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não eram vistos como ‘médicos de verdade’. En- mente explicam, fazem o seu ‘cérebro funcionar
tão, no início dos anos 1970, o psicólogo David anormalmente’.
Rosenhan, da Universidade de Standford, pu- Dessa forma, Freitas e Amarante descons-
blicou um estudo que publicamente humilhou troem o ‘mito’ da psiquiatria moderna passo a
a profissão. passo. Em seguida, revisam a literatura de resul-
Rosenhan e outros sete voluntários ‘normais’ tados sobre antipsicóticos e antidepressivos. Essa
se apresentaram em hospitais psiquiátricos, afir- sessão talvez pareça particularmente surpreen-
mando que ouviam uma voz que dizia ‘vazio’ dente para leitores leigos. Um olhar atento à pes-
ou alguma outra palavra simples. Todos foram quisa revela que as drogas não proporcionam
admitidos e diagnosticados como ‘esquizofrê- particularmente um benefício maior em relação
nicos’, e ainda que eles se comportassem nor- ao placebo, nem mesmo em curto prazo, e que,
malmente dentro do hospital, nenhum membro a longo prazo, pacientes sem medicação – e isso
da equipe hospitalar – incluindo psiquiatras – é verdade até para aqueles diagnosticados com
identificou-os como impostores. Em contraste, esquizofrenia – têm melhores resultados.
os outros pacientes no hospital os reconheceram. Então, o que há para ser feito? Se o Brasil e
Os ‘loucos’ no hospital manifestaram muito mais outras sociedades têm organizado o seu cuidado
discernimento que os profissionais. em torno de uma falsa narrativa, quais novos
Essa humilhação – e outros desafios sociais caminhos podem ser achados para ajudar aque-
para a sua legitimidade – forçou a APA a refazer o les que sofrem com suas mentes? No seu capítulo
seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans- de encerramento, Freitas e Amarante descrevem
tornos Mentais (Diagnostic and Statistical Ma- um caminho à frente. Eles discutem vários pro-
nual of Mental Disorders, DSM). A corporação gramas terapêuticos, no passado e no presente,
profissional precisava apresentar os psiquiatras que têm focado em proporcionar um cuidado
ao público como ‘médicos de verdade’, e, em psicossocial e fazendo uso limitado – ou não –
1980, foi publicado o DSM III, que passou a ser de medicações, que têm provado ser bastante
propagandeado como um grande avanço cien- bem-sucedidos. Em particular, falam da aborda-
tífico, por passar a ser um manual de ‘doenças’ gem do ‘Diálogo aberto’ (Open dialogue) empre-
e de ‘transtornos’ reais que poderiam ser con- gada no norte da Finlândia, que tem produzido
fiavelmente diagnosticados. Mas, como Freitas notáveis resultados a longo prazo para as pes-
e Amarante escrevem, o DSM – que se tornou a soas diagnosticadas com transtornos psicóticos.
‘bíblia’ mundial da psiquiatria – não é baseado Em suma, os dois autores visam um novo para-
na ciência. Os diagnósticos são ‘constructos’ com digma de cuidados que possa ‘oferecer uma atenção
critérios de sintomas arbitrariamente definidos; psiquiátrica’ fora dos manicômios e que não crie
35 anos de pesquisa têm fracassado em validar pacientes crônicos. Em outras palavras, Freitas e
qualquer um dos transtornos mentais como Amarante visam um paradigma de cuidado que
doenças distintas. ajude as pessoas que lutam com as suas mentes
Com o DSM III em mãos, a psiquiatria ame- a verdadeiramente se recuperarem e poderem
ricana passou a nos persuadir a acreditar na levar as suas vidas da melhor forma possível.
noção de que depressão, ansiedade, psicose e
outros transtornos mentais são causados por
desequilíbrios químicos no cérebro. Essa narra-
tiva é a de que as doenças cerebrais podem ser
tratadas com sucesso por meio de medicamen-
tos. Mas, como os autores explicam, pode-se
considerar que a hipótese química tenha sido
derrubada em 1996, quando Stephen Hyman, à Nota
época diretor do Nacional Instituto de Saúde
Mental (NIMH) nos Estados Unidos, escreveu 1Tradução de Flávio Sagnori Mota e Nina Isabel
um artigo sobre como as drogas psiquiátricas Soalheiro, integrantes da equipe do Grupo de Pes-
‘perturbam’ a função normal do cérebro em vez quisa Desinstitucionalização, Políticas Públicas e
de corrigir um desequilíbrio químico. Remé- Cuidado da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
dios psiquiátricos, conforme os autores correta- Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).