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Larissa Pelúcio
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transcendente e atemporal da masculinidade é em si um fenômeno
sociológico; tendemos a buscar o eterno e atemporal durante os
momentos de crise, aqueles pontos de transição quando as antigas
definições não servem mais e as novas estão lutando por afirmar-se.
(KIMMEL, 1994, p. 02. Tradução da autora)
O que significa que, quase ao final da segunda década do século XXI surjam
heróis masculinos performando estilos de masculinidades e tipos de virilidade que
remetem à figura do cowboy solitário dos anos 40, bem como à de Rambo? Estaríamos
em um momento de crise, como define Kimmel, nos agarrando a definições atemporais
e, por isso, essencialisantes, sobre gênero, particularmente, sobre masculinidades?
A ideia de “crise de masculinidade” assombra os periódicos midiáticos de tempos
em tempos, avalia Pedro Paulo de Oliveira, em entrevista concedida à Revista do Instituto
Humanitas – Unisinos (2008). Oliveira considera que falar em “crise” é embarcar em
visões parciais que não se sustentam sociologicamente, pois contemplam angustias e
temores de determinados segmentos sociais e que não podem ser generalizadas sem que
incorramos em análises falaciosas. Autor do livro A construção social da masculinidade,
resultado de sua tese de doutorado defendida em 2002, Oliveira assevera que “crise, se
de fato existe, está fundada em mudanças ‘socioestruturais’ que devem abalar o regime
patriarcal, afetando assim o próprio valor social da masculinidade” (2000, p. 89). São
assim, em minha leitura, também mudanças culturais que perturbam as formas mais
solidamente convencionadas de ser entender as relações de gênero e colocam em xeque
certos regimes de verdade que vinculam a anatomia e a fisiologia como bases sólidas que
sustentariam assimetrias que são, de fato, sociais e políticas. Transformações que foram
capazes de prover um novo vocabulário para se falar de gênero e sexualidades. No
dicionário exíguo das masculinidades acrescentou-se termos como “metrossexual”, de
sentido mais mercadológico, até os reivindicados por movimentos sociais como “homens
trans”.
Um novo vocabulário, nos ensinou Robert Nisbet (1983) sinaliza que ocorrem
mudanças sociais, as quais passaram a exigir novos termos. Assim como novos termos
criam e dão a ver fenômenos secundarizados e mesmo, invisibilizados ou naturalizados,
para os quais não parecia haver necessidade de um nome. Feminicidio, cisgeneridade,
intersexualidade, nome social, transgeneridade, assédio sexual são alguns destes novos
termos que falam de fenômenos que mesmo não sendo propriamente novos, só passaram
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a ser nomeados muito recentemente, cunhados nos espaços de luta dos feminismos, nas
reflexões acadêmicas dos estudos de gênero, nas ruas e na rede por pessoas
inconformadas e violentadas pelo regime heteronormativo.
Desde os anos de 1960 temos vivido em nossas vidas privadas os efeitos políticos
das lutas feministas e das transformações nas relações de gênero, impactando a maneira
como vamos moldando nossos desejos e expectativas sexuais e amorosas. Some-se a
essas transformações, a significativa politização, no cenário nacional recente, dos temas
relativos às sexualidades que se expressam fora dos marcos da heterossexualidade, bem
como uma inflexão das discussões sobre gênero. Esses debates têm oferecido outras
percepções e termos para se falar de intimidade, corpos e desejos. Assim como têm nos
obrigado a pensar em diferentes arranjos domésticos e de relacionamentos
afetivos/sexuais.
“Há uma consciência gradualmente crescente sobre a possibilidade de mudanças
nas relações de gênero”, escrevia Connell (1995, p. 186) há mais de duas décadas,
referindo-se a outros cenários e contextos, porém, a observação se aplica ao presente.
Após a inflexão conservadora suscitada pelo pânico social da aids, entramos no novo
século (refiro-me especificamente à sociedade brasileira) mais cientes da dimensão
política de temas considerados de fórum íntimo. Percepção que foi provocada,
grandemente, pelos movimentos identitários de mulheres, gays, lésbicas e negros/as,
como também pelo tenso e profícuo diálogo destes com reflexão intelectual.
Os estudos sobre masculinidades nascem fortemente influenciados por esse
cenário intelectual da contracultura, das políticas identitárias, dos borramentos de
fronteira entre público e privado, entre corpo e política. São muitos os textos que
reconhecem que “a história política de feministas, gays e lésbicas tem uma influência
direta na forma como as ideias sobre masculinidade se constituíram ao longo das últimas
décadas, bem como na definição do conceito de contemporâneo de masculinidade”
(Arilha, Ridenti, Medrado, 1998, p. 17).
Como definir, então, masculinidade como conceito contemporâneo? Raewyn
Connell, ainda assinando como Robert, sugere que
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que o termo pode ser brevemente definido, é simultaneamente um lugar
em relações de gênero, práticas através das quais homens e mulheres
envolvem este lugar em gênero e os efeitos dessas práticas na experiência
corporal, na personalidade e na cultura. (Connell, 2003, p. 36).
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representações sociais sobre o que é um homem de verdade são
poderosas. (Idem, ibd., 688).
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sexualidade gay e lésbica como alternativas na ordem heterossexual.
[Connell] argumenta que a escala da violência contemporânea indica
tendências a crise na ordem de gênero, mas alerta que tais tendências não
levam necessariamente ao desmonte, e podem até provocar tentativas de
reforçar uma masculinidade dominante. (GIFFIN, 2005, p. 54).
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identidade, que sutura ideologia e subjetividade, que obriga um desejo, que reproduz
distinções, separações e divisões. Um sistema de poder, um sistema semiótico, um
sistema político” (PARINI, 2006, s/n).
As discussões sobre gênero e seus binarismos restritivos mostraram que as
masculinidades contemporâneas não podem ser entendidas sem a discussão necessária
sobre estruturas de poder que alicerçam as relações entre homens e mulheres, dos homens
entre si e das mulheres com eles. Processo que está em curso, não sem provocar
resistências e recusas. Afinal, defender privilégios pode ser, muitas vezes, um ato
inconsciente, mas nunca é inocente. Nosso herói futurista está aí para nos lembrar disso,
escorando com seus músculos a fronteira, hoje desafiadas, dos binários de gêneros, tendo
como arma sua racionalidade, sua agilidade e a capacidades de nos entreter, fazendo com
que tudo pareça “em seu lugar”.
Referências bibliográficas
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ILLOUZ, Eva. Erotismo de autoayuda – cinquenta sombras de Gray y el novo órden
romántico. Buenos Aires. Katz Editores. 2014.
Referências Jornalísticas