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§ Matéria:
A matéria dos acidentes de trabalho, ocupa talvez 50% das questões juslaborais suscitadas. De
facto, quase metade dos processos dirimidos pelo tribunais de trabalho respeita a acidentes de
trabalho; situação que deriva, em particular da proliferação de tais infortúnios.
A disciplina jurídica dos acidentes de trabalho apresenta algumas especificidade com respeito
às regras gerais da responsabilidade civil aquiliana constantes nos artigos 483.º CC e seguintes.
Trata-se tão só de especificidades, porque a responsabilidade emergente de acidentes de
trabalho assenta nos pressupostos básicos da responsabilidade civil extracontratual
1 . Porém, tendo em conta as especificidades, justifica-se uma análise mais pormenorizada deste
regime, porque o direito de trabalho é direito privado especial.
Este diploma foi secundado pelo Decreto n.º 5637, de 19 de Maio de 1919, que generalizou a
responsabilidade pelo risco a várias profissões e instituiu a obrigatoriedade do seguro.
Atualmente vigora, desde 1 de janeiro de 2010 a Lei 98/2009, de 4 de Setembro (Lei dos
Acidentes de Trabalho, LAT), que, com pequenas adaptações e resolução de dúvidas, manteve
quase inalterado o regime até então vigente. Quanto à noção de acidente de trabalho,
reiterando a solução da Lei 100/97, regride em relação ao art. 284.º do CT2003.
Nos termos da legislação referida, vigora, com respeito aos acidentes de trabalho, um regime
de responsabilidade civil objetiva pelo risco. O Prof. Romano Martinez refere que na Lei dos
Acidentes de Trabalho não se encontra nenhuma referência expressa à figura da
responsabilidade objetiva. Porém, o disposto no art. 14.º da LAT, ao estabelecer que há o dever
de indemnizar salvo nos casos aí previstos, conclui-se que foi estabelecida uma responsabilidade
sem culpa. Só que contrariamente ao estabelecido no CC, em termos de responsabilidade civil
objetiva (art. 499.º do CC), em que por via de regra se determinam limites máximos de montante
indemnizatório (por exemplo o art. 508.º CC relativo aos acidentes de automóveis), em sede de
acidentes de trabalho os limites são determinados pela tipificação dos danos – na Tabela
Nacional de Incapacidades – e pelo estabelecimento de regras para o apuramento da
indemnização.
segurança social, através do disposto no art. 72.º da Lei 28/84, de 14 de Agosto (Lei
segurança social.
ser integrados no regime geral da segurança social, mas tal não ocorreu. Com a
regras de direito privado, para o regime público de segurança social. Contudo, como
burocratização, que não existe nos mesmos moldes num esquema de seguro privado,
e a sua falência económica. A estes motivos acresce que o setor segurador passaria
tarefas.
Tendo isto em conta, o legislador acabaou por não concretizar a substituição
Mas esta conclusão vale somente para os acidentes de trabalho e não quanto às
Doenças Profissionais.
não obsta a que não se faça referencia a este regime, até porque a LAT pretende
aplicando-se- lhes também as disposições gerais (artigo 1.º e 2.º da LAT) , e algumas
exteriores.
II - Contudo, o acidente de trabalho em termos naturalísticos pode não ser instantâneo nem
violento.
III - Deve considerar-se como acidente de trabalho o acontecimento anormal, de duração limitada,
de que resultou uma lesão na saúde da trabalhadora, consubstanciada numa alteração do seu
equilíbrio psíquico, com graves sequelas daí resultantes, que tendo ocorrido no tempo e no local
de trabalho, preenche os requisitos exigidos pelo art. 6.º, n.º 1 da LAT.
Caso:
(…) Podermos concluir que o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência dum acidente,
entendido, em regra, como evento súbito, imprevisto, exterior à vítima e que lhe provoque
uma lesão na saúde ou na sua integridade física e que este evento ocorra no tempo e no local
de trabalho. Mas estes requisitos podem não aparecer de forma tão nítida e evidente em todas as
situações.
Face ao exposto, vejamos então se é possível, atenta a materialidade apurada, concluir pela
existência dum acidente de trabalho.
Resulta desta que a Autora, sendo funcionária da TAP, ao serviço de quem exercia
funções de serviço de voo com a categoria profissional de assistente de bordo.
Logo após a descolagem, um passageiro começou a falar em tom de voz alto, indiciando
estado de embriaguez, o que foi notado pela tripulação e pelos passageiros, tendo-lhe o
comissário de bordo pedido que baixasse o tom de voz para não importunar os outros
passageiros.
Pouco depois, quando lhe foi oferecido um jornal, o mesmo passageiro tentou retirar do
trolley vários jornais, forçando com violência a entrega de vários exemplares, enquanto
dirigia insultos e impropérios à tripulação e à companhia, situação que foi comunicada
ao comandante e ao comissário da cabine.
E a certa altura, levantou-se do seu lugar de garrafa na mão e gritando e insultando o
comissário, seguiu pelo corredor, fazendo embater a garrafa no trolley, e quando se
dirigia para o cockpit, foi-lhe impedido o acesso por uma assistente e pelo comissário,
juntamente com o comissário de cabine, tendo a A conseguido convencê-lo a regressar
ao seu lugar.
E quando o comissário se conseguiu soltar, o que aconteceu com a ajuda facultada por
outros passageiros que se levantaram, conseguiram dominá-lo, acabando por amarrá-lo
à cadeira com os cintos das cadeiras vazias, imobilizando-o contra a sua vontade, ao
que o passageiro ainda tentou reagir, tentando morder os passageiros.E concluído o
voo, foi retirado do avião pelas autoridades policiais, algemado.
Ora, este episódio perturbou seriamente a tripulação e os outros passageiros do voo
…/Lisboa, tendo estes últimos mostrado sinais de inquietação em consequência do
comportamento descrito.
Por seu turno e em relação à A, embora na altura esta não tivesse manifestado
reacções visíveis, o certo é que se apurou que ficou seriamente afectada por toda
esta situação, já que dela resultou um quadro depressivo, reactivo, traduzido por fobia
de voo e de toda a estrutura que compreende o aeroporto, alterações do sono e
comportamentais, com instabilidade emocional e crises de ansiedade aguda, cefaleias,
dificuldades de sono e pesadelos acerca do acontecimento, sequelas que se vieram a
manifestar-se mais tarde.
Por isso, e ainda como consequência de toda esta situação e do quadro depressivo e
reactivo dela resultante, a Autora esteve totalmente incapacitada para o trabalho desde
13.09.2001 até 22.01.2004.
Será o quadro fáctico descrito suficiente para se considerar verificada a figura do
acidente de trabalho?
As instâncias concluíram que sim, contrapondo a seguradora que, em relação ao que
se passou naquele voo, a autora não terá feito mais do que cumprir as suas
obrigações profissionais, não se tendo deparado com nenhum acontecimento que se
possa reputar de inesperado, pelo que não se verificou o acidente de trabalho que
invoca.
No entanto, consideramos que se trata dum acidente de trabalho, e por isso, gerador
da obrigação de reparação dos danos dele emergentes.
Efectivamente, este episódio com o passageiro e todo o circunstancialismo que o rodeou,
causou uma perturbação na A, a quem provocou uma lesão psíquica grave, derivada de
trauma psicológico dele resultante, pois passou a sofrer dum quadro depressivo que a
impediu de trabalhar durante cerca de dois anos e meio, e que ainda se manifesta
por fobia de voo e a toda a estrutura que compreende os aeroportos, entre outras
sequelas.
Tratou-se portanto dum evento anómalo e inesperado, pois nada o (comandante, co-
piloto, chefe de cabine, duas fazia prever, tanto mais que a entidade empregadora
apenas destacou para este voo uma tripulação reduzida assistentes de bordo e um
comissário de bordo), quando se estava perante um avião cheio, que iniciou viagem com
123 passageiros dos 128 possíveis.
Por isso, e tratando-se duma situação que para a trabalhadora se revestiu dum carácter
particularmente perturbador do seu equilíbrio psíquico, pois provocou-lhe um quadro
depressivo resultante de stress pós-traumático, temos de a considerar como um acidente
em sentido naturalístico, abrangendo-se neste conceito tudo o que é susceptível de
alterar o equilíbrio anterior em que o trabalhador se encontrava, tudo o que viole
esse equilíbrio, conforme sustentava Victor Ribeiro.
Assim, tratando-se dum acontecimento anormal, de duração limitada, de que resultou
uma lesão na saúde da trabalhadora, consubstanciada numa alteração do seu equilíbrio
psíquico, com graves sequelas daí resultantes, estamos perante um acidente, que tendo
ocorrido no tempo e no local de trabalho, preenche os requisitos exigidos pelo artigo 6º,
nº 1 da Lei 100/97, para que seja considerado um acidente de trabalho.
Na verdade, não é forçoso que a lesão se manifeste logo a seguir ao facto que a causou,
pois há casos em que a lesão externa não se produz e a interna só se evidencia após alguns
dias, podendo citar-se como exemplo uma explosão que pode causar ferimentos graves
em alguns trabalhadores directamente atingidos, enquanto noutros pode causar apenas
um forte traumatismo psíquico.Alias a própria lei prevê essa possibilidade, conforme se
conclui do artigo 6º, nº 6 da LAT.
Por outro lado, é certo que não estamos perante um acontecimento súbito e repentino
(embora fosse inesperado, tal como já dissemos), pois tratou-se dum episódio que
perdurou durante algum tempo. No entanto, o carácter repentino do acidente não quer
dizer que este deva ser instantâneo, como sustentava Veiga Rodrigues.
Além disso, e apesar de se não ter revestido de violência directa em relação à
trabalhadora, este aspecto também não é relevante, pois como já dissemos, a
violência não constitui, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial
do acidente de trabalho.
De qualquer modo e citando ainda Victor Ribeiro, violento é afinal “tudo o que é
susceptível de alterar o equilíbrio anterior; tudo quanto «viole» esse equilíbrio, quer seja
uma explosão, quer seja uma emanação de gás tóxico, um golpe de frio ou calor, ou
mesmo uma situação particularmente angustiante, ou de trabalho excessivo que faça, por
exemplo, desencadear um ataque cardíaco ou uma perturbação mental”.
Ora, tendo sido este episódio gerador duma perturbação de adaptação, que constituiu o
desenvolvimento duma resposta psicológica a um factor de stress devidamente
identificado e que se manifestou em sintomas emocionais ou comportamentais, cujo
quadro clínico, misto ansioso-depressivo, foi gerador duma fobia de voo e das estruturas
aeroportuárias, com alterações do sono, instabilidade emocional e crises de ansiedade
aguda, cefaleias, dificuldades de sono e pesadelos acerca deste acontecimento, temos de
o considerar um acidente em sentido naturalístico, susceptível de gerar a
responsabilidade própria dum acidente de trabalho, porque ocorrido no tempo e
no local de trabalho.
E estando reunidos os requisitos previstos no artigo 6º, nº 1 da LAT, bem decidiram as
instâncias, pelo que improcede o recurso.
Por seu turno, as doenças profissionais, que se encontram reguladas nos artigos 93.º e ss da LAT,
resultam do exercício de uma atividade profissional. Daí que por via de regra a doença
profissional é de produção lenta e progressiva, surgindo de modo impercetível.
Nos termos da Lei dos Acidentes de Trabalho, para efeitos indemnizatórios, só se consideram
doenças profissionais as que constam de uma lista periodicamente atualizada (art. 94.º da LAT e
art. 283/2 e 3 do CT).
Posto isto, importa ainda ter em conta a seguinte distinção: as doenças profissionais em sentido
amplo , abrangem doenças profissionais em sentido restrito (art. 283/2.º do CT e art. 94.º CT) –
as que constam da lista de doenças profissionais – e as doenças profissionais – e as doenças de
trabalho nos termos do art. 283/3.º do CT e art. 94.º /2 ). As doenças de trabalho são igualmente
doenças profissionais, por resultarem do exercício de uma atividade profissional , mas apesar de
não constarem da referida lista, são ainda assim ressarcíveis.
Como exemplo de doenças profissionais, pode referir-se a surdez da telefonista devida a
prolongado uso do telefone, as dificuldades de visão de um técnico de computadores por estar
muitas horas em frente ao computador, e os problemas pulmonares dos mineiros.
A responsabilidade derivada de doenças profissionais tem vindo, progressivamente, a ser
transferida de instituições privadas para instituições públicas, ou seja, foi deixando de estar na
órbita de imputabilidade dos empregadores e respetivas seguradoras, passando para o setor
público.
A partir de 1981, as doenças profissionais ficaram , na sua totalidade, integradas no sistema
público no Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais.
Não obstante a figura das doenças profissionais andar associada com a dos acidentes de trabalho,
a sua forma de ressarcimento enquadra-se em parâmetros diferentes, de direito público.
1. Generalidades;
A figura dos acidentes de trabalho, tem algo que ver com a ideia de Estado – Providência inserida
no seio empresarial, tal como o Estado deve assegurar que não sejam causados prejuízos aos
cidadãos, também o empregador terá de providenciar quanto à inexistência de danos aos seus
trabalhadores no desenvolvimento da atividade de que estão incumbidos.
Por outro lado, impera hoje a ideia de que o acidente, a fatalidade como infortúnio marcado pelo
destino, não é de aceitar. Pretende-se de certo modo afastar o postulado de o acidente ser um azar
do lesado e por isso procura encontrar-se sempre um “responsável”.
Inicialmente a figura dos acidentes de trabalho não apresentava qualquer autonomia, pois estava
integrada no regime comum da responsabilidade extracontratual, - caberia ao trabalhador lesado
a prova dos factos constitutivos da responsabilidade aquiliana, sendo, em muitos casos
particularmente difícil demosntrar a existência de culpa por parte do empregador. Na realidade, o
trabalhador sendo por via de regra a parte fraca da relação jurídica, teria dificuldade em carrear
ele,entos para rpvoar a culpa do empregadro
3) No passado dia 2 de Fevereiro, depois do almoço de aniversário de Maria, sua colega, no qual
ingeriu duas garrafas de vinho e uns digestivos, retomou a sua prestação; Pouco tempo que ele
consumiu álcool. -
4) Cerca de 15 minutos depois de ter iniciado a sua actividade, teve de cortar uma peça de carne
e durante essa operação a serra eléctrica “fugiu-lhe”, tendo tido necessidade de ser suturado no
hospital com vinte pontos na mão esquerda, o que o impossibilitará de trabalhar durante três
meses; (incapacidade temporária). – Aqui o talhante precisava de uma luva de aço – art.
14/1/a) segunda alínea .
6) Por sua vez, Maria, com a categoria de secretária, foi atropelada por um camião, no passado
dia 25 de Fevereiro, depois de deixar a filha na escola e no momento em que passava o portão
desta – ainda na zona do passeio -, devendo ficar incapacitada para o trabalho durante seis
meses;
7) A empresa recusa-se a assumir qualquer responsabilidade por entender que a Maria se desviou
do caminho normal para o trabalho, uma vez que quem costumava deixar a filha na escola era
o marido. – aqui há descaracterização do acidente.
Quid iuris?
1. Estamos no âmbito da matéria dos acidentes de trabalho, previsto no art. 283.º do CT,
regulado este regime pela Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 100/97 de 13 de
Setembro).
2. Este caso prático prende-se com a análise do facto gerador da responsabilidade do
empregador quando surgem acidentes de trabalho, neste caso quanto ao acidente de
António em primeiro lugar e em segundo quanto ao acidente de Maria, na análise destes
dois casos, temos de separadamente aferir o facto gerador de responsabilidade, ver se
estamos mesmo perante um acidente de trabalho e quais são os pressupostos e base legal
para sustentar a aplicação deste regime, determinar o lesado, analisar o segundo elemento
delimitador do conceito de acidente de trabalho (local e tempo de trabalho), analisar o
dano em concreto, averiguar o nexo de causalidade entre o facto e o dano, posteriormente
abordar no caso concreto a indemnização, e por último ver se poderá haver exclusão de
responsabilidade do empregador nos termos do art. 14.º da LAT, tal como o mesmo
afirma no caso prático sub judice.
3. Na responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho, o facto gerador nem sempre
corresponderá a uma conduta humana, sendo responsabilidade objetiva, o que
desencadeia o dano é o acidente de trabalho;
4. Pode assim concluir-se que o facto gerador da responsabilidade objetiva do empregador
é o acidente de trabalho.
5. O autor VITOR RIBEIRO, afirma que o acidente de trabalho não é o facto que está na
origem da responsabilidade, pois corresponde a um conjunto de factos. Na realidade, , o
facto gerador de qualquer situação de responsabilidade, quase sempre, é um facto
complexo, dissecável em vários factos individualizáveis, o que não obsta a ser visto
unitariamente.
6. Noção de acidente de trabalho: deve partir-se do conceito constante do art. 8.º/1 da LAT
– o legislador relaciona este infortúnio com o local e o tempo de trabalho1 por um lado,
e com a produção direta ou indireta de lesões corporais, perturbações funcionais ou
1
“tempo de trabalho” como o período normal em que o trabalhador desempenha as suas funções, o
período anterior e posterior dedicado a atos de preparação ou outros com ele relacionados e as pausas
ou interrupções forçosas do trabalho
doenças de que resulte a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho por
outro;
II. O acidente ocorrido no tempo e local do trabalho é considerado como de trabalho, seja
qual for a causa, a menos que se demonstrem factos que claramente demonstrem que o
acidente ocorreu à margem da autoridade patronal, ónus que pertence à entidade
responsável.
III. A reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho exige a demonstração de
um duplo nexo causal: entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação
funcional, a doença ou a morte); e entre este e o dano laboral (a redução ou a exclusão da
capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador)”.
a) Local de trabalho: é entendido num sentido amplo, pois compreende, para além do sítio
onde o trabalhador desenvolve efetivamente a sua atividade, «todo o lugar em que o
trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja
direta ou indiretamente sujeito ao controlo do empregador» - art. 8/2.º/a) da LAT. Esta
área geográfica de implantação ou de exploração da empresa abrange não só espaços
dessa mesma empresa, nomeadamente átrio ou a cantina, como também locais onde são
prestados serviços aos trabalhadores, ainda que fora da empresa, como sejam serviços
médicos numa clínica privada contratada pelo empregador.
2
Para efeitos de acidente de trabalho não é esquecer necessário que o lesado seja parte num contrato de
trabalho válido. Mesmo na hipótese de o contrato ser inválido, tal como dispõe o art. 122.º do CT, basta
que o trabalhador tenha desenvolvido a sua atividade para que os efeitos emergentes da relação laboral
se produzam como se ela fosse válida. De igual modo, apesar de ter havido suspensão do contrato de
trabalho com base em fundamento relacionado com o empregador, como no caso de suspensão
preventiva nos termos do art. 354.º CT, se ocorre um sinistro relacionado com o contrato de trabalho é
de qualificar como acidente de trabalho.
3
Por exemplo o contrato de agência, onde não há subordinação jurídica, mas se o agente estiver
integrado no processo produtivo da empresa para a qual agencia negócios, especialmente em regime de
exclusividade, os acidentes ocorridos serão qualificados como de trabalho para efeito de aplicação da
Lei dos Acidentes de Trabalho.
Será local de trabalho, qualquer sítio onde o trabalhador tenha de ir relacionado
com a realização da atividade, desde que sujeito, direta ou indiretamente ao controlo
do empregador.
i) O controlo direto verificar-se-á, em particular, na típica relação laboral em que,
durante o horário de trabalho, o trabalhador está sujeito ao poder de direção do
empregador.
ii) O controlo indireto poderá existir em relações extra laborais (por exemplo
trabalho no domicílio) e com respeito a trabalhadores com alguma independência
na execução da atividade laboral, nomeadamente aqueles que desempenham as
tarefas fora do espaço geográfico.
Mas nem todo o sinistro verificado no local de trabalho é acidente de trabalho , pois para
além de se relacionar com o tempo de trabalho, torna-se necessária a existência de uma
causa adequada entre o acidente e o trabalho. 4
Tendo em conta que o acidente de trabalho, ainda que ocorrido no local de trabalho, teria
de se relacionar com o tempo de trabalho e a atividade laboral, entendeu-se o conceito de
acidente de trabalho de modo a abarcar os infortúnios verificados na empresa quando o
trabalhador se encontre no exercício de reunião, ou da atividade de representante dos
trabalhadores (art. 9/1/c) da LAT), ou em frequência de curso de formação profissional
(art. 9/1/d) da LAT). Em qualquer um dos casos mantém-se a conexão espacial exigida
na lei, pois o evento ocorrerá num espaço geográfico controlado pelo empregador.
§ Tempo de trabalho;
O tempo de trabalho a que alude o art. 8.º/1 da LAT abrange o período normal de trabalho,
nos termos do art. 198.º CT5, bem como os espaços de tempo que precedem e que se lhe seguem
estando com ele relacionados tanto em atos de preparação como de ultimação, e ainda as
4
Sendo um infortúnio causado por uma brincadeira de mau gosto de um colega, sem qualquer relação
com a atividade, não é acidente de trabalho.
5
Se o trabalhador não tem horário de trabalho – vendedor externo, é acidente de trabalho o desastre
de viação sofrido às 3:30m da madrugada, quando regressava a casa depois de contactar um cliente. Ac.
STJ de 25/1/1995
interrupções normaias – os intervalos de descanso (art. 213.º CT), a pausa para almoço, ou como
as que decorrem de uma avaria das máquinas (art. 8/2/alínea b) , in fine da LAT).
Não se enquandram nas interrupções as suspensões do contrato de trabalho como a que advém de
situação de greve, nos termos do art. 536.º do CT. Mas se durante a suspensão do contrato, o
trabalhador tiver de se dirigir à empresa, o sinistro então ocorrido pode ser qualificado como
acidente de trabalho.
Os acidentes enquadrados nesta noção ampla de tempo de trabalho, caso se verifiquem fora do
local de trabalho não consubstanciam um acidente para efeitos de aplicação desta lei. Assim, se
numa interrupção do trabalho, o trabalhador se ausentar da empresa para ir comprar cigarros, o
desastre então ocorrido não se qualifica como acidente de trabalho, porque ele se encontra fora
de controlo, direito ou indireto, do empregador.
Não se provando que, o teor de alcoolemia (1,89g/l) que o sinistrado apresentava, aquando
do acidente sofrido, contribuiu para a sua queda, após sujeição a prova, não é legítimo
extrair que o acidente não teria ocorrido se não fosse o estado alcoolizado em que se
encontrava o sinistrado e, desse modo, concluir pela descaracterização daquele.
II - A prova por presunções judiciais, que os artºs 349 e 351 do CC permitem, tem como
limites o respeito pela factualidade provada e a respectiva correspondência a deduções lógicas e
racionalmente fundamentadas naquela.
III - A falta de prova do facto não pode ser colmatada ou suprida por presunção judicial,
pois que, se um facto concreto é submetido a discussão probatória e o julgador o não dá
como provado, seria contraditório tê-lo como demonstrado com base em simples presunção.
IV - As presunções, apenas, são admissíveis para integração ou complemento da
factualidade apurada nas respostas do tribunal à matéria controvertida e não já para
contrariar ou modificar a matéria de facto ou mesmo suprir a falta de prova, já que estas
não servem para substituir a prova dos factos com que a parte está onerada.
V - Para que se conclua pela descaracterização de acidente de trabalho e subsequente não
reparação do mesmo, além da prova da negligência grosseira do sinistrado, exige-se
também, cumulativamente, que se prove a culpa exclusiva deste na sua verificação.
VI - Ainda que se prove que o sinistrado apresentava uma taxa de álcool no sangue de
1,89g/l, na altura do acidente, que lhe diminui a atenção, concentração, capacidade de reacção,
equilíbrio e reflexos, não se provando que aquele teor de alcoolemia contribuiu para a queda que
sofreu, apenas, aqueles factos provados não permitem estabelecer o nexo de causalidade entre o
estado de embriaguez e aquela.
VII - O facto de o mesmo estar alcoolizado não é susceptível de, só por si, descaracterizar o
acidente de trabalho e conduzir à sua não reparação.
VIII - Assim, não estando provada a causa da queda que provocou a morte ao sinistrado,
nem a culpa exclusiva deste na ocorrência do acidente, não se pode concluir que tenha sido
aquele estado de alcoolizado do mesmo que esteve na origem do acidente.
Em suma, são várias as condições para que se verifique a obrigação de reparação dos
danos resultantes de um acidente de trabalho: evento, local e tempo de trabalho, dano e
nexo de imputação entre o facto e o dano.
Sendo por isso concluir pela verificação em concreto dos requisitos necessários à
consideração do acidente de que o sinistrado foi vítima, como acidente de trabalho
indemnizável.
Como é evidente, o que a recorrente refere na sua alegação, eventualmente, poderá levar
a concluir que o acidente sofrido pelo sinistrado, pese embora, ser de trabalho, não é
indemnizável, por se encontrar descaracterizado, o que é uma questão distinta daquela
que aquela volta a reiterar neste recurso.
A questão de, eventualmente, terem ocorrido factos que possam concluir pela
descaracterização do acidente sofrido pela vítima (marido e pai das AA.), é uma questão
diferente, não significando, atentos os factos apurados, que o acidente não seja de
trabalho.
A al. c), por seu turno, pressupõe que na génese do acidente tenha estado a privação
permanente ou acidental do uso da razão por parte do sinistrado, nos termos do
disposto nos arts. 138º, 152º e 257º do Cód. Civil.
É facto assente que a elevada TAS com que o sinistrado circulava tornava mais perigoso,
para si e para os outros, o exercício da condução, afectando-lhe necessariamente a
generalidade dos sentidos e capacidades, designadamente as necessárias à condução do
veículo. Podendo nessa medida afirmar-se que estaria privado do livre exercício da sua
vontade.
E como se disse já, a matéria de facto apurada é omissa em relação ao modo como se
deu o acidente, não permitindo afirmar, sem margem para dúvidas, que a queda do
sinistrado se deveu ao estado alcoolizado em que se encontrava. Ou dito de outro
modo, que se o A. não se encontrasse em tal estado, o acidente não teria de todo em todo
ocorrido.
Como decorre, das alegações da recorrente, nenhum argumento invoca esta que não tenha
sido apreciado, pelo Mº Juiz “a quo”, nem alega que qualquer factualidade não tenha
sido dada como provada, concluindo, apenas, que tendo por referência a matéria
dada como provada, era possível concluir pela descaracterização, considerando haver
matéria suficiente para a promover.
Ora, sempre com o devido respeito, é nosso entendimento que não assiste qualquer
razão à recorrente, face à factualidade constante dos autos, tal como o considerou o
Tribunal “a quo”, também nós consideramos, que não se pode concluir pela
descaracterização do acidente, em análise. A matéria de facto dada como provada não
permite concluir desse modo.
Podemos adiantar, desde já, que a conclusão a que se chegou na decisão recorrida, não
nos merece qualquer censura, já que é também a que consideramos correcta face a toda a
factualidade que resultou provada, não se nos afigurando possível retirar desta, as
conclusões que a recorrente considera, nem através de presunção, qualquer outro
facto.
Pois isso, seria estar a premiar a recorrente, dando como provados, factos que não
logrou provar (veja-se, em concreto, o quesito 20º da base instrutória, que não resultou
provado, onde se perguntava: “Esse teor de alcoolemia que o sinistrado apresentava
contribuiu para a sua queda?”) e, que seriam essenciais para que se pudesse concluir de
modo ao deferimento da sua pretensão, que o acidente não teria ocorrido se não fosse
o estado alcoolizado em que se encontrava o sinistrado e, desse modo, concluindo
pela sua descaracterização.
E, sendo desse modo, não se vislumbra como seria possível seguir a via pretendida pela
recorrente, tendo em conta a ausência de factos provados, donde se pudessem inferir
aqueles e, a noção de presunções dada pela lei (artº 349, do C.C.). Estas supõem a prova
de um facto conhecido (base da presunção), do qual depois se infere o facto desconhecido,
cfr. P.de Lima e A. Varela, in “CC, Anotado”, Vol. I, 3ª edição, ponto 1 da anotação ao
artº 349, pág. 310.
O nº 2 do mesmo art. 14º dispõe que: “Para efeitos do disposto na alínea a) do número
anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de
segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou
estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução
ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse
manifestamente difícil entendê-la.”.
A estas causas de não reparação acrescem, ainda, os casos dos acidentes que
provierem de “Força maior”, nos termos prescritos no art. 15º, que não se aplica no
caso.
Do relatório, junto a fls. 28, de onde consta o resultado da análise toxicológica de etanol
no sangue efectuada ao sinistrado, verifica-se que o mesmo apresentava uma taxa de
alcoolémia de 1,89 g/l, aquando do acidente.
Mais se apurou que a taxa de alcoolémia de que o sinistrado era portador diminui-lhe a
atenção, concentração, capacidade de reacção, equilíbrio e reflexos e o sinistrado sabia
que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidades que lhe diminuíam as capacidades
e tornavam mais perigoso – para si e para os outros – o exercício da condução.
Sistematização:
2. Mas, apesar disso, não sabemos se o sinistrado caiu por ter bebido o álcool referido
ou se foi por outra causa. Os factos provados não permitem estabelecer o nexo de
causalidade entre o estado de embriaguez do condutor/trabalhador e a sua queda.
3. Que este estado, como dissemos, propicia muitos acidentes de viação, é um facto
objectivo.
4. E, apesar da culpa (negligente) do sinistrado ser grosseira, por conduzir com a TAS que
se apurou, não está demonstrado que o acidente ocorreu por sua culpa exclusiva. Ou seja,
por conduzir naquele estado, já que não se apuraram “as razões da queda”, como bem diz
a apelante.
5. E, sendo desse modo, como se salientou na decisão recorrida: “Não sendo possível
afirmar, com toda a certeza, que não existiu outra qualquer causa para a ocorrência
do acidente”, não pode o mesmo considerar-se descaracterizado.
7. E, sem dúvida, atento o disposto no art. 342º, nº 2, do CC, era à R. que incumbia provar
factos que demonstrassem o estabelecimento desse nexo, o que não logrou fazer. E, como
supra deixámos exposto, não colhe de modo algum, a alegação de que devido à
dificuldade de prova, dos factos necessários a demonstrar o nexo causal, fosse possível
estabelecer o nexo causal através de presunções judiciais.
8. Está provado que o sinistrado/falecido conduzia com TAS, o que o mesmo sabia e
que isso lhe diminuía as suas capacidades mas, na ausência de outros factos, não
podemos também concluir que aquele estado foi a causa da sua queda e morte.
9. No caso concreto, os factos provados não nos permitem concluir que foi o facto de o
sinistrado conduzir sob a influência do álcool, incumprindo as regras estradais exigidas
para quem conduz, nos termos em que o fazia, que foi aquela violação que desencadeou
o acidente, pelo que não o podemos imputar, exclusivamente, a ele.
10. Assim, resta concluir, que por não estar provada a causa da queda que provocou a morte
ao sinistrado, nem a culpa exclusiva deste na ocorrência do acidente, não se pode concluir
que tenha sido aquela violação das regras estradais por parte do mesmo que esteve na
origem do acidente e, por isso, não se conclui pela sua descaracterização, confirmando-
se a sentença recorrida que, em nosso entender, não apenas fez boa interpretação dos
factos provados, como não se vislumbra tenha violado qualquer dispositivo legal.
6) Por sua vez, Maria, com a categoria de secretária, foi atropelada por um camião, no
passado dia 25 de Fevereiro, depois de deixar a filha na escola e no momento em que passava
o portão desta – ainda na zona do passeio -, devendo ficar incapacitada para o trabalho
durante seis meses;
Quid iuris?
§ ACIDENTES DE PERCURSO;
Relacionado com o tempo de trabalho, em particular com os períodos que antecedem e que se
seguem à efetiva laboração, há que aludir aos acidentes de percurso, também designados de trajeto
ou in itinere.
Ac. TRL 18-06-2014
I. Nos acidentes in itinere trajeto normal de e para o local de trabalho é aquele que
é razoável e racional, de acordo com os critérios de um trabalhador vulgar como o
sinistrado, não tendo necessariamente de ser um único nem o mais curto, antes
podendo variar designadamente de acordo com as condições meteorológicas, a
situação de trânsito, o meio de locomoção utilizado, a situação física ou o estado do
próprio trabalhador.
Estão em causa os acidentes que ocorrem, em especial, quando o trabalhador se desloca para o
local de trabalho ou regressa a casa. Nos termos do art. 9.º/1 / alínea a) e n.º2 da LAT, retira-se
que o acidente in itinere tem de corresponder a um percurso normal, devendo enquadrar-se num
dos vários tipos de trajecto previstos na lei.
A residência do trabalhador, como se refere o art. 9/2.º , alínea b) da LAT, tanto pode ser habitual
, como uma ocasional: , mas o trajeto a partir da residência só se conta depois da «porta de
acesso para áreas comuns do edifício ou para a via pública» , pelo que a responsabilidade por
acidentes de percurso não abrange situações em que o trabalhador se encontra num espaço por ele
controlado, em particular na sua vida privada. – Poder-se-á questionar se os trajetos indicados
nas alíneas do n.º1 do art. 9.º da LAT são taxativos ou simplesmente indicativos.
Numa interpretação extensiva do art. 9/2.º a LAT incluir-se-iam nos acidentes in itinere outros
percursos, designadamente o realizado pelo trabalhador para tomar café em qualquer pausa que
se lhe seja concedida (…) esta interpretação extensiva tem de ser apreciada com a devida
prudencia: pois está-se perante uma exceção introduzida num regime, já de si excecional,
porque os acidentes de percuso, alargam o campo desta responsabilidade.
Para que se esteja perante um acidente de trajeto torna-se necessário que se encontrem
preenchidos dois requisitos (art. 9/2 e 3 da LAT).
O trajeto normal será aquele que, objetivamente, for considerado ideal, mesmo que não seja o
mais curto, nem o realizado a diário. Júlio Gomes: “frequentemente existirão vários trajetos
normais. (…) O trajeto normal não será necessariamente o mais curto e poderá variar em
função das condições meteorológicas, da situação de trânsito, do meio de locomoção utilizado,
da situação física ou do estado do próprio trabalhador”.
Quer dizer que, por exemplo, no caso do trabalhador ter-se desviado do seu percurso
habitual para ir buscar o filho à escola e ter aí sofrido um acidente, o acidente é
classificado como acidente de trabalho. E isto é assim, ainda que habitualmente não seja
o trabalhador a ir buscar o filho à escola.
Mas os desvios ditados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador têm de
ser concretizados, se o trabalhador se afasta diariamente do caminho ideal para ir levar
os filhos a escola compreende-se que se enquadre no percurso normal para efeito de tutela
legal (não era o caso quanto a Maria), diversamente, quando se desvia do trajeto ideal
para almoçar num restaurante da sua predileção, não se pode considerar que a situação
esteja abrangida no conceito de percurso normal.
Exige-se igualmente o caracter consecutivo do percurso, de modo que se o desastre
ocorre depois de uma interrupção do trajeto, o acidente não será ressarcido nos
termos da Lei dos Acidentes de Trabalho –
Exige-se assim um carácter consecutivo do percurso, pois as suas interrupções só
serão consideradas se forem determinadas para satisfação de necessidades
atendíveis do trabalhador, ou por motivos de força maior ou por caso fortuito (nº 3).
– AC. STJ 26/10/2011.
A alínea a) por seu turno, terá aplicação aos acidentes in itinere na medida em que
se consiga demonstrar a existência de dolo por parte do sinistrado, e também , que
foi esse comportamento doloso a causa do acidente, mas, parace ao autor Júlio
Gomes, que não se pode aplicar a parte final da alínea a), respitante às condições
de segurança, que se refere, segundo crê, tão-só, às condições de segurança
referentes ao exercício da prestação de trabalho, ou se se preferir, da profissão.