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Pois bem, não seriam os debates dos candidatos Republicanos – para prolongar
a metáfora – muito semelhantes a essa reunião do filme de Buñuel? E o mesmo
não valeria também para muitos dos principais políticos no mundo hoje?
Erdoğan não estava também defecando em público quando, num recente
estouro de paranoia, taxou os críticos a sua política em relação Curdos como
traidores e agentes estrangeiros? E Putin não estava também defecando em
público quando (em um ato calculado de vulgaridade pública que visava
elevar sua popularidade em casa) ameaçou um crítico de suas políticas para a
Chechênia de castração química? E, por fim, não estava Sarkozy também
defecando em público quando, lá em 2008, estourou com um fazendeiro que se
recusou a apertar sua mão – “Casse-toi, alors pauvre con!” (uma tradução
generosa seria algo como “Então sai fora, seu idiota!”, mas seu real significado é
muito mais grosseiro) –?
Pode parecer que essa desintegração está sendo relativamente contraposta pelo
crescimento do “politicamente correto”, que prescreve exatamente o que pode
e não pode ser dito; no entanto, um olhar mais atento imediatamente revela
como a regulação dita “politicamente correta” participa do mesmo processo de
desintegração da substância ética. Para demostrar esse ponto, basta retomar o
impasse do politicamente correto: a necessidade de regras “politicamente
corretas” surge quando os valores não ditos de uma sociedade não são mais
capazes de regular efetivamente as interações cotidianas – no lugar de
costumes consolidados seguidos de forma espontânea, ficamos com regras
explícitas (“negro” se torna “afro-americano”, “favela” se torna
“comunidade”, um ato de “tortura” passa a ser denominado oficialmente de
“técnica aprimorada de interrogação”… de tal forma que “estupro” poderia
muito bem passar a ser chamado de “técnica aprimorada de sedução”). O
ponto fundamental é que a tortura – um ato de violência brutal praticada pelo
Estado – passa a ser tornada publicamente aceitável a partir do momento em
que a linguagem pública se verte ao politicamente correto para proteger as
vítimas da violência simbólica. Os dois fenômenos são lados da mesma moeda.
Essas tiradas grosseiras funcionam para indicar que Trump não está nem aí
para os falsos costumes, que ele pode dizer “abertamente o que ele (e muitas
pessoas comuns) pensam.” Ou seja, ele deixa claro que, apesar de ser um
empresário bilionário, ele é também um sujeito ordinário e vulgar assim como
nós, pessoas comuns.
No entanto, essas vulgaridades não devem nos iludir: o que quer que Trump
possa ser, ele não é um perigoso elemento externo. Na verdade, seu programa
é até relativamente moderado (ele reconhece muitas das conquistas
democráticas, e sua posição em relação ao casamento gay é ambíguo). A função
de suas provocações “refrescantes” e estouros vulgares é precisamente a de
mascarar a incontornável ordinariedade de seu programa.
Seu verdadeiro segredo é de que se, por algum milagre, ele ganhar, nada vai
mudar – em contraste com Bernie Sanders, o candidato democrata de esquerda
cuja principal vantagem sobre a esquerda liberal, politicamente correta, é que
ele compreende e respeita os problemas e os medos dos trabalhadores e
fazendeiros comuns. O duelo eleitoral realmente interessante seria aquele entre
Trump como candidato Republicano contra Sanders como candidato
Democrata.
Mas por que falar de educação, polidez e modos em público hoje, num
momento em que estaríamos diante de problemas muito mais urgentes e
“reais”? Bem, porque os modos importam sim – em situações tensas, são uma
questão de vida ou morte, uma linha tênue que separa a barbárie da
civilização. Há um fato surpreendente sobre os mais recentes estouros de
vulgaridade pública que merece ser ressaltado. Em 1960, vulgaridades
ocasionais eram associadas à esquerda política: revolucionários estudantis
muitas vezes usavam linguagem comum para enfatizar sua distância da
política oficial, com seus jargões polidos. Hoje, a linguagem vulgar é
praticamente apanágio exclusivo da extrema direita. De forma que a esquerda
se vê na espantosa posição de defensora da decência e dos modos públicos.
Mas a verdadeira lição a ser registrada aqui é a seguinte: o real problema está
na própria fragilidade da posição moderada “racional”. Porque o fato é que
o discurso capitalista “racional” já não convence mais a maioria da população,
que está em verdade muito mais propensa a endossar uma posição populista
anti-elitista. E isso não deve ser descartado como um mero caso de
primitivismo das classes baixas: os populistas corretamente detectam a
irracionalidade dessa abordagem racional; sua ira contra as instituições
anônimas que regulam suas vidas de forma intransparente é, nesse sentido,
completamente justificada.
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