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PROMUSPP / EACH-USP
PROJETO DE PESQUISA
NÍVEL MESTRADO
Resumo:
Este projeto se desenha pela inspiração do pensamento decolonial, considerado o corpo que
dança e se utiliza deste movimento político para transformação social, a saber, por meio da
autoetnografia, da presença, de cartografias idiossincráticas e dramaturgias das culturas que
fundam danças. O Brasil, pós-colonial, circunscreve corpos ibero-negro-indígenas. Este cenário é
o platô para os atravessamentos e as imersões do pesquisador em sua criação, exercício e fruição
das artes corporais. A enunciação do problema e sua formulação é inequivocamente decorrente
de reflexões memoriais, subjetivas e éticas, da minha experiência profissional e contemplativa
com a dança clássica e contemporânea. Em decorrência da análise bibliográfica e autobiográfica,
esperam-se resultados, intervenções e ações de natureza artística, assim como contribuições e
vislumbramentos para a produção de conhecimento que não se restrinja ao meio acadêmico -
difusão -, em consonância com os estudos radicalmente qualitativos contemporâneos e às
epistemologias do sul, literaturas necessárias para o movimento de decolonização do
pensamento, do corpo e do imaginário. O cronograma está organizado de acordo com os prazos
estabelecidos pelo programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política
(PROMUSPP) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São
Paulo (USP). O método de trabalho e a coadunação do arcabouço teórico, de natureza
transdisciplinar, consistem em um formato para defesa de um ensaio que se permite à escrita na
segunda pessoa do singular, não por mera escolha deliberada, mas antes pela necessidade; neste
exato lugar de fala, relato, discurso e cartografia está presente a (im)possibilidade de correlação
das palavras-chave que emolduram o movimento performativo deste trabalho. Commented [U1]: Adorei a objetividade!sem perdr a
tessitura...
1) ENUNCIADO DO PROBLEMA
As culturas dominadas na colonização – que é toda a África, toda América e
toda a Ásia, mas que são também todas as regiões da Europa que não Europa
Ocidental, principalmente o Mediterrâneo, as culturas árabes e judaicas do
mediterrâneo antes da inquisição, as culturas negras e indígenas que habitavam
a América – eram culturas cuja política de subjetivação é totalmente distinta e Commented [U2]: Aqui temos uma questão clara – que é assim
onde o corpo estava muito presente (ROLNIK, 2010) 1 pq é a Rolnik – que é a subjetivação. Este é o destaque aqui. Vamos
pensar que isso abre, conceitualmente o seu projeto.
Andre Lepecki (2017) fala sobre a exaustão e o esgotamento da dança, e assim como Paul
Virilio (2015 apud Paula Sibilia) versa sobre a importância política do parar. A paragem é uma
das estratégias políticas da dança contemporânea. A dança que se pensa, que para para pensar…
pesar… desaparecer, ecoar. Vladimir Safatle (2016) anuncia o fim do indivíduo, e fala sobre as
novas corporeidades que podem insurgir resilientes às opressões e mecanismos de controle que
recaem sobre o corpo.. No Instituto Moreira Salles (IMS) em São Paulo, 2017, uma obra diz ser
impossível fazer política sem imagens hoje em dia. A mídia ninja e outras plataformas
colaborativas vêm mostrando isso desde as manifestações de junho de 2013, no Brasil, por
exemplo. Facebook, Instagram, Snapchat, Tinder, LinkedInn, YouTube, Blogs, QR Code,
WhatsApp. Avatares. Iconolatria, idolatria das imagens. “Elogio da superficialidade”,
parafraseando Vilém Flusser (2008), sobre o “universo das imagens técnicas”.
Um novo estatuto do corpo contemporâneo em curso. Commented [U3]: Novo em relação a que? O que é esse novo-
novidade, novo-inovação, novo-de novo? O novo já nasce para ser
superado. Na comemoração da descoberta se pensa sobre aquilo
Gumbrecht (2010), em seu ensaio "Graciosidade e estagnação" fala sobre a dança que virá depois. É isso?
enquanto jogo e não jogo ao mesmo tempo. O jogo da dança, resgatando sua origem ritualística e
celebrados, oscila o binômio teatralidade-performatividade. Josete Fèral também se insere no Commented [U4]: Ref?
debate pós crise da representação nas artes e no mundo, projetando a ideia de jogo, em
detrimento da mimese no teatro contemporâneo. Pelo intercâmbio muito íntimo entre teatro e
dança, sobretudo no século XXI, é demasiado importante pensar as naturezas das dramaturgias
aplicadas aà dança, mesmo que sejam "não-dramatúurgicas", com a luz/escurecimento do teatro
pós-dramático, por exemplo. Vou representar uma pessoa brancao, rica, caucasiana, de
descendência europeéia? Pintar minha cara de preto? Dançar um balé cortês? No Brasil? Na
favela do Rio de Janeiro? Nas ruas centro de São Paulo? Nas orlas das praias da Bahia? No
carnaval de Recife? Nas festas do interior? Com botas gaúchas? Com fantasia? Nu(a)? Por quê?
Para quem? Mário de Andrade, em 1982, escreveu as “Danças dramáticas brasileiras”, uma
grande obra em vários tomos. A dramaturgia de um Brasil já estava lá, na cultura popular… há
muitos anos. Butler, ao trazer a ideia de gênero performativo, nos lembra da potência do corpo
em devir seus desejos, transformando a si e o mundo. Em seu ensaio “Corpos que pesam”
(1993), a primeira página se dispara com três citações provocativas:
1
Excerto de uma entrevista de Suely Rolnik por Pedro Britto em 2010 pela UFBA. Disponível em:
<http://www.corpocidade.dan.ufba.br/redobra/r8/trocas-8/entrevista-suely-rolnik/>
Por que nossos corpos deveriam terminar na pele? Ou por que, além dos seres humanos,
deveríamos considerar também como corpos, quando muito, apenas outros seres também
encapsulados pela pele? (Donna Haraway, A manifesto for cyborgs)
Se pensamos realmente no corpo como tal, não existe nenhum possível contorno do corpo como
tal. Existem pensamentos sobre a sistematicidade do corpo, existem codificações que atribuem
valores ao corpo. O corpo como tal não pode ser pensado e eu, certamente, não posso acessá-lo.
(Gayatri Chakravorty Spivak, "In a tvord" entrevista com Ellen Rooney)
Eduardo Viveiros de Castro (2015) grifa com assertividade que a tarefa contemporânea
da antropologia: “assumir sua verdadeira missão de ser a teoria-prática da descolonização
permanente do pensamento”2. Ou, para além, parafraseando Cornelius Castoriadis de(s)colonizar
o imaginário. Destarte, o que/quem irá descolonizar os corpos? Talvez a dança.
Praticamente não há história da dança do Brasil antes do século XIX, e o que há está
absolutamente restrito às molduras da colonização européia. A ideia de cultura afro-diaspórica e
seu (re)conhecimento é muito importante para a população afro-brasileira, adestrada pelos
ditames eurocêntricos e norte-americanos. É premente insurgir e visibilizar o hemisfério sul.
2
p. 20.
dispõe de definições fixas de lugar e espaço; é fragmentado, dromoapto. Posto este rizoma
político, sociocultural e artístico, apresento a problemática deste trabalho: Commented [U5]: Vamos pensar, do começo até aqui sobre os
diversos autores que vc traz, todos com elementos entrecortados e
que apontam para uma miríade de temas, que, acredito, se
O fazer autoetnográfico advém da junção dos exercícios de autobiografia e etnografia. A entrecruzam e formam uma bela tessitura. Mas a minha questão é:
por que são eles o seu trampolim, a sua cama elástica, onde vc
primeira questão a ser posta em cheque é: Por que a minha história merece atenção? Neste apoia e salta? Como esses autores servem a vc? Pq essa pinceladas?
O que orienta o seu estilo – pense nisso antes de pensar em
conteúdo...
contexto específico, a resposta é que o pesquisador que se utiliza deste método, dispõe de
recursos da literatura e de estudos culturais, objetivando refletir e relacionar a própria
experiência pessoal e imersiva com o mundo que o rodeia. (ELLIS, ADAMS & BOCHNER,
2010)
Novamente recorrendo a filósofa Judith Butler, em seu livro Relatar a si mesmo: crítica Formatted: Font: Not Bold
da violência ética, podemos encontrar uma elucidação que defende a validade da autoetnografia
enquanto pratica de alteridade: “o sujeito descobre que não pode narrar a si mesmo sem se
responsabilizar, ao mesmo tempo, pelas condições sociais em que surge”. (BUTLER, 2017) Não
obstante, ao citar Foucault (p.150), a autora revela as limitações do sujeito ao falar sobre si, e a
impossibilidade de fundação de si, de maneira absoluta, pois “sempre tem uma parte de si criada
por algo que não é ele mesmo - seja a história, o inconsciente, uma série de estruturas, a
história da razão”. (Ibid.) Butler e Foucault nos mostram os limites da concepção
fenomenológica do sujeito. E ela explica que, “a relação com o si-mesmo é uma relação social e
pública, sustentada inevitavelmente no contexto de normas que regulam as relações reflexivas:
como poderíamos e deveríamos aparecer?” (p. 147) Aí já se exibe a questão da presença, um
debate tão pertinente às artes contemporâneas do corpo. Commented [U6]: Quais implicações isso tem para o uso da
autoetno como caminho de organização investigativa?
Perspectivas sobre a presença do corpo contemporâneo na dança e suas potenciais Commented [U7]: Eu começaria o projeto por aqui, por este txt
mitologias
Hipoteticamente, André Lepecki (apud BARDET, 2014) lança a ideia de que “a dança
contemporânea é muito mais definida pela presença de seus dançarinos do que pelos
movimentos dos corpos”. Marie Bardet desenrola esta ideia cotejando duas noções de presença
antitéticas: a) como conexão mágica, transcendente, de totalidade plena e ecumênica e b) uma
atenção, um esforço, no presente… um sonho acordado? (Idem) A ideia de presença é
absolutamente relevante para a improvisação em dança, algo extremamente recorrente e
substancial na dança contemporânea.
Em seu ensaio “O Corpo Utópico”, Michel Foucault induz seu leitor ao desvelamento de
uma ideia que percorre um caminho inusitado e brincante, elaborando a ambivalência do corpo
como uma instância que ora habita o universo das ideias e ora se presentifica numa tenaz
materialidade física, biológica, bem definida topologicamente. Inicialmente, ele diz que o nosso
corpo é o contrário de uma utopia:
a utopia é um lugar fora de todos os lugares, mas um lugar onde eu teria um corpo sem
corpo, um corpo que seria belo, límpido, transparente, luminoso, veloz, colossal na
sua potência, infinito na sua duração, solto, invisível, protegido, sempre transfigurado;
(...) um corpo incorporal, (...) feérico, (...) o contrário de uma utopia, o que jamais se
encontra sob outro céu. Lugar absoluto, pequeno fragmento de espaço com o qual, no
sentido estrito, faço corpo. (FOUCAULT, 2013) Commented [U8]: página
E extrapola…
Meu corpo é o lugar sem recurso ao qual estou condenado. Penso, afinal, que é contra
ele e como que para apagá -lo que fizemos nascerem as utopias. (...) Afinal o que são
as múmias? Elas são a utopia do corpo negado e transfigurado. A múmia é o grande
corpo utópico que persiste através do tempo. (...) Porém, a mais obstinada talvez, a
mais possante dessas utopias pelas quais apagamos a triste topologia do corpo, nos é
fornecida, desde os confins da história ocidental, pelo grande mito da alma. (...) Minha
alma é bela, pura, é branca; e, se meu corpo lamacento vier a sujá-la, haverá sempre
uma virtude, haverá uma potência, haverá mil gestos sagrados que a reestabelecerão
na sua pureza primeira.(Idem) Commented [U9]: :ibidem, página
3
Heterotopia significa um lugar outro ou diferente, díspar, diverso. Hetero: diferente; topos: lugar.
– desenho, cor, coroa, tiara, vestimenta, uniforme - tudo isso faz desabrochar, de
forma sensível e matizada, as utopias seladas no corpo. (Ibidem) Commented [U11]: Ibidem de qual?
Além disso, para Deleuze e Guattari, na obra “O que é a filosofia”, utopia seria
justamente uma desterritorialização absoluta, porém, justamente no momento em que se conecta
com o presente, não aspirando um futuro, mas um encontro entre o que há de infinito e o que está
aqui e agora. (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 30)
Parafraseando Yvonne Rainner, sobre utopia: quanto mais impossível, mais necessária…
No primeiro capítulo de seu livro “Movimento Total: o corpo e a dança”, José Gil (2001,
p. 51) fala sobre a imanência do corpo. E versa a dança instaurada justamente pela presença,
parafraseando Susanne Langer, definindo a dança como “o surgimento de uma presença”, ou
aparição. Essa imanência é, em primeira instância, antônima da transcendência. Fazendo
remissão a Merce Cunningham, por exemplo, temos um corpo cujo movimento e fisicalidade já
se bastam em sua expressão, não demandando nenhum tipo de alegoria, emoção, aparato ou
externalidade para sua manifestação, pelo menos não a princípio. Deslocamo-nos absolutamente
da representação, partindo para a ação, sensação, apresentação, performatividade e performance.
É um ponto zero, um intervalo de esforço, um continuum. O plano de imanência sobre o qual o
autor fala, se situa e é percebido num plano virtual. A virtualidade do corpo tem a ver com o seu
devir, um estado que precede a sua atualização, que, no entanto não é estanque, tampouco
definida pela concretude do evento. Não só os movimentos resultantes, mas suas intenções, seus
ínterins e seus mistérios são o que nos enovelam numa dramaturgia de dança. O “corpo virtual”
está aquém do “corpo atual”, mas o prescinde.
Ou seja, o corpo que se realiza é antes diverso, múltiplo, utópico e heterotópico. Paul
Valéry e José Gil versam sobre a abertura de “infinitos” no espaço através das danças dos
bailarinos. Diferentemente do ator que cria e recria espaços e situações, paredes e arquiteturas
típicas ou atípicas, os bailarinos perfuram o espaço, dimensionando-o de maneira infinita, mesmo
estando muito conscientes dele. Para Mary Wigman, o espaço “é o reino do bailarino.” Um
reino intangível, no qual ele cria atopias, mais do que heterotopias (Idem, p. 51). Talvez a
presença seja o que antecede o início do movimento, e o que permeará toda a duração cênica
ulterior. Sendo passado e futuro ao mesmo tempo, se torna o momento presente em toda sua
potência. Para Rudolf Laban, o que inicia o movimento é um tipo de “esforço”, um impulso
interior vital e originador. Na dança, esse esforço latente tem qualidades de energia, tempo e
espaço… (Idem, p. 15-18)
Há um silêncio, associado ao vazio, que conduz à presença e que também se atrela aos
intervalos que conferem a irradiação da arte da presença na dança. É o silêncio que Merce
Cunningham pedia aos corpos dos seus bailarinos, e também o grande vazio primordial das
pinturas chinesas. Essa tábula rasa propicia espaços e terrenos profícuos para criação de
intensidades, plasticidades e preenchimentos dos fluxos corporais. (Idem) Gil se afasta do clichê
de verificarmos a dança enquanto uma arte do efêmero. A partir disso ele discorre sobre o corpo
paradoxal na dança. A não efemeridade se dá pela presentificação dos gestos corporais e seus
ecos. “Um gesto presente que se insere numa continuidade mais profunda, virtual, do tempo”.
(Ibidem) Ou seja, para Gil, o movimento da dança não é efêmero, pois deixa suas marcas
perenes, que ecoam. Vale a pena destacar que: Todo corpo que dança tem um grande
componente narcísico, inequivocamente:
O movimento dançado recolhe o corpo sobre si, e por outro lado, projeta suas
múltiplas imagens em pontos de contemplação narcísica, pontos necessariamente fora
do corpo próprio, mas que se encontram no espaço. (...) É o espaço do corpo que
fornece os pontos exteriores-interiores de contemplação. (...) Graças ao espaço do
corpo, o bailarino cria duplos e múltiplos virtuais do seu corpo que garantem um
ponto de vista estável sobre o movimento. (Ibidem)
“Enquanto dança o bailarino cria duplos e múltiplos virtuais do seu corpo que garantem
um ponto de vista estável sobre o movimento.” (Idem, p. 63) Isso justifica muito bem a
necessidade de exploração do ego e da subjetividade do artista da dança. Trata-se do
reconhecimento de si. Olhar para si e ao mesmo tempo se autoconhecer permite ao artista que se
emancipe das marcas impressas no seu corpo pela sociedade, que não necessariamente refletem
sua essência, ou melhor, sua possibilidade de devir. Dancemos:
A dança compõe-se de sucessões de micro-acontecimentos que transformam sem cessar o
sentido do movimento. E (...) realiza da maneira mais pura a vocação de agenciar do
desejo. O que explica sem dúvida a sua presença tão poderosa, mas muitas vezes
deserotizada, na maior parte das danças reais. A dessexualização dos corpos acompanha o
desenvolvimento do movimento de agenciamento, quer dizer muito simplesmente do
movimento dançado como movimento do desejo. Se a dança deserotiza os corpos, é
porque o movimento dançado se tornou desejo (desejo de dançar, desejo de desejo, desejo
de agenciar). Quando o erotismo irrompe e possui o corpo (nomeadamente nas danças
populares), é porque o movimento de agenciamento de agenciamentos foi ele próprio
tomado num agenciamento concreto erótico. Então tudo se inverte: é o movimento dos
gestos concretos que mantém o continuum do agenciamento abstracto, enquanto toda a
coreografia se impregna de erotismo, como uma vaga ou uma atmosfera. (...) A ideia é
prover um “espaço de onde as obstruções, as máquinas de romper os fluxos, de os cortar,
de os vampirizar, sejam varridas - pela própria intensidade do fluxo. (...) Digamos,
simplesmente que o corpo habitual, o corpo-organismo é formado de órgãos que
impedem a livre circulação de energia. Desembaraçar-se deles, constituir um outro corpo
onde as intensidades possam ser levadas ao seu mais alto grau, esta é a tarefa
artista e, em particular, do bailarino. (Idem, p. 68)
Destarte, temos a potência do corpo presente, de atitude estética, que pode criar utopias,
heterotopias, corpos múltiplos, instaurando poéticas de estranhamento, primeiramente pelo fato
de se localizar no mundo, e entender seu corpo como um lugar circunscrito nesse mundo, e não
somente um instrumento de expressão de um drama, apesar de também poder sê-lo.
A fenomenologia teve o mérito de considerar o corpo no mundo. Não se trata de uma
perspectiva terapêutica, mas do estudo do corpo próprio na constituição de sentido. A
noção de corpo próprio compreende ao mesmo tempo o corpo percebido e o corpo vivido,
em suma o corpo sensível, a Carne de Husserl, de Merleau Ponty e de Erwin Strauss. A
descrição do corpo em situação prima sobre qualquer outra consideração de sentido ou de
função. Mas o corpo fenomenológico não considerava duas instancias muito importantes,
concernentes aos bailarinos: a energia e o espaço-tempo do corpo. (Idem, p. 73)
José Gil considera o corpo não somente um fenômeno, mas um metafenômeno. Que vai
além. Percebido concretamente em sua materialidade, visível, virtual ao mesmo tempo, emissor
de signos e transsemiótico. “Um interior orgânico e ao mesmo tempo solúvel à superfície.”
(Ibidem) Receptáculo que abre e fecha, que se conecta sem cessar com outros corpos e com a
natureza.
Um devir-bailarino, paradoxal que pode devir qualquer coisa. (...) Um corpo interior-
exterior, poroso, esponjoso, liso, estriado, de simetrias assimétricas. A dança é
imanência, por excelência, o corpo que dança é pura imanência. Com tal imanência
pode- se alcançar as mais altas intensidades, como desejava Cunningham. (...) Por que
dançar? Pelo desejo, cuja natureza jaz no ato de agenciar. (...) O desejo cria
agenciamentos. (...) O desejo não se esgota no prazer, mas aumenta agenciando-se.
Criar novas conexões entre materiais heterogêneos, novos nexos, outras vias de
passagem de energia, ligar, pôr em contato, simbiotizar, fazer passar, criar máquinas,
mecanismos, articulações. (...) Infinito. (...) O desejo produz ou constroi em si próprio.
Os agenciamentos, doravante, tornam-se dispositivos para fluência do desejo. (...)
Corpo-sem-órgãos, plano de imanência. (Idem, p. 73)
Talvez a assunção da presença, tanto cênica quanto existencial, prescinda da abolição dos
organogramas corporais aos quais nos acostumamos durante o processo civilizador, e em meios a
tantas fetichizações digitais do contemporâneo. As reflexões anteriores me abismam nas ideias
de um “corpo-sem-orgãos”, recorrentes na obra deleuziana, na qual José Gil se inspira
notavelmente. “O corpo-sem-órgãos, termo cunhado por Antonin Artaud e vastamente
elaborado por Deleuze em seus platôs, para a esquizoanálise seria a apresentação de “uma
matéria intensa não-estratificada, superfície aberta a conexões e limiares que a significância e a
subjetivação hegemônicas proscrevem.” (PELBART, 2003, p. 217) Commented [U13]: Gosto daqui
No teatro performativo, o ator é chamado a “fazer” (doing), a “estar presente”, a
assumir os riscos e a mostrar o fazer (showing the doing), em outras palavras, a
afirmar a performatividade do processo. A atenção do espectador se coloca na
execução do gesto, na criação da forma, na dissolução dos signos e em sua
reconstrução permanente. Uma estética da presença se instaura (se met en
place). (FÉRAL, 2009 : 209)
De acordo com Josette Féral, a performance poderia ser considerada como o ponto
nevrálgico do contemporâneo, e eu também acredito nesta possibilidade, afinal a presença do
corpo está no seu desempenho, no que ele exibe, no que ele manifesta, age, comunica, instaura,
provoca. A dança, o teatro e todas as artes do corpo possuem esta questão que merece nossa
atenção, a presença do corpo, um tema que atravessa filosofia, política, sociologia, antropologia,
ciência, e portanto, transdiciplinar, pois vai além de tudo isso. O teatro contemporâneo, também
concernente à dança contemporânea, se distanciou da representação, mas será que se distanciou
da teatralidade e de toda mitologia que advém das nossas narrativas cotidianas não lineares? De
qual teatralidade necessitamos para decolonizar?
3. DESAFIOS E MÉTODO
Para ratificar o caráter qualitativo desta pesquisa, grande atenção será reservada para
relatos de experiência pessoal do autor enquanto arte-educador e intérprete-criador na área da
dança contemporânea, considerando seu fazer artístico durante a vigência do programa de
mestrado e seu memorial de vida profissional. Tal estratégia se alinha com os estudos
qualitativos de Arts Based Research e Practice as Research.
Por se tratar de um tema muito delicado e atual, que atravessa meu fazer artístico e minha
situação política enquanto indivíduo em sociedade e coletividades, este projeto ainda não possui
um recorte preciso ou definição de um estudo de caso. Por ser esta uma decisão muito
determinante, reservo-me ao direito de estreitar o caminho da pesquisa apenas na ocasião da
qualificação da dissertação de mestrado, e de acordo com o aparecimento do contingente artístico
cultural, principalmente em São Paulo.
2. RESULTADOS ESPERADOS
Esta é um trabalho de arte, disparado pela intenção de uma escrita poética para encenar e
ensaiar pensamentos e entendimentos a respeito da dança, especialmente a dança vista e vivida
no século XXI, no hemisfério sul, na América Latina, no Brasil. Se, de acordo com Eduardo
Viveiros de Castro (2016), “a tarefa da antropologia contemporânea é a descolonização do
pensamento”, destarte, vislumbra-se aqui uma tentativa de mediação de tal pensamento
decolonial por meio do movimento, a encarnação das teorias, antropofagia, fruição de ideias,
instauração de sensações, ambiências e o desabrochar de sentimentos no corpo. Por meio da
elucubração, da criação, da dialogia, da intertextualidade, do estranhamento, da abstração e da
experiência, espera-se que as ações corporais inspiradas pelas ideias dos textos lidos e
produzidos neste percurso possam suscitar transformações mentais, físicas, emotivas e sociais,
portanto, transformações éticas e estéticas: políticas. Antes de resultantes, processuais;
disparadores e devires.
Espero não dissociar em nenhum momento teoria e prática e sua aplicabilidade biunívoca,
sendo assim, a revisão de literatura, os relatos de experiência e o trabalho de campo de
contemplação e criação artística ocorrerão sempre num fluxo contínuo e performativo, de
imersão pela causa.
Estudos que validem a cultura brasileira e latino americana, além de outros povos postos
à margem - por razões eminentemente econômicas e/ou mercadológicas - em detrimento da
importação hegemônica de culturas ocidentais do hemisfério norte, nunca foram tão necessários
e pertinentes, em minha opinião. Assim como ações e políticas públicas e/ou privadas que
suscitem pontes e maiores interlocuções entre o conhecimentos acadêmico e a vida, as culturas e
os regimentos das sociedade.
Para mim tem uma questão que me interessa muito no seu txt, que é o fato de que
precisamos identificar quais autores formam vc, conformam seu pensamento, instigam a sua arte
e o seu pensamento e quais são aqueles que aparecerão citados no trabalho. Aqui, neste txt há
uma chuva de ideias compartilhadas, mas que são assertivas e, portanto, não permitem diálogo
com quem lê – e talvez nem permitam de vc para consigo. É sobre isso que quero conversar...
Atividade/Mês jan/18 fev/18 mar/18 abr/18 mai/18 jun/18 jul/18 ago/18 set/18 out/18 nov/18 dez/18
1º ano
Revisão x x x x x x x x
Bibliográfica
Análise do x x x
Material
Cumprimento x x x x x x x x
de créditos de
disciplinas
Reflexões no x x X x x x
contexto
Pesquisa de x
campo
Produção de x x x x x
Texto
Atividade/Mês jan/19 fev/19 mar/19 abr/19 mai/19 jun/19 jul/19 ago/19 set/19 out/19 nov/19 dez/19
2º ano
Revisão x x x x
Bibliográfica
Análise do x x x x
Material
Cumprimento
de créditos de
disciplinas
Pesquisa de x x x x x x x x
campo
Produção x x x x x x x x
artística
Produção de x x x x x x x x x
Texto
5. BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, S. M. de. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo: Perspectiva, 2014.
BARDET, M. A filosofia da dança: um encontro entre dança e filosofia. São Paulo: Martins
Fontes; 2014.
BUTLER, J. Relatar a si mesmo - Crítica da violência ética. São Paulo: Autêntica, 2015.
DEL PRIORE, M.; AMANTINO, M. História do corpo no Brasil. São Paulo: Unesp, 2011.
NORA, S. (org.) Temas para a dança brasileira. São Paulo: SESC, 2010.
NOVERRE, J. G. Cartas Sobre a Dança. Marianna Monteiro. São Paulo, Edusp/Fapesp, 1998.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? São Paulo: Letramento - Feminismos Plurais, 2017.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006
SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
SAFATLE, V. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São
Paulo: Autêntica, 2016.
“Se perguntarem a um homem por que razão ele se permitiu abusar de seu semelhante indefeso,
ele dirá: eu fiz porque nada me impediu de fazer.” (Maria Rita Kehl)4
4
Ensaio “Delicadeza”. p 453. In: A condição humana: As aventuras do homem em tempos de mutações. Org.
Adauto Novaes. Rio de Janeiro: Agir. Edições SESC, 2009.
“Talvez somente pela experiência do outro, sob a condição de termos suspendido o juízo,
tornamo-nos finalmente capazes de uma reflexão ética sobre a humanidade do outro, mesmo
quando o outro busca aniquilar a humanidade.” (Judith Butler)