da descendéncia para a personalidade, protegida pelo artigo
2, al ínea 1, cm uniáo com o artigo 1, alínea 1, da lei fundamental, entáo se torna muito duvidoso se cm
casos como no presente. a cuja particularidade somente é alegado o "estar afetado junto de vários
homens, dos quais somente um pode ser o psi" (BVerfGE 96, 56, 60), realmente existe, cm virtude da
constituicáo, um empate de ponderacáo. No estar afetado de vários homens o direito de personalidade
da máe tema, sem dúvida, um peso superior que no estar afetado de somente um homem. Mas deve ser
posto cm dúvida que a evitagáo das penosidades no estar afetado múltiplo é, cm virtude da constituicáo,
precisamente assim importante como o sáo as pretensóes alimentícia e de heranca, assim como o
conhecimento da descendéncia. Quando Canaria aprova Ilimitadamente" a decisáo (Canaria (Fn. 20),
63), entáo somente pode ser aderido a isso á medida que a figura do espago de ponderacao, na decisáo,
é desenvolvida da melhor maneira. O emprego dessa figura, pelo contrário, náo pode ser aprovado, o
que mostra que se pode sobre aquilo que a constituicio náo deeidiu discutir do mesmo modo como
sobre aquilo que ela decidiu.
97
Nota do tradutor: § 353d, número 3, do código penal: [Comunicacóes proibidas sobre negociacóes
judiciais] É apenado com pena privativa de liberdade de até um ano ou com pena pecuniária quem, (3)
textualmente comunica publicamente, completamente ou cm partes essenciais, o escrito de acusacáo
ou outros escritos oficiais de um procedimento penal, de um procedimento de multa ou de um proce-
dimento disciplinar, antes de eles terem sido discutidos cm ne g ociacáo pública ou estar concluído o
procedimento.

86 Robert Alexy
ao tribunal constitucional federal. 0 tribunal constitucional federal chegou
ao resultado que a mera proibiedo da literalidade da reproducdo so "insufi-
cientemente" e em medida "reduzida" protege a personalidade do afetado,
cada vez, como tambern a imparcialidade dos participantes no procedimen-
to." Para isso, porem, tambern, a liberdade de opinido e de imprensa
"limitada somente em dimensdo reduzida". 99 Isso 6 a comprovaedo de urn
empate. Defronte de uma intervenedo leve esta urn fundamento de interven-
ed° de peso leve. Isso basta para isto, que a intervened°, como, acertada-
mente, 6 formulado, "ndo" esta "fora de proporedo" para corn a protecdo
alcancada. m 0 dador de leis pode, em uma paridade, intervir, mas ele rid°
esta obrigado a isso.
Pois bem, no espaco cai, porem, ndo so a intervened° leve liberada. 0
tribunal observa que é assunto do dador de leis decidir se ele quer conceder
mais protecao. 101 Essa seria possIvel somente as custas de i ntervencoes
mais intensivas na liberdade de imprensa. Caso uma tal intervenedo tenha
intensidade mediana, deveria o grau de importancia da protecao, corn isso
efetuada, igualmente, pelo menos, obter o grau mediano. Mesmo uma in-
tervenedo grave poderia estar justificada, quando defronte dela esta urn grau
de importancia, correspondentemente alto, da protecdo efetuada. Isso mos-
tra que na linha do empate transcorre urn espaco estrutural. A ideia do
espaco de ponderacdo, corn isso, compoe-se de dois pensamentos: do da
igualdade no empate e do da igualdade entre os empates. Esse cardter duplo
do espaco de ponderacdo tern importancia, sobretudo, para a relacdo entre
defesa e protecdo.1°2
A exigencia por realizacdo tdo ampla quanto possivel de princlpios
jurldico-fundamentais, que tambem pode ser designada como producdo de
concordancia pratica 103 ou como otimizacdo normativa, 1 °4 significa, portan-
98
BVerfGE 71. 206, 219.
BVerfGE 71. 206, 220.
1013
BVerfGE 71, 206. 221.
101
BVerfGE 71, 206. 218.
102
Quando se trata de defesa e protecdo, entdo a escolha entre empates distintos 6 uma escolha entre
niveis distintos de protecdo e de intervened°. Pode considerar-se tanto a aspiracao por protecdo como
o empenho de evitar intervencoes como perseguiedo de finalidades. A escolha entre empates distintos
6, por conseguinte, ao mesmo tempo. uma decisdo sobre a extensdo da perseguicao de finalidades. Se
se deixa cair ndo somente a decisdo sobre isto, quais finalidades sera° perseguidas, mas tambem a
decisao sobre isto, em qual medida ou extensdo elas sera° realizadas, no espaco de determinacao da
finalidade. entao a decisao na linha do empate 6, por conseguinte, nao so uma decisao no espaco de
ponderacao, mas tambem uma decisao no espaco de determinacao da finalidade. Dutra vez, mostra-se
o fenomeno do enlace de espacos.
103
Hesse Grundziige des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20. Aufl., 1995, Rdnr.
72. 317 ff. (Nota do tradutor: esse livro foi traduzido para o portugues sob o titulo: "Elementos de
direito constitucional da reptiblica federal da Alemanha", Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor,
1998. Traducdo: Luis Afonso Heck.)
104 Comparar BVerfGE 81. 278. 292; 83, 130, 143; 83, 238, 321.

Constitucionalismo discursivo 87
to, tildo menos o mandamento de aspirar a um ponto máximo." Sem dúvi-
da, cada principio quer para si tanto quanto possível muito. Otimizar prin-
cípios colidentes, porém, no significa ceder a isso, mas pede, ao lado da
exclusáo de sacrificios desnecessários, somente a justificagáo do sacrificio
necessário por, pelo menos, igual importáncia do cumprimento do princi-
pio, cada vez, em sentido contrário. Isso é um critério negativo, o que mos-
tra que também a otimizagáo no quadro da ponderagáo é compatível com o
caráter-quadro da constituigáo.
Os espagos de ponderagáo estruturais agradecem sua existéncia, es-
sencialmente, á escalagáo rude. Quanto mais fina fica a escala, tanto menos
empates nascem. Isso sugere a objegáo que o direito constitucional, na ver-
dade, tem urna estrutura mais fina, que leva a isto, que quase sempre há
alguma pequena diferenga, que motiva a constituigáo a trazer a balanga para
a oscilagáo. Essa objegáo leva a problemas profundos da natureza do direito
constitucional. Ele parece-se com o mundo dos objetos perceptíveis nisto,
que a intensidade de urna intervengo deixa, como o desenvolvimento de
urna forga ou o transcorrer de um movimento, reproduzir-se sobre linhas
com infinitamente muitos pontos, o que, sem dúvida, náo excluiria empates
teoricamente, contudo, praticamente, ou a matéria do direito constitucional
é mais rude. cheia de nós e buracos? Muito parece falar em favor do último.
Muitas vezes, sem dúvida, so possíveis escalagóes mais finas que de trés
graus. Basta olhar somente para o caso-Titanic. Se o estado no sancionasse
a difamagáo pública de um hemiplégico como "aleijado", ele iria admitir
no só violagóes graves, mas muito graves á personalidade. Isso pode ser
compreendido pelo fato de a tríade leve/médio/grave ser aplicada outra vez
em cada grau. Os nove graus de um tal modelo triádico duplo permitem
distinguir intervengóes muito graves de graves médias e, justamente, agora
ainda, de graves. Tais refinagóes, que aliás no so convenientes em toda
a parte — ás vezes, já se está contente poder escalar de dois graus porém,
tém limites. Se se quisesse ir mais além, entáo se deveria falar cm um
terceiro grau de coisas, como intervengóes graves muito leves. Quem po-
deria ainda entender isso? Aqui fala, como, bem genericamente, no ámbito
do prático, tudo em favor disto, de manter-se na alusáo de Aristóteles, que
nós "nao (devemos) aspirar á exatidáo de modo igual em todos os objetos,
mas em cada caso somente assim corno a matéria dada o permite"." O
direito constitucional náo é urna matéria que é estruturada táo finamente
que ela exclua empates auténticos e, com isso, espagos de ponderagáo es-
105
Assim, porém, Lerche Die Verfassung als Quelle von Optimierungsgebote?, FS Stern, 1997, 205
f.; ders. Facetten der "Konkretizierung" von Verfassungsrecht, in: Koller/Hager/Junker/Singer/Neu-
ner (Hrsg.), Einheit und Folgerichtigkeit im juristischen Denken, 1998, 21; comparar. ademais, Wahl
(Fn. 3), 504; Scherzberg Grundrechtsschutz und -Eingriffsintensitát", 1989, 174.
106
A ristoteles, Nikomachische Ethik 1098a.

88 Robert Alexy
truturais. Ponderacao e ordenacao-quadro mostram-se, assim, compati-
veis.'°7
Ate agora se tratou somente de espacos estruturais. Os espacos epis-
temicos ou de conhecimento nao estao atras deles em significado para o
tema-quadro. 0 tempo restante permite somente observacoes concisas.

2. Espacos epistemicos
A questao sobre a existencia de espacos epistemicos aparece quando
o conhecimento daquilo que, em virtude da constituicao, esta ordenado,
proibido ou liberado, é incerto. A incerteza pode ter a sua causa na incerteza
de premissas empiricas ou normativas.

a) Espaco de conhecimento empiric°


Incerteza empirica pode converter-se em problema em toda a parte. 0
lugar principal e o exame da idoneidade e necessidade. Se o tribunal cons-
titucional federal, como, por exemplo, na resolucao-Cannabis, permite ao
dador de leis intervir nos direitos fundamentais nao somente em virtude de
estimativas, demonstradas verdadeiras, mas ja em virtude de "sutentaveis",
das repercussoes de suas medidas, 1 ° 8 entao ele lhe concede urn espaco de
conhecimento empiric°. Em todos os espacos epistemicos, portanto, tam-
107
Essa compatibilidade reflete-se na compatibilidade entre relevancia ilimitada e determinacao limi-
tada. Uma relevancia ilimitada dos direitos fundamentais nasce quando se fecha as lacunas de urn
catalog° de direitos fundamentals pela liberdade de atuacao geral e se submete cada intervencao nos
direitos fundamentais ao exame da proporcionalidade. Cada conflito juridico, no qual participa, pelo
menos, um titular de direitos fundamentals 6, entao, construivel como colisao de direitos fundamentals
(comparar Canaris (Fn. 20), 82: Schuppert/Bumke (Fn. 24), 78). Da relevancia ilimitada, porem, ainda
nao resulta uma determinacao ilimitada. Isso mostra a existencia de espacos estruturais, especialmente,
do espaco de ponderacao. 0 conceito de empate de ponderacao pressupoe a relevancia dos principios
que estao no empate. Entre principios nao relevantes. portanto. nao correspondentes, nao se pode
produzir nada, nem sequer urn empate de ponderacao. Pois bem, o empate de ponderacao — que pres-
supOe, necessariamente, relevancia — é expressao da nao firmeza, e nao firmeza significa nao determi-
nacao. Corn isso. relevancia 6 compativel corn nao-determinacao. Isso implica a compatibilidade entre
relevancia ilimitada corn determinacao limitada. E. por conseguinte, nao so uma conclusao defeituosa
concluir de uma relevancia ilimitada uma determinacao ilimitada, mas tambern uma conclusao defei-
tuosa fazer isso da determinacao limitada para a relevancia limitada.
A compatibilidade de relevancia ilimitada e determinacao limitada nAo significa que sua coexistencia
necessaria. Pode produzir-se tanto urn enlace de relevancia ilimitada e determinacao ilimitada como
urn enlace de relevancia limitada e determinacao limitada. A ilimitabilidade dupla chega-se quando se
aceita que a constituicao content para cada questa° jurldica material uma resposta unicamente correta.
0 caminho para la iria abrir uma escalacao infinitesimal se a natureza rude da constituicao nao o
obstruisse. Uma limitacao dupla 6, na conservacao do principio da proporcionalidade, somente possivel
pelo fato de se definir os ambitos de protecao de modo que eles nao mais compreendam tudo, o que,
pelo menos. pressupoe a eliminacao da liberdade de atuacao geral ou da dimensao de protecao. Esse
caminho obstrue. contudo, o postulado de uma determinacao tao racional quanto possivel daquilo que
a constituicao, como ordenacao fundamental qualitativa, ordena. proibe e libera definitivamente (Alex),
(Fn. 13) 290 ff.). Permanece, portant°, somente a renuncia a congruencia entre relevancia e determi-
nacao.
108 BVerfGE 90. 145. 182.

Constitucionalismo discursivo 89
bém no empírico, coloca-se, inevitavelmente, o problema da divergéncia."
Quem admite intervengóes em virtude de premissas incertas, guando essas
premissas so somente sustentáveis ou plausíveis ou, o que ainda é menos,
no evidentemente falsas, deve aceitar a possibilidade de violagóes de di-
reitos fundamentais no comprováveis. Á extensáo dos espagos de conhe-
cimento corresponde a extenso de possíveis divergéncias entre aquilo que
realmente é ordenado, proibido e liberado e aquilo que é comprovável como
ordenado, proibido e liberado. Com essa divergéncia aparece o problema
geral da diferenga entre o óntico e o epistémico no direito constitucional.
Que urna premissa é incerta, significa que no somente ela entra cm
questáo. Como princípios materiais, os direitos fundamentais exigem urna
realizagáo cm medida táo alta quanto possível. Se se toma em consideragáo
somente isso, entáo urna solugáo simples parece ser indicada: em incerteza
deve ser escolhida, cada vez, a premissa mais favorável para o direito fun-
damental. Corno essa é aquela, sob cuja base a intervengo no seria justi-
ficável, isso teria a consequéncia que o dador de leis somente ainda pode
intervir em direitos fundamentais em virtude de, com certeza, premissas
verdadeiras. É fácil de reconhecer que uma tal solugáo náo entra cm ques-
táo."° A exigéncia que o dador de leis, ainda que ele intervenha só, pelo
menos, na liberdade de atuagáo geral, somente cm virtude de, com certeza,
premissas verdadeiras deve atuar, iria levar a quase incapacidade de atuar
completa do legislativo. Isso, urna constituigáo, que primeiro, no fundo,
quer um legislador e, segundo. um democraticamente legitimado, no
pode querer. Por conseguinte, o princípio da diviso de poderes e demo-
crático," como princípios formais,' I2 exigem um espago de conhecimento
empírico.113
109
Comparar Raabe Grundrecht und Erkenntnis, 1998, 147 ff.
110 Comparar BVerfGE 50, 290, 332.
111
BVerfGE 56, 54, 81.
112
Comparar Alexy (Fn. 13), 120, 267, 384, 427.
113
Na relaQáo entre tribunal constitucional e jurisdigáo especializada tem, guando se trata de liberdade
de manifestagáo de opiniáo e liberdade de arte, a questáo da interpretagáo de manifestagóes e obras,
importáncia especial. Na decisáo sobre a censura, feita á sociedade alemá para a morte humana em urna
folha volante, da falsificagáo da história da vida de gravemente doentes, aos quais a sociedade alemá
para a morte humana prestou a chamada eutanásia, trata-se disto, se a censura de falsificagáo deve ser
apreciada como afirmagáo de fato ou como sentenga de valor. Disso depende a intensidade da inter-
vengáo na liberdade de manifestagáo de opiniáo e, com isso, o resultado da ponderagáo. A proibigáo
de urna afirmagáo de fato depreciativamente falsa intervém só relativamente leve na liberdade de
manifestagáo de opiniáo, a de urna sentenga de valor, pelo contrário, relativamente grave (BVerfGE
94, 1, 8). 0 tribunal de segunda instáncia de Hamburg classificou essa manifestagáo de sentenga de
valor e denegou a agáo de omissáo, o tribunal de terceira instáncia hanseático classificou-a como
afirmagáo de fato náo demonstrável verdadeira e a acolheu. O tribunal constitucional federal chegou
ao resultado que a "explicagáo do tribunal de terceira instáncia táo pouco deve (ser) objetada jurí-
dico-constitucionalmente como aquela do tribunal de segunda instáncia" (BVerfGE 94, 1, 10). Ne-
nhurn dos tribunais "atribuiu" á manifestagáo um "sentido que ela, segundo o seo texto, náo pode ter
objetivamente". Por conseguinte, ambas as explicagóes sáo "sustentáveis" (BVerfGE 94, 1, 10 f.). Isso
é a concessáo de um espago. Na explicagáo ou interpretagáo de urna manifestaqáo trata-se da questio,

90 Robert Alexy
Nenhum espaco é ilimitado. A limitaedo pode, em Ultimo lugar, so-
mente resultar pelo proprio direito fundamental. Isso encontra sua expres-
sao nisto, que ao lado da lei de ponderacao material, que esta na base do
espaco de ponderacdo estrutural, vale uma lei de ponderacao epistemica,
que se deixa formular como segue: quanto mais grave pesa uma intervened°
em um direito fundamental, tanto mais alta deve ser a certeza das premissas
apoiadoras da intervened°.

b) Espaco de conhecimento normativo


Espacos de conhecimento empfricos causam, sem dtivida, problemas
suficientes, mas sempre ainda, de longe, menos que normativos. Isso reside
nisto, que neles nao se trata diretamente disto, o que a constituicao ordena,
proibe e libera, mas so indiretamente. Nesse aspecto, os problemas, corn
eles unidos, tern uma certa semelhanca corn aqueles da constitucionalizacao
-
indireta, mencionada no in 1cl°. Em espacos epistemicos normativos trata-
-se, pelo contrario, diretamente do conteudo material da constituicao. Cada
concessao de espacos de conhecimento normativos significa uma anulacao,
correspondente a sua extensao, do controle judicial-constitucional da vin-
culacao a constituicao. Isso é compativel corn a forea de validez formal,
caracterizada pelo enlace de primazia da constituicao e jurisdicao constitu-
cional, da lei fundamental?
Uma resposta adequada pode somente dar born resultado se tres coisas
sao juntadas. A primeira é o conhecimento, que o espaco de ponderacao
estrutural suaviza, consideravelmente, o problema do espaco de conheci-
mento normativo. Se esta fixado que algo cal nele, o IitIgio sobre isto, qual
6 a melhor soluedo, nao é mais litigio juridico-constitucional. Corn isso, a
questa° sobre um espaco de conhecimento normativo torna-se sem objeto.
A segunda 6 a antes mencionada lei de ponderacao epistemica que, em
intensidade de intervened° ascendente, O r e exigencias ascendentes a certe-
za das premissas apoiadoras da intervened°. Isso deixa encolher nao somen-
te o espaco de conhecimento empirico, mas tambern o normativo. Liagios
fundamentais sobre intervencOes intensivas ou mais intensivas nao devem
ser decididos politicamente como dissensos em espacos, mas jurldico-cons-
titucionalmente como dissensos sobre seus limites. Nos problemas perma-
necentes, antes mais reduzidos, nas margens dos espacos estruturais,
significa a concessao de um espaco de conhecimento normativo, todavia,
de fato, que vinculados decidem sobre sua vinculacao. Porem, isso, e isto
que sentido eta tern "objetivamente" sob inclusao do context° (BVerfGE 94, 1, 11). Isso é uma sentenca
sobre urn fato social. 0 espaco de interpretacao 6, portanto. urn subcaso do espaco empiric°. Corn a
liberacao da interpretacao, desfavoravel para o promovente do recurso, como "sustentavel", 6 liberado,
como, bem genericamente, em espacos empfricos. indiretamente, uma intervencao nos direitos funda-
mentals.

Constitucionalismo discursivo 91
é o terceiro elemento da resposta, é aceitável, enquanto a retratagáo de
controle judicial-constitucional permanece limitada por atribuigáo de espa-
gos de conhecimento normativos. Os limites somente sáo determináveis por
ponderagáo de princípios materiais e formais. Nisso resulta, conforme se
trate do que e de quem, urna imagem diferente. Os espagos de conhecimento
normativos da jurisdigáo especializada baseiam-se, sobretudo, nisto, que
eles compartilham como tribunal constitucional federal o caráter judicial.
Até aonde alcangam os espagos de conhecimento, mas também só até rigo-
rosamente ah, existe uma relagáo de cooperagáo autIntica" 4 entre jurisdi-
gáo constitucional e jurisdigáo especializada, porque no espago de
con hecimento normativo os tribunais especializados exercem jurisdigáo
constitucional material. Eles sáo, nesse aspecto, pequenos tribunais cons-
titucionais. Sobre isto, até aonde esse espago alcanga, vela. todavia, ade-
mais, o tribunal constitucional federal. A cooperagáo permanece, assim,
náo só limitada, mas também hierarquicamente abobadada.

IV. Resultado
Eu sintetizo. Os problemas da constitucionalizagáo deixam solucio-
nar-se em urna dogmática de espagos. Essa descansa sobre duas colunas. A
primeira, fornnam os espagos estruturais que expressam a limitagáo do con-
teúdo material da constituigáo, a segunda, os espagos epistémicos, pelos
quais é transferida, em extensáo limitada, jurisdigáo constitucional material
aos tribunais especializados. Por tudo vela o tribunal constitucional federal
com vista dupla. Urna é dirigida ao conteúdo constitucional material, a outra
aos seus limites e incertezas.

114
Robbers (Fn. 31), 938.

92 Robert Alexy
— 5—

Sobre o desenvolvimento dos direitos do


homem e fundamentais na Alemanha*

Sumario: 1. 0 conceito dos direitos do homem e fundamentals, 1. Direitos do homem;


2. Direitos fundamentais; II. Os direitos do homem e fundamentals na Alemanha nos
seculos 19 e 20; III. Vista sobre o desenvolvimento dos direitos do homem e funda-
mentals no piano supranacional e internacional.

Nos debates politicos e morais atuais pulula de referencias a direitos


do homem. As vezes, pode mal ainda se ouvir como quase todo problema
moral-politico é transformado em urn problema de direitos do homem. Em
tais inflacOes retoricas, as analises conceituais e historicas contam entre os
remedios mais eficazes. Eu inicio corn o conceito dos direitos do homem e
fundamentais e, entao, corn certos tracos. projetar um esboco do desenvol-
vimento dos direitos do homem e fundamentais na Alemanha. Para a con-
clusao deve, corn o fim de arredondamento da imagem, ser dada uma olhada
concisa na realizacao internacional dos direitos do homem.

I. 0 conceito dos direitos do homem e fundamentais


Direitos do homem, como fundamentais, sao, no micleo de seu signi-
ficado, direitos. Direitos sao relaceies de tres variaveis entre urn titular, urn
destittatcirio e urn objeto.' Assim, o titular do direito de liberdade liberal
classic° é o cidadao, o destinatario, o estado e o objeto, a omissa - o de inter-
vencees estatais na vida, liberdade e propriedade do cidadao. A relacao-di-
reitos de tres variaveis corresponde logicamente uma relacao-deveres de
tres variaveis. Se, como o tribunal constitucional decidiu, 2 o cidaddo tern
diante do estado urn direito a isto, que a substancia de seu patrimonio nab
seja imposto, entao o estado esta obrigado perante o cidaddo a omitir tais
imposicoes. Essa relacao-direitos de tres variaveis forma algo como o cen-
. Este artigo encontra-se publicado na Christiana Alhertina-Zeitschrift. Bd. 54, Kiel 2002. p. 6 et seq.
Tftulo no original: Zur Entwicklung der Menschen — und Grundrechte in Deutschland.
I
Em italic° no original.
2
BVerfGE 93, 121 (138).

Constitucionalismo discursive 93
tro lógico da dogmática dos direitos fundannentais. Eu quero somente citar
alguns exemplos: titular dos direitos fundamentais so somente nascidos
ou também no nascidos, somente privados ou também o estado, somente
pessoas ou também animais? Destinatário dos direitos fundamentais é so-
mente o estado ou também privados so destinatários, portanto, obrigados,
de modo que os direitos fundamentais desenvolvem o seu efeito também na
vida do trabalho e da economia? Finalmente: objeto dos direitos fundamen-
tais é somente a omissáo de intervengóes na vida, liberdade e propriedade
e a omissáo de tratamentos desiguais, ou o seu objeto compreende também
atuagóes positivas do estado? Um primeiro exemplo de um direito funda-
mental a atuagóes positivas do estado é o direito clássico do cidadáo contra
o estado a isto, que este lhe proteja diante de ataques de outros cidadáos.
Tais direitos so direitos de protegáo ou direitos á seguranga. Um segundo
exemplo é o direito á organizagáo e ao procedimento. O espectro estende-se,
aqui, do direito de procedimentos de autorizagáo transparentes para proje-
tos grandes, sobre direitos a determinadas paridades em grémios universi-
tarios, até ao direito á formagáo de acordo com a constituigáo do direito do
casamento e família. A maior atengo, no ámbito dos direitos a atuagóes po-
sitivas, chamam os direitos sociais e os culturais. Existem direitos fundamen-
tais ao mínimo existencial, ao trabalho e ao fomento da identidade cultural?
Nossa pequena olhada na multiplicidade daquilo que pode achar, e
pede para achar, seu lugar na relagáo-direitos de trés variáveis torna claro
porque o litígio sobre os direitos do homem e fundamentais nunca é somente
de natureza teórica, mas sempre também tem significado prático. No existe
nenhum problema de direito fundamental que também no se deixa formu-
lar como problema de justiga. As avessas, sem dúvida, náo vale rigorosa-
mente o mesmo, contudo, bem amplamente. A marcha dos direitos
fundamentais pelos séculos espelha, por conseguinte, também a marcha das
lutas moral-políticas reais. Contudo, antes de dar urna olhada sobre isso,
deve primeiro ser perguntado o que transforma direitos em direitos do ho-
mem e fundamentais. Porque, sem dúvida, tudo aquilo que é um direito do
homem ou fundamental auténtico, é direito. Mas no tudo aquilo que é um
direito é também um direito fundamental. Pense-se somente no direito do
vendedor contra o comprador ao pagamento do prego de compra.

1. Direitos do homem
Direitos do homem so definidos por cinco características.' A primei-
ra é a sua itniversalidade. 4 Titular dos direitos do homem é cada pessoa
3
Mais pormenorizado, para isso, R. Alexy, Die Institutionalisierung der Menschenrechte im demo-
kratischen Verfassungsstaat. in: ders., Recht, Vernunft, Diskurs, Frankfurt a. M. 1995. S. 246 ff.
4
Em itálico no original.

94 Robert Alexy
como pessoa. A universalidade do lado do destinatario é mais complicada.
Alguns direitos do homem, como o a vida, dirigem-se contra todos que
podem ser destinatarios de deveres, portanto, contra todas as pessoas, mas
tambem contra todos os estados e organizacoes. Outros direitos do homem,
como o direito eleitoral, dirigem-se somente contra o estado ao qual per-
tence o particular ou no qual ele vive. A segunda caracteristica dos direitos
do homem e a fundamentalidade de seu objeto. 5 Direitos do homem nao
protegem todas as fontes do bem-estar imaginaveis, mas somente interesses
e carencias fundamentais. Como tambem a compensacao e a distribuicao,
no ambito de interesses nao fundamentais, é urn problema de justica, existe
urn discurso de direitos fundamentais fora do discurso dos direitos do ho-
mem. Tambern a terceira caracterfstica concerne ao objeto dos direitos do
homem. E a sua abstratividade.° Pode rapidamente se acordar sobre isto,
que cada urn tern urn direito a saride, sobre isto, o que isso significa no caso
concreto, pode, porem, rebentar-se urn litigio prolongado. A quarta e a
quinta caracteristica nao concernem nem aos titulares, nem aos destinata-
rios, nem aos objetos dos direitos do homem, mas a sua validez. Direitos
do homem como tais tern somente uma validez moral. Pode, sob esse as-
pecto, falar-se da moralidade dos direitos do homem: Urn direito vale
moralmente quando perante cada um. que aceita uma fundamentacao racio-
nal, pode ser justificado. A existencia dos direitos do homem consiste,
portanto, em sua fundamentabilidade e em nada mais. Aqui espreitam abis-
mos. A quinta e Ultima caracteristica dos direitos do homem resulta de sua
moralidade, portanto, de sua validez moral. Direitos do homem, como di-
reitos moralmente vigentes, nao podem por direito positivo, portanto, no
por leis, regulamentos, contratos ou sentencas judiciais, ser deixados sem
vigencia. Leis, regulamentos, contratos e decisOes judiciais, que se opOem
a eles, sao sempre juridicamente viciosos e, em cases extremos, ate juridi-
camente nulos. Sua imposicao 6, entao, o exercicio de pura for-ca. Direitos
do homem tern, nesse sentido, uma prioridade perante o direito positivo.8
Corn isso, as cinco caracteristicas, que caracterizam os direitos do homem,
sobretudo, de outros direitos, estao juntas: direitos do homem sao direitos
(1) universais, (2) fundamentais, (3) abstratos, (4) morais e (5) prioritarios.

2. Direitos fundamentais
0 problema principal dos direitos do homem, come meros direitos
morais, e a sua imposicao. No ambito intra-estatal existe o passo decisivo
5
Em italic° no original.
6
Em italico no original.
7
Em italic° no original.
8
Em italico no original.

Constitucionalismo discursivo 95
para a imposigáo dos direitos do homem cm sua positivagáo como direitos
fundamentais, o que, cm regra, ocorre com a sua admissáo no catálogo de
direitos fundamentais da constituigáo. Com isso, eles ganham, ao lado de
sua validez moral, urna positiva jurídica. A validez moral dos direitos do
homem exclui. sem dúvida, que eles sejam anulados por direito positivo.
Ela, porém, no exclui que lhe seja acrescentada urna validez positiva jurí-
dica. Ao contrário, a validez moral dos direitos do homem exige, como um
dos meios mais eficazes de sua imposigáo, sua positivagáo. Essa é a conexo
fundamental entre direitos do homem e fundamentais. Direitos fundamen-
tais sao, portanto, direitos do homem transformados em direito constitucio-
nal positivo. O conceito do direito fundamental é, com isso. sem dúvida,
ainda no determinado em todos os sentidos, contudo, no ponto centra1.9
A positivagáo dos direitos fundamentais pode ser formada diferente-
mente. Urna positivagáo perfeita, sob aspectos de imposigáo. existe guando
os direitos fundamentais, como se diz no artigo 1, alínea 3, da lei funda-
mental») vinculam todos os tras poderes, portanto, também a dagáo de leis,
"como direito imediatamente vigente" e essa vinculagáo é submetida a um
controle amplo por um tribunal constitucional. Entáo, contudo, aparece um
novo problema: a relagáo de tensáo entre direitos fundamentais e democra-
cia. Direitos fundamentais regulam, como normas de grau de hierarquia
extremo, com forga vinculativa extrema, objetos extremamente importantes
cm — e nisso é culpado o caráter abstrato, que eles partem com os direitos
do homem — urna medida máxima de abertura. Um tribunal constitucional
precisa, nesse ámbito de abertura, pór-se forgosamente cm concorréncia
com o dador de leis legitimado parlamentariamente. Porém, com isso, nós
nao estamos mais no conceito de direito fundamental, mas já em seus pro-
blemas. Olhemos, contudo, primeiro no passado.

II. Os direitos do homem e fundamentais na


Alemanha nos séculos 19 e 20
Os direitos do homem no so urna descoberta do século 20. Raízes
da história das ideias deixam remontar-se ás suas origens até na antiguida-
de. Pense-se somente na fórmula figural de Deus no Génesis 1.27, na fór-
mula de igualdade, do novo testamento, de Paulo na carta aos Gálatas 3.28
e na ideia de igualdade cosmopolita da escola estoica. Daqui até a direitos
enderegados ao estado e que podem ser impostos judicialmente foi, contu-
do, ainda um longo caminho. Segundo rastros antigos, como a magna charta
9
Para urna definigáo mais pormenorizada, comparar R. Alexy, Grundrechte, in: H. J. Sandkühler (Hg.),
Enzyklopádie Philosophie, Bd. 1, Hamburg 1999, S. 525 ff.
10
Nota do tradutor: artigo 1, alínea 1, da lei fundamental: a dignidade da pessoa é intangível. Consi-
derá-la e protegé-la é obrigagáo de todo o poder estatal.

96 Robert Alexy
libertatum medieval, do anode 1215, produziram-se primeiras positivacOes
de certos elementos juridico-fundamentais na Inglaterra revolucionaria do
seculo 17. Eu menciono somente os atos-habeas-corpus, do ano de 1679.
Seu primeiro desenvolvimento pleno, a ideia dos direitos do homem e fun-
damentais experimentou na revolucao americana e na francesa. Em 12 de
junho de 1776 produziu-se corn o Virginia Bill of Rights a primeira positi-
vacao ampla dos direitos do homem. Em 26 de agosto de 1789 seguiu a
declaracao dos direitos do homem e do cidadao francesa.
Na Alemanha, o desenvolvimento transcorreu muito mais hesitante.
Ap6s passos relativamente tlmidos no period° arcaico do constitucionalis-
mo alemao — as constituicoes de Sachen-Weimar-Eisenach, do ano de 1816,
e da Baviera, do ano de 1818, sao exemplos para isso — foi, apos o ano
revolucionario de 1848, incluido urn catalog° de direitos fundamentais am-
plo na constituicao do imperio, de 28 de marco de 1849, a constituicao da
igreja de Sao Paulo. A constituicao da igreja de Sao Paulo, contudo, fracas-
sou e, corn ela, o primeiro catalog° de direitos fundamentais alemao real-
mente amplo. 0 que nos poderia ter ficado poupado sem esse fracasso! Ap6s
a guerra franco-alema e da fundacao do 2. imperio alemao, foi prom ulgada,
em 16 de abril de 1871, a constituicao do imperio. E caracteristico para essa
constituicao que ela nao continha direitos fundamentais. Assim, a Alema-
nha, no plano estatal total, pos-se no seculo 20 sem urn catalog° de direitos
fundamentais. Esse resultado diz, sem thivida, alguma coisa, a ele, certa-
mente, tambem nao deve ser atribuido urn peso muito grande. Encontra-
vam-se nas constituicOes dos estados particulares, em parte, titulos de
direitos fundamentais consideraveis. Como exemplo, pode servir a consti-
tuicao prussiana, de 31 de janeiro de 1850, que em urn titulo, que abrange
40 artigos, regulava os "direitos dos prussianos". Todavia, esse catalog°
continha uma multiplicidade de reservas de limitacao, muitas vezes, Inuit°
amplas. Foi, sobretudo, uma ciencia do direito administrativo e jurispru-
dencia administrativa, no total, habil, que cuidaram disto, que existisse uma
medida consideravel em estatalidade juridica. Pode trazer-se a situacao
formula que o imperio era caracterizado antes por estatalidade jurldica do
que por juridicidade fundamental. Anschtitz formulou isso em 1912 no sen-
tido que o "significado juridico-subjetivo dos direitos dos prussianos" es-
gotava-se nisto, que "a pretensao de omissao de atividades administrativas,
que intervem na liberdade pessoal sem fundamento legal, é reconhecida em
alguns casos de aplicacao". 11 Os direitos fundamentais contem, segundo
isso, nao mais que uma apresentacao, casuisticamente formulada, do prin-
cipio da legalidade da administracao.
II
G. Anschtitz, Die Verfassungskunde fill den PreuBischen Staat, Bd. I. Berlin 1912, S. 97.

Constitucionalismo discursivo 97
A constituigáo de Weimar, de 11 de agosto de 1919, deixou inclinar o
péndulo para o outro lado, o que, como tantas vezes em golpes cm sentido
contrário, no teve consequéncias afortunadas. Na segunda parte principal
sao, sob o título "direitos fundamentais e deveres fundamentais dos alemáes",
em 66 artigos, adotadas regulagóes jurídico-fundamentais e semelhantes a
direitos fundamentais. O caráter do todo fica reconhecível guando se dá
urna olhada nos encabqamentos dos cinco títulos. Eles dizem: "A pessoa
particular", "A vida comunitaria", "Religiáo e sociedades religiosas", "For-
magáo e escola" e "A vida económica". Com isso, é abandonada a tradigáo
liberal burguesa, segundo a qual direitos fundamentais, só ou, pelo menos,
cm primeiro lugar, sáo direitos de defesa do cidadáo contra o estado. Para
o asseguramento da liberdade individual associam-se a participagáo políti-
ca e social e o asseguramento social. O sistema dos direitos fundamentais
é ampliado cm um sistema amplo de urna ordem social justa. Característico
para isso é o artigo 151, alinea 1, da constituigáo do império de Weimar,12
que abre o título "A vida económica". Ele diz: "A ordem da vida económica
deve corresponder ao princípio da justiga com o objetivo da garantia de urna
existéncia digna de um ser humano para todos. Nesses limites, de ve ser
assegurada a liberdade económica do particular." Isso é liberdade econó-
mica somente no quadro de urna justiga no definida por liberdade econó-
mica.
O problema principal dos direitos fundamentais de Weimar era o de
sua forga de validez. A constituigáo de Weimar previa, sem dúvicla, um
tribunal estatal (artigo 108 da constituigáo do império de Weimar). ' 3 Mas
esse era, no essencial, competente somente para litígios entre órgáos no
interior dos estados e para litígios federativos entre o império e os estados.
Na literatura bramia um litígio sobre isto, se e cm qual proporgao as normas
de direitos fundamentais, do título de direitos fundamentais, eram meras
proposigóes programáticas sem forga vinculativa jurídica. Teve importan-
cia particular nisso a questáo, se aos tribunais, particularmente ao tribunal
i mperial, cabia urna competéncia de controle judicial perante a dag.ao de
leis imperial. Nesses litígios apareceram, cm forma primitiva mais viva,
muitas ideias, que na segunda metade do século 20 foram elaboradas, na
tranquilidade académica, até nos detalhes. Também a prática empreendeu
tragos audazes. Assim, o tribunal imperial requereu o controle judicial da
daga() de leis no critério da constituigáo. Sua reviso da lei de revalorizagáo,
do ano de 1925, no critério da garantia da propriedade do artigo 153, da
12
Nota do tradutor: artigo 151. alínea 1, da constituigáo do império de Weimar: a ordem da vida
económica deve corresponder aos princípios da justiga com o objetivo da garantia de urna existéncia
digna de um ser humano para todos. Nesses limites deve ser assegurada a liberdade económica do
particular.
13
Nota do tradutor: artigo 108 da constitulgáo do império de Weimar: cm conformidade com urna lei
imperial será estabelecido um tribunal estatal para o império alemáo.

98 Robert Alexy
constituicao do imperio de Weimar, 14 6, para isso, urn exemplo expressi-
vo. 15 Essa decisao mostra paralelos claros para corn a celebre decisao Mar-
bury v. Madison, do ano de 1803, corn a qual a suprema corte americana
abriu o controle do legislativo.' 6 A essa marcha vigorosa, no que concerne
potencia espiritual, as circunstancias politicas recusaram a maturacao. Em
1933 resultou a caida no nada juridico-fundamental. A historia é conhecida.
Eu gostaria, aqui, somente, de mencionar o regulamento de necessidade,
promulgado segundo o artigo 48, alinea 2, da constituicao do imperio de
Weimar, 17 do presidente imperial, de 28 de janeiro de 1933, pelo qual os
direitos fundamentais importantes para o processo politico, explicitamente,
foram deixados sem vigencia." Em 24 de marco de 1933 seguiu a lei de
autorizacao, pela qual o parlamento imperial, corn maioria que modifica a
constituicao, transferiu ao governo imperial e, corn isso, Adolf Hitler, nao
so o poder para a dacao de leis, mas tambem os autorizou a desviar da
constituicao, a medida que nao foram tocados a instalacao do parlamento
imperial e do conselho imperial ou os direitos do presidente imperial.'" Corn
isso, estava eliminada, expressa e completamente, a vinculacao do poder
politico aos direitos fundamentais. A ciencia do direito nacional-socialista,
logo dominante, festejou isso. Em vez de muitos, seja citado Ernst Rudolf
Huber, em cujo "direito constitucional do imperio da grande Alemanha" diz-
-se: "Somente a ruptura politica da concepcao de mundo nacional p6de real-
mente vencer os direitos fundamentais liberais. Particularmente, os direitos de
liberdade do individuo perante o poder estatal precisaram desaparecer; eles
nao sao compativeis corn o principio do imperio nacional". 2 ° No lugar dos
direitos fundamentais colocou-se "posicao juridica do consorte popular".2'
14
Nota do tradutor: artigo 153 da constituicao do imperio de Weimar: 1) A propriedade é garantida
pela constituicao. Seu contetido e suas barreiras resultam das leis; 2) uma desapropriacao pode ser feita
somente para o bem-estar da comunidade e sobre fundament° legal. Ela realiza-se mediante indeniza-
cao conveniente, a medida que uma lei imperial nao determina outra coisa. Por causa do montante da
indenizacao deve, em casos litigiosos, ser mantida aberta a via juridica nos tribunals ordinarios, a
medida que leis imperiais nao determinam outra coisa. Desapropriacao pelo imperio perante estados,
municfpios e gremios de utilidade ptiblica pode realizar-se somente mediante indenizacao; 3) proprie-
dade obriga. Seu uso deve, simultaneamente, ser servico para o bem-estar comum.
15
RGZ Ill, 320 (320 ff.).
16
U. S. 137 (1803); comparar para isso G. R. Stone/L. M. Seidman/C. R. Sunstein/M. V. Tushnet,
Constitutional Law, 4. Aufl., Gaithersburg/New York 2001, S. 22 ff.
17
Nota do tradutor: artigo 48, alfnea 2, da constituicao do imperio de Weimar: o presidente imperial
pode, quando no imperio alemao a seguranca e ordem ptiblica é perturbada ou posta em perigo consi-
deravelmente, tomar as medidas necessarias para o reestabelecimento da seguranca e ordem ptiblica.
em caso necessario, intervir corn o auxflio do poder armado. Para essa finalidade ele pode, tempora-
riamente, deixar sem vigencia, completamente ou em parse, os direitos fundamentais fixados nos artigos
114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153.
18
RGB1. I S. 83.
19
RGBI. I S. 141.
20 E. R. Huber, Verfassungsrecht des GroBdeutschen Reiches, 2. Aufl., Hamburg 1939, S. 361.
21
Ders., S. 363 ff.

Constitucionalismo discursivo 99
Com isso, o universalismo, que, como nós vimos, define essencialmente os
direitos do homem, é eliminado. Karl Larenz expressa isso com categoria-
lidade rude: "Consorte jurídico é somente quem é consorte popular; con-
sorte popular é quem é de sangue alemáo".22
Depois de 1945 foi, primeiro nos estados, entáo, com a lei fundamental
de Bonn, também no plano da república federal, feito um início novo. Desde
a reunificagáo, no ano de 1989, vale a lei fundamental, de 23 de maio de
1949, em toda a Alemanha. O afastamento do nacional-socialismo é náo
apreciável. O artigo 1, alínea 1, da lei fundamenta1, 23 declara a dignidade
humana como o valor constitucional supremo, e o artigo 1, alínea 2, da lei
fundamenta1, 24 com a profissáo do po y o alemáo por "direitos do homem
invioláveis e inalienáveis", produz urna unido expressa entre direitos fun-
damentais e do homem. Mas também é claro um distanciamento para com
constituigóes socialistas, que jogam os direitos fundamentais sociais, so-
bretudo, o direito ao trabalho, contra os liberais, como isso, por exemplo,
ocorreu na constituigáo da unido das repúblicas socialistas soviéticas, de 5
de dezembro de 1936, e nas constituigóes da república democrática alemá,
de 7 de outubro de 1949 e de 6 de abril de 1968. Encontra-se somente um
único direito fundamental social escrito na lei fundamental, o direito da me
á protegáo e á assisténcia da comunidade (artigo 6, alínea 4, da lei funda-
mental). 25 O catálogo de direitos fundamentais da lei fundamental, com
isso, está na tradigáo liberal-burguesa.
O que direitos fundamentais realmente sao, de nenhum modo decide
somente o texto constitucional. Decisivo so a vontade política do po y o, a
situagáo económica e a prática jurídica e ciéncia do direito. O clima político
e o económico foram favoráveis ao desenvolvimento dos direitos funda-
mentais na Alemanha na segunda metade do século 20. A prática jurídica
recebeu, pelo tribunal constitucional federal, dotado com fortes competén-
cias, todos os instrumentos necessários para a imposigáo de direitos funda-
mentais. Nessa situagáo póde, em 50 anos, nos quais nasceram 100 volumes
de jurisprudéncia do tribunal constitucional federal e trabalhos científicos
inumeráveis, ser desenvolvido um sistema de direitos fundamentais sem
precedentes. Se se quer descrever a história dos direitos fundamentais e do
homern do século 20 na Alemanha com urna curva, entáo se pode, no ano
de 1900, iniciar com um nível relativamente baixo, mas no náo-observá-
22
K. Larenz, Rechtsperson und subjektives Recht. in: G. Dahm/E. R. Huber/K. Larenz/K. Michaelis/F.
Schaffstein/W. Siebert, Grundfragen der neuen Rechtswissenschaft, Berlin 1935, S. 241.
23
Nota do tradutor: ver nota 10, supra.
24
Nota do tradutor: artigo I, alínea 2, da lei fundamental: o po y o alemáo professa-se, por isso, por
direitos do homem invioláveis e inalienáveis como fundamento de cada comunidade humana, da paz e
da justiga no mundo.
25
Nota do tradutor: artigo 6, alínea 4, da lei fundamental: cada máe tem a pretensáo de protegáo e
assisténcia da comunidade.

100 Robert Alexy


vel, que ate a primeira guerra mundial suavemente sobe. De 1919 ate 1933
deveria ser apontado um bater para la e para ca vibrante, corn grandes
oscilaciies para cima e para baixo e, no total, corn leve subir. Em 1933 a
curva cai abruptamente para baixo, para la desaparecer completamente.
Depois de 1945, ela deixa ver-se outra vez para, desde 1949, urn pouco
lenta, mas continuamente e corn oscilacOes relativamente reduzidas, subir
ate ao final do seculo a urn nivel realmente alto.
Um nivel alto e algo alto, mas nao o mais alto. Aqui nao e nem o lugar
para provar a marcha do desenvolvimento dos direitos fundamentais na
segunda metade do seculo 20 em suas ramificacOes, nem o espaco para
descrever realmente deficits e perigos. Eu preciso, por conseguinte,
tar-me a algumas observacOes. 0 balanco positivo deve estar no inicio. Dele
faz parte a teoria do ordenamento de valores dos direitos fundamentais, que
nos anos 50 foi acolhida pela jurisprudencia e, naturalmente, tern raizes de
Weimar. Ela é — sem prejuizo de algumas irritacifies — a base para a irradia-
cdo dos direitos fundamentais sobre todos os ambitos, portanto, tambem
sobre o direito privado. 26 Uma segunda prestacao é o estabelecimento da
liberdade de atuacao gera1. 27 Ele e o direito de personalidade juridico-cons-
titucional gera1 28 expressam que a liberdade do individuo esta no centro.
Existe, como observado, somente urn unico direito fundamental social es-
crito, o direito da mde a protecao e A assistencia, na lei fundamental. E uma
terceira prestacao consideravel de jurisprudencia e doutrina, que o direito
a um minim() existencial hoje é urn direito fundamental social nao escrito.29
Uma quarta linha de desenvolvimento importante é o fortalecimento de
todos aqueles direitos fundamentais que sao imediatamente importantes
para o process° democratic°. Isso estende-se da, cedo descoberta, "presun-
cao para a admissibilidade da fala livre", 3 ° que na decisao-soldados-sao-as-
sassinos foi conduzida ate a um limite da dor, m ate o direito do cidaddo a
ter parte igual no processo de formacao de vontade politica, que, entre
outras coisas, exige a formacao do direito da doacao a partidos que rid()
prejudica os recebedores de rendas medias. 12 Como quinto deve ser men-
cionado o direito a protecao, que se estende do direito a protecao contra
forca privada 33 ate ao direito A protecao diante de emissiies, por exemplo,
diante de mid() de rodovia. 34 Uma importancia particular tern, sexto, a di-
26
Fundamental BVerfGE 7, 198 (205 ff.).
27
BVerfGE 6, 32 (36 f.).
28
Comparar, por exemplo. BVerfGE 35, 202 (219 f.).
29
BVerfGE 40, 121 (133); 82.60 (85).
30
BVerfGE 7, 198 (212).
31
BVerfGE 81, 1; 93, 266.
32
BVerfGE 8, 51(68 f.); 85, 264 (293).
33
BVerfGE 46, 160 (164).
34
BVerfGE 79, 174 (201 f.).

Constitucionalismo discursivo 101


menso jurídico-organizacional e jurídico-procedimental dos direitos fun-
damentais. O primeiro experimentou no direito de radiodifusáo, 35 o segun-
do, no direito atómico, 36 urna formaláo particular. Tudo isso é, sétimo,
abobadado pelo princípio da proporcionalidade, com o qual o ponderar
jurídico-fundamental, necessário em toda a parte, pode ser formado táo
racionalmente como isso em pondernóes somente é possível.
Do lado dos deficits muitos veem, em primeiro lugar, as fraquezas dos
direitos sociais. Nisso, o problema do desemprego desempenha um papel
particular. Aqui, contudo, é ordenado cuidado. Em urna econotnia livre, o
estado dispóe só limitadamente sobre postos de trabalho. Um direito ao
trabalho no poderia, por isso, ser reclamável judicialmente. Seria urna
proposiláo programática como se a conhece da constitui0o de Weimar. Se
se inicia, porém, cm catálogos de direitos fundamentais, primeiro, urna vez,
com proposiOes programáticas, o todo ameaQa amolecer. O verdadeiro
deficit no reside nisto, que o catálogo de direitos fundamenais náo contém
nenhum direito ao trabalho, mas nisto, que ele náo pode conter nenhum, se
direitos fundamentais devem permanecer direitos reclamáveis judicialmen-
te. Isso, porém, eles devem incondicionalmente. Isso mostra mais do que
um defeito pontual. Mostra um limite geral dos direitos fundamentais. Di-
reitos fundamentais podem assegurar muita coisa, mas náo tudo. Eles náo
sáo nenhum remédio universal. Existem numerosos problemas que náo silo
solucionáveis por direitos fundamentais, portant°, por direitos, mas somen-
te por política ou moral. Quem carrega tudo nos direitos fundamentais os
destrói.
Aos deficits, que nascem de um demasiado pouco cm direitos funda-
mentais, acrescem perigos que residem cm um cm demasia cm direitos
fundamentais. Aqui deve ser distinguido entre um aspecto procedimental
ou formal e um substancial ou material. De um aspecto procedimental ou
formal de um cm demasia de direitos fundamentais trata-se, guando ao
tribunal constitucional federal é censurado que ele, por meio de interpreta-
Oo de direitos fundamentais, intromete-se demais no processo político.
Essa objeQáo pode tornar o seu ponto de partida da observaqáo, a náo ser
i mpugnada, que o tribunal constitucional federal, desde 1951, obteve do
catálogo de direitos fundamentais escasso um entrelaodo de normas, que
se deixa formular cm milhares de parágrafos e fixa ao dador de leis parla-
mentar inumeráveis limites. Tal coisa contém, de fato, o perigo de urna
paralisia e desvalorizaQáo do processo político, portanto, da democracia.
Por que ainda se deve engajar politicamente se todas as questóes efetiva-
mente importantes realmente sáo decididas pelo tribunal constitucional?
35
Comparar, por exemplo, BVerfGE 12, 205; 83, 238; 90, 60.
BVerfGE 53, 30(65).

102 Robert Alexy


Esse perigo, contudo, é inevitavelmente unido corn cada controle judicial
do dador de leis corn vista a observancia dos direitos fundamentais e ele
pode ser conjurado quando todos sao conscientes dele e dirigem o olhar nao
so para os direitos fundamentais como tais, mas tambem para os espacos
que eles deixam ao dador de leis. 37 No aspecto substancial ou material do
perigo de urn em demasia em direitos fundamentais trata-se de problemas
do individualismo. Os direitos fundamentais da lei fundamental sao, como
ja observado, unidos essencialmente corn a ideia do individualismo, que
prima facie exige uma medida maxima de liberdade individual. Agora, po-
rem, é uma visao, simultaneamente fundamental e trivial, que direitos in-
dividuais ilimitados de urn. em regra, somente sao possiveis a custa de
direitos individuais de outros e/ou bens coletivos. Felizmente, tambem esse
problema nao é insolüvel. Assim como o problema da democracia é sol
cionavel no quadro de uma dogmatica de espacos, assim o é o problema do
individualismo no quadro de uma dogmatica de barreiras. Sua parte nuclear
forma o principio da proporcionalidade. Seu nude°, outra vez, 6 a ponde-
racao. Ponderabilidade é o contrario de unilateralidade, motivo pelo qual o
ponderar junto a fanaticos, de todos os tipos, é extremamente malquerido.
0 segundo perigo 6, corn isso, conjurado, quando dá born resultado produ-
zir, por ponderacao, uma compensacao razoavel entre direitos individuais
colidentes, por um lado, e entre direitos individuais e bens coletivos coli-
dentes, por outro.

III. Vista sobre o desenvolvimento dos direitos do homem e


fundamentais no plano supranacional e internacional
Finalmente, seja dada uma olhada no desenvolvimento dos direitos
fundamentais supranacional e internacional. Outra vez, o meado do seculo
20 ocupa uma posicao simetrica. A declaracao dos direitos do homem uni-
versal, de 10 de dezembro de 1948, das nacoes unidas, foi algo como o passo
original para a institucionalizacao de direito internacional public() ampla
dos direitos do homem. A ele seguiram numerosos pactos ou convencoes.
Sejam aqui, no que concerne ao piano mundial, mencionados somente os
pactos internacionais sobre direitos civis e politicos e sobre direitos econo-
micos, sociais e culturais, do ano de 1966, que, entrementes, foram ratifi-
cados pela maioria dos estados desta terra. No espaco do conselho europeu,
que se estende muito alem da uniao europeia, a convene -do de direitos do
homem europeia, entrementes, obteve alto significado. Isso deve ser agrade-
cido, sobretudo, ao tribunal europeu para direitos do homem, em StraBburg.
37
Comparar, para isso, R. Alexy, Verfassungsrecht und einfaches Recht — Verfassungsgerichtsbarkeit
und Fachgerichtsbarkeit. in: VerOffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer 61
(2002). Ver supra, 4.

Constitucionalismo discursivo 103


Na unido europeia decide, além disso, também o seu tribunal de Luxembur-
ger questóes de direitos fundamentais. Pense-se somente em suas sentengas
sobre equiparagáo de homens e mulheres. Além disso, a maioria dos esta-
dos-membros tem, entrementes, tribunais constitucionais. A Alemanha
mantém nisso, com 16 tribunais constitucionais no total, o recorde, pois ao
tribunal constitucional federal acrescem 15 tribunais constitucionais esta-
duais, urna vez que todos os estados federados, exceto Schleswig-Holstein,
entrementes, tém tribunais constitucionais próprios. Se se junta tudo isso,
entáo se pode dizer que na Europa e, sobretudo, na Alemanha no existe
defeito em jurisdigáo de direitos fundamentais e do homem. Ameagam,
antes, colisóes.
No plano global, as coisas no esto táo bem. Domina, por um lado,
um litígio sobre o conteúdo dos direitos do homem. A questáo nuclear diz:
eles so somente expressáo de tradigóes especificamente europeias ou eles
podem requerer validez universal? Muita coisa é aqui, em seus pormenores,
discutível, porém, já somente o fato que esses problemas atualmente sáo
discutidos globalmente como problemas dos direitos do homem parece oti-
mista. Ao problema da fundamentagáo corresponde o problema da imposi-
gáo. Este deixa, desde a guerra do Kosovo, afilar-se para a questáo se os
direitos do homem, nos limites do século 20 para o 21, converteram-se cm
um catálogo de fundamentos para a guerra, dos quais se pode servir quase
arbitrariamente. A resposta a essa questáo deve dizer que os direitos do
homem, cm todo o caso, so fundamentos náo só para apreciagóes e conde-
nagóes, mas também para atuagóes e que a questáo, se essa atuagáo também
abarca guerra, é urna questáo de ponderagáo. Também sem guerra a prote-
gáo aos direitos do homem pode ser feita avangar eficazmente, como o
litígio sobre a extradigáo de Pinochet mostrou. Vale, bem genericamente,
que direito, com o tempo, náo pode ser imposto somente por poder e forga.
A ideia de direitos do homem, que se apoiam somente em poder e forga,
tem, além disso, algo de absurdo. Neles existe urna relagáo particularmente
estreita entre fundamentagáo e imposigáo. Poder e forga sáo somente um
meio para a imposigáo do direito e eles nunca seráo suficientes para asse-
gurar sua validez duradoura. Para isso, é necessária a convicgáo alargada
da corregáo. A imposigáo global dos direitos do homem, que é um equiva-
lente irrenunciável á globalizagáo económica, depende, cm último lugar,
disso, e somente disso.

104 Robert Alexy


—6—

Direitos fundamentais, ponderacao


e racionalidade*

Sumario: 1. Duas construcOes de direitos fundamentals; 2. Critica de Habermas da


construcao da ponderacao; 3. A estrutura da ponderacao

1. Duas construcoes de direitos fundamentais


ConstituicOes democraticas modernas contem dois tipos ou categorias
de normas. Da primeira categoria fazem parte aquelas normas que consti-
tuem e organizam a dacao de leis, o poder executivo e a jurisdicao, portanto,
o estado. No centro esta, aqui, a autorizacao. Na segunda categoria caem
aquelas normas que limitam e conduzem o poder estatal. Aqui, devem ser
mencionados, em primeiro lugar, os direitos fundamentais. Essa dicotomia
parece – pelo menos no uni verso dos estados constitucionais democraticos
– ter validez universal. A universalidade, certamente, deve-se – como tantas
vezes – a abstratividade e estende-se, por conseguinte, tambern somente tao
longe quanto esta. Diretamente abaixo do piano da abstratividade extrema
entram em jogo possibilidades distintas. Isso concerne tanto ao lado das
competencias estatais como ao dos direitos individuals. Eu irei considerar
somente os tiltimos.
Existem duas construceies de direitos fundamentais, fundamentalmen-
te, distintas: uma estreita e rigorosa e uma larga e ampla. A primeira pode
ser denominada "construcao de regras", a segunda, "construcao de princl-
pios".' Ambas essas construcoes em parte alguma estao realizadas pura-
mente. Elas representam, contudo, tendencias fundamentais diferentes e a
questao, qual delas e a melhor, é uma questao central da interpretacao de
cada constituicao, que conhece direitos fundamentais e uma jurisdicao
constitucional.
* Este artigo foi publicado originalmente na Ars Interpretandi. Yearbook of Legal Hermeneutics 7
(2002), p. 113 et seq. Titulo no original: Grundrechte. Abwagung und Rationalitat.
I
Entre aspas, a cada vez, no original.

Constitucionalismo discursivo 105


Segundo a construgáo estreita e rigorosa, normas que concedem direi-
tos fundamentais no se distinguem, essencialmente, das outras normas do
sistema jurídico. Elas tém, naturalmente, como normas constitucionais, seu
lugar no grau extremo do sistema jurídico e seus objetos so direitos, ex-
tremamente abstratos de maior importáncia, mas tudo isso — segundo a
construgáo de regras — no é fundamento para alguma diferenp fundamen-
tal de tipo estrutural. Elas so normas jurídicas e, como tais, elas so apli-
cáveis do mesmo modo como todas as outras normas jurídicas. Sua
particularidade consiste somente nisto, que elas protegem determinadas
posigóes do cidadáo, descritas abstratamente, contra o estado.
Segundo a construgáo ampla ou holística, normas de direitos funda-
mentais no se esgotam nisto, de proteger determinadas posigóes do cida-
dio, descritas abstratamente, contra o estado. Essa eterna fungo dos
direitos fundamentais é inserida cm um quadro mais amplo. Na Alemanha,
o tribunal constitucional federal desenvolveu completamente esse quadro
amplo, pela primeira vez, no ano de 1958, na sentenga-Lüth. Lüth havia
chamado o público alemáo, assim como os proprietários de cinemas e dis-
tribuidores de filmes para boicotarem filmes de Veit Harlan, que ele pro-
duziu depois de 1945. Lüth fundamentou seu chamamento ao boicote com
isto, que Harlan era o diretor artístico-filmes nazistas mais proeminente,
cm que ele referiu-se, especialmente, ao filme "judeu doce", 2 o filme prin-
cipal da propaganda de cinema nacional-socialista anti-semita. O tribunal
de segunda instancia de Hamburg condenou Lüth a isto, de omitir cada
chamamento para o boicote do novo filme de Hartan, "amante imortal".3
Ele fundamentou sua sentenga com isto, que um tal chamamento ao boicote
viola o § 826 do código civi1, 4 que proíbe ocasionar "cm um modo que
infringe os bons costu mes um dano doloso a outro". 5 Lüth promoveu recur-
so constitucional contra essa sentenga.
O tribunal constitucional federal considera o chamamento de Lüth ao
boicote como prima facie protegido pela liberdade de manifestagáo de opi-
nido (artigo 5, alínea 1, da lei fundamental). 6 O artigo 5, alínea 2, da lei
fundamenta1, 7 contém, todavia, trés cláusulas que limitam a liberdade de
2
Entre aspas no original.
3
Entre aspas no original.
4
Nota do tradutor: § 826 do código civil: quem, em um modo infringente contra os bons costumes,
ocasiona dolosamente dano a um outro, está obrigado, para com o outro, ao ressarcimento do dano.
5
Entre aspas no original.
6
Nota do tradutor: artigo 5, alinea 1, da lei fundamental: cada um tem o direito de manifestar e de
propagar livremente a sua opiniáo cm palavra, escrita ou imagem e de informar-se, sem entraves, nas
fontes gerais acessíveis. A liberdade de imprensa e a liberdade de reportagem por meio de radiodifusáo
e filme seráo garantidas. Urna censura náo tem lugar.
7
Nota do tradutor: artigo 5, alínea 2, da lei fundamental: esses direitos encontram suas barreiras nas
prescricóes das leis gerais, nas determinnóes legais para a proteláo á juventude e no direito da honra
pessoal.

106 Robert Alexy


manifestacao de opiniao, garantida pela primeira alinea desse artigo cons-
titucional. A primeira delas é aquela das "leis gerais". 8 0 tribunal constitu-
cional federal comprova que o § 826 do codigo civil, no qual o tribunal de
segunda instancia de Hamburg , apoiou a sua decisao, é uma lei geral no
sentido da primeira clausula. 9 E exatamente nesse ponto que se mostra o
significado da dicotomia entre a estreita e rigorosa, portanto, a construcao
de regras, e a larga e ampla, portanto, a construcao de principios. Se se
segue a construcao de regras, entao a solucao do caso esgota-se na resposta
de duas questOes. A primeira 6 se o chamamento ao boicote de Ltith deve
ser subsumido sob o conceito da manifestacao de opiniao. 0 tribunal cons-
titucional federal afirma isso e eu acho que isso esta correto. A segunda
questa() diz se o § 826 do codigo civil 6 aqui aplicavel. Isso é o caso, quando
o chamamento ao boicote infringe os bons costumes. 0 tribunal de segunda
instancia de Hamburg era da opiniao que ele infringia os bons costumes,
porque ele visava a isto, impedir urn reaparecimento de Harlan como criador
de filmes representativos, embora ele nao so tenha passado pelo procedi-
mento de desnazificacao, mas tambem sido absolvido em um procedimento
penal que fora feito contra ele por causa de sua participacao no filme "judeu
doce". 1 ° Sob essas circunstancias, o chamamento ao boicote — assim o tri-
bunal de segunda instancia de Hamburg — infringe "a concepcao juridica e
de costumes democratica do povo alemao".' '
0 tribunal constitucional federal 6 da opiniao que nao é suficiente
fazer essas duas subsuncoes isoladas." Ele exige, ao contrario, que sempre
entao, quando a aplicacao de normas do direito civil leva a limitacao de urn
direito fundamental, deve ter lugar uma ponderacao dos principios consti-
tucionais colidentes. 0 resultado da ponderacao do tribunal constitucional
federal foi que ao principio da liberdade de opiniao deve ser dada a primazia
perante os principios em sentido contrario. Ele exigiu que a clausula "contra
os bons costumes", no § 826 do codigo civil, deve ser interpretada de acordo
corn essa prioridade." Concisamente: Liith ganhou.
A sentenca-Lirth une tres ideias, que enformaram fundamentalmente
o direito constitucional alemao. A primeira é que a garantia juridico-cons-
titucional de direitos individuais nao se esgota em uma garantia de direitos
de defesa do cidadao classicos contra o estado. Os direitos fundamentais
personificam, como diz o tribunal constitucional federal, "tambem um or-

8
Entre aspas no original.
9
BVerfGE 7, 198,211 f.
I
° Entre aspas no original.
I I Comparar BVerfGE 7. 198. 201.
12
BVerfGE 7, 198, 207.
13
Entre aspas no original

Constitucionalismo discursivo 107


denamento de valores objetivo"." Foi discutido sobre isto, o que o tribunal
entendeu sob um "ordenamento de valores objetivo". Depois, o tribunal fala
simplesmente dos "principios (...) que se expressam nos direitos fundamen-
tais". 15 Pode referir-se a isso 16 e dizer que a primeira ideia fundamental da
sentenga-Lüth consiste nisto, que os direitos fundamentais tém náo só o
caráter de regras, mas também de principios. A segunda ideia, estreitamente
unida com a primeira, é que os valores ou principios jurídico-fundamentais
valem no somente para a relagáo entre o estado e o cidadáo, mas, muito
mais além, "para todos os ámbitos do direito". 17 Com isso, produz-se um
"efeito de irradiagáo - dos dircitos fundamentais sobre o sistema jurídico
todo. Direitos fundamentais tornam-se ubiquitários. A terceira ideia resulta
da estrutura dos valores e principios. Valores como princípios so propen-
sos a colidir. Uma colisáo de principios somente por ponderagáo pode ser
solucionada. A mensagem mais importante para a vida cotidiana jurídica
da decisáo-Lüth diz, por 18
isso: "Torna-se necessária, por conseguinte, uma
ponderagáo de bens'".
O tribunal constitucional federal foi sempre mais longe no caminho
que ele seguiu com a sentenga-Lüth. Sob pontos de vista metodológicos é,
nisso, o conceito de ponderagáo o conceito principal. Em vez de opor reci-
procamente urna construgáo larga e ampla e uma estreita e rigorosa, poderia,
por conseguinte, contrapor-se a um modelo de ponderagáo um modelo de
subsungáo. Isso permite formular a questáo seguinte: quais das duas cons-
trugóes leva a mais racionalidade na jurisprudéncia constitucional — aquela
que pede urna subsungáo ou aguda que pede urna ponderagáo?

2. Crítica de Habermas da construláo da ponderaláo


O ponderar no direito constitucional leva a tantos problemas, que nem
sequer é possível enumerá-los aqui. Eu irei limitar-me a duas objegóes que
foram feitas por Jürgen Habermas.
A primeira objegáo de Habermas é que o modelo de ponderagáo toma
dos direitos fundamentais sua forga normativa. Ele acha que, pelo ponderar,
direitos seriam reduzidos de grau ao plano dos objetivos, programas e va-
lores. Eles perderiam, nisso, a "primazia rigorosa", que deve ser caracte-
rístico para "pontos de vista normativos".' 9 Com isso, porém, cai em ruínas
um muro de fogo:
14
BVerfGE 7, 198, 205.
15
BVerfGE 81, 242, 254.
16
Para urna análise circunstanciada da relacáo entre o conceito de princípio e de valor, comparar R.
Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Suhrkamp. Frankfurt a.M. 1996, S. 125 ff.
17
BVerfGE 7. 198. 205.
18
BVerfGE 7, 198, 210.
19
I. Habermas, Faktizitüt toid Geltung, 4. Aun.. Suhrkamp, Frankfurt a. M. 1994, S. 312.

108 Robert Alexy


"Se no case de colisao todos os fundamentos podem adquirir o
carater de argumentos de fixacao de objetivos, cai exatamente
aquele muro de fogo, que é introduzido no discurso juridic° corn
uma compreensao deontologica de principios de direito e normas
j uridicas".2°
A esse perigo de um amolecimento dos direitos fundamentais 6 adi-
cionado "o perigo de sentencas irracionais". 21 Segundo Habermas, no exis-
tem "criterios racionais" 22 para o ponderar:
"Porque para isso faltam criterios racionais, a ponderacao efeti-
va-se ou arbitrariamente ou irrefletidamente, segundo modelos e
ordens hierarquicas acostumados".23
Essa primeira objecao concerne a consequencias substanciais preten-
didas do modelo de ponderacao: amolecimento e irracionalidade. Na segun-
da objecao, trata-se de urn problema conceitual. Habermas afirma que, coin
a construcao da ponderacao, o direito é sacado do ambito do valid° e inva-
lido, do correto e false e do fundamentar e transplantado em um ambito,
que é definido per ideias como a de uma conveniencia major e menor e per
conceitos como o do poder discricionario. De uma ponderacao de bens
devem, sem dtivida, sentencas poder "resultar", mas uma tal ponderacao
nunca nos pode "autorizar" 24 a considerar essa sentenca como correta:
"A sentenca 6, entao, me sma uma sentenca de valor que, no qua-
dro de urn ordenamento de valores concreto, reflete, mais ou
menos convenientemente, uma forma de vida, que se articula
nisso, mas de mode algum esta mais relacionada corn a alterna-
tiva, se a decisao pronunciada é correta ou falsa".25
Essa segunda objecao deve ser levada a seri°, pelo menos, do mesmo
modo como a primeira. Ela termina na tese que a perda da categoria da
correcao é o prey) para o ponderar. Fosse isso verdade, a construcao da
ponderacao estaria dado urn golpe decisivo. 0 direito esta, necessariamente,
unido corn uma pretensao de correcao. 26 Se a ponderacao fosse incompati-
vel corn correcao e fundamentacao nao haveria para ela lugar no direito. 0
desenvolvimento do direito constitucional alemao nos Ultimos 50 anos se-
ria, no nude°, o desenvolvimento de uma equivocacao.
E o ponderar, em si, irracional? E a construcao da ponderacao incapaz
de impedir o sacrificio de direitos individuais? Significa o ponderar real-
20 Habermas, Faktizitiit und Geltung, cit., S. 315. Em italico, no original.
21
Ibid.. S. 316.
22
Entre aspas no original.
23
Habermas (nota 19), S. 315 f.
24
Entre aspas no original.
25
Habermas, Die Einbeziehung des Anderen, Suhrkamp, Frankfurt/M. 1996, S. 369.
26
R. Alexy, Recht und Richtigkeit, in: W. Krawietz-R.S. Summers-O. Weinberger-G.H. v. Wright (Hg.),
The Reasonable as Rational? Festschrift fiir Au/is Aarnio, Duncker & Humblot, Berlin 2000. S. 7 ff.

Constitucionalismo discursivo 109


mente que nós devemos despedir-nos da corregáo e da fundamentagáo e,
com isso, da razáo? Mal é possível responder essas questóes sem saber o
que é ponderagáo. Para saber o que é ponderagáo deve conhecer-se a sua
estrutura. Urna olhada na prática real do ponderar é, para isso, útil.

3. A estrutura da ponderaláo
No direito constitucional alemáo, a ponderagáo é urna parte daquilo
que é exigido por um principio mais amplo. Esse principio mais amplo é o
princípio da proporcionalidade. O principio da proporcionalidade compóe-
-se de trés principios parciais: dos principios da idoneidade, da necessidade
e da proporcionalidade em sentido restrito. Todos os trés principios expres-
sam a ideia da otimizagáo. Direitos fundamentais, como princípios, so
mandamentos de otimizagáo. Como mandamentos de otimizagáo, princi-
pios sáo normas que ordenam que algo seja realizado cm medida táo alta
quanto possível relativamente ás possibilidades fáticas e jurídicas.27
Nos princípios da idoneidade e da necessidade trata-se da otimizagáo
relativamente ás possibilidades fáticas. O princípio da idoneidade exclui o
emprego de meios que prejudiquem a realizagáo de, pelo menos, um prin-
cípio, sem, pelo menos, fomentar um dos princípios ou objetivos, cuja rea-
lizagáo eles devem servir. Se um meio M, que é empregado para fomentar
a realizagáo do princípio P 1, para isso no é idóneo, certamente, porém,
prejudica a realizagáo do principio P2, entáo no nascem custos nem para
Pj nem para P2, se M é deixado cair, certamente, porém, custos para P2 se
M é empregado. Pj e P2 podem, entáo, juntados, relativamente ás possibi-
lidades fáticas, ser realizados em urna medida superior, se M é deixado cair.
Pj e P2, juntados, proíbem, com isso, o emprego de M. 28 Isso mostra que o
princípio da idoneidade é nada mais que a expressáo da ideia da otimida-
de-Pareto: urna posigáo pode ser melhorada sem que nasgam desvantagens
para outras.
O mesmo vale para o princípio da necessidade. Esse principio pede,
de dois meios, que, em geral, fomentam igualmente bem Pj, escolher aquele
que menos intensamente intervém cm P2. Se existe um meio menos inten-
sivamente interveniente e igualmente bem idóneo, entáo urna posigáo pode
ser melhorada, sem que nasgam custos para a outra. A aplicabilidade do
princípio da necessidade pressupóe, todavia, que náo existe um terceiro
principio P3 que, pelo emprego do meio menos intensivamente intervenien-
te em P2, é afetado negativamente. 29 Nessa conjuntura, o caso no mais
pode ser solucionado em virtude de reflexóes, que se apoiam na ideia da
27
Comparar Alexy, Theorie der Grundrechte, cit., S. 75.
28
Em itálico, a cada vez, no original.
29
Em itálico, a cada vez, no original.

110 Robert Alexy


otimidade-Pareto. Se custos ou sacriffcios nao podem ser evitados, torna-se
necessaria uma ponderacao.
A ponderacao e objeto do terceiro princfpio parcial do princfpio da
proporcionalidade, do princfpio da proporcionalidade em sentido restrito.
Esse princfpio diz o que significa a otimizacao relativamente as possibili-
dades jurfdicas. Ele é identico corn uma regra que se pode denominar "lei
da ponderacao". 3 ° Ele diz:
Quanto mais alto e o grau do nao cumprimento ou prejufzo de
urn princfpio, tanto major deve ser a importancia do cumprimento
do outro.
A lei da ponderacao expressa que o otimizar relativamente a urn prin-
cfpio colidente de outra coisa nao consiste que do ponderar.
A lei da ponderacdo mostra que a ponderacao deixa decompor-se em
tres passos. Em urn primeiro passo deve ser comprovado o grau do nao
cumprimento ou prejulzo de urn princfpio. A isso deve seguir, em um se-
gundo passo, a comprovacao da importancia do cumprimento do princfpio
em sentido contrario. Em urn terceiro passo deve, finalmente, ser compro-
vado, se a importancia do cumprimento do princfpio em sentido contrario
justifica o prejufzo ou nao cumprimento do outro.
A primeira objecao de Habermas seria exata se nao fosse possfvel
pronunciar sentencas racionais, primeiro, sobre a intensidade da interven-
ed°, segundo, sobre o grau de importancia e, terceiro, sobre sua relacdo uma
corn a outra. Como princfpios, direitos fundamentais iriam entao — se se
prescinde do exame da idoneidade e da necessidade — admitir qualquer
solucao. 0 "muro de fogo" iria dissolver-se em ar.3I
Como se pode mostrar que sentencas racionais sobre graus de inter-
vened° e graus de importancia sao possfveis de tal maneira que se possa
fundamentar urn resultado de modo racional por ponderacao? Um metodo
possfvel poderia consistir na analise de exemplos, uma analise que visa a
isto, de trazer a luz o que nos pressupomos quando n6s solucionamos casos
por ponderacao. Como urn primeiro exemplo, deve ser considerada uma
decisao do tribunal constitucional federal sobre advertencias de perigos
satide. 32 0 tribunal constitucional federal classifica, nessa decisdo. o dever
dos produtores de produtos de tabaco, de colocar em seus produtos referen-
cias aos perigos do fumo, como uma intervenedo relativamente leve na
liberdade de profissao. Uma intervencao grave seria, pelo contrario, uma
proibicao completa de todos os produtos de tabaco. Entre tais casos leves
e graves encontram-se casos de intensidade de intervencao mediana. Desse
30
Alexy (nota 27), S. 146.
31
Ernie aspas no original.
32
BVerfGE 95, 173.

Constitucionalismo discursivo 111


modo, nasce urna escala com os graus "leve", "médio" e "grave". 33 O exem-
plo mostra que associagóes válidas a esses graus so possíveis.
O mesmo vale para o lado dos fundamentos em sentido contrário. Os
perigos á saúde unidos com o fumo so altos. Os fundamentos de interven-
ç°, por conseguinte, pesam gravemente. Se está fixado, desse modo, pri-
meiro, urna vez, a intensidade da intervengo como leve e o grau da
importancia do fundamento de intervengo como alto, entáo pode o resul-
tado do exame da proporcionalidade em sentido restrito, sem mais, com o
tribunal constitucional federal, ser designado como "manifesto".34
Poderia agora se achar que o exemplo no diz muito. De um lado,
trata-se de atividades económicas, do outro, de fatos quantificáveis. Por
esse meio, escalagóes tornaram-se possíveis. Isso, contudo, é diferente cm
ámbitos nos quais fatores quantificáveis como custos e probabilidades ne-
nhum papel ou nenhum significativo desempenham.
Para replicar essa objegáo, deve ser considerado um segundo caso, no
qual se trata do conflito clássico entre liberdade de opiniáo e direito de
personalidade. A propagada revista ilustrada de sátiras Titanic designou um
oficial da reserva hemiplégico, que praticou exitosamente sua convocagáo
para um exercício militar, primeiro como "nascido assassino" e, cm urna
edigáo posterior, entáo como "aleijado". 35 O tribunal de terceira instancia
de Düsseldorf condenou a Titanic, com vista á demanda do oficial da reserva,
a uma indenizagáo cm dinheiro por um dano imaterial sofrido no montante
de 12.000 marcos alemáes. A Titanic promoveu recurso constitucional. O
tribunal constitucional federal efetua urna "ponderagáo relacionada ao
caso" 36 entre a liberdade de manifestagáo de opiniáo dos participantes do
lado da revista (artigo 5, alínea 1, proposigáo 1, da lei fundamental) 37 e o
direito de personalidade geral do oficial da reserva (artigo 2, alínea 1, 38 cm
uniáo com o artigo 1, alínea 1, 39 da lei fundamental). Para essa finalidade
é determinada a intensidade do prejuízo desses direitos e posta cm relagáo.
A condenagáo para a indenizagáo cm dinheiro por um dano imaterial sofrido
é classificada como "com efeito forte e duradouro", portanto, intervengo
grave na liberdade de opiniao." Isso é fundamentado, sobretudo, com isto,
33
Entre aspas no original.
34
BVerfGE 95, 173, 187.
35
Entre aspas no original.
36
BVerfGE 86, 1, 11.
37
Nota do tradutor: ver supra, nota 6.
38
Nota do tradutor: artigo 2, affma 1, da lei fundamental: cada um tem o direito ao livre desenvolvi-
mento de sua personalidade, á medida que ele náo viola os direitos de outros e náo infringe a ordem
constitucional ou a lei moral.
39 Nota do tradutor: artigo 1, alínea 1, da lei fundamental: a dignidade da pessoa é intangível. Consi-

derá-la e protegé-la é obrigagáo de todo o poder estatal.


40
Entre aspas e em itálico no original.

112 Robert Alexy


que a indenizacao em dinheiro por um dano imaterial sofrido poderia di-
minuir a disposicao futura dos afetados de formar a sua revista assim como
eles ate agora o fizeram. 41 A designacao "nascido assassino", a seguir, e
posta no contexto das satiras publicadas pela Titanic. 42 Nelas, varias pes-
soas sao designadas em urn modo "reconhecivel nao serio", enformado "por
jogo de palavras ate a parvoice", como algo nascido, o presidente federal
de entao, Richard von Weizsacker, por exemplo, como "nascido cidadao".43
Esse contexto exclui ver nessa designacao uma "violacao do direito de
personalidade proibida, grave, antijuridica". 44 Ao prejuizo do direito de
personalidade 6, corn isso, atribuido, no maxim°, uma intensidade mediana,
talvez ate somente uma minima. A isso corresponde uma importancia me-
diana, talvez somente uma minima, da protecao da personalidade do oficial
da reserva por imposicao de uma indenizacao ern dinheiro por um dano
imaterial sofrido. 45 Depois dessas classificacoes esta fixada a primeira parte
da decisao. Para justificar a condenacao para a indenizacao em dinheiro por
urn dano imaterial sofrido como uma intervencao grave no direito funda-
mental da liberdade de opiniao, deveria o prejuizo do direito de personali-
dade, que deve ser compensado pela indenizacao em din heir° por urn dano
i material sofrido, pelo menos, igualmente, ser grave. Isso, contudo, Segun-
do a estimativa do tribunal constitucional federal, ele nao 6. Entao, porem,
a intervencao na liberdade de opiniao é desproporcional.
0 conceit° de desproporcionalidade representa aqui uma relacao entre
intervenceies concorrentes reais e hipoteticas. Uma intervencao em um di-
reit° fundamental e desproporcional quando eta nao é justificada por uma
outra intervencao hipotetica, pelo menos, igualmente intensiva, em um ou-
tro principio — contido na constituicao ou por eta admitido como fundamen-
to de intervencao —, a qual, pela omissao da primeira intervencao, iria
tornar-se real. Dessa regra — juntamente corn as classificacoes do tribunal
constitucional federal — resulta que a condenacao a indenizacao em dinheiro
por um dano imaterial sofrido de 12.000 marcos alemaes, em todo o caso,
viola os direitos da Titanic a medida que ela baseia-se na designacao do
oficial da reserva como "nascido assassino".
De outra forma, todavia, devem situar-se as coisas na designacao do
oficial da reserva como "aleijado". 46 Essa designacao viola o hemiplegico
"gravemente em seu direito de personalidade". 47 A importancia da protecao
BVerfGE 86, 1, 10.
42
Entre aspas no original.
43
BVerfGE 86, I, I I.
44
BVerfGE 86, 1.12.
45
Em italico no original.
46
Entre aspas no original.
47
F1VerfGE 86, I. 13 — realcado por R. A.

Constitucionalismo discursivo 113


do oficial da reserva pela imposigáo de urna indenizagáo cm dinheiro por
um dano imaterial sofrido é, portant°, grande. Isso é fundamentado com
isto, que a designagáo de urna pessoa que sofreu grande mutilagáo como
"aleijado", hoje, cm geral, é "entendida como humilhagáo - e expressa um
"desprezo". 48 Defronte da intervengo grave na liberdade de opiniáo está,
com isso, urna importáncia alta da protegáo da personalidade. Nessa situa-
gáo, o tribunal constitucional federal chega ao resultado que no deve ser
reconhecida "nenhuma ponderagáo defeituosa por conta da liberdade de
manifestagáo de opiniáo". 49 O recurso constitucional da Titanic, por con-
seguinte, estava fundamentado somente á medida que a indenizagáo em
dinheiro por um dano imaterial sofrido para a designagáo "nascido assassi-
no" fora imposta. Á medida que a designagáo "aleijado" valeu, ele era
infundado.5"
Essa decisáo é, sem dúvida, urna decisáo que segue o modelo da pon-
deragáo. É exata a crítica de Habermas a ela? Eu irei, em primeiro lugar,
considerar a objegáo mais geral e mais fundamental, que o ponderar conduz
para fora do ámbito do válido e inválido, do correto e falso e do fundamen-
tar.
A estrutura formal da argumentagáo do tribunal constitucional federal
deixa formular-se cm urna regra, que já entrou cm consideragáo:
Urna intervengo cm um direito fundamental é desproporcional
se ela no é justificada com isto, que a omissáo dessa intervengo
seria urna intervengo, pelo menos, do mesmo modo intensiva na
realizagáo de um outro princípio (ou do mesmo princípio em
outros sentidos ou com vista a outras pessoas).
Essa regra, que pode ser denominada "regra de desproporcionalidade",
produz uma relagáo entre a sentenga sobre graus de intensidade e a sentenga
sobre a proporcionalidade. 5I As sentengas sobre graus de intensidade so
os fundamentos para a sentenga sobre proporcionalidade ou desproporcio-
nalidade. 52 Sentengas de proporcionalidade promovem, como todas as sen-
teng.as, urna pretensáo de corregáo, e essa pretensáo apoia-se cm sentengas
sobre graus de intensidade como fundamentos. Isso basta para isto, de náo
desterrar o ponderar do reino da fundamentagáo.
Essa tese geral deixa intensificar-se guando se olha náo só a relagáo
entre as sentengas sobre graus de intensidade e a sentenga de proporciona-
lidade, mas também a relagáo entre aquelas sentengas sobre graus de inten-
sidade e os fundamentos, que — de certo modo cm um próximo grau — so
48
Entre aspas no original.
49
BVerfGE 86. 1. 13.
50
BVerfGE 81, 1. 14.
51
Entre aspas no original.
52
Em itálico no original.

114 Robert Alexy


alegados para, outra vez, justificar elas. Habermas afirma que "a pondera-
cao" efetiva-se "ou arbitrariamente ou irrefletidamente, segundo modelos
e ordens hierarquicas acostumados". 53 Pois bem, as suposiceies, que estao
na base das sentencas sobre a intensidade das intervencOes na liberdade de
opiniao e na personalidade, nao sao arbitrarias. 0 tribunal constitucional
federal trata a intervencao na liberdade de manifestacao de opiniao como
grave, porque a condenacao a indenizacao em dinheiro por um dano imate-
rial sofrido poderia prejudicar a disposicao futura dos afetados de produzi-
rem a sua revista no modo como eles fizeram ate agora. Isso e urn
argumento, e nao um ruim. E muito debatido se a designacao como "nascido
assassino", realmente, apresenta somente um prejulzo leve ou mediano.54
Porem, so dificilmente é impugnavel que o tribunal alega fundamentos para
sua classificacao que, pelo menos, sao dignos de consideracao. 0 tribunal
fundamenta, finalmente, sua concepcao, que a designacao do hemiplegico
como "aleijado" 6 urn prejuizo muito intensivo de sua personalidade, corn
isto, que ela é humilhante e depreciativa. 55 Isso 6, primeiro, urn argumento
e, segundo, urn born. Nao se pode, por conseguinte, dizer que o ponderar
tern lugar "arbitrariamente". 56 Tambem é duvidoso se o tribunal constitu-
cional federal fez suas sentencas sobre as intensidades de intervencao "ir-
refletidamente, segundo modelos e ordens hierarquicas acostumados". 57 E,
sem duvida, verdade que os modelos que o tribunal segue estao encaixados
em uma cadeia de precedentes, que pode ser remontada as suas origens ate
a sentenca-Liith. A fala sobre modelos "acostumados", porem, seria somen-
te entao justificada, se somente a mera existencia dos precedentes fosse
relevante para a decisao a ser tomada e nao tambem a sua correcao. Ade-
mais, poderia somente entao se falar disto, que na ponderacao sao aplicados
alguns modelos ou ordens hierarquicas "irrefletidamente", se essa aplica-
cao nao estivesse encaixada em uma argumentacao. 58 Porque argumentos
sao a expressao pablica da reflexao. Tudo isso tambem é acertado para a
decisao-tabaco.
Resta a questao, se o ponderar leva a isto, que urn "muro de fogo" cai.59
Outra vez é instrutiva a decisao-Titanic. 0 tribunal constitucional federal
considera a designacao do oficial da reserva como "aleijado" como humi-
lhante e depreciativa. 6 ° Pode ir-se ainda mais longe. Uma tal humilhacao
piiblica e recusacao de consideracao toca a dignidade da vitima. Isso é nao
53
Habermas, Faktizitat und Geltung, cit., S. 315 f.
54
Entre aspas no original.
55
Entre aspas no original.
56
Entre aspas no original.
57
Entre aspas no original.
58
Entre aspas no original.
59
Entre aspas no original.
60
Entre aspas no original

Constitucionalismo discursivo 115


só urna violaeáo grave de alguma maneira, mas urna muito grave ou até
extraordinariamente grave. Com isso, é obtido um ponto no qual interven-
eóes jamais mal podem ser justificadas por urna intensificaeáo ainda mais
ampla dos fundamentos de interveneáo. Isso corresponde á lei da taxa mar-
ginal de substituieáo minguante. 61 Direitos fundamentais ganham sobrepro-
porcionalmente em fortidáo guando a intensidade das intervengóes ascende.
Por meio disso eles tém algo como um núcleo resistente. Isso estabelece o
"muro de fogo", do qual Habermas acha que ele deveria faltar na construeáo
da ponderaeáo dos direitos fundamentais. 62 A construeáo da ponderaeáo,
com isso, resiste a ambas as objegóes de Habermas.

61
Alexy, Theorie der Grundrechte, cit., S. 147.
62
Entre aspas no original.

116 Robert Alexy


—7—

Fundamentacao juridica,
sistema e coerencia*

Sumario: I. Conceito e criterios de coerencia; 1. Sobre o conceito de coerencia; 2.


Criterios de coerencia; a) Propriedades da estrutura da fundamentacao; b) Proprie-
dades dos conceitos; c) Propriedades do ambito do objeto: II. Coerencia e raciona-
li dade pratica; III. Coerencia e consenso.

"Corn vista a regularidade do ordenamento juridic° deve valer como


primeira instancia de valoracao da conexao de valoracao interna do orde-
namento juridic° assim como eta esta atualizada na epoca da decisao".1
Essa proposicao de Franz Wieacker formula uma condicao fundamental da
racionalidade do decidir e fundamentar juridico: o postulado da coerencia.
A isto, que em conceitos como aqueles da conexao de valoracao interna ou
da coer8ncia trata-se de conceitos fundamentals, indicam duas propriedades
que, bem geralmente, podem valer como indicios para o carater fundamen-
tal de urn conceito. Quase cada urn esta, por urn lado, convencido que neles
trata-se de algo bem fundamental e importante: por outro, mal alguem con-
segue dizer, rigorosamente, o que corn eles é considerado, e porque aquilo,
que corn eles é considerado, é tao importante. Se se olha para tras e em
Savigny se 18: "... partindo deles (dos principios dirigentes: R. A.), reconhecer
a conexao interna e o tipo do parentesco de todos os conceitos e proposicOes
juridicas pertence, justamente, as tarefas mais dificeis de nossa ciencia, sim,
verdadeiramente aquilo que da carater cientifico ao nosso trabalho", 2 ou se
* Artigo publicado em Rechtsdogmatik und praktische Vernunft. Symposion zum 80. Geburtstag von
Franz Wieacker, hg. v. Okko Behrends/Malte DieBelhorst/Ralf Dreier, Gottingen 1990 (Abhandlungen
der Akademie der Wissenschaften in Gottingen, Philologisch-Historische Klasse, 3. Folge, Nr. 181),
p. 95 et seq. Titulo no original: Juristische BegrUndung, System und Koharenz.
I
Fr. Wieacker, Zur Topikdiskussion in der zeitgenOssischen deutschen Rechtswissenschaft, in: Xe-
nion. Festschr. f. P. J. Zepos, hrsg. v. E. v. Caemmerer u. a.. Athen 1973, S. 408; comparar, ademais,
o mesmo, Ober strengere und unstrenge Verfahren der Rechtsfindung, in: Im Dienst an Recht und Staat,
Festschr. f. W. Weber, hrsg. v. H. Schneider u. V. Gatz, Berlin 1974, S. 439.
2
Fr. C. v. Savigny, Vom Beruf unsrer Zeit fur Gesetzgebung und Rechtswissenschaft. Heidelberg 1814,
S. 22.

Constitucionalismo discursivo 117


se inteira da tese do direito como integridade, recentemente amplamente
desenvolvida, de Ronald Dworkin, que diz: "Lel como integridade requer
um juiz para testar sua interpretagáo de qualquer parte da grande rede de
estruturas políticas e decisóes de sua comunidade perguntando se poderia
fazer parte de uma teoría coerente que justifique a rede como um todo",3
sernpre permanece uma mistura particular de aprovagáo e desconforto geral
sobre isto, que no se sabe, rigorosamente, o que é aquilo a que se funda-
mentalmente adere.
No é urna incapacidade especial da doutrina do método jurídico e da
teoria do direito, que da coeréncia, hoje tanto como antes, preponderante-
mente, é falado programático e metaforicamente e, no máximo, certos as-
pectos da coeréncia experimentaram um aclaramento mais rigoroso.4
Também a filosofia geral e teoria da ciéncia ainda está, de urna análise,
genéricamente reconhecida, desse conceito, que Hegel, com seu dito "o
verdadeiro é o todo", 5 antes sobrecarregou do que carregou com significa-
do. muito distante.6
Nessa situagáo, é recomendável limitar essa questáo. Aqui no se deve
tratar disto, o que, bem genericamente, deve ser entendido sob "coeréncia",
mas somente ser perguntado o que pode ser considerado com a expressáo
"coerente", guando ela é aplicada a teorias ou sistemas normativos. 7 A
resposta, que será dada cm um primeiro título, consiste cm um catálogo de
critérios de coeréncia. Esse catálogo refere-se, cm muitos pontos, a resul-
tados provisórios de urna investigagáo, que eu, juntamente com Aleksander
Peczen ik, exploro. 8 Em um segundo título, é perguntado cm qual medida e
por que coeréncia contribui para a racionalidade prática. Finalmente, deve ser
determinada a relagáo entre coeréncia e consenso na fundamentagáo jurídica.

I. Conceito e critérios de coeréncia


I. Sobre o conceito de coeréncia
O conceito de coeréncia deve ser distinguido daquele da consisténcia.
Urna teoria é consistente se ela no mostra nenhuma contradigáo lógica. O
3
R. Dworkin, Law's Empire, Cambridge, Mass./London 1986, S. 245. Nota do tradutor: citado em
inglés no original.
4
Comparar N. MacCormick, Coherence in Legal Justification, in: A. Peczenik u. a. (Hrsg.). Theorie
of Legal Science, Dordrecht/Boston/Lancaster/Tokyo 1984, S. 235 ff.; A. Peczenik, Grundlagen der
juristischen Argumentation, Wien/New York 1983, S. 176 ff.; A. Aarnio, The Rational as Reasonable,
Dordrecht/Boston/Lancaster/Tokyo 1987, S. 198 ff.
5
G. W. F. Hegel, Phánomenologie des Geistes, Theorie Werkausgabe, Bd. 3, Frankfurt/M. 1970, S. 24.
6
Comparar para isso N. Rescher. The Coherence theory of Truth, Oxford 1973; ders., Cognitive
Systematization, Oxford 1979.
7
Entre aspas, a cada vez, no original.
8
Um relatório intermediário foi, sob o título "The Concept of Coherence", cm agosto de 1988, no
simpósio "Die Legitimitát des Rechts" (a legitimidade do direito), no Murikka-Institut cm Tampere,
apresentado.

118 Robert Alexy


:onceito de coerencia pode ser formulado de maneira que ele inclua o da
:onsistencia como lado negativo da coerencia. Aqui, ele deve ser relacio-
nado somente a conexoes positivas. A questdo 6, de que tipo sao as relacOes
ue criam tais conexiies positivas. Minha resposta diz: sdo relacoes de fun-
lamentacao. Corn isso, o conceito de fundamentacao 6 a chave para a and-
use do conceito de coerencia. Isso ele pode ser, porque entre os conceitos
la fundamentacdo e da coerencia existe uma relacdo conceitualmente ne-
cessaria.
Sobre essa base deve ser dada a determinacAo geral subsequente do
conceit° de coerencia:
Quanto melhor 6 a estrutura da fundamentacdo de uma classe de
declaracOes, tanto mais coerente é essa classe de declaracoes.
Essa proposicao 6, em muitos sentidos, carente de esclarecimento.
Como primeiro, deve ser realcado que a expressao "declaraciio" 9 nela
empregada em urn sentido amplo, no qual ela tambem abrange declaraceies
normativas e valorativas. Corn isso pode, se se toma por base um conceito
de norma semantico, m a determinacao geral, antes dada, da coerencia, ser
relacionada tambern a sistemas de normas e ordenamentos de valores.
Segundo, o conceito de fundamentaccio é empregado de modo que uma
declaracao p fundamenta uma declaracao q rigorosamente entao, quando q,
ou sozinho de p, ou de p juntamente corn outras premissas, resulta logica-
mente." E usado, portanto, urn conceito de fundamentacao semantico-sin-
tatico, que suprime a dimensao pragmatica do fundamentar como uma
atividade.' 2 0 conceito de fundamentacdo 6, alem disso, de tipo dedutivo,
o que nao exclui argumentos entimernaticos.
Sob uma "estrutura da fundamentactio"" 6, terceiro, entendida a clas-
se das propriedades formais de todas as relacOes de fundamentacao que
existem dentro da classe de declaracifies, cada vez considerada. No que
segue, deve a classe de declaracoes, cada vez considerada, ser designada
como "sistema" ou como "teoria".'4
Quarto, deve ser chamada a atencao sobre isto, que segundo a deter-
minacao do conceito geral, aqui dada, a coerencia 6 um assunto de grau.15
A qualidade da estrutura da fundamentacao, da qual depende a medida de
coerencia, determina-se segundo a medida na qual os criterios de coerencia
sao cumpridos.
9
Entre aspas e em italic° no original.
10
Comparar para isso R. Alexy, Theoric der Grundrechte, Baden-Baden 1985 (Frankfurt/M. 1986), S. 42 ff.
11 Em italic°, a cada vez, no original.
12 A ambos esses conceitos de fundamentacao, comparar R. Alexy, Argumentation, Argumentations-
theorie, in: Erganzbares Lexikon des Rechts 26-2/30, S. l
13
Entre aspas e em italic° no original.
14
Entre aspas, a cada vez, no original.
15
Em italic° no original.

Constitucionalismo discursivo 119


Com isso, so claras duas propriedades essenciais do conceito de coe
réncia, aqui empregado. Ele náo diz respeito ao procedimento pragmátic(
da fundamentagáo, mas a um sistema de declaragóes como entidades se
mántico-sintáticas. Com isso, fica possível contrapor ao par conceitual sis
tema e coeréncia o par conceitual procedimento e consenso. Seu objeto ná(
é, ademais, a qualidade quanto ao conteúdo das relagóes de fundamentagá(
existentes no interior de urna classe de declaragóes, mas suas qualidade!
formais. Em que estas consistem deve, agora, ser exposto no caminho dt
discussáo dos critérios de coeréncia.

2. Criterios de coeréncia
Os critérios de coeréncia so caracterizados no só pelo fato de seren
cumpridos em graus diferentes, mas também pelo fato de eles poderenr
colidir. Urna colisáo de critérios de coeréncia existe, guando segundo
critério Ki, o sistema Si, segundo K2, porém, S2 é mais coerente e pode
decidir-se somente ou a favor de Si ou de S2. 16 Com isso, está claro que ol
critérios de coeréncia deixam formular-se como princípios no sentido de
mandamentos de otimizagáo. 17 Urna explicagáo essencial para as dificulda-
des que o conceito de coeréncia causa poderia ser que coeréncia é náo
um assunto de grau, mas também urna questáo de ponderagáo.
Os critérios de coeréncia deixam dividir-se cm trés grupos: a) em tais
que dizem respeito imediatamente a propriedades da estrutura da funda-
mentagáo de um sistema de declaragóes, b) cm tais, que valem as proprie-
dades dos conceitos que encontram emprego cm um sistema de declaragóes
e c) cm tais, que concernem a propriedades do ámbito do objeto de urn
sistema. Os critérios do segundo e do terceiro grupo dizem respeito, sem
dúl ida, no imediatamente, contudo, mediatamente, a propriedades da es-
trutura da fundamentagáo.

a) Propriedades da estrutura da fundamentagáo


(1) Número das relagóes de fundamentagáo
Urna exigencia mínima de coeréncia é que entre as declaragóes de urn
sistema, no fundo, existam relagóes de fundamentagáo. Urna classe de de-
claragóes, entre as quais no existe nenhuma relagáo de fundamentagáo.
pode, sem dúvida, ser consistente, mas ela no é coerente cm nenhum sen-
tido. Ela é tanto mais coerente quanto mais relagóes de fundamentagác
existirem. Vale, por isso, o seguinte critério:
16
Em itálico, a cada vez, no original.
17
Para o conceito de princípio no sentido de um mandamento de otimiza0o, comparar: R. Alexy (nota
10), S. 75 ff.

120 Robert Alexy


1. Ceteris paribus: 18 quanto mais declaracoes de urn sistema sao
fundamentadas por uma outra declaracao desse sistema, tanto
mais coerente é o sistema.
A clausula-ceteris paribus da a entender que se trata aqui de um crite-
rio de coerencia, que pode colidir corn outros criterios. Assim, pode Si ser
mais coerente que S2, embora em Si menos declaracOes sejam fundamen-
tadas que em Sz, porque Si cumpre outros criterios de coerencia, cm medida
superior que S2. 19 Esse resultado justifica relacionar o primeiro criterio
simplesmente corn ° numero das declaracOes fundamentadas e nao corn a
sua parte sob as declaracoes do sistema. Todo o resto fica a cargo dos
criterios restantes da coerencia.
0 criterio de coerencia citado pode, sem problemas, ser transformado
em urn mandamento, que esta enderecado aquele que se esforca por urn
sistema coerente de declaracoes. Urn tat mandamento pode ser designado
como urn "principio da coerencia" 2 ° e, por exemplo, ser formulado como
segue:
I* Devem ser justificadas tantas declaracoes quanto possivel de
urn sistema por outras declaracOes desse sistema.
Uma tal travessia do criterio exclusivamente relacionado ao sistema
para urn principio tambem relacionado a atuacao e, corn isso, tambem a
pessoas, é sempre possivel. A isso sera voltado na determinacao da relacao
entre coerencia e sistema, por urn lado, e entre consenso e procedimento,
por outro.
(2) Extensa° da corrente de fundamentacao
Os outros criterios do primeiro grupo dizem respeito as propriedades
das relacoes de fundamentacao. Uma primeira propriedade, essencial para
a coerencia, consiste na extensao das correntes de fundamentacao. Um
exemplo pode aclarar isso. Ja serve a coerencia, quando o princfpio da
primazia da lei e fundamentado pelo principio da juridicidade da adminis-
tracao. Mais em coerencia, porem, deixa obter-se, quando o principio juri-
dicidade da administracao tambem ainda é justificado pelo principio do
estado de direito. A isso visa o seguinte criterio:
2. Ceteris paribus: quanto mais extensas sao as correntes de fun-
damentacao, que pertencem a urn sistema, tanto mais coerente
o sistema.
A coerencia de urn sistema depende nao so da extensao, mas tambem
do mimero das correntes de fundamentacao. Para isso, contudo, nao precisa
ser introduzido um criterio prOprio, porque o postulado, de criar correntes
18
Nota do tradutor: ceteris paribus: sob, em outras ocasiiies, as mesmas circunstancias.
19
Em italico, a cada vez, no original.
20
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 121


de fundamentagáo tantas quanto possível, táo extensas quanto possível
resulta da unido de 1 e 2.
(3) Enlace das correntes de fundamentagáo
A exigéncia por correntes de fundamentagáo táo extensas quanto pos
sível implica a exigéncia por fundamentagóes de declaragóes sempre mais
gerais. A isso corresponde, no plano dos conceitos, o postulado da genera.
lidade. Aqui somente é de interesse que a fundamentagáo de declaragóes
sempre mais gerais cria a possibilidade do enlace de correntes de funda.
me ntagáo.
A forma de enlace mais importante para sistemas normativos existe
guando declamó- es distintas, relativamente especiais, so fundamentadas
pelas mesmas declaragóes, relativamente gerais. Assim, pode o já mencio-
nado princípio do estado de direito ser empregado para a fundamentagáo de
numerosos princípios que, outra vez, deixam citar-se como fundamentos
para outros princípios e para as decisóes de casos particulares. Ao exempla
já mencionado, seja somente acrescentada a fundamentagáo do princípio da
protegáo á confianga pelo princípio da seguranga jurídica e a fundamenta-
gáo deste princípio pelo princípio do estado de direito. Seja nisso realgadc
que essa corrente de fundamentagáo, aqui, somente é mencionada, mas nác
exposta. Para expó-la, ela precisaria, por causa do postulado da dedutivi-
dade, enlagado com o conceito de fundamentagáo, ser completada deduti-
vamente. As outras premissas, que para isso podem tornar-se necessárias,
podem ser de tipo analítico, empírico ou normativo. Premissas analíticas
s o necessárias guando deve ser demonstrado que um princípio resulta lo-
gicamente do outro. Premissas empíricas devem, por exemplo, entáo ser
citadas, guando deve ser mostrado que um princípio é um meio para a
realizagáo daquilo que o outro exige. Muito frequentemente sao, com o fim
da obtengo de princípios mais especiais ou decisáo de um caso, necessárias
valoragóes adicionais e, com isso, premissas normativas. É urna das fraque-
zas principais da ideia de coeréncia e, com isso, da de sistema, que essas
premissas normativas adicionais no podem ser retiradas coercitivamente
das declaragóes, já existentes, do sistema. Essa fraqueza, cornudo, no con-
duz á falta de valor da ideia de coeréncia e de sistema, mas somente
necessidade de seu complemento por urna teoria do procedimento e do con-
senso, a que deverá ser voltado.
Deixa, com isso, formular-se o critério seguinte:
3.1 Ceteris paribus: quanto mais correntes de fundamentagáo tém
urna premissa de partida comum, tanto mais coerente é o sistema.
Esse critério pede que tantas declaragóes quanto possível deixem
apoiar-se cm princípios táo poucos quanto possível. Ele seria cm um siste-
ma normativo perfeitamente cumprido, se todas as declaragóes normativas
desse sistema, menos urna, deixassem fundamentar-se por essa urna decla-

122 Robert Alexy


raga° normativa e todas as outras premissas fossem exclusivamente de tipo
analitico ou empiric°. Urn sistema arbitrario iria cumpri-lo perfeitamente,
se todas as declaracOes desse sistema, menos uma, deixassem fundamen-
tar-se por essa uma declaracao.
Urn enlace pode ser produzido nao s6 por uma premissa de partida
comum, mas tambern por uma conclusao comum de varias correntes de
fundamentacao. Urn exemplo forma a reserva da lei em forma da teoria da
essencialidade, que pode ser fundamentada nao s6 do principio do estado
de direito pelo principio da legalidade da administracao como tambem do
principio democratic° pela sua cunhagem parlamentar-representativa,
como tambern dos direitos fundamentais. 21 A isso corresponde o seguinte
criterio:
3.2 Ceteris paribus: quanto mais correntes de fundamentacao tern
uma conclusao comum, tanto mais coerente é o sistema.
E facil de reconhecer que esse criterio esta para corn o primeiro criterio
de enlace em sentido contrario. Urn sistema iria cumpri-lo perfeitamente se
todas as declaracoes, que fazem parte dele, menos uma, fossem fundamen-
tos para essa uma declaracao. Tais exigencias ern sentido contrario sao uma
das varias explicacOes para os problemas do conceit° de coerencia.
(4) Ponderacao dos fundamentos
uma experiencia cotidiana no trato corn sistemas normativos, que
correntes de fundamentacao distintas podem conduzir a resultados incom-
pativeis. Isso pode ter causas bem diferentes. Se isso depende disto, que
duas normas, que se contradizem, sao escolhidas como premissas de parti-
da, entao se trata de urn problema de consistencia, que aqui nao deve ser
discutido.
De outra forma sao as coisas, quando se trata de uma colisao de
principios. Principios sao normas, que ordenam que algo, relativamente as
possibilidades faticas e juridicas, seja realizado em medida tao alta quanto
possivel. Principios sao, segundo isso, mandamentos de otimizacao, que
sao caracterizados pelo fato de a medida ordenada de seu cumprimento
depender nao s6 das possibilidades fatieas, mas tambem das juridicas. 22 0
ambito das possibilidades juridicas é determinado, essencialmente, por
principios em sentido contrario. Em colisoes de principios, por exemplo,
na entre o direito individual a fruicao da natureza e o bem coletivo da
protecao ambiental, nao se trata disto, de despedir urn de ambos os princi-
pios do sistema, mas disto, de otimizar ambos os principios no sistema. Isso
6 urn problema da producao de coerencia. A solucao do problema pode dar
born resultado somente pela fixacao de relacoes de primazia, mais ou menos
21 Comparar BVerfGE 49, 89 (126 f.).
22 Comparar R. Alexy (nota 10), S. 75 f.

Constitucionalismo discursivo 123


concretas, definitivas, condicionadas, assim como pela determinagáo de
primazias-prima facie. 23 Somente assim pode ser contido o perigo que o
sistema seja empregado para a fundamentagáo de decisóes que, sem dúvida,
no se contradizem, mas cm sua relaláo urna com a outra sáo arbitrárias
e, nesse sentido, incoerentes. Deixa. por isso, formular-se o seguinte cri-
tério:
4. Ceteris paribus: quinto mais relagóes de primazia so deter-
minadas entre os princípios de um sistema, tanto mais coerente
é o sistema.
Os problemas desse critério so manifestos. Ele náo diz no só quais
relagóes de primazia devem ser determinadas, mas nem sequer exige que
essas relagóes de primazia sejam coerentes. Sem dúvida, ao último os outros
critérios de coeréncia podem ser relacionados. Claro é, porém, que nesse
ponto valoragóes tornam-se necessárias, que somente no quadro de urna
teoria da coeréncia, relacionada a um sistema de declaragóes, no podem
ser controladas.
(5) Fundamentagáo mútua
Urna das ideias mais fascinantes e, simultaneamente, mais duvidosas,
unida com o conceito da coeréncia, é aquela de um sistema no qual cada
declaragáo apoia cada. Que essa ideia no deve ser tomada textualmente é
fácil de reconhecer. Se p é suficiente para fundamentar q, o que, segundo
o conceito de fundamentagáo aqui empregado, pressupóe que q resulta lo-
gicamente de p, entáo pode q somente entáo ser suficiente para fundamentar
p, se p e q s o equivalentes. 24 A ideia de um sistema, no qual cada declaragáo
apoia cada, termina, portanto, na ideia de um sistema que contém somente
declaragóes logicamente equivalentes e. nesse sentido, somente urna decla-
raga°.
Contudo, a ideia da fundamentagáo mútua tem um núcleo correto, que
tem importancia para o conceito de coeréncia. Para descobri-lo, deve ser
distinguido entre trés tipos de fundamentnáo mútua: entre tais de tipo em-
pírico, analítico e normativo.
Urna fundamentagáo empírica mútua existe, por exemplo. entáo, guan-
do é demonstrado que a institucionalizagáo duradoura dos direitos funda-
mentais é um pressuposto fático da institucionalizagáo duradoura da
democracia e ás avessas. Isso pressupóe a premissa empírica, que direitos
fundamentais so pressupostos da democracia e a democracia é um pressu-
posto dos direitos fundamentais. Tais efeitos mútuos empíricos so norma-
tivamente relevantes. Urna teoria normativa, que também os contém, é mais
23
Ders., Rechtsregeln und Rechtsprinzipien, in: ARSP. Beiheft 25 (1985), S. 25 ff.; ders., (nota 10),
S. 516 ff.
24
Ern itálico, a cada vez, no original.

124 Robert Alexy


abundante e enlaca seus elementos melhor. Deixa, por isso, formular-se o
criterio seguinte:
5.1 Ceteris paribus: quanto mais fundamentacoes empiricas ma-
tuas um sistema contem, tanto mais coerente ele 6.
Como exemplo para uma fundamentacao analitica rmitua pode servir
a relacao entre os direitos fundamentais e o estado de direito. Alguma coisa
fala em favor da tese que a validez de direitos fundamentais é um pressu-
posto, conceitualmente necessario, da existencia, em todo o caso, de urn
estado de direito plenamente desenvolvido e que, se nao existe um estado
de direito desenvolvido, pelo menos, minimamente, ja por fundamentos
conceituais nao se pode falar da validez de direitos fundamentais. Sobre tal
relacao conceitual pode apoiar-se uma fundamentacao matua. Urn sistema
que contem tais fundamentacoes enlaca seus elementos mais estreitamente
que um sistema que nao as contem. Vale, por isso, o criterio seguinte:
5.2 Ceteris paribus: quanto mais fundamentacOes analiticas ma-
tuas um sistema contem, tanto mais coerente ele 6.
De uma fundamentacao normativa mtitua deve ser falado, quando dois
modos da fundamentacao sao unidos um corn o outro: a fundamentacao de
varias declaracoes relativamente especiais por uma relativamente geral e a
fundamentacao dessa declaracao relativamente geral pelo feixe das relati-
vamente especiais. 0 primeiro modo de fundamentacao corresponde aquilo
que o criterio 3.1 exige. Ele 6, muitas vezes, designado como "dedutivo".25
0 segundo modo de fundamentacao 6, pelo contrario, frequentemente de-
nominado "indutivo". 26 Agora, devem, segundo o conceito de fundamenta-
cao aqui pressuposto, fundamentacoes, se elas devem ser aceitaveis, poder
ser completadas dedutivamente sempre por premissas adicionais aceitaveis
e, nesse sentido, transformadas em fundamentacoes dedutivas. Contudo,
nao ha nada de prejudicial nesse modo de designacao se ele e relacionado
a isto, que ambos os modos de fundamentacao distinguem-se pelo fato de
em um, declaracao relativamente especial ser fundamentada por uma rela-
tivamente geral e, no outro, uma declaracao relativamente geral fundamen-
tada por urn feixe de declaracoes relativamente especiais.
A uniao de ambos os modos de fundamentacao é interessante, porque
ela leva aquilo que Ralws denomina um "equilibrio reflexivo" 27 (reflective
equilibrium). 28 Urn exemplo pode servir a aclaracao. 0 tribunal constitu-
cional federal, durante muitos anos, interpretou a garantia legal-fundamen-
tal da dignidade humana por declaracoes como: "Contradiz a dignidade
25
Entre aspas no original.
26
Entre aspas no original.
27
Entre aspas no original.
28
J. Rawls. A Theory of Justice, Cambridge, Mass. 1971, S. 48.

Constitucionalismo discursivo 125


humana transformar as pessoas cm mero objeto no estado." 29 Apesar de sua
alta indeterminagáo, puderam, com essa fórmula do objeto, os casos produ-
zidos ser solucionados mais ou menos satisfatoriamente e as solugóes dos
casos puderam ser citadas como justificante para a corregáo da fórmula. Na
sentenga de escuta, na qual, entre outras coisas, tratava-se disto, se a exclu-
s o da informagáo e da via judicial em medidas de escuta infringe a garantia
da dignidade humana, o tribunal no mais considerou como suficiente a
fórmula do objeto geral. Ele complementou-a por urna declaragáo, que pode
ser designada como "fórmula de desprezo": "O tratamento da pessoa pelo
poder público, que efetiva a lei, deve, portanto, caso ele toque a dignidade
humana, ser expressáo do desprezo do valor, que cabe á pessoa cm virtude
de seu ser pessoa, portanto, nesse sentido, ser um `tratamento depreciati-
vo — . 30 Essa declaragáo relativamente geral é capaz de, sem dúvida, justifi-
car a declaragáo relativamente especial, que a substituigáo da via para os
tribunais pela via para um órgáo designado pelo parlamento no viola a
dignidade humana, mas rigorosamente isso pode também ser alegado como
fundamento contra ela. Além disso, deixam formar-se numerosos casos, nos
quais um tratamento no é depreciativo e, mesmo assim, infringe a digni-
dade humana. Na luz de tais casos, a fórmula de desprezo mostra-se insus-
tentável e a fórmula do objeto, apesar de seu defeito, melhor fundamentada.
O tribunal, entáo também, cm decisóes posteriores, voltou á fórmula do
objeto.31
O procedimento da produgáo de um equilibrio reflexivo, sem dúvida,
no é um procedi mento de fundamentagáo perfeito. Ele no responde nem
a questáo, guando uma declaragáo geral deve ser modificada por causa de
urna especial, nem a questáo, guando urna declaragáo especial deveria ser
abandonada por causa de urna geral. Todavia, porém, mal pode ser impug-
nado que, primeiro, ele é um procedimento racional e que, segundo, ele
contribui para a produgáo de coeréncia. Com isso, deixa formular-se o cri-
tério seguinte:
5.3 Ceteris paribus: quanto mais fundamental eles -
normativas
mútuas (equilíbrio reflexivo) um sistema contém, tanto mais coe-
rente ele é.
b) Propriedades dos conceitos
Entre as propriedades da estrutura da fundamentagáo e aquelas dos
conceitos de um sistema de declaragóes ou de urna teoria existem relagóes
conceituais estreitas. Na história da filosofia e da ciéncia do direito frequen-
temente o plano dos conceitos foi considerado como decisivo. Exemplos
29
BVerfGE 27, 1(6).
313
BVerfGE 30, 1(26).
BVerfGE 45, 187 (228).

126 Robert Alexy


oferecem Hegel e a jurisprudencia dos conceitos alema do seculo 19. Aqui
afirmada uma primazia do piano das declaraceies ou proposicOes, porque
nunca urn conceit° pode fundamentar urn outro, mas sempre somente uma
declaracao, uma outra. Que a questa°, se uma declaracao fundamenta uma
outra, essencialmente depende dos conceitos empregados nas declaracoes,
6 corn o primado do piano das declaracOes, sem mais, compativel.
(1) Comunidade
A propriedade criadora de coerencia mais importante dos conceitos
a comunidade. Existem dois aspectos da comunidade: a universalidade e a
aeneralidade.
Generalidade é urn assunto de grau. Urn conceito é tanto mais geral,
quanto mais ampla 6 a sua extensao. Assim, o conceito de direito funda-
mental 6 mais geral do que aquele do direito fundamental da liberdade, e
este, outra vez, mais geral do que aquele do direito fundamental da liber-
dade de manifestacao de opiniao. 0 conceit° contrario ao de generalidade
o da especialidade. 32 Quanto mais geral é uma declaracao, tanto major
o ntimero das declaracoes relativamente especiais corn as quais ela pode ser
unida. lsso fica claro na doutrina do direito geral e na parte geral dos dis-
tintos campos do direito. Valem, por conseguinte, os criterios seguintes:
6.1 Ceteris paribus: quanto mais conceitos gerais uma teoria con-
tern, tanto mais coerente ela 6.
6.2 Ceteris paribus: quanto mais gerais os conceitos de uma teo-
ria sac., tanto mais coerente ela 6.
Universalidade nao é propriedade de conceitos, mas de declaraci5es.
Uma declaracao 6 universal quando ela diz respeito a todos os individuos
corn determinadas propriedades, isto C. quando ela contem um quantifica-
dor universal. 0 contrario da universalidade e a individualidade. Uma de-
claracao e individual quando ela diz respeito a individuos, que sao
designados corn auxilio de nomes proprios ou determinadas descricOes. Os
criterios relacionados corn a estrutura da fundamentacao contem ja impli-
citamente o post u lado do emprego de tantas declaracOes universais quanto
possivel, porque sem estas a exigencia de producao de correntes de funda-
mentacao tao extensas quanto possivel e tao intensivamente enlacadas
quanto possivel nao pode ser cumprida. Como somente se trata dist°, de
maximizar o emprego de declaracties universais, mas nao disto, de mini mi-
zar o uso de declaracoes individuais, porque estas podem, por exemplo, na
producao de urn equilibrio reflexivo, ser empregadas como criadoras de
coerencia, um criterio relacionado corn a universalidade ou a i ndividuali-
dade nao e necessario.
32
Comparar para isso R. M. Hare, Principles, in: Proceedings of the Aristotelian Society 73 (1972/73),
S. 2 f.

Constitucionalismo discursivo 127


(2) Unióes transversais conceituais
A generalidade diz respeito a propriedades dos conceitos de um deter-
minado sistema ou de urna determinada teoria. Com a generalidade de um
conceito ascende a perspectiva que ele também possa ser empregado em
outras teorias. O emprego do mesmo conceito ou parente em teorias distin-
tas deve ser designado como "uniáo transversal conceitual".33
Urna uniáo transversal conceitual existe, por exemplo, como pode ser
mostrado no quadro da lógica de6ntica, entre os conceitos do mandamento,
da proibigáo e da permissáo, por t'in lado, e, os conceitos da necessidade,
da impossibilidade e da possibilidade, por outro. 34 A urna unido transversal
conceitual no menos interessante leva á viso, que o ponderar no direito e
na moral pode ser analisado com auxílio da ideia da otimidade-Pareto e sob
emprego de curvas de indiferenga, portanto, com auxílio de instrumentos
que, sobretudo, foram desenvolvidos nas ciéncias económicas.35
Unióes transversais desse tipo mostram que a ciéncia do direito no é
urna provincia do espirito separada, que segue exclusivamente regras pró-
prias, mas está unida por leis universais com outras áreas. Também isso é
um aspecto da coeréncia, e precisamente, um aspecto da coeréncia externa.
A isso corresponde o critério:
7. Ceteris paribus: quanto mais unióes transversais conceituais
urna teoria mostra, tanto mais coerente ela é.
c) Propriedades do ámbito do objeto
Na discussáo das unióes transversais conceituais ficou claro que exis-
tem dois aspectos da coeréncia: um interno e outro externo. Se os sistemas
Si e S2 devem ser avalados como internamente igualmente coerentes, Si
diz respeito, porém, a um ámbito do objeto mais amplo que S2, entáo pode
ser dito que Si é mais coerente que S2. 36 Deixam formular-se dois critérios
de coeréncia relacionados com o ámbito do objeto:
8.1 Ceteris paribus: quanto maior é o número de casos aos quais
urna teoria é aplicável, tanto mais coerente é a teoria.
8.2 Ceteris paribus: quanto mais diferentes so os casos aos quais
urna teoria é aplicável, tanto mais coerente é a teoria.
Aquilo que esses critérios exigem já está, cm parte, contido nos crité-
rios da generalidade (6.1, 6.2), da uniáo transversal conceitual (7), da ex-
das correntes de fundamentagáo (2) e dos enlaces das correntes de
tenso das
fundamentagáo (3.1). Seu conteúdo independente consiste nisto, que eles
33
Entre aspas no original.
34
Comparar para isso, fundamentalmente, G. H. v. Wright, Logical Studies, London 1957, S. 58 ff.
35
Comparar R. Alexy (nota 10), S. 100 ff., 145 ff.
36
Em itálico, a cada vez, no original.

128 Robert Alexy


lao a esses postulados uma determinada direcao: eles visam ao ideal de uma
.eoria abrangedora de tudo.

II. Coerencia e racionalidade pratica


Os criterios da coerencia expostos tornam claro em que consiste a
:ontribuicao da coerencia para a racionalidade pratica, mas eles mostram,
tambem, que a prestacao da ideia de coerencia é limitada.
Para expor a contribuicao da coerencia para a racionalidade pratica,
pode ser perguntado em que consiste a diferenca entre uma fundamentacao
juridica, que se apoia em um sistema tao coerente quanto possivel, e uma
tat fundamentacao, que renuncia a cada relacionamento corn o sistema. Uma
fundamentacao juridica que, nem sequer, uma vez, implicitamente, diz res-
peito a urn sistema é uma fundamentacao-ad hoc. Ela nao satisfaz aos pos-
tulados da universalidade e da generalidade e, corn isso. as exigencias
elementares de justica. 37 Vale a proposicao: a justica exige o encaixamento
da fundamentacao juridica em urn sistema tao coerente quanto possivel. Ao
lado disso, a formacao do sistema tern uma serie de outros efeitos que devem
ser avaliados positivamente sob o ponto de vista da racionalidade pratica: 38
a formacao do sistema, explorada institucionalmente como dogrnatica j urf-
dica, permite reunir, examinar e evoluir as visoes de varias geracejes. Corn
isso, ela serve, simultaneamente, a estabilidade e ao progresso. Em um tat
sistema, uma declaracao é submetida a urn controle muito mais intensivo
do que isso seria possivel em fundamentaceies que comecam, cada vez,
novamente. Alem disso, a formacao do sistema leva a novas viseies, as quais
pessoas particulares, que estao ocupadas exclusivamente corn fundamenta-
goes-ad hoc, mal iriam chegar. Mais alem, o decididor é aliviado pelo sis-
tema. Ele pode apoiar-se em declaracoes multiplamente revisadas e nao
precisa, cada vez, fundamentar novamente tudo, o que mat the poderia ser
possIvel. Finalmente, nao deve permanecer nao mencionado o valor inte-
lectual e estetico de urn sistema coerente.

III. Coerencia e consenso


Essas vantagens de um sistema normativo coerente sao limitadas por
tres fraquezas necessarias.
A primeira resulta do conceito de coerencia. Coerencia nao é so urn
assunto de grau. Ela depende tambem da otimizacao de exigencias, em
parte, em sentido contrario. Os criterios de coerencia nao oferecem a pos-
37
N. MacCormick (nota 4), S. 243.
38
Comparar para isso R. Alexy, Theorie der juristischen Argumentation. Frankfurt/M. 1978 (1983),
S. 336 ff.

Constitucionalismo discursivo 129


sibilidade de sempre dizer que um sistema é mais coerente que o outro. En
casos duvidosos, eles somente podem dar a informagáo que um sistema e
mais coerente cm um sentido e, o outro sistema, no outro. A decisáo, qua
sistema deve ser preferido, requer, nessa situagáo, urna avaliagáo que nác
mais se pode realizar somente segundo criterios de coeréncia.
A segunda fraqueza resulta do caráter formal da coeréncia. Os criterios
de coeréncia nada dizem sobre o conteúdo do sistema normativo. Em vista
dos conceitos, contidos no conceito de coeréncia, da generalidade e da uni-
versalidade e, também, em vista do fato, que fundamentagóes plenamente
desenvolvidas, antes sao propícias á justiga e á racionalidade que á injustiga
e á irracionalidade. pode ser dito, sem dúvida, que já o cumprimento dos
critérios formais de coeréncia limita injustiga e irracionalidade e contribui
para justiga e racionalidade. Em um sentido rigoroso, contudo, conteúdos
injustos e irracionais quanto ao conteúdo no sao excluídos.
A fraqueza praticamente mais significativa é a terceira. Ela resulta da
incompletude necessária, também de tais sistemas normativos que so tac
coerentes como somente é possível. O fundamento para isso é a necessidade
de premissas normativas ou valoragóes adicionais. Esse fundamento obtém,
sobretudo, cm trés conjunturas, importancia: na travessia de declaragóes
normativas relativamente gerais para relativamente especiais (3.1), na pon-
deragáo entre princípios (4) e na produQáo de um equilíbrio reflexivo (5.3).
Essas trés fraquezas nao fazem cair a ¡deja de coeréncia. Mas elas
levam á viso na necessidade de um complemento do plano do sistema,
composto de declaragóes, por um plano procedimental, no qual pessoas e
sua atuagáo argumentativa, ao lado das declaragóes, desempenham um pa-
pel decisivo. O que une ambos os planos é a ideia da fundamentagáo. Essa
ideia exige, de um lado, o estabelecimento de construgóes de pensamento
táo coerente quanto possível e, nesse sentido, táo perfeito quanto possível.
Do outro, ela pede um processo de argumentagáo táo racional quanto pos-
sível, que visa á formagáo de um consenso racional. O que isso significa
pode ser exposto cm urna teoria do discurso racional. 39 Isso seria, contudo,
um novo tema.

39
Comparar R. Alexy (nota 38), S. 234 fr., 273 ff.

130 Robert Alexy


—8—

A formula peso*

Sumario: I. A base teerico-normativa: regras e principios; II. 0 principio da propor-


cionalidade em sentido restrito; Ill. A escalacao triadica; IV. A formula; V. A formula
ampliada.

Existem duas operacOes fundamentais da aplicacdo do direito: a sub-


suncao e a ponderacao. Enquanto a subsuncao esta relativamente bem in-
vestigada, na ponderacao, hoje tanto quanto antes, muitas questoes estao
abertas. Nisso, trata-se de tres problemas: o da estrutura, o da racionalidade
e o da legitimidade. Entre esses problemas existem conexoes estreitas. A
legitimidade da ponderacdo no direito depende de sua racionalidade. Quan-
to mais racional é a ponderacao, tanto mais legitimo é o ponderar. Sobre a
racionalidade da ponderacao, porem, decide a estrutura dela. Caso sua and.-
Use mostre que ponderar nao pode ser outra coisa senao decidir arbitrario,
entao estaria corn a racionalidade da ponderacdo posto em chivida, simulta-
neamente, a sua legitimidade na aplicacao do direito, especialmente, na
j urisprudencia constitucional. 0 problema da estrutura da ponderacdo for-
ma, por isso, o micleo do problema da ponderacao no direito.

I. A base teorico-normativa: regras e principios


A distilled° entre regras e principios forma o fundamento teorico-nor-
mativo, por um lado, da subsuncao e, por outro, da ponderacao. I Regras sao
normas que ordenam algo definitivamente. Elas sao mandamentos definiti-
* Este amigo encontra-se publicado na Gedachtnisschrift fiir Jurgen Sonnenschein. Joachim Jickeli/Pe-
ter Kreutz/Dieter Reuter (Hg.) Berlin 2003, p. 771 et seq. Titulo no original: Die Gewichtsformel.
Nota do tradutor: a pontuacdo encontra-se toda no original.
1
Comparar para isso corn mais indicacoes R. Alexy Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frankfurt a. M.
1996, S. 71 ff.; dens. Zur Struktur der Rechtsprinzipien, in: B. Schilcher/P. Koller/B.-C. Funk (Hg.),
Regeln, Prinzipien und Elemente im System des Rechts, Wien 2000, S. 31 ff. Nota do tradutor: sobre
esse amigo ver o livro "Dos principios constitucionais", organizado por George Salomao Leite, Ma-
lheiros, Sao Paulo, 2003, paginas 52-100.

Constitucionalismo discursivo 131


vos. A maioria das regras ordena algo para o caso que determinadas con-
digóes sejam cumpridas. Elas sao, entáo, normas condicionadas. Mas tam-
bém regras podem adquirir urna forma categórica. Um exemplo seria urna
proibi0o de tortura absoluta. Decisivo é que entáo, guando urna regra vale
e é aplicável, é ordenado definitivamente fazer rigorosamente aquilo que
ela pede. Se isso é feito, a regra está cumprida; se isso no é feito, a regra
náo está cumprida. Regras sao, por isso, normas que sempre somente ou
podem ser cumpridas ou no cumpridas. Pelo contrario, princípios so nor-
mas que ordenam que algo seja realizado em urna medida táo alta quanto
possível relativamente ás possibilidades fáticas e jurídicas. Princípios sao,
por conseguinte, mandamentos de otimizaqao. Como tais, eles so caracte-
rizados pelo fato de eles poderem ser cumpridos cm graus diferentes e de
a medida ordenada de seu cumprimento depender no só das possibilidades
fáticas, mas também das jurídicas. As possibilidades jurídicas sao, além de
pelas regras, essencialmente determinadas por princípios em sentido con-
trário.

II. O princípio da proporcionalidade em sentido restrito


Como distingóes bem genericamente, assim também distingóes teóri-
co-normativas podem ter importancia teórica e prática maior ou menor. O
significado da distingo de regras e princípios resulta disto, que o caráter
de princípio implica o princípio do direito constitucional material mais
i mportante, o princípio da proporcionalidade e, ás avessas, este aquele. O
princípio da proporcionalidade, com seus trés princípios parciais da idonei-
dade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito, resulta
logicamente da definigáo de princípios e, essa, daquele.
Princípios exigem urna realizagáo táo ampla quanto possível, tanto
relativamente ás possibilidades fáticas corno relativamente ás jurídicas. Os
princípios parciais da idoneidade e da necessidade expressam o mandamen-
to da otimizagáo relativamente ás possibilidades fáticas. 2 Nisso, no se trata
de ponderagáo, mas da evitagáo de tais intervengóes cm direitos fundamen-
tais, que sem custos para outros princípios so evitáveis, portanto, 3 da oti-
midade-Pareto. 4 No princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que
também pode ser designado como "princípio da proporcionalidade - , trata-
-se, pelo contrario, da otimizagáo relativamente ás possibilidades jurídicas.
Esse é o campo da ponderagáo. Somente essa deve aqui interessar.
2
Comparar para isso L. Clérico Die Struktur der VerháltnismáBigkeit, Baden-Baden 2001, S. 26 ff.
3
Comparar para isso, assim como para a relaQáo entre os princípios da idoneidade e necessidade, por
um lado, e o princípio da proporcionalidade cm sentido restrito, por outro, R. Alexy A Theory of
Constitutional Rights, Oxford 2002, Postscript.
4
R. Alexy (nota 1), S. 149.

132 Robert Alexy


Uma relacao forma o nucleic, da ponderacao, a qual pode ser designada
como "lei da ponderacao" e deixa formular-se como segue:
Quanto mais alto e o grau do nao cumprimento ou prejulzo de
urn princfpio, tanto major deve ser a importancia do cumprimento
do outro.5
A lei da ponderacao deixa reconhecer que a ponderacao deixa decom-
por-se em tres passos parciais. Em urn primeiro passo deve ser comprovado
o grau do nao cumprimento ou prejulzo de um princfpio. A esse deve, em
urn segundo passo, a seguir, seguir a comprovacao da importancia do cum-
primento do princfpio em sentido contrario. Em urn terceiro passo deve,
finalmente, ser comprovado se a importancia do cumprimento do princfpio
em sentido contrario justifica o prej ufzo ou nao cumprimento do outro. Essa
estrutura elementar mostra o que cepticos da ponderacao radicais como, por
exemplo, Habermas e Schlink devem impugnar quando eles afirmam que a
ponderacao, "porque para isso faltam criterios racionais", deve efetivar-se
"ou arbitrariamente ou irrefletidamente, segundo modelos e ordens hierar-
quicas acostumados" 6 ou quando eles dizem que nos "exames da propor-
cionalidade em sentido restrito em ultimo lugar somente a subjetividade
do examinador faz valer-se" e que as "operacoes de valoracao e de ponde-
raga° do exame da proporcionalidade em sentido restrito em ultimo lugar
so decisionisticamente 7 podem "ser prestadas". 8 Eles devem impugnar que
sentencas racionais sobre intensidades de intervencao e graus de importan-
cia sao possfveis. Pois bem, deixam encontrar-se, porem, facilmente exem-
plos, nos quais sentencas dessa natureza, sem mais, podem ser feitas.
Assim, o dever dos produtores de produtos de tabaco de colocar em seus
produtos referencias aos perigos do fumo para a satide é uma intervencao
relativamente leve na liberdade da profissao. Uma proibicao completa de
todos os produtos de tabaco deveria, pelo contrario, ser classificada como
intervencao grave. Entre tais casos leves e graves deixam classificar-se
casos de intensidade de intervencao media. Um exemplo seria a proibicao
de automaticos de cigarro juntamente corn a limitacao da venda de produtos
de tabaco a determinados negocios. Desse modo, nasce uma escala corn os
graus "leve", "medio" e "grave". 0 exemplo mostra que associacoes validas
a esses graus sao possiveis. Imagine-se somente alguem que classifica uma
proibicao completa de todos os produtos de tabaco como uma intervencao
leve na liberdade da profissao dos produtores e considera o dever de colocar
5
Comparar o tnesmo (nota 1), S. 146.
6
J. Habermas Faktizitat und Geltung, 4. Aufl., Frankfurt a.M. 1994, S. 315 f.
7
Nota do tradutor: ver supra, 1, nota 14.
8
B. Schlink Freiheit durch Eingriffsabwehr — Rekonstruktion der klassischen Grundrechtsfunktion.
EuGRZ 1984, S. 462; ders. Der Grundsatz der Verhaltnismiagkeit, in: P. Badura/H. Dreier (Hg.),
Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht, Bd. 2, Tubingen 2001, S. 456, 460 ff.; B. Pieroth/B.
Schlink Grundrechte, 17. Aufl., Heidelberg 2001, Rn. 293.

Constitucionalismo discursivo 133


referéncias de adverténcia nas embalagens, pelo contrário, como urna in-
tervengo grave. No seria fácil levar a sério essas sentengas.
A possibilidade da escalagáo de trés graus existe do lado dos funda-
mentos em sentido contrário. O fundamento para o dever de colocagáo de
referéncias de adverténcia cm produtos de tabaco é a protegáo da populagáo
diante de perigos á saúde. No seria exagero do tribunal constitucional
federal guando ele, em sua decisáo sobre as referéncias de adverténcia,
considera como "assegurado segundo o estado do conhecimento médico
atual" que fumar causa cáncer, assim corno doengas cardíacas e vasculares.9
O peso dos fundamentos justificadores da intervengo é, por isso, alto. Eles
pesam gravemente. Se está fixado, desse modo, primeiro, urna vez, a inten-
sidade da intervengo como leve e o grau de importáncia do fundamento da
intervengáo corno alto, entáo o resultado é fácil de reconhecer. O funda-
mento de intervengo grave justifica a intervengáo leve. O dever de colocar
referéncias de adverténcia cm produtos de tabaco, por isso, no viola a
liberdade da profissáo dos produtores de tabaco, garantida pelo artigo 12,
alínea 1, da lei fundamental» Esse resultado do exame da proporcionali-
dade cm sentido restrito no é sé, de alguma maneira, plausível. Em vista
da intensidade mínima da intervengo e do peso alto do fundamento da
intervengo pode-se, sem mais, com o tribunal constitucional federal desig-
ná-lo como "manifesto"."
Poderia agora se achar que o exemplo no diz muito. De um lado,
trata-se de atividades económicas. Aqui, escalagóes sáo facilmente possí-
veis, porque esto cm sua base, cm último lugar, reflexóes sobre custos. De
outro lado, trata-se de vida e morte. Se por investigagóes empíricas deixa
comprovar-se que o perigo aqui, até certo ponto, é grande, urna classifica-
gáo no ámbito superior da importáncia pode apoiar-se cm fatos quantificá-
veis. Isso no se deixa transferir a ámbitos, nos quais fatores quantificáveis
como custos e probabilidades náo desempenham nenhum papel ou nenhum
considerável.
Para infirmar essa objegáo, seja considerado um caso no qual se trata
da colisáo clássica entre a liberdade de opiniáo e o direito de personalidade.
A propagada revista ilustrada de sátiras Titanic designou um oficial da
reserva hemiplégico, que praticou exitosamente sua convocagáo para um
exercício militar, primeiro como "nascido assassino" e, cm urna edigáo
posterior, entáo como "aleijado". O tribunal de terceira instáncia de Düs-
seldorf condenou a Titanic, com vista á demanda do oficial da reserva, a
9
BVerfGE 95, 173 (184).
l
° Nota do tradutor: artigo 12, alínea 1, da lei fundamental: todos os alemáes tém o direito de escolher
livremente profissáo, posto de trabalho e centros de forma0o. O exercício da profissáo pode ser
regulado por lei ou com base cm unta lei.
11
BVerfGE 95, 173 (187).

134 Robert Alexy


uma indenizacao em dinheiro por urn dano imaterial sofrido no montante
de 12.000 marcos alemaes. A Titanic promoveu recurso constitucional. 0
tribunal constitucional federal efetua uma "ponderacao relacionada ao
caso" 12 entre a liberdade de manifestacao de opiniao dos participantes do
lado da revista (artigo 5, alinea 1, proposicao 1, da lei fundamental) 13 e o
direito de personalidade geral do oficial da reserva (artigo 2, alinea 1, 14 em
uniao corn o artigo 1, alinea 1, 15 da lei fundamental). Para essa finalidade
determinada a intensidade do prejuizo desses direitos e posta em relacao.
A condenacao para a indenizacao em dinheiro por urn dano imaterial sofrido
classificada como "corn efeito forte e duradouro", portant°, intervencao
grave na liberdade de opinido, tambem quando ela nao se realizou por uma
decisao judicial penal, mas somente por uma judicial civil. Isso e funda-
mentado, sobretudo, corn isto, que a indenizacao em dinheiro por urn dano
i material sofrido poderia diminuir a disposicao futura dos afetados de for-
mar a sua revista assim como eles ate agora o fizeram.' 6 A designacao
"nascido assassino", a seguir, é posta no contexto das satiras publicadas
pela Titanic. Nelas, varias pessoas sao designadas em urn modo "reconhe-
d y e! nao serio", enformado "por jogo de palavras ate a parvoice", como
algo nascido, o presidente federal de entao, Richard von Weizsacker, por
exemplo, como "nascido cidadao". 17 Esse contexto exclui ver nessa desig-
nacao uma "violacao do direito de personalidade proibida, grave, antijurf-
dica"." Ao prejuizo do direito de personalidade 6, corn isso, atribuido, no
maxim°, uma intensidade mediana, talvez ate somente uma minima. A isso
corresponde uma importancia mediana, talvez somente uma minima, da
protecao da personalidade do oficial da reserva por imposicao de uma in-
denizacao em dinheiro por um dano imaterial sofrido. Depois dessas clas-
sificacoes esta fixada a primeira parte da decisao. Para justificar a
condenacao para a indenizacao em dinheiro por urn dano imaterial sofrido
como uma intervencao grave no direito fundamental da liberdade de opi-
niao, deveria o prejuizo do direito de personalidade, que deve ser compen-
sado pela indenizacao em dinheiro por urn dano imaterial sofrido, pelo
12
BVerfGE 86, 1(11).
13
Nota do tradutor: artigo 5, alinea 1, da lei fundamental: cada um tern o direito de manifestar e de
propagar livremente a sua opiniao em palavra, escrita ou imagem e de informar-se, sem entraves, nas
fontes gerais acessiveis. A liberdade de imprensa e a liberdade de reportagem por meio de radiodifusao
e filme serao garantidas. Uma censura nao tern lugar.
14
Nota do tradutor: artigo 2, alinea 1, da lei fundamental: cada urn tern o direito ao livre desenvolvi-
mento de sua personalidade, a medida que ele nao viola os direitos de outros e nao infringe a ordem
constitucional ou a lei moral.
15
Nota do tradutor: artigo I, alinea 1, da lei fundamental: a dignidade da pessoa é intangivel. Consi-
dera-la e protege-la e obrigacao de todo o poder estatal.
16
BVerfGE 86, 1(10).
17
BVerfGE 86, 1(11).
18
BVerfGE 86, 1(12).

Constitucionalismo discursivo 135


menos, igualmente, ser grave. Isso, contudo, segundo a estimativa do tri-
bunal constitucional federal, ele no é. Entáo, porém, a intervengáo na li-
berdade de opiniáo é desproporcional, o que significa que a designagáo do
oficial da reserva de "nascido assassino" náo deveria ser sancionada com
urna indenizagáo em dinheiro por um dano imaterial sofrido.
De outra forma, todavia, devem situar-se as coisas na designagáo do
oficial da reserva como "aleijado". Essa designagáo viola o hemiplégico
"gravemente cm seu direito de personalidade". 19 A importáncia da protegáo
do oficial da reserva pela imposigáo de urna indenizagáo em dinheiro por
um dano imaterial sofrido é, portanto, grande. Isso é fundamentado com
isto, que a designagáo de urna pessoa que sofreu grande mutilagáo como
"aleijado" hoje, em geral, é "entendida como humilhagáo" e expressa um
"desprezo". Defronte da intervengo grave na liberdade de opiniáo está,
com isso, urna importáncia alta da protegáo da personalidade. Nessa situa-
gáo, o tribunal constitucional federal chega ao resultado que náo deve ser
reconhecida "nenhuma ponderagáo defeituosa por conta da liberdade de
manifestagáo de opiniáo". 2 ° O recurso constitucional da Titanic, por con-
seguinte, estava fundamentado somente á medida que a indenizagáo cm
dinheiro por um dano imaterial sofrido para a designagáo "nascido assassi-
no" fora imposta. Á medida que a designagáo "aleijado" valeu, ele era
infundado.2'
Pois bem, pode discutir-se sobre isto, se a designagáo de "nascido
assassino" realmente apresenta somente urna intervengáo mediana ou leve.
Aqui somente tem significado, que mal pode ser posto cm dúvida, que náo
só a imposigáo da indenizagáo cm dinheiro por um dano imaterial sofrido
como ainda a designagáo como -aleijado" prejudicam muito intensivamente
o princípio respectivo. Do lado da pessoa que sofreu grande mutilagáo pode,
além das comprovagóes do tribunal, qualificar-se isso ainda mais. O tribu-
nal constitucional federal comprova acertadamente que a designagáo de um
hemiplégico como "aleijado" expressa urna humilhagáo e um desprezo.
Uma tal humilhagáo pública e recusagáo da consideragáo acerta a dignidade
do abordado. Isso é náo só simplesmente um prejuízo grave, mas um muito
grave ou extraordinariamente grave. Com ele está posto o pé no ámbito no
qual prejuízos mal ainda podem ser justificados por urna intensificagáo dos
fundamentos para a intervengáo. Isso corresponde á lei da taxa marginal de
substituigáo minguante. 22 O caso-Titanic é, por conseguinte, náo só um
exemplo para isto, que escalagóes que se deixam convenientemente pór cm
relagáo urna com a outra também lá sáo possíveis onde se trata de bens
19
BVerfGE 86, 1(13) — reallado por R. A.
20
Ebd.
21
BVerfGE 86, 1 (14).
22 Comparar R. Alexy (nota 1), S. 147.

136 Robert Alexy


i materiais como a personalidade e o discurso livre, mas tambern um exem-
plo para isto, que nos direitos fundamentais, como princlpios, encontram-se
forcas, que no caminho da ponderacao fixam limites que, sem davida, nao
sao reconheciveis rigidamente e livres de ponderacao, mas sao firmes e
claros.
A decisao-tabaco e a decisao-Titanic mostram que, em todo o caso,
em alguns casos sentencas racionais sobre graus de intensidade e de impor-
tancia sao possiveis e que tais sentencas, corn o fim da fundamentacao de
urn resultado, deixam por-se em relacao. Naturalmente, em tais sentencas
sao pressupostos criterios que nao ja estao contidos na lei da ponderacao.
Assim, na comprovacao que a condenacao da Titanic a uma indenizacao em
dinheiro por urn dano imaterial sofrido é uma intervencao grave na liber-
dade de opiniao, encontram-se suposicOes sobre isto, o que significa a li-
berdade de opiniao e o que é perigoso para ela. As avessas, a sentenca, que
a designacao como "aleijado" é uma intervencao grave na personalidade,
pressupOe suposicoes sobre isto, o que significa ser uma pessoa e ter dig-
nidade. Porem, isso nao quer dizer que a ponderacao, para empregar pala-
vras de Habermas, efetiva-se "ou arbitraria ou irrefletidamente, segundo
modelos e ordens hierarquicas acostumados". 23 As suposicoes, que estao
na base das sentencas sobre a intensidade da intervencao e do grau de im-
portancia, nao sao arbitrarias. Para elas, sao citados fundamentos que se
deixam escutar. Tambem que essas suposiciies foram tomadas pelo tribunal
constitucional federal "irrefletidamente, segundo modelos e ordens hierar-
quicas acostumados" deve ser posto em chivida. Os modelos correspondem,
sem davida, a uma linha de precedentes. Aqui, falar de "modelos acostu-
mados", porem, somente entao seria justificado, se na decisao somente se
tratasse da existencia de uma linha de precedentes e, nao tambern, de sua
correcao. Alem disso, de uma aplicacao "irrefletida" somente entao poderia
tratar-se se essa aplicacao nao tivesse tido lugar no caminho da argumen-
tacao. Porque sao argumentos que expressam publicamente reflexao. Po-
rem, nao ha falta de argumentacao. Tudo isso vale tambem para a
decisao-tabaco.

III. A escalacao triadica


Ate agora, somente foram considerados exemplos. Esses mostraram
que existem casos nos quais, de modo racional, por meio de uma ponderacao
de principios colidentes, pode ser obtido urn resultado. Com isso, sem du-
vida, esta refutada a tese que o ponderar, por causa da falta de criterios
racionais, em todos os casos, tudo admite, mas a estrutura da ponderacao,
corn isso, ainda nao esta compreendida. 0 dito ate agora ficou vinculado
23
J. Habermas (nota 6), S. 315 f.

Constitucionalismo discursivo 137


aos exemplos. Para chegar a urna sentenga geral, que supera os exemplos,
sobre a possibilidade de ponderar racional, deve, agora, ser tomado em
consideragáo o sistema que está atrás das classificagóes feitas até agora.
Todas as classificagóes realizam-se cm um modelo de trés graus ou
triádico. Naturalmente, para o ponderar, a tripla gradualidade náo é coerci-
tiva. Isso pode iniciar assim que se tenha dois graus e o número de graus é,
para cima, aberto. O exposto no que segue, também entáo é exato na maté-
ria, guando se baixa o número de graus para dois ou eleva além de trés. Esse
número somente náo deve, como ainda deverá ser exposto, tornar-se muito
grande. A tríade, porém, tem perante tais alternativas a vantagem que ela
corresponde particularmente bem á prática da argumentagáo jurídica. Além
disso, ela deixa ampliar-se de um modo evidente particularmente intuitivo.
Esses trés graus deixam caracterizar-se, como já ilustrado, pelas ex-
pressóes "leve", médio" e "grave". Serve á simplicidade da apresentagáo
caracterizar esses trés graus pelas letras "1", "m" e "s". "1" representa nisso
náo só o idiomático corrente "leve", mas também expressóes como "míni-
mo" ou "fraco" e "s" representa, ao lado de "grave", também modos de falar
como "alto" ou "forte".
Objeto da avaliagáo como 1, m ou s sao, segundo a lei da ponderagáo,
por um lado, o grau do náo cumprimento ou prejuízo de um princípio e, por
outro, a importáncia do cumprimento do outro. No primeiro lado está, com
a combinagáo de "nao cumprimento- e "prejuízo", um conceito duplo. Ele
expressa a dicotomia de defesa e protegáo. Se se trata de um direito funda-
mental como direito de defesa, entáo a medida a ser apreciada apresenta-se
como intervengo. Intervengóes so prejuízos. Em vez de falar do "grau do
prejuízo - pode, por conseguinte, falar-se também da "intensidade da inter-
vengo", o que deve ocorrer no que segue. É um sinal para a dilatabilidade
do idioma que se pode designar cada intervengo, simultaneamente, como
"nao cumprimento". A expressáo "n.o cumprimento" atua, certamente,
mais naturalmente guando se trata de direitos de protegáo, que de outra
forma como direitos de defesa, exigem no urna omissáo, mas urna agáo
positiva. Também aqui se pode, certamente, o que, outra vez, mostra a
flexibilidade do idioma, falar de "prejuízos" e, até, de -intervengóes". Se
um princípio exige protegáo, mas essa náo é concedida, pode tratar-se no
só de um "no cumprimento" desse princípio, mas também de urna "inter-
vengo" nele, e precisamente, de urna "intervengo por no cumprimento".
Diante desse fundo podem, agora, ser feitas algumas fixagóes. Se se
emprega "Pi" corno variável para aquilo cuja violagáo — para tomar outra
vez a formulagáo da lei da ponderagáo — é examinada por causa de no
cumprimento ou prejuízo, entáo se pode notar para a intensidade da inter-
vengo cm Pi "IPz - Intervengóes so sempre intervengóes concretas. A
intensidade da intervengo é, por isso, urna grandeza concreta. Como tal,

138 Robert Alexy


ela distingue-se do peso abstrato de Pi, que deve ser notado como "GP".
0 peso abstrato de urn principio Pi é o peso que cabe a Pi relativamente a
outros principios, independente das circunstancias de alguns casos. Muitos
principios da constituicao nao se distinguem em seu peso abstrato. Em
alguns, isso, todavia, é diferente. Assim, o direito a vida tern urn peso abs-
trato superior do que a liberdade de atuacao geral. Se o peso abstrato dos
principios colidentes e igual, pode ele ser excluido da ponderacao. A lei da
ponderacao denomina como primeiro objeto da ponderacao somente a in-
tensidade da intervencao. Isso mostra que ela foi formulada corn vista a
situacao na qual os pesos abstratos sao iguais, portanto, nao desempenham
nenhum papel. 0 que deve ocorrer quando os pesos abstratos diferem ainda
deve ser demonstrado. Aqui, basta comprovar que, por fundamentos de
clareza, sempre d importante tornar claro se, cada vez, trata-se de uma
grandeza abstrata ou de uma concreta. Em IPi isso, sem cluvida, em si, nao
necessario, porque intensidades de intervencao necessariamente sao con-
cretas. Mas tambern nao dana tornar a concretude de IPi explicita pelo fato
de se acrescentar "C'. "C' expressa as circunstancias do caso relevantes
para a decisao. "C" desempenha na lei da colisao, que aqui nao pode ser
abordada, 24 um papel central. 0 primeiro objeto da avaliacao como /, m ou
s, a intensidade da intervencao, pode, por isso, ser notada como "IPiC".
"IPiC" expressa tres aspectos. "Pi" representa isto, que se trata do
principio Pi, "I" isto, que se trata da intensidade de uma interveneao ern Pi,
e "C" isto, que se trata de urn caso concreto. E conveniente a clareza repre-
-
sentar esses tres aspectos em uma express do complexa como "IPiC". Em
-
contrapartida, trata-se de uma grandeza, a intensidade da intervene do. Isso
sugere, sempre entao, quando nao se trata disto, de realcar esses tres aspec-
tos, em vez de "IP iC' simplesmente escrever "Ii". I, nao se distingue em
nada de IP iC . Vale, portanto: I i=IPiC. "Ii" pode ser designado como "for-
mulacao concisa" da formulacao pormenorizada "IP iC' . 25 Que se trata da
intensidade da intervencao e expresso pela letra "r' , que se trata de uma
intervencao em Pi d reconhecivel nisto, que "I" e dotado corn o Indice "i",
e que se trata de uma grandeza concreta, entende-se na intensidade da in-
-
tervene do por si mesmo.
Notacoes correspondentes recomendam-se no peso abstrato. 0 peso
abstrato de Pi ja foi notado como "GPi". Se se quer tornar a abstratividade
explicita, entao se pode, em analogia a "C", acrescentar a ele "A". A desig-
nacao pormenorizada do abstrato (A) peso (G) de Pi e entao "GP iA" . A
formulacao concisa adquire, de modo correspondente, a forma "Gi". Ja - foi
24
R. Alexy (nota 1), S. 83.
25
A formulacdo pormenorizada 6 empregada em R. Alexy Die Abwagung in der Rechtsanwendung, in:
Jahresbericht des lnstituts far Rechtswissenschaft an der Meiji Gakuin Universitat zu Tokio 17 (2001),
S. 77.

Constitucionalismo discursivo 139


mencionado que o peso abstrato, expresso por "Gi" ou "GPiA", somente
entáo desempenha um papel na ponderagáo, guando ele se distingue do peso
abstrato do princípio em sentido contrário. Se os pesos abstratos de ambos
os lados so iguais, entáo eles neutralizam-se reciprocamente.
O segundo objeto da avaliagáo como 1, m ou s é, segundo a formulagáo
da lei da ponderagáo, a "importancia do cumprimento" do outro princípio.
De outra forma como a intensidade da intervengo, o grau de importancia
no necessariamente precisa ser concebido exclusivamente como urna gran-
deza concreta. Pode formar-se um conceito de importancia no qual concreto
e abstrato esto unidos. Quo importante é o cumprimento do princípio em
sentido contrario dependeria, entáo, náo só disto. quo intensivo seria o
prejuízo do princípio em sentido contrário, se no lhe tivesse sido dada a
pri mazi a, como ainda disto, quo alto é o seu peso abstrato. Já foi, contudo,
observado que nisto. que a primeira meia-proposigáo da lei da ponderagáo
somente direciona para a intensidade da intervengo, deve ser reconhecido
que essa lei está concebida para aquela conjuntura. na qual os pesos abstra-
tos so iguais e, por conseguinte, no desempenham nenhum papel. Portan-
to, parece mais entender sob a importancia no sentido da formulagáo da lei
da ponderagáo, em primeiro lugar, somente a importáncia concreta.
Com isso, tudo aflui para a questa°, o que é a importancia concreta do
cumprimento do principio em sentido contrário, da qual a lei da ponderagáo
fala. Como na lei da ponderagáo trata-se exclusivamente da relagáo entre
ambos os principios colidentes, ela pode somente depender das repercus-
sóes que a omissáo ou a náo efetivagáo da medida interveniente em Pi iria
ter sobre o cumprimento do princípio em sentido contrário, que deve ser
notado como "Pj". A i mportancia concreta do cumprimento de Pj determi-
na-se, por conseguinte, segundo as repercussóes que a omissáo da interven-
ga() em Pi teria para Pj. Isso deixa ilustrar-se com base no caso-Titanic.
Deve tratar-se somente da designagáo do oficial da reserva, pessoa que
sofreu grande mutilagáo, como "aleijado". Para determinar a intensidade
da intervenga() na liberdade de manifestagáo de opiniáo deve, simplesmen-
te, ser perguntado quáo intensivamente a proibigáo dessa manifestagáo,
unida com a imposigáo de urna indenizagáo em dinheiro por um dano ima-
terial sofrido, intervém na liberdade de manifestagáo de opiniáo. Isso é
aquilo que a constituigáo exige desse direito fundamental, guando ela per-
mite a proibigáo dessa manifestagáo, que se expressa na sentenga do tribu-
nal de terceira instancia de Düsseldorf, juntamente com a imposigáo da
indenizagáo em dinheiro por um dano imaterial sofrido. Para determinar a
i mportancia do cumprimento do princípio da protegáo da personalidade,
deve agora, ás avessas, ser perguntado o que a omissáo ou a náo efetivagáo
da intervengáo na liberdade de manifestagáo de opiniáo, portanto, a classi-
ficagáo da designagáo como "aleijado" permite e, com isso, a náo imposicáo

140 Robert Alexy


da indenizacao em dinheiro por urn dano imaterial sofrido, iria significar
para a protecao da personalidade. Nisso trata-se de nada mais que dos custos
que nascem a protecao da personalidade em conservacao da liberdade de
manifestacao de opiniao. A importancia do princIpio da protecao da perso-
nalidade, no caso-Titanic, resulta, portanto, disto, qua() intensivamente a
nao protecao por nao intervencao na liberdade de manifestacao de opiniao
da Titanic iria intervir no direito de personalidade do oficial da reserva.
Isso deixa-se generalizar e formular na proposicao seguinte: a importancia
concreta de Pi é calculada segundo isto, quo intensivamente a nao inter-
vencao em Pi intervem em
Novamente se coloca a questa° sobre a notacao. Poderia pensar-se
nisto, para a importancia fixar a letra "W' e a importancia concreta do
principio em sentido contrario, analog° a "IPiC", notar por "WpiC". Isso
teria a vantagem da proximidade para com o uso do idioma corrente, ao
qual tambem a formulacao da lei da ponderacao segue. 26 ConsideracOes
sistematicas, contudo, sugerem uma outra solucao. 0 conceito da importan-
cia concreta de Pie, como exposto, identico corn o conceito da intensidade
da intervencao em P j por omissao da intervencao em P. Trata-se da inten-
sidade de uma intervencao hipotetica por no intervencao. Isso expressa-se
o mais claramente quando, tambem do lado do principio em sentido contra-
rio, é empregado o sinal para a intensidade da intervencao, portanto, "I". 0
equivalente para "IPiC" 6, portanto, Novamente pode essa caracte-
rizacao pormenorizada ser substituida por uma concisa, e precisamente, por
. Tambem aqui vale: IPiC=Ii. No que segue, devem somente ainda as
expressOes concisas encontrar emprego."
Os objetos da avaliacao como 1, m ou s estao, corn isso, fixados. Na
apresentacao da lei da ponderacao foi dito que a lei da ponderacao decom-
poe a ponderacao em tres passos. Ambos os primeiros podem em nosso
modelo triadic° agora ser efetivados: a avaliacao de Ii como I, m ou s e a
avaliacao de Ij como 1, m ou s. Deve ser perguntado agora como o terceiro
passo pode ser executado, no qual as valorizacoes devem ser postas em
relacao uma corn a outra.
Poderia ser afirmado que tais valorizacoes, no fundo, nao podem ser
postas em relacao. Aquilo que colide é incomensurave1. 28 Assim, poderia,
por exemplo, corn vista ao caso-Titanic, ser feito valer que a designacao
26
Isso 6 o fundament° porque em trabalhos mais antigos, em principio em sentido contrario, foi
escolhida uma outra letra do que na intensidade da intervencao; comparar R. Alexy (nota 25), S. 73.
27
Mais abaixo a letra "W' sera empregada para uma grandeza que se compOe da importancia concreta
no sentido da intensidade da intervencao (/) e do peso abstrato (G).
28 Comparar para isso A. Aleinikoff Constitutional law in
the Age of Balancing, in: The Yale Law
Journal 96 (1987), S. 972 ff.

Constitucionalismo discursivo 141


como "nascido assassino" e a condenagáo a urna indenizagáo em dinheiro
por um dano imaterial sofrido de 12.000 marcos alemáes so dois fatos
sociais que teriam menos em comum do que magás e péras como fatos
naturais. Isso, contudo, no acerta o ponto decisivo. No se trata da com-
parabilidade imediata de alguns objetos, mas da comparabilidade de seu
significado para a constituigáo, o que, certamente, leva mediatamente á sua
comparabilidade. O conceito da comparabilidade do significado para a
constituigáo contém dois elementos que bastam para criar comensurabili-
dade. O primeiro é um ponto de vista uniforme: o ponto de vista da consti-
tuigáo. Naturalmente se pode discutir sobre isto, o que vale a partir desse
ponto de vista. Isso ocorre ininterruptamente. Porém, é sempre um litígio
cm torno disto, o que é correto por causa da constituigáo. Incomensurabi-
lidade nasce, certamente, de imediato guando se abandona o ponto de vista
uniforme. Isso seria, por exemplo, entáo o caso, se um intérprete da cons-
tituigáo dissesse ao outro que a partir do seu ponto de vista vale urna coisa,
a partir do outro, o oposto, cada um, portanto, de seu ponto de vista tivesse
razáo e no só no se equivocam, mas também no podem ser criticados
porque nem existe nem pode existir um ponto de vista uniforme ou comum,
a partir do qual algo poderia mostrar-se como falso. Um discurso, que ul-
trapassa retórica vazia e, nesse sentido, racional sobre a solugáo correta
seria, entáo, impossível. Pois bem, certamente vale também o contrário. Se
um discurso racional sobre aquilo que vale por causa da constituigáo é
possível, entáo um ponto de vista uniforme é possível. Esse nasce assim
que um discurso racional inicia, que se deixa dirigir pela idéia regulativa
do correto por causa da constituigáo. Quem quer deixar fracassar a possi-
bilidade de avaliagóes na impossibilidade de um ponto de vista uniforme
deve, por conseguinte, afirmar a impossibilidade de um discurso racional
sobre avaliagóes no quadro da interpretagáo constitucional. Essa afirmagáo
deve ser impugnada, também no caso de sua refutagáo aqui no poder ser
exposta. 29 O segundo elemento criador de comensurabilidade é urna escala,
independente de como constituída, que proporciona os graus para a avalia-
gáo das perdas e ganhos jurídico-fundamentais. A escala triádica I, rn, s é,
para isso, um exemplo. Seu emprego a partir de um ponto de vista uniforme
da constituigáo cria comensurabilidade.
Se, primeiro, urna vez, está criada comensurabilidade por ponto de
vista e escala, entáo a questáo, como deve ser efetivado o terceiro passo da
ponderagáo, mostra-se simples. Existem trés conjunturas, nas quais a inter-
vengáo cm Pi é mais intensiva do que aquela em

29
Comparar para isso R. Alexy Theorie der juristischen Argumentation, 4. Aufl., Frankfurt a. M. 2001.
S. 53 ff.

142 Robert Alexy


(1) s, lj: 1
(2) Ii: s, m
(3) li: m, lj: 1
Nesses casos Pi prevale sobre P. Vale, completamente no sentido
cla lei de colisdo já mencionada, a relacdo de preferencia condicionada
(PiPPi) C. 3 ° Aos tres casos da primazia de Pi correspondem tres casos da
primazia de Pj:
(4) Ii: 1, s
(5) m, s
(6) Ii: 1,1j: m
Nesses casos vale ( PiPPi) C. A esses seis casos, que se deixam decidir
virtude da escalacdo triddica, acrescem tres casos de empate:
(7) Ii: 1, 1
(8) Ii: m, lj: m
(9) li: s, s
Em casos de empate, a ponderacdo ndo determina nenhum resultado.
D caso reside em urn espaco de ponderacdo, e precisamente, em urn espaco
le ponderacdo estrutural. Esse espaco de ponderacdo 6, para a delimitacdo
ias competencias do tribunal constitucional, por urn lado, e do dador de leis
dos tribunais especializados, por outro, de grande importancia, o que aqui,
odavia, ndo pode ser mais perseguido.31
Os tres graus do modelo triddico formam uma escala que tenta siste-
-natizar classificaciies que se encontram tanto na pratica cotidiana como na
irgumentacdo juridica. Uma tal tripla gradualidade esta muito afastada de
ima metragem das intensidades de intervened() e graus de importancia por
i ma escala cardinal, que transcorre sobre urn continuum de 0-1, e ela tam-
)ern deve ser isso, porque as intensidades de intervene do-
e graus de impor-
ancia nao se deixam metrar por meio de uma tal escala. 32 E, sem ddvida,
rao raramente possivel trazer ao emprego uma Wade refinada — em questdo
mtra, como ainda deverd ser mostrado, sobretudo, uma triade dupla —, con-
udo, isso tern limites. Muitas vezes, ja a classificacao como leve, media ou
;rave causa problemas. Por vezes, pode justamente ainda se distinguir entre
eve e grave, e em alguns casos, mesmo isso parece ser impossive1. 33 Esca-
0
R. Alexy (nota 1), S. 83.
Comparar para isso R. Alexy Verfassungsrecht und einfaches Recht — Verfassungsgerichtsbarkeit
:nd Fachgerichstbarkeit, in: VVDStRL 61 (2002), S. 7 ff. Ver supra, 4.
2
R. Alexy (nota 1), S. 142.
3
Corn essa impossibilidade desaparece cada diferenca das intensidades de intervencao. Uma ponde-
acao apoiada nela nao mai s se pode realizar. A escala 1, s e a escala minima.

:onstitucionalismo discursivo 143


lagóes jurídicas podem, por isso, trabalhar somente com graus relativamen-
te rudimentares e isso nem sequer em todos os casos. É, em último lugar, a
natureza do direito constitucional que fixa limites á fineza da escalagáo e,
de todo, exclui escalagóes de tipo infinitesima1. 34 Medigóes calculáveis com
auxílio do continuum de pontos entre O e 1, por isso, no entram em ques-
táo. 35 O que, contudo, é possível, é urna ilustragáo da estrutura que está atrás
do modelo triádico com auxílio de números.

IV. A fórmula
Oferecem-se duas possibil idades, fundamentalmente diferentes, de
ptir em relagáo 1i e 1i. A primeira escolhe quem trabalha com consequéncias
aritméticas, a segunda, quem trabalha com consequéncias geométricas
Existem muitas possibilidades de apresentar a tríade 1, m, s como conse-
quéncia aritmética. Urna especialmente simples é a consequéncia 1, 2, 3
Com seu auxílio pode estabelecer-se urna fórmula que expressa o peso de
um princípio sob as circunstáncias do caso a ser decidido, concisamente
seu peso concreto, como segue:

Essa fórmula deve ser designada como "fórmula diferenga".36


O único sinal até agora no introduzido na fórmula diferenga é "Gi, j''
"Gi, r no deve ser confundido com "Gi"."Gi" representa, como já exposto
o peso abstrato de P. A notagáo detalhada "GPiA" expressa isso claramen
te. "Gi, j" representa, pelo contrário, o peso concreto de Pi, portanto, o pes(
de Pi sob as circunstancias do caso a ser decidido. Na notagáo detalhach
isso lé-se como segue:

"GPi, iC'."

A fórmula diferenga deixa reconhecer que o peso concreto de um prin


cípio é um peso relativo. Ela faz isso pelo fato de ela determinar o pes(
34
Comparar R. Alexy (nota 31), S. 25 f.
35
Ni° excluido está, certamente, o emprego de tais escalas cm modelos ideais, que apresentam o qu
seria se urna escalaláo infinitesimal no direito fosse possível; comparar para isso N. Jansen Die Al:
wágung von Grundrechten, in: Der Staat 36 (1997), S. 29 ff.
36 Para a apresentaQáo da relnáo dos pesos de valores ou principios com auxilio da subtraláo com

também da adiQáo, comparar H. Hubmann Wertung und Abwágung im Recht, Küln/Berlin/Bonn/Mür


chen 1977. S. 26 f., 162 ff.
37
A fórmula diferenqa adquire, na nota0o pormenorizada, por isso, a forma seguinte: GPi, iC = 1Pp
—1RjC.

144 Robert Alex


concreto como diferenca entre a intensidade da intervencao nesse principio
(Ps) e a importancia concreta do principio em sentido contrario (P j), em que
esta consiste na intensidade da intervencao hipotetica em Pj por omissao
da intervencao, portanto, por nao intervencao, em P. Essa relatividade
expressa por "Gi, j". 0 peso concreto de Pi e o peso concreto de Pi relati-
vamente a Pj.
Se se emprega os mimeros 1, 2 e 3 na formula diferenca, entao se obtem
resultados que, a primeira vista, sao evidentes. Devem, novamente, ser con-
sideradas as nove conjunturas possiveis, ja acima apresentadas, do modelo
triadic°. Nas primeiras tres conjunturas, nas quais Pi prevalece sobre Pi —
elas serao agora apresentadas simplificadamente — Gi, j obtern os seguintes
valores positivos:
(1) s, 1 = 3 —1 = 2
(2) s, in = 3 —2 =1
(3) m, / = 2 — 1 =
Nos casos da primazia de Pj. Gi, j obtem valores negativos:
(4)1 ,s = 1 — 3 = -2
(5) m, s = 2 — 3 = -1
(6)1, in = 1 — 2 = -1
Em todos os tres casos de empate o peso concreto, portant°, relativo
de Pi e O.
(7)1,1 = 1 —1 = 0
(8) m, in = 2 —2 = 0
(9) s, s = 3 —3 = 0

Essa ilustrnao das relnoes no modelo triadic° com auxilio de mime-


ros tern a vantagem da simplicidade e da plausibilidade intuitiva alta. So-
bretudo, e expresso, acertadamente, que o caso de empate é definido pelo
fato de nenhum principio na paridade ser capaz de exercer forca alguma,
seja uma negativa, seja uma positiva, sobre o outro principio. Contudo, uma
qualidade central para princIpios nao é compreendida pela formula diferen-
ca. Isso torna-se claro, quando se compara a ilustracao do modelo triadic°
por uma consequencia aritmetica corn aquela por uma consequencia geo-
metrica.
Relativamente simples e, an mesmo tempo, extremamente instrutivo,
0
tomar como consequencia geometrica os valores 2 , 2 1 e 2 2 , portanto, 1,
2 e 4. Essa consequencia distingue-se da aritmetica, essencialmente, pelo
fato de os intervalos entre os graus nao serem, cada vez, iguais, mas cres-
cerem. Corn isso pode ser apresentado o fato que principios, em intensida-
Constitucionalismo discursivo 145
des de intervengo ascendente, obtém sempre mais em forga, o que corres-
ponde á lei da taxa marginal de substituigáo minguante.38
O caráter geométrico da escalagáo permite definir o peso concreto de
Pi no por urna fórmula diferenga, mas por urna fórmula cociente. Ela diz:

Ji
Gi, j=
Ji

Essa fórmula forma o núcleo de urna fórmula mais ampla, que deve
ser designada como "fórmula peso". Em sua formulagáo completa, a fór-
mula peso contém, ao lado das intensidades de intervengo, os pesos abs-
tratos dos princípios colidentes e os graus de seguranga das suposigóes
empíricas sobre a realizagáo e a no realizagáo dos princípios colidentes
pelas medidas que esto cm questáo. Isso significa que cm urna colisáo de
dois princípios o peso concreto ou relativo de ambos os princípios depende
de tras pares de fatores, portanto, no total, de seis fatores. Esses devem,
todavia, somente entáo ser citados, guando os pares de fatores respectivos
s o desiguais. Se eles so iguais, entáo eles neutralizam-se reciprocamente.
A fórmula antes apresentada pode, por conseguinte, ser assim interpretada,
que os pesos abstratos e os graus de seguranga foram reduzidos por causa
dos seus pesos respectivos. A fórmula limitada ás intensidades de interven-
go no é, entáo, nenhuma outra fórmula que a fórmula completa, ou seja,
a mesma após a realizagáo da redugáo. Isso é considerado guando a fórmula
cociente, no que segue, é designada como "fórmula peso".
Também na formulagáo completa, que se compóe de tras pares de
fatores, trata-se da colisáo de somente dois princípios. A complexidade
cresce guando entram cm jogo mais do que dois princípios. Pode tentar
compreender-se isso cm urna fórmula que ultrapassa a fórmula completa
com vista a dois princípios. Essa fórmula será designada, cm vez de sim-
plesmente de "fórmula peso", como "fórmula peso ampliada". Porém, antes
de, no fundo, ser feito algum complemento da fórmula peso simples, que
direciona exclusivamente para intensidades de intervengo, deve essa, pri-
ineiro, urna vez, ser tomada cm consideragáo mais rigorosamente.
A fórmula peso é somente entáo aceitável, guando os valores que
Gi, obtém nas diferentes conjunturas reconstroem adequadamente o pon-
derár. Seja, cm primeiro lugar, considerada a escalagáo triádica simples.
Nos casos nos quais Pi prevalece sobre Pj, G, j obtém um valor que é maior
que 1:
38
Comparar R. Alexy (nota 1). S. 147.

146 Robert Alexy


(1) s, I = 4/1 = 4
(2) s, m = 4/2 = 2
(3) m, 1 = 2/1 = 2
Na primazia de Pj o peso concreto de Pi cai abaixo de 1:
1
(4) /, s = 1/4 =
4

(5) m, s = 2/4 = --

(6) /, m = 1/2 =
2

Tambern aqui, em todos os casos de empate, o valor e igual, desta vez,


cada vez, 1:
(7) /, 1 = 1/1 = 1
(8) m, in = 2/2 = 1
(9) s, s = 4/4 =
A primeira vista, isso parece, perante a consequencia aritmetica, mal
ter vantagens. Os grandes intervalos (s, 1; 1, s) tern perante os pequenos
(s, in; in, 1; m, s; 1, m), cada vez, um valor duplo ou meio. Poderia ate se
achar que o 0 ilustra melhor o empate que 1.
Essa imagem, contudo, modifica-se quando se amplia o modelo trid-
dico para urn triadic° duplo. A consequencia aritmetica cresce entdo para
0
a consequencia 1-9, a geometrica, para a consequencia 2 -2 8 . Essas conse-
quencias expressam, cada vez, os valores //, tin, is, ml, MM, MS, sl, sm e ss,
em que, por exemplo, // representa uma intervenedo leve leve, portanto,
uma muito leve, ss uma grave grave, portanto, uma muito grave, e ml uma
leve mediana, portanto, para uma justamente antes ja mediana. A diferenea
entre a formula diferenea e a cociente torna-se clara quando se compara a
justificacao minimissima e a extrema de uma intervencao em urn direito
fundamental. A intervenedo menos justificada é representada no model°
triadic() duplo pela combinaedo ss, 11. Suponha-se uma intervene -do muito
grave (ss), por exemplo, uma pena privativa de liberdade de sete anos, e
justificada por urn fundamento de, em cornparacdo corn isso, urn peso muito

Constitucionalismo discursivo 147


mínimo (//), por exemplo, o deixar cair um resto de cigarro no passeio. A
fórmula difererna conduz, sobre a base dos valores 9 (ss) e 1 (//), a um peso
concreto do direito fundamental do artigo 2, alínea 1, 39 e artigo 2, alínea 2,
proposigáo 2, 4 ° da lei fundamental, de 8. A fórmula cociente deixa, pelo
contrário, o peso concreto, sobre a base dos valores 2 8 (ss) e 2 0 (//), nessa
conjuntura, mais extrema no modelo triádico duplo, de uma intervengo nos
direitos fundamentais injustificada inchar a 256. 41 A justificagáo extrema
de urna interverwáo apresenta-se — ás avessas — por 11, ss. Segundo a fórmula
diferenga, isso significa —8, segundo a fórmula cociente 1/256 ou
0,00390625. Os valores nas conjunturas extremas tendem na fórmula co-
ciente a zero e ao infinito. Isso corresponde á idéia que existe algo como
antijuridicidade sem li mites. Naturalmente, tais tendéncias também podem
ser apresentadas por meio da fórmula diferenga. Deve-se somente estender
a escala, na qual ela é aplicável, com vista a zero e ao infinito. Porém, com
isso, a escala de diferenga, como tal, torna-se já complicada. A consequén-
cia simples 1, 2, 3 reproduz /, m, s de um modo que reflete claramente a
estrutura rude de nossa capacidade de escalar intervengóes segundo sua
intensidade. Isso também vale para a apresentagáo da tríade dupla pela
consequéncia 1-9. Se tais correspondencias também entáo ainda existiriam
se a consequéncia tivesse sido estendida para zero e infinito é, pelo contrá-
rio, duvidoso. A consequéncia geométrica no está diante desses proble-
mas. Ela cabe tanto nas estruturas triádicas como na forga de resisténcia
ascendente dos direitos em intensidade de intervengáo ascendente.
Já foi observado que em ponderagóes no só as intensidades de inter-
vengo, mas também os pesos abstratos podem desempenhar um papel. Essa
possibilidade torna-se real guando elas distinguem-se. Se os pesos abstratos
sito iguais, eles neutralizam-se. Se eles tém, pelo contrário, pesos diferen-
tes, eles podem trazer a balanga á inclinagáo.
Na relagáo das intensidades de intervengáo (li, 1j) e dos pesos abstratos
( Gi, Gj) existem trés conjunturas fundamentais. Nas primeiras, os pesos
abstratos sito diferentes, as intensidades de intervengáo, porém, iguais. Nes-
sa conjuntura, as intensidades de intervengáo neutralizam-se. Trata-se so-
mente dos pesos abstratos. Essa conjuntura é o equivalente da segunda
39
Nota do tradutor: ver nota 13, supra.
40
Nota do tradutor: artigo 2, alínea 2, da lei fundamental: cada um temo direito á vida e á integridade
corporal. A liberdade da pessoa é inviolável. Nesses direitos poderá somente com base em urna lei ser
i nterv indo.
41
Poderia chamar-se a atengáo sobre casos ainda mais extremos, por exemplo, sobre urna pena priva-
tiva de liberdade para toda a vida para um pigarrento em urna prelegáo. Esse caso é, de fato, mais
extremo do que aquele do resto de cigarro. O modelo triádico duplo, contudo, náo está capacitado para
compreender essa diferenga na extremidade. Para isso, ele precisaria, no ámbito extremo, diferenciar
mais além. Urna tal diferenciagáo mais além parece, sem mais, possível. Ela seria urna tentativa de
reproduzir a idéia que em diregáo aos limites nossa capacidade de discriminagáo ascende, enquanto ela
baixa em diregáo ao meio. Porém. aqui, isso náo pode mais ser perseguido.

148 Robert Alexy


conjuntura fundamental — essencialmente mais frequente e, corn isso, pra-
ticamente muito mais importante na qual os pesos abstratos sao iguais,
as intensidades de intervencao, porem, diferentes. Na terceira conjuntura
fundamental, pelo contrario, sao diferentes tanto os pesos abstratos como
as intensidades de intervencao. Trata-se, entao, de todos os quatro valores.
Essas conexOes deixam expressar-se pela seguinte variante ampliada da
formula peso:

• Gi
GI , j
Ij Gj

Se essa formula é exata, entao sobre sua base pode ser feito urn outro
esclarecimento conceitual. Os produtos I, Gi e i Gj expressam algo que,
nao raramente, d designado ao lado ou em vez de G i ,j, G i e Gj, como "peso".
A expressao "peso" entra, assim, em urn triplo sentido. Varios sentidos nao
danificam quando o contexto, cada vez, permite decidir claramente o que
considerado. 0 610 mo nem sempre d o caso na discussao sobre a pondera-
ea°. Por conseguinte, determinacoes terminologicas sao necessarias. Ofe-
recem-se duas possibilidades. Pode denominar-se o produto I Gi tanto o
"peso concreto nao relativo" como a "importancia" de Pi. 0 primeiro
complicado, mas claro. Ele poe o peso concreto nao relativo (Ii • GO clara-
mente entre o peso concreto relativo ( Gi, j) e o peso abstrato ( GO. A desig-
naedo como "importancia" 6, pelo contrario, mais elegante e, sem mais,
proxima do uso do idioma. Deveria por causa da clareza, porem, entao,
renunciar-se a isto, de designar Ijcomo "importancia", sem esclarecimento,
como ocorre na formulacao, acima apresentada, da lei da ponderacao, quan-
do se a le de modo que ela nao diz respeito explicitamente a pesos abstratos,
porque esses neutralizam-se por causa de igualdade de peso. Se se escolhe
esse caminho, entao se pode definir o peso concreto ndo relativo como
importancia (Wi, Wj) como segue:
= /i Gi
Wj = I; • G.;
Desse modo, o triplo sent ido da expressao "peso" pode ser dissolvido
completamente.
recomendavel relacionar tambem Gi e Gj coin escalas triadicas que
sao representadas por consequencias geometricas. Corn isso, vale todo o
dito para os valores de i e /i tambem para aqueles de Gi e Gj. Isso nao
evidente, mas expressao da suposicao, que ao peso abstrato e a intensidade
da intervened°. cabe urn peso igual — esse conceit° vago entra em uso agora

Constitucionalismo discursivo 149


no metaplano — na determinagáo do peso concreto ou relativo representado
por Gi,j. Essa suposigáo de equilibridade permite compensagóes completas.
Uma leve (1) intervengo em um princípio com alto (s) peso abstrato
( Gi) tem a mesma importáncia (Wi) como urna grave (s) intervengo (I j),
existente na sua omissáo, cm um princípio de mínimo (1) peso abstrato
Nasce, assim, um empate.
Também o terceiro par de variáveis da fórmula peso completa já foi
mencionado. Ele representa o grau de seguranga da suposigáo empírica
acerca disto, o que a medida, a ser apreciada cada vez, significa para a no
realizagáo de um princípio e para a realizagáo do outro. O tribunal consti-
tucional federal comprovou na sentenga de codeterminagáo, acertadamente,
que nas prognoses empíricas, que o dador de leis toma por base para suas
estimativas da proporcionalidade, nem sempre deve ser exigida certeza nem
incerteza ser admitida arbitrariamente. 42 Entre os critérios, segundo os
quais a medida de certeza ordenada deve ser determinada, está aquele da
importáncia, definida por intensidade de intervengo e peso abstrato, do
direito fundamental no caso concreto, no centro. Diante desse fundo deixa,
cm paralelo com a lei da ponderagáo, acima apresentada, formular-se urna
lei da ponderagáo epistémica. Ela diz:
Quanto mais grave urna intervengo cm um direito fundamental
pesa, tanto maior deve ser a certeza das premissas apoiadoras da
intervengo.
Essa segunda lei da ponderagáo usa o predicado "epistémico", porque
ela náo direciona para a importáncia material dos fundamentos apoiadores
da intervengo, mas para a sua qualidade epistémica. A primeira lei da
ponderagáo, que, como exposto, define o terceiro princípio parcial do prin-
cípio da proporcionalidade, pode, se se quer expressar a diferenga para com
o seu equivalente epistémico, ser designada como "lei da ponderagáo epis-
témica".
Também na lei da ponderagáo epistémica é recomendável urna esca-
lagáo triádica. O tribunal constitucional federal distinguiu na sentenga de
codeterminagáo trés graus de intensidade de controle: o de um "controle
intensivado quanto ao conteúdo", o de um "controle de sustentabilidade" e
o de um "controle de evidéncia". 43 A isso correspondem os trés graus epis-
témicos, certo ou seguro (g), sustentável ou plausível (p) e náo evidente-
mente falso (e). Para a seguranga da suposigáo empírica acerca disto, o que
significa a medida respectiva para a no realizagáo de Pie a realizagáo de
Pi no caso concreto, pode ser notado "Si" e "Si" ou, na formulagáo detalha-
da, "SPiC" e "SpiC'. Para expressar que tanto a forga de defesa como a
42
BVerfGE 50, 290 (332).
43
BVerfGE 50, 290 (333).

150 Robert Alexy


forca de ataque cai corn a incerteza progressiva das premissas apoiadoras
do lado respectivo, deve ser avaliada g corn 2°, p corn 2- e e corn 2-2. 1

Naturalmente, tambem aqui e possivel urn refinamento da triade, por exem-


plo, para uma trlade dupla. A formula peso completa assume, corn isso, a
seguinte forma:44

• Gi • Si

• Gi • Sj

Para a ilustracao dessa formula sejam consideradas duas conjunturas.


Em ambas, os pesos abstratos (Gi. Gj) devem ser iguais, o que simplifica a
materia. No primeiro caso, trata-se de ambos os lados de uma grave (s)
intervencao que se produziria na realizacao da medida em Pi e em sua
omissao em Pj. A intervencao grave seria, contudo, segura (g), a em Pj
deixa, pelo contrario, aceitar-se so sustentavelmente (p). Gi, j determina-se,
entao, como segue:

41
Gi, j — =2
4 1/2

Pi, corn isso, prevalece.


Tambem na segunda conjuntura deve a intervencao em Pi ser segura
(g) e o prejuizo de Pj, que se produziria em uma omissao da intervencao em
Pi, poder ser aceito so sustentavelmente (p). Uma tal distribuicao de valores
para o par de variaveis Si, Sj, competente para a seguranca epistemica, pode
ser encontrada na resolucao-canabis. Se o tribunal constitucional federal,
45

diante desse fundo, declara a punibilidade do comercio corn produtos de


canabis como proporcional, entao a desigualdade dos valores de Si e Sj
admitem conclusties sobre uma distribuicao desigual dos valores para I e
ou Gi e Gj. Aqui nao é o espaco de perseguir, em seus pormenores, a
argumentacao do tribunal, rica em distincOes. Deve, apenas, ser observado
que existe uma possibilidade de compensacao da seguranca empirica so-
44
Sua redacao detalhada diz:
IP,C • GP,A • SPX'
C =
1PJ C • GPJA • SPX
45
BVerfGE 90, 145 (182): "Tambem sobre o fundamento do estado do conhecimento atual, como ele
deixa desprender-se suficientemente das fontes acima designadas, a concepcao do dador de leis e
sustenuivel, para ele, para a obtencao dos objetivos legais, nao esta a disposicao nenhum meio eficaz,
mas menos interveniente do que a mega corn pena" (realcado por R. A.).

Constitucionalismo discursivo 151


mente mediana, das premissas empíricas apoiadoras da punibilidade, na
suposigáo de urna intervengo, de intensidade somente mediana, nos direi-
tos do lidador de produtos de cánabis cm significado extremo do impedi-
mento dos perigos unidos com produtos de cánabis. Produzir-se-ia, entáo,
o seguinte valor de Gi, j:
2 . 1
Gi, j = =1
4. 1/2
Com isso, existiria um empate, o que significa, que urna proibiláo,
ameagada de pena, do comércio com produtos de cánabis cairia no espago
do dador de leis.

V. A fórmula ampliada
Até agora, tratou-se sempre somente de colisóes entre dois princípios.
Esses podem ser compreendidos completamente pela fórmula peso. Fre-
quentemente, porém — de um lado ou de ambos —, vários princípios esto
cm jogo. Como também cm tais casos, no total, somente urna decisáo pode
ser tomada, todos os princípios correspondentes devem, de algum modo,
ser postos em relagáo um com os outros. A questáo é, se isso pode ocorrer
pelo encaixe de efeitos cumulativos na fórmula peso. A verso mais simples
seria urna cumulagáo aditiva simples. Aqui. deve ser considerado somente
o lado da barreira." Se se admite, aqui, a cumulagáo aditiva, entáo se obtém
a seguinte fórmula:

Gi, j_n =
Ij Gj • Si + I Gn Sn
Essa fórmula pode ser designada como "fórmula peso ampliada-.
46
Se se toma cm considernáo também o lado do direito fundamental, cuja violaQáo é examinada (P,),
entáo a cumulaqáo conduz inevitavelmente para o holismo dos direitos fundamentais. Do lado de Pi
deveriam ser pastos todos os direitos fundamentais que, por aquilo, que intervém em P,, igualmente
estáo afetados negativamente. O esquema tradicional, segundo o qual, cada vez, uma intervenláo cm
um direito fundamental deve ser examinada, dissolver-se-ia. O mais radical seria essa dissolugáo se se
estendesse a possibilidade da cumulaQáo a todos os outros princípios constitucionais. Todos os princí-
pios que falam contra a medida a ser examinada lutariam, entao, cm comum, contra todos os princípios
que falam cm favor dela. O direito fundamental, cuja violagáo é examinada, entáo náo seria mais
nenhum combatente individual, mas somente ainda o comandante de urna tropa, mais ou menos ampla.
O peso concreto do direito fundamental, cuja violagáo é examinada, seria o peso concreto desse prin-
cípio no sistema total da constituiQáo. laso deixa apresentar-se pela seguinte fórmula:
I, • Gi Si + In, • G., • Sm
j.n =
• Gi • Si + I,, • Ga • Sn
Essa fórmula deve ser denominada "fórmula peso completamente ampliada".

152 Robert Alexy


Se se prescinde da questa° teorico-argumentativa geral, se a cumula-
cab de argumentos deixa apresentar-se como adicao, entao o problema prin-
cipal da formula peso ampliada reside na questa°, o que é cumulavel
aditivamente. A direcao. na qual a resposta a essa questao deve ir, e facil
de reconhecer. Os principios cumulados nao se devem cruzar substancial-
mente. Seus objetos a serem otimizados devem ser diferentes materialmen-
te. Vale, , portanto, a regra que heterogeneidade e condicao da cumulacao
aditiva. As vezes, essa regra deve ser aplicada simplesmente. Assim, pode
a liberdade de atuacao geral, em geral, ser identificada facilmente como ja
contida nos direitos fundamentais especiais. As avessas, sao bem imagina-
veis casos, nos quais uma intervencao pode apoiar-se em varios principios
que nao se cruzam. Isso 6 natural, por exemplo, entao, quando urn principio
tern por objeto bens coletivos e, urn outro, direitos individuais. Porem,
47
mesmo aqui deve governar cuidado. Em vista da relacao complexa entre
direitos individuais e bens coletivos, deve ter-se sempre em conta a possi-
bilidade que cruzamentos substanciais existem. 0 mero fato que, de um
lado, sao direitos individuais e, de outro, bens coletivos, que se unem, nao
ja, como tal, garante heterogeneidade.
A materia seria simples se heterogeneidade fosse um assunto tudo-ou-
nada. Isso, contudo, nao é o caso. Principios podem cruzar-se substancial-
mente, mais ou menos. Tudo isso, certamente, no fundo, nao e nenhum
fundamento para isto, nao iniciar corn a analise das relacoes relativamente
simples, que devem ser observadas na colisao de dois principios e. mais
alem, tambem nenhum born fundamento para isto, de a partir dessa analise
nao empreender passos nas regiOes mais complexas das colisoes de feixes
de principio.

47
Comparar R. Alexy 1ndividuelle Rechte und kollektive GI.act-, in: ders., Recht. Vernunft, Diskurs,
Frankfurt a. M. 1995, S. 232.

Constitucionalismo discursivo 153


— 9—

Ponderacao, jurisdicao constitucional


e representacao*

Sumario: I. Ponderacao; II. Duas objecoes; III. A estrutura da ponderacao; IV. Juris-
dicao constitucional; V. Representacao; 1. Representacao argumentativa; 2. Condi-
cOes de representacao argumentative autentica.

Resumo: urn dos problemas principais do debate atual sobre a inter-


pretacao dos direitos fundamentais 6 a ponderacdo. Numerosos autores fa-
zem a objecAo do irracionalismo e da subjetividade. A contribuicao tenta
mostrar que essa objecao é infundada. Para essa finalidade, a ponderacao 6
encaixada em uma teoria do constitucionalismo discursivo, que enlaca o
conceito de ponderacao corn os de direitos fundamentais, de discurso, de
jurisdicao constitucional e de representacao. As teses principais dizem que,
primeiro, na base da ponderacao esta uma forma de argumento que pode ser
explicitada por uma "formula peso" e que, segundo, uma jurisdicao cons-
titucional, que cumpre essa formula corn argumentos, satisfaz as exigencias
da legitimacao democratica se ela consegue ser uma representacAo argu-
mentativa do povo.
0 constitucionalismo discursivo é uma teoria que nasce do enlace de
cinco conceitos: (1) do de direitos fundamentais, (2) do de ponderacao,
(3) do de discurso, (4) do de jurisdicao constitucional e (5) do de repre-
sentacao. 0 sistema formado por esses cinco conceitos é extremamente
complexo. A imagem, que aqui deve ser mostrada dele, concentra-se so-
bre os conceitos de ponderac5o, de jurisdicao constitucional e de repre-
sentacao.

* Este artigo foi publicado originalmente na ICON, Volume 3, Number 4, p. 572 et seq. Titulo no
original: Balancing, constitutional review, and representation. Na Alemanha, ele sera publicado por
Michael Becker/Ruth Zimmerling (Hg), Politik und Recht. Sonderheft der Politischen Vierteljahres-
schrift, 2006, p. 1 et seq. Titulo no original: Abwagung, Verfassungsgerichtsbarkeit und Reprasenta-
tion.
1 Entre aspas no original. Nota do tradutor: ver supra, 8, o artigo referente a essa f6rmula.

Constitucionalismo discursivo 155


I. Ponderaláo
Um dos temas principais do debate atual sobre a interpretagáo dos
direitos fundamentais é a ponderagáo. A ponderagáo desempenha, na prá-
tica atual de muitos tribunais constitucionais, um papel central. No direito
constitucional alemáo, ela é urna parte daquilo que é exigido por um prin-
cípio mais amplo. Esse principio mais amplo é o princípio da proporciona-
lidade. Esse consiste de trés principios parciais: o da idoneidade, da
necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito. Todos os trés prin-
cipios parciais so expressáo da ideia de otimizagáo. Interpretar direitos
fundamentais na luz do principio da proporcionalidade significa tratá-los
como mandamentos de otimizagáo. ou seja, como princípios no sentido
teórico-normativo e no como meras regras. Como mandamentos de otimi-
zagáo, principios so normas que ordenam que algo seja realizado em me-
dida táo alta quanto possível relativamente ás possibilidades jurídicas e
fáticas (Alexy 1996: 75).
Os princípios parciais da idoneidade e da necessidade concernem á
otimizagáo relativamente ás possibilidades fáticas. Eles sáo, com isso, ex-
pressáo da otimidade-Pareto. O terceiro principio parcial, o princípio da
proporcionalidade em sentido restrito, concerne á otimizagáo relativamente
ás possibilidades jurídicas. As possibilidades jurídicas so determinadas
essencialmente por principios em sentido contrário. O ponto decisivo para
a relagáo de ponderagáo e exame da proporcionalidade é que ponderagáo
compóe-se de nada mais que da otimizagáo relativamente a princípios em
sentido contrário. O terceiro principio parcial contém, com isso, um man-
damento de ponderagáo. Ele pode ser formulado na regra seguinte:
Quanto maior é o grau de no cumprimento ou prejuízo de um
princípio, tanto maior deve ser a importáncia do cumprimento do
outro.
Essa regra pode ser designada como "lei da ponderagáo" (Alexy 1996:
146).2

II. Duas objellies


Os problemas da ponderagáo, no direito constitucional, so táo nume-
rosos, que eles, aqui, nem sequer podem ser enumerados. Já, de modo al-
gum, entra em questáo discutir todos eles. Eu irei concentrar-me sobre duas
objegóes.
A primeira objegáo é feita por muitos. Ela faz valer que a ponderagáo
náo é um procedimento racional. Trata-se, nela, de urna figura retórica que
dá espago á subjetividade ilimitada. O fundamento para isso é que, como
2
Entre aspas no original.

156 Robert Alexy


Habermas o expressa, "faltam criterios racionais" segundo os quais a pon-
deracao pudesse se efetivar (Habermas 1994: 315).3
A segunda objecao é mais sutil. Ela concerne a urn problema concei-
tual. Outra vez, nos podemos referir-nos a Habermas, que apresentou uma
versa) extremamente interessante desse problema. Habermas afirma que o
ponderar conduz o decidir juridico para fora do ambito do juridico e anti-
juridic°, do correto e falso e do fundamentar e leva para dentro de urn
ambito, que d caracterizado pelas distincOes como a entre o adequado e o
inadequado e conceitos como o de poder discricionario. De uma "pondera-
cao de bens" devem, sem drivida, poder "resultar" sentencas, uma tal pon-
deracao, porem, nunca nos pode "autorizar" a considerar a sentenca correta:
"A sentenca 6, entao, mesma uma sentenca de valor, que no qua-
dro de urn ordenamento de valores concreto reflete, mais ou me-
nos convenientemente, uma forma de vida, que se articula nisso,
mas, de modo algum, mais esta relacionada corn a alternativa, se a
decisao pronunciada é correta ou falsa - (Habermas 1996: 369).4
Essa segunda objecao deve, pelo menos, ser levada tao a serio como
a primeira. Ela termina na tese que a perda da categoria da correcao é o
preco do ponderar. Se a ponderacao realmente so pode produzir resultados
sem estar capacitada para fundamentar esses, entao o ponderar pertenceria
a urn ambito que esta fora do espaco definido pelos conceitos de verdade,
de correcao, do saber, da fundamentacao e da objetividade. Os moradores
desse espaco sao sentencas ou proposicOes como entidades que sao susce-
tiveis de verdade e falsidade ou de correcao e incorrecao. Por meio dessas
entidades, deixa expressar-se o que é o caso e o que pode ser sabido e nao
somente acreditado. A isso corresponde que essas entidades sao suscetiveis
de fundamentacao e nao so de urn elogio e defesa meramente retorico. Esse
espaco poderia ser designado como "reino da objetividade".5
Se o ponderar de antemao estivesse excluido da esfera do objetivo,
todo o inicio que direciona para a ponderacao iria padecer de um defeito
fatal. Jurisdicao constitucional 6, como cada jurisdicao, unida necessaria-
mente corn uma pretensao de correcao (Alexy 2000: 3 ff.). Sc a ponderacao
fosse incompativel corn correcao, objetividade e fundamentacao, ela nao
teria lugar no direito constitucional.
a ponderacao essencialmente irracional e subjetiva? Significa o pon-
derar realmente despedir-se de correcao, objetividade e fundamentacao -
e, corn isso, da razao -?
3
Entre aspas no original.
4
Entre aspas e em italico no original.
5
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 157


III. A estrutura da ponderaláo
Mal é possível responder essas questiies sem saber o que é ponderagáo.
Saber o que é ponderagáo pressupóe conhecimento da estrutura da ponde-
raga°. A lei da ponderagáo mostra que a ponderagáo deixa decompor-se em
trés passos ou graus. No primeiro grau trata-se da comprovagao do grau do
no cumprimento ou prejuízo do primeiro princípio. A isso segue, em um
segundo grau, a comprovagáo da importancia do cumprimento do princípio
em sentido contrário. Finalmente, é comprovado, no terceiro grau, se a
i mportancia do cumprimento do segundo princípio justifica o prejuízo ou
náo cumprimento do primeiro. Se no fosse possível cumprir sentengas
racionais, primeiro, sobre a intensidade de intervengóes, segundo, sobre o
grau de importáncia e, terceiro, sobre sua reina° urna com a outra, entáo
as objegóes feitas por Habermas seriam justificadas. Com isso, tudo termina
na possibilidade de tais sentengas.
Para mostrar que sentengas racionais sobre intensidades de interven-
ga° e graus de importáncia sáo possíveis, deve, inicialmente, ser tomado
em consideragáo urna decisáo do tribunal constitucional federal sobre ad-
verténcias diante de perigos á saúde (BVerfGE 95, 173). 0 tribunal classi-
fica o dever de os produtores de tabaco colocar adverténcias diante dos
perigos do fumar em seus produtos corno urna intervengo relativamente
pequena ou leve na liberdade de exercício da profissáo. Em oposigáo a isso,
urna proibigáo completa de todos os produtos de tabaco seria, por exemplo,
urna intervengo grave. Entre tais intervengóes leves e graves encontram-se
tais de intensidade mediana. Desse modo, pode ser desenvolvida urna escala
com os graus "leve", "médio" e "grave" . 6 Nosso exemplo mostra que clas-
sificagóes válidas segundo essa escala sao possíveis.
O mesmo vale para o lado dos fundamentos em sentido contrário. Os
perigos á saúde causados pelo fumar sáo grandes. Os fundamentos que
justificam a intervengo pesam, por conseguinte, gravemente. Se, primeiro,
urna vez, desse modo, está fixada a intensidade da intervengo como leve
e o grau da importancia do fundamento da intervengo como alto, entáo
pode o resultado do exame da proporcionalidade cm sentido restrito, sem
mais — como o tribunal constitucional federal faz isso —, ser designado como
"manifesto" (BVerfGE 95, 173 (187)).7
A mensagem da decisáo sobre tabaco encontra certificagáo guando se
olha para outros casos, e precisamente, também para casos de tipo comple-
tamente diferente. Um tal é a resolugáo-Titanic. A propagada revista ilus-
trada de sátiras Titanic designou um oficial da reserva hemiplégico,
primeiro, como "nascido assassino" e, entáo, cm urna edigao posterior,
6
Em itálico e entre aspas, a cada vez, no original.
7
Entre aspas no original.

158 Robert Alexy


como "aleijado". 0 tribunal de terceira instancia de Dtisselforf condenou a
Titanic ao pagamento de uma indenizacao em dinheiro por urn dano imate-
rial sofrido no montante de 12.000 marcos alemaes ao oficial da reserva. A
Titanic promoveu recurso constitucional. 0 tribunal constitucional federal
efetuou uma "ponderacao relacionada ao caso" (BVerfGE 86, 1 (11) entre
a liberdade de manifestacao de opiniao dos participantes do lado da revista
(artigo 5, alinea 1, proposicao 1, 8 da lei fundamental) e o direito de perso-
nalidade geral do oficial da reserva (artigo 2, alit-lea 1, 9 em uniao corn o
artigo 1, alinea 1, 10 da lei fundamental). Ira mostrar-se que tambem esse
caso pode ser reconstruido corn auxilio da escala triadica "leve", "medio"
e "grave".''
A estrutura triadica, como tal, certamente, nao basta para mostrar que
a ponderacao é racional. Para isso, é necessario que na base da ponderacao
esteja uma forma de argumento que, essencialmente, esta unida corn o con-
ceito da correcao. Em vez de uma "forma de argumento" tambem pode ser
falado de urn "sistema inferencial". No caso da subsuncao sob uma regra,
urn tal sistema inferencial deixa expressar-se por urn esquema dedutivo, que
se apoia na logica da declaracao, dos predicados e na deOntica. Esse esque-
ma dedutivo pode ser designado como "formula de subsuncao" (Alexy
2003: 434). 12 Para a teoria da argumentacao juridica e de significado central
que para a ponderacao de principios existe urn equivalente a formula de
subsuncao (Alexy 2003: 448). Pode-se denomina-lo "formula peso".13
A forma mais simples da formula do peso tern a seguinte estrutura:
/i
W j=
lj
"/i" representa a intensidade da intervencao no prinapio Pi, em nosso
caso, no principio que garante a liberdade de manifestacao de opinido da
Titanic. "Ij" representa a importancia do cumprimento do principio, em
sentido contrario, Pi, aqui, o principio que garante o direito de personali-
dade do oficial da reserva hemiplegico. "W j" representa o peso concreto
8
Nota do tradutor: artigo 5, alinea 1, da lei fundamental: cada urn tern o direito de manifestar e de
propagar livremente a sua opiniao em palavra, escrita ou imagem e de informar-se, sem entraves, nas
fontes gerais acessiveis. A liberdade de imprensa e a liberdade de reportagem por meio de radiodifusao
e filme serao garantidas. Uma censura nao tern lugar.
9
Nota do tradutor: artigo 2, althea 1, da lei fundamental: cada um tern o direito ao livre desenvolvi-
mento de sua personalidade, A medida que ele nao viola os direitos de outros e nao infringe a ordem
constitucional ou a lei moral.
I
° Nota do tradutor: artigo 1, alinea 1, da lei fundamental: a dignidade da pessoa 6 intangIvel. Consi-
dera-la e protege-la 6 obrigacao de todo o poder estatal.
II
Entre aspas, a cada vez, no original.
12
Entre aspas no original.
13
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 159


de P. A fórmula do peso expressa que o peso concreto de um princípio é
um peso relativo. Isso ela faz pelo fato de ela definir o peso concreto de um
princípio pelos cocientes da intensidade da intervengáo nesse princípio ( Pi)
14
e pela importáncia concreta do princípio, em sentido contrário, (P1).
Nesse lugar, impót-se a objegáo que, somente entáo, pode falar-se de
cocientes, guando se tem números, números, porém, no se encontram nas
ponderagóes que so realizadas no direito constitucional. A réplica a essa
objegáo pode iniciar com a observagáo que também os instrumentos lógi-
cos, que nós utilizamos para expressar a estrutura da subsungáo, no so
empregados na argumentagáo jurídica. Isso, contudo, no modifica nada
nisto, que o vocabulário lógico é o melhor meio de tornar explícita a estru-
tura inferencial de regras. O mesmo vale para a apresentnáo da estrutura
inferencia] de princípios por variáveis de urna fórmula do peso, para as
quais podem ser empregados números.
Os trés valores de nosso modelo triádico, leve, médio e grave, devem
ser expressos por "1", "m" e "s". Existem numerosas possibilidades de as-
sociar números a 1, m e s. Urna possibilidade relativamente simples e, ao
mesmo tempo, extremamente instrutiva, consiste nisto, tomar para isso a
série geométria 2°, 2 1 e 2 2 , portanto, 1, 2 e 4. Sob esse fundamento 1 tem o
valor 1, m o valor 2 e s o valor 4. 0 tribunal constitucional federal consi-
derou a intensidade da intervenáo (1i) na liberdade de manifestnáo de
opiniáo ( Pi) na resolugáo-Titanic como grave (s). Á protegáo da personali-
dade (Pi) do oficial da reserva ele associou, no que concerne á sua desig-
nagáo como "nascido assassino", por causa do contexto extremamente
satírico, somente um peso (/j) mediano (m), tal vez até somente um leve (1).
Se nós fixamos os valores correspondentes de nossa série geométrica para
s e m, o peso concreto de Pi ( W j) é 4/2, portanto, 2. Se 1i fosse m e i s, o
valor seria 2/4, portanto, 1/2. Em todos os casos de empate o valor é 1. A
primazia de Pi é expresso por um peso concreto, que é maior do que 1, a
primazia de P j por um peso concreto de Pi, que é menor do que 1. A desig-
nagáo do oficial da reserva como "aleijado" o tribunal considerou como
prejuízo grave. Isso levou a um empate, o que teve como consequéncia que
o recurso constitucional da Titanic foi sem éxito á medida que ela dirigiu-se
contra a condenagáo de urna indenizagáo em dinheiro por um dano ¡material
sofrido por causa da designagáo "aleijado"
A racionalidade de urna estrutura inferencial depende, essencialmente,
da questáo, se ela enlaga premissas que, outra vez, podem ser justificadas.
A estrutura expressa pela fórmula do peso náo seria urna estrutura de argu-
mentar racional se o a ser colocado nela tivesse qualidades que levam para
14
Em itálico e entre aspas, a cada vez, no original.
15
Entre aspas e cm itálico, a cada vez, no original.

160 Robert Alexy


fora do ambito da racionalidade. Isso, contudo, nao é o caso. 0 a ser colo-
cado, representado por nameros, ou, ao contrario, o input, representado por
numeros, é uma sentenca. Um exemplo 6 a sentenca que o tratamento pii-
blico de uma pessoa, que sofreu grande mutilacao, como "aleijado" "viola-a
gravemente em seu direito de personalidade" (BVerfGE 86, 1 (13 )). Essa
sentenca promove uma pretensao de correcao e pode, como conclusao de
urn outro esquema inferencial, ser justificada em urn discurso. 0 tribunal
constitucional federal acolhe esse discurso corn o argumento que o trata-
mento de urn hemiplegico como "aleijado" hoje, em geral, é "entendido
como humilhacao" e "expressa urn desprezo" (BVerfGE 86, 1 (13)).' 6 A
formula do peso transfere a correcao desse argumento, juntamente corn a
correcao dos argumentos, que dizem respeito a intensidade da intervencao
na liberdade de manifestacao de opinido, a sentenca sobre o peso do direito
da Titanic no caso concreto que, outra vez — em conjunto corn outras pre-
missas implica a sentenca, que a decisao do tribunal expressa. Isso é uma
estrutura racional da fundamentacao da correcao de uma sentenca juridica
em urn discurso. Os elementos fundamentais dessa estrutura sao sentencas
ou proposicaes. Isso significa que a natureza da ponderacao é caracterizada
por algo que se pode designar como "proporcionalidade". 17 Corn isso, a
objecao de Habermas, que o ponderar, necessariamente, conduz para fora
do ambito do fundamentar, da correcao e da objetividade, é refutada.
As sentencas ou proposicOes, que sao unidas pela formula do peso,
devem ser justificadas por outros argumentos. Isso significa que a formula
do peso 6 uma forma de argumento. Formas de argumentos definem a es-
trutura logica de movimentos no discurso e elas mostram como movimentos
distintos sao unidos urn corn o outro.
0 terceiro dos cinco conceitos, que formam o sistema conceitual do
constitucionalismo discursivo, é o do discurso. Agora esta claro como a
ponderacao é unida corn o discurso. Ponderacao sem discurso nao é possivel
e as formas de argumento ou esquemas inferencias do discurso abarcam,
necessariamente, a estrutura da ponderacao, como ela é tornada explicita
pela formula do peso. Sobre essa base pode replicar-se a objecao de irra-
cionalismo de Habermas corn isto, que o ponderar é tao racional como o
discurso. Se, porem, o discurso pratico nao fosse racional nao existiria
racionalidade pratica.
A ponderacao nao sO esta necessariamente unida corn o discurso, mas
tambem corn os direitos fundamentais (Alexy 1996: 104-125). Disso resul-
ta, que os direitos fundamentais, necessariamente, estao enlacados corn o
discurso. Isso leva a questa), o que isso significa para o quarto conceito do
16
Entre aspas, a cada vez, no original.
17
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 161


sistema conceitual do constitucionalismo discursivo, o conceito da j urisdi-
gáo constitucional.

IV. Jurisdiláo constitucional


A jurisdigáo constitucional é expressáo do ser preferencial e de hie-
rarquia mais elevada da constituigáo e, com isso, também dos direitos fun-
damentais diante e perante a dagáo de lei parlamentar ordinária. Sua base
lógica é o conceito da contradigáo. A declaragáo de urna lei corno material-
mente anticonstitucional implica que ela, pelo menos, contradiz urna norma
da constituigáo. A essa contradigo, no plano das normas, corresponde urna
contradigo no plano das sentengas sobre normas. A sentenga do tribunal
constitucional federal é, em geral, explícita. Ela tem a forma "A lei G é
anticonstitucional". ' 8 A sentenga do parlamento é — em todo o caso durante
o processo de dagáo de leis, portanto, antes de iniciar o advogar diante do
tribunal constitucional — regularmente só implícita. Ela tem a forma "A lei
G é de acordo com a constituigáo".' 9 Esses dois tipos de contradigo mos-
tram que a jurisdigáo constitucional, essencialmente, é proposicional e, por
conseguinte, argumentativa ou discursiva.
Jurisdigáo constitucional compóe-se, certamente, de mais do que afir-
magóes sobre constitucionalidade. O tribunal constitucional no só diz
algo, ele também faz algo. Ele tem regularmente a competencia de deixar
sem validez atos anticonstitucionais do parlamento. Esse tipo de participa-
gáo na dagáo de leis significa que a atividade de tribunais constitucionais
no somente tem um caráter proposicional ou discursivo, mas também um
institucional ou fundado em autoridade.
O problema da ponderagáo é o problema principal da dimensáo meto-
dológica da jurisdigáo constitucional. O problema principal de sua dimen-
sáo institucional deixa formular-se na questáo, como a competencia jurídica
de um tribunal constitucional, de deixar sem validez atos do parlamento,
pode ser justificada. Com essa questáo nós chegamos ao eterno problema
da relagáo de jurisdigáo constitucional e democracia.

V. Representnáo
Jurisdigáo constitucional é exercício de poder estatal. Em um estado
democrático, no qual — como está dito no artigo 20, alínea 1, proposigáo 1,
da lei fundamental, — "todo poder estatal ... provém do po y o"," jurisdigáo
constitucional somente entáo pode ser legítima se ela é compatível com a
18 Entre aspas e cm itálico no original.
19
Entre aspas e cm itálico no original.
20
Entre aspas e pontuagáo no original.

162 Robert Alexy


democracia. 0 exercfcio de poder estatal pelo parlamento é legitimo porque
o parlamento representa o povo. Essa representacao é democratica porque
os membros do parlamento sao eleitos por eleicao livre e igual e — por meio
da sancao da nao reeleicao — controlados. Isso 6, em todo o caso, em geral,
diferente no caso da jurisdicao constitucional. Os juizes do tribunal cons-
titucional nao tern regularmente uma legitimacao democratica direta e o
povo nao tern, em regra, possibilidade de controle por denegacao da reelei-
cao. Isso é compativel corn democracia?
A Unica possibilidade de reconciliar a jurisdicao constitucional corn a
democracia consiste nisto, compreende-la tambern como representacao do
povo. Esse caminho, contudo, dois obstaculos parecem obstruir. Repre-
sentacao do povo parece, primeiro, necessariamente estar unido corn elei-
goes e, caso, segundo, fosse possivel, porem, representacao sem eleicOes,
porque deveria esse tipo de representacao ter primazia diante de uma repre-
sentacAo que se apoia em eleiceies?

I. Representaccio argumentativa
A chave para a solucao desse problema e, corn isso, do problema geral
da jurisdicao constitucional é o conceito da representacao argumentativa.
Representacao é uma relacao de duas vriaveis entre urn repraesentandum
e urn repraesentans. No caso da dacao de leis parlamentar, a relacao entre
o rep raesentandum — o povo — e o repraesentans — o parlamento — 6 deter-
21
minada, essencialmente, por eleicoes. Agora, 6 possivel esbocar uma ima-
gem da democracia, que contem nada mais que urn procedimento de decisdo
centrado nos conceitos de eleicao e de regra da maioria. Isso seria um mo-
delo puramente decisionista 22 de democracia. Urn conceito adequado de
democracia, contudo, lido se deve apoiar somente no conceito de decisao.
Ele precisa tambem abarcar o de argumento. 0 abarcamento da argumen-
tacao no conceito de democracia torna a democracia deliberativa. A demo-
cracia deliberativa é a tentativa de institucionalizar o discurso, tao
amplamente quanto possivel, como meio da tomada de decisdo pUblica.
Desse fundamento, a unido entre o povo e o parlamento precisa ser deter-
minada nao somente por decisiies, que encontram expressao em eleicOes e
votacoes, mas tambem por argumentos. Desse modo, a representacao do
povo pelo parlamento 6, simultaneamente, volicional ou decisionista 23 e
argumentativa ou discursiva.
A representacao do povo por urn tribunal constitucional 6, pelo con-
trario, puramente argumentativa. 0 fato que a representacao pelo parlamen-
21
Em itálico, a cada vez, no original.
22
Nota do tradutor: ver supra, 1, nota 14.
23
Nota do tradutor: ver supra, 1, nota 14.

Constitucionalismo discursivo 163


to é tanto volitiva como argumentativa mostra que representagáo e argu-
mentagáo no so incompatíveis. Ao contrário, um conceito adequado de
representagáo deve — como Leibholz o formula — dizer respeito a "valores
ideais" (Leibholz 1966:35). 24 Representagáo é — de outra forma como Kel-
sen proplíe — mais que mera "substituigáo" 25 e, simultaneamente, mais que
"algo existencial" 26 (Schmitt 1970: 209), no sentido de algo meramente
fálico. Ela abarca, sem dúvida, ambos esses elementos, o que significa que
representagáo, necessariamente, é tanto normativa como real, mas esses
elementos no esgotam o conceito de representagáo. 27 Representagáo é,
como tal, necessariamente orientada para algum ideal. Isso significa que
representagáo é definida pela unido de urna dimensáo normativa, urna fática
e urna ideal. Na representagáo democrática, como caso da representagáo
racional, o ideal é a ideia de corregáo. Um conceito plenamente formado da
representagáo democrática deve, por isso, abarcar, ao lado da decisáo, 28 o
discurso como elemento ideal.

2. Condiffies de representaqáo argumentativa auténtica


Um crítico da jurisdigáo constitucional poderia objetar que tudo isso
termina em urna superidealizagáo. Ele poderia unir isso com a afirmagáo,
que urna representagáo puramente argumentativa é urna quimera. Assim que
o ideal p8e-se no lugar do fático, o tribunal constitucional tem a liberdade
de declarar cada argumento como argumento que o po y o representa. Entáo,
n o existem nem limites nem controle. O tribunal constitucional pode dis-
tanciar-se táo longe quanto ele quer daquilo que o po y o realmente pensa e
quer e, contudo, promover a pretensáo de que ele representa-o. O caminho
do constitucionalismo discursivo, que inicia nos direitos fundamentais, pas-
sa sobre a ponderagáo, o discurso e a jurisdigáo constitucional, termina em
um lugar da iluso, no qual tudo pode ser legitimado.
Essa objegáo pode ser rejeitada se é possível mostrar que, primeiro,
jurisdigáo constitucional, como argumento ou discurso, náo admite tudo e
que, segundo, jurisdigáo constitucional, como representagáo, pode ser uni-
da com aquilo que o po y o realmente pensa. Jurisdigáo constitucional, como
argumento. no admite tudo, se podem ser distinguidos argumentos jurídi-
co-constitucionais bons de ruins ou melhores de piores. A análise dos exem-
24 Comparar, ademais, Leibholz 1966: 32: "A esfera de valor, que somente admite urna representagáo,
é tuna idealmente determinada" (realgado por R. A.). Entre aspas no original.
25
Comparar Kelsen 1960: 301: — Representagáo" significa o mesmo que substituigAo." Entre aspas no
original.
26
Entre aspas no original.
27
Schmitt expressa isso pelo fato de ele dizer que somente um "ser tipo aumentado" pode produzir a
"existéncia", que significa urna representagáo (Schmitt 1970: 210).
28
Ver supra, nota 22.

164 Robert Alexy


plos acima apresentados mostrou que fundamentacao racional e, corn isso,
objetividade é possfvel na argumentacao juridico-constitucional, e precisa-
mente, em uma medida consideravel. Ela tambern mostrou que a existencia
de casos, nos quais os argumentos levam a urn empate, de modo nenhum
apresenta urn perigo para a jurisdicao constitucional. Em casos de empate
o dador de leis tern urn espaco, e espacos do dador de leis sao necessarios
se a constituicao nao deve decidir cada questa° jurfdica (Alexy 2002: 8 ff.).
Tudo o que é necessario é uma classe ampla suficiente de casos, nos quais
sentencas sobre a intensidade de intervencOes podem ser apoiadas sobre
argumentos, que, todos que aceitam a constituicao, reconhecem como born
ou, pelo menos, plausfvel.
A existencia de argumentos bons ou plausfveis basta para deliberacao
ou reflexao, mas nao para representacao. Para isso, é necessario que o tri-
bunal nao so promova a pretensao de que seus argumentos sao os argumen-
tos do povo ou do cidadao; urn ntimero suficiente de cidadaos precisa, pelo
menos, em perspectiva mais prolongada, aceitar esses argumentos como
corretos. Somente pessoas racionais estao capacitadas para aceitar urn ar-
gumento por causa de sua correcao ou validade. Isso mostra que existem
duas condicOes fundamentais de representacao argumentativa autentica: (1)
a existencia de argumentos validos ou corretos e (2) a existencia de pessoas
racionais que sao capazes e dispostas a aceitar argumentos validos ou cor-
retos porque eles sao validos ou corretos. Poderia denominar-se essas pes-
soas, corn apoio no conceito de pessoa liberal, de John Rawls (Rawls 1993:
290, 301 f.), "pessoas constitucionais". 29 Jurisdicao constitucional somente
entao pode ser exitosa quando esses argumentos, que sao alegados pelo
tribunal constitucional, sao validos e quando membros, suficientemente
muitos, da comunidade sao capazes e dispostos de fazer uso de suas possi-
bilidades racionais.
Se essas condiciies estao cumpridas, a resposta a questa() acima for-
mulada, por que uma representacao puramente argumentativa deve ter pri-
mazia diante de uma representacao apoiada em eleicOes e reeleicoes, nao
mais é diffcil. 0 constitucionalismo discursivo, como urn todo, e" a tentativa
da institucionalizacao de razao e correcao. Se existem argumentos validos
ou corretos, do mesmo modo como pessoas racionais, entao razao e corre-
cao serao institucionalizadas melhor corn jurisdicao constitucional que
sem ela.

29
Entre aspas no original.

Constitucionalismo discursivo 165


Literatura
Alexy, Robert, 1996: Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frankurft a. M.
—, 2000: Recht und Richtigkeit, in: Krawietz, Werner/Summers, Robert S./Weinberger,
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gerichtsbarkeit, in: VVDStRL 61, 7-33.
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Leibholz, Gerhard, 1966: Das Wesen der Reprásentation und der Gestaltwandel der De-
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166 Robert Alexy


Documentacoes de impressao
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no livro corn o titulo "The Law in philosophical Perspectives: My Philoso-
phy of Law", editado por Luc J. Wintgens, Dordrecht/Boston/London: Kluwer
Academic Publishers, 1999, p. 23 et seq. Titulo no original: My Philosophy of
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2. Direitos fundamentais no estado constitucional democratic°. Para a
relacao entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e juris-
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Janeiro, v. 217, p. 55 et seq., jul./set. 1999; revista da faculdade de direito da
UFRGS, Porto Alegre, v. 16, p. 203 et seq., 1999. Titulo no original: Grundre-
chte im demokratischen Verfassungsstaat. Zum Verhaltnis von Menschenre-
chten, Grundrechten, Demokratie und Verfassungsgerichtsbarkeit.
3. Colisclo de direitos fundamentals e realizaccio de direitos fundamentais
no estado de dire ito social. Publicado em: revista de direito administrativo, Rio
de Janeiro, v. 217, p. 67 et seq., jul./set. 1999; revista da faculdade de direito
da UFRGS, Porto Alegre, v. 17, p. 267 et seq., 1999. Titulo no original: Grun-
drechtskollision und Grundrechtsverwirklichung im sozialen Rechtsstaat.
4. Dire ito constitucional e dire ito ordincirio – jurisdicao constitucional e
jurisdicao especializada. Publicado em: VVDStRL, Bd. 61, 2002, S. 7 et seq.;
revista dos tribunais, v. 799, p. 33 et seq., maio 2002; revista dos tribunais, v.
809, p. 54 et seq., marco 2003. Titulo no original: Verfassungsrecht und einfa-
ches Recht — Verfassungsgerichtsbarkeit und Fachgerichtsbarkeit.
5. Sobre o desenvolvimento dos direitos do homem e fundamentais na
Alemanha. Publicado na Christiana Albertina-Zeitschrift, Bd. 54, 2002, S. 6
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Interpretandi. Yearbook of Legal Hermeneutics 7 (2002), p. 113 et seq. Titulo
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Constitucionalismo discursivo 167


7. Fundamentaedo jurídica, sistema e coeréncia. Publicado em Rechts-
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logisch-Historische Klasse, 3. Folge, Nr. 181), S. 95 et seq. Título no original:
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Reprásentation.

168
Robert Alexy

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