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A. KAUFMANN e W. HASSEMER (ORG)
INTRODUÇÃO
A FILOSOFIA DO DIREITO
E A TEORIA DO DIREITO
ÇONTEMPORÂNEAS
Traduçãode
Marcos Keel
(Capítulos 1-5 e 9)
e
lllllllllllllllllll
0000186878
Edição da
FUNDAÇÃO cALoUSTE GULBENKIAN
Av. de Berna I Lisboa
2002
ISBN 972-31-0952-2
Prefácio
Prefácio ...................................................................................................................... 9 .
Do prefácio à 1. a edição ................................................................l ............................ 11
Lista de abreviaturas ............................................................................................... 15
Os autores................................................................................................................... 17 '
A. Introdução ............................................................................................................ 23
JA Jurástische Arbeitsblätter
Jahrbuch für Rechtssozioiogie und Rechtstheorie
JBl Jüristische BZätter I
Jus Juristische Schulung
Juristische Wochenschrift
JZ Juristenzeitüng
Kritische Justiz
KrimJ Kriminologisches Journal
KZÍSS Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsycho-
logie
MDR Monatsschrift für Deutsches Recht
MEW Marx Engels Werke, Dietz Verlag Berlin
Nota
NJW Neue Juristische Wochenschrift
ÕVD Õ/fentliche Verwaltung und Datenverarbeitung
ÕZõflR Õsterreichische Zeitschrift für öfientliches Recht und
Völkerrecht
RR Reino Rechtslehre (Teoria pura do direito)
RTh Rechtstheorie, Zeitschrifi' für Logik, Methodenlehre,
Kybernetik und Soziologie des Rechts
SJZ Süddeutsche Juristenzeitung
StGB Strafgesetzbuch (Código Penal alemão)
SZGB Schweizerisches Zivilgesetzbuch (Código Civil suíço)
Vol. Volume
WEX Wahlfach Examinatorium
ZfS Zeitschrift für Soziologie
ZRP Zeitschrifl für Rechtspoizltz'k
ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschafi
ZVglRWiss. Zeitschrift für vergleichende Rechtswissenschafi
Os Autores
Publicações:
Publicações:
Das Probtem von Sein und Sollen in der Philosophie Immanuel Kants,
Köln, Berlim, Bona, Munique, 1968. Interessenjurisprudenz. Vol. CCCXLV
da série: Wege der Forschung. ed. por G. Ellscheid e W. Wassemer, com uma
introdução de Ellscheid, Darmstadt, 1974, bem como artigos sobre temas
de ñlosofia do direito, teoria do direito e direito penal.
Publicações autônomas:
-
man. Der Schuiddialog; Prolegomena zu. einer pragmatischen Schuidiehre
im Strafiecht, Freiburg _ Munique, 1978. Juristische Rhetorik, Freiburg
Munique, 1978, 3.a ed., 1985. 100 X Computer h Das Wichtigste auf 100
-
Text und Biidseiten, Mannheim -~ Wien Zürich, 1979. Strafrecht --
-
-
Aligemeiner Teil, Munique, 1980, 3.al ed., 1987. Strafrecht -- Besonderer
Teil, München, 1981/82, 3.a ed., 1988. Strafrecht. Fallrepetitorium zum All-
gemeinen und Besonderen Teil, Munique, 1982. Einfiihrung in das juristis-
che Lernen, Bielefeld, 1983, 3.al ed., 1984. Strukturdenken -- der Schlüssel
zum erfolgreichen Reden und Verhandeln, Munique, 1985. Aus der Waags-
chale der Justitia; Ein Lesebuch aus 2000 Jahren Rechtsgeschichte, Mün-
chen, 1986, 2.a ed., 1987.
Publicações autônomas:
Publicações autônomas:
Publicações autônomas:
den Computer, 1978. Além disso, artigos sobre temas de filosofia do direi-
to, teoria do direito, informática do direito, direito penal e direito proces-
sual penal.
Publicações:
1 Jaspers, Einfiihrung in die Philosophie, 25.a ed., 1986, pp. 24 ss. Em grande medida no sen-
tido do texto também Edith Stein, Einfiihrung in die Philosophie, ‹‹Einleitung» (pp. 21 ss), 1991.
2 Kant, Kritik der reinen Vernunfi, ed. B, p. XXXV. Quanto a este tema, cfr. também: Eike
v. Saw'gny, «Die Rolle der Dogmatik - wissenschaftlich gesehen», em U. Neumann, et al. , Ju-
ristische Dogmatik und Wissenschaftstheorie, 1976, pp. 100 ss.
26
3 Cfr., por exemplo, a propósito da «defesa da ordem jurídica» (§§ 47, al. 1.a, e 56, al. 3.a, do
StGB), BGHSt 24, pp. 40 ss. -- uma decisão jurídica ousada pela postura crítica adoptada,
embora assente numa base inteiramente dogmática.
4 Cfr. Coing, Grundzüge der Rechtsphilosophie, 5.a ed., 1993, p. 3: ‹‹Portanto, sem prescin-
dir dos conhecimentos que a ciência jurídica elaborou na sua área, a filosofia do direito tem
necessariamente de ir além dos limites daqueles; ela relaciona os problemas postos pela ma-
nifestação cultural do direito com as questões gerais e essenciais da filosofia.»
27
mente, sobre textos linguísticos5). Mas a filosofia não se pode ficar por este
esboço prévio; este deve ser «constantemente revisto, de modo a receber
tudo aquilo que se apresente ao espírito em resultado de um maior aprofun-
damento››6. Não há nada na filosofia - e na filosofia do direito -- que não
possa ser problemático, nem mesmo o seu próprio ser. Em princípio, o filóso-
fo não deve aceitar nada como um dado adquirido. Neste ponto pode mesmo
dizer-se que a filosofia procede de forma «mais profunda» do que as ciências
particulares. Daqui não se pode, porém, concluir que a filosofia se ocupe de
coisas «mais importantes» do que as ciências dogmáticas particulares. A in-
vestigação médica sobre o cancro não é, com certeza, menos importante do
que a investigação da filosofia do direito segundo os critérios de um direito
correcto (justo). Entre a filosofia e a dogmática não existe uma relação de
«mais ou menos››, de «mais importante ou menos importante», mas uma re-
lação de diferentes formas de ser. Por isso, uma não se substitui à outra.
5 V., sobretudo, Gadamer, Wahrheit und Methode, 5.a ed., 1986, pp. 270 ss., 330 ss.; Esser,
Vorverständnis und Methodenwahl in der Rechtsfindung, 2.a ed., 1972, especialmente pp.
136 ss. Cfr. também Arthur Kauƒmann, Beiträge zurjuristischen Hermeneutik, 2.a ed., 1993,
pp. 51 s., 74 ss., 86 s., 92 ss. Muito recentemente, v. a obra muito clara e fundamental de J.
Stelmach, Die hermeneutische Aufiassung der Rechtsphilosophie, 1991.
6 Gadamer, Wahrheit", cit., p. 271.
28
análise, toda a filosofia se dirija ao mesmo fim: o todo do ser, o todo da ver-
dade, o todo do direito. Também aqui a filosofia se distingue das ciências
particulares, nas quais o número dos problemas é, em princípio, limitado.
Daí que a ciência particular possa chegar à meta. a respeito de um certo
objecto de investigação, enquanto na filosofia isso é impossível, dada a_
«natureza das coisas».
Como a filosofia de uma certa época nunca perspectiva o todo, mas ape-
nas partes isoladas do todo, outras partes serão, necessariamente, descura-
das. A filosofia de uma nova época terá, pois, a tarefa de captar e dominar as
partes até então desprezadas. Deste modo, colocam-se constantemente à fi-
losofia, a partir da história e, como tal, a partir da situação histórica, tare-
fas novas e diferenciadasm. Em concreto: a tônica parcial que a doutrina
racionalista e idealista do direito natural, dos séculos XVII e XVIII, colocou
sobre o momento racional e ideal do direito teve,_forçosamente, que procu-
rar libertar-se pela Escola Histórica do direito e, finalmente, pelo positi-
vismo jurídico. O positivismo jurídico do século XIX teve umarta'refa mani-
festamente histórica; teve que recolocar o aspecto existenciai do direito, o
seu carácter positivo, no campo de visão. Contudo, após o terrível abuso do
direito causado pelo pensamento positivista extremo do nosso século, é
agora nossa missão descobrir algo de «indisponível», que coloque a arbi-
trariedade na disposição e interpretação do direito dentro de limites, mas
que não deve ser procurado num abstracto «firmamento de valores», de-
vendo, sim, ser buscado na realidade jurídica”. O exemplo retratado mos-
tra também que um filósofo pode perfeitamente fazer perguntas que pas-
sam ao lado dos problemas do seu tempo”.
Aquilo que foi dito serve, por um lado, para sublinhar que a correcta
formulação de perguntas filosóficas constitui um problema de grande al-
cance e de responsabilidade científica considerável; por outro lado, deve
mostrar que uma filosofia determinada só pode ser compreendida a partir
1° Quando Radbruch diz «que cada epocaI tem de reescrever a sua ciência jurídica››, isso
vale ainda mais para a filosofia do direito (Rechtsphilosophie, 9.a ed., 1983, p. 222; GRGA, II,
1993). Cfr. também Jaspers, Einführung..., cit., p. 109: «Tomar uma época passada como a
nossa é tão impossível quanto voltar a realizar uma antiga obra de arte»
11 Cfr., por exemplo, W. Hassemer, «Unverfügbares im Strafprozess», em Rechtsstaat und
Menschenwürde; Festschrift für W. Maihofer, 1988, pp. 183 ss.
12 Mais aprofundadamente, Arthur Kaufmann, Rechtsphilosophie..., cit., especialmente
pp. 69 ss., 101 ss. v
32
-
uma essência de falsidade e inflexibilidade. Só o que está em aberto, o in-
completo, o que questiona está vivo. No fundo, como diz, justamente, Edith
Stein, não se pode ensinar e aprender a filosofia, mas unicamente o filosofar”.
18 Cfr. Röllecke, em idem (org), Rechtsphiiosophie oder Rechtstheorie?, 1988, pp.V11, 1 ss.
V. ainda R. Dreier, «Was ist und Wozu Allgemeine Rechtstheorie?», em idem, Recht, Moral,
Ideologia, 1981, pp. 17 Ss.; Jahr/Maihofer (org), Rechtstheorie, 1971;Arthur Kaufmann (org),
Rechtstheorie, 1971; Adomeit, Rechtstheorie für Studenten, 3.a ed., 1990. Fundamental é o
trabalho muito recente de Ralf Dreier, «Zum Verhältnis von Rechtsphilosophie und Rechts»
theorie››, em V. Schöneburg (org), Phiiosophie des Rechts und das Recht der Philosophie;
Festschr. fi H. Klenner, 1992, pp. 15 ss.
19 Heidegger, Zur Suche des Denkens, 1969, pp. 61 ss., em especial p. 63. É interessante a
observação de E. Stein ao dizer que «o campo de investigação da filosofia não ficou reduzido
pela atribuição de certas tarefas às ciências particulares. Antes pelo contrário, estas ciências,
que surgiam no mundo como objectos até então desconhecidos, constituíram para ela novos
objectos de investigação. A sua tarefa não lhe foi retirada pelas ciências positivas››; Einfüh-
rung..., cit., p.23.
2° Ryffel, Grundprobleme der Rechts›und Staatsphilosophie; Philosophische Anthropolo-
gie des Poiitischen, 1969, pp. 5, 19, 32 ss. Cfr., quanto a isto, mais detalhadamente, Arthur
Kaufmann, Hermeneutik..., cit., pp. 6 ss.
21 Kant, Metaphysik der Sitten, 1. Teil, 1798.
22 Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts, 1821.
23 Radbruch, Rechtsphilosophie, 3.a ed., 1932 (9.a ed. póstuma, 1983); GRGA, II, 1993.
36
25 Cfr. Arthur Kaufinann, Naturrecht und Geschichtlichkeit, 1957; idem, Beiträge..., cit.,
pp. 25 ss.; idem, «Die Geschichtlichkeit des Rechts unter rechtstheoretisch-methodologis-
chem Aspekt››, em ARSP-Supplementa, II (1988), pp. 114 ss. Numa perspectiva abrangente,
J. Llompart, Die Geschichtlichkeit in der Begründung des Rechts im Deutschiand der Gegen-
wart, 1968; idem, Die Geschichtlichkeit der Rechtsprinzipien, 1976.
26 Jaspers, Einführung..., cit., pp.16 ss.
27 V., p.ex., H. Rombach, Strukturontologie, 1971; R.-F. Horstmann, Ontologieund Rela-
tionen, 1984; W.V. Quine, Ontologische Relativität, 1975.
38
28 Meditatio I: «De iis quae in dubitum revocari possunt»; Meditatio IV: «De vero et falso››.
29 B XXX
3° Goethe, Carta a Schultz de 18 de Setembro de 1831.
31 Stammler, Theorie der Rechtswissenschafi, 2.3 ed., 1923, pp. 14 ss.
40
32 Engisch, Die Idee der Konkretisiemng in Recht and Rechtswissenschafl unserer Zeit,
2.al ed., 1968, p. 231. Não se pretende afirmar que tal tese seja completamente falsa.
33 Cfr. acima nota 5.
34 V. Radbruch, Einführung in die Rechtswissenschaft, Fla/9.a ed., 1929, p. 199 (12.sl ed.
Póstuma, por Konrad Zweigert, 1969, pp. 252 ss.; GRGA, I, 1987, p. 390).
35 Tübinger Einieitung in die PhiZosophie, I, 1963, pp. 12 ss. Para uma perspectiva infor-
mativa, Hannah Arendt, Was .ist Existenzphilosphie?, 1990.
41
Após o que ficou dito, não pode constituir motivo de espanto o facto de
nos deparamos com a filosofia da existência preferencialmente e sempre
que uma época se encontra em ruptura e, por isso, em crise. Ela é a filoso-
fia típica das viragens de época. Encontramo-la, ainda que não com o mes-
mo nome, no limiar da Antiguidade com os pré-socráticos, no limiar da
Idade Média em Santo Agostinho, no limiar da Modernidade porventura
em Pascal, e é ela, novamente, a filosofia do nosso tempo, do tempo de
transição para uma nova, quarta era ainda inominadagõ. Também no cam-
po do direito há a comoção existencial, a tomada de consciência das situa-
ções-limite, a experiência do inevitável fracasso do nosso direito terrestre e
da sua questionabilidade última, medida segundo o critério de valores ab-
solutos. Radbruch afirmou uma vez que só o jurista com a consciência pe-
sada, só aquele jurista que «em cada instante da sua vida profissional tem
plena consciência tanto da necessidade como do carácter profundamente
questionável da sua profissão» seria um bom jurista37. Esta é, por inteiro,
uma forma de pensar da filosofia da existência. O jurista que fecha os olhos
perante a limitação, a incompletude do direito e a impossibilidade de nele
se confiar, tal como ele nos é acessível, entrega-se cegamente a ele e aban-
dona-se a todas as suas fatalidades. Esta postura é característica tanto do
positivista como do jusnaturalista. O positivista vê apenas a lei, fecha-se
perante qualquer momento supralegal do direito e, por isso, é impotente
face a qualquer perversão do direito pelo poder político, tal como, aliás, ex-
perimentamos no nosso século até à náusea. O jusnaturalista valoriza pou-
co a lei positiva, apostando em normas pré-concebidas. No entanto, como
não consegue apresenta-las de forma cognoscível, acaba por conduzir à in-
certeza do direito e à arbitrariedade, o que ficou especialmente patente no
século XVIII ‹‹jusnatura1ista». Ambas as teorias se desencontram com o
modo de existência do direito. Daí que, em nenhuma delas, o direito chegue
até si próprio38.
36 Heidegger -- mas não apenas ele -- fala da da era da ‹‹cibernética»; Cfr. Zur Sache des
Denkens, cit., p. 64. V., sobretudo, também Guardini, Das Ende der Neuzeit; Ein Ver-such zur
Orientierung, 5.a ed., 1950. Também Arthur Kaufmann, Rechtsphilosophie .in der Neck-Neu-
zeit, 2.a ed., 1992; em espanhol, La Filosofia del Derecho en Za Posmodernidad, Bogotá, 1992.
37 Radbruch, Rechtsphilosophie..., cit., p. 204. V. também Erik Wolf, Fragwürdigkeit und
Notwendigkeit der Rechtswissenschafi, 1953 (reimpressão, 1965).
38 Sobre esta problemática, ver Maihofer (org), Naturrecht oder Rechtspositivismus?, 3.a
ed., 1981; também Arthur Kaufmann, Beiträge..., cit., pp. 79 ss.
42
39 Mais detidamente sobre este tema: Arthur Kaufmann, «Vorüberlegungen zu einer ju-
ristischen Logik und Ontologie der Relationen; Grundlegung einer personalen Rechtstheo-
rie››, em RTh, 17 (1986), pp. 257 ss., idem, «Úber die Wissenschaftlichkeit der Rechtswis-
senschaft; Ansãtze zu einer Konvergenztheorie der Wahrheit››, em ARSP., 72 (1986), pp. 425
ss.; idem, «Recht und Rationalität››, em Rechtsstaat and Menschenwürde; Festschrift für Wer-
ner Malhofer, 1988, pp. 11 ss; idem, Prozedurale Theorien der Gerechtigkeit, 1989; idem,
Rechtsphilosophie .in der Nach-Neuzeit, cit.
43
-
de elevada acima de tudo _ e já nos chega, vindo dos EUA e da França, o
‹‹pós-modernismo››, o que significa nada menos que o retorno do irracional.
É certo que a irracionalidade não serve de receita para uma filosofia com
ambições científicas. Mas justamente quando se aposta na racionalidade e
na razão, é aconselhável apercebermo-nos de onde vem 0 mal-estar com a
Modernidade e, nomeadamente com o Iluminismo, que conferiu ao pós-mo-
dernismo uma tal força de atracção. Dizendo-o numa frase: é a «pressão de
realização da Modernidade>›, a «razão totalizante>>, o «Iluminismo pereni-
zante» que apostou tudo num mero saber de domínio e de utilidade e que,
por isso, se reveiou incapaz de dar resposta-s as perguntas verdadeiramente
importantes para o homem40. Como explicar este fracasso?
Se olharmos para a história, constataremos que sempre se confronta-
ram ou substituíram reciprocamente duas concepções extremas sobre a
tarefa da filosofia, especialmente da filosofia do direito. Uma das corren-
tes atribui ã filosofia a tarefa de fazer afirmações absolutas, genéricas e
imutáveis sobre o mundo, sobre os homens, sobre o direito. Inúmeras ve-
zes se procurou seguir esta via -- basta pensar nas doutrinas (absolutis-
tas) do direito natural _, mas todas essas tentativas fracassaram. Elas
tinham que fracassar, desde logo, e sobretudo, porque tais conteúdos abso-
lutos e intemporais não existem sobre a terra; mas, pelo menos, também
porque _ segundo Kant -- o conhecimento ‹‹puro›› apenas contém a forma
através da qual algo é conhecido. Os conteúdos são ‹‹impuros››, uma vez que
não provêm do entendimento, mas da experiência, só valendo a posteriorifl.
E desta descoberta resulta a outra corrente. Em nome da «purezw do
filosofar, ela abdica de quaisquer conteúdos, em especial de afirmações so-
bre valores (por exemplo, Max Weber, Wertfreiheit der Wissenschaft [o ca-
rácter «livre de valores» da ciência], Hans Kelsen, Reine Rechtslehre [teo-
40 V., quanto a esta questão, Peter Koslowski, Die postmodeme Kultur; Gesellschaftlich-
kulturelle Konsequenzen der technischen Entwicklung, 1987, especialmente pp. 27 ss.
41 V., a este propósito, o capítulo «Die transzendentale Logik» na obra Kritik der reinen
Vernunft (A pp. 50 ss., B pp. 74 ss.) de Kant.
44
42 Kant, Kritik der reinen Vernunft, B 75: «Pensamentos sem conteúdo são vazios, intui-
ções sem conceitos são cegas»
43 Quanto à «essência do direito>›, cfr. Arthur Kaufmann, Bear-age", cit., pp. 53 ss., 95 s.,
98. De uma perspectiva algo diferente, J. Hruschka, Das Verstehen von Rechtstexten; Zur her-
meneatischen Transpositivität des positz'ven Rechts, 1972, pp. 56 ss.
45
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Zippelius, Reinhold, Juristische Methodenlehre, 5.a ed., 1990.
B. DISCURSO HISTÓRICO
2. A problemática da filosofia do direito ao longo da
história
2 O grande jurista Paul Johann Anselm v. Feuerbach (1775-1833) começou uma tal his-
tória universal do direito, mas não a pôde acabar. Cfr., quanto a isto, Gustav Radbruch, PauZ
Johann Anselm Feuerbach; Ein Juristenleben, 3.al ed., 1969, pp. 190 ss. V. também Arthur
Kaufmann, «Vergleichende Rechtsphilosophie am Beispiel der klassischen chinesischen
-
und klassischen abendländischen Rechtskultur», em Festschr. ff W. Lorenz, 1991, pp. 635 ss.
60
8 « Foto no'wreg ÕL dwügdmetot vóuot uno švog roü Bsiou ››. Neste contexto, também tem
interesse P. Eisenhardt/D. Kürth/H. Stiehl, Du steigst nie zweimai in denselben Fluss; Die
Grenzen der wissenschaftüchen Erkenntnis, 1988.
9 Cfr. G. Radbruch, Vorschule der Rechtsphilosophie, 3.al ed., 1965, p. 20; GRGA, III, 1990,
p. 138.
63
2.2.1.3. A sofistica
1° Acerca do direito natural sofista ver, para além de Verdross, Erik Wolf e Marcic, ain-
da H. Welzel, Naturrecht und materiale Gerechtigkeit, 4.a ed., 1962 (reimpressão, 1980), pp.
12 ss. -- Os quatro nomes referidos são também referências para as exposições seguintes.
11 O nosso conhecimento sobre Protágoras chega-nos essencialmente através das obras
Protágoras e Theaitetos de Platão. l
64
De acordo com que critério toma a maioria esta decisão sem se tornar
arbitrária? Este problema nuclear da filosofia do direito já fora aborda-
do, de pleno, na Antiguidade grega. No Protágoras, Platão põe nas pala-
vras de Hípias: «Eu penso que nós somos parentes e amigos e concidadãos
por natureza, não por causa da lei... Para nós seria, portanto, vergonho-
so, conhecendo embora a natureza das coisas, não nos mostrarmos dignos .
dessa dignidade...»12. Porém, o que é «a natureza do homem» e a «nature-
za das coisas››? Que o mais forte tenha o direito do seu lado, ou que a
igualdade da natureza humana consista no facto de «todos nós expirar-
mos o ar através da boca e do nariz e de comermos com a ajuda das mãos››,
como notou o sofista Antifonte (sécv a.C.)13? Welzel disse, a este propósi-
to, que a configuração que Proteus tem da natureza humana assume, nas
mãos de um qualquer pensador jusnaturalista, a forma que este desejar”.
Trata-se, aqui, do discutidíssimo «círculo vicioso jusnaturalista» (ou ‹‹na~
turalista»). Deixemos, por ora, de parte as implicações que este acarreta.
É, em todo o caso, correcto dizer-se que, desde a sofistica, o conceito de na-
tureza se tornou no ponto crucial da filosofia do direito. Antiguidade e Ida-
de Média compreendiarn-no, predominantemente, de um ponto de vista
substancial. Só Kant conseguiu superar esta ontologia da substância, se
bem que já existissem filósofos anteriores a Kant que não pensassem de
uma forma ontológico-substancial como, por exemplo, Plotinol5.
2.2.1.5. O estoicismo ~
34 Aprofundadamente, J.J.M. van der Ven, Ius hamanam; Das Menschliche und das
Rechtliche, 1981, pp. 244 ss., 257 ss. i
35 Crisipo, citado segundo Welzel, Naturrecht..., cit., p.39. Crisipo (280-207 a.C_.) foi o se-
gundo fundador do estoicismo.
72
Esquema l
A Justiça (iustitia 1)
(justiça em sentido estrito: igualdade de direitos)
Sociedade
Iustitía [ustitia
distributiva legalis
Justiça Justiça
distributiva legal
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Al A2 An Bl vBz Bn
Iustitlfa commutativa
Indivíduos 4 b Indivíduos
Justiça comutativa
(justiça da troca)
Esquema 2
Justiça.
mens, que tem uma existência estável e duradoura, que chama ao dever
através do mandamento, que se intimida do mal pela proibição... Res-
tringir o alcance desta lei viola o direito divino; também não é permitido
revoga-la parcialmente, nem é possível aboli-la completamente. Porém,
também não nos podemos libertar da vinculação a esta lei através do Se-
nado ou do povo... Não será diferente em Roma, diferente em Atenas, di-
ferente hoje ou amanhã; todos os povos, em todos os tempos, compreen-
-derão esta lei única como eterna e imutável, e um só será como que o
mestre e senhor comum sobre tudo: Deus...
Quem não obedecer a esta lei, estará a fugir de si mesmo e, por estar
a negar a natureza humana, sofrerá o castigo mais pesado...››36. Que isto
não eram apenas belas palavras, mas tinha consequências bem reais,
mostra-nos muito nitidamente, por exemplo, a questão da escravatura: a
escravatura era repudiada como contrária ao direito natural, porque to-
dos os homens seriam, pela sua natureza, livres (já Crisipo o ensinaram)
um enorme avanço em relação à Idade Média, uma vez que Tomás de
-
Aquino ainda sancionava a servidão à luz do direito naturalgg.
Tal como Sócrates, os estóicos, sobretudo Cícero, defendiam a ideia de
que a lei natural seria inata ao homem como lex indita. Séneca (cal-65 d.C.)
salientou serem os homens todos parentes, em virtude da sua natureza
comum, e concluiu daí o mandamento do amor ao próximo. De forma se»
melhante, Epicteto (50-138 d.C.) ensinava o amor ao próximo e a cidada-
nia do mundo com base na razão, à qual ele também reconduzia o reli-
gioso. O homem já não era somente considerado um ser formador do
Estado (Çõgov nolirucóv), mas um ser social, ‹‹caridoso›› (Çúfuov Kowwvucóv).
O espírito do estoicismo também se manifestou claramente no Corpus
Iuris civilis; cfr. Digesto 1, 3: «Juris praecepta sunt haec: honeste vivere,
alterum non laedere, suum cuique tribuere.›› (Ulpiano)
Foi por meio do estoicismo que se iniciou o contacto entre as filosofias
grega e romana. Já foi mencionado acima, que a fórmula do saum cuique,
que contém a ideia fundamental da. justiça, foi cunhada por Cícero. Sob a
39 Ulpiano, Digesten 1, 1, 3.
75
tir a influência da filosofia estóica. Cristo deu-nos a «lei nova››, que tam»
bém os gentios, que não a têm, podem seguir, porque a obra da lei está
gravada nos seus corações/*0. O direito natural, já Cícero o ensinava, é
identificável por todos, e ninguém poderá desculpar-se com um erro41.
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e imutável como o próprio Deus43.
Santo Agostinho adoptou o conceito da lex aetema do estoicismo. No
entanto, diferentemente deste, em que a lex aeterna coincidia com a lex
naturalis, Santo Agostinho deu ã lex naturalis um novo significado: ela é
uma marca da eterna lei divina na consciência humana, diferente da lex
aeterna, tal como a imagem do selo de um anel impresso na cera se dis-
tingue do próprio anel44. Claro que esta imagem pode ser turvada pelas
paixões. Como é sabido, Santo Agostinho experimentou isto em si mesmo,
e aqui, na sua própria vivência (deixada por escrito nas suas Confissões),
reside talvez a raiz mais profunda do seu voluntarismo (Platãol) e da
doutrina psicológica sobre a liberdade humana. Na sua concepção, só a
vontade é moralmente valorizável porque é a vontade, não o entendi-
mento, a força essencial do homem. Na vontade radica o mal, do qual o
homem não se consegue libertar pelas suas próprias forças, mas somen-
te pela misericórdia de Deus. Santo Agostinho desenvolveu este ponto de
vista, de acordo com o qual a liberdade para o cumprimento dos manda-
mentos é um puro dom da graça de Deus, na disputa com Pelagius. Este
sustentava a tese de que a liberdade pertenceria à essência da natureza
humana e, assim, as ajudas da misericórdia só seriam necessárias como
auxiliares, para que o uso da liberdade, constrangido pelo pecado, fosse
promovido. Esta discussão jogou um papel não pouco importante, séculos
mais tarde, na disputa entre as confissões sobre «lei e Evangelho>>45.
Alex naturalis é o retrato da lex aeterna na consciência humana ou na
sua alma, a lumen naturale, como também diz Santo Agostinho. O tercei-
ro, mais baixo degrau da hierarquia do direito é a lex temporalis, através
da qual o legislador humano estabelece aquilo que, num certo tempo, é
permitido e o que é proibido. Contudo, esta lei positiva só será vinculati-
va enquanto se puder apoiar na lex aeterna46. ‹‹Leis›› injustas não são leis,
da mesma forma que Estados sem justiça não passam de grandes bandos
de ladrões”.
Esta ordem hierárquica do direito levanta agora, é claro, a questão, ab-
solutamente decisiva, do conteúdo da lex aetema. Santo Agostinho remeteu
para a ordem da criação e, durante muito tempo, esta resposta foi aceite.
A fé cristã decidia, portanto, em última instância, sobre o conteúdo do di-
reito. Esta doutrina cristã do direito natural atingiu o seu apogeu na Alta
Idade Média, com Tomás de Aquino. É para ele que nos voltamos agora,
com um enorme salto temporal de mais de oito séculos, tendo presente que
também na restante patristica e, nomeadamente, na pré-escolástica e na
escolástica inicial figuras significativas (entre outros Anselmo de Canter-
bury, Bernardo de Claraval, Averroes, Alberto, O Grande, e Roger Bacon)
promoveram, não só a teologia e a filosofia em geral, mas também a filo-
sofia do direito (naquela altura, e por muito tempo ainda, ela era quase
idêntica à doutrina do direito natural). Mas, porque nós seguimos a nossa
bússola histórico-problematizante, podemos prescindir deles.
45 Em maior detalhe, Arthur Kaufmann, «Gesetz und Evangelium››, em Festschr. ..., cit.,
pp. 61 ss.
46 Santo Agostinho, Sermones, 81, n° 2.
47 Santo Agostinho, De civitate Dei, liber IV, caput IV: «Remota itaque iustitia quid sunt
nisi magna latrocínia?››
77
Quem leu o primeiro capítulo deste livro, sabe que a alta escolástica foi,
de novo, um tempo do objectivismo e da ontologia da substância. Não é de
estranhar, pois, que a filosofia se inclinasse, uma vez mais, para Aristóteles.
S. Tomás de Aquino (1225-1274) é o cristão aristotélico por excelência. Os
três degraus da hierarquia da lei: lex aeterna (vel ‹‹dlvlna››), lex naturalis e
lex humana (vel positiva) recebeu-as da tradição. Mas a lex naturalis é, para
ele diferentemente de Santo Agostinho --, não a lei subjectiva da almá,
-
mas uma grandeza objectiva. Tomás adoptou o realismo aristotélico, se-
gundo o qual o valor não está separado da realidade, ser e dever-ser estão
em relação o famoso axioma escolástico: bonum et ens convertuntur48. Na
-
Verdade, devia formular-se: bonum et ens et verum convertuntur, porque 0
homem tem a capacidade, que lhe é dada pela sua razão, de reconhecer in~
telectualmente o ‹‹Ser›› no seu conteúdo axiológico (Werthaftigkeit), muitas
vezes de forma inadequada e imperfeita, mas com muita inteligência e ver-
dade. Assim, também a lex naturalls é a comparticipação intelectual (não
voluntária) dos seres dotados de razão na lei do mundo, é, por um lado, par-
te da lex aeterna, por outro, produto do discernimento natural da razão hu-
mana. Mas porque, como se referiu, o intelecto humano nem sempre conse-
gue apreender a verdade perfeita e adequadamente, é necessário que, para
cada uma das circunstâncias temporais e situacionais específicas, seja es-
tabelecido, através da lei positiva, a lex humana, aquilo que deve vigorar.
À questão de saber se é válida uma lei humana, que se desvia da lei
natural, S. Tomás responde com uma referência a Santo Agostinho: «Uma
lei injusta não é nenhuma lei››, e acrescenta: uma tal lei, que se desvia da
lei natural, é «uma destruição da lei››, uma legis corruptio”. Mas como se
pode identificar um tal desvio _ ou, virando-nos para o positivo:
como deriva a razão humana da lei natural a lei humana? S. Tomás res-
ponde na mesma passagem, mencionando duas espécies de dedução: a
conclusão simples, isto é, a dedução per modum conclusionls (por exem-
50 S. Tomás de Aquino, Summa. thcologica, I, II, 95, 2. Num outro ponto (l, Il, 94, 5), To-
más refere ainda uma terceira espécie: o completar da lei natural (per modum additionis).
51 S. Tomás de Aquino, Summa theoZogica, II, ll, 57, 1. mA doutrina tomista do direito
e da justiça está contida nas Quaestiones 57-59 da 2.a parte do 2.° livro (‹‹secunda secun-
dae)›) da Summa theologica. Quanto a isto, v. a edição especial A_.F. Utz (org), Thomas von
Aquin, Recht und Gerechtigkeit, 1987. _ Para a distinção entre lei e direito (cfr. art. 20.° III
GG), v. A.F. Utz, Kommentar zum 18. Bd. der DeutschfiLateinische Ausgabe der Summa
Theologica, 1953, pp. 425 ss., e Arthur Kaufmann, Rechtsphilosphie..., cit., pp. 131 ss.
79
normas gerais. A lei natural mais elevada inclui apenas as normas axio-
máticas mais genéricas de todas: faz o bem, evita o mal, age sensatamen-
te; para além disso, aqueles mandamentos da lei natural resultantes da or-
dem das inclinações naturais do homem52: do instinto de conservação
resulta a proibição do homicídio, do instinto reprodutivo o mandamento do
casamento e da educação dos filhos, da vocação da razão e da inclinação
para a sociabilidade o mandamento de dizer a verdade e de não lesar o pró-
Xim053. Até aqui, trata-se da lei natural, válida, em princípio, para todos e
para sempre54. Pelo contrário, o direito natural só surge através da elabo-
ração concreta da lei para o aqui e agora, o que significa ser o direito natu-
ral um direito histórico. Porque a natureza (temos porventura que acres-
centar: a natureza concreta) do homem é mutável, diz S. Tomãsãs. Só l.neste
sentido, no sentido de um tal «direito natural secundário» (Tomás não uti-
lizou esta expressão, ela é uma invenção dos neotomistas), pode dizer-se _
que a escravatura estava ainda ancorada no direito natural do Aquinia-
noõõ, mas não no sentido de uma lei eterna e imodificável. Certamente, To-
más apenas compreendeu o fenómeno da historicidade do direito de uma
forma muito imperfeita57, mas também não se pode negar que, com ele, o
direito natural concreto de modo algum tinha carácter absoluto, como foi,
mais tarde, o caso no direito natural racionalistaHdo iluminismo.
Como foi dito, S. Tomás de Aquino era aristotélico. Em Santo Agosti-
nho, ainda estava em aberto se a lex aeterna provinha da razão ou da von-
tade de Deus (v. citação da nota 42). Porém, Tomás decidiu-se claramente
52 S. Tomás de Aquino, Summa theologica, I, II, 94, 2: «Secundum igitur ordinem incli-
nationum naturalium, est ordo praeceptorum legis naturae.››
53 Sobre a relação entre verdade e justiça, cfr. S. Tomás de Aquino, Summa. theologica,
II, II, 109, 3-
54 S. Tomás de Aquino, Summa theologica, I, II, 94, 4 e 5.
55 S. Tomás de Aquino, Summa theologica, II, II, 57, 2: «Natura autem hominis est mu-
tabilis.››
56 Tomás aplicou o princípio da supra e infraordenação dos homens na sociedade (He-
gel, Marx: «Senhores e servos») às relações existentes na sua época. Ainda que fosse de es-
perar que a filosofia estóica lhe tivesse «aberto os olhos››. Quanto a isto, mais detalhada-
mente, H. Klenner, em Festschr. fi A. Kaufmann, 1993. I
57 Sobre a historicidade do direito, v., com maior desenvolvimento, Arthur Kaufmann,
Rechtsphilosophie im..., cit. Para um estudo mais aprofundado, J. Llompart, Die Geschich-
tlichkeit in der Begründang des Rechts im Deutschland der Gegenwart, 1968; idem, Die Ges-
chichtlichkeit der Rechtsprinzipien, 1976.
Veo
pela interpretação intelectualista (pelo que, como lhe foi objectado, o seu
Deus não teria nenhuma vontade). Em consonância com este intelectua-
lismo, o mal não era atribuído à Vontade, mas ao entendimento, isto é, o
vício da vontade radica sempre num erro do entendimento. A instância
mais alta para a acção humana é a consciência na sua dupla acepção: a
synderesis como a capacidade, dada ã razão, de conhecimento dos manda-
mentos mais elevados da lei natural; ela não pode errar -- e a conscientia
como a capacidade de transposição destes mandamentos para o caso indi-
vidual; nela os erros são possíveis. Isto acarreta a consequência, extrema-
mente importante, de _ contra S. Paulo e Cícero poder ocorrer um erro
-
desculpável (error irivincibilis) em relação aos mandamentos e às proibi-
ções do agir, com excepção dos principia communissima (o actual § 17 do
código penal alemão [StGB] é ideologia tomistal). Tomás atribuiu até força
vinculante à consciência que erra sem culpa, não receando sequer a conse-
quência que consistiria no pecado daquele que não faz o mal, que a sua
consciência lhe diz ser obrigatório fazer58. Aqui levantam-se problemas de
vária índole, ainda hoje muito actuais, como sejam os do agente por con-
vicção, do homicídio do tirano e do direito de resistência em geral. S. Tomás
de Aquino abordou-os a todos na sua obra, espantosamente completa, so«
bretudo em vista da sua curta vidaãg. E com esta indicação, que deverá ser-
vir de estímulo ao aprofundamento deste estudo, terminaremos por aqui.
58 Cfr., por exemplo, Summa theoiogica, I, II, 19, 5. Sobre esta problemática, v., com
maior detalhe, H. Welzel, Vom irrenden Gewissen, 1949 e Arthur Kaufmann, Die Parallei-
` wertung..., cit., em especial pp. 6 s.
59 Sobre o direito de resistência, v., por exemplo, Comentário às Sentantiae, II, e Sum-
ma theologicajl, II, 69, 4; II, II, 42, 2; II, II, 64, 2.
60 V., sobre isto, AS. MacGrade, Wiiíiam of Ockham:A Short Discourse on Tyrannical
Government, 1992. I
61 Sobre Duns Scotus ver, com maior desenvolvimento: Welzel, Naturrecht..., cit., pp. 66
ss. e G. Stratenwerth, Die Naturrechtslehre des Johannes Duns Scotus, 1951. Mais recen-
81
temente, Johannes Duns Scotus, Abhandlungen über das erste Prinzip, ed. de W. Kluxen,
2.a ed., 1987.
62 Assim, K. Engisch, Die Idec der Konkretisierung in. Recht und Rechtswissenschaft un-
serer Zeit, 2.” ed., 1968, p. 231.
63 Cfr. FX. Arnold, Zur Frage des Naturrechts bei Martin Luther, 1936.
82
64 Cito de acordo com a selecção de KG. Steck e H. Gollvvitzer, 1961, aqui p. 94. V. tam-
bém a nota 40.
65 Sobre isto, v., hoje, Arthur Kaufmann, Vom Ungehorsam gegen die Obrigkeit, 1991,
em especial p. 19 ss.
83
66 Radbruch, Vorschule..., cit., p. 43; GRGA, 3.o vol., 1990, p. 160. Neste ponto é também
de indicar o escrito de referência de Max Weber: «Die protestantische Ethik und der Geist
des Kapitalismus››, 1920, em Die protestantische Ethik I, Eine Aufsatzsammlung, 7.8 ed.,
1984, pp- 27 ss.
67 F. Suárez, Úber die Individualität and das Individuationsprinzip, ed. de R. Specht,
1976.
84
72 Hugo Grotius, De iure beili ac pacis, ‹‹Prolegomena», 16. Cfr. M. Diesselhorst,ADie Leh-
re des Hugo Grotius vom Versprechen, 1959.
86
-
mais ainda, que cada um se abstenha da propriedade alheia, que se re-
parem os danos causados, que não se recorra à força sobre os outros, que
se sofra retribuição através do castigo pelos crimes cometidos...74.
Desta primeira decorre uma segunda lei natural: «Cada um deve abdicar
voluntariamente do seu direito sobre todas as coisas, desde que os outros
também estejam dispostos a isso, na medida em que o considere necessá-
rio para a paz e para a sua própria defesa, e deve dar-se por satisfeito com
aquela medida de liberdade face aos outros, que ele próprio reconhece aos
outros face a si mesmoâdg _ Assim, o direito é, no fundo, um produto do
medo. Nesta constatação funda-se também a autoridade do Estado. A me-
lhor Constituição é aquela que garantir, com a maior segurança, o cum-
primento dos mandamentos do direito natural. Por isso, o Estado tem o
poder ilimitado sobre os cidadãos, para conter as forças destrutivas des-
tes (daí a comparação com o monstro marinho bíblico Leviathan. Só no fac-
to de o conseguir reside a sua legitimação -- falando em termos modernos:
na garantia da segurança do direito (auetoritas, non veritas facit legemso).
Mas Hobbes não está a pensar na tirania e na ditadura. Se o Estado não
conseguir proteger os cidadãos, acaba o seu direito ã obediência destessl.
Em Hobbes, o Estado não é um fim em si mesmo.
Uma certa conjugação das doutrinas de Grotius e Hobbes foi tentada
por Baruch Espinoza (1632-1677). Espinoza refinou ao extremo o método
matemático-causal das ciências naturais, já utilizado por Hobbes. Ele
afastou da filosofia todas as considerações sobre o fim e reconheceu ape-
nas a rígida validade da causalidade; a sua filosofia é a filosofia da subs-
tância. Em conformidade com ela, direito e Estado são parte da natureza
(empírica). Como todos os juristas racionalistas, também Espinoza se
questionava acerca do status naturalis do homem, chegando à conclusão de
que o homem não seria, nem um ser puramente sociável, nem um egoísta
crasso; ele teria, em si mesmo, boas e más qualidades. Como parte da na-
tureza, possuiria tanto ou tão pouco direito, consoante o poder que tives-
se: «Nadar é o direito natural dos peixes; comer os peixes mais pequenos
é o direito natural dos peixes maiores»82 Direito e poder são idênticos, só
o poder produz direito. A ética de Espinoza, construída more geometrico
não é um compêndio de normas para o comportamento humano, ela apre-
senta, muito mais, uma análise e uma explicação das paixões humanas.
79 Hobbes, ibidem.
8° Hobbes, Leviathan, cap. 26. Cfr. também o meu prefácio à reedição de Hobbes, No:-
turrecht und Allgemeines Staatsrecht in den Anfangsgründen (1640), 1976.
81 Hobbes, Leviathan, cap. 21.
82 Espinoza, Tractatus Theologico-Politicus, CXI.
88
83 Espinoza, ibidem.V. também Espinoza, Politischer Traktat, org. por H. Klenner, 1988.
84 Cfr. Espinoza, Ethica, IV, tese 57.
85 Espinoza, Tractatuan, cit., cap. 3.
86 E, principalmente, importante Pufendorf, De ofiício hominis et civis prout ipsi profes-
cribuntur lege naturali libri duo, 1673 (aqui especialmente caps. VÍ-VIII). Há uma versão
alemã resumida, editada por Erik Wolf: Samuel Pufendorf, Die Gemeänschaflspflichten des
Naturrechts;Ausgewähite Stricke aus «De Officio Hominis et Civis», 1673 (Deu tsches Rechts-
89
denken, cad. 4), 1948. - Sobre Pufendorf: Welzel, Die Naturrechtslehre Samuel Pufendorfs,
1958; Randelzhofer, Die Pƒlichtenlehre bei Samuel Pafendorf, 1983; J. Tully (0rg.), PUfefi*
dorf: On the Duty ofMan and Citizen According to Natural Law, 1991.
87 Lucas 6: 31; Mateus 7: 12. Em Pufendorf, esta regra ainda é vista como um dever ju-
rídico. Cfr. o actual § 323o StGB. _ Para um estudo mais aprofundado de Thomasius: H. Rü-
ping, Die Naturrechtslehre des Christian Thomasius and .ihre Fortbildung in der Thomasius-
Schule, 1968. V. ainda Ch. Bühler, Die Naturrechtslehre des Christian Thomasias, 1991.
90
88 Um olhar muito interessante sobre a filosofia daquela época (incidindo também so-
bre a relação entre Bentham e Mill) é-nos dado por K. Papageorgiou, «Sicherheit und Au-
tonomia; Zur Strafrechtsphilosophie Wilhelm von Humboldts und John Stuart Mills››, em
ARSP, LXXVI (1990), pp. 324 ss. V. também J.H. Bruns/H.L.A. Hart (org), Jeremy Bentham:
A Fragment on Government, s.d.; S. Collini (org), JS. Mill: On. Liberty; With the Subjectioa
of Woman and Chapters on Socialism, s.d.
88 Cfr. Robert S. Summers, Pragmatischer Instrumentatismus and amerihanische
.Rechtstheorie (do americano), 1983. _
80 V., quanto a isto, Arthur Kaufmann, «Vorüberlegungen zu einer juristischen Logik
und Ontologie der Relationen; Grundlegung einer personalen Rechtstheorie», em RTh, 17
(1986), pp. 257 ss. Para uma cobertura ampla do tema, Lorenz Schulz, Das rechtliche Mo-
ment der pragmatischen Phitosophie des C. S. Peirce, 1988.
81 Em alemão: Eine Theorie der Gerechtigkeit, 1975 (5.al ed. alemã, 1990). Considerando o
texto, cfr. Horst Weidemüller, «Versuch einer Úberwindung des Utilitarismus bei John Rawls,
em ARSP, 73 (1987), pp. 235 ss. Informativo sobre a ética utilitarista: Otfried Höffe (org),
-
Einführung in. die utilitaristische Ethik; KZassische and zettgenössische Texte, 1975 e Norbert
Hoerster,Utttitaristische Ethik and Verallgemeinerung, 2.a ed., 1977. Em especial sob um pon-
to de vista jusfilosófico: Julius Stone, Human Law and Human Justice, 1965, pp. 105 ss.
91
apenas nos nossos dias”. _ Mais adiante serão tecidas algumas consi-
derações sobre o mais recente desenvolvimento no círculo jurídico anglo-
-americano.
Regressemos à era do direito racionalista. Gottfried Wilhelm Leib-
niz (1646-1716) procurou, já então, superar a filosofia do direito orien-
tada num sentido meramente naturalistico-empírico. É de notar que
ele, um extraordinário matemático e, hoje, na era dos computadores,
apreciado quase exclusivamente por essa qualidade, se opôs à preten-
são monopolistica do método das ciências naturais (de forma muito se-
melhante ao seu contemporâneo francês Blaise Pascal). A mecânica, en-
sinava ele, devia ser completada pela teleologia93. Ao lado do mundo
físico existiria o mundo dos espíritos morais (‹‹mónadas››94). A meta dos
homens não seria a maior felicidade possível, mas o seu aperfeiçoa-
mento, e isto devia também vigorar como o princípio orientador do di-
reito naturalgõ.
Leibniz não converteu a sua doutrina do direito natural em sistema.
Contudo, disso se encarregou o seu aluno Christian Wolff (1679-1754),
que aproveitou e deu sequência à doutrina do perfeccionismo ético. Em
síntese, a sua argumentação era a seguinte: a moral obriga o homem à
perfeição. Todavia, isolado, só limitadamente consegue atingir este objec-
tivo. Por conseguinte, o Estado e a ordem jurídica têm de promover o
aperfeiçoamento dos homens: colocando ã disposição os bens necessários
(sufficientia vitae), afastando o medo da injustiça (tranquiiitate civitatis)
e através da protecção face aos poderes externos (securitate). O direito é
entendido como aquilo que torna possível o cumprimento moral dos de-
veres96. Estamos na era do despotismo iluminado.
Também já era chegado o tempo da maturidade para se transformar
o direito natural do iluminismo em codificações. O sistema global deli-
neado por Christian Wolff (a ideia de um sistema fechado de todo o co-
nhecimento é característica do racionalismo) aplanou o caminho para os
códigos jusnaturalistas dos séculos XVIII e XIX. Aqui só podem ser men-
cionados os quatro mais significativos: Codex Maximilianeus Bavaricus
civilis (1756), Código da Prússia (1794), Code civil (‹‹Code Napoleon»,
1804), Código Civil austríaco [ABGB] (1811).
Estas codificações não significam, todavia, o apogeu do direito natural
da modernidade, mas a sua conclusão. No fundo, já em Rousseau, sobre-
tudo na sua teoria do Estado (Contrato Social), se anunciava o advento de
uma nova época. Aliás, é mesmo necessário recuar mais ainda no tempo,
até Jean Bodin (ca.1529-1596), que desenvolveu o conceito e a ideia de so-
beraniam. Ainda à beira do fim do século XVIII, o poder legislativo surge
não como função do Estado, mas como direito de soberania, concretizado
no príncipe territorial. Bodin, pelo contrário, já antecipara o absolutismo:
o príncipe, como poder absoluto e permanente, situa-se acima de todos os
partidos e cidadãos, que são despromovidos a súbditos (como contraparti-
da pela sua sujeição, o soberano garante-lhes liberdade religiosa98 e segu-
rança)99. As leis decreta-as na sua qualidade de soberano, não lhes estan-
96 A doutrina do direito natural de Christian Wolff` está contida na sua obra, em oito vo-
lumes, Ius naturae methodo scientifica pertratatum (1740-1748). Cfr. H.-M. Bachmann, Die
naturrechtliche Staatslehre Christian Wolffs, 1977; E. Stipperger, Freiheit and Institution
bei Christian Wolfif` (1679-1754); Zum Grundrechtsdenken in. der deutschen Hochauƒklã-
rung, 1984; B. Winiger, Das rationale Pflichtenrecht Christian Wolffs, 1992; Ch. Schröer, Na-
turbegriff and Moralbegriindung; Die Grundlegang der Ethih bei Christian Wolff and de-
reri Kritih durch Immanuel Kant, 1988.
97 Sobre isto v. J.H. Franklin, Bodin: On Sovereignty, 1992.
98 Foi a liberdade religiosa que fez despoletar a ideia de tolerância, à qual aderiram no-
mes ilustres, por exemplo John Locke, Ein Brief über die Toleranz, 1689; Pierre Bayle,
Aspekte einer Theorie der Toleranz, 1682-86; Voltaire, Abhandlurig fiber die Toleranz (an-
lässlich des Todes von Jean Calas), 1763. Cfr. também F. Lezius, Der ToleranzbegrifiLockes
and Pufendorfs, 1987; M. Stolpe/F. Winter (org), Wege und Grenze der Toleranz; Edikt von
Potsdam 1685-1985 (em particular, H. Klenner, Toleranzideen im siebzehnten Jahrhundert,
pp. 80 ss.); H. Lutz (org), Zur Geschichte der Toleranz and Religionsfreiheit, 1977; Arthur
Kaufmann, «Die Idee der Toleranz aus rechtsphilosophischer Sicht››, em Festschr. fi U Klug,
1, 1983, pp. 97 ss.
93
,do sujeito. Pelo contrário, em relação aos súbditos, as leis valem incondi-
cionalmente, mesmo quando violem normas de direito natural (um último
resto de direito de resistência está previsto para o caso de a ordem do so-
berano violar o direito divino)100.
Lancemos uma vez mais um olhar sobre o tempo do direito racionalista.
Os teóricos do direito natural da época racionalista, Hugo Grotius até
Christian Wolff, eram cristãos convictos e, como já foi referido, tinham for-
mação escolástica. Simplesmente, não fundavam o direito natural nessa
fé. A afirmação de Grotius segundo a qual o direito natural teria que ser
fundado etiamsi daremus non esse Deum, tal como se Deus não existisse,
é ilustrativam. Este era um princípio de método. Mas, gradualmente, a
não existência de Deus tornou-se convicção e, assim, perdia-se o ponto de
referência religioso, até então ainda pressuposto.
Em todo o caso, os juristas racionalistas procediam totalmente de
acordo com a escolástica, na medida em que também eles estavam con-
vencidos da possibilidade de, a partir de um reduzido número de princí-
pios superiores apriorísticos, extrair, através da pura dedução, todas as
restantes regras de direito, sem ter em conta a realidade empírica, as cir-
cunstâncias espaciais e temporais (pois só assim se acreditava poder~se
assegurar ao direito natural a validade universal, para todos os tempos
e para todos os homens). Na realidade, acabava por se proceder empíri-
camente, quando se pediam ‹‹empréstimos» ao direito romano, cuja racio-
nalidade se enaltecia (era o tempo da recepção). Só assim puderam nas-
cer os grandes códigos ‹‹jusnaturalistas».
102 V. Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2.a ed., 1967, pp. 348 ss.
103 Quanto a isto e ao exposto em seguida, v. Thibaut/Savigny, Ein programmatischer
Rechtsstreit auf Grand ihrer Schriften (contém ambos os escritos), 1959, pp. 72 ss.
95
104 V., uma vez mais, Wieacker, Privatrechtsgeschichte..., cit., pp. 399 ss.
105 Para uma primeira abordagem à filosofia e à filosofia do direito de Kant, são indica-
dos, por exemplo: K. Jaspers, Kant; Leben, Werk, Wirkung, 1975; O. Höffe, Immanuel Kant,
1983; R. Dreier, Recht Moral _ Ideologie, 1981, pp. 286 ss: «Zur Einheit der praktischen
-
Philosophie Kants››; «Kants Rechtsphilosophie im Kontext seiner Mora]philosophie››; idem,
Rechtsbegriff und Rechtsidee; Kants Rechtsbegriff and seine Bedeutung für die gegenwärti-
ge Diskussion, 1986; G.-W. Küsters, Kants Rechtsphilosophie, 1988; H. Klenner, Deutsche
Rechtsphilosophie im 19. Jahrhunolert, 1991, pp. 43 ss. : «Zur Theorie/Praxis Relation bei
Kant»; W. Brugger, «Grundlinien der Kantischen Rechtsphilosophie››, em JZ (1991), pp. 893
ss., G. Römpp, «Exeundum esse e statu naturali; Kants Begriff des Naturrechts und das Ve-
rhãltnis von privatem und öffentlichem Recht››, em ARSP, LXXIV (1988),.pp. 461 ss.
106 «Acrítica» no sentido da própria filosofia crítica de Kant. Nesta medida, não vejo
qualquer contradição com Wolfgang Kersting, Wohlgeordnete Freiheit, 1984. O facto de o
próprio Kant ter, frequentemente, argumentado de forma não kantiana é sobejamente co-
nhecido.
107 V. K. Bergbohm, Jurisprudenz und Rechtsphilosophie, l, 1892 (reimpressão, 1973),
p. 198; H. Kelsen, Die philosophischen Grundlagen der Naturrechtslehre und des Rechtspo-
sitivismus, 1928, pp. 75 ss.
108 Kant, Kritik der reinen Vernunft, ed. B, p. 22.
96
109 Kant, Kritik der reinen. Vemunft, ed. B, p. 1.9. Para a distinção entrejuízos sintéticos
e analíticos ver ed. A, pp. 6 ss; ed. B, pp. 10 ss.
110 Kant, Kritik der reinen Vernunft, ed. B, p. 20.
“l Kant, MeiaphysischeAnfangsgruende der Naturwissenschaft, A VIII, IX. Cfr. J. Lege,
«Wie juristisch ist die Vernunft?; Kants «Kritik der reinen Vernunft» und die richterliche
Methode››,ARSP, LXXVI (1990), pp. 203 ss., especialmente p. 216.
“2 Kant, Kritik der rcinen Verriunfl, ed. A, pp. 50 ss.; ed. B, pp. 74 ss.
97
“3 Por ‹‹transcendental» intitula Kant «todo o conhecimento que, em geral, não se ocupa
tanto dos objectos, como do nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve ser possí-
vela priori. A filosofia transcendental é, assim, apenas um sistema desses conceitos e não uma
especie de teoria sobre o transcendente. V. Kritik der reinen Vernunft. Ed. A, p. 12; ed. B, p. 25.
“4 Kant, Kritik der reinen Vernunft, ed. B, p. 166. I
98
mais poderia realizar algo mais que a antecipação da forma de uma ex-
periência possível em geral, que ele nunca poderia transpor as barreiras
da sensibilidade, dentro das quais só nos são dados objectos, uma vez que
aquilo que não é fenómeno não pode ser objecto da experiência. Os seus
axiomas são simplesmente princípios da exposição dos fenómenos e o or-
gulhoso nome de uma ontologia, a qual se arroga apresentar, numa dou-
trina sistemática, conhecimento sintético a priori das coisas em si, tem de
dar lugar ao modesto nome de mera analítica do entendimento puro.››115
É preciso ter bem presente o que Kant demonstrou, o que ele refutou
e até que ponto se estende a sua argumentação. Ele provou não ser pos-
sível deduzir o conteúdo de uma metafísica _ de um direito natural _
simplesmente a partir de principios formais apriorísticos, sem recorrer
ao empírico, e que, por isso, uma metafísica com conteúdo jamais poderá
ter validade universal e ser matematicamente exacta. Deste modo, foi re-
jeitada a pretensão de se poder fundar, a partir da ‹‹natureza››,um direi-
to natural com um conteúdo inequivoco igual para todos os homens e
para todos os tempos. Esta descoberta de Kant é incontornável.
Contudo, Kant ‹‹apenas›› demonstrou que a metafísica, o direito natu-
ral, a dogmática jurídica... não podem ser praticados como ciências natu-
rais _ ou, para sermos cautelosos, em todo o caso apenas na medida em
que «aí se encontre matemática». Pode-se, naturalmente, ter discussões
intermináveis (e estas têm efectivamente lugar) sobre se só as ciências
exercidas matematicamente são, realmente, «ciências» _ nesse caso, não
o será a ciência do direito”. Mas a discussão é supérflua. Quem quiser
denominar como ‹‹ciências›› apenas as disciplinas matemáticas, que o
faça. Decisivo é o seguinte: é indiscutível haver também na ciência do di-
reito e na filosofia do direito critérios de verosimilhança, de_evidenciação,
de falsificação e, assim, uma base para uma argumentação ‹‹razoável»
bem como para um consenso intersubjectivo. Daí fazer sentido, afinal,
115 Kant, Kritik der reinen Vernunft, ed. A, p. 246 s., ed. B, p. 303.
115 V. o famoso discurso de Julius Hermann v. Kirchmann de 1848: Die Wertlosigkeit der
Jurisprudenz als Wissenschaft, reimpressão, 1964; ed. de H. Klenner, 1990. _ Mais deta-
lhadamente sobre este problema: Arthur Kaufmann, Beiträge zur juristischen Hermenêu-
tik, 2.a ed., 1993, pp. 119 ss.; idem, «Úber die Wissenschaftlichkeit der Rechtswissenschaft;
Ansãtze zu einer Konvergenztheorie der Wahrheit», em ARSP, 72 (1986), pp. 425 ss.; idem,
Recht und Rationaiität..., cit., pp. 11 ss. Em geral: M. Herberger/D. Simon, Wissenschafts-
theorie für Juristen, 1980 e U. Neumann, neste livro, cap. 12.
99
117 R. Stammler, Die Lehre von dem richtigen Rechte, 2.a ed., 1926, p. 27.
118 Kant, Metaphysik der Sitten, ed. académica, pp. 296 s., 237.
119 Kant, Metaphysik der Sitten, ed. académica, p. 224.
100
120 Kant, Grundiegung zur Metaphysik der Sitten, ed. académica, p. 426.
121 Kant, Kritik der praktischen Vernunft, ed. académica, p. 54: Existem ainda duas ou-
tras versões, em parte mais fortes, do imperativo categórico: «Age de tal forma que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de um outro, sempre e simultaneamente
como fim, nunca simplesmente como meio» (Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, ed.
académica, p. 429) e «Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua von-
tade, lei geral da natureza» (ibidem, p. 421).
101
seu «conteúdo essencial››, pode fazer lembrar o ideário kantiano: uma res-
trição legal será lícita, enquanto o direito fundamental disser respeito ao
homem ‹‹empírico›>, não já se atingir a ‹‹humanidade>› na sua pessoa-m.
Ora, Welzel notou, com muita razão, que «a ética de Kant pressupõe
sempre uma ordem moral objectiva das coisas>>123. Aliás, uma ética unica-
mente subjectiva teria também como consequência que o homem _ mes-
mo como homo noumerzon se tornaria legislador de si próprio. Não se
-
pretende afirmar ser esta uma hipótese absolutamente impossível (Sar-
tre, por exemplo, formulou-a); mas, em todo o caso, não é esse o ponto de
vista de Kant. Não estaremos, porém, desta forma, perante mais uma con-
tradição deste grande pensador? Welzel parece supô-lo. Diz ele: Kant «não
se apercebe do'significado autónomo que cabe ao problema da ética mate-
rial (ao “quêl do comportamento moral) face ao problema moral subjectivo (ao
(como, do comportamento moral). Em vez disso, acredita poder desenvol-
ver o “quêf a partir do “coino*››, ou seja, através do imperativo categoric0124.
Afinal, quem não se apercebe aqui das coisas? Estando correcto o que fi-
cou dito nas duas primeiras páginas deste capítulo (supra 2.1), é Welzel
quem está errado. Ele parece admitir que os conteúdos, o ‹‹quê››, se constiñ
tuiriam sem interferência subjectiva, sem o «como››. Contudo, isso não
é possível. O círculo que Welzel aponta em Kant, do desenvolvimento do
‹‹quê›› a partir do ‹‹como››, não é vicioso, ou, pelo menos, não é incontorná-
vel (o que não significa, de modo algum, que o ‹‹quê›› resulte exclusiva-
mente do ‹‹como››, como é admitido pelo funcionalismo no sentido de Niklas
Luhmann). Como Guenter Ellscheid expõe no capítulo seguintelzã, o im-
perativo categórico de Kant já é, no fundo, uma modalidade das «teorias
processuais da justiça››. Não obstante, Kant quer retirar conteúdos do im-
perativo categórico _ que, enquanto tal, representa um processo de pen-
samento exclusivamente formal e não um princípio de conteúdo moral.
É uma ideia fascinante, poder a «forma pura», «a forma em si››, gerar con-
teúdos livres da ilusão do mundo dos sentidos. Em última análise, trata-
-se do problema de Deus.
122 Cfr., desenvolvidamente, Arthur Kaufmann, «Úber den Wesensgehalt der Grund und
Menschenrechte», em ARSP, LXX (1984), pp. 384 ss.
123 Welzel, Naturrecht... , cit., p. 169.
124 Welzel, como na nota 12.
125 Infra, Cap. 3.2.4.4.
102
também, todos eles, que sofrer a morte; assim o quer a justiça enquanto
ideia do poder judicial segundo leis universais, fundamentadas a priori...››.
E: «Se a justiça sucumbir, não mais valerá a pena que vivam homens so-
bre a terra»127 Fiat justitia, pereat mundus!
0
-m'd-Á
historicidade enquanto forma estrutural do ‹‹ser››*~humano (jurídicos).
-
A questão juridico-filosófica de saber se o conteúdo do direito será, em
consequência do seu condicionalismo/limitação espacio-temporal, um
produto do acaso, ou se, pelo contrário, não haverá aqui uma regulari-
dade, não foi colocada, nem muito menos respondida. Também se pode
formular esta pergunta do seguinte modo: Pode uma ordem jurídica,
mesmo não sendo vinculativa sempre e em toda a parte, ser, pelo menos,
Uinculativa aqui e agora, .isto é, ser a ordem devida deste tempo e deste cír-
culo cultural?
A simples colocação desta pergunta torna claro que Kant apenas refu-
tou uma determinada versão do direito natural, a racionalista-absolutista,
não tendo refiitado a ideia do direito natural em si. A ideia do direito natural
visa o «direito correcto››, sobre cujo conteúdo não se pode dispor arbitraria-
mente, mas ela não tem como necessário que um tal «direito correcto» te-
nha que ser válido em todos os tempos e em quaisquer circunstâncias.
127 Kant, Metaphysik der Sitten, ed. académica, pp. 332 ss.
104
128 Como introdução ã sua filosofia e à sua filosofia do direito: D. Henrich/R.P. Hors-
tmann (org), Hegels Philosophie des Rechts; Die Theorie der Rechtsformen und ihre Logik,
1982. M. Riedel, Studien zu Hegeis Rechtsphilosophie, 1969; R. Marcic, Hegel und das
Rechtsdenken, 1970; V. Hösle (org), Die Rec/istphiiosophie des deutschen Ideaiismus, 1989
(com vários contributos sobre Hegel); H. Klenner, Deutsche Rechtsphilosophie..., cit., pp. 141 ss.:
«Hegel und die Götterdãmmerung des Absolutismus»; R. Dreier, Recht..., cit., pp. 316 ss.:
«Bemerkungen zur Rechtsphilosophie Hegels»; E. Topitsch, Die Sozialphilosophie Hegels
als Heilslehre and Herrschaftsideologie, 2.El ed., 1981; AW. Wood (org), Hegel: Elements of
the Philosophy ofRight, 1991. - Sobre dois interessantes problemas específicos: P. Landau,
«Das Unrecht als Stufe abstrakten Rechts; zugleich zum Verhãltnis Hegels zu Kants «Me-
taphysischen Anfangsgründen der Rechtslehre», em L. Philippe/H. Scholler (org), Jenseits
des Funktionalismus; Arthur Kaufmann zum 65. Geburtstag, pp. 143 ss. -- e G. Haney,
«Zum Hegelverstãndnis Hermann Helle_rs››, em Ch. Müller/l. Staff (org), Der soziaie
Rechtsstaat; Gedächtnisschr: ƒÍ H. Heller, 1984, pp. 467 ss.
129 Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts _ oder Naturrecht und Staatswz's-
senschaft im Grundrisse, § 185 (ed. Suhrkamp, 7 vols., pp. 341 s.).
105
130 Hegel, Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte, «Einleitung›>, ed. Suhrkamp,
12 vols., p. 20.
131 Cfr. Hegel, Grundlinien..., cit., § 257 (p. 398).
132 Hegel, Grundiinien..., cit., «Vorrede›› (p. 24). É claro que o facto de Hegel não ter re-
conhecido a existência de um direito natural ao lado do direito positivo só é válido cum gra-
no salis. Hegel debateu-se, já no seu tempo de Jena, com as doutrinas jusnaturalistas de
Kant e Fichte e também com as de Platão e Aristóteles, num ensaio surgido no Kritisches
Journai der Philosophie (1802/1803): «Úber die wissenschaftlichen Behandlungsarten des
Naturrechts, seine Stelle in der praktischen Philosophie und sein Verhãltnis zu den positi-
ven Wissenschaften» (ed. Suhrkamp, 2 vols., pp. 434 ss); neste ensaio, Hegel adoptou cla-
ramente uma posição própria sobre o direito natural.
133 Hegel, Grundlinien..., cit., § 260 e aditamento (pp. 406 ss).
106
“4 Marx/Engels, «Manifest», em ME W, IV, pp. 463 ss. entre outras. Afigura-se-nos mui-
to duvidoso que ainda se possa subscrever, sem mais, a avaliação de Klenner acerca do «pen-
samentojusfilosófico de Karl Marx»,' H. Klenner, Deutsche Rechtsphilosophie..., cit., pp. 155
ss. V., em geral, a obra recente de Andrea Maihofer, Das Recht bei Marx; Zur dialektischen
Struktur von Gerechtigkeit, Menschenrechten und Recht, 1992.
145 Marx/Engels, «Manifest», em MEW, IV, p. 469, 472 entre outras.
146 Marx, MEW, III, p. 33.
“7 Marx, «Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie, Einleitung», em MEW, I, p. 385.
148 Cfr., a este propósito, G. Radbruch, Kuiturlehre des Sozialis'mus, 4.a ed., 1970 (ed. de
Arthur Kaufmann), pp. 32 s.
149 Cfr., quanto a isto, Ch. Gramm, Zur Rechtsphiiosophie Ernst Blocks, 1987.
110
15° Radbruch (Vorschule..., cit., p. 14; GRGA, 3 vols., 1990, p. 133) dá como exemplo da
interacção entre causas económicas e a autonomia normativa do direito o surgimento da li-
berdade sindical: «A burguesia em ascensão lutou, no seu próprio interesse económico, pela
liberdade de associação. Mas exigiu-a e conseguiu-a sob a forma juridica, i. e., sob a forma
da generalidade, como uma liberdade igual para todos. Este revestimento com a forma ju-
rídica implicou que a liberdade de associação não servisse apenas o interesse económico da
burguesia, mas beneficiasse também o proletariado, tornando-se até, na configuração de li-
berdade sindical, uma arma contra aquela mesma burguesia que havia conquistado a li-
berdade associativa no seu próprio interesse. Deste modo, a autonomia normativa da for-
ma jurídica conduziu a um efeito de repercussão sobre a economia, que apenas tinha
querido servir-se daquela» -- Um outro exemplo famoso da autonomia do ideal face ao eco-
nómico é dado por Max Weber: Se o marxismo tivesse razão, seria de todo incompreensível
ter-se o capitalismo na Inglaterra e nos estados continentais desenvolvido, no essencial, da
mesma maneira, ao passo que os sistemas jurídicos de ambos são completamente diferen-
tes (Die protestantische Ethik..., cit., em especial pp. 64 ss).
151 E. Paschukanis, Allgemeine Rechtslehre und Marxismus, 3.a ed. (alemã), 1970, espe-
cialmente pp. 33 ss.
152 Mais detidamente sobre estes desenvolvimentos, E. Bloch, Naturrecht und mens-
chliche Würde, 1961, pp. 253 ss.
111
-
nha sequer chegado a ser demitido dela. Contudo, o direito socialista não
é, de modo algum, o direito de uma sociedade sem classes. O que é direi-
to, «é reconhecido como tal pelo partido comunista, isto é, pelo comité cen»
tral [mais correctamente, o ‹‹politburo››], através do seu juízo colectivo>>153.
Em última instância, a «legalidade socialista››, sobre a qual tanto é dito e
escrito, não é mais do que a expressão do papel de líder ditatorial exerci»
do pelo partido e, por isso, pelo Estado, visto que estes são um só. Hegel,
orientando-se exclusivamente pelo ideal, chegou à absolutização do Es-
tado; o marxismo atingiu o mesmo resultado ao guiar-se unicamente pelo
material. Porém, a prova concreta disto mesmo só foi conseguida no sé-
culo XX. Este século, que agora termina, trouxe a derrocada quase total do
marxismo, que ninguém havia previsto. De tal maneira, que à pergunta
formulada por Klenner «O que resta da teoria marxista do direito?››154
apenas se pode responder: muito não resta de certeza! - embora o Marx
filósofo venha, sem dúvida, a sobreviver.
153 Selektor, em Philosophie und Gesellschaft, pp. 335 ss.; citado por Welzel,Naturrecht..., cit.,
p. 200. Cfr. também H. Klenner, Der Mamismus-Ieninismus über das Wesen des Rechts, 1954.
154 H. Klenner, «Was bleibt von der marxistischen Rechtstheorie?», em NJ (1991), pp.
442 ss. .
155 Grundlagen des Naturrechts nach Prinzipz'en der Wissenschaftslehre, iniciado em
1795; Rechtslehre, 1812. Cfr. M. Kahlo/E.A. Wolff/R. Zaczyk (org), Fichtes Lehre vom Rechts-
verhältnis; Die Deduktion der §§ 1-4 der «Grundlagen des Naturrechts» und ihre Stellung
.in der Rechtsphilosphie, 1992.
155 De interesse são, sobretudo, os seus numerosos trabalhos acerca da filosofia da na-
tureza. Outros escritos não publicados do seu espólio poderiam ainda ser importantes para
a filosofia do direito. `
112
16° Cfr., recentemente, Henry Kerger, Autorität und Recht im Denken Nietzsches, 1988.
V. ainda K. AnseIl-Pearson, Nietzsche contra Rousseau;A Study ofIWIetzsche*s1 Moral and Po-
litical Thought, 1991.
161 Nos tempos mais recentes, surgiram, ainda assim, alguns trabalhos de referência: K.
Brinkmann, Die Rechts-und Staatslehre Arthur Schopenhauers, 1985; PR: Glauser, Arthur
Schopenhauers Rechtslehre; Eine Lehre vom moralischen Recht, 1967; R. Neidert, Die
Rechtsphilosophie Schopenhauers und .ihr Schweigen zum Widerstandsrecht, 1966. Além
destas obras, v. ainda N. Hoerster, «Aktuelles in Schopenhauers Philosophie von der Strafe»,
em ARSP, LVIII (1972), pp. 555 ss.. Esta actualidade [‹‹Aktuelles»] é, todavia, contestada por
H. Ostermeyer, em ARSP, LIX (1973), pp. 237 ss.. Resposta de Hoerster, ibidem, p. 242. Mais
recentemente, H. Münkler, «Das Dilemma des deutschen Bürgertums: Recht, Staat und
Eigentum in der Philosophie Arthur Schopenhauers, em ARSP, LXVII (1981), pp. 379 ss;
Mario A. Cattaneo, «Das Problem des Strafrechts im Denken Schopenhauers››, em Schope-
nhauer-Jahrbuch, 67 (1986), pp. 95 ss.; idem, «Schopenhauers Kritik der Kantischen Rechts-
lehre, ibidem, 69 (1988), pp. 399 ss.; Würkner, Recht und Staat bei Arthur Schopenhauer, em
NJW (1988), pp. 2213 SS. `
114
164 Segundo S. Tomás de Aquino, o conceito e a validade da lex compreendem quatro mo-
mentos: 1. ela é uma ratiomls ordinatio, 2. ela dirige-se ad bonum. comune, 3. ela tem de ser
emitida por aquele qui curam communitatis habet e 4. ela necessita de uma promušgatio
(Summa theologica, I, II, 90, 4).
166 Sobre a «doutrina do duplo conceito de lei» cfr., mais pormenorizadamente, E.-W.
Böckenforde, Gesetz und gesetzgebende Gewalt; Von den Anfängen der deutschen Staats-
rechtslehre bis zur Höhe des staatsrechtlichen Positivismus, 2.a ed., 1981,- pp. 226 ss..
166 Sobre ele, v., sobretudo, Radbruch, nota 2. Feuerbach é o pai do filósofo Ludwig
Feuerbach e avô do pintor Anselm Feuerbach, Ver, ainda, E. Kipper, Johann Paul Anselm
Feuerbach, 2.6l ed., 1989, bem como G. Harley et al. , em B. Wilhelmi (org), Gedenkkonferenz:
für den Juristen PJA. Feuerbach, 1984.
167 Feuerbach, Kritik des natürlichen Rechts aZs Propädeutik zu einer Wissenschaft der
natüriichen Rechte, 1796. A este respeito (com outras indicações) Arthur Kaufmann, «Paul
Johann Anselm v. Feuerbach- Jurist des Kritizismus», em Land and Reich- Stamm and
Nation, Problema and Perspektiven bayerischer Geschichte; Festg. f M Spindler zum 90. Ge-
burtstag, 3°. vol.: Vom Vormârz bis zur Gegenwart, 1984, pp. 181 ss.
1'16
168 Montesquieu, De Fesprit des lois, XI. livro, 6. cap. -« Só nos podemos referir vaga-
mente à importância de Montesquieu para a filosofia do Estado. Ela revela-se da forma
mais clara na comparação com Rousseau. A muitas vezes citada «volonté génerale» deste
último, a vontade geral (que nele não representa, obviamente, uma mera grandeza quanti-
tativa), significa uma absolutização do princípio da maioria; as liberdades fundamentais
não eram, para Rousseau, dadas pela natureza, mas politicamente garantidas (democracia
absoluta). Montesquieu, pelo contrário, defendia, com a sua teoria da separação de poderes,
uma limitação do absolutismo do Estado, também do absolutismo da maioria, e o ideal li-
beral, segundo o qual as liberdades fundamentais são direitos naturais, que o Estado não
concede, mas que deve proteger.
169 Feuerbach, Kritik des Kleinschrodischen Entwurfs zu einem peinlichen Gesetzbuche
für die Chur-Pfalz-Bayerischen Staaten, 1804, II, p. 20.
117
ça cujo Serviço é a sua razão de ser››170: isto é, não há vinculação à «lei in-
ljusta» (Gustav Radbruch).
Por conseguinte, o positivismo de Feuerbach dispõe de uma cláusula
salvadora. É um «positivismo legitimo››, orientado por valores _- justiça,
moralidade, conformidade a fins _, mas que, pelo menos em regra, não faz
depender a validade da lei da correspondência do seu conteúdo com aque-
les valores. Para o positivismo, qualquer lei é, em princípio, válida, desde
que a sua emissão tenha respeitado a forma para ela prevista. Lembramo-
-nos imediatamente de Kant. Só à forma é fornecida a priori, não o con-
teúdo. Também o «direito em si››, o direito natural, não é cognoscível na
sua totalidade, devido à incapacidade do entendimento de apreender «ma-
téria em si››. O «direito correcto» só pode subsistir enquanto categoria do
nosso entendimento, enquanto forma de pensamento vazia, que nós apli-
camos à matéria jurídica dada empiricamente, através da qual pensamos
a norma positiva como direito, como direito correcto. Neste sentido, dizia o
neokantiano Rudolf Stammler ( 1856-1988; inseria-se na orientação de
Marburg do neokantianismo) «não poder existir nenhuma disposição jurí-
dica estabelecida de modo absolutamente correcto na especificidade do seu
conteúdo>>171. Isto, precisamente porque, segundo ele, o «direito correcto»
não é mais do que uma «pura forma de pensamento», um «método formal››,
um «questionar» direccionado «à característica fundamental de um dado
conteúdo de direito››172. Segundo Stammler, só pode existir um «direito na-
tural» cujo conteúdo seja variávellm.
Mas o positivismo do século XIX também teve origem numa outra fon-
te: o empirismo (correspondentemente, desenvolveram-se, mais tarde, um
positivismo jurídico lógico-normativo e um positivismo jurídico sociológi-
co). Após o racionalismo ter desprezado o mundo do sensivelmente real
com o seu método dedutivo redutor, as atenções voltaram-se para os fac-
tos. Kant já havia exposto as duas raízes do conhecimento, os sentidos e o
entendimento, e, no respeitante àqueles, juntou-se aos empiristas ingleses.
170 Feuerbach, Die hohe Würde des Richteramts, 1817. V., mais detalhadamente, Arthur
Kaufmann, «Paul Johann Anselm v. Feuerbach: «Die hohe Würde des Richteramts››, em
Festschr. fi K. Larenz zum 80. Geburtstag, 1983, pp. 319 ss.
m Stammler, Die Lehre..., cit., p. 94.
“2 Stammler, Die Lehre..., cit., p. 51; Theorie der Rechtswissenschafl, 2.a ed., 1923, p. 27.
173 Stammler, Wirtschafl und Recht nach der materialistischen Geschichtsaufiassung,
1895, p. 185. `
118
174 Sobre Locke, cfr. W. Euchner, Naturrecht und Politik bei John Locke, 1979.
175 Cfr. Hume, Treatise (Books I-III) and Enquiries, 1991.
176 V. A. Comte, Rede über den, Geist des Positivismus; trad., introdução e ed. de Iring
Fetscher, 3.a ed., 1979.
119
177 Radbruch, Rechtsphilosophie, 9.a ed. (póstuma), 1983, p. 175; GRGA, II, 1993.
“8 Radbruch, Rechtsphilosophie..., cit., p. 176.
179 Radbruch, Rechtsphilosophie..., cit., p. 110.
120
13° Ver v. Liszt, «Das «richtige Recht» in der Strafgesetzgebung», em ZStW, 26 (1906),
pp. 533 ss., 27 (1907), pp. 91 ss.
121
riantes (não, por exemplo, em Gabriel Marcel e também quase sem releÚ
vãncia em Karl Jaspers). Isto revela-se, acima de tudo, na concepção on-
tológica de Jean-Paul Sartre (1905-1980), segundo a qual a existência pre-
cede a essência, com consequência de nada nos ser dado a priori, nenhuma
moral, nenhuns valores, nenhuns conteúdos jurídicos indisponíveis; tudo
é obra do homem totalmente centrado em sim. Mas também Martin
Heidegger (1889-1976) não consegue aceder a uma compreensão do direi-
to que coloque barreiras à arbitrariedade, visto que, segundo ele, o direito não
possui qualquer modo de ser (Seinsmodus) ‹‹seu››, qualquer «ser próprio»,
apontando Heidegger antes para a «inautenticidade›› da forma jurídica: o
abandono dos sujeitos à «existência massificada>>182.
A. isto somou-se uma circunstância ainda mais gravosa, que, aliás, per-
maneceu latente durante- muito tempo: o positivismo é impotente face a
leis injustas ou imorais. Vimos que Feuerbach, para obviar a esta situação,
introduziu uma cláusula: não há dever de obediência face a uma lex cor-
rupta, (neste ponto, ele não era um verdadeiro positivista). Contudo, nos fi-
nais do século, deixou-se cair esta barreira. Tomou-se o positivismo à letra,
identificando lei e direito, pelo que não só apenas a lei é direito, mas tam»
bém qualquer lei é direito. Era a transição do «positivimo científico» para
o «positivismo legalista.››183 Assim, Bergbohm explicava com fatal coerên-
cia termos de «reconhecer como vinculativo mesmo o direito legal mais ab-
jecto, desde que produzido de um modo formalmente correcto››. É certo que
um tal «direito aberrante» deverá ser revogado tão cedo quanto possível,
mas deve «continuar a ser, hoje, respeitado, por ser, hoje, lei>>184. Ou citan-
do Somló: «É incontestavelmente verdade, que o poder jurídico (ou, segun-
do uma outra terminologia, o legislador, o Estado, o poder soberano) pode
estabelecer qualquer conteúdo jurídico››185. E podiam acrescentar-se decla-
rações similares, por exemplo, de Paul Guggenheim e de Hans Kelsen.
Em tudo isto deve, porém, ser tomado em consideração que os positi-
vistas dos finais do século XIX e princípios do século XX partiam do pres-
suposto, para eles evidente, de que o legislador não emite leis ‹‹abjectas».
E, de facto, o legislador de então também não o fazia. Nele estava ainda
de tal maneira viva a consciência de uma ética material, que nem sequer
lhe ocorria abusar da omnipotência que lhe conferia o positivismo
e produzir outras leis que não leis justas ou que, pelo menos, não fossem
injustas. E o positivismo «científicm baseava-se precisamente nesta ga-
rantia de que «a lei incorpora um pouco da ordem condicionada pela na-
tureza das coisas; em cada área a regular a intenção de justiça é decisiva
e claramente visível, em toda a prossecução de fins exigida pela vida so-
cial a ideia de direito não deve ser esmagada pela crassa utilidade>>186.
No entanto, chegada a altura da prova, tudo isto se desvaneceu como
uma bola de sabão.
183 Cfr. Wieacker, Privatrechtsgeschichte..., cit., pp. 458 ss., que fala de uma «vitória da
justiça sobre a ciência jurídica, da nação política sobre a nação cultural».
184 K. Bergbohm, Jurisprudenz..., cit., pp. 144 ss.
185 F. Somló, Juristische Grundlehre, 2.a ed., 1927 (reimpressão, 1973), p. 308.
185 Eb. Schmidt, Gesetz und Richter; Wert und Unwert des Positivismus, 1952, pp. 7 ss.
123
-
rão, porventura, esquecidos, mas cujas acções jamais serão olvidadas.
Esses actos começaram, desde logo, quando se sancionaram aprovativa-
mente as violações dos nacional-socialistas à integridade dos direitos fun-
damentais praticadas logo após a tomada do poder. Os direitos fundamen-
tais foram qualificados como legado do liberalismo e do individualismo, os
quais, na «comunidade étnica» podiam, quando muito, aspirar a um lugar
subordinado. De resto, liberalismo, individualismo e, evidentemente, tam-
bém o judaísmo, o pacifismo, o socialismo e a maçonaria eram tidos como os
piores inimigos dos filósofos do direito nacional-socialistas. Foi também em
nome deste antiliberalismo e anti-individualismo que também se atacaram
os direitos subjectivos, sobretudo os direitos subjectivos públicos, falando-se
até do fim do direito subjectivo público. Também a restrição da capacidade
jurídica e da subjectividade jurídica foi consequência desta concepção tota-
litária do direito; só os ‹‹compatriotas›› podiam ter capacidade jurídica, não
187 Desenvolvidamente, com uma vasta indicação de fontes: Arthur Kaufmann, «Rechts-
philosophie und Nationalsozialismus» em ARSP, suplemento n.° 18 (1983), pp. 1 ss.; v. tam-
bém J. Ward, Law, Philosophy and Nationalsocialism; Heidegger, Schmitt and Radbruch in
Context, 1992.
124
188 K. Larenz, Rechts und Staatsphilosophie der Gegenwart, 2.al ed., 1935, pp. 150 ss.
-
125
_ sociedades com uma estrutura muito simples, mas não basta à sociedade
moderna, altamente complexa, com um sistema económico muito sensí-
vel. Por outro lado, é certo que o positivismo jurídico promoveu as gran-
des obras legislativas dos fins do século XIX, porque o legislador da altu-
ra ainda era guiado por uma forte consciência moral. Contudo, nas
ditaduras do nosso tempo, tal pressuposto já não é válido sem mais; leis
vergonhosas já não se limitam a ser exemplos académicos, tendo-se tor-
nado realidade. O conceito de lei_puramente formal falhou-189.
2.2.4.2. O neopositivismo
1990, pp. 331 ss. Sobre o direito natural actual, de outra perspectiva: RP. George, Nata-
-
ral Law Theory; Contemporary Essays, 1992. Ver, muito recentemente, também J. HruS-
chka, «Vorpositives Recht als Gegenstand und Aufgaben der Rechtswissenschaft››, em JZ
(1992), pp. 429 ss.
192 BGHSt, 6, 46; também 6, 147.
127
turalistas. Isto pode ser aqui exposto de forma genérica. A doutrina do di-
reito natural («clássica», isto é, absolutista e racionalista) e o positivismo
legalista distinguem-se, do ponto de vista ontológico e da filosofia do di-
reito, nas suas concepções acerca do fundamento de existência, da valida-
de do direito: naquela é a «natureza do homem», predeterminada e imu-
tável; neste trata-se da «vontade (mutável) do legislador», desligada de
uma ordem natural preexistente. Entretanto, do ponto de vista da teoria
e da metodologia do direito, ambos têm o mesmo entendimento do proces-
so de determinação do direito: segundo a doutrina racionalista do direito
natural, deduzem-se a partir de princípios ético-jurídicos absolutos as nor-
mas jurídicas positivas e, destas, as decisões jurídicas concretas; de acordo
com o positivismo legalista (normativista), estas também se extraiem das
leis, com o auxílio das directivas do legislador (trabalhos preparatórios),
sem recurso à experiência, unicamente através da dedução e, neste senti-
do, de uma forma «estritamente lógica››. Naturalmente que havia sempre
influência empírica, mas esta não se tornava evidente. Assim, o direito
positivo, concreto é, para ambos os modelos de pensamento, algo estático,
determinado a priori. Esta proximidade de dois adversários assumidos
como o são o direito natural e o positivismo, pode parecer espantosa, mas
tem, sem dúvida, as suas razões internas. Ambos são axiomaticamente
orientados, ambos se baseiam na corrente codificadora e, sobretudo, am-
bos estão comprometidos com o sistema filosófico do racionalismo no sen-
tido da construção de um sistema fechado de conhecimentos adequados e
exactos.
No fundo, se analisado atentamente, o neopositivismo só dispõe de um
argumento para a sua defesa: a insustentabilidade da doutrina do direi-
to natural. Consequentemente, o surgir do positivismo no direito só seria
necessário, se a alternativa direito natural ou positivismo fosse exclusi-
va de outros soluções _ o que, desde tempos imemoriais, é tido por evi-
dente de forma totalmente acrítica. Hoje, só muito dificilmente se encon-
tra uma fundamentação filosófica do positivismo tal como a apresentou,
por exemplo, Hans Kelsen na sua Teoria Pura do Direito. É-se positivis-
ta por resignação céptica. A forma como Hans-Ulrich Evers retoma as du-
vidosas concepções dos positivistas da viragem do século caracteriza bem
o espírito do tempo: «Até a ordem juridica mais reprováve1», diz ele, «tem
ainda um valor que obriga...››, pois também ela oferece ainda «um míni-
mo de protecção» e «em virtude dessa função tem também um valor...
128
2.2.4.3. O funcionalismo
-- Um dos pou-
*93 .l-I.-U. Evers, Der Richter und das unsittliche Gesetz, 1956, p. 141. 72.
ojuridico hoje é N. Hoerster: Verteidigu ng des Rechtspos itivismus,
cos adeptos do positivism
, 1988; R. Dreier
1989. A este propósito, v. E.J.-Lampe, Grenzen des Rechtspositivismus
heft, 37 (1990); idem,
(org), «Rechtspositivismus und Wertbezug des Rechts››, em ARSP-Bei
t oder Rechtspos itivismus?› ›, em RTh, 18 (1987), pp. 368 ss., W. Krawietz,
«Neues Naturrech
209 ss; W. Maihofer
«Neues Naturrecht oder Rechtspositivismus?», em RTh, 18 (1987), pp.
us?, 3.nl ed., 1981; N. MacCormi ck/O. Weinberger, Grun-
(org), Naturrecht oder Positiuism
des institution aiistischen Rechtspos itiuismus, 1985; G. Marino, Positivismo e Giu-
dlagen
rispmdenza, 1986; G. Zaccaria, Diritto positivo Positivitá del Diritto, 1989.
194 A sua obra mais conhecida: Legitimation durch Verfahren, 1969.
zeitge-
195 Mais detalhadamente, Arthur Kaufmann/W. Hassemer, Grundprobleme der
pp. 27 ss.; R. Dreier,
nössischen Rechtsphilosphie und Rechtstheorie der Gegenwart, 1971,
_ Morcd - Ideologie, 1980, pp. 270 ss.: «Zu Luhmanns systemthe oretischer Neu-
Recht
nte, sobretudo também L. Phil-
formulierung des Gerechtigkeitsproblems». V., recenteme
129
lipps/H. Scholler (org), Jenseits des Funktionalismus; Arthur Kaufmann zum 65. Geburts-
tag, 1989.
196 Cfr. A. Kaufmann, Recht and Rationalität..., cit., pp. 1 ss., em especial pp. 24 ss.
197 V. W. Stegmüller, Haaptströmangen der Gegenwartsphãlosophie, 1.° vol., 6.a ed., 1978,
pp. 429 ss., em especial p. 431. '
180
2.2.4.4.4. O neohegelianísmo
20° G. Stratenwerth defende de forma muito clara esta posição em: Das rechtstheoretis-
che Problem der «Natur der Sache», 1957.
201 G. Radbruch, Vorschule..., cit., § 1: «Wirklichkeit und Wert»; GRGA, 2.° vol., 1993.
202 G. Radbruch, «Die Natur de:` Sache als juristische Denkform», em Festschr. zu. Ehren
von R.. Luan, 1948, pp. 157 ss.; GRGA, 3.° vol., 1990, pp. 229 ss.
203 W. Maihofer, «Die Natur der Sache», em ARSP, XLlV (1958), pp. 145 ss.. Quanto à minha
própria posição, ver A. Kaufmann,Anal0gie... , cit.: a «natureza das coisas» é o elo de ligação («ca-
talisador») entre ser e dever-ser, caso e norma (cfr., a este respeito, vários contributos em P. Ne-
rhot [org.], Legal Knowledge andAnalogy; Fragments ofLegal Epistemology, Hermeneutics and
Linguistics, 1991). Muito recentemente, sobretudo, F. Romeo, Analogie; Zu einem relationalen
Wahrheitsbegrifi im Recht, 1991 e A.W.H. Langhein, Das Prinzip der Analogie als jw'istische
Methode, 1992. D0 círculo das vozes críticas é de referir especialmente R. Dreier, Zum, Problem
der «Natur der Sache», 1965. Em A. Kaufmann (org), Die ontologische Begründung des Reehts,
1965, pp. 4-243, pode também encontrar-se bibliografia acerca da «natureza das coisas».
204 Cfr., sobre Binder, R. Dreier, Recht _ Staat - Vernunft, 1991, pp. 142 ss.: «Julius
Binder (1870-1939); Ein Rechtsphilosoph zwischen Kaiserreich und Nationalsozialismus».
#________.ü
132
205 Vale a pena ler, ainda hoje: K. Larenz, Hegels Zarechnungsiehre and der Begriffder
objecktiven Zarechnang, 1927.
206 G. Stratenwerth tem uma concepção diferente da «natureza das coisas››, ou seja, uma
concepção relacional. A minha própria posição é, neste aspecto, muito semelhante.
2m H.L.A. Hart, Der Begriffdes Rechts (do inglês), 1973; idem, Recht und Morai (do in-
glês), 1971; E. Barros, Rechtsgeitung and Rechtsordnang; eine Kritik des analytischcn
Rechtsbegriffs, 1984; G. Robles, Rechtsregein and Spielregeln; Eine Abhandiung zur anaiy-
tischen. Rechtstheorie, 1987; J.-M. Priester, «Rechtstheorie als analytische Wissenschafts-
theorie››, em G. Jahr/W. Maihofer (org), Rechtstheorie, 1971, pp. 13 ss; E. Tugendhat, Vor-
Zesunegn zur Einführung in die sprachanalytische Philosophie, 1976; H.-J. Koch,
Juristische Methodeniehre and analytische Philosophie, 1976; K.L`. Kunz, Die analytische
Rechtstheorie: Eine «Reckts»-rheorie ohne Recht?, 1977; H. Eckmann, Rechtspositivismus
133
and sprachanaiytische Phiiosophie; Der Begriff des Rechts in. der Rechtstheorie H.L.A.
Harts, 1969; V. Steiner, «Analytische Auffassung des Rechts und der Rechtsinterpretation»,
em ARSP, LXIX (1983), pp. 299 ss. _ Uma investigação analítica relacionada com a práti-
ca: E. v. Savigny, Die Úberprz'iƒbarkeit der Strafrechtssätze, 1967.
208 H. Kelsen, Allgemeine Theorie der Normen, 1979 (ed. póstuma).
209 V. K. Opatek, Úberiegungen zu. Keisens «Aligcmeiner Theoric der Normen››, 1980;
idem, Theorie der Direktiven und der Nor-men, 1986. Ver ainda O. Weinberger, Norm. and
Institution, 1988.
21° V. K. Engisch, Logische Studien zur Gesetzesanweridung, 3.al ed., 1963; U. Klug, Ju-
ristische Logik, 4.a ed., 1982; I. Tammelo/HSchreiner, Gruridziige and Grunduerfahren der
Rechtslogik, 2 vols., 1974/1977; O. Weinberger, Rechtsiogik; Versuch einer Anwendung ma-
derner Logik aafdasjaristische Denken, 1970.
211 G.H.'von Wright, An. Essay in. Deontic Logic and the General Theory,I ofAction., 1968;
idem, «Deontic Logic Revisited››, em RTh, 4 (1973), pp. 37 ss.; V. ainda, por exemplo, G. Ka-
linowski, «Die präskriptive und die deskriptive Sprache in der deontischen Logik», em RTh,
9 (1978), pp. 411 ss.; A.G. Conte, «Konstitutive Regeln und Deontik>›, em Ethics; Founda-
tions, Probiems and Applications, 1981, pp. 82 ss.
212 Sobre isto, v. sobretudo K.R. Popper, Die offene Gesellschaft and ihre Feinde, 2 vols.,
6.a ed., 1980 (o 1.o vol. Trata de Platão). _ Cfr. o anti-Popper: AF. Utz (org), Die offene Ge-
134
sellschaft and ihre Ideoiogien, 1986. - No sentido de um «sistema aberto» vão também C.-
W. Canaris, Systemdenken and Systembegriffin der Jurisprudenz, 2.a ed., 1983, pp. 61 ss;
W Fikentscher, Methoden des Rechts in vergleichender Darsteliang, 2 vols., 1975, pp. 64 ss.;
213 T. Viehweg, Topik and Jurisprudenz, 5.a ed., 1954; Ch. Perelman, Das Reich der Rhe-
torik; Rhetorik and Argumentation, 1980; V. também W. Schreckenberger, Rhetorische Se-
miotik, 1978; F. Haft, Juristische Rhetorik, 3.a ed., 1985; O. Ballweg et ai. (org), Rhetorische
Rechtstheorie, 1982; K Lüdersen, «Juristische Topik und konsensorientierte Rechtsgel-
tung›>, em Festschr. ff H. Going, 1.° vol., 1982, pp. 549 ss.; G. Struck, Topische Jurisprudeaz,
1971; O. Weinberger, «Topik und Plausibilitätsargumentation», em ARSP, LXV (1973), pp.
17 ss.; W Gast, Jaristische Rhetorik, 2.al ed., 1992.
214 Sobre os problemas do sistema axiomático, da tópica e do sistema aberto (entendido
estruturalisticamente), v. H. Otto, «Methode und System in der Rechtswissenschaft», em
ARSP, LV (1969), PP. 493 ss.
215 Quanto a esta, de forma clara e convincente, J. Stelmach, Die hermeneutische Auf-
fassang der Rechtsphilosophie, 1991, pp. 44 ss., 135 ss. R. Zippelius, Rechtsphilosophie, 2.a
ed., 1989, pp. 76 ss.
135
Esquema 3
sER DEVER-ssa
1. Ser e dever-ser são idênticos (‹‹monismo metódico››)
Doutrina clássica (idealista) do direito naturai
(Tomás de Aquino, neotomistas, Hegel)
-
fase, Maihofer)
experiência pensamento
imanente transcendente
sistema aberto sistema fechado
tópica (aporética) axiomática
caso norma
concreto-positivo abstracto-geral
poder (fáctico) autoridade (teórica/moral)
eficácia vafidade
heteronomia autonomia
coacção liberdade
causahdade finalidade (teleologia) conformidade a fins
Esquema 4
O conceito de direito
segundo Gustav Radbruch
Dedução
áf-
moral 4 ä bondade
(moralidade)
M A//f/Q q
_ . . . _ . I
. . _
positividade normatdade generalidade sociabilidade I
segurança finalidade igualdade ordem das
jurídica (telas) da lei generalidade relações sociais
dos homens
Uma disciplina que, nos últimos tempos, ganhou muito terreno e con-
tribuiu para a renovação do direito (e isto, frequentemente, no sentido de
uma superação da controvérsia direito natural -- positivismo) é a antro-
pologia jurídica.
J á a teoria da justiça de Radbruch aponta, de forma consequente, para
o homem como fundamento e meta de todo o direito (cfr. mais uma vez o
Esquema 5) e, assim, para a antropologia jurídica. Contudo, Radbruch
não desenvolveu uma antropologia jurídica enquanto tal. Não era esse o
espírito daquele tempo. De resto, a antropologia foi, durante muito tem-
po, encarada como uma enteada da ciência, o que tem as suas razões234.
234 Para uma introdução resumida à antropologia moderna: K. Lorenz, Einführung in die
philosophischeAnthropoiogie, 2.a ed., 1992 e G. Haeffner, Philosophische Anthropologie, 1982.
235 Assim, por exemplo, E.-J. Lampe, «Rechtsanthropologie», em Ergänzbares Lexikon
des Rechts, LdR 18, de 73.1986.
236 De legibus, I, 17.
146
237 Também não são poucas as «concepções/imagens» do homem no direito. Cfr., p. ex.,
G. Radbruch, Der Mensch im Recht, 19237; K. Engisch, «Der Mensch im Recht››, em Vom Weir-
bild. des Juristen, 2.a ed., 1965, pp. 26 ss., H. Sinzheimer, Das Problem des Menschen im
Recht, 1933; U. Klug, «Das Menschenbild im Recht», em W. Silber (org), Dos Menschenbild
der Gegeart, 1955, pp. 35 ss.; J.J. van der Vem, Ius Hzrmonum...cit., pp. 18 ss., Arthur
Kaufmann, RechtsphiZosophie tmn., cit., pp. 23 ss., F. Kopp, «Das Menschenbild im Recht
und in der Rechtswissenschaft», em Rechtsstaat, Kirche und Sinnverantwortung; Festschr.
fi K. Obermayer, 1986, pp. 53 ss., H.-O. Mühleisen, «Úberlegungen zum Zusammenhang von
Menschenbild und politischer Ordnung››, em Menschenwürde _ SozioXe Gerechtigkeit _
Europa; Festschr. ff Ff Pirkl zum 60. Geburtstag, 1985, pp. 103 ss.
238 M. Scheler, Die Steliung des Menschen im Kosmos, 1928 (6.a ed. 1962).
239 Sartre, Critique de Za raison dialectique, 1960. Trata-se de uma antropologia de cu-
nho marxista. Uma antropologia de uma perspectiva estruturalista foi exposta por C. Lévi-
Strauss: Strukturale Anthropologie, 1966. De um ponto de vista cristão: Wolfhart Pannen-
berg,Anthropologie in theoiogischer Perspektive, 1983.
147
tudie zu den Evolutionsprinzipien des Rechts aufanthropdogischer Grundlage, 1980. Dos ar-
tigos menos extensos são importantes: Thomas Würtenberger, «Úber Rechtsanthropologie»,
em Mensch and Recht; Festschr: fi Erik l'Volfzum 70. Geburtstag, 1972, pp. 1 ss; W. Maihofer,
«Anthropologie der Koexistenz››, ibidem, pp. 163 ss.; P. Noll, «Die Normativitãt als recht-
santhropologisches Grundphãnomen», em Festschr. f Karl Engisch, 1969, pp. 125 ss.; Erik
Wolf, «Das Problem einer Rechtsanthropologie», em Die Frage nach dem Menschen:Aufriss
einer philosophischen Anthropologie; Festschr. ff Max Müller, 1966, pp. 130 ss; R. Zippelius,
«Erträge der Soziobiologie für die Rechtswissenschaft», em ARSP, LXXIII (1987), pp. 386 ss;
H. Müller-Dietz, «Existentielles Naturrecht und Rechtsanthropologie», ibidem, pp. 391 ss; N.
_ Brieskorn, Rechtsphilosophie, 1990, pp. 23 ss; R. Zippelius, Rechtsphiiosophie..., cit., pp. 53 ss.
244 A literatura sobre este assunto tem vindo a crescer exponencialmente. Apenas pos-
so indicar aqui o meu artigo em JZ (1987), pp. 837 ss. e a vasta bibliografia nele contida:
«Rechtsphilosophisches Reflexionen über Biotechnologie und Bioethik an der Schwelle
zum dritten Jahrtausend».
245 Citado por Th. Würtenberger, «Jurisprudenz und philosophische Anthropologie>›, em
Die Welstimmigkeit der Wissnschaft; Freiburger Dies Universitatis, 7 vols., 1957/59, p. 100.
149
2.2.5.4.1. A hermenêutica
246 Sobre eles, H. Birus (org), Hermeneuiische Positioneri; Schieiermacher, Dilthey, Hei-
degger, Gadamer, 1982 (O livro de Gadamer: Wahrheit und IMethode; Grundzúge einer phi-
losophischen Hermeneutik, 5.a ed., 1986 é a obra mais importante a nível mundial); U. Nas-
sen, Klassiker der Hermeneutik, 1982. Da literatura geral, ver ainda, p. ex., J. Grondin,
Einfiihrung in. die philosophische Hermeneutik, 1991; F. Rodi, Erkenntnis des Erkannten;
Zur Hermeneutik des 19. und 20. Jahrhunderts, 1990; H. Ineichen, Philosophische Herme-
neutik, 1991; B. Rössler, Die Theorie des Verstehens in Sprachanalyse und Hermeneutik,
1990; J. Zimmermann, Wittgensteins sprachphilosophische Hermeneurik, 1977. Da rica bi-
-
bliografiajuridica, v., sobretudo, como boa fonte de informação, o escrito de J. Stelmach, Das
hermenêutische Verständnis der Rechtsphilosophie, 1991. Ver, ainda, J. Brito, «Hermenêutik
und Recht››, em Zschr. d. Savigny-Stifiung für Rechtsgeschichte, Romanistische Abteilung,
1987, pp. 596 ss.; J. Esser, Vorverstãndnis und Methodenwahl in der Rechtsƒindung, 2.al ed.,
1972; M. Frommel, Die Rezepiion der Hermeneutik bei Karl Larenz und JosefEsser, 1981;
W. Hassemer, Tatbestand und Typus; Untersuchungen. zur sirafrechtiichen Hermerieutik,
1968; idem, «Juristische Hermeneutik», em ARSP, LXXII (1986), pp. 195 ss.; idem (org), Di-
mensioneri der Hermeneutik; Arthur Kaufmann zum 60. Geburtsiag, 1984; A. Kaufniann,
' Beiträge zurjuristischen Herrneneutik, 2.a ed., 1993; idem, Anaiogie..., cit.; J. Hruschka, Das
Verstehen von Rechtstexten; Zur hermenêutischen Transpositivität des positiven Rechts,
1972; S. Jørgensen, «Hermeneutik und Auslegung», em RTh., 19 (1978), pp. 63 ss.; J. Lame-
go, Hermenêutica e Jurisprudência, 1990; P. Ricoeur, Die Interpretation, 1969; T. Studnicki,
«Das Vorverständnis im Begriff der juristischen Hermeneutik››, em ARSP, LXXlII (1987),
pp. 467 ss.; idem, «Das hermenêutische BewuBtsein der Juristen››, em RTh,18 (1987), pp. 344
ss.; J. Uusitalo, «Legal Dogmatics, Epistemology and Radical Hermeneutics››, em ARSP-Bei-
heft, 40 (1991), pp. 116 35.; G. Zaccaria, Ermeneutica e Giurisprudenzia, 2 vols., 1984; idem,
Lhrte deilënterpretazione; Saggi suli'ermeneutica Giuridica contemporanea, 1990; Ch. Wein-
berger/O. Weinberger, Logik, Semantik Hermeneutik, 1979; F. Wieacker, Notizen _zur rechts-
historischen. Hermenêutik, 1963.
150
-
o conhecimento como «decalque›› do objecto na consciência) no fenómeno
de compreensão (hoje, este esquema já é contestado nas próprias ciências
da natureza). Pelo contrário, a compreensão é simultaneamente objectiva
e subjectiva, o sujeito que compreende insere-se no «horizonte de com-
preensão» e não se limita a representar passivamente o objecto da com-
preensão na sua consciência, mas configura-o _ por outras palavras, ele
não ‹‹subsume›› simplesmente o caso na lei, situando-se à margem deste
processo, antes desempenha na chamada «aplicação do direito» um papel
activo-configurador. E, da mesma forma que é Vã a procura de uma «cor-
247 V., quanto a isto, de forma muito clara, J. Stelmach, como na nota 239, pp. 19 ss. en-
tre outras.
248 Cfr. J. Habermas, «Der Universalitãtsanspruch der Hermeneutik», em Hermeneatik
and Dialektik, Festschr. ƒÍ H.-G. Gadamer, 1970, pp. 73 ss. Ver também M. Frank, Das indi-
vidaelle Allgemeine, 1977, pp. 147 ss.: «Die Begründung des Universalitãtsanspruchs der
Hermeneutik».
151
249 V. R. Wittmann, «Der existenzialontologische Begriff des Verstehens und das Problem
der Hermeneutik››, em Hassemer (org), Dimensionen der Hermeneutik... , cit., pp. 41 ss., 48.
250 W. Maihofer, Naturrecht als Existenzrecht, 1963, p. 44.
251 Gadamer, Wahrheit..., cit., p. 279.
252 Gadamer, Wahrheit", cit., p. 265. Em geral, v. também A. Kaufmann, Recht und Ro,-
tionaíität..., cit.,passim.
253 Desenvolvidamente, A.Kaufmann, «Richterpersönlichkeit und richterliche Unab-
hãngigkeit», em Festschr. ff K. Peters, 1974, pp. 295 ss. I
152
254 Sobre 0 ucírculo hermenêutico››, v., com maior detalhe, A. Kaufmann, «Der Zirkels-
chluss in der Recht.sfindung», em Festschr. f. W. Gallas, 1973, pp. 7 ss; recentemente, J. Stel-
mach, como na nota 2391), pp. 54 ss. Corn uma visão muito crítica, W. Stegmüller, `››‹Der so-
gennante Zirkel des Verstehens››, em Natur und Geschichte, X. Deutscher Kongress für
Philosophie, 1973, pp. 21 ss. A respeito deste último artigo, M. Frommel, Die Rezeption...,
cit., pp. 17 ss. _ A expressão mais exacta «espiral hermenêutica» foi introduzida por Has-
semer; Tatbestand..., cit.,pass¿m.
255 Desde há muito que a literatura acerca da teoria da argumentação é vastíssima. São
de referir: S. Toulmin, Der Gebrauch derArgumente (do inglês), 1975; R. Alexy, Theorie der
juristischen Argumentation, 2.a ed., 1991; U. Neumann, Rechtsontologie undjuristischeAr-
gumentation, 1978; idem, Juristische Argumentationsiehre, 1986; A. Aarnio, On LegaZ Rea-
sonmg, 1977; idem et al. (org), «Methodologie und Erkenntnistheorie derjuristischen Ar-
gumentation››, em RTh-Beiheft, 2 (1981); M. Atienza, «For a Theory of Legal
Arguinentation», em RTh, 21 (1990), pp. 393 ss; N. MacCormick, Legal Reasoning and Le-
gal Theory, 1978; A. Peczenik, Grundlagen. derjuristischen Argumenmtion, 1983; idem. et al.
(org), Reasoning on Legai Reasoning, 1979; Ch. Perelman, Juristische Logik ais Argumen-
tationslehre, 1979; M. Pavënik, Juristisches Verstehen und Entscheiden, 1993; W. Hasse-
mer/A. Kaufmann/U. Neumann, «Argumentation und Recht››, em ARSP-Beiheft, N. F. n.° 14
(1980); H. Rodingen, Pragmatik derjuristischen Argumentation, 1977; R. Gröschner, «Theo-
rie und Praxis der juristischen Argumentation», em JZ (1985), pp. 170 ss.; O. Weinberger,
«Logik und Ojektivitãt derjuristischen Argumentation», em Gedächtnisschr. fi I. Tammelo,
1984, pp. 557 ss.; N. Horn, «Rationalität und Autoritãt in derjuristischen Argumentation››,
em RTh, 6 (1975), pp. 145 ss.; G. Struck, Zur Theorie juristischer Argumentation, 1977; H.
Yoshino, «Die logische Struktur der Argumentation bei der juristischen Entscheidung», em
RTh-Beiheft, 2 (1981), pp. 235 ss.; E. Hilgendorf, Argumentation in der Jurisprudenz; Zur
Rezeption analytischer Philosopháe und kritischer Theorie in der Grundlagenforschung der
Jurisprudenz, 1991.
153
259 K. Engisch, Einfühmng in dasjurz'stiscke Dennen, 8.a ed., 1983 (reimpressão, 1989), p. 82.
260 O que, de resto, é concedido por U. Neumann, Rechtsontologie..., cit. É óbvio que o as-
sunto não fica resolvido com a mera enumeração dessas implicações.
261 O. Weinberger, nota 248. É claro que Weinberger trata a questão de forma sensata:
«Não existe uma objectivização cognitiva, conducente ao direito correcto _ em sentido ab-
soluto; quem a pressupõe possível, compreende mal, em minha opinião, a conditio humana
com a sua eterna ambição e procura no campo do conhecimento, bem como no campo da prá-
tica» -- Cfr. também U. Neumann,
262 V. J. Schneider/U. Schroth, infra cap. 14, que atribuem a concepção referida no texto
sobretudo a Robert Alexy. `
155
263 Cfr. Horn, «Rationalitãt...», cit. Do meu ponto de vista, Horn exagera, mas sem dúvi-
da que a sua ideia contém algo de verdadeiro. As posições «objectivistas» não são, de modo
algum,pcr se as mais racionais.
264 Cfr. A. Kaufmann, Beiträge..., cit., pp. 209 ss., em especial 219 ss. (capítulo «Tole-
ranz). V. também H.F. Zacher, «Die immer Wieder neue Notwendigkeit, die immer Wieder
neue Last des Pluralismus», em Festschr. f S. Gagnér, 1991, pp. 579 ss.; também já H.
Krings, «Was ist Wahrheit?; Zum Pluralismus des Wahrheitsbegriffs», em Philosophisches
Jahrbuch, 90 (1983), pp. 20 ss. Ver ainda, p. ex., F. Böckle, «Theologische Dimensionen der
Verantwortlichkeit unter den Bedingungen des Weltanschaulichen P1uralismus››, em Jahr-
buch für Rcchtssoziologie und Rechtstheorie, XIV (1989), pp. 61 ss.; G. Briefs (org), Laissez-
-Faire Pluralismus; Demokratie und Wirtschaft des gcgenwârtigcn Zeitaiters, 1966; W. Sa-
durski, Moral Pluralism and Legaí Neutrality, 1990; M. Mihailina, «Pluralism and Unity of
Law Substance››, em ARSP, LXXVIII (1992), pp. 22 ss; Th. Mayer-Maly, «Werte im Plura-
lismus», em JBI (1991), Pp. 681 ss; J. Braun, «Pluralismus und Grundkonsens», em RTh,
23 (1992), pp. 97 55.; M.Walzer, Sphärcn der Gerechtigkcát; Ein Plädoyer für Pluralität and
Gleichheit (do inglês), 1992.
156
flectiu sobre este problema; cito apenas Alf Ross, que já em 1968 escre-
veu sobre «directivas and norms»267.
Para tornar clara a posição de DWorkin, tem de ser dito, brevemente,
algo sobre a teoria do direito do seu mestre H.L.A. Hart258. Devido à Sua
analítica positivista, Hart só conhece (para além dos usos, nos quais, no
entanto, o direito não se pode exclusivamente basear) rules (a distinção
entre regras primárias e secundárias não é relevante neste contexto) que
sejam normativamente obrigatórias. Todavia, estas rules nem sempre
são exactas; elas deixam em aberto «zonas de penumbra››, «espaços vagos››.
Quando um caso difícil (hard case) não é inequivocamente coberto por uma
regra jurídica, o juiz decide segundo a sua discrição; no quadro do campo
de discricionariedade, a sua decisão está sempre certa.
Neste ponto, onde Hart se detém, entra Dworkin269. Ele questiona~se
acerca do processo que deve conduzir o juiz a uma determinada decisão,
mesmo nos casos difíceis compatíveis com diferentes concepções do direito.
Na sua perspectiva, este é um problema de interpretação. Ele concebe a
determinação do direito como um processo interpretativomo. Contudo, só
isto não traria nada de radicalmente novo face à posição de Hart.
A novidade está em que Dworkin não conhece apenas rules, mas tamÚ
bém general principles oflaw (ele nomeia principalmente três valores fun-
damentais: justiça, ‹‹fairness›› e Estado de direito), os quais _* em con-
traste com a concepção positivista são juridicamente vinculativos, para
-
todos os poderes estaduais: legislativo, judicial, executivo. Neste sentido,
267 Notável é também o trabalho de Werner Lorenz, da sua fase inicial «General Princi-
ples of Law: Their Elaboration in the Court of Justice of the European Communities», em
American Journal of Comparative Law, 13 (1964), pp. 1 58.; É ainda de referir W. Fikents-
cher, que discutiu e esclareceu a relação entre rates eprinciples muito antes de Dworkin o
ter feito: Methoden des Rechts in vergleichenderDarsteliung, 2.” vol.: «Anglo-amerikanis-
cher Rechtskreis», 1975, p. 82, pp. 138 ss., 251 ss.
268 Ver H.L.A. Hart, Der Begriffdes Rechts (do inglês), 1978. [The concept ofLaw,1961].
269 Dworkin desenvolveu a sua teoria principalmente em três livros: Taking Rights Se-
riously, 1978 (em alemão: Bürgerrechte ernstgenommen, 1990); A Matter ofPrinciple, 1985;
LawÍs Empire, 1986. A literatura sobre Dworkin tornou-se, entretanto, muito abrangente.
Com bom valor informativo, C. Bittner, Recht als interpretatioe Praxis; Zu Ronatd Dworkins
allgemeiner Theorie des Rechts, 1988. Ainda P. Mazurek, «Ronald Dworkins konstruktive Me-
thode im Test des reflexiven Ãquilibriums››, em RTh-Beiheft, 2 (1981), pp. 213 ss.; J. Hund,
«New Light on Dworkinis Jurisprudence», em ARSP, LXXV (1989), pp. 468; J. Uusitalo, «Le-
gitimacy in Lavv's Empire: Burke and Paine Reconciled?», em ARSP, LXXV (1989), pp. 484 ss.
270 Ver Dworkin, Lawis Empire.. ., cit., pp. 45 ss. entre outras. I
158
ele considera, sem rodeios, a sua teoria como um «general attack on posi-
tivism>>271. Dworkin vê a diferença entre rules e principles no facto de
aquelas terem uma função de tudo-ou-nada, não deixando, por isso, espa-
ço livre, ao passo que estes possuem uma dimensão de peso e de significa-
do (no nosso direito penal, esta diferença corresponde ao conflito entre teo-
ria das referências pontuais e teoria das referências a âmbitos272). Em
todo o caso, o conceito positivista de direito fica, assim, destruído.
Segundo Dworkin, o juiz deve ter em conta os general principles, sobre-
tudo na interpretação dos hard cases. Ele está convencido que, para cada
caso, só pode existir uma solução correcta. Ele tem obviamente presente
que, para a determinação desta única solução correcta, têm de pressupor-se
um jurista com capacidades sobrehumanas (daí DWorkin denomina-lo
«Hércules››273), o qual nunca dispõe de uma escolha, de' um espaço de dis-
cricionariedade. Este «Hércules›› é, naturalmente, uma ficção, mas DWorkin
exige que, pelo menos, o juiz tenha em conta os general principles no uso do
seu poder discricionário para o aclaramento'd'as «zonas de penumbra››.
A teoria de Dworkin foi, entretanto, aproveitada e modificada por mui-
tos, não podendo nós, aqui, considera-los individualmente274. Como já foi
-
tamento igual, princípio da proporcionalidade e outros ainda. Um dos
muitos problemas aqui suscitados consiste em saber se os princípios ge-
rais de direito não serão demasiado abstractos e pobres de conteúdo, de
tal maneira que, recorrendo exclusivamente a eles, não seria possível che-
gar a decisões jurídicas concretas acertadas (se bem que, ao contrário do
que sucede em Dworkin, seja mais o princípio do que a regra a näo deixar
espaço livre)275. E existirá, como sustenta Dworkin, sempre só uma única
solução correcta, ainda que apenas acessível a um «Hércules››? Ou não será
antes que no normativo não existem justamente aquelas modalidades -
‹‹impossível››, ‹‹necessário››, ‹‹forçoso» -- relevantes para o momento descri-
tivo, mas, preferencialmente, outras como ‹‹plausível››, «harmonioso», «per-
tinente››, de forma que soluções jurídicas diferentes possam ser igualmen-
te ‹‹plausíveis›› (o jurista aprecia o termo ‹‹defensáve1››) e, neste sentido,
correctas? Esta questão permanecerá, por agora, em aberto.
Na esfera anglo~americana, existem ainda outras tentativas de esca-
par aos ultrapassados pragmatismo e positivismo. Nos últimos tempos,
os «criticai legal studies» têm dado que falar276. No entanto, por motivos
de espaço, não nos podemos debruçar sobre esta teoria, que, aliás, ainda
se encontra numa fase inicial de desenvolvimento.
Teremos que nos limitar aqui (e isso é possível) ã história mais recente
da metodologia jurídica277, uma vez que, ã luz dos nossos problemas ac-
' tuais, só ela interessa. Não deve, porém, deixar de ser feita uma referên-
cia expressa ã exposição abrangente de direitos mais antigos e de direi-
tos estrangeiros (romãnicos, anglo-americanos) feita por Wolfgang
Fikentscher; os interessados encontrarão aí informação abundante278.
No início desta secção, deverá constar, pelo menos, uma curta menção
ã teoria da legislação ou da feitura das Zeis, embora esta não costume ser
discutida no quadro da metodologia jurídica. A metodologia tradicional
277 V., a este propósito, o resumo curto mas excelente de Karl Larenz, Methodenlehre der
Rechtswissenschafl, Ei.a ed., 1991, pp. 11 ss.
278 W. Fikentscher, Methoden des Rechts in vergleichender Darstellung, 5 vols., 1975-77.
O 3.° vol. trata da mais recente história da metodologia do círculo jurídico da Europa Cen-
tral, que aqui nos interessa; o 4.° vol. contém a parte dogmática.
Quanto ã literatura geral sobre a metodologia jurídica, remeto para o índice bibliográ-
fico do cap. 1.
161
A metodologia jurídica mais recente começa, pelo menos no que diz res-
peito ao espaço de língua alemã, com Friedrich Carl v. Savigny (cfr. supra
22.3.31)282. Para melhor se compreender a sua metodologia tradicional e
a que nela se inspirou, apresento dois esquemas que expõem os pontos
mais importantes da metodologia tradicional (o Esquema 7 é apresenta-
do autonomamente apenas por razões técnicas; na verdade, ele pertence
ao Esquema 6, devendo ser inserido na sua extrema esquerda, junto a «in-
terpretação››). Isto decorre da consciência de que também uma metodolo-
gia moderna deve assentar naquela base. Assim, contra a opinião de al~
guns metodologos (Josef Esser, Martin Kriele), os cânones tradicionais
não deixam de ter valor porque, até hoje, não foramdescobertas regras de
prioridade precisas e porque, como é do conhecimento do leitor, existem
muitos outros tipos de argumentos para além daqueles quatro cânones.
O aplicador do direito fará, ainda hoje, bem em ater-se, antes do mais, aos
argumentos clássic05283.
j Estes dois esquemas deverão acompanhar todos os desenvolvimentos
seguintes sobre a metodologia jurídica.
Se olharmos agora para o Esquema 6,,encontramos a «aplicação do di-
reito» e a «determinação do direito» anotadas como dois tipos diferentes
do processo de decisão jurídica. Este é o ponto de partida da metodologia
tradicional. O caso normal é a «aplicação do direito», na qual está «ape-
-
nas» -- em causa a «subsunção» de um caso numa (porventura em várias)
norma, que eventualmente necessitará de ser interpretada, mas que, em
si, é completa («adequada»). Esta operação é pensada em termos de um
puro silogismo lógico de acordo com o modus barbara (v., quanto a isto,
.infra 6.2), ou seja, por exemplo, assim:
282 De entre a muito abrangente bibliografia sobre Savigny, citam-se aqui apenas dois
trabalhos mais recentes: H. Klenner, «Savignys Forschungsprogramm der Historischen
Rechtsschule», em idem, Deutsche Rechtsphilosophie..., cit., pp. 92 ss.; D. Nörr, «Savig'nys
Anschauung und Kants Urteilskraft››, em Festschr. f." H. Going, 1.° vol., 1982, pp. 615 ss.
283 Ver P. Raisch, Vom Nutzen der überkommenen Auslegungscanones für die praktische
Rechtsanwendung, 1988. V. ainda R. Zippelius, Juristische Methodeniehre, 5.al ed., 1990,
pp. 39 ss.
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163
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165
M é um homicida
M é punido com prisão perpétua
-
o famoso art. 1.0 do Código Civil suíço (Esquema 6).
O problema de saber se e em que medida ojuiz pode ou tem de criar di-
reito, ocupou gerações de juristas. Já vimos (supra 2.2.3.4) que, para salÉ
vaguarda dos princípios do Estado de direito e da separação de poderes, o
ajuiz deve estar o mais rigidamente possível vinculado à letra da lei.
(Feuerbach e outros até consideraram necessárias proibições de interpre-
tação.) Este ponto também constituiu motivo de reflexão para Savigny.
Na metodologia jurídica (1802/03)285, surgida na sua primeira fase, ele
adoptou uma posição que, não sendo pura e simplesmente positivista, con-
tinha, ainda assim, elementos positivistasô. Por interpretação entende
Savigny a «reconstrução do pensamento inerente à lei››. Neste sentido, de-
senvolveu quatro cânones da interpretação jurídica, que, desde então, ca-
racterizam a «teoria clássica da interpretação» (e que também estão sub-
jacentes ao Esquema 7)287. O primeiro é o elemento gramatical; o seu
objecto é a palavra, «a qual opera a transição do pensamento do legislador
para o nosso pensamento››. Em segundo lugar, temos o eZemento lógico; o
seu objecto é a estrutura do pensamento, a relação lógica entre as partes
284 Há muita literatura a respeito do «problema das lacunas››. Aqui remete-se apenas
para C.-W. Canaris, Die Feststellimg von Líicken im Gesetz, 2.sl ed., 1983.
285 F.C. v. Savigny, Juristische Methodenlehre (Koälegnachschrift von Jacon Grimm); ed.
de G. Wesensberg, 1951.
286 V., sobre isto, Larenz, Methodenlehre..., cit., p. 12, com uma referência muito inte-
ressante a J. Rückert. Mais recentemente, J. Rückert, Ídealismus, Jurisprudenzlund Poli'-
tik bei Friedrich Carl v. Savigny, 1984.
287 É claro que esta teoria só se encontra plenamente explanada na obra tardia de Sa-
vigny: System des heutigen Römischen Rechts, 8 vols., 1840/49; aqui, 1.0 vol., cap. 4, pp. 206 ss.
166
288 V., mais detalhadamente, Ulrich Schroth, Theorie und Praxis subjektiverAuslegung
im Strafrecht, 1983. Schroth nota, com razão, que não existe uma verdadeira alternativa
entre interpretação subjectiva e objectiva.
167
291 Larenz, MethodenZehre..., cit., p. 20. Sobre isto, v. também J. Bohnert, Úber die
Rechtslehre Georg Friedrich Puchtas (1798-1846), 1975.
169
292 V. Jhering, Schenz und Ernst in der Jurisprudenz, 1884 (reimpressão da 13.a ed. de
1924, 1964).
293 V. Jhering, Geist des römischen Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner Verwir-
klichung, 1." vol., 2.a ed., 1866, p. 40.
294 V. Jhering, Geist..., cit., 2.° vol., 2.° secção, 2.n ed., 1869, p. 392.
295 Obra principal: Lehrbuch des Pandektenrechts, 3 vols., 7.*ll ed., 1891.
296 Larenz, Methodenlehre..., cit., p. 28.
170
297 Radbruch, Vorschule..., cit., p. 206 ss.; GRGA, 2.o vol., 1993.
298 Citado por Radbruch, Vorschule..., cit., p. 208. A frase em inglês encontra-se em F.
Somló, Juristische Grundlehre, 2.a ed., 1927 ( reimpressão, 1973), p. 96.
299 No mesmo sentido, Larenz, Methodenlehre..., p. 38.
171
-
regresso a Bierling, de quem ainda se tem de dizer ter sido um adversá-
rio declarado da teoria objectivista da interpretação. A interpretação da
lei deveria, com base na história de formação da lei ( «trabalhos prepara-
tórios››), investigar a vontade real do legislador, não o espírito da lei; to-
davia, onde este espírito não pudesse ser determinado, a lei deveria ser
interpretada «segundo a boa-fé››.
Já foi dito (supra 2.3.3) que Rudolf v. Jhering (o seu livro Der Kampf
umis Recht, 1872, causou sensação em todo o mundo) se afastou da sua
jurisprudência construtiva, que defendera inicialmente. Isto aconteceu
sobretudo na obra em dois volumes Der Zweck im Recht, 1877/1883.
O lema desta obra: «O fim é o criador de todo o direito» caracteriza clara-
mente a nova orientação. Jhering opôs-se, decidido, ao «culto do lógico››,
pois a ciência jurídica não seria matemática. Determinante seria a con-
sideração dos fins e esta levantaria a questão do sujeito que os produz
(Zwecksubjekt), porque os fins não produziriam, por si sós, o direito. Jhe-
ring via como verdadeiro legislador a sociedade, que ele entendia como
uma «acção conjunta dirigida a fins comuns, na qual cada um, na medi-
da em que age para outros, age, também, para si, e enquanto age para si,
age também para outros››3°2. No entanto, em estranha contradição com
isto, Jhering ateve-se à concepção legal-positivista do monopólio estadual
do estabelecimento do direito: ‹‹ O direito é a suma das normas coactivas
vigentes num Estado...; o Estado (é) a única fonte do direito>>3°3. Ainda as-
sim, o direito é referido a um fim social, do qual recebe o seu conteúdo; to-
das as normas jurídicas têm «como fim o assegurar das condições de vida
da sociedade››3°4. Jhering já não argumentava nem em termos lógicos,
nem psicológicos, mas sim em termos sociológicos-utilitarísticos (aqui já
se toca, claramente, no problema da relação entre racionalidade dos fins
e racionalidade dos valores, problema esse que, mais tarde, preocupou,
sobretudo, Max Weber305). Mas de onde vem a valoração dos fins? Este é
o calcanhar de Aquiles da sua teoria do direito e não menos da jurispru-
dência dos interesses, que tem em Jhering o seu autor moral.
302 V. Jhering, Der Zweck im Recht, (ía-8.” ed., 1923, 1.° vol., p. 87.
303 V. Jhering, Der Zweck..., cit., p. 320. _ Uma exposição e apreciação muito profunda
da teoria do direito de v. Jhering é-nos dada por Fikentscher, Methoden..., cit., 3.° vol., pp.
101-282.
304 V. Jliering, Zweck... , cit., p. 462.
305 Sobre o racionalismo de fins e de valores de Max Weber, v. A. Kaufmann, Rechtsphi-
losophie in der Nach-Neuzeit, 2.u ed., 1992, pp. 18 ss.
173
308 Heck, Das Problem der Rechtsgewinnung, 2.a ed., 1932, em especial p. 5; idem, Be-
griffsbildung und Interessenjurisprudenz, 1932, pp. 30 ss..
309 H. Kantorowicz, Rechtswissenschaft und Soziologie;Ausgewählte Schriften zur Wis-
senschaftslehre, org. por Th. Würtenberger, 1962, p. 130.
31° Desenvolvidamente sobre este movimento, Arthur Kaufmann, Rechtsphilosophie
im..., cit., pp. 231 ss.
311 Ver Ernst Fuchs, Gerechtigkeitswissenschaft;Ausgewählte Schriften zur Freirechts-
Zehre; org. por Albert S. Foulkes e Arthur Kaufmann, 1965.
175
«Direito livre» quer dizer, no fundo: livre da lei. É certo que os repre-
sentantes deste movimento sempre se opuseram à «fábula-contra-legem»,
à acusação de que eles quereriam permitir ao juiz ignorar a lei (vigente)
e até decidir contra ela. De facto, os juristas do direito livre nunca ensi-
naram tal coisa. Eles apenas queriam indicar qual o procedimento a
adoptar pelo juiz, quando a lei apresentasse lacunas. Contudo, e é este 0
busíiis da questão, segundo a concepção da doutrina do direito livre, a lei
não tem lacunas apenas quando não contenha, de todo em todo, uma re-
gulamentação aplicável ao caso, mas já aí onde não resolva o caso de for-
ma expressa e inequívoca (hard case no sentido de H.L.A. Hart). E natu-
ralmente que isto é 0 que acontece quase sempre, pelo menos em todos os
casos discutíveis. Por isso, Kantorowicz sustentava poder-se afirmar con-
fiadamente «que não existem menos lacunas do que palavras››, e que só
«uma coincidência improvável» poderia dar azo a que um caso jurídico
encaixasse, sem mais, em todos os conceitos da disposição jurídica a apli~
car312. Mas onde encontra o juiz o «direito livre»? De onde provém, em ge-
ral, o direito? Kantorowicz dava uma resposta positivista-voluntarista:
Todo o dever-ser é ser porque o dever-ser é querer313. De forma seme-
lhante, pronunciou-se Hermann lsay (1873-1938)314. Ele não via na senq
tença judicial uma dedução a partir da lei, mas um acto de vontade, uma
decisão. A sensibilidade jurídica anteciparia sempre o juízo, a funda»
mentação lógica _ aparentemente lógica -- viria apenas em seguida.
Este pensamento contém uma ideia acertada. De facto, a «pré-compreen-
são hermenêutica» é um pressuposto para a compreensão de um certo con-
texto. Mas será esta pré-compreensão apenas algo ligado à sensibilidade
jurídica irracional? E terá a consequente fundamentação uma lógica (ape-
nas) aparente?
A este respeito um pequeno excurso. A sensibilidade jurídica tem sido,
nos tempos mais recentes, novamente alvo de grande atenção315, falando-se,
312 Esta ideia consta do famoso escrito panfletário «Der Kampf um die Rechtswissens-
chaft», 1906, p. 15 (em: Rechtswissenschoft..-., cit., p.18), surgido sob o pseudônimo Gnaeus
Flavius.
313 Kantorowicz, «Kampf...», cit., p. 34 (Rechtswissenschaft.... cit., p. 30). Uma tentativa
recente de fundar o direito, de forma puramente indutiva, no querer (do juiz) foi levada a
cabo por Ch.v. Mettenheim, Recht und Rationalität, 1984.
314 A sua obra mais importante neste contexto: Rechtsnorm und Entscheidung, 1929.
315 Ver E.-J. Lampe (org), «Das sogennante Rechtsgefühl», em Jahrbuch für Rechtsso-
ziologie und, Rechtstheorie, 10.° vol., 1985; E. Riezler, Das Rechtsgefühl, 3.*it ed., 1969; G. Ríi-
176
melin, Úber das Rechtsgefúhl, 2.” ed., 1948; M. Bichler, Rechtsgefähl, System and Wertimg,
1979; G. Oesterreich, Im Dschunget der Paragraphen; Rechtsgefüht zwischen Klischee and
Information, 1984; R. Zippelius, Rechtsphilosophie..., cit., pp. 123 ss; K. Obermeyer, «Úber
das Rechtsgefühb, em JZ (1986), pp. 1 ss.
316 K. Zapka, «Rationalität des Rechtsgefühls››, em RuP (1987), p. 19.
317 W. Meyer-Hesemann, «Abschied vom sogennanten Rechtsgefühl››, em ARSP, LXXIII -
(1987), pp. 405 ss.
318 Ulpiano, Dig., 1, 1, 2 pr, invocando Celso.
319 G. Radbruch, Geburtshilfe und Strafrecht, 1907; GRGA, 7.° vol. (a publicar).
32° G.. Radbruch, Vorschule..., cit., p. 199; GRGA, 2.° vol., 1993.
177
gação dos factos sociais; isso era e é importante. O seu erro foi o de que-
rer colocar-se no lugar da ciência juridica dogmática. Quando o já men-
cionado Eugen Ehrlich exigia que «se renunciasse para sempre à ridícu-
la mascarada da formação de conceitos e da construção abstractas>>321,
talvez um tal cinismo seja compreensível à luz do espírito do tempo, mas
ele não deixa de ser perigoso; nós testemunhámos a perversão do direito
que o desprezo da conceptualidade e da forma da lei pode produzir.
O «grande ancião» da sociologia e também da sociologia jurídica foi e é
Max Weber (1864-1920). A sua sociologia jurídica322 é estritamente empi-
rica, o que não pode ser ocultado pela circunstância de ele ter, ocasional-
mente, falado de uma «sociologia da compreensão». Justamente quanto ã
questão da validade, que nos interessa acima de tudo, ele defendeu uma
posição empírica. Ele distinguia, exactamente, entre o «sentido normati-
vo››, que «deveria caber lógica e correctamente» a uma norma jurídica, e
aquele que acontece «facticamente›› no seio de uma comunidade, «porque
existe a oportunidade de homens participantes na acção comunitária en-
cararem subjectivamente e tratarem, na prática, certas regras como vi-
gentes, ou seja, orientando por elas a sua própria acção››323. «Validade em-
pírica» significa, pois, que certas pessoas singulares têm «oportunidades
calculáveis» de «manter bens económicos na sua disponibilidade ou de os
adquirir no futuro››, o que, todavia, pressupõe «a ajuda de um «aparelho
coactivo» para isso disponível>>324. Assim, o direito fundamenta-se, em úl-
tima instância, no poder: a teoria do império. Porém, do poder estadual,
consistindo na possibilidade de, em caso de necessidade, se imporem as
normas jurídicas, resultam, o que Weber, evidentemente, reconheceu, tal-
vez, expectativas, oportunidades, mas nenhum dever-ser.
A sociologia jurídica daquele tempo, isto é, sensivelmente até metade
do nosso século, julgava-se a verdadeira «ciência›› do direito, por proceder
empiricamente, ou seja, à maneira das ciências da natureza. O que daí
poderia resultar, mostra-o, por exemplo, a definição científica da injúria
329 Kelsen, «Was ist die Reino Rechtslehre?», em Festschr. ƒf Z. Giacometti, 1953, p. 153.
33° Já em: Ha uptprobleme der Staatslehre, 1911.
331 Kelsen, Was ist Gerechtigkeiit ?, 1953, em especial p. 43.
332 Luhmann, «Positives Recht und Ideologie», em ARSP, LIII (1967), pp. 567 ss. Sobre
este assunto, com maior detalhe, Kaufmann/Hassemer, Grundprobteme der zeitgenössis-
chen Rechtsphilosophie und Rechtstheorie, 1971, pp. 27 SS.
333 Kelsen, Reina Rechtslehre, 1934, p. 1 (aqui é ainda mencionada a biologia); 2.El ed.,
1960 (reimpressão, 1976), p. 1. '
180
zer justiça para com Kelsen, tem de se ter em conta o «etos›› científico que
se esconde por detrás da sua, aparentemente, indiferente filosofia do di-
reito. Ele quer defender a ciência do direito de ser manipulada como «pro-
paganda de valores absolutos» (Max Weber), como pretexto para opiniões
políticas e ideológicas. No entanto, a própria «teoria pura do direito» foi,
muito injustamente, manipulada naquele sentido.
Kelsen fundamentou a sua teoria do «dever-ser» diversas Vezes e de
maneiras diferentes. Não podemos aprofunda-lo aqui. Cingir-nos-emos
ao mais importante. Característico da concepção original são, porventu-
ra, as seguintes frases da primeira edição: «Quando se diz que a ocor-
rência da chamada ilegalidade, ‹‹deve›› despoletar a consequência da ile-
galidade, este ‹‹dever~ser›› apenas significa _ enquanto categoria do
direito _ o sentido específico em que condições jurídicas e consequência
jurídica estão relacionadas na norma jurídica. Esta categoria do direito
tem um carácter meramente formal - distinguindo-se assim, de princí-
pio, de uma ideia transcendente do direito. Ela é sempre aplicável, qual-
quer que seja o conteúdo das previsões normativas assim associadas,
qualquer que seja o tipo dos actos a serem entendidos como direito...
A teoria pura do direito... não cuida do acto coactivo do Estado, a conse-
quência contida na norma jurídica, ligada a uma determinada condição,
isto é, a pena e a execução civil ou administrativa, pelo que só o facto
condicionante é qualificado como ilicitude e o facto condicionado como
consequência da ilicitude. Não é uma qualquer qualidade imanente,
nem, tão-pouco, uma qualquer relação com uma norma meta-jurídica,
com um' valor moral, que transcende o direito positivo, que faz com que
tal comportamento humano seja considerado contrário ao direito, um de-
lito, mas sim, unica e exclusivamente, o facto de, na norma jurídica, se
reagir com um acto coactivo como condição desse comportamento››334.
Deve ter-se presente que, aqui, o dever-ser é, em contradição com o mé-
todo em causa, reduzido a algo fáctico, à coacção estadual. E é também
claro, que este dever-ser «puro» não tem qualquer conteúdo, podendo,
por isso, admitir qualquer tipo de conteúdo. Kelsen tem consciência das
consequências: «Urna norma também pode ter um conteúdo absurdo»335
Também na segunda edição ainda se diz: «Qualquer conteúdo pode ser
344 Tenho de remeter aqui, uma vez mais, para uma outra exposição mais desenvolvida:
A. Kaufmann, «Úber das Problem der rechtswissenschaítlichen Erkenntnis», em Geda'cht-
nisschr. fiArmin Kaufmann, 1989, pp. 1 ss.
345 Ver também A. Kaufmann, «Rechtspilosophie zum Mitdenken», em Jura (1992), pp.
297 SS.
346 Aliás, as tentativas (como, p. ex., a de Koch/Rússmann) de construir uma teoria
numa base puramente dedutiva redundaram em fracasso. '
184
347 RM. Hare, Die Sprache der Moral, 1983, pp. 139 ss., 144'ss.
348 BGHSt, 35, 270. Sobre isto, com uma visão crítica,A. Kaufmann, em NJlV(1988), pp.
2581 ss.
185
2.3.6.4.1. A dedução
349 Cfr. D. Grimm, «Methode als Machtfaktor», em Festschr. fi H.. Coing, 1.0 vol., 1982,
pp. 469 SS.
186
2.3.6.42. A indução
35° V. G. Radbruch, Vorschule... , cit., p. 19; GRGA, 2.° vol., 1990, pp. 137 5.; H. Kelsen, Rei-
ne Rechtslehre..., cit.,passim. Sobre esta questão, de forma muito elucidativa, G. Ellscheid,
Das Problem von Sem und Sollen in der Rechtsphilosophie Immanuel Kants, 1968.
187
351 Ch.S. Peirce, Coliected Papers (em vários pontos); idem, Schriften zum Pragmatis-
mas und Pragmatizismus; org. por K.-O. Apel, 2.*al ed., 1976. Para uma apreciação abran-
gente, L. Schulz, Das rechtliche Moment der pragmatischen Philosophie von Charles San-
ders Peirce, 1988.
188
tos tão heterogeneos como Tomás de Aquino e Hans Kelsen (devendo en-
tender-se a palavra ‹‹degraus›› em sentido figurad0)352. Distinguimos três
degraus: o primeiro degrau é formado pelos princípios jurídicos abstrac-
tos-gerais, metapositivos e meta-histórico353; no segundo degrau encon-
tram-se as regras jurídicas (normas jurídicas) concretizadas-gerais, for-
mei-positivas, não meta-históricas, mas, ainda assim, válidas por um
período temporai mais ou menos longo (‹‹períod0 1egislativo››); o terceiro
degrau é o direito concreto, material~positivo, histórico. Em resumo: prin~
cípio jurídico _ norma jurídica _ decisão jurídica. No entanto, esta or-
dem deve ser entendida somente num sentido lógico; ontologicamente, a
relação é a inversa, visto que o direito concreto está mais próximo do ser
e é constituído por mais ser do que o princípio jurídico (a ideia de direito).
Para aprofundarmos a compreensão são decisivas duas teses, ambas
da mesma importância. A primeira tesev diz que, no processo de realiza-
ção do direito, nenhum dos degraus mencionados é dispensável. Isto é:
não há regra jurídica sem princípio jurídico, não há decisão sem regra ju-
rídica. A segunda tese diz que nenhum degrau pode ser simplesmente de-
duzido do degrau imediatamente acima (em sentido lógico). Isto é: não há
regra jurídica só a partir dos princípios jurídicos, não há decisão jurídica
só a partir da regra jurídica.
Com a primeira tese distancia-mo-nos daquelas concepções que añr-
mam poder-se chegar ao direito dispensando o ponto de vista dos valores,
a partir do poder (Hobbes), a partir da vontade (voluntarismo do movi-
mento do direito livre), a partir dos interesses, expectativas, papéis in-
terpessoais (jurisprudência dos interesses, sociologia jurídica). A «força
normativa do fáctico» (Georg Jellinek) não existe, as consequências jurí-
dicas só podem ser tiradas a partir de um facto posto em relação com o
valor: autoridade ‹‹moral››, vontade ‹‹sensata››, interesses «valiosos».
Com a segunda tese, que aqui nos interessa em especial, renunciamos,
de forma igualmente clara, a todas orientações exlusivamente «normati-
vistas››, que, ao invés, apenas olham para os valores, para o princípio,
para a norma, para o dever-ser e julgam ser possível, sem mais, partir da-
qui para atingir o direito real. Não faltaram as tentativas deste género
(direito natural clássico, jurisprudência dos conceitos, positivismo lógico-
-normativo), surgindo a «força normativa do fáctico» como uma fórmula
mágica igualmente útil para lançar a ponte da ideia para a realidade, do
dever-ser para o ser. Mas este ontologismo, esta dedução do ser a partir
de meros conceitos, repousa numa ilusão: não há procedimento normati-
vo puro, há sempre influxo de empirismo. _
Mais uma vez vemos confirmado que a determinação do direito decor-
re dedativamente-indutiuamente: analogicamente. São necessários ele-
mentos de dever-ser e de ser. O direito é originariamente analógico. Tam-
bém não é possível legislar sem um elemento de ser, sem um olhar para os
casos possíveis antecipados, para os quais a lei deve vigorar.
Se se quisesse representar graficamente este processo da realização
do direito, que é sempre simultaneamente dedutivo e indutivo, não verti-
calmente_ou horizontalmente, então o aspecto seria o de uma escada em
caracol confluente. Talvez o exemplo do túnel de Radbruch seja ainda
mais impressivo (supra p.114 ss).
354 V., a este respeito, uma vez mais, J. Stelmach, Die hermeneutische Auffassung der
Rechtsphilosophie, 1991.
190
357 Sobre isto, U. Schroth, Theorie und Praxis der subjektiven Auslegang im. Strafrecht,
1983; W. Naucke, «Der Nutzen der subjektiven Auslegung im Strafrecht», em Festschr. f K.
Engisch, 1969, pp. 274 ss.
358 Cfr. RD. Herzberg, «Kritik der teleologischen Gesetzesauslegung», em NJW (1990),
pp. 2525 ss; J. Mitennzwei, Teleologisches Rechtsversta'ndnis, 1989.
359 Sobre o perigo de uma interpretação demasiado ampla: P. Velten/O. Mertens, «Zur
Kritik des grenzenslosen Gesetzesverstehens››, em ARSP, LXXVI (1990), pp. 516 ss.
360 A literatura acerca da determinação do direito tornou-se vastíssima. Citam-se ape-
nas: F. Wieacker, Gesetz and Richterkunst; Zum Problem der aassergesetzlichen Rechtsord-
nung, 1958; R. Lautmann, Freie Rechtsfindung und ¡Methode der Rechtsanwendung, 1967;
R. Ogorek, Richterkönig oder Subsumtionsautomat?, 1986; F. Müller, Richterrecht, 1986.
361 Transcrição desta passagem em inglês: F. Somló, Juristische Grundlehre, 2.a ed.,
1927 (reimpressão, 1973), p. 96.
193
tolerância e outros, bem como as situações da vida (ser) a regular são an-
tecipadas, intelectualmente, pelo legislador, tendo que ser tratados, um
em face do outro, num processo (analógico) de correlacionamento, de tal
forma que se ‹‹correspondam››. Também aqui tem lugar uma «equipara-
çâo››. O legislador condensa uma série de situações da vida, que se mos-
trem ‹‹iguais›› de um ponto de vista ‹‹fundamental›› (por exemplo, a capa-
cidade negocial), numa norma jurídica abstracta, estabelecendo ainda
uma consequência jurídica. Todavia, na verdade, aquilo que é ‹‹colocado››
na norma como ‹‹igual›› em virtude do princípio da igualdade, nunca é,
realmente, igual: quem tem sete anos não é igual a quem tem dezassete,
mas tem de existir alguma equiparação entre aqueles que têm uma ca-
pacidade negocial reduzida. Ao mesmo tempo, nota~se que tais equipara-
ções também são sempre distinções: aqueles que ainda não têm sete anos
e os que já têm dezoito anos são excluídos do âmbito da norma.
racional666. Qualquer pessoa que seja, ou tenha sido, juiz (penal) deverá
considerar altamente duvidoso que todas as partes num processo judicial
efectivamente «pretendam argumentar razoavelmente», o que Alexy de-
signa como o essencial da sua teoria do caso especia1366. Mas, ainda que
assim fosse, isso não bastaria para fazer do procedimento judicial um dis-
curso racional, enquanto não se dissolver a palavra ‹‹racional›› numa ca-
tegoria absolutamente formal, concebendo-a antes, acima de tudo, como
uma razoabiiidade material (intellectus).
Na secção seguinte, ainda será dito algo mais a respeito do problema
das regras de precedência.
366 Sobre isto (com muitas indicações bibliográficas), A. Kaufmann, «Läzt sich die
Hauptverhandlung in Strafsachen als rationaler Diskurs auffassen?», em H. Jung/H. Mül-
ler-Dietz (org), Dogmatik und Praxis des Strafverfahrens; Gerhard Kielwein zum 65. Ge-
bartstag, 1989, pp. 15 ss. _
366 R. Alexy, Theorie..., cit., pp. 428 ss.
367 A este respeito, v., mais detalhadamente, Arthur Kaufmann, «Recht und Rationali-
tät››, em Rechtsstaat und Menschenwürde; Festschr. ƒ.` W. Maihofer zum 70. Geb., 1988, pp.
11 ss.; idem, Prozedurale Theorien der Gerechtigkeit, 1989; idem, Rechtsphilosophie in der
Nach-Neuzeit, 2.a ed., 1992. De uma perspectiva algo diferente, R. Alexy, «Die Idee einer pro-
zeduralen Theorie derjuristischen Argumentation», em RTh-Beiheft, 2 (1981), pp. 177 ss.
196
368 N. Luhmann, Legitimation durch Verfahren, 1969. Sobre isto (com outras referên-
cias), Arthur Kaufmann/Winfried Hassemer, Grundprobleme..., cit., pp. 27 ss.
369 Ch. S. Peirce, Coliected Papers, 8 vols., pp. 1931 ss., aqui 5.” vol., pp. 204 e 464 s.
37° Há muita literatura acerca disto. Dos tempos mais recentes, refiram-se: I. Kern/HP.
Müller (Org), Gerechtigkeit, Diskurs oder Markt?; Die neuen Ansätze in der Vertragstheorie,
197
1986; O. Hõffe, Politische Gerechtigkeit; Grundlegung einer kritischen. Philosophie von Recht
und Staat, 1987, pp. 441 ss.; W. Bender, Ethische Ureilsbildung, 1988, pp. 92 ss.
3P” J. Rawls, Eine Theorie der Gerechtigkeit, 1975 (5.” ed. alemã, 1991 a Theory ofJusti-
ce, 1971); idem, Gerechtigkeit als Faimez, 1977. Sobre o tema, desenvolvidamente O. Höffe
(org), Úber John Rawls Theorie der Gerechtigkeit, 1977. I
372 Rawls, Theorie..., cit., pp. 386 ss.
373 Ver o vol. documental Arthur Kaufmann (org), Widerstandsrecht, 1972.
198
pelo direito de resistência numa sociedade «quase justa››, direito esse que
ele não designa por «direito de resistência››, mas por insubordinação ci-
vii374. Não podemos alongar-nos aqui sobre os pressupostos que, para
Rawls, tornam legítimo a resistência num Estado de direito (pois, no fun-
do, é isso que está em causa). É conhecida a grandeactualidade deste
tema375 e a sua importância é ilustrada pelo resultado a alcançar pela'‹‹in-
subordinação civil», ou, em palavras nossas, pelo «direito de resistência dos
pequenos interesses>>z a «pequena» resistência na sociedade «quase justa»
deve ser exercida, para que não se chegue à negação do Estado de direito
e, como tal, à necessidade da ‹‹grande›› resistência376.
374 Rawls, Theorie..., cit., pp. 399 ss. Sobre o problema da regra da maioria a propósito
do direito de resistência, ver Zoc. cit., pp. 392 ss.
375 Já existe muita literatura sobre este tema. Ver, p. ex., Peter Glotz (org), Ziviier Un-
gehorsam im Rechtsstaat, 1983; W. Hassemer, «Ziviler Ungehorsam - ein Rechtferti-
gungsgrund?», em Festschr. fi Rudolf Wassermann, 1985, pp. 325 ss., R. Dreier, em Recht...,
cit., pp. 39 ss.
376 Cfr. Arthur Kaufmann, Vom Ungehorsam gegen die Obrigkez't, 1991.
377 J. Habermas, Moralbewufitsein and kommunikatioes Handeln, 1983, pp. 76 s.
378 Habermas, Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des kommunikativen Han-
delns, 1984, pp. 127 ss., 179.
199
379 St. Toulmin, Der` Gebrauch von Argamenten, 1978. [The uses ofargaments, 1958]
380 Habermas, Vorstudien..., pp. 160, 174 ss. - Um princípio semelhante encontra-se em
Ch. Perelman, Úber die Gerechtigkeit, 1967, pp. 149 ss.: «universales Auditorium››.
381 Os ‹‹construtivistas›› (P. Lorenzen, O. Schwemmer, J. MittelstraB, F. Kambartel entre
outros) empreenderam uma tentativa interessante, mas, em última análise, também não
convincente, de fundamentar, de forma «não circulam, conhecimentos científicos retirados
da prática do discurso Ou do agir racionais.
200
382 Cfr. I. Kern, «Von Habermas zu Rawls; Praktischer Diskurs und Vertragsmodell im
entscheidungslogischen Vergleich››, em Kern/Müller (org), Gerechtigkeit..., cit., pp. 93 ss.
383 Rawls, Theorie..., cit., pp. 291 ss. entre outras.
384 V. (com referêcias bibliográficas) A. Kaufmann, Rechtsphilosophie in. der..., cit., em
especial p. 51. '
385 Neste sentido, porém, Habermas, Vorstudien..., p. 179 e, sobretudo, K.-O. Apel, Dis-
kurs und Verantwortung; Das Problem des Úbergangs zur postkonventionellen Moral, 1988,
pp. 8, 117 s., 143 ss., 198 ss., 347 ss., 406 ss., 442 ss. entre outras.
201
facto de isto não ser posto a descoberto. Todo aquele que faz afirmações
materiais sobre verdade ou justiça, tem, necessariamente, de contar com
suposições indemonstradas e proceder circularmente na mesma medida
em que também a lógica tem de trabalhar com definições implícitas. Con-
tudo, isto não representa uma objecção contra fundamentações materiais
em si, mas apenas contra a afirmação do seu carácter absoluto.
O que foi dito vale também para a ética do discurso, tal como ela foi de-
senvolvida sobretudo por Karl-Otto Apel386. Aí não está em causa a ques-
tão acerca do «bom e do mau» e da «vida boa››, do «mundo da vida››, mas
unicamente o ‹‹correcto-incorrecto››, sendo que a pergunta sobre o que é
correcto ou incorrecto se orienta exclusivamente pelas regras formais do
discurso. O que é correcto é decidido pelo consenso daqueles que o atingi-
ram numa «comunidade ideal de comunicação››, sem se ter em conta o con-
teúdo do consenso, mesmo se este consente o mal absoluto (uma lei igno-
miniosa emitida em conformidade coma Constituição). Para além desta
duvidosa função do consenso387 é de apontar o carácter sempre fictício de
tal consenso, não podendo este ser determinado empiricamente. Uma ale-
gada validade deve ser tratada como se só o consenso de todos pudesse
confirmar essa alegação. No entanto, este consenso não pode ser real-
mente alcançado, já que o discurso ideal é apenas um modo de pensar, que
tem lugar exclusivamente nas cabeças dos defensores da ética do discur-
so e que, por princípio, não tem conteúdos.
A ética do discurso só tem um único princípio moral, o da univer-
salização. Daí que Charles Taylor388 tenha razão, ao dizer que esta éti-
ca meramente processual é insustentável, pelo que se deve regressar
a uma ética da prudência ((pvóvnoig), que esteja vinculada ao conceito
de bem389. Ou seja, não consideramos o modelo discursivo como errado,
mas sim a precisar de ser complementado. A teoria do consenso da ver-
dade tem de ser expandida no sentido de uma teoria de convergência da
verdade.
355 K.-O. Apel, Diskurs..., cit., passim. Recentemente, K.-O. Apel/M. Kettner (org), Zur
Anivendung der Diskursethik in Politik, Recht und Wissneschaft, 1992.
387 Ver a crítica pertinente de O. Weinberger, «Die Rolle des Konsenses in den Wissnes-
chaften, im Recht und in der Politik››, em RTli-Beihefi, 2 (1981), pp. 147 ss.
388 Ch. Taylor, «Die Motive einer Verfahrensethik», em W. Kuhlmann (org), Moralität
und Sittiichkeit; Das Problem Hegels und di Diskursethik, 1986, pp. 101 ss.
389 Mais em pormenor, A. Kauf'mann, Rechtsphilosophie in der..., cit., pp. 45 ss.
202
39° Kant, Krz'tik der reinen Vernunfi, B, pp. 766 s. Não muito diferente é aquilo a que,
hoje, na esteira de Karl Popper, se chama «ideia do exame crítico››..
391 Mais detalhadamente sobre o que se segue (com outras indicações): Arthur Kauf-
mann, «Úber die Wissenschaftlichkeit der Rechtswissenschaft; Ansätze zu einer Konver-
genztheorie der Wahrheit››, em ARSP, LXXII (1986), pp. 425 ss.
392 Sobretudo, KR. Popper, Die Logik der Forschung, 7.a ed., 1982. Outras referências
(também em relação aos discípulos de Popper Imre Lakatos e Hans Albert) em Arthur Kauf-
mann, «Úber die Wissenschaftlichkeit...››, cit., pp. 438 ss.
393 Cfr. Klaus Oehler, em Charles S. Peirce, Úber die KZarheit unserer Gedanken; intro›
dução, tradução e comentário de Klaus Oehler, 1986, pp. 97 ss., 112.
203
-
cípio de que algo consentido de um modo formalmente correcto não pode
ser falso e mau per se (o pensamento de recurso segundo o qual só um
consenso de todos possuiria força criadora de verdade é praticamente
inútil, porque um tal consenso comum a todas as partes não existe e ja-
mais existirá).
Um consenso alcançado e também a simples potencialidade de con-
-
-senso - é um indício muito importante que aponta para a existência de
algo verdadeiro - «direito correcto››. Mas eZe não pode ser uma funda-
mentação última. Esta, enquanto for puramente formal, como o pretende
a teoria do consenso, não pode existir.
394 A fórmula de Radbruch acerca da «injustiça legal» (supra 2.2.5.1) não significa, no
fundo, mais do que uma falsificação. `
395 V. R. Wittmann, «Induktive Logik und Jurisprudenz», em RTh, 9 (1978), pp. 43 ss.
396 Habermas, Vorstudien..., pp. 149 ss.
204
39? Primeiras ideias sobre esta teoria: Arthur Kaufmann, «Gedanken zur Úbewindun
g
des rechtsphilosophischen Relativismus››, em ARSP, XLVI (1960), pp. 553
ss. (com outras
referências); idem, «Úber die Wissenschaftlichkeit...››, cit., pp. 441 5.;
idem, «Die strafrech-
tlichen Aussagetheorien auf dem Prüfstand der philosophischen Wahrheits
theorien>›, em
Festschr: fi J Baumann, 1992, pp. 119 ss.
398 Cfr. L. Bruno Puntel, Wahrheitstheorien in der neueren Philosophie, 1983,
pp. 172 ss.,
205 ss.
205
h- nunca são as substâncias, mas as reZações. Este grande passo, dado por
Peirce, da lógica aristotélica e kantiana, que só conhecia predicados de
qualidades, para uma lógica de predicados relacionais, ainda está por ex-
plorar na filosofia do direito e na teoria do direito399.
Na medida em que apenas aponta regras formais, como se argumenta
racionalmente as condições de uma «situação ideal de comunicação» -,
-
a teoria do discurso apenas pode legitimar a constatação de que um con-
senso se formou de um modo formalmente correcto, não pode pretender
alcançar a verdade ou a correcção de um algo com conteúdo, por exemplo
de normas. O discurso racional, originador de consenso, enquanto tal,
não diz o que é verdadeiro ou correcto, nem o que devemos fazer. Ele não
substitui o conhecimento e a experiência dos parceiros de discurso, antes pre-
zume a habilidade destes. Só quando os .parceiros de discussão dão
ao discurso um conteúdo, um ‹‹tema››, que não seja o próprio discurso (sendo
que a fixação precisa deste tema, geralmente, só se Verifica com o decor-
rer do discurso), pode este conduzir a resultados verdadeiros ou correctos.
399 Em maior detalhe, Arthur Kaufmann, ‹‹Vorüberlegungen...», cit., pp. 260 ss.
400 Trabalhos precursores importantes foram os de W. Maihofer, Recht and Sein; Prole-
gomena zu einer Rechtsontoiogie, 1954 e L. Philipps, Zur Ontologie der sozialen Rolle, 1963.
206
Mas que fique claro: a pessoa não é substância, a pessoa é relação, ou,
mais precisamente, a unidade estrutural entre relação e retata403. Neste
sentido, a pessoa é, ao mesmo tempo, o ‹‹como›› e o «quê», «sujeito» e «objec-
to» do discurso normativo, ela está dentro e também fora deste processo
discursivo, é dada e construída?, ela não é estática e atemporal, mas não
está arbitrariamente disponível na sua configuração dinâmico-histórica.
Daí que também se evidencie que o círculo (‹‹herrnenêutico») de todo o co-
nhecimento se funda na personalidade do homem, não sendo, por isso,
susceptível de ser suprimido. E também se torna visível que a teoria da
convergência sobre a verdade não é um terceiro género face às teorias da
correspondência e do consenso, antes estabelece entre elas uma relação
coerente.
No entanto, exige-se ã teoria do conhecimento sobriedade na aborda-
gem da teoria da convergência. No fundo, ela apenas mostra como, no pro-
cesso de conhecimento, o objectivo se distingue do subjectiva. Contudo, ela
própria não é um meio de os separar. Aliás, uma separação genérica, abs-
tracta, no sentido do esquema sujeito-objecto, não pode ser feita no domí-
nio do relacional e do pessoal, que é, ao mesmo tempo, sujeito-objecto. De
resto, nem sequer se trata propriamente de uma separação dos dois mo-
mentos, mas da afirmação do objectivo face ao subjectivo, do material face
ao pensado. Esta afirmação desenrola-se unicamente no processo concre-
to de conhecimento do direito; justamente aí reside o verdadeiro carácter
processual do processo de determinação do direito.
401 Já em S. Tomás de Aquino se diz: «Ordo non est substantia, sed relatio [a ordem não
está na substância, mas na relação] ››: Summa theologica, I, 116, 2. Também W. Maihofer fala
da ordem como uma «estrutura de correspondências»: Vom Sinn menschlicher Ordnang,
1956, em especial pp. 64 ss.
402 Hegel, Philosophie des Rechts..., cit., § 36.
403 Mais detalhadamente (com outras indicações), Arthur Kaufmann, «Vorüberlegun-
gen...››, cit., passim.
207
-
ou entãoflão é nada.
Bibliografia Escolhida
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C. TEMAS CENTRAIS
3. O problema do direito natural. Uma orientação
sistemática
3.1.2 O modelo dos dois planos posto em causa pela teoria do di-
reito
A questão consiste em saber se o modelo dos dois planos será uma des-
crição fiel de quaisquer sistemas jurídicos reais ou apenas possíveis.
Pode ser formulada uma série de objecções, que conduzem, pelo menos, a
uma modificação do modelo.
2 Kant, «Zum ewigen Frieden», Werke in sechs Bänden, W. Weischedel (org), 6.° vol., p. 235.
3 Assim, Kelsen, Reine Rechtslehre, 2.a ed., 1960, p. 201.
` 4 Luhmann, loc. cit., p. 180.
5 Luhmann, Rechtssoziologie, 2 vols., 1972, pp. 230 ss.
213
-
vamente, o interesse de, pelo menos, tendências jusnaturalistas mais mo-
dernaslõ. Ao jusnaturalismo importa, sobretudo nesta fase que se seguiu ao
seu renascimento, afirmar e assegurar a indisponibiiidade do direitolõa. Em
contraponto à doutrina do positivismo legalista, segundo a qual o direito está
ao dispor do Estado", o direito natural é entendido como aquilo que impede
a manipulação (real ou simplesmente normativa) do direito pela legislação.
A ideia de indisponibilidade do direito sempre esteve contida na ideia
de direito natura-l, visto que a natureza era sempre entendida como
«o
ser não criado pela prática humana»18. No entanto, a vinculação a um
conceito de natureza, seja ele qual for, ameaça cair, pois essa vinculaç
ão
13 Sobre o «direito natural» dos Estados totalitarios, cfr., p. ex., Hans Fehr, Die Auss-
trahiungen des Naturrechts der Aufldärung in. die nene und neueste
Zeit, 1938, pp. 24 ss.,
Cfr. também a qualificação da doutrina da lei racial do nacional-socialismo como
direito na~
tura] em Forsthofl", «Zur Problematik der Rechtserneuerung», em
Maihofer (org), Natur-
recht oder Positivismus?, 2.a ed., 1966, pp. 78 ss.
14 Assim: Luhmann, «Positives Recht...››, cit., p. 199, nota 9.
15 Neste sentido, p. ex., Dietze, Naturrecht in. der Gegenwart, 1936.
16 Sobre o interesse de conhecimento que orienta o jusnaturalismo,
cfr. Ellscheid, «Na-
turrecht››, em Hermann Krings et al. (org), Handbuch philosoph
ischer Grundbegriffe, 4.°
vol., 1973, pp. 969 ss.
163 Esta posição pode ser designada como objectivista. Ela tem, não
só no pensamento
jurídico, mas também na ética, opositores convictos. Cfr., p. ex.,
J.L. Mackie, Ethik;Aufder
Suche nach dem Richtigen und Falschen, 1981. Particularmente interessa
ntes para o pro-
blema do direito natural são as pp. 296-298.
17 Forsthoff, «Zur Problematik...››, cit., p. 74.
217
22 Rosenbaum, Naturrecht..., cit., pp. 143 ss. Cfr. também Mackie, Ethik...,
cit., pp. 297
ss., que só vê utilidade na ‹‹ficção›› do direito natural quando o poder
legislativo esteja num es-
tado crítico.
219
para legislar está sujeita ao abuso. Marcio identifica esta situação, ao afir-
mar: «Em última análise, a resistência éluma sanção contra o direito pro-
vinda da ordem do ser»25 A resistência é, neste sentido, a auto-imposição
coactiva do direito natural, que decorre à margem da ordem de compe-
tências positiva, e que o resistente julga reconhecer. Deste modo, o direito
natural é transversal a qualquer estrutura do processo de conhecimento
do direito. No limite, ele dirige-se a todas as pessoas e a todas as forças po-
líticas, contornando todas as ordens de competências.
Ainda assim pode colocar-se a questão de saber como deve estar es-
truturado um Estado que queira ter uma organização óptima em função
do conhecimento do direito ‹‹verdadeiro››. A reflexão sobre o direito natu~
ral nesse Estado não se deveria bastar com uma lógica de ultima ratio
quanto à resistência, devendo antes procurar mostrar quais as condições
que asseguram, com o maior grau de probabilidade possível, a realização
intra-estadual do direito natural.
Neste contexto, torna»se importante que o direito preestabelecido de
forma indisponível seja direito «verdadeiro», o que significa que ele ape-
nas se pode revelar como tal num processo de conhecimento.
As concepções de uma época sobre a natureza deste processo de co-
nhecimento do direito e sobre a institucionalização correcta dele decor-
rente e a ele adequada, formam uma importante base de todo o direito
natural situado no metaplano correspondente às filosofia do Estado e
teoria política. Tais concepções estão indissociavelmente ligadas às ideias
sobre a verdade, sobre o conhecimento e sobre as condições do conheci-
mento dominantes nessa época. A moderna filosofia do Estado, especial-
mente em Ryffe126, tratou dessas relações. Daí resultou:
-
Por conseguinte, a razão humana não conhece nenhuma instância exte-
rior a ela própria, que possa decidir sobre a veracidade ou falsidade de as-
serções. Isto estende-se ao plano do correcto-na-práticazl. A veracidade ou
a correcção só se produz naquilo a que Kant chama o «pensar por si mes-
mo››28. Por isso, a partir do momento em que se fala de direito verdadeiro
ou correcto no contexto do entendimento moderno de verdade, isso traduz
a pretensão de autonomia do ser racional homem e o apelo a que seja ele
próprio a verificar e compreender aquilo que é declarado como correcto.
O ser em princípio orientado a partir do exterior, próprio das épocas de do-
mínio religioso, é substituído pela pretensão a uma prática auto-respon-
sabilizante. Da mesma forma que a «ciência›› exige a verificação auto-res-
ponsabilizadora, assim também a «prática correcta» aponta para a
responsabilidade do próprio agente quanto às suas concepções de verda-
de. Daí que a «autonomia» seja, em Ryffel, «reconhecimento do correcto
numa perspectiva teórica e prática››. E ele prossegue: «Recorde-se que não
é por coincidência que a ciência em sentido moderno e a ideia democráti-
ca surgem ao mesmo tempo; mas sim por provirem da mesma raiz...
A ciência... é, no essencial, democrática, porque, em princípio, é acessível
a qualquer pessoa...››29. Aqui reside um importante ponto de partida para
a fundamentação especulativa da democracia: enquanto o Estado deter-
minar as possibilidades e os limites da prática humana, o indivíduo, como
ser responsabilizado e preocupado com a prática correcta, tem de conse-
guir ganhar influência sobre o Estado30.
34 Rechtsphilosophie (org. por Erik Wolf e Hans-Peter Schneider), 8.” ed., 1978, p. 102.
_ Cfr. também: Radbruch, «Der Relativismus in der Rechtsphilosophie», em Der Mensch im
Recht, 3.a ed., 1957, pp. 80-87.
35 Allgemeine Staatslehre, 1925, pp. 368 ss.
36 Com maior destaque em RyfTel, Grundprobleme..., cit., pp. 273 ss. Esta consequência
também não escapa a Paul Feyerabend. No seu escrito Erkenntnis für freie Menschen, pro-
cura deduzir do seu princípio relativista sobre a teoria do conhecimento do «anything goes»
a mesma protecção estatal para todas as «tradições» (cujo significado aproximado é: con-
cepções e modos de vida tradicionais dos grupos). Porém, esta dedução não funciona. Se
uma tradição é ela mesma intolerante, se procura especialmente a opressão de outras tra-
dições, e se este impulso faz parte da sua natureza, por ser decisivo para a identificação com
uma tradição, então, em virtude do relativismo da teoria do conhecimento, tal tradição não
pode ser forçada a renunciar à sua intolerância. É que ela pode pura e simplesmente refe-
rir o «anything goes» a si mesma, tal qual ela e', e, justamente por isso, persistir na sua in-
tolerância. Quando se chega a um ponto em que já nem se fala de verdade e de correcção,
quando vale mesmo tudo, até a reflexão racional sobre uma ordem estadual correcta se tor-
na impossível. Mais curioso ainda é o facto. de Feyerabend acreditar ser possível, com base
no seu ponto de partida, fundamentar a liberdade de cada indivíduo de abandonar a sua
tradição. Tal princípio atinge o âmago de muitas tradições conhecidas. A protecção da tra-
dição e a liberdade do indivíduo face às vinculações da tradição são incompatíveis, a menos
que estejamos perante tradições que, de acordo com a sua própria concepção, assentam na
liberdade de pertença. Pretender ver este princípio organizacional em todas as tradições,
significa nada mais nada menos do que a absolutização da concepção individualista oci-
dental, supostamente relativizada pelo relativismo de Feyerabend. `
224
37 Está em causa parte das características de uma «situação ideal de comunicação» tal
como a concebe Habermas: «Wahrheitstheorien››, em Wirklichkeit and Reflexion
(W. Schultz
zum 60. Geburtstag), 1973. Cfr. R. Alexy, Theorie der juristischen Argumenta
tion, 1978, pp.
155 ss.
225
-
qualquer -- que se impôs, claramente, no primeiro plano da reflexão, näo
deixam de existir, na filosofia, tentativas de fundar a prática no consen-
so, tal como ele pode ser produzido numa situação de diálogo, numa dis-
cussão, na qual os conflitos em vez de serem resolvidos pela força o são
através da comunicaçäo43. Isto pressupõe argumentos capazes de produ-
zir consensos44. Daí o nosso interesse pelas «verdades indiscutíveis», pe-
los principia communissima e pelas conclusiones ex principiis do direito
natural escolástico45.
'W Acerca desta problemática, cfr. especialmente Bõckenfo'rde (org), Naturrecht in der
Kritik, 1978, pp. 96 ss., em especial pp. 107 ss. e Franz Xaver Kaufmann, ‹‹Wissenssoziolo-
gische Úberlegungen zu Renaissance und Niedergang des Katholischen Naturrechtsden-
kens im 19. und 20. Jahrhundert››, em Bõckle/Böckenforde (org), Naturrecht in. der Kritik,
1973, pp. 126 ss., 132.
48 Sobre isto, Böckenfo'rde, Naturrecht..., cit.
230
Direito Natural
abstracto concreto
, (pobre em conteúdo) (rico em conteúdo)
forte + - + +
Argumentação
fraco ~ - ~ +
Era inevitável, por força do interesse que dirige esta forma de conhe-
cimento, que - no direito natural do racionalismo -- fosse feita a tenta-
tiva de fundamentar no direito natural toda a ordem jurídica, ou seja, em
toda a sua concretização, de forma que, como Welzel constata a respeito
de Pufendorf, «pouco restasse para o direito positivo››49.
Partindo do ideal jusnaturalista de conhecimento, discutir-se-á, em
primeiro lugar, a deficiência do direito natural abstracto, articulando-se
as tendências para a concretização que emergem daquela deficiência. Em
seguida, questionar-se-á o grau de concretização e a força argumentativa
do direito natural concreto ou daquilo que pretende sê-lo.
-
3.2.4 Estruturas de argumentação jusracionalista
Tais regras parecem ter um alto grau de evidência, o que não signifi-
ca, porém, -- em consonância com as reflexões em 3.1.9.2 _- que elas se-
jam pura e simplesmente indiscutíveis.
As possibilidades da contestação dependem da interpretação das re-
gras. Se se pensar implicar com a regra a) um certo tipo de consideração
pelos outros (‹‹Tem consideraçãol»), pode conceber-se uma posição filosó-
fica contrária, que advogue -- pelo menos para um domínio extenso -- a
falta de consideração, a «Vontade de poder» ou coisa do género, como ati-
tude a adoptar. Naturalmente que se pode reinterpretar a regra a) para
a harmonizar com o ponto de vista do oponente: praticar o justo signifi-
ca, para o oponente, impor-se fazendo `uso de todos os meios adequados a
tal fim ou coisa semelhante. Não se contestaria, portanto, a regra a), mas
o conceito seria tomado numa determinada acepção; isto é, estar-se-ia,
simplesmente, a construir, a partir da regra a) (norma suprema), uma se-
gunda regra à medida do utilizador.
Esta defesa da regra a) conduz a um esvaziamento do conceito de
justiça de todo o conteúdo informativo prático. Ela acaba por insistir
em que, para cada pessoa que queira discutir os problemas da filosofia
prática, existem coisas que se devem fazer e coisas que não se devem fa-
zer. Como único elemento descritivo de «justiça›› só resta, pois, que a
prática do justo ou do injusto se refere a outros (jus est ad alteram).
Nesta versão ‹‹purificada››, a regra a) não é contestada por ninguém que
admita uma ideia de «dever-aew, e esta é, presumivelmente, admitida
por todos. A partir do interesse que dirige o jusnaturalismo, percebe-se
que algumas doutrinas jusnaturalistas esforçam-se por identificar este
tipo de regras, devido ao seu elevado grau de ‹‹evidência» ou, até, de
plausibilidade, para depois tentarem, a partir deste solo aparentemente
55 Portanto, tenho por indefensável o intuicionismo ético, tal como defendido por G.E.
Moore, Principia Ethica, 1970. Moore supõe que as qualidades morais são percebidas nas
coisas, nos homens, nas acções em virtude-de um modo especial de intuição. Recusado este
pressuposto, surge uma necessidade de explicação de todo o tipo de juízos morais, necessi-
dade essa estranha ao intuicionismo. A explicação utilitarista é apenas uma espécie de explica-
ção; ela pressupõe que osjuízos morais traduzem desejos naturais, ou seja, que ojuízo mo-
ral está originariamente associado à estrutura de necessidades do homem. (cfr. Mackie,
Ethik..., cit., pp. 4349). -- Como já ficou dito (supra 3.2.2), excluímos aqui este tipo de ques-
tões de fundamentação.
56 Kant, Kritik der reinen Vemunft, cit., 2.° vol., pp. 102 s.
234
síveis através de uma análise mais precisa daquilo que é específico do ser
pessoa e da forma como este ser pessoa se enreda nas relações sociais.
Daqui resulta que as regras do direito natural incondicional, para
conservarem a sua evidência, necessitam de uma determinação mais
precisa, em especial de uma delimitação face a designações equívocas do
direito positivo. Assim, o postulado do direito natural segundo o qual «o
homem teria de (poder) possuir propriedade» mostra que não se pode par-
tir simplesmente de um conceito de propriedade juspositivistaõo.
Mas, de qualquer modo, é preciso testar se a fórmula proposta é con-
sentida. Se aquele que afirma uma proposição proibitiva ou um manda-
mento como evidente subtrair essa afirmação ao rigoroso teste da expe-
riência, estaremos perante uma forma (frequente) do corte dogmático da
discussão e comunicação jusnaturalistas, que põe em causa a possibili-
dade de dialogo e fomenta, no campo político, uma clivagem entre as vá-
rias orientações. É preciso notar que o direito natural que opera com re-
gras decalógicas (ou com fórmulas dedireitos fundamentais) pode trazer
fracturas ruinosas ao combate político, o que choca completamente com o
seu próprio sentido que consiste em identificar princípios reconhecidos
pela generalidade das pessoas. Isto se se declarar que direito decalógico
discutível é não somente indispensável, mas também pedra-de-toque do
valor de uma ordem jurídicaôl.
O bom propósito do direito natural que trabalha com fórmulas deca-
lógicas não está, felizmente, relacionado com um tal doutrinarismo jus-
naturalista. Pois funciona também e precisamente quando o teste empí-
rico é admitido; por exemplo, a indissolubilidade do casamento deixou de
ser proclamada como princípio jusnaturalista, tendo em conta a falta de
consenso na sociedade moderna; todavia, a forma de proceder jusnatura-
lista, que consistia na construção de regras incondicionais com alto grau
de evidência, conserva o seu bom propósito de abrir caminhos para um
nível elevado de concordância e de preservar a relação com a consciência
simples metas, que só podem ser perseguidas em geral. Isto tem como
desconcertante consequência o facto de que, com as mesmas regras deca-
lógicas e fórmulas de direitos fundamentais, serem compativeis soluções
contraditórias de problemas, consoante as condições postas pelo enqua-
dramento global da situação.
Esse contexto mais abrangente é, de alguma forma, também mais con-
creto em face das regras decalógicas e dos direitos fundamentais. Posto
de outra forma: estas regras são argumentos, que foram isolados do con-
texto global da argumentação prática e que resistem à tendência do re-
torno ao contexto simultaneamente mais abrangente e mais concreto.
Ainda assim, a situação prática força a ponderação crítica e, dessa forma,
a integração até das regras decalógicas mais evidentes numa totalidade
_ em regra, aberta _ de muitos e diferentes pontos de vista, que, em
parte, se podem complementar, mas que, parcialmente, também são con-
trários, de maneira que tem de haver uma decisão entre eles (segundo
que máxima?).
O concreto, que força a integração de todas as regras decalógicas e de
todos os direitos fundamentais num mais amplo quadro argumentativo
e, como tal, os restringe, é, antes do mais, a própria realidade da vida so-
cial, na qual é sempre possível deparar-se com a colisão de diversas re-
gras de direito natural do tipo aqui tratado. A dogmática dos direitos fun-
damentais, que tomou para si, facticamente se bem que não segundo o
-
auto-entendimento metódico -_, a problemática de uma parte do direito
natural iluminista, realizando a sua concretização, ocupa-se, constante-
mente, dos limites que os direitos fundamentais impõem uns aos outros,
ou seja, trata das colisões dos direitos fundamentais entre si. No direito
penal, a protecção dos bens jurídicos colide com a regra segundo a qual
ninguém deve ser privado da sua liberdade. O direito civil está quase to-
talmente orientado para a colisão de interesses, que implica sempre tam-
bém um conflito de valores.
Acresce que a concretização do direito natural incondicional pode coli-
dir, no caso individual, com a funcionalidade de um sistema jurídico em ge-
ra155, ou com necessidades menos importantes, mas generalizadas. E isto
de tal forma que podem surgir argumentos sérios - ligados a uma situa-
ção _- contra o cumprimento de uma regra decalógica em si evidente.
-
flito-.de valores), torna-se claro quão distantes de' um direito concreto es-
tão as fórmulas decalógicas e as fórmulas de direitos fundamentais, que
se referem sempre apenas a um valor, estando, por isso, concebidas para
valer incondicionalmente.
O direito tem de ser mais concreto, isto é, mais complexo do que um
tal direito natural. Tem de comportar (ou criar) as regras para as quais
se orienta a aplicabilidade ou a não aplicabilidade de regras decalógicas
e de 'fórmulas de direito natural. Ele tem, por exemplo, de encontrar o
‹‹equilíbrio» (ou uma outra coordenação qualquer) entre os direitos fun-
damentais liberais e os direitos fundamentais sociais, que -«- olhados am-
bos de forma isolada tendem para estruturas sociais diferentes, em-
-
bora tendam para a sua concretização numa sociedade só. Neste
processo, nem sempre se conseguirá uma «concordância prática>>67; pelo
contrário, devem ser estabelecidas ‹‹prioridades›› etc. A concretização do
direito natural teria, pois, de se realizar segundo regras, que determina-
riam quando e em que circunstâncias as diferentes concepções quanto
aos objectivos do direito natural incondicional poderiam ser aplicadas.
da teoria da decisão (cfr. 14.5), esta descoberta não causa espanto. En-
trando em jogo várias concepções quanto aos objectivos, inconciliáveis
na prática, temos à disposição diversas alternativas de decisão quan-
-
to mais concepções sobre os objectivos forem dadas, mais alternativas
existirão. A decisão tomada é apenas uma de entre várias possíveis. Pre-
cisamente por ser uma entre várias, a possibilidade escolhida não per-
tence à esfera do direito indisponível. Dificilmente se chegará mais
per-
to da meta jusnaturalista da descoberta de asserções relevantes para
a
decisão com forte capacidade de persuasão e conteúdo de determinação
inequívoco do que através da elaboração de meta-regras para aplicaçã
o
de fórmulas decalógicas e de fórmulas de direitos fundamentais. O pen-
samento jusnaturalista desta família não consegue revelar um direito
natural indisponível, atribuindo a tarefa de concretização do direito a umas
instância decisórias quaisquer. O resultado é uma espécie de positivis
-
mo iluminado, que sabe não ser o seu ponto de ataqueo plano das fór-
mulas decalógicas e das fórmulas de direitos fundamentais, mas sim
o
plano das meta-regras, que prescrevem a forma de lidar com aqueles
princípios.
-
festar na discussão historicamente existente, sem que essa discussão ti-
vesse de ter uma estrutura mais normativa do que aquela indicada em
3.1.9.4, de maneira que os intervenientes na discussão se centrassem na
correcção e na verdade e que isto se exprimisse na forma e na situação
em que a discussão tem lugar.
A questão é, agora, a de saber se, para os problemas da filosofia práti-
ca, nomeadamente para a discussão de questões de justiça, podem ser ela-
boradas regras procedimentais especiais e se estas regras procedimentais
não serão até prejudiciais para a determinação das asserções que devem
ser aceites como admissíveis ou correctas, bem como das que devem ser
rejeitadas. Se se pudesse fundar um tal procedimento, isso tornaria pos-
sível uma dedução de afirmações substanciais acerca da justiça a partir
de meros preceitos de procedimento, podendo esta relação de dedução ac-
tuar como reforço ou como crítica das asserções normativas intuitivas.
Onde a intuição se tornasse insegura ou onde asserções normativas fos-
sem postas em causa na discussão poderiam, possivelmente, ser obtidos
novos argumentos com peso próprio, que decidissem o conflito.
Uma vez que nessas regras procedimentais não estariam em causa
afirmações directas sobre o problema moral a resolver (embora essas re-
gras procedimentais fossem as consequências de um processo regular de
discussão ou de decisão) denominaremos tais regras de princípios proce-
dimentais (da filosofia prática). Quer isto dizer que se afirma existir um
processo racional de argumentação e de decisão, conducente à formação
de asserções morais, sem que tivessem de ser pressupostas outras asser-
73 A intuição a que aqui se alude não tem, naturalmente, nada a ver com o intuicionis-
mo acima (nota 51) referido.
246 '
ção rawlsiana, têm uma atitude racional) que irão querer executar inte-
ligentemente um qualquer plano de vida no seu próprio interesse, e, por
isso, serão somente guiados por um modelo de racionalidade que abstrai
de todos os objectivos de vida concretos. Estando os objectivos de vida sob
o véu da ignorância, a racionalidade das partes contratantes no estado
originário só pode, obviamente, significar uma racionalidade de meios e
de coordenação formal de fins arbitrários, não uma racionalidade dos fins
em si mesmos. Também podemos exprimi-lo de outra forma: a racionali-
dade desenhada por Rawls surgefinos amoral porque não visa objectivos
de vida determinados, que pudessem ser questionados quanto à sua qua~
lidade moral, mas apenas a optimização dos meios para a melhor possí-
vel realização de objectivos de vida arbitrários, ainda por estabelecer.
O que dizer agora da plausibilidade da proposta de deixar que a mera
racionalidade de meios e de coordenação de homens sob um véu de igno-
rância decida sobre os princípio de uma ordem social?
Possivelmente, não se considerará esta concretização da posição ori-
ginária, vista isoladamente, de forma alguma plausível. Assim, sem
mais, não se vê por que razão se há-de admitir que seres, que pensam por
si mesmos relativamente às categorias das vantagens e das desvanta-
gens, chegariam, sob o véu de ignorância, a um consenso acerca de prin-
cípios que nós poderíamos, intuitivamente, julgar justos. Parece impro-
vável a passagem, digamos mecânica, de uma racionalidade amoral para
princípios de justiça com relevância moral. À partida, parece mais natu-
ral atribuir já algumas concepções substanciais sobre a justiça aos ho-
mens na posição originária e às suas reflexões acerca do contrato social
a celebrar. Concepções essas que asseguram que das suas deliberações e
decisões não resulte algo completamente incompatível com juízos ponde-
rados sobre a justiça.
Mas talvez cheguemos a uma outra apreciação, quando nos aperceber-
mos de que, na medida em que aquela racionalidade amoral ao serviço de
planos de vida individuais arbitrários for incorporada na situação do con-
trato original, o indivíduo é nomeado parte contratante e, como tal, guar-
dião dos direitos de cada indivíduo; quando entendermos, portanto, que,
através desta disposição processual mental, o interesse (pensado em ter-
mos gerais) de cada ser humano individual se deve tornar no critério da or-
dem jurídica. Podemos exprimi~lo deste modo: não parece plausível que re-
flexões egoístas dêem origem a princípios morais; mas já parece
254
-
ginária no que disser respeito a restrições contratuais do campo de liber-
dade dos indivíduos, como defensora dos interesses do indivíduo. A preser-
vação destes seria pior assegurada na presença de partes contratantes não
egoístas (‹‹altruístas››) porque estariam mais dispostos a abdicar dos inte-
resses individuais. O cálculo do interesse egoísta na posição originária re~
presenta a necessidade que cada indivíduo tem de possibilidades de acção,
oportunidades de vida e bens, e a sua plausibilidade (com uma ligeira al-
teração da perspectiva: da neutralidade moral do cálculo de utilidade para
a função deste na situação contratual originária) nutre-se das mesmas fon-
tes das fórmulas de direitos fundamentais (cfr. supra 32.4.21), na medida
em que deve ser possível a cada indivíduo, já na posição originária, afir-
mar-se a si mesmo como valor e determinar, na posição originária, por que
forma institucional deve ser feito respeitar esse valor. O cenário do estado
originário apresenta os homens como livres, autônomos e racionais e ali-
menta-se, desde logo, da valoração positiva da liberdade e da autodetermi-
nação racional do indivíduo presente na nossa tradição filosóñca e política.
O quadro do estado originário realiza esta transferência de «evidência», in-
dependentemente da questão de saber se os homens na posição originária
escolheriam uma Constituição de liberdade, se, portanto, eles converte-
riam num sistema de liberdades fundamentais a vontade de autodetermi-
nação que lhes é atribuída. Também seria concebível, que, apesar de na po-
sição originária serem autônomos e livres, eles não atribuíssem um valor
próprio ã liberdade, abdicando da liberdade logo no acto de celebração do
contrato social, por tal lhes parecer mais útil.
Admitindo-se que a posição originária, tal como Rawls a concretiza,
seja um bom princípio procedimental, devido à recognoscibilidade ime-
diata dos seus elementos individuais, coloca-se, agora, a questão da fei
cundidade deste princípio. Esta questão subdivide-se em outras duas
questões. Em primeira linha, deve perguntar-se se o estado originário tal
como ele é apresentado admite, em geral, uma qualquer decisão racional
(no sentido acima referido) das partes contratantes entre várias concep-
ções de justiça. Só em segundo lugar se põe a questão de saber quanto
conteúdo concreto de regulamentação pode ser extraído, para uma ordem
social, da concepção de justiça escolhida na posição originária.
255
«Primeiro princípio: p
Cada um tem igual direito ao mais amplo sistema global de liberda-
des fundamentais iguais, que seja possível para todos.
Segundo princípio:
As desigualdades sociais e económicas têm de ser configuradas do se-
guinte modo:
berdade à custa dos outros, ela evita a escravatura, que se concebe como
sendo completamente insuportável. Acresce o argumento de que se fos-
sem asseguradas liberdades desiguais, cada uma saberia que esta esco-
lha não poderia ser mantida pelos homens com menores capacidades,
porque um sistema de liberdades desiguais seria insuportável para os
desfavorecidos, pelo que o sistema social se tornaria instável, contra-
riando, assim, as intenções no estado Originário (pp. 201 ss.).
Se se testar a fecundidade do primeiro princípio de justiça, notar-se-ã
que dele não decorre, sem mais, quais as liberdades fundamentais (liber-
dade de consciência, liberdade de associação etc.) que devem existir. A in-
dicação de criar o sistema mais abrangente de liberdades fundamentais
iguais, que seja possível para todos, fornece uma orientação clara: en-
quanto os homens estiverem sujeitos a restrições específicas, que os im-
pedem de adoptar certos comportamentos (fazer ou não fazer), a liberda-
de pensada em termos gerais, ganha um conteúdo específico através da
abolição daqueles limites específicos (p. 230); o sistema mais abrangente
de liberdades fundamentais iguais seria o da abolição da todas aquelas
restrições específicas. Esta orientação, à primeira vista evidente, é, no en-
tanto, contrariada pela condição restritiva que postula que este sistema
global de liberdades fundamentais tem de ser para todos. Aqui residem
certamente as dificuldades. Ora, Rawls não desenvolve o sistema global
de liberdades fundamentais. Ele apenas discute, paradigmaticamente, a
liberdade de consciência e os seus limites (pp. 234-251), bem como o prin-
cipio da igual participação na formação da vontade política, que também
é entendida como uma liberdade, acompanhada das restrições concebiveis
(pp. 251-265). Daí ser quase impossivel ajuizar a precisão com que um sis-
tema global de liberdades fundamentais seria deduzível.
Parece ser mais importante dirigir a atenção para as dificuldades de
afinação interna do sistema global de liberdades fundamentais concebido.
Rawls toca este problema, mas não lhe dá solução. Ele pressupõe sim-
plesmente ‹‹que, sob condições razoavelmente favoráveis, existe sempre
uma tal determinação destas liberdades que, nos aspectos mais impor-
tantes, todas elas podem ser realizadas simultaneamente e os interesses
fundamentais podem ser preservados; ou, pelo menos, que isto seja pos-
sível num período de tempo previsível...» (p. 231). Deste modo, as restri-
ções recíprocas das liberdades não são excluídas; pelo contrário, são inte-
gradas. Os deputados de uma assembleia constituinte «serão obrigados,
258
77 Ballweg, Zu einer Lehre von der Natur der Sache, 1960, p. 64.
78 Ballweg, Zu einer Lehre... , cit., p. 67.
79 Seguindo, em parte, Ballweg, Zu, einer Lehre... , cit.
260
vida social ã ‹‹natureza››; como vitalia (ou dados da vida), que podem in-
terpretar-se como ordens já experimentadas do desenvolvimento biológi-
co do homem; como imposições técnicas objectivas, que, apesar de serem
o resultado do agir racional, nem sempre foram desejadas como tal, mas
que agora são dadas como esfera autónoma de exigências objectivas,
como uma segunda natureza da esfera jurídica sob a forma de estruturas
objectivas com carácter ordenador; como ordem económica, que se cons-
titui de modo autóctone como a lógica objectiva de um sistema óptimo de
satisfação de necessidades80 que se destaca, enquanto estrutura lógico-
objectivasl, enquanto instituição, ou seja, conjunto ordenado de pessoas, de
estruturas objectivas e de contextos de interacção visando a realização de
uma certa tarefa _ que não é posta em questão _ ou de uma função so-
cial qualificada como imprescindível (que _ tal como a execução da pena
_ não tem, de modo nenhum, de ser racionalmente comensurável, mas
que, ainda assim, se afirma); como padrões disponíveis de interacção, que
apenas são consciencializados no momento da sua violação, mas que, de-
pois, são reconhecidos como acções ordenadoras extraconscientes de alto
nível, espontaneamente defendidos como constitutivos de formas de exis-
tência (papéis) social-típicas e reciprocamente admitidos (talvez em analo-
gia com a inquestionável legitimidade da auto-afirmação biológica)82.
A referida série de regiões, nas quais podem ser encontradas estrutu-
ras ordenadoras reais, é, em si mesma, onticamente heterogênea. Ela po-
dia ser prolongada, sendo de esperar que surjam novas variedades da
«natureza das coisas» _ ainda que não expressamente sob esta designa-
ção _ sempre que sejam testados e provados novos métodos (especial-
mente, das ciências sociais) de descrição e interpretação de estruturas da
realidade. A interligação de todos aqueles princípios de investigação
numa doutrina da natureza das coisas só se torna possível com o retorno
ao interesse jusnaturalista do conhecimento de conceber o direito como
estrutura normativa indisponível.
8° É a partir da natureza desta coisa que está pensado o famoso trecho da Rechtsphilo-
sophie de Hegel sobre o «sistema de necessidades» (§§ 189-208).
81 Welzel, «Naturrecht und Rechtspositivismus», cit., pp. 334 ss.
82 Cfr. Garfinkel, «Das Alltagswissen über soziale und innerhalb sozialer Strukturen»,
em Alltagswissen, Interaktion und geseilschaftliche Wirklichkeit. Org. por Arbeitgruppe
Bielfelder Soziologen, 2 vols., 1973, pp. 189 ss.
261
83 Rechtsphiiosophie, Soziologie and Metaphysik des Rechts, 2.El ed., 1962, pp. 151-154.
84 Maihofer, «Die Natur...», cit.
262
Ainda assim, sobram aqueles casos em que uma nova realidade social
necessitaria de uma construção jurídica posterior ou uma instituição que
é posta em causa precisaria de uma nova construção jurídica a partir de
factores ordenadores reais remanescentes. As notas seguintes a respeito
de elementos estruturais da relação «professor universitário-estudan-
te»85, entretanto posta em causa, poderão servir para mostrar como aque-
les casos podiam suceder. Os elementos estruturais devem ser lidos a
partir da regularidade objectiva de uma situação de ensino-aprendiza-
gem, que se dirige ao objectivo de uma formação tendo em vista o traba-
lho científico.
Segundo a natureza das coisas, parece evidente o seguinte: o surgi-
mento de autoridade na situação de ensino-aprendizagem contradiz, por
um lado, o sentido da aprendizagem científica, porque-a atitude científica
exige, justamente, que nada seja aceite por força da autoridade, mesmo
que tal fosse razoável de uma perspectiva mais prática; por outro lado, a
maior amplitude dos conhecimentos de uma das partes, em regra exis-
tente na situação de ensino-aprendizagem *- de resto... desejável -, jus-
tifica a autoridade dessa parte. Esta autoridade tem especial relevância
na questão da escolha pertinente da matéria, o que pressupõe uma visão
global sobre o campo do conhecimento, e, em geral, quanto à estrutura
adequada da aprendizagem enquanto factor autónomo. O desprezo ou a
não aceitação destes factos será sentido não só pelo docente, mas também
pelo estudante como perturbação de uma consecução óptima do objectivo
da aprendizagem, através do qual a situação é decisivamente co-definida.
A autoridade fundada nos conhecimentos mais vastos de uma das partes
precisa então de ser condensada num poder organizativo juridicamente
consolidado, já que, caso contrário, as determinações do docente quanto à
matéria -- ignoramos aqui a determinação externa do ensino, nomeada-
mente através de regulamentos estatais respeitantes aos exames -- po-
derão ser desprezadas por uma parte dos estudantes, o que acarretará
consequências negativas para todos os estudantes. A autoridade científi-
ca na situação de ensino-aprendizagem torna-se, por isso, tendencia]-
mente num poder organizativo juridicamente consolidado porque a con-
ções de dever-ser, que, por serem concepções de dever-ser, não são empi-
rz'camente testáveis no sentido usual, levantando também a questão da
sua correcção normativa. Se perguntarmos, neste sentido, pelo conteúdo
axiológico da situação ensino-aprendizagem sucintamente analisada,
verificamos que o facto importante com tendência ordenadora era a
maior amplitude de conhecimentos do professor, normalmente presente.
Pelo contrário, a função do ensino superior -~ que pura e simlesmente
não é posta em causa _ consistindo em fazer despontar no estudante,
segundo certos standards de cientificidade, a capacidade de trabalhar
cientificamente não se situava no plano da facticidade. Se este objectivo
for atacado - directamente ou mediante reinterpretação ou alteração
do standard de «cientificidade» _, as estruturas da relação professor
universitário-estudante caiem ainda mais decididamente na penumbra,
tornando-se incertas.
Embora, de uma certa perspectiva axiológica, a maior amplitude de
conhecimentos seja um facto com tendência ordenadora determinada, ela
perde esse significado; possivelmente, perde até toda. a virtualidade or-
denadora. Nisto, mostra-se que a prevalência frequentemente preten-
-
dida -- das regularidades objectivas sobre as perspectivas axiológicas ou
até a irrelevância destas últimas não pode ser justificada pela análise de
situações sociais inteligíveis; mas que, pelo contrário, estas são consti-
tuídas por disposições axiológicas intersubjectivamente consentidasgs.
Se estas disposições se transformam, também as tendências ordenadoras
dos dados objectivos -- sejam eles naturalia, vitaZia, contextos técnicos
objectivos ou outra coisa qualquer _ também se alteram.
88 Sobre a (ampla) redução da natureza das coisas à «consequência valorativa››, _cfr. Stra-
tenwerth, Günter, Das rechtstheoretische Problem der Natur der Sache, 1975.
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