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NESTA EDIÇÃO:
UMA OFÉLIA REBORDOSÍSTICA
OS 40 ANOS DA MORTE DE JIM MORRISON
GEORGES BATAILLE E O LADO PERVERSO DA VIDA
A RELIGIÃO DOS BEATS
UM ROLÊ PELAS RUAS DE ROMA
REFLEXÕES TECNOLÓGICAS INVADEM O SERTÃO
O PÉ-DE-ATLETA DA SUZANO
E-LUMINADOS, OS SOLDADOS DIGITAIS
FRATERNIDADE AS MARGENS DO RIO CUIABÁ
A ARTE DE FUMAR UM CACHIMBO
EVALDINHO:
A INCRÍVEL HISTÓRIA DO GALINHO DE BRIGA
QUE DESAFIOU A CÔRTE DO SEU ARTUR REVISTA 1 BEATBRASILIS
REVISTA 2 BEATBRASILIS
EDITORIAL
Até se me contares que em nada te agrada essa estação fria e cinza, E quero muito que te lembres, meu caro: quando finda alguma estrela
ainda assim te lembrarei do abraço que tu entregas a ti mesmo na quente por aí, quando a vida cessa, quando retorna ao todo o nada ou
busca de um calor melhor, quando enroscas os teus braços em torno alguma coisa, vai-se embora a luz, vai-se embora o calor, a umidade, a
do teu próprio corpo e chacoalhas o teu queixo sem perceber na falta lágrima e o sorriso. Mas o frio sempre permanece como prova da
que te fizeste durante todos os dias do ano onde te cegaste nas outras textura incorruptível do Infinito!
estações que pertencem ao Sol.
Toca aqui!
Aqui, amigo, não usaremos artifícios pra fugir dessa verdade de baixo
FABRÍCIO BUSNELLO
grau do Inverno austral. Aqui não tem lareira. Aqui não tem grosso
edredom. Aqui só a vida quente que habita temporária na tua carne
pode te prover do conforto que anseias. Busca isso e joga num papel
pra não queimar!
REVISTA 3 BEATBRASILIS
Beatbrasilis
# Número 7
(Agosto de 2011 [INVERNO])
Colaboraram nesta Edição:
Aless B.; Altair de Oliveira; Elena Caracoles; Fabrício Busnello; Fernando Ursáries; Gary Snider; Gerald Iensen;
Guilherme Rocha; Janaina Marques; Jim Duran; Jotapê Antunes; Mauro Cass;
Orlando G. da Silva; Padre Ezequiel; peixoto
Conselho Editorial:
Fabrício Busnello; Gerald Iensen; Guilherme Rocha; Jim Duran; Leandro Durazzo;
Mauro Cass; Vitor Souza
Diagramação:
Vitor Souza
Sobre:
Beatbrasilis é um coletivo cultural.
Revista Beatbrasilis é uma publicação on-line e sazonal.
Contato:
beatbrasil@gmail.com
http://beatbrasilis.wordpress.com
Reprodução:
Ainda não decidimos sobre que licença usar. Portanto, caso queira reproduzir
qualquer texto ou parte desta edição, favor contatar o Coletivo pelo e-mail acima.
DARK OFÉLIA descalça e vestida com uma dessas saias de bailarina clássica. Carrega na
mão uma taça de champagne e fala sobre o namorado que anda enfrentando
alguns problemas e, de repente, ela derruba todo o conteúdo da taça na
POR JIM DURAN própria cabeça com uma expressão que beira a apoplexia. Assim é o
monólogo “Ofélia”, escrito e dirigido por Ronaldo Ventura.
BEATBRASILIS: Como foi que surgiu a idéia de trazer a personagem RONALDO VENTURA: Ah, sim!! Ainda mais em Shakespeare. Ainda mais
Ofélia para a atualidade? Foi difícil colocar no papel? em Hamlet! Eu tenho uma idéia para uma trilogia, que inicia com Ofélia,
outra peça só com os coveiros, e outra ainda com um dos atores que se
RONALDO VENTURA: A idéia surgiu quando percebi que as heroínas que apresentam no castelo.
eu assistia no teatro não diziam nada para minhas alunas, nem para minhas
colegas de faculdade, ou seja, as garotas não se reconheciam em nenhum BEATBRASILIS: Dar a Ofélia uma problemática atual, um universo junkie
discurso que lhe era apresentado. Senti a necessidade então, de escrever esse e mesmo assim manter sua
discurso. E a personagem Ofélia original tem um apelo muito forte, originalidade shakesperiana é
TODOS gostam dela, e isso me levou a pensar: ‘por quê?’, o que atrai tanto sinal da contemporaneidade do
numa figura tão frágil?’, ‘e se ela não fosse frágil?’, ‘e se ser vítima for uma bardo inglês?
opção?’, ‘e se ela não for vítima, mas sim mal compreendida?’, e por aí foi...
Essas dúvidas me levaram a escrever Ofélia como está escrita hoje. Foi
REVISTA 6
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RONALDO VENTURA: Porque Shakespeare ainda é montado? Porque ele
diz algo ainda necessário! Não é só uma questão ‘arqueológica’, não é?
Enquanto autor, ele conseguiu criar personagens extremamente humanos,
com medos e raivas tão plausíveis, que os fazem serem reconhecidos no
mundo todo. Eu duvido que haja alguém no mundo que nunca tenha
ouvido – ou dito - algo como ‘há algo de podre no reino da Dinamarca’ ou
‘Ser ou não ser, eis a questão’.
BEATBRASILIS: Como foi que você chegou à atriz? Ela foi a primeira
escolha?
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chocante. A força da Ofélia então é essa... Estava ali, escondida no meio das
drogas, do sexo, do consumo. Quando eu li o texto eu falei pro Ronaldo:
‘eu enxergo a personagem como uma fruta, assim ó: até determinado ponto,
ela é só casca, até o final do espetáculo ela é o miolo’ (risos). Pode parecer
uma metáfora estranha, mas funcionou para o nosso processo, até os
próprios exercícios partiram disso: Inicialmente as ações eram feitas de fora
pra dentro: gestos, coreografia, vozes pré-estabelecidas geravam uma cena.
Depois o processo foi de dentro pra fora, determinados sentimentos como
medo, insegurança, solidão geravam um corpo, uma voz, uma cena.
REVISTA 8
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ser explorados. Como eu estava em busca de técnicas de atuação, cada sórdidos, porque eles são baseados em sentimentos humanos que todos
quadro da Ofélia partiu de determinados exercícios que geraram um corpo, temos ou tivemos em algum momento, em alguma circunstância... Mas
um sentimento, uma voz. A parte física da personagem foi a partir das especificamente na Ofélia, acho que eu possuo um pouco do humor trash
pesquisas que o diretor faz há mais de dez anos sobre a Antropologia dela, do sarcasmo, do medo de se mostrar frágil, de se apaixonar, também
Teatral. Cansativa, trabalhosa e recompensatória. Para a parte psíquica, li perdi meu pai quando eu era nova, também acho que ‘a vida é uma piada
Freud e algumas versões sobre a personagem, entre eles um trabalho sem graça contada por um sujeito com senso de humor suspeito’. Talvez a
acadêmico que pegava o texto clássico e analisava a personagem não como diferença seja que a solidão não me faça tão mal quanto a ela, acho que
uma mulher frágil, pura e apagada, mas muito pelo contrário, a autora quanto mais você mente pra si mesma pior é quando você descobre a
afirmava que Ofélia tinha muita personalidade ao manter uma relação com verdade, então eu tento não mentir pra mim, pois senão certas descobertas
Hamlet mesmo sem a autorização de seu pai, ao testar o Hamlet e fazê-lo se tornam piores.
assumir que a enviava cartas, e questioná-lo quando ele recusa tal ato. ‘Sabes
muito bem que o fez’. Essas características não são típicas de uma mulher BEATBRASILIS: Como é fazer teatro hoje em dia?
sem personalidade. Esse trabalho foi interessante porque nos mostrou que
estávamos no caminho certo. ANA CECÍLIA REIS: É lutar contra o frio, contra a preguiça, contra a
lógica, contra a racionalidade, contra ‘os sentidos vagos da razão’ como
BEATBRASILIS: Ofélia é confusa, baila entre a ferocidade da mulher e a disse Cazuza. É matar um leão no café-da-manhã, de olho na gazela do
sofreguidão da adolescente que sofre com um amor instável. O que é mais almoço, sabendo que ainda deve ter um ou dois jacarés antes de dormir. E
próximo da realidade? isso todo dia.
ANA CECÍLIA REIS: Não vejo separação. Nós mulheres somos malucas, BEATBRASILIS: Quais os planos da Ofélia?
somos assim mesmo, transitamos entre essas personas o tempo inteiro, e
muitas outras mais (risos). ANA CECÍLIA REIS: Tentar conquistar o mundo!
ANA CECÍLIA REIS: Ah, muitas coisas. Acho que você sempre vai
descobrir identificações com qualquer personagem, mesmo os mais
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MÚSICA
UM GINETE
NA TORMENTA
Por Fabrício Busnello
Pois agora, enquanto escrevo esse pequeno texto numa noite cheia de chuva
aqui em Porto Alegre, me comovo de verdade ao perceber que já fazem
alguns dias em que se completaram os 40 anos da prematura morte do poeta
roqueiro bonitão, do Rei Lagarto, do garoto assombrado por tribos inteiras
E é isso mesmo: pra mim Jim Morrison sempre queimará seus demônios
sob o sol escaldante de alguma praia do Oceano Índico, e não na escuridão
lacrada e fria de uma tumba de um cemitério francês. E tudo isso há 40
fudidos anos, caras!
Fabrício não voa alto porque não precisa, pois as coisas que mais ama estão aqui embaixo. Vivo desde 1976, foi
aprendendo desde cedo a amar a estradas, passando com a família pouco tempo em muitas cidades. Colorado, Gaúcho e
Brasileiro, acabou por formar-se em Turismo por pura conveniência. Nasceu mestre em Vagabundagem, e tenta
aprimorar esta vocação enquanto ronca em ônibus que rodem pelo sítio que mais ama nesse mundo: a América Latina!
Para os que desconhecem Georges Bataille, um aviso: falarei de merda, Agora peço para que encarem o sol. De preferência, o sol do meio-dia num
evitando falar merda. dia sem nuvens. Arrisco dizer que você aguentou poucos segundos e logo
virou os olhos. Qual a razão de você desviar os olhos daquilo que mais se
Começo apresentando o básico — Bataille que articulou, em sua filosofia, assemelha a deus? O sol que dá vida às águas, às flores, aos bichos, a nós. O
uma reflexão de tudo que é repudiado pela sociedade “cível”. Sua filosofia sol que permite nossa existência, enfim. Como explicar essa resistência? De
reconhece, sem maiores pudores, o lado perverso da vida. Ele honra o lugar acordo com Bataille, essa resistência pode ser comparada à resistência de
A filosofia de Bataille não deve ser entendida com uma homenagem gratuita
à escatologia e à morte, mas sim como uma proposta honesta para o estudo
e aceitação de nossa natureza “asca” — nosso sangue, nossa merda, nosso
corpo em putrefação, nosso caos. Algo como “ode a um tolete em uma flor
morta, ou: a vida é bela, mesmo com seus detalhes sórdidos”. Amém.
RELIGIOSIDADE BEAT a condenarem ativamente as guerras, fundar comunidades e amarem-se uma às outras.
Em parte, elas são responsáveis também pela mística dos "anjos", a glorificação das
POR GARY SNyDER viagens a pé e das caronas, bem como por uma forma de entusiasmo inconsciente. Se
respeitam a vida, não respeitam a sabedoria da impassibilidade e da morte. E isso é uma
falha delas.
A religiosidade a que nos referimos é mais resultado da prática e da experiência pessoal
3. Disciplina, estética e tradição. Essas tendências são bem anteriores ao aparecimento
do que de uma teoria aprendida. A afirmação que se ouve geralmente em certos círculos
segundo a qual "todas as religiões levam ao mesmo fim" é conseqüência de um oficial da geração beat. Diferenciam-se da doutrina "Tudo é um" na medida em que seus
pensamento totalmente falso que não é justificado por nenhuma prática. É bom lembrar praticantes estabeleceram uma religião tradicional, tentaram incorporar o sentimento de
que todas as religiões contêm noventa por cento de fraude e são responsáveis sua arte e de sua história, e praticam qualquer ascese que for necessária. Uma pessoa
por numerosos males sociais. Dentro da geração beat verifica-se a existência de três pode tornar-se um dançarino aimu ou um xamã yurok, ou até mesmo um monge
tendências: trapista, se ela realmente o deseja. O que falta nesse tópico, é o que os dois primeiros
possuem, ou seja, uma existência perfeitamente adaptada à realidade do mundo e
1. Procura de visão e da iluminação. Esse resultado é obtido geralmente pelo uso percepções realmente verdadeiras do inconsciente.
sistemático de narcóticos. A marijuana é um recurso de consumo diário e o peiote é o
A conclusão prosaica é a seguinte: se uma pessoa não for capaz de compreender todos
verdadeiro estimulante de percepção. Tanto um como o outro são complementados às
estes aspectos – contemplação (que não seja pelo uso de drogas), moralidade (que
vezes por práticas iogas, álcool e similares. Embora uma boa parte de auto-consciência
significa para mim protesto social) e sabedoria – ela não estará à altura de levar uma
possa ser obtida pelo uso inteligente de drogas, o hábito de estar "dopado" não conduz a
autêntica vida beat. Mesmo assim, ela poderá ir bastante longe nessa direção, o que
nada porque falta exatamente inteligência, vontade e compreensão. Uma sensação
é preferível a ficar rodando pelas salas de aula ou escrever tratados sobre o budismo e a
puramente pessoal, obtida às custas de um narcótico, não beneficia ninguém.
felicidade das massas, como fazem os quadrados com tanto sucesso.
2. Amor, respeito pela vida, abandono, Whitman, pacifismo, anarquismo, etc. Todas (Retirado de "Geração Beat (antologia): apresentação e compilação de
essas tendências são provenientes de inúmeras tradições, entre as quais a religião Qua- Seymour Krim, tradução de Marcello Corção, editora Brasiliense, 1968").
SERMÃO POR padre ezequiel dele. Não é só YHWH do Velho Testamento, nem mesmo só Pai de Jesus Cristo
crucificado. Deus é o inacessível, inconcebível e altivo Senhor que não se pode atingir,
não se pode enxergar nem sequer cogitar. É a fonte e o fim, o caminho do meio da
experiência.
Orai sem cessar, dizem os evangelhos. Orai sem cessar também dizem os velhos
praticantes do caminho hesicasta. Os padres do deserto, os monges do deserto, os
Orar sem cessar faz cessar a atenção ao si-mesmo. O místico, ao orar com o coração,
sinaítas e os velhos vagabundos ortodoxos do cristianismo russo dizem mais: dizem
esquece de si e de sua pretensão, a saber, qualquer coisa, esquece sua intenção de fazer
“orai sem cessar a prece do coração”.
qualquer coisa, e só ora. Orando com o coração e não com a mente, esquece de buscar
entender claramente o que é Deus ou o mundo, esquece de tudo e se coloca a meio
Que quer dizer a prece do coração? Que é orar sem cessar? Os relatos do peregrino
caminho de todas as certezas.
russo, textos anônimos do século XIX, contam a jornada de um pobre de Cristo,
andarilho sem parada que carrega às costas pouco mais que um naco de pão e, na camisa,
A suprema integração e entrega é causa e o efeito desse modo de ser. A prática da
a Bíblia. Eis tudo que é preciso para que se aprenda a orar com o coração, na humildade
repetição, a constante permanência frente à face de Deus, o ininterrupto clamar por seu
da busca tranquila.
nome, tudo faz o homem caminhar para as brumas luminosas do desconhecido, em que
se dissolve e se eleva.
Pelo caminho dos hesicastas descobrimos o misticismo cristão, o repetir incessantemente
o nome de Jesus Cristo nosso Senhor, e, por meio disso, e junto a isso, fazer acalmar
A prece permanente, a atenção permanente ao nome, ao todo que constitui a vida, tira o
nossa mente e coração das turbulências desse mundo.
centro de si mesmo e o abre ao outro, ao próximo e ao distante. Aberto, em oração, cada
um de nós pode se tornar o caminho para a ação compassiva e doadora, para a plena
Que quer dizer a prece do coração? Quer dizer que unindo a mente e a fala a Deus no
atenção à vida e para a reação imediata às condições e circunstâncias que a vida
momento da oração, em todos os momentos, o homem é capaz de tranquilizar o tempo
apresenta.
que ronda sua angústia e seus problemas. Pelo coração unido a Deus o homem encontra
a paz e a calma no mundo, e segue despreocupado pelo caminho, confiando na fé e na
Vigiai e orai, para que os pensamentos não atrapalhem vossas ações.
salvação.
Eu sabia que uma vez estando em Sousa, na pior das hipóteses, teria uma
tarde livre para dar uma volta pela cidade, ver coisas, conversar com as
pessoas e assimilar um pouco desse sertão que não conheço em nada além
da literatura e de um imaginário popular. A idéia era aproveitar esse tempo
para refletir um pouco sobre “local” e tecnologia. Consciente porém de que
“local” é sempre construção.
Não li nada sobre Sousa antes da viagem. Sabia da existência do Vale dos
Dinossauros [4], mas não era meu foco. Passei por lá rapidamente apenas
para atender a um desejo do meu filho e fiquei um pouco triste com o
descaso que vi. Sabia também que havia uma descoberta recente de petróleo
na região, mas não tive tempo de investigar o assunto.
São sete horas de viagem de ônibus para Sousa. Levei coisas para ler e para
ouvir, mas sempre acabo curtindo muito a paisagem. O dia estava da cor
Falar de água no sertão pode parecer meio cliché, mas, será? Antes de dizer
qualquer coisa sobre água e tecnologia preciso de algumas investigações,
mas, de qualquer forma, só o vislumbrar de uma possibilidade já me anima
bastante. É que nessa estória de doutorado e as conversas em rede, talvez,
Orlando G. da Silva está aprendiz de pesquisador e se interessa por colaboração, actor-network e Internet. Sua grande escola nos
últimos anos tem sido a MetaReciclagem e por extensão o coletivo MutGamb. Vislumbra, enquanto um conceito em ação, o reacesso e
repensa-pratica-discute a ressignificação da Administração como professor no Campus da UFCG em Sousa, sertão da Paraíba.
REVISTA 26 BEATBRASILIS
SOCIEDADE
COMUNIDADE COCEIRA,
O PÉ-DE-ATLETA DA SUZANO
POR Gerald Iensen
Diz o ditado que “a polícia é boa até que se precise dela”. E assim
percebemos o funcionamento de tantas instituições por aí. Está na voz das
comunidades, pelo menos na daqueles que apesar dos Golias, ainda lutam
pelos seus direitos. Em visita ao Polo Coceira, é observação comum em
qualquer uma das comunidades que o compõem, ouvir que o ITERMA
chega pra medir uma área em três dias, se for chamado pela Suzano, ou por
algum “gaúcho”. Mas se for pra praticar algum ato em prol da comunidade Com o baixão diminuindo, diminuem os peixes...
a demora é longa.
E-LUMINADOS
algumas alminhas arde o volume de um microfone plugado, que quer
espalhar fogo e palavras de rechaço aos vermes do mundo. Quanto mais
tratarem de jogar água em seu fogo, mais estarão dispostos a denunciar o
lixo do mundo. Burgueses, parem com isso de burguesear, e marionetes,
Por Elena Caracoles
parem com isso de marionetar, deixem de perceber apenas seus umbigos e
passem a perceber tudo. Esse circo já perdeu a graça há muito, porque os
palhaços já não carregam a tristeza pura que faz do palhaço um ser querível,
eles passaram a sorrir para tudo e todos, já foram rebaixados a bobos da
corte. E os burgueses, os adestrados adestradores, submersos em tanta
destreza e deficientes em carisma, repetem demais os mesmos números. Já
entendemos que a meta é fazer o cão alegre e faminto passar pela roda de
fogo sem se queimar, saindo ileso com no máximo umas chamuscadas, e
depois que rumem a suas casas pensando que viveram uma linda experiência
de domingo. O cachorrinho vai cansar de tanto pular, mas haverá de
sobreviver e será devidamente recompensado. O adestrador estará contente,
certo de sua superioridade e de que não, suas técnicas não lhe haverão de
falhar jamais. A pipoca anda sem sal, porque o público tem pressa em
instalar-se nos melhores lugares, então jogar sal na pipoca é perda de tempo,
e todos sabemos qual é o sinônimo de tempo para os donos do circo. O
algodão doce já nem lembra mais as nuvens, porque com tanto edifício,
cadê elas?
A tal chuva forte por fim cai. Está caindo agora, bem aqui na minha cabeça, O que temos então sob esta lona? Cachorros famintos, competentes e
bem agora no dedão do meu pé. Está regando a minha ânsia por fogo, inacreditavelmente alegres, adestradores gordos, competentes e muito mais
aquele que eu sonhei que botava no mundo. Mas a água rega o fogo ou alegres, uma pipoca da semana passada e sem sal, e um público satisfeito,
apaga? Aí depende: da intensidade do fogo, do clima favorável, das condi-as porque é pra isso que se paga ingresso: pra ver o cachorrinho pular, o palha-
O grupo Anonymous assim se faz chamar já que seus membros não revelam
sua identidade. Afinal, por que o fariam? Não estão preocupados com que
saibam quem o diz, estão é ocupados em dizer, denunciar e convidar (e,
obviamente, precisam esquivar-se dos porcos malditos). Um grupo de eus e
vocês que não aceitam mais a farsa toda, que não aceitam mais a tensão que
paira sob este silêncio inquietante.
O lema do Anonymous:
O conhecimento é livre.
Somos anônimos.
Somos legião.
Não perdoamos.
Não esquecemos.
Esperem-nos!
Os e-luminados não falam só por outros, falam por si e pelo mundo, falam Elena Fernandes é uma trotamundos que não sossega nem geográfica
porque quando existe luz, ela deve cumprir seu papel, que é o de e-luminar. nem socialmente: se mandou de Porto Alegre para Londres, de Londres
(e se a revolução se fizesse ao chorar?) voltou ao sul brasileiro após 2 anos de chuva fina e festas malucas, do sul
brasileiro rumou a para Buenos Aires, onde viveu feliz e porteñamente
por 3 anos, e atualmente é educadora no interior da Bahia. Sonha em ver
A não-violência, a consciência, a resistência a provocações e outras um mundo anarquista, portanto harmônico, e em ter quatro filhos mais
perversões. Detectar mentiras de longe e mostrar os dentes, feito um lobo. brilhantes do que as estrelas do logotipo desta revista. É seguidora de St.
Há que se abrir a boca para mostrar os dentes. Quem fecha a boca e nem John Lennon e Godard, de Eduardo Galeano, Bakunin e Allen Ginsberg.
Ultimamente, se refestela no mar quase que diariamente e está sofrendo
sequer consegue rosnar, não deixa o mundo saber de seus dentes, não late
lindas metamorfoses por essa coisa de professorar.
Passei a mão nos seios de Eliana bem devagar. Mas logo nos deitamos junto Peguei o maldito frango e levei-o para casa. Pobre criatura... mal dava para
à raleigh, tiramos a roupa e começamos a transar. Eu olhava o rosto de rechear uma coxinha. Minha única
Eliana, mas observava também a raleigh. Parecia que trepava com as duas. esperança era que o humor de seu Artur
Mas fomos surpreendidos por seu Artur: melhorasse e fizesse com que ele
resolvesse me pagar. Mas sabia que isso
- Filho de uma puta! Vou matá-lo, Catranckels! demoraria.
Enquanto seu Artur entrou na casa para pegar sei lá o quê, aproveitei e saí Quando cheguei em casa, para piorar o
correndo com as minhas roupas na mão. Da esquina eu ouvia os gritos da dia, ouvi a péssima notícia no rádio:
pobre Eliana. E fiquei sem o pagamento pelo serviço.
REVISTA 37
REVISTA 37 BEATBRASILIS
BEATBRASILIS
“EVALDO BRAGA, O ÍDOLO Construí então uma rinha no quintal. Alguns meses depois, quando
NEGRO, FALECEU HOJE Evaldinho já havia crescido, fui ao bar que o Seu Artur costumava
VITIMA DE ACIDENTE frequentar e contar as glórias dos seus temidos galos de briga e o desafiei.
AUTOMOBILÍSTICO”. Ele riu.
Era muita desgraça para um único Uma semana de apostas. Empenhei o Evaldinho que, até então, tinha valor
dia. Deixei o franguinho no quintal e menor que um colega seu numa bandeja de supermercado. Até tentei subir
fui pra sala. Lá coloquei um lp do o seu valor ao fazer provocações ofensivas a seu Artur. Mas soavam como
Evaldo Braga na vitrola e deixei blefes. E chegou o dia da luta. Seu Artur trouxe 3 galos e um deles era um
tocando. Horas depois lembrei do garnizé. Um mediano e o mais fodão de todos, que ele disse só ter trazido
frango. Só tinha um punhado de para "assistir o primeiro combate". Velho escroto! Vieram também os seus
milho de pipoca para ele comer. Fui bajuladores da máfia da rinha, onde o próprio era o capo. Eu trouxe o
levar o milho numa tigela quando vi o galinho com as penas do pescoço Evaldinho para a rinha com uma capa preta escrito "O VINGADOR" nas
todas eriçadas procurando algo para brigar. Deixei o milho e voltei pra sala. costas.
No dia seguinte, o galinho estava mais calmo. Comprei ração e dei a ele.
Entrei na sala e comecei a ouvir Evaldo Braga novamente quando ouvi um Primeiro combate: Evaldinho vs. O Garnizé.
barulho no quintal: era o maldito frango brigando com o vento novamente.
O galinho até que tentou. Mas como era conhecido como piada até pelo
Desconfiei e fiz vários testes tirando e colocando o disco para tocar e dono, fez jus a tal. Correu do ringue aos primeiros acordes de 'Meu Deus'
percebi que, quando ouvia alguma música do Evaldo Braga, o franguinho se do Evaldo Braga. Seu Artur pegou o garnizé, torceu-lhe o pescoço, deu-me
enfurecia. Comecei a pegar amor pelo bichinho. Dei-lhe o nome de o galinho morto e me falou:
Evaldinho.
- Faça uma canja com ele, Catranckels.
Arrumei outro trabalho e, com parte do pagamento, saí do sufoco. Sobrou
algum até para comprar biotônico para o Evaldinho. Treinava ele todos os - Traga o próximo, Artur.
dias, ao som de Evaldo Braga. Usava até um espelho para treiná-lo, espelho
este que ele chegou a trincá-lo com uma bicada. Segundo Combate: Evaldinho vs. O Galo Mediano.
Evaldinho esboçou uma reação. Mas foi pouco. Aumentei mais ainda o "SINTOACRUZQUECARREGOBASTANTEPESADAJÁNÃOEXISTE
volume da vitrola. ESPERANÇANOAMORQUEMORREUASOLIDÃOAMARGURADES
PREZOEMAISNADAVOULAMENTANDOASORTEQUEAVIDAME
"SINTO A CRUZ QUE CARREGO BASTANTE PESADA DEU"
JÁ NÃO EXISTE ESPERANÇA
NO AMOR QUE MORREU EVALDINHO se descontrolou por completo e acabou com o franguinho
A SOLIDÃO, AMARGURA fodinha. Mas não parou por aí. Saiu da rinha e distribuiu bicadas e
DESPREZO E MAIS NADA esporadas para todos os lados. Saímos correndo e fomos para a rua.
Fiquei sabendo que Eliana havia sido internada num colégio de freiras, de
onde nunca mais saiu. Ganhei de presente a raleigh azul do Seu Artur.
EVALDINHO, infelizmente, se meteu a besta com Cabrunco, o cão fila da
vizinha, Dona Alice, e veio a falecer. Fui pego no Cemitério do Caju, no
Rio, ao tentar enterrar EVALDINHO, acusado de estar fazendo um
despacho. Subornei os guardas e EVALDINHO está lá até hoje, ao lado do
ídolo negro, EVALDO BRAGA.
Um dia espia
Cai no amarfanhado desencontro das lides
Um dia a casa roda
No espelho pérfido do tempo
Nas crostas incrédulas das margens
Um dia os bêbados
Em carne e osso de melíferas horas
Encontrarão o estampido do gozo
Um dia os reis
Estropiados por farrapos exposto
Estarão vis como o barco de Barrabás
Um dia os cântaros
Pintados como unhas trigueiras
Indicarão o rumo do sol
Do pó ao gume
Do lume ao som
Do bom ao sal
Do mal ao mar
Aless.b iniciou a vida como homem de cultura acadêmica, prof. doutor,
Do mar ao céu interessado em estruturalismos. Já achou que era muita coisa, agora sabe que
Do céu ao léu... não se deve achar muita coisa, e sim, viver muita coisa. Vive numa comunidade
de pescadores no norte do Brasil. É casado e gosta de Old Parr.
cruzaste todos esses campos com ela ao teu redor meu amigo, parece que agora despertas
então porque estranhas agora o seu abraço frio? parece que finda um perturbado descanso
parece que é uma música que já ouvistes
as maravilhas que carregavas nos teus olhos agora mas não tem porque lembrar
caem e se prendem nas brancas teias do tempo
e o terror que habitava sob tua cama sobe no teu afasta a vida de teu peito como se fosse
peito e já caminham lado a lado - tu e ele - um pesado manto num árido deserto
mesmo que não tenham pernas seguem pela estrada do eterno
em direção da parte mais estranha deste agradável abre os olhos:
sonho que te enche a cabeça com um som igual e se agora estas moedas de prata te ocultam a visão
ao de um milhão de abelhas e dentro dele mesmo o pingo de é porque são a maior prova de que navegas no barco de Caronte!
tristeza que ainda carregas contigo torna-se doce como o mel
e descortina-se diante de ti-sem-forma todo o desenho
do Sagrado e ali tu já te encontras sentado
Ela chegou à casa de noite, umas sete. Reclamou de tudo; da louça na pia, da TV ligada, dos meus pés na mesa, do litro quase vazio. Começou a arrumar um
pouco a casa, batendo em tudo que era possível. Repetia o tempo todo: "assim não dá mais, eu não agüento" e batia a vassoura; "assim não dá mais, eu não
agüento" e batia as louças; "assim não dá mais, eu não agüento" e batia a porta da geladeira; "assim não dá mais, eu não agüento"... então atirou... no meio do
peito. Ela caiu convulsionando, espirrou sangue no teto e na tela da TV, escorria bem na cara do apresentador; os olhos dela, arregalados, piscavam
impressionantemente rápido; um antebraço levantado começava a cair lentamente. Atirou mais duas vezes; dessa vez na cabeça. Saiu pra comprar cigarros e
uísque; com jeito de que iria pra casa da mãe.
Também sonhou que se masturbava. Acordou com as mãos entre as pernas, meio assustada, meio constrangida. Olhou para as mãos e o caldo que sentia
cristalino era agora vermelho, com cheiro de peixe fresco: menstruação... Rolou no chão esbarrando em garrafinhas de vodka wiborowa vazias; pensou no
inútil namorado, que, enfim, conseguira expulsar de casa. Talvez aquele sonho estranho, meio poético, meio sintético seja o resultado de um futuro que se
perdeu no passado. Aquele diabo seria seu futuro pouco brilhante ao lado do poeta, que apesar de gostoso, era pouco asseado. Passou, já era... Levantou-se
olhando o sangue nas mãos, feliz por se certificar que o maldito não lhe tinha legado um ventre recheado...
DO RIO À CAMA
Por Janaina Marques
Depois de uma noite de sábado conturbada, que por um momento pode ser
ruim, mas diz respeito ao grau de badalação de uma saída, pegou um ônibus
às dez da manhã e partiu pra capital do seu estado, era cativa do centro-
oeste, nascida tão longe dali, mas criada na cartilha mato-grossense, com
todos os nhos comidos das palavras, com todo coentro no pastel, com todo
o pequi na galinhada que não gostava, com toda a catira que viu todos esses
anos, mas nunca dançou. Viagem longa, quinhentos quilômetros eternos
devido à sossegada prática de arrebanhar os passageiros nas porteiras de
suas chacrinhas. Chegou na capital o sol já havia caído, mesmo com aquela
Lua Cheia engolindo a cabeça parecia que o Sol tinha ido dormir e tirou sua
roupa quente deixando-a sobre a cidade. Na rodoviária esperou, esperou o
moço com o qual havia combinado se encontrar, era amigo de uma amiga quanto o seu sorriso, assim ela tomou um banho rápido e o rapaz
sua, era o primeiro contato entre os dois, logo se reconheceram naquela rapidamente sugeriu uma saída pela capital. Foram para a casa de um casal
vasta rodoviária e entre malas e simpatia se abraçaram, as malas se de amigos do moço, logo ela se enturmou, comunicativa que era não foi
acomodaram no porta-malas e seguiram viagem para a residência do difícil se socializar, dadas três da manhã decidiram retornar para casa,
simpático moço. No caminho conversavam como se conhecessem há chegando lá não se contentaram em simplesmente dizer boa noite e dormir,
tempos, chegaram na casa do hospedeiro de uma família hospitaleira tanto ficaram conversando por horas a fio de assuntos variados, de corte e costura
Janaina Ferreira Marques Silva, paulistana de nascimento e matogrossense de criação, aos 20 anos é graduanda
em Economia apaixonada pelo estudo do comportamento humano e por escrever sobre qualquer assunto,
sexo e economia sempre estão na ponta da língua.
Encher o fornilho com tabaco é feito com atenção, com carinho. É uma
carícia que tem que ser feita com atenção, com o dedo preenchendo o
espaço lentamente. Depois vem a chama que toca de leve a superfície do
tabaco, tornando-se espetacularmente vermelho como um entardecer nos
desertos. O aroma se solta em espirais que bailam saindo do fornilho
deixando um pequeno lembrete que ali há alguém vivendo plenamente. As
mãos ficam aquecidas e o corpo relaxa. Capaz de ficar mais de uma hora
fumando, sem pressa, existe campeonatos de fumadas lentas que, um dia,
pretendo participar.
Me veio à mente agora uma cena típica de meus dias em Salvador. Era já
alta madrugada enquanto eu fazia o caminho Rio Vermelho-Amaralina.
Ventava um pouco enquanto eu segui calmo para minha casa e cantarolava