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DESCARTES: A METAFÍSICA SOB O JUGO DA RAZÃO

Vinicius Bandera
Introdução: A razão sobrepõe-se à escolástica
Como regra geral, a produção intelectual insere-se nos limites materiais aos quais a sua época está circunscrita.
Acontece, porém, de, às vezes, os produtores intelectuais estarem vivendo um rito de passagem para uma época
seguinte, o que possibilita a que possam ser arautos de um novo pensamento ou um pensamento antigo
renovado. É o caso de Descartes, por exemplo: ele estava vivenciando a passagem do feudalismo para o
capitalismo, o que faz com que o seu pensamento seja um deslocamento da mentalidade feudal (escolástica) para
mentalidade burguesa (racional, individualista).
Descartes é um típico exemplo de como filosofia é um produto histórico, está condicionada pelas vicissitudes do
mundo material. Em seu rito de passagem, ele ainda tem um pé na escolástica, o que fica evidente por ele não se
desligar de Deus, trazendo-o para o centro de sua filosofia, fazendo-o um ser causal do mundo físico e, sobretudo,
da “alma” humana. Não obstante, a sua influência mais forte vem da ascensão da burguesia mercantil, cujo
materialismo fez o homem crer ser o senhor do seu destino, que decide sobre as suas alternativas apelando não
mais para Deus, mas para si próprio, para a sua razão, para o cogito. O embrião de um homem prenhe de
individualidade, que se vê premido, pela racionalidade calculista, a elencar alternativas no real, hierarquizá-las e
eleger aquela que mais se adeque às suas necessidades e possibilidades do momento. Esse homem moderno é
um homem cartesiano, que faz escolhas racionais, não mais aquele que já tem os seus desígnios traçados por
Deus, como o homem escolástico. É um homem individualista universal. A alegoria da floresta é eminentemente
racionalista: vale mais utilizar a razão, o bom senso, e escolher um caminho entre vários e segui-lo, do que ficar à
espera de uma mensagem de Deus, como faria o homem escolástico.
O tempo de Descartes é um tempo de crise, momento de mudança na qual se delineia o caráter mais maduro de
uma Europa que já não é mais medieval, mas tampouco pode ser considerada livre das tradições que vigoraram
nos séculos anteriores. Os abalos promovidos pelo Renascimento, em sua última e decisiva fase, produzia ainda
as novas balizas do mundo. O homem renascentista se lançava ao mar nas navegações, transcendendo os limites
geográficos europeus, ao mesmo tempo em que se deparava com mudanças grandiosas de perspectiva, como a
que decorre da redescoberta do sistema heliocêntrico por Nicolau Copérnico (…) Uma notável crise institucional
obriga a cultura a recriar mecanismos de controle social e de produção, não mais fundados na representatividade
absoluta da Igreja. O homem valoriza de maneira diferente a sua própria vontade e os seus próprios feitos,
proclamando uma certa independência da figura de Deus – o que não significa uma negação do divino, mas um
novo ajustamento da realidade em relação com ele. Nesse contexto, chamado de Antropocentrismo, despontam
a noção do homem como um indivíduo, as teorias liberais e a reforma protestante de Martinho Lutero (1438-
15460. Ao contestar a Igreja como mediadora absoluta da relação entre os cristãos e a Bíblia, os crentes e Deus,
Lutero simboliza o germe de uma nova noção de liberdade que ainda hoje ecoa no mundo, firmando a diferença
entre o indivíduo e as instituições e abrindo caminho para o surgimento das democracias modernas, séculos
depois.
Do ponto de vista econômico, as navegações permitiram o crescimento do mercado e o abandono das relações
feudais, processo que também atingiu a supremacia da Igreja Católica, avalizando a livre iniciativa e a
descentralização do poder (OLIVEIRA, 2007, p. 115-6).
A razão é o elemento fundamental dessa transformação que acabamos de ver e também é o elemento
fundamental em Descartes, razão pela qual ele, deliberadamente, decide isolar-se do mundo físico e das
experiências que adquiriu em vida para filosofar. Assim, o individuo cartesiano está isolado da história, das
relações sociais, guiando-se basicamente pela sua razão, pelo seu bom senso. É um indivíduo altamente racional,
calculista, individualista; o protótipo do futuro indivíduo do mundo capitalista.
A dúvida e a certeza racionais
Ao invés de evitar a dúvida e buscar somente o que é certo e irrefutável, Descartes segue os dois caminhos
concomitantemente: o da dúvida e o da certeza. Ele se propõe a distinguir a certeza como tudo aquilo que não
pode ser colocado em dúvida, e vice-versa. A dúvida é um meio e a certeza é um fim a ser alcançado. O objetivo
de seu método da dúvida racional é chegar a certezas irrefutáveis, absolutas.
De há muito tempo observara que, quanto aos costumes, é necessário às vezes seguir opiniões, que sabemos
serem muito incertas, tal como se fossem indubitáveis. Como já foi dito acima; mas, por desejar então ocupar-me
somente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao contrário, e rejeitar como
absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria
algo em meu crédito, que fosse inteiramente indubitável (DESCARTES, 1983a, p. 46).
Descartes aplica o seu método, partindo de dois pressupostos: tanto a dúvida quanto a certeza indubitável
somente podem ser conhecidas mediante a razão, sem a necessidade de se recorrer aos sentidos, à experiência.
O seu método é apresentado como tendo validade universal, funcionando igualmente para qualquer ser humano,
o qual também é universal e unívoco.
A dúvida e a certeza, sob o método proposto por Descartes, não andam paralelamente na razão, isto é, não se
posicionam independentemente uma da outra. Todas as ideias passam pelo crivo da dúvida, são desta
dependentes, inclusive aquelas que a razão pode interpretar como claras e distintas, como certezas irrefutáveis.
Somente chegam ao ponto de certeza irrefutável as ideias que não puderem ser refutadas pela dúvida, casos do
cogito e da ideia de Deus.
Para tornar mais eficaz ainda o método da dúvida metódica, Descartes lança mão de algo que não é encontrado
na razão, mas que pode persuadi-la: a hipótese do gênio maligno. Tal hipótese tem justamente a função de
colocar a razão sob dúvida, o que implica colocar sob dúvida o próprio método proposto por Descartes. Implica
dar ao seu método o máximo de aferição. Passando pela hipótese do gênio maligno – desqualificando-a –, o seu
método torna-se aprovado, confirmando o cogito e a ideia de Deus como certezas apodíticas.
A chegada à primeira certeza apodítica, o cogito, é o primeiro passo para o seu método ser referendado.
Entretanto, o cogito é uma certeza quase que exclusivamente subjetiva e sem causa própria. Descartes precisa
dar uma objetividade e uma causalidade para o cogito e para o seu método enquanto ciência, o que consegue
com a segunda certeza: Deus existe. Com as duas certezas, o seu método passa a ter uma validade irrefutável e
objetiva.
(…) Este cogito, este ‘eu penso’, modelo de pensamento claro e distinto, dá-me a garantia subjetiva de toda a
ideia clara e distinta no tempo em que a percebo. Ele funda já a possibilidade de ciência.
O encontro de uma ideia que seja efetivamente uma essência objetiva, isto é, que me garanta a existência e a
natureza de seu objeto, vai fundar agora a objetividade da ciência. Esta ideia é a de Deus, e a existência de um
Deus veraz irá converter a necessidade subjetiva das ideias em necessidade objetiva (GRANGER,1983, p. 8).
Por sua vez, a existência de Deus é derivada da existência do cogito: se este existe, então é por que existe uma
causa que o faz existir. Em busca dessa causa, Descartes chega a Deus. Há, portanto, uma ordem cronológica e
hierárquica da razão: se duvido, penso; se penso, logo existo; se penso e logo existo é por que existe algo superior
que me contém.
Da existência de Deus, Descartes deduz a não existência da hipótese do gênio maligno, pois sendo Deus a
perfeição e o bem absoluto não deixaria o homem enganar-se em seu método racional de chegar ao cogito e à
ideia de Deus.
(…) a bondade de Deus impede a sustentação da hipótese do gênio maligno e justifica o otimismo científico e a
própria crença na razão. Substituindo o malin génio pelo bon Dieu, Descartes pode afirmar agora, com toda a
segurança, que a evidência é mesmo o critério da verdade: às ideias claras correspondem de fato realidades –
elas não são a armadilha de um gênio enganador e cruel. O Deus cartesiano é, assim, a garantia da objetividade
do conhecimento científico; enquanto bon Dieu, torna-se a expressão do otimismo racionalista que pressupõe-se
que ao máximo de clareza subjetiva corresponde o cerne da objetividade (PESSANHA. 1983, p. XVII)
De modo que a existência de Deus é o argumento de autoridade inquestionável e objetivo para a retidão do
método cartesiano. A existência de Deus, como causa direta da existência do homem e do mundo, é a
comprovação de que o pensamento humano e a ideia de Deus estão na razão, independentemente do uso dos
sentidos. No entanto, podemos questionar se Deus – a sua ideia – existiria ou não sem a razão cartesiana, sem o
cogito. Para Descartes sim, pois é Deus quem coloca a sua ideia (de Deus) na razão humana. Ou seja, ele faz
decorrer uma justificativa metafísica para o seu método racional. Entretanto, nas entrelinhas de seu método há
um triunfo da razão sobre Deus, mais precisamente sobre o dogma metafísico escolástico. Pois se não houver o
homem pensante, o homem racional, não haverá como ele ter em si a ideia de Deus. O cogito fornece a certeza
de que existe o homem concreto, mas não fornece a certeza de um Deus concreto. Indica tão-somente uma
certeza lógica dedutiva da existência de Deus. Ou seja, da ideia primeira de que eu existo por que penso, que é
um efeito, deduz-se a ideia da existência de Deus, que é a causa da ideia primeira. A razão condiciona, ou mesmo
determina, essa relação de causalidade. Como assegura José Américo Pessanha, “o bom Deus é na verdade uma
deusa: a Deusa-Razão, que Descartes cultiva e que será exaltada pelo Iluminismo do século XVIII” (PESSANHA,
1983, p.XVII).
O princípio de causalidade é fundamental em Descartes para provar a existência de Deus e de que tudo que existe
foi criado por Deus, sendo dele derivado. Assim, Deus é a causa de todas as coisas e ele existe por que pelo
princípio de causalidade não pode haver efeito sem causa. Algo que não viesse da causa-Deus teria que vir do
nada, o que seria impossível pelo princípio de causalidade, pelo simples fato de o nada não existir. Para ser a
causa de todas as coisas, é imprescindível que Deus seja uma causa de si próprio e por si;é pré-condição que ele
seja um ser ontológico e que os seres produzidos por sua causa sejam seres contingentes, como são os seres
humanos e tudo o que demais existe, que é uma extensão da existência de Deus.
Deus é usado por Descartes para objetivar a aquisição do conhecimento, ou seja, para se obter certezas
apodíticas. Caso não houvesse Deus como causa-primária, o conhecimento surgiria da mente humana, isto é,
seria um conhecimento subjetivista, o que colocaria em risco a legitimidade da ciência, a qual é de fundamental
importância no método cartesiano. O objetivo precípuo de Descartes é estabelecer um corte epistemológico com
o princípio fundamentalista religioso, vigente na época medieval, segundo o qual a razão humana é uma extensão
da “razão” divina, não havendo, portanto, uma autonomia da razão, o que impossibilita que a ciência, fruto da
razão, tenha independência. Assim, visa Descartes garantir a existência autônoma de uma razão construtivista e
essa garantia se dá pelo fato de que Deus concebe ao ser humano, e somente a este, a liberdade de pensar.
Liberdade esta que é o pressuposto para o agir humano. Deus concebe ao homem a faculdade de ter ideias
próprias, com as quais ele pensa e é justamente esse ato de pensar que o faz descobrir-se como uma existência
de Deus, uma criação de Deus. De modo que, esse pensar autônomo, concebido por Deus, é a garantia da
liberdade da razão construtivista, base para a existência da ciência, legitimada pela ideia cartesiana de Deus.
As três primeiras meditações confirmam o método cartesiano
Na primeira meditação, Descartes renega as opiniões, lança mão da dúvida metódica como um aferidor do que é
falso ou verdadeiro (se há dúvida é porque a ideia é falsa), descarta os sentidos como um meio de se chegar a
ideias verdadeiras, atém-se tão-somente à razão, valoriza a aritmética e a geometria como ciências que contêm
coisas verdadeiras (ao passo que a astronomia, a medicina e todas as outras ciências dependentes da
consideração das coisas compostas são muito duvidosas e incertas), coloca sob a dúvida metódica a opinião que
tem de Deus (um ser que tudo pode, um criador de tudo e todos) e chega à hipótese do gênio maligno, isto é,
levanta a suposição de que pode não existir o Deus verdadeiro e sim um gênio poderoso e enganador, que o faz
ver a realidade como uma ilusão. A hipótese do gênio maligno tem, portanto, a função de reforçar a dúvida
metódica, torná-la um aferidor ainda mais agudo do que é falso ou verdadeiro.
Por sua vez, a dúvida metódica tem a função de preparar o espírito para desligar-se dos sentidos, o que é um
pressuposto do método cartesiano. Para Descartes, os sentidos não são confiáveis, porque, embora não nos
enganem sempre, nos enganam às vezes. E não se deve confiar “em quem já nos enganou uma vez” (DESCARTES,
1983b, p.86). Na segunda meditação, Descartes começa afirmando o sucesso da primeira meditação, por ter
enchido o seu espírito de dúvidas, justamente o que ele mais queria. A opção pela dúvida metódica e o
lançamento da hipótese do gênio maligno é que irão prendê-lo unicamente à razão (fazendo-o desprezar os
sentidos) e levá-lo às certezas apodíticas de que ele existe (por que pensa) e de que Deus existe (por que é o
causador de que ele, Descartes, existe).
Na segunda meditação, ele segue a trilha da dúvida metódica, guiado unicamente pela razão. Seu objetivo é
encontrar algo que seja certo e indubitável. Então, ele chega à sua primeira certeza apodítica: a de que ele existe
e que nem o gênio maligno pode enganá-lo a respeito dessa certeza, a qual é o conhecimento “mais certo e
evidente de que todos os que tive até agora” (DESCARTES, 1983b, p.92).
O cogito é conhecido ontologicamente; ao contrário das outras coisas que Descartes colocara em dúvida
anteriormente, aquelas exteriores ao eu:
(…) a ideia que me faz reconhecer que penso e o meu pensamento são uma só e a mesma coisa, de modo que a
ideia que faço do meu pensamento é não tanto a ideia do meu pensamento como o próprio ser desse pensamento
(ALQUIÉ,1993,p.78).
Entretanto, chama a atenção Descartes, o fato de se estar certo de existir não dá conta sobre a natureza dessa
existência. De modo que é preciso ir além dessa primeira certeza, pois se corre o risco de que a existência
somente seja verdadeira quando o eu pensa. É imperativo encontrar-se uma certeza maior que confirme, que
fundamente, a primeira certeza. Novamente, o caminho será o do entendimento, o qual será trilhado na terceira
meditação, na qual ele passa a verificar os atributos do corpo para conhecer a natureza da existência humana.
Conclui que pelos mesmos não é possível conhecer tal natureza. Passa, então, aos atributos da alma, isto é,
alimentar, caminhar, sentir e pensar. Neste último atributo, ele descobre um fundamento do eu, da natureza da
existência humana:
o pensamento é um atributo que me pertence; só ele não pode ser separado de mim. Eu sou, eu existo: isto é
certo; mas por quanto tempo? A saber, por todo o tempo em que penso; pois poderia, talvez, ocorrer que, se eu
deixasse de pensar, deixaria ao mesmo tempo de ser ou de existir. Nada admito agora que não seja
necessariamente verdadeiro; nada sou, pois, falando precisamente, senão uma coisa que pensa, isto é, um
espírito, um entendimento ou uma razão, que são termos cuja significação me era anteriormente desconhecida
(DESCARTES, 1983b, p.94).
O “eu sou, eu existo” está fora da relação com os sentidos e com a imaginação; está no entendimento, na alma,
na essência. É, portanto, uma afirmação, uma constatação, ontológica, a salvo de qualquer dúvida e de qualquer
causa exterior ao homem. Resta-lhe saber se essa afirmação se esgota no próprio homem, no próprio
entendimento. Daí a intenção de Descartes em procurar uma causa que seja a primeira de todas, a mais
fundamental, o que veremos mais adiante.
A célebre frase, talvez a mais famosa da história da filosofia, aparece primeiro em francês – je pense donc je suis –
na Parte IV do Discurso (1637): “Notei que, enquanto tentava pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava,
era algo. E observando que essa verdade – Penso, logo existo – continha em si tamanha certeza e firmeza que
resistia incólume às mais extravagantes suposições dos céticos, julguei que poderia aceitá-la, sem escrúpulos,
como o primeiro princípio da filosofia que procurava” (AT VI 32:CSM I 127). A formulação em latim aparece nos
Princípios de Filosofia (1644), onde se descreve o enunciado cogito ergo sum como “a primeira e mais segura
descoberta que pode ocorrer àquele que filosofa de modo ordenado” (Parte I, art. 7).
A frase canônica não aparece, no lugar em que Descartes trata de sua metafísica mais completa, isto é, nas
Meditações; é neste trabalho, no entanto, que Descartes oferece a explicação mais clara de por que o
conhecimento da própria existência deve ser o primeiro e mais seguro passo no caminho para o conhecimento
das demais coisas. (COTTINGHAM, 1995, p. 37).
Para corroborar que os sentidos e a imaginação não levam ao conhecimento verdadeiro, ele cita os exemplos da
cera levada ao fogo e dos chapéus e casacos “andando” que ele vê da janela, asseverando que é o entendimento
que, conhecendo a natureza intrínseca das coisas, percebe as transformações da cera e identifica homens
andando, embora somente lhes veja os chapéus e casacos. Hume diria que não é o entendimento, e sim a
experiência.Descartes chega à conclusão de que o homem não é a causa de suas ideias, do cogito; não é a ideia-
primeira, não é a ideia-causa. Se isto é verdade, significa, por decorrência, que o homem não está sozinho no
mundo, que existe algo que lhe é superior e fora de si. Seguindo o seu princípio de causalidade, Descartes
considera que as ideias que lhe advêm dos sentidos estão dentro de si, mas há uma ideia que não pode provir de
si: a ideia de Deus, entendido como “uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente,
onipotente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são (se é verdade que há coisas que existem) foram
criadas e produzidas” (DESCARTES, 1983b,p.107)
Novamente o seu princípio de causalidade é desenvolvido somente ao nível do entendimento. Ou seja, não é
pelas coisas que ele procura a causa-primeira, mas pelo cogito, pela razão. Caso partisse das coisas, estaria
partindo dos sentidos, o que ele já descartara como não sendo um aferidor do que é claro e distinto. Então, o
caminho para Deus tem por base o cogito, que nessa busca, nessa ascensão, torna a si próprio o efeito de uma
causa perfeita. É a busca do infinito pelo finito. É uma busca que já traz uma imanência do encontro, pelo simples
fato ontológico de supor, mais do que isto, de estar certa, de que a existência do finito implica a existência do
infinito. Em outras palavras, se existe o efeito é porque existe a causa. Assim, ontologicamente, não há como não
se chegar à causa maior, à causa absoluta, destituível de qualquer outra causa. A causa que se encerra em si
mesma, que é o ser em si. O homem não poderia ser essa causa pela contingência ontológica de ser finito e não
conter tudo o que existe. A causa também não poderia ser o gênio maligno, posto que este não tem o poder de
impedir que eu chegue ao cogito. A constatação inexorável do cogito é suficiente para derrubar a hipótese do
gênio maligno e abrir espaço para a ascese a um ser perfeito, causa ontológica de tudo que há. Então,
sedimentado o cogito, parte Descartes para a causa absoluta, Deus, que acabará por ser o fundamento metafísico
da sua física, de sua ciência.
Conclusão
Descartes considera que o finito não pode explicar e muito menos gerar o infinito. O seu grande passo foi chegar
ao eu finito, ao cogito. Daí o eu infinito surgiria, necessariamente, como decorrência. De modo que há aqui uma
dialética: o infinito é a causa do finito, mas para chegar-se àquele foi necessário ter-se chegado primeiro a este. O
efeito está na causa, porém chegou-se a esta a partir daquele. Há uma unidade de contrários: infinito e finito;
causa e efeito. De modo que, a despeito de ser metafísico, o método cartesiano também é, essencialmente –
embora não o seja formalmente –, dialético, além de ser ontológico. Sem essa lógica ontológica-dialética, ele não
chegaria a estabelecer o infinito como causa do finito, partindo deste para chegar àquele.
Referências
ALQUIÉ, F. A filosofia de Descartes, Lisboa: Editorial Presença, 1993.
COTTINGHAM, J. Dicionário Descartes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
DESCARTES, R. O discurso do método. In: Descartes, René, Coleção Os pensadores, tradução de J. Guinsburg e
Bento Prado Júnior, 3a. edição, São Paulo: Abril Cultural, 1983a.
DESCARTES, R. Meditações. In: Descartes, René, Coleção Os pensadores, tradução de J. Guinsburg e Bento Prado
Júnior, 3a. edição, São Paulo: Abril Cultural, 1983.
GRANGER, G-G. Introdução. In: Descartes, René. Coleção Os pensadores, tradução de J. Guinsburg e Bento Prado
Júnior, 3a. edição, São Paulo, Abril Cultural, 1983b.
OLIVEIRA, R. C. O discurso do método de René Descartes. www.academia.edu. 2007. Acesso em 10 de setembro
de 2013.
PESSANHA, J. A. Descartes, vida e obra. In: Descartes, René. Coleção Os pensadores, tradução de J. Guinsburg e
Bento Prado Júnior, 3a. edição, São Paulo, Abril Cultural, 1983.
Disponível em: <http://www.consciencia.org/descartes-a-metafisica-sob-o-jugo-da-razao>. Acesso em:
22 jan. 2017.

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