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Primeiramente saudações a todos, quaisquer que sejam os receptores desta nossa mensagem.
Tecnicamente não temos condições de precisar ao certo quais serão os destinatários dela, mas
desejamos do fundo da alma que eles saibam aproveitá-la com sabedoria, e tomar todas as
providências cabíveis para que esta nossa advertência possa evitar o pior. Poderíamos
aperfeiçoar ainda mais esta técnica nova para que pudéssemos atingir com maior exatidão
destinatários específicos, mas tememos que não nos reste muito tempo para isto.
O envio desta mensagem é um chute desesperado, uma última tentativa de tentar consertar as
coisas. Não temos como saber onde esta mensagem chegará, nem tampouco quando.
Desejamos que não chegue tarde demais, a ponto do aviso chegar numa época em que ele já
seria em vão, não havendo mais possibilidade alguma de volta. Nem cedo demais, quando
simplesmente não haveriam receptores aptos a captá-la. Torcemos com todas as nossas forças
para que ela chegue em algum lugar do planeta por volta das últimas décadas do século 20, nos
anos 80 ou final dos 70 seria ideal. Mas, como dissemos antes, estamos chutando, de frente para
o gol, sem conhecer ainda a força de nossas pernas. Tomara que o chute não seja fraco demais
para que o goleiro nem precise se esforçar para agarrar a bola, nem forte demais para que a bola
passe longe do gol. Na situação em que agora estamos, soterrados por centenas de metros de
geleiras, um chute na trave já compensaria todos os nossos esforços!
O fato de estarmos propagando uma onda eletromagnética para nosso passado nem é tão
absurdamente inconcebível perto da outra violação de princípios físicos que explicaremos mais à
frente, que é o conteúdo central de nossa advertência. Sem entrar em detalhes técnicos
maçantes, digamos que algumas faixas bem definidas do espectro admitem uma polarização
específica capaz de inverter o princípio natural de causa e efeito, e assim propagar o
eletromagnetismo para uma região vizinha não no espaço, mas no tempo. Sim, esta mensagem
também chegará em nosso futuro daqui a um intervalo de tempo igual ao que separa vocês de
nós agora, mas lamentamos esta nossa certeza de que não existirão receptores no futuro para
decodificá-la.
Discutimos muito sobre a forma de transmissão. Uma transmissão digital seria a forma ideal,
tanto para o envio de provas de sua origem, quanto para os detalhes que gostaríamos de
fornecer para lhe dar maior credibilidade. Mas não podíamos arriscar. Deveríamos então enviá-la
como áudio? Em que idioma? Modulando frequência ou amplitude? Estávamos arriscados a
atingir uma época em que a transmissão de rádio tivesse acabado de ser desenvolvida, o que
tornaria nossa mensagem ininteligível. Decidimos pela simplicidade, e por aumentar a
probabilidade de nossa mensagem ser entendida. É por este motivo que vocês a estão
recebendo em código Morse. Não podíamos desperdiçar esta que talvez seja nossa última
chance de contato.
Bom, permitam que continuemos nossa checagem sem citar nomes. Não sabemos ainda quais
seriam as consequências de fornecer informações científicas do futuro para o passado, e
optamos por apenas citar fatos científicos sem entrar em detalhes que talvez sejam desastrosos.
Já existe a máquina a vapor? E a carvão e outros combustíveis fósseis? Ficamos tentados a
fornecer aqui advertências quanto a Revolução Industrial pela qual talvez vocês estejam
passando agora, mas... sabemos que seria em vão. Além disso, a consequência da queima de
combustíveis fósseis é completamente irrelevante perto do aviso principal desta nossa
mensagem.
Se o que citamos até agora são fatos conhecidos, obviamente já são conhecidas as leis da
mecânica elaboradas por Sir I.N. Na vossa época, tempo e espaço continuam sendo
considerados absolutos? Ou vocês já foram apresentados às teorias do cientista A.E. que prova a
relatividade destas medidas? Já enviaram veículos tripulados à Lua? Excelente, estamos então no
caminho correto! E a Marte, já enviaram seres humanos para lá? Tomara que não, pois isto
indicaria que nossa mensagem chegou tarde demais...
Vamos direto ao ponto: nossa tragédia começa em meados do século XXI. Mais precisamente, no
ano de 2054. O aquecimento do planeta é crítico, a própria geografia já é quase irreconhecível
comparada àquela de meio século atrás por causa do derretimento das geleiras e consequente
aumento do nível do mar. Se são vocês nossos destinatários, ainda há tempo. Vocês devem estar
num dilema: não podem usar combustíveis fósseis que comprometeriam ainda mais o absurdo
efeito estufa com o qual tentam conviver atualmente. E a energia atômica é um verdadeiro
demônio, que todos tentam exorcisar. Mas as energias renováveis não dão mais conta de
alimentar os 30 bilhões de habitantes do planeta. O planeta Marte, ou Nova Terra como foi
rebatizado na última década, ainda é inviável: viagem cara demais, demorada demais, e nem de
longe resolveria os atuais problemas. Num recanto desconhecido da Índia vai surgir uma forma
de produzir energia limpa, barata (na verdade gratuita), ilimitada, e vocês serão tentados nas
atuais circunstâncias a desenvolvê-la. Mas imploramos de joelhos: não façam isto!! Será o
começo do fim!
A nanotecnologia resolveu muitos problemas num passe de mágica. Ah, perdoe-nos! Se vocês
que agora recebem esta mensagem ainda estiverem próximo ao fim do século 19 ou começo do
século 20, acho que lhes devemos explicações. Nanotecnologia é a técnica de manipular a
matéria átomo por átomo. Se isto ainda estiver fora de vossa capacidade de compreensão, mais
uma vez pedimos encarecidamente que preservem esta mensagem para que ela possa ser relida
numa época mais oportuna. Mas se já forem capaz de compreendê-la, saibam que sim, valeu a
pena investir nela! Nanorobôs terão inteligência suficiente para simplesmente desfazer defeitos
genéticos de indivíduos célula a célula do corpo, como verdadeiros cirurgiões moleculares
extirpando genes defeituosos e inserindo próteses saudáveis, e existirão trilhões de cópias de
tais cirurgiões repetindo esta operação em cada uma das células do organismo doente. Eles
imitarão a vida, e também serão auto-replicáveis. Mas não será daí que virá nossa tragédia,
nesta época já teremos aprendido a lição e estaremos fazendo isto de forma segura: os
nanorobôs serão programados, depois de injetados na corrente sanguínea, a se replicarem,
executarem seu serviço, e logo depois se destruirem. No fim eles viram glicose absorvida por
nosso organismo, não sobrará indício algum de sua passagem exceto o fato de nos tornarmos
mais saudáveis após sua atuação. A nossa tragédia envolve nanotecnologia sim, mas de uma
forma bastante traiçoeira. Relembrando agora os fatos, todos nós aqui do laboratório
concordamos que era impossível prever o mal que a descoberta traria. Além disso, era tão
oportuna naquela situação absurda de calor!
É fato conhecido que a energia se transforma. Energia potencial de uma coluna de água vira
energia cinética, que move as pás de uma turbina tornando-se energia elétrica, transmitida por
fios condutores para ser novamente transformada em energia mecânica, luminosa, térmica,
etc... Elas se transformam, mas existe um fim único: calor. A gasolina do seu carro tem uma
enorme energia potencial química. Ela explode e vira uma quantidade enorme de calor, que
move os pistões e é aproveitado em parte como energia mecânica que move seu veículo. Mas
seu carro não se move indefinidamente, não é? Sua energia cinética acaba porque se
transforma, novamente, em calor. Quando o freio é acionado, o carro para muito rapidamente
porque suas pastilhas são um eficiente conversor de energia mecânica em energia térmica. Para
que sua lâmpada elétrica gere luz, grande parte da energia elétrica é também perdida em calor:
basta tocar sua lâmpada para comprovar que isto é verdade. Até para tirar calor de dentro de
sua geladeira é necessário produzir calor. Você acrescenta calor ao ambiente duas vezes: aquele
que você tirou do seu refrigerador e aquele que foi produzido no trabalho de tirar este calor do
seu refrigerador. Em resumo, é impossível transformar calor em outra forma de energia sem que
esta transformação produza mais calor. Corrigindo: era!
O que é calor? Estamos envoltos em uma camada de gás, basicamente oxigênio e nitrogênio. São
formados por moléculas, que se movem em alta velocidade. Elas colidem entre si, e com os
obstáculos colocados em seu caminho. Mas isto é caótico, elas vêm de todas as direções
possíveis. Novamente simplificando para não nos tornar chatos, digamos que podemos chamar a
medida deste caos de calor. É o "nível de desordem" destas moléculas. Podemos dar um nome a
isto. Nem precisamos gastar nossa imaginação, pois isto já tem um nome: ENTROPIA. Como
vimos antes, o que quer que façamos, tudo no fim vira calor. Podemosdiminuir a entropia de
uma região específica momentaneamente, como o interior de nossa geladeira. Sim, porque de
certa forma diminuir o movimento das moléculas de gás é diminuir a desordem, aumentar um
pouco a organização molecular desta região. Mas considerando o universo todo a nossa volta, o
que quer que façamos sempre aumenta o total de desordem. A entropia de uma região
escolhida pode diminuir, mas para que ela diminua precisamos aumentrar a entropia das regiões
vizinhas a ela. Desta forma, qualquer que seja o trabalho realizado, a entropia global do universo
sempre aumenta. Aumentava...
Jogue um dado honesto. Que face cai? Não podemos prever, mas podemos afirmar que a
probabilidade de cair qualquer uma delas é de um sexto. Mas podemos trapacear. Um dado
viciado pode ter uma geometria talvez imperceptível a olhares desatentos, mas capaz de
favorecer alguma das faces em detrimento das outras. Foi mais ou menos assim que
“trapaceamos” o princípio fundamental da diminuição da entropia.
Tomem uma parede. Ela não é lisa, concordam? E por mais que tentemos, a nível molecular ela
sempre será rugosa. Se moléculas de gás colidem com ela vindas de direções totalmente
caóticas, serão também refletidas em outras direções igualmente caóticas. Nenhum princípio
físico é violado aqui, o caos sempre aumenta como é esperado, e a entropia também. Mas num
recanto antes desconhecido da Índia, o brilhante nanofísico A.J.M. descobriu uma forma de
trapacear a segunda lei da termodinâmica: ele criou uma nanosuperfície “viciada”, com uma
geometria que favorecia moléculas de gás vindas de todas as direções possíveis a se refletirem
numa direção preferencial. Sim, o efeito era inicialmente ridículo: dentre centenas de mols de
moléculas gasosas, poucas dezenas seguiam esta direção preferencial, e logo eram desviadas ao
colidir com a imensidão de outras moléculas caóticas à sua frente. Mas isto começou a alimentar
idéias na cabeça de nanocientistas do mundo inteiro.
Somos obrigados aqui a dar mais detalhes do que desejaríamos da técnica, mas isto é justificável
para enfatizarmos a gravidade do nosso alerta: não repitam o experimento! Então vamos lá.
Primeiramente enrolemos esta superfície viciada num longo tubo. Nota-se uma pequena
corrente de ár saindo de uma das pontas. O que tem de estranho? É que não há outra de mesma
intensidade entrando na ponta oposta do tubo. A diferença só é percebida por sensores muito
precisos, mas ela existe. De onde vem esta corrente de ár? Simplesmente da reorganização na
direção de alguns poucos átomos refletidos pela superfície viciada. Nada foi criado, o que
aconteceu foi que parte dos átomos que colidiram com a superfície do tubo tinham uma
pequena probabilidade de se refletirem numa direção preferencial. Basicamente o mesmo
princípio dos nanotelescópios, mas eram refletidas moléculas de gás ao invés de fótons. Que
proveito tirar disto? Inicialmente nenhum, mas a criatividade humana não tem limites.
O fato é que a energia elétrica usada se tornava novamente calor no fim das contas, como tinha
de ser. O que não checamos na época foi o balanço energético. Ela se transformava em QUANTO
calor? Na mesma quantidade que foi utilizada para produzi-la? Agora nos parece óbvio que não,
pois ao ser utilizada esta energia o esperado era que o calor produzido fosse exatamente aquele
retirado para sua produção. Até mais, admitindo que o príncípio fundamental da termodinâmica
continuasse a funcionar e que a eficiência da transformação da energia térmica em elétrica não
fosse de 100%. Um moto-contínuo era o máximo que se podia esperar, com o calor produzido na
utilização da energia elétrica sendo reaproveitado como “combustível” para gerar mais energia.
Mas o fato é que a energia térmica atmosférica diminuia, o que significava que a eficiência da
conversão energética deveria ser superior a 100%. Quer dizer, se produzia mais energia do que
era consumida em forma de calor! De onde ela vinha? Tudo bem, digamos que tenhamos uma
eficiência de 105% (e isto é uma estimativa otimista nas atuais circunstância). Estes 5% a mais
deveriam continuar esquentando a atmosfera, não é mesmo? Conseguimos 5% adicionais não se
sabe de onde, e o usamos. Isto deveria voltar como calor, e pesar na balança térmica. Usamos X
unidades de calor, e produzimos X mais 5% de X que consumimos e devolvemos como calor, não
é? Então a temperatura ambiente deve aumentar, e não diminuir! Outro problema: apesar de se
produzir mais calor do que se retirava, o calor global do planeta continuava diminuindo. O que
está acontecendo ?
O fato é que trapaceamos no jogo cósmico. A intenção foi muito boa, mas isto é irrelevante
fisicamente: nós trapaceamos no delicado equilíbrio da entropia! Estávamos criando energia do
nada, e o universo não sabia como reagir a isto. Nunca havia acontecido antes, e por isto ele não
tinha resposta para restaurar o equilíbrio, não havia desenvolvido “mecanismos de defesa” para
o fato. Tendemos a enxergar sempre nosso próprio umbigo, esquecendo que as coisas são como
são porque elas precisam ser como são para funcionar em harmonia! O aumento da entropia
não pode ser revertido, o nosso Universo precisa passar por uma morte térmica daqui a alguns
trilhões de anos, quando a entropia como um todo atingirá seu máximo. Isto porque nosso
universo não é “uni”, mas “multi”, e ele precisa morrer para que outro apareça na forma de um
novo big bang. Assim na terra como no céu: a criatura precisa morrer para dar lugar aos
descendentes, e o Universo também precisa fazer o mesmo para dar lugar a universos novos.
Mas não! nós, vivendo numa poeira ínfima dentro de uma dentre incontáveis bolhas cósmicas
repleta de galáxias ousamos violar um princípio básico: inventar um meio passivo de diminuir a
entropia do ambiente.
Percebemos então que a temperatura não parava de cair. E então? Não basta desativar as usinas
térmicas? Acreditem, foi a primeira idéia que tivemos! Mas esta solução é falsa, invenção nossa,
um vício dos tempos moderno. Acreditem, quando as coisas começam a dar errado nem sempre
basta puxar a tomada para resolver o problema! Era impossível desligar as usinas. A
nanosuperfície refletora sempre estava lá. O que a fazia funcionar era seu formato, sua
geometria. Não dava para desligar! Ela precisa ser destruída para parar de atuar. Surgiu aí o
problema.
Diminuir a entropia é muito tentador! Uma solução salina dissolvida em água tende a se
reagrupar em padrões cristalinos bem definidos. Isto é aumentar a organização, o mesmo que
diminuir a entropia! A própria vida é uma prova de que a tentativa de diminuir a entropia interna
é uma constante universal. Mas todo ser vivo morre, não é? Todo indívíduo cria caos interno
como resíduo da tentativa de preservar a organização molecular. A natureza tende a tentar
reverter a entropia, mas até então só obtendo sucesso temporário. Uma hora ou outra a
segunda lei da termodinâmica acaba vencendo. Isto até nós trapacearmos. Uma vez construída a
primeira superfície viciada, não conseguíamos destruí-la: os nanorefletores derretidos se auto-
reorganizavam, tinham a capacidade de replicar sua geometria. Não exatamente como seres
vivos, mas como cristais. A geometria parecia tentadora demais para as moléculas de quaisquer
que fossem os elementos químicos: silício, cristais de gelo, carbono, nitrogênio atmosférico...
Toda vez que tentávamos destruir um toróide com superfície interna viciada, os elementos
químicos à sua volta tentavam se recristalizar na geometria original! Era um pesadelo: para cada
metro quadrado de refletores térmicos destruídos, 10 metros quadrados se reorganizavam com
os elementos existentes à sua volta, fosse ele areia, granito, calcário, gelo, até o próprio
nitrogênio atmosférico! As usinas como estavam eram ruim, mas tentar se desfazer delas era
ainda pior. Enviar ao espaço? Chegamos a pensar nisso, mas logo abandonamos a idéia. O
cientista G.H. até sugeriu enviar os geradores para derreterem no Sol, mas imediatamente
abandonamos a idéia ao detectar que isto faria com que ele se apagasse em questão de...
décadas! Quer uma melhor fonte de calor que esta? Nada disso, pelo menos uma vez na história
decidimos ser conscientes e, pelo menos, tentar fazer com que apenas nós mesmos
respondessemos por um problema que criamos. Esta catástrofe termodinâmica deveria se
limitar a este planeta, não era justo que nosso erro prejudicasse o resto do universo. E é assim
que nos encontramos hoje, num planeta frio, com poucos sobreviventes tentando sobreviver
decentemente com o resto de energia que nos resta. A própria energia interna do planeta foi
consumida nesta nossa empreitada louca. Não temos mais campo magnético, pois nosso núcleo
e toda sua vizinhança é agora uma massa inerte de ferro e níquel sólido, sem rotação própria.
Centenas de metros de gelo pesam sobre nossas cabeças agora. Não gelo de água. Na verdade, a
camada de gelo de água é bastante fina comparada à de gelo de oxigênio e nitrogênio acima de
nós, nossa antiga atmosfera solidicada. A Terra agora é um saco sem fundo absorvendo energia
solar, um buraco negro térmico. Mas a curiosidade científica é a última que morre, e foi a que
nos permitiu descobrir uma forma de enviar esta mensagem que vocês estão lendo agora.