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Carlos Alberto Manssour Fraga

As interações de um fármaco com o seu sítio de ação no sistema biológico ocorrem durante a chamada fase
farmacodinâmica e são determinadas por forças intermoleculares: interações hidrofóbicas, polares, eletrostáticas
e estéricas. Considerando os possíveis modos de interação entre o fármaco e a biofase, podemos classificá-los
de maneira genérica em dois grandes grupos; estruturalmente inespecíficos e estruturalmente específicos.

interação fármaco-receptor, forças de interação, reconhecimento molecular

Fármacos estruturalmente inespecíficos ionóforo. A simples substituição de um de superfície da micromolécula, que


átomo de oxigênio por um átomo de devem ser complementares ao sítio de

O
s fármacos ditos estrutu-
ralmente inespecíficos são enxofre produz o tiopental (4), cuja ligação localizado na macromolécula,
aqueles que dependem única lipossolubilidade é maior e tem ação o sítio receptor. A complementaridade
anestésica inespecífica (Figura 2) necessária para a interação da micro- 33
e exclusivamente de suas proprie-
dades físico-químicas, (coeficiente de (Foye et al., 1995, Gringauz, 1997). molécula com a biomacromolécula
partição, pKa) para promoverem o efei- receptora pode ser ilustrada simpli-
Fármacos estruturalmente específicos ficadamente pelo modelo chave-
to biológico. Os anestésicos gerais são
um exemplo clássico de substâncias Os fármacos estruturalmente espe- fechadura (Figura 3). Neste modelo
que pertencem a esta classe de fár- cíficos exercem seu efeito biológico podemos comparar a biomacromo-
macos, uma vez que seu mecanismo pela interação seletiva com uma deter- lécula com a fechadura, o sítio recep-
de ação envolve a depressão inespe- minada biomacromo- tor com o “buraco da
cífica de biomembranas lipo-protéicas, lécula alvo, que apre- fechadura” e as dife-
Os anestésicos gerais são
elevando o limiar de excitabilidade senta na maior parte rentes chaves com
um exemplo clássico de
celular ou a interação inespecífica com dos casos proprieda- ligantes do sítio re-
fármacos estruturalmente
sítios hidrofóbicos de proteínas do sis- des de enzima, proteína ceptor, isto é, regiões
inespecíficos, uma vez que
tema nervoso central, provocando per- sinalizadora (receptor), da micromolécula
seu mecanismo de ação
da da consciência. Neste caso especí- canal iônico ou ácido que vão interagir
envolve a depressão
fico, em que a complexação do fárma- nucléico. O reconhe- diretamente com a
inespecífica de biomem- macromolécula.
co com macromoléculas da biofase cimento do fármaco
branas lipo-protéicas Neste caso espe-
dá-se predominantemente através de (micromolécula) pela
interações de Van der Walls, a potência biomacromolécula de- cífico “abrir a porta”
do fármaco está diretamente relacio- pende do arranjo espacial dos grupa- ou “não abrir a porta” representariam
nada com a sua lipossolubilidade, mentos funcionais e das propriedades as respostas biológicas desta inte-
como está exemplificado comparati-
vamente na Figura 1, mostrando que
o halotano é mais potente que isofu-
rano (Foye e Williams, 1995).
Em alguns casos, a alteração das
propriedades físico-químicas decorren-
tes de modificações estruturais de um
fármaco pode alterar seu mecanismo
de interação com a biofase. Um
clássico exemplo encontra-se na
classe dos anticonvulsivantes. O pen-
tobarbital (3) é estruturalmente especí- Figura 1: Correlação entre as propriedades fisico-químicas e a atividade biológica dos
fico e tem ação sobre o receptor GABA fármacos estruturalmente inespecíficos (1) e (2).

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Figura 3: Modelo chave-fechadura e o reconhecimento ligante-receptor.

nando uma resposta qualitativamente derivados (7) e (6), que apresentam


inversa àquela do agonista. atividades intrínsecas distintas de
Nos três casos podemos distinguir antagonista e agonista, respectivamen-
duas etapas relevantes na interação da te. Considerando-se a ação terapêu-
micromolécula ligante com a bioma- tica desta classe, predominantemente
cromolécula que contém a subunidade devida à ação agonista sob receptores
Figura 2: Influência da modificação molecu- receptora: benzodiazepínicos, podemos concluir
lar no mecanismo de ação dos barbituratos a) interação ligante-receptor pro- que o derivado (6) é, apesar de
34 (3) e (4). priamente dita: expressa quantita- apresentar uma menor afinidade por
tivamente pelo termo afinidade, traduz este receptor, um melhor candidato à
ração. A análise da Figura 3 permite- a capacidade da micromolécula se fármaco que o derivado (7).
nos evidenciar três principais tipos de complexar com o sítio complementar
chaves: a) a chave original, que se de interação; Forças relevantes para o reconhecimento
encaixa adequadamente com a fecha- b) produção da resposta biológica: molecular: Ligante/sítio receptor
dura, permitindo a abertura da porta, expressa quantitativamente pelo termo Do ponto de vista qualitativo, o grau
corresponderia ao agonista natural (en- atividade intrínseca, traduz a capaci- de afinidade e a especificidade da
dógeno) ou substrato natural, que inte- dade do complexo ligante-receptor de- ligação micromolécula-(sítio receptor)
rage com o sítio receptor da biomacro- sencadear uma determinada resposta são determinados por forças intermo-
molécula localizado respectivamente biológica (Wermuth, 1996). leculares: eletrostáticas, de dispersão,
em uma proteína ou enzima, desenca- A Tabela 1 ilustra estas conside- hidrofóbicas, ligações de hidrogênio e
deando uma resposta biológica; b) a rações com o exemplo das substân- ligações covalentes (Foye et al., 1995,
chave modificada, com propriedades cias (6-8) que atuam como ligantes de Gringauz, 1997, Taylor e Kennewell,
estruturais que a tornam semelhantes receptores benzodiazepínicos, onde o 1981, Wolff, 1995). Em uma interação
à chave original e permitem seu acesso fármaco diazepam (5) atua com pro- fármaco-receptor típica normalmente
à fechadura e a abertura da porta, cor- priedades agonistas, responsáveis pe- ocorre uma combinação dessas for-
responderia a um agonista modificado lo efeito sedante e anticonvulsivante ças, sendo no entanto necessário estu-
da biomacromolécula, sintético ou de desta classe terapêutica. Vale a pena dá-las separadamente, de modo a
origem natural, capaz de reconhecer destacar que as substâncias (6-8) são reconhecer sua natureza e assim pro-
complementarmente o sítio receptor e ligantes com afinidade distintas, uma por modelos para interações ligante /
desencadear uma resposta biológica vez que são reconhecidas diferencia- sítio receptor.
qualitativamente idêntica àquela do damente pelos sítios localizados no
agonista natural; e c) a chave falsa, que receptor. Neste caso, o composto pir- Forças eletrostáticas
apresenta propriedades estruturais mí- rolobenzodiazepínico (8) é aquele que As forças de atração eletrostáticas
nimas que permitem seu acesso à fe- apresenta maior afinidade pelo recep- são aquelas resultantes da interação
chadura, sem ser capaz entretanto de tor benzodiazepínico, seguido do deri- entre dipolos e/ou íons de cargas
permitir a abertura da porta, correspon- vado imidazolobenzodiazepínico (7) e opostas, cuja magnitude é diretamente
deria ao antagonista, sintético ou de por fim o derivado (6). Uma maior afi- dependente da constante dielétrica do
origem natural, capaz de ligar-se ao nidade não traduz a capacidade do meio e da distância entre as cargas. A
sítio receptor sem promover a resposta ligante produzir uma determinada res- água apresenta elevada constante
biológica e bloqueia a ação do agonis- posta biológica, como podemos evi- dielétrica (ε = 80), devido ao seu
ta endógeno e/ou modificado, ocasio- denciar pela análise comparativa dos momento de dipolo permanente,

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Tabela 1: Afinidade e atividade intrínseca de ligantes de receptores benzodiazepínicos. da enzima, dentre as quais destaca-
se a interação do grupamento carboxi-
lato da forma ionizada de (9) com o
resíduo de arginina na posição 120 da
seqüência primária desta proteína
(Figura 5) (Lages et al., 1998). Vale a
pena destacar que uma ligação iônica
reforçada por uma ligação de hidro-
gênio, como no exemplo discutido
acima, resulta em expressivo incre-
mento da força de interação de
~10 kcal.mol-1.
Adicionalmente, as forças de atra-
ção eletrostáticas podem incluir dois
tipos de interações, que variam ener-
geticamente entre 1-7 kcal.mol-1: a) íon-
dipolo, força resultante da interação de
um íon e uma espécie neutra polarizá-
vel, com carga oposta àquela do íon;
e b) dipolo-dipolo, interação entre dois
grupamentos com polarizações de
cargas opostas (Figura 6) (Foye et al.,
1995, Gringauz, 1997, Taylor e Kenne-
Substância Afinidade do ligante Atividade instrínseca
well, 1981, Wolff, 1995). Esta polariza-
ensaio de “binding”, IC50 (nM) do ligante
ção decorrente da diferença de eletro-
6 45 agonista negatividade entre um heteroátomo,
7 7,2 antagonista por exemplo o oxigênio, e um átomo 35
8 0,1 agonista de carbono, produz espécies que apre-
sentam um aumento da densidade
IC50 = concentração da substância necessária para produzir interação com 50% dos
receptores. eletrônica do heteroátomo e uma redu-
ção da densidade eletrônica sobre o
podendo diminuir as forças de atração grupo ionizável, além da carboxila e do átomo de carbono, como ilustrado na
e repulsão entre dois grupos carrega- grupo amina, entre os quais forma-se Figura 6, para o grupamento carbonila.
dos e solvatados. Desta forma, na a ligação peptídica. Este terceiro grupo A interação do substrato natural -
maior parte dos casos, a interação encontra-se ionizado em pH fisiológico endoperóxido cíclico de prostaglan-
iônica é precedida de desolvatação (7,4). É o caso dos aminoácidos bási- dina H2 (10) - com a enzima trombo-
dos íons, processo que envolve perdas cos, arginina e lisina (com carga posi- xana sintase (TXS) (que contém ferro
entálpicas e é favorecido pelo ganho tiva) e dos aminoácidos ácidos, gluta- presente no grupo heme), envolve a
entrópico resultante da formação de mato e aspartato (com carga negativa). formação de uma interação íon-dipolo
moléculas de água livres (Figura 4). A Fármacos que apresentem grupos entre o átomo de ferro do grupamento
força da ligação iônica, ~5 kcal.mol-1, carregados negativa ou positivamente heme e o átomo de oxigênio em C-11,
é dependente da diferença de energia podem interagir com aminoácidos pre- que apresenta carga parcial negativa
da interação íon-íon vs. a energia dos sentes em proteínas de sítios recep- (Figura 7). Este reconhecimento mo-
íons solvatados (Figura 4) (Foye et al., tores. O flurbiprofeno (9), antiinflama- lecular que leva à transformação da
1995, Gringauz, 1997, Taylor e Kenne- tório não esteroidal que atua inibindo PGH2 (10) no autacóide trombogênico
well, 1981, Wolff, 1995). a enzima prostaglandina endoperóxido tromboxana A2 (TXA2), pode ser explo-
Alguns aminoácidos componentes sintase (PGHS), provoca sua ação por rado no planejamento de fármacos
de proteínas apresentam um terceiro ligações com resíduos de aminoácidos antitrombóticos que atuam como inibi-
dores de TXS (TXSi) (Kato et al., 1985).
Forças de dispersão
Estas forças atrativas, conhecidas
como forças de dispersão de London
ou interações de van der Walls, carac-
terizam-se pela aproximação de molé-
culas apolares apresentando dipolos
induzidos. Estes dipolos são resultado
de uma flutuação local transiente (10-6
Figura 4: Interações iônicas e o reconhecimento fármaco-receptor. s) de densidade eletrônica entre gru-

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Interações hidrofóbicas
Como as forças de dispersão, as
interações hidrofóbicas são individual-
mente fracas (~1 kcal.mol-1), e ocor-
rem em função da interação em ca-
deias ou sub-unidades apolares. Nor-
malmente, as cadeias ou sub-unidades
hidrofóbicas presentes tanto no sítio
receptor como no ligante encontram-
se organizadamente solvatadas por
camadas de moléculas de água. A
aproximação das superfícies hidrofó-
bicas promove o colapso da estrutura
organizada da água, permitindo a inte-
ração ligante-receptor à custa do ga-
nho entrópico associado à desorgani-
Figura 5: Reconhecimento molecular do flurbiprofeno (9) pelo resíduo Arg120 do sítio ativo zação do sistema (Foye et al., 1995,
da PGHS, via interação iônica (Lages et al., 1998). Gringauz, 1997, Taylor e Kennewell,
1981, Wolff, 1995). Em vista do grande
número de sub-unidades hidrofóbicas
presentes em peptídeos e fármacos,
esta interação pode ser considerada
importante para o reconhecimento da
micromolécula pela biomacromolé-
cula, como exemplificado na Figura 10
para a interação do fator de ativação
36

Figura 6: Interações íon-dipolo e o reconhecimento fármaco-receptor.

Figura 7: Reconhecimento molecular da PGH2 (10) pelo resíduo Fe-Heme do sítio ativo da
tromboxana Sintase, via interação iôn-dipolo.

pos apolares adjacentes, que não Apesar de traduzirem fracas ener-


apresentam momento de dipolo per- gias de interação, as forças de disper-
manente (Foye et al., 1995, Gringauz, são são de extrema importância para
1997, Taylor e Kennewell, 1981, Wolff, o processo de reconhecimento mole-
1995). Normalmente, estas interações
cular do fármaco pelo sítio receptor,
de fraca energia (0,5-1,0 kcal.mol-1),
ocorrem em função da polarização uma vez que normalmente se caracte-
transiente de ligações carbono-hidro- rizam por interações múltiplas que,
Figura 8: Interações íon-dipolo pela polari-
gênio (Figura 8) ou carbono-carbono somadas, acarretam contribuições zação transiente de ligações carbono-
(Figura 9). energéticas significativas. hidrogênio.

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plaquetária (PAF) com o seu biore-
ceptor, através do reconhecimento da
cadeia alquílica C-16 por uma bolsa
lipofílica presente na estrutura da
proteína receptora.

Figura 11: Ligações de hidrogênio e a manutenção da estrutura terciária da calmodulina.

Ligação de hidrogênio tre heteroátomos eletronegativos como


oxigênio, nitrogênio, enxofre e o átomo 37
As ligações de hidrogênio são as
mais importantes interações não-cova- de hidrogênio de ligações O-H, N-H e
lentes existentes nos sistemas biológi- CF2-H (Erickson e McLoughlin, 1995),
cos, sendo responsáveis pela manu- como resultado de suas acentuadas
tenção das conformações bioativas de polarizações (Figura 13).
macromoléculas nobres como α-héli- Inúmeros exemplos de fármacos
ces de proteínas (Figura 11) e intera- que são reconhecidos molecularmente
ções purinas-pirimidinas dos ácidos através de ligações de hidrogênio po-
nucléicos (Figura 12) (Foye et al., 1995, dem ser citados; dentre eles podemos
Figura 9: Interações íon-dipolo pela polari-
Gringauz, 1997, Taylor e Kennewell, destacar ilustrativamente a interação
zação transiente de ligações carbono-car-
bono. 1981, Wolff, 1995). do antiviral saquinavir (13) com o sítio
Estas interações são formadas en- ativo da protease do vírus HIV-1 (Figura
14) (Leung e Fairlie, 2000). O reconhe-
cimento do inibidor enzimático (13)
envolve fundamentalmente a partici-
pação de ligações de hidrogênio com
resíduos de aminoácidos do sítio ativo,
diretamente ou intermediada por
moléculas de água (Figura 14).
Ligação covalente
As interações intermoleculares en-
volvendo a formação de ligações
covalentes são de elevada energia,
(77-88 kcal.mol-1), considerando que
na temperatura usual dos sistemas
biológicos (30-40 °C), ligações mais
fortes que 10 kcal.mol-1 dificilmente são
clivadas em processos não enzimá-
ticos. Isto implica que complexos
fármaco-receptor envolvendo ligações
Figura 10: Reconhecimento molecular do PAF (11) via interações hidrofóbicas com a bolsa desta natureza são raramente desfei-
lipofílica de seu bioreceptor. tos, culminando com uma inibição

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Figura 14: Reconhecimento molecular do
antiviral saquinavir (13) pelo sítio ativo da
protease do HIV-1, via interações de hidro-
gênio (Leung et al., 2000).

Figura 12: Ligações de hidrogênio e a manutenção da estrutura dupla fita do DNA. membros e a formação de uma ligação
covalente, responsável pela inibição
enzimática irreversível ou inativação do inflamatogênicas e pró-algésicas, devi- irreversível da enzima (Figura 16).
sítio receptor (Foye et al., 1995, Grin- do à inibição da enzima prostaglandina
gauz, 1997, Taylor e Kennewell, 1981, endoperóxido sintase (PGHS). Esta
A estereoquímica e o reconhecimento
Wolff, 1995). interação fármaco-receptor é de natu- molecular: Ligante / sítio receptor
38 Esta interação, envolvendo a forma- reza irreversível em função da forma- Apesar do modelo chave-fechadu-
ção de uma ligação sigma entre dois ção de uma ligação covalente resultan- ra ser útil na compreensão dos eventos
átomos que contribuem cada qual com te do ataque nucleofílico da hidroxila envolvidos no reconhecimento molecu-
um elétron, ocorrem com fármacos que do aminoácido serina530 ao grupamen- lar ligante-receptor, este modelo é uma
apresentam grupamentos com acen- to eletrofílico acetila presente em (14) representação grosseira da realidade,
tuado caráter eletrofílico e bionucleó- (Figura 15). uma vez que a interação entre a bio-
filos orgânicos. A aspirina (14) e a Um outro exemplo diz respeito ao macromolécula e a micromolécula
benzilpenicilina (15) (Foye et al., 1995, mecanismo de ação da benzilpenici- apresenta natureza tridimensional dinâ-
Gringauz, 1997) são dois exemplos de lina (15) e outras penicilinas sintéticas, mica. Desta forma, a dimensão mo-
fármacos que atuam como inibidores que atuam inibindo a D,D-carboxipep- lecular do ligante, as distâncias intera-
enzimáticos irreversíveis, cujo reconhe- tidase, enzima responsável pela forma- tômicas e o arranjo espacial entre os
cimento molecular envolve a formação ção de ligações peptídicas cruzadas grupamentos farmacofóricos cons-
de ligações covalentes. na peptideoglicana da parede celular tituem aspectos fundamentais na com-
O ácido acetil-salicílico (14) apre- bacteriana, através de processos de preensão de diferenças na interação
senta propriedades antiinflamatórias e transpeptidação (Figura 16). O reco- fármaco-receptor. A Figura 17 ilustra a
analgésicas decorrentes do bloqueio nhecimento molecular do fármaco (15) natureza 3D do complexo bio-macro-
da biossíntese de prostaglandinas pelo sítio catalítico da enzima é função molécula-micromolécula, com des-
de sua similaridade estru- taque para o arranjo espacial dos ami-
tural com a subunidade ter- noácidos que constituem o sítio ativo
minal D-Ala-D-Ala da pepti- (figura adaptada da obtida em
deoglicana. Entretanto, a li- pdb.life.nthu.edu.tw/)
gação peptídica inclusa no
anel β-lactâmico de (15) ca- Configuração absoluta e atividade
racteriza-se como um centro biológica
altamente eletrofílico, como Um dos primeiros relatos da litera-
ilustra o mapa de densidade tura que indicava a relevância da este-
eletrônica descrito na Figura reoquímica, mais particularmente da
16. Desta forma, o ataque configuração absoluta na atividade
nucleofílico da hidroxila do biológica, foi feito por Piutti (1886), des-
resíduo serina da tríade ca- crevendo o isolamento e as diferentes
talítica da enzima ao centro propriedades gustativas dos enantiô-
Figura 13: Principais grupos doadores e aceptores de eletrofílico de (15) promove meros do aminoácido asparagina (16)
ligações de hidrogênio. a abertura do anel de quatro (Figura 18). Essas diferenças de

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das (Barreiro et al., 1997). Posterior-
mente, o estudo do metabolismo de
(17) permitiu evidenciar que o enantiô-
mero (S) era seletivamente oxidado
levando à formação de espécies eletro-
fílicas reativas do tipo areno-óxido, que
reagem com nucleófilos bioorgânicos,
induzindo teratogenicidade, enquanto
o antípoda (R) era responsável pelas
propriedades sedativas e analgésicas
(Figura 19) (Knoche e Blaschke, 1994).
Este episódio foi o marco de nova
era no desenvolvimento de novos fár-
macos, onde a quiralidade passou a
ter destaque e a investigação cuida-
dosa do comportamento de fármacos
quirais (Borman, 1990) ou homoquirais
(Ariens, 1993) frente a procesos
capazes de influenciar tanto a fase
farmacocinética (Wainer, 1993) (absor-
ção, distribuição, metabolismo e
eliminação), quanto a fase farmacodi-
Figura 15: Mecanismo de Inibição irreversível da PGHS pela aspirina (14), via formação de nâmica (Wainer, 1993) (interação fár-
ligação covalente. maco-receptor), como passaram a ser
fundamentais antes de sua liberação
para uso clínico.
O perfil biológico diferente de subs- 39
tâncias quirais foi pioneiramente racio-
nalizado por Easson e Stedman (1933)
(Testa, 1990), que propuseram que o
reconhecimento molecular de um li-
gante, que apresente um simples car-
bono assimétrico pelo bioreceptor,
deveria envolver a participação de pelo
menos três pontos. Neste caso, o
reconhecimento do antípoda corres-
pondente ao fármaco hipotético pelo
mesmo sítio receptor não seria tão efi-
caz devido à perda de um ou mais
pontos de interação complementar.
Um exemplo desta aproximação, co-
nhecida como modelo de três pontos
de Easson-Stedman (Easson e
Stedman, 1933) está ilustrada na
Figura 20, considerando o mecanismo
de reconhecimento estereoespecífico
do propranolol (18) pelos receptores
β-adrenérgicos. O enantiômero (S)-(18)
é reconhecido por estes receptores
Figura 16: Mecanismo de inibição irreversível da carboxipeptidase bacteriana pela
benzilpenicilina (15), via formação de ligação covalente.
através de três principais pontos de
interação: a) sítio de interação hidrofó-
bica, que reconhece o grupamento
propriedades organolépticas expressa- atividade biológica permaneceu ador- lipofílico naftila de (18); b) sítio de
vam diferentes modos de reconheci- mecido até a década de 60, quando doador de ligação de hidrogênio, que
mento molecular do ligante pelo sítio ocorreu a tragédia decorrente do uso reconhece o átomo de oxigênio da
receptor localizado nas papilas gusta- indiscriminado da forma racêmica do hidroxila da cadeia lateral de (18); c)
tivas, traduzindo sensações distintas. sedativo talidomida (17) por gestantes, sítio de alta densidade eletrônica, que
Entretanto, o sentimento da impor- resultando no nascimento de aproxi- reconhece o grupamento amina da
tância da configuração absoluta na madamente 12.000 crianças deforma- cadeia lateral, através de interações do

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Figura 19: Estereoisômeros da talidomida
(17).

que as diferenças de arranjo espacial


dos grupos envolvidos nas interações
com o sítio receptor implicam em perda
Figura 17: Representação tridimensional do complexo da acetilcolinesterase com o inibidor de complementaridade e, conseqüen-
tacrina (rosa), com destaque para os resíduos de aminoácidos que compõem o sítio re- temente, em perda de afinidade e ati-
ceptor (vermelho). vidade intrínseca, como ilustra a Figura
21 (Foye e Williams, 1995, Gringauz,
tipo íon-dipolo. Neste caso particular, β-adrenérgicos, deve ser chamado de 1997, Barreiro et al., 1997, Wainer, 1993).
o enantiômero (R)-(18) apresenta-se ‘eutômero’, enquanto aquele que apre- Um exemplo clássico que ilustra
praticamente destituído das proprieda- senta propriedades indesejadas, ou a importância da isomeria geométrica
des β-bloqueadoras terapeuticamente caracteriza-se como um ligante de me- na atividade biológica diz respeito ao
úteis para o tratamento da angina, nor afinidade pelo bioreceptor, o (R)- desenvolvimento do estrogênio sinté-
devido à menor afinidade decorrente (18), deve ser chamado de ‘distômero’. tico trans-dietilestilbestrol (19), cuja
40 da perda do ponto de interação (b), As diferenças de atividade intrínse- configuração relativa dos grupamen-
apresentando por sua vez proprie- ca de fármacos enantioméricos que tos para-hidroxifenila mimetiza o
dades indesejadas relacionadas à apresentam idênticas propriedades arranjo espacial adotado pelas hi-
inibição da conversão do hormônio da físico-químicas, excetuando-se o des- droxilas que apresentam caráter far-
tireóide tiroxina à triiodotironina. vio do plano da luz polarizada, é função macofórico para o reconhecimento do
Assim, segundo as regras de da natureza quiral dos aminoácidos, ligante natural, i.e. hormônio estradiol
nomenclatura recomendadas pela componentes da grande maioria de (20), pelos receptores de estrogênio
IUPAC (1996), dizemos que o enantiô- biomacromoléculas, que se caracte- intracelulares (Figura 22). O estereoi-
mero terapeuticamente útil do propra- rizam como alvos terapêuticos “optica- sômero cis do dietilestilbestrol (21)
nolol, o (S)-(18), que apresenta maior mente ativos”. Então, a interação en- apresenta distância entre os grupa-
afinidade e potência pelos receptores tre antípodas do fármaco quiral com mentos farmacofóricos inferior àquela
receptores quirais, leva à formação de necessária para o adequado reconhe-
complexos fármaco-receptor diastere- cimento pelo bioreceptor e, conse-
oisoméricos que apresentam proprie- qüentemente, apresenta atividade
dades físico-químicas e energias dife- estrogênica 14 vezes menos potente
rentes, podendo portanto elicitar res- que aquela do derivado trans corres-
postas biológicas distintas (Barreiro et pondente (19) (Figura 22).
al., 1997); veja também artigo sobre
quiralidade, na p. 32.
Configuração relativa
e atividade
biológica
De forma análo-
ga, alterações da
configuração relativa
dos grupamentos far-
macofóricos de um
ligante alicíclico ou
olefínico também
podem repercutir di-
retamente no seu re-
Figura 18: Estereoisômeros da asparagina conhecimento pelo Figura 20: Reconhecimento molecular dos grupamentos farma-
(16). bioreceptor, uma vez cofóricos dos enantiômeros do propranolol (18).

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Conformação e atividade biológica
As variações de arranjo espacial
envolvendo a rotação de ligações co-
valentes sigma, associadas a um custo
energético normalmente inferior a
10 kcal.mol-1, são chamadas ‘confor-
mações’. Este tipo particular de estere-
oisomeria é extremamente relevante
para o reconhecimento molecular de
uma série de mediadores químicos
endógenos como dopamina, seroto-
nina, histamina e acetilcolina, expli-
cando os seus diferentes perfis de ativi-
dade biológica dependentes da modu-
lação de diferentes subtipos de recep-
tores, como D1/D2/D3/D4/D5, 5-HT1/5-
HT2/5-HT3, H1/H2/H3 e muscarínicos/
nicotínicos, respectivamente (Casy e
Dewar, 1993).
A acetilcolina, importante neuro-
transmissor do sistema nervoso paras-
simpático, é capaz de sensibilizar dois
subtipos de receptores: os receptores
muscarínicos predominantemente
localizados no sistema nervoso perifé-
rico e os receptores nicotínicos locali-
zados predominantemente no sistema 41
nervoso central. Entretanto, os diferen-
tes efeitos biológicos elicitados são
decorrentes das interações de diferen-
tes arranjos espaciais dos grupamen-
tos farmacofóricos da acetilcolina com
o sítio receptor correspondente (Foye
e Williams, 1995, Casy e Dewar, 1993),
isto é, grupamento acetato e o grupa-
mento amôneo quaternário, que po-
dem preferencialmente adotar uma
conformação de afastamento máximo,
conhecida como antiperiplanar (IUPAC,
1996) ou conformações onde estes
Figura 21: Configuração relativa e o reconhecimento molecular ligante receptor. grupos apresentam um ângulo de 60°

Figura 22: Reconhecimento molecular dos grupamentos farmacofóricos dos estereoisômeros trans e cis-dietilestilbestrol (21).

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Atividade biológica N° 3 – Maio 2001


mácia da UFRJ (1988), mestre (1991) e doutor (1994)
em química orgânica pelo Instituto de Química da UFRJ,
é professor adjunto da Faculdade de Farmácia da UFRJ
(desde 1996) e orientador do programa de pós-gra-
duação em química orgânica do Instituto de Química
da UFRJ. Também é pesquisador do LASSBio, atuando
na área de química medicinal e síntese orgânica.

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Agradecimentos nal chemistry. London: Academic Press,
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O autor agradece ao Prof. Carlos
WERMUTH, C.G.; GANELLIN, C.R.;
Os aspectos abordados nesta Rangel Rodrigues (LASSBio - Faculda- LINDBERG, P. e MITSCHER, L.A. Pure
comunicação destacam a interdisci- de de Farmácia - UFRJ) pelo auxílio na Appl. Chem., v. 70, p. 1129, 1998.
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medicinal e tornam evidentes que a chemistry and drug discovery. Nova
Carlos Alberto Manssour Fraga (cmfraga@pharma. Iorque: John Wiey & Sons, , 1995.
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