Sei sulla pagina 1di 15

A PULSÃO ROMÂNTICA E AS CIÊNCIAS

HUMANAS NO OCIDENTE*

Luiz Fernando Dias Duarte

I mantismo”. Apresentarei um quadro geral das de-


rivações ideológicas desse fenômeno ao longo do
Como tantas outras categorias fundamentais século XIX e apontarei muito sumariamente como
de nossa cultura, o termo “romantismo” padeceu a emergência e a evolução das ciências humanas
de uma enorme extensão e banalização desde seu ocidentais nele se inserem – sublinhando os pon-
surgimento, entre os séculos XVIII e XIX. Muito já tos de continuidade e divergência.
se escreveu sobre os meandros dessa história, A posição sobre a qual se sustenta a pre-
cheia de revelações sobre nossa estrutura ideoló- sente proposta é a de um antropólogo, ou seja,
gica. Há uma obra canônica de Isaiah Berlin, que de alguém que procura compreender a expe-
perscruta de modo bem cuidadoso e empirista riência humana do ponto de vista do seu senti-
essa polissemia desafiadora (cf. Berlin, 2001). do ou significado através das “culturas”, de ma-
Minha posição aqui será – pelo contrário – neira comparada. Isso implica, em primeiro
bem dedutiva. Proponho de início um conceito lugar, atribuir uma qualidade estruturante – e
claramente definido do que considero ser o “ro- não apenas residual – à idéia de que a antropo-
logia foi concebida e é cultivada dentro de uma
* Trabalho apresentado originalmente no seminário So-
cultura específica a que se pode chamar de oci-
mos Todos Pós-Românticos?, CCBB/Rio de Janeiro, 24 dental moderna, já que esse epíteto envolve
a 27 de setembro de 2002. duas qualidades costumeiramente prezadas pe-
Artigo recebido em fevereiro/2004 los seus nativos como parte da própria visão de
Aprovado em abril/2004 mundo.

RBCS Vol. 19 nº. 55 junho/2004


6 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55

Para um antropólogo – cultivador portanto no limite das grandes transformações do século


das ciências humanas desta cultura ocidental mo- XVIII, com a criação das repúblicas norte-ameri-
derna –, o que mais importa é reconhecer a posi- cana e francesa. A ideologia do individualismo
ção estratégica dessa categoria analítica instru- em seu sentido estrito é sobretudo uma ideologia
mental, ao tentar explicar a dinâmica da política, relativa ao valor do indivíduo livre e
cosmologia em que nos movemos – que é justa- igual, cidadão autônomo dos novos Estados-na-
mente a nossa, e não a de qualquer outra e dis- ção em gestação. Ela teve como corolários outros
tante sociedade. Por mais controvertidos que pos- princípios ideológicos concomitantes, de implica-
sam ser os usos da noção de “uma cultura” e – ções mais gerais, epistemológicas ou cosmológi-
mais ainda – de “nossa cultura”, esse pressuposto – cas. Podemos resumi-los em uma grande rubrica:
o de que falo dentro de um horizonte de sentido a da ideologia do universalismo.
comum a todos os atores ideológicos aqui dora- Alexandre Koyré publicou uma obra muito
vante citados e certamente comum a todos os importante sobre as transformações da cosmologia
meus leitores – é um andaime conceitual essen- ocidental no século XVII, intitulada Do mundo fe-
cial para minha demonstração. chado ao universo infinito (Koyré, 1979). Vê-se
nesse título a ênfase na emergência de uma nova
concepção de mundo a que se chamará de “uni-
II verso”. É o que sustenta o universalismo. Trata-se
sobretudo da representação, nova por excelência,
A hipótese de uma cultura ocidental moder- de um mundo sem limites, nem temporais nem es-
na não se sustenta porém apenas sobre o pressu- paciais. Um infinito – em todas as direções e sen-
posto antropológico de um sentimento coletivo ou tidos. Esse mundo se oferece à experiência huma-
de uma representação de comunhão cultural. Sus- na de modo também ilimitado, graças à crença na
tenta-se também sobre o pressuposto de que seu capacidade da razão em dialogar permanentemen-
horizonte de sentido é discreto e estruturado – e te com a empiria por intermédio da experiência
que se pode descrevê-lo por meio da invocação sensorial e sentimental humana e assim fazer
de alguns princípios ideológicos recorrentes e avançar o controle cognitivo e técnico do mundo
críticos. disponível para nossa espécie. Podemos chamar a
Louis Dumont (1972), em seu clássico traba- essas características de racionalismo e cientificis-
lho de comparação entre a cultura indiana e a cul- mo, como partes ativas do horizonte universalista.
tura ocidental, sugeriu que uma “ideologia do in- Essa nova orientação cosmológica se completa ao
dividualismo” fosse o principal desses princípios sublinharmos seu caráter fortemente materialista.
ideológicos estruturantes. Confirmava ou combi- Como se trata de um conceito complexo, com
nava nessa definição – entre muitas outras pistas grande latitude semântica, talvez soe melhor, aos
esparsas no pensamento social ocidental – ele- ouvidos contemporâneos, falarmos porém de seu
mentos de análises de K. Marx (a propósito da caráter fisicalista. Com efeito, prevalecia a repre-
ideologia liberal-burguesa), de E. Durkheim (a sentação de que esse novo cosmos, o universo, só
respeito do individualismo ou da solidariedade se compunha de elementos físicos, materiais ou
orgânica), de F. Tönnies (a respeito da Gesells- “naturais” (excluídos os sobrenaturais e os preter-
chaft), de Maine (sobre as sociedades do contra- naturais).
to), ou mesmo de Max Weber (no tocante sobre- Esses são os principais elementos ideológi-
tudo à racionalidade moderna). cos da “grande transformação” descrita por Karl
Essa ideologia constitui-se e afirma-se no Polanyi (Polanyi, 1980), que inaugura a dimensão
mundo ocidental por mecanismos e processos moderna de nossa cultura. É claro que essa trans-
muito complexos de que não cabe aqui dar con- formação se processou por meio de mecanismos
ta (cf. L. Dumont, 1965; Duarte e Giumbelli, econômicos e políticos complexos, envolvendo a
1994). Sua hegemonia pública só completar-se-ia hegemonia do capitalismo, da grande indústria,
A PULSÃO ROMÂNTICA E AS CIÊNCIAS HUMANAS NO OCIDENTE 7

da ordem colonial, da democracia liberal e até reação intelectual, com implicações políticas. Em
mesmo o surgimento dos ideais socialistas. Todos muitos casos, ela virá a ser conhecida justamente
eles só vieram, porém, a se constituir em elemen- como uma reação, ou seja, como resistência ativa
tos cruciais da nova ordem na medida em que ex- às mudanças trazidas pela Revolução Francesa e
pressaram, responderam ou não colidiram com o seus corolários às sociedades européias. É no
conjunto de princípios aqui resumidos no indivi- mundo da cultura germânica que se articula mais
dualismo e no universalismo. claramente esse movimento. As filosofias de Her-
der, Hegel ou Fichte testemunham de diferentes
maneiras dessa atenção crítica ao horizonte do
III iluminismo e da disposição em oferecer alternati-
vas ao modo excessivamente linear ou materialis-
Um novo horizonte de sentido orientava as- ta de conceber a história dos filósofos anglo-fran-
sim nossos ancestrais ao longo do século XVIII. ceses (ou do Aufklärung kantiano).
Sua disposição era francamente otimista e seus Há diversos linhas de interpretação histórica
mais ardentes defensores foram chamados justa- possíveis para a concentração desse movimento
mente de iluministas, por acreditarem na derrota no cenário cultural germânico. Não há como
e no extermínio da sombra que teria obscurecido revê-los todos aqui. Remeto para a rica bibliogra-
até então a “marcha da humanidade”. fia a esse respeito (L. Dumont, 1991b; Gusdorf,
Em alguns segmentos da intelligentsia euro- 1976, 1982, 1984; Benz, 1987, entre outros). No
péia do século XVIII percebia-se, contudo, ao entanto, é necessário discutir a importância do
lado dessa generosa e ardente disposição de mu- horizonte religioso, reformado, dessa reação ger-
dança, inquietações sobre o novo rumo do pen- mânica. Lembremos que esse universo já tinha vi-
samento e da ação coletivos. As denúncias dos venciado o Renascimento – contrariamente ao
“males da civilização” começaram a ser veiculadas mundo latino – via a Reforma; que tinha encon-
quase ao mesmo tempo em que se compunham trado na Bíblia de Lutero a confirmação de sua le-
os hinos à sua vitória (cf. Duarte, 1986). Esse tom gitimidade lingüística, e que tinha seus intelec-
de denúncia não podia deixar de se nutrir imagi- tuais fortemente ligados aos estudos universitários
nariamente da representação de um passado per- de Teologia – em nenhum momento suspeitos de
dido, dada a ênfase muito radical no futuro que ilegitimidade, como no caso francês.
caracterizava a nova ordem. O progresso, o avan- O sentimento de uma certa especificidade da
ço de todas as formas e comportamentos era cultura alemã no quadro europeu já era externado
ameaçador, uma vez que implicava o desapareci- pelos próprios contemporâneos, e o De l´Allemag-
mento dos antigos mores, a perda de qualidades ne de Mme. de Staël o afirmava e descrevia com
sensíveis a que muitos se sentiam profundamente grande senso de oportunidade. Essa especificida-
apegados. Esse tom já se encontra presente em de repousava em boa parte, como resume Norbert
movimentos artísticos como a novela sentimental Elias (1975) ao tratar das vicissitudes da noção de
inglesa e o Sturm und Drang alemão do século “civilização” em língua alemã, na desastrosa estag-
XVIII, assim como em uma boa parte da obra de nação política e econômica decorrente da Guerra
J.-J. Rousseau – um notório iluminista, no entan- dos 30 Anos, na acentuada fragmentação de suas
to. É inseparável dessa reação o movimento de unidades políticas constitutivas e na distância que
revalorização da natureza e do mundo rural – as “cortes” dirigentes (e os estamentos aristocráti-
num momento em que o artifício industrial e o cos que as compunham) mantinham em relação à
modo de vida urbano envolviam cada vez mais cultura local e aos intelectuais universitários (dis-
rapidamente as populações européias (cf. Tho- tância inclusive da língua alemã, como no caso
mas, 1988). notório da corte prussiana em Potsdam).
Ao lado desse processo de reação sentimen- De um modo geral, o ponto mais evidente
tal, digamos assim, surgem logo os sinais de uma de todas essas resistências e reações é o seu cará-
8 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55

ter reflexo, dependente da dinâmica de afirmação trapassa e determina. Ele encarna, nos termos do
do universalismo. Herder (1997) é bastante claro a modelo de Louis Dumont, a dimensão hierárqui-
esse respeito ao nomear seu grande tratado sobre ca, holista, do pensamento humano, oposta à
a história da Humanidade como uma “outra histó- ideologia do individualismo. Eis por que se pode-
ria”, em referência e oposição direta à de Voltaire. ria e deveria reconhecer como “romântica” toda
A Doutrina das cores, de Goethe (1993), foi con- contra-força fundamental em nossa dinâmica cul-
cebida termo a termo como uma refutação da óti- tural desde o final do século XVIII.
ca de Newton. A revalorização da obra de Shakes- Vamos ver, em seguida, como é complexa,
peare empreendida pelos jovens dramaturgos porém, essa “reação”, e como a combinação dos
alemães visava a esconjurar a racionalização e a muitos itens em que ela se processa recorrente-
convenção do classicismo francês. Do mesmo mente pode levar a soluções muito díspares e,
modo, a redescoberta do estilo gótico permitia freqüentemente, contraditórias.
ironizar a contínua manipulação das fontes clássi- A mais abrangente de suas dimensões cons-
cas empreendida desde o Renascimento como re- titutivas é possivelmente a que se refere à totali-
curso de racionalização das formas e dos volumes dade. A ideologia do individualismo, como men-
plásticos. cionei, caracteriza-se justamente por sua ênfase
na “parte”, nos indivíduos articulados em associa-
ções políticas graças à ação de certas “paixões” e
IV “interesses” naturais (cf. Hirschman, 1979). A
ideologia universalista não opera de modo diver-
A inspiração reativa das primeiras manifesta- so. Sua fórmula típica originária, a da cosmologia
ções do romantismo logo adquirirá um tom afir- de Newton, pressupunha também “elementos”
mativo mais pleno, com o adensamento das vozes isolados (os corpos celestes), articulados em siste-
e dos argumentos e a percepção dos contornos mas graças à ação de certas forças naturais. A de-
de um movimento coletivo abrangente. É, no en- núncia da perda implicada por essa fragmentação
tanto, fundamental ter em mente que a reação foi do mundo, por essa ênfase na segmentação dos
justamente a primeira grande característica do ro- elementos constitutivos de todos os entes, é a fór-
mantismo, como eu aqui o defino: resistência a e mula básica do romantismo. Perda sobretudo do
denúncia do universalismo e de seus corolários sentido específico que a co-presença dos elemen-
racionalista e fisicalista. Ou seja, não há como tos na totalidade acarretaria. A totalidade perdida
compreender esse movimento sem considerá-lo (e a ser recuperada) podia – e pode – ser encon-
tecnicamente englobado pelo universalismo. Jus- trada em muitos níveis. Um dos primeiros, histo-
tamente por se opor a ele termo a termo e siste- ricamente, cheio de implicações para o que se
maticamente, dele depende ontologicamente a veio a constituir mais tarde como uma antropolo-
cada passo. Mesmo em suas mais grandiosas, ex- gia, é o da totalidade cultural. Herder conferiu-lhe
pressivas ou sistemáticas manifestações, lá encon- uma forma canônica ao lidar com a cultura ger-
traremos a referência en creux à ideologia da ra- mânica como um ente específico, menor que a
zão linear ilimitada e a seus derivados. Humanidade, mas certamente maior e mais ex-
Como a força da crítica romântica jamais pressivo que os entes individuais que compu-
abateu a pujança do ideal universalista dentro de nham as populações de fala alemã. Aí estava um
nosso horizonte ideológico, embora tenha contri- dos focos mais ativos da ideologia da nação mo-
buído para tornar seus efeitos infinitamente mais derna, assim como da noção contemporânea, an-
complexos, é preciso reconhecer que as duas for- tropológica, de “culturas” específicas. Já em sua
ças passaram desde o início a operar em tensão época, a oposição explícita se fazia contra o ideal
permanente. Mas não de modo recíproco ou igua- da justaposição indistinta – indiferenciada ou
litário: o romantismo sempre será o contraponto, igualitária – dos cidadãos, membros de uma Hu-
o momento segundo, de uma dinâmica que o ul- manidade abstrata.
A PULSÃO ROMÂNTICA E AS CIÊNCIAS HUMANAS NO OCIDENTE 9

O valor da totalidade, do holismo, assume pressão de algumas de nossas melhores idéias-for-


freqüentemente no romantismo a conotação de ça. Trata-se de exprimir a idéia de que todo ente
unidade, sobretudo no que se refere aos estados discreto pode ser considerado ao mesmo tempo
originários dos entes ou dos fenômenos. Uma uni- individualidade, ou seja, um entre muitos outros
dade primordial a partir da qual pode se ter dado seus semelhantes, e “singularidade”, ou seja, uma
a diferenciação histórica, com implicações positi- unidade de totalidade em si. A contradição no caso
vas ou negativas. A desinência Ur-, em alemão é fundamental e instauradora: as ênfases no cará-
(“originário”), foi freqüentemente agregada às mais ter de parte e de todo imbricam-se, subvertem-se,
variadas categorias para expressar essa ênfase produzindo essa fórmula paradoxal do “todo na
ideológica recorrente. Seria interessante explorar parte”. Tudo o que disse há pouco sobre as totali-
os deslizamentos entre a conotação de primordia- dades românticas pode deslizar para a idéia de sin-
lidade intrínseca à idéia da unidade/totalidade e o gularidades: nações, culturas, organismos e obras
valor de permanência expresso na idéia de “eter- de arte só são compreensíveis como totalidades na
no” (como na famosa locução goetheana do das medida em que se apresentam como singularida-
ewig Weibliches – o eterno feminino). Com efeito, des nas seqüências dos seres de seu mesmo nível
a sempre referida representação de um “amor ro- ontológico. O conceito leibniziano de mônada tra-
mântico” é inseparável da valoração de uma unida- duz muito bem alguns aspectos da singularidade
de perdida que só o “amor” permite recuperar (ou, romântica e foi por isso freqüentemente lembrado
melhor dizendo, aspirar a recuperar). como uma das fontes ideológicas distantes do pró-
Outra manifestação importante da ênfase na prio movimento.
totalidade foi a progressiva afirmação da catego- A dimensão da totalidade tem sua explica-
ria “vida” na conceptualização e na compreensão ção completada pela referência ao conceito de es-
dos fenômenos naturais. Por oposição ao modo pírito. A categoria alemã de Geist encarnou de
mecanicista prevalecente na então chamada fisio- maneira paradigmática essa idéia, talvez por per-
logia – herdeiro direto do modelo newtoniano, mitir aos intelectuais cisrenanos evitar as resso-
tendo por base as invenções da circulação sanguí- nâncias “espirituais” tão incômodas para o hori-
nea e do sistema nervoso (cf. Figlio, 1975; La- zonte dos valores universalistas (sobretudo na
wrence, 1979) –, a ênfase na especificidade dos versão latinizante de genius). Com efeito, uma
seres vivos como totalidades em si veio a ser a forma de expressão privilegiada para a idéia de
sustentação de toda a biomedicina do século XIX, que a totalidade era algo maior do que a soma ou
a partir do conceito de organismo. a justaposição das partes (como no modelo meca-
Encontramos essa mesma ênfase na origem nicista) era a da referência ao “espírito” que assim
da ideologia da arte e do artista modernos. Por a caracterizava. A vida que garantia a totalidade
oposição a interpretações analíticas ou pragmáti- aos organismos, por oposição aos agregados de
cas dos fenômenos da poiesis humana, um autor vida mineral, era assim uma forma mais elemen-
como K.-Ph. Moritz postulou a integridade inde- tar de “espírito”, ela própria; assim como se pode
componível do objeto artístico, aquele que “se dizer que o Geist era a Vida superior, mais refina-
dobra sobre si mesmo”, se justifica em si mesmo, da, mais sublime, característica da experiência hu-
pelo modo mesmo como se agenciam entre si mana, individual ou coletiva.
suas partes, e não por suas funções ou caracterís- Examinarei em seguida a dimensão da dife-
ticas isoladas (cf. L. Dumont, 1991a). rença. Compreendo como tal a ênfase no caráter
Há uma dimensão muito negligenciada da não igualitário, hierárquico, propriamente distinto
tensão ideológica relativa à totalidade que se pode ou específico, dos entes entre si. Algo como uma
resumir na referência à categoria de singularidade. espessura diferencial do mundo, ou uma distribui-
Com efeito, uso este termo, seguindo uma propos- ção diferencial do valor – evidentemente em opo-
ta de Louis Dumont, com um sentido ao que rara- sição frontal ao postulado da igualdade, essencial
mente se está atento, ainda que seja essencial à ex- ao ideário individualista. O exemplo do elogio de
10 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55

Herder à especificidade cultural alemã retorna à permanentemente dinâmica e móvel de todos os


baila. Ele balizava a ênfase não só na totalidade fenômenos e entes, por oposição à consideração
desse ente, mas também em sua diferença especí- estabilizada do mundo, intrínseca ao modelo uni-
fica, sua propriedade (Eigenschaft) específica, dis- versalista. É evidente que a física newtoniana
tintiva, em relação às demais manifestações do es- pressupunha e visava essencialmente o movimen-
pírito humano. Isso coloria tanto as oposições to, mas um movimento que se expressava sobre-
sincrônicas como as diacrônicas: a historicidade tudo como uma temporalidade reversível, típica
tão característica do romantismo se deve essencial- do pensamento físico-matemático. A temporalida-
mente ao sentimento de um “espírito do tempo” de romântica é agudamente irreversível; na me-
(Zeitgeist), nunca idêntico em suas manifestações. lhor das hipóteses pode conter a idéia de ciclos
É inseparável dessa percepção estruturante da di- ou de retornos (como o eterno, de Nietzsche),
ferença a idéia de intensidade, quase sempre asso- nunca a de uma indiferença ou indistinção. A dis-
ciável à de singularidade. Cada momento de um tinção feita por um romântico tardio importante
ente ou da dimensão de um fenômeno tem sua como Henri Bergson entre temps e durée esclare-
própria intensidade, qualidade de si para si, in- ce possivelmente o que quero ressaltar. A durée é
comparável com as que se expressam em outros irreversível e espessa, diferencial. Não se mede
tempos e espaços. Trata-se de um dos legados com o mecanismo comum do relógio, mas com a
românticos mais importantes para as ciências hu- sensibilidade interior.
manas modernas, sempre reativado sob novas O fluxo é uma propriedade da condição ínti-
denominações. ma dos entes, não uma medida externa, objetiva.
A ênfase na diferença pôde se manifestar É um apanágio de cada totalidade/singularidade e
desde muito cedo em relação a questões mais se manifesta, portanto, de modo essencialmente
imediatas da vida social, em flagrante oposição ao diferenciado entre os entes. Mas é também dife-
postulado democrático. Suponho que um dos renciado em sua própria seqüência interna: os
mais precoces seja o da fisiognomonia retrabalha- tempos de um mesmo ente não são idênticos en-
da por Lavater em finais do século XVIII. Propu- tre si. Freqüentemente pôde se expressar essa di-
nha-se aí, numa teoria citada e aprovada por Goe- ferencialidade sob a imagem de um tempo vital,
the, que o desenho do perfil dos rostos humanos de um ciclo de nascimento, juventude, maturida-
expressasse a qualidade mais ou menos sutil ou de e morte. Um único fluxo, de tempos diferen-
civilizada de seus portadores. Martine Dumont, tes; eventualmente renovável em outro patamar
num lúcido artigo de análise desse episódio pou- ou dimensão.
co conhecido das idéias “físico-morais” do Oci- O ponto fundamental de toda essa dimensão
dente, sugere que se estivesse assim procurando é o horror à imobilidade – ou à permanência
reintroduzir pela mão de uma teoria científica, na- como imobilização. Isso poderia se aplicar à ma-
turalizante, as recém desacreditadas teorias tradi- téria inanimada por oposição ao valor superior da
cionais da diferença dos entes políticos (cf. M. Du- Vida, por exemplo. Mas servia sobretudo para
mont, 1984). Sem dúvida, disso se tratava, mas – qualificar a verdadeira ou legítima vida humana.
na verdade – de muito mais do que isso. Não ape- Essa deveria se caracterizar por uma ênfase contí-
nas a recusa ao igualitarismo político característi- nua no movimento ascendente, no fluxo progres-
co da Revolução Francesa e do primeiro Napo- sivo. A categoria alemã do Streben, da disposição
leão, mas a recusa de todo o universalismo, de luta no sentido de atingir algum ideal ou pro-
inclusive no seu aspecto fisicalista, já que se tra- posta sempre à frente do sujeito, é muito típica da
tava exatamente de reintroduzir uma medida “físi- teoria romântica da Pessoa. Ela anima a dimensão
co-moral”, uma nova mediação positiva e locali- mais interna do processo de formação pessoal, a
zada entre a matéria e o espírito. famosa Bildung; ela própria necessariamente um
Uma terceira dimensão a examinar é a do fluxo vital específico, singular, insubstituível. O
fluxo. Quero aí sublinhar a ênfase na qualidade romance de formação (Bildungsroman) teatraliza
A PULSÃO ROMÂNTICA E AS CIÊNCIAS HUMANAS NO OCIDENTE 11

a metáfora do fluxo vital de modo paradigmático ce – mesmo que não explicitamente – “pulsante”
a partir do primeiro Wilhelm Meister de Goethe. entre nós (cf. Duarte e Venâncio, 1995). Uma de
A fórmula mais acabada e precisa da pree- suas mais conspícuas manifestações é a que, na
minência do fluxo no pensamento romântico já arte, enfatizará o caráter expressivo que tem a
se deu nas fronteiras das ciências humanas com criação autêntica em relação ao mundo interior
o conceito de “cultura subjetiva”, formulado por do artista (cf. Taylor, 1989). A pulsão criativa deve
Georg Simmel em contraposição ao de “cultura encontrar seus canais desobstruídos, de maneira
objetiva” (cf. Simmel, 1971). Tal conceito resume que possa florescer em sua plenitude a forma es-
ou exemplifica todos os pontos que estou desen- tética. E ela só deve ser cultivada ali onde for sen-
volvendo, mas ilumina particularmente o do flu- tida realmente como pulsão insopitável, literal-
xo, uma vez que as qualidades positivas da cul- mente vital (as Cartas a um jovem poeta, de R. M.
tura subjetiva são justamente as que se instituem Rilke, são um exemplo magistral deste ponto).
na temporalidade, no fluxo da mudança, na in- A quinta dimensão é a do privilégio ou ênfa-
tensidade da criação interior. A passagem ao “ob- se na experiência. Esse conceito é um dos pilares
jetivo” é a queda na estase: o pensamento vivo das polêmicas relativas ao racionalismo desde o
vira a página do livro, a intenção transforma-se século XVII, dado o pressuposto de uma relação
em instituição, as forças da vida definham-se em complexa entre razão e experiência na produção
formas petrificadas. do espírito ou do entendimento humano. Os em-
Muito se poderia dizer sobre a dimensão do piristas e sensualistas assim foram chamados por
fluxo no tocante aos fenômenos humanos coleti- alocarem preeminência à experiência advinda da
vos. A historicidade romântica está na origem da relação dos sentidos humanos com o mundo, e o
maior parte das ciências humanas (da arqueologia cientificismo transformou a idéia de produzir co-
à lingüística, da história à psicanálise) e sua carac- nhecimento por meio de experiências artificiais e
terística principal é justamente essa da atenção controladas na imagem estruturante da própria ati-
obsessiva às implicações da passagem do tempo, vidade científica. Essas imagens eram bem conhe-
e da passagem diferencial do tempo sobretudo. cidas dos românticos e não podem ser assim com-
Mas voltarei ao assunto mais adiante. pletamente dissociadas da acepção com que o
Selecionei como quarta dimensão do roman- termo passou a ser empregado entre eles. Embora
tismo a que envolve a ênfase na pulsão. Trata-se o conceito de Erfahrung contenha a dimensão de
da idéia de que os fenômenos e os entes, singu- experiência sensorial, ele aponta mais decidida-
lares como são – totais e diferenciados – e dota- mente, porém, para a experiência sentimental
dos da capacidade de se distender no fluxo vital, ou afetiva, íntima, pessoal, passional – subjetiva,
temporal, não o fazem sem uma qualidade espe- enfim.
cial, interna, toda própria, que imprime ao seu A ênfase na experiência é a base da episte-
Streben as qualidades, os ritmos, as orientações mologia romântica. Ela implica a recusa de uma
que lhe são específicas – e não outras. Chamou-se objetividade externa absoluta do processo de co-
a isso, em alemão, – pelo menos desde Fichte – nhecimento ou da prática científica, em nome de
Trieb, hoje convencionalmente traduzido como uma consideração constante dos processos subje-
pulsão. Essa disposição interior característica dos tivos em jogo na relação com o mundo exterior.
entes vitais lembra algumas propriedades da ente- Já Goethe enunciava essa proposta na sua Far-
léquia aristotélica e do conatus de Spinoza e carac- benlehre: contra uma ótica que considerasse a luz
teriza o elemento mais essencial da vida organiza- e a formação das cores como processos objetivos,
da: o seu horizonte de destino realizável. Embora universais, independentes da percepção humana,
o conceito esteja hoje em dia associado sobretudo dispunha-se ele a oferecer uma consideração sis-
à psicanálise, devido ao uso específico e sistemá- temática dos modos como a experiência humana
tico que dele fez Freud, sua presença foi muito da luz e das cores se estruturava. O grande desen-
mais ampla no pensamento romântico e permane- volvimento da fisiologia e da psicologia dos sen-
12 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55

tidos e das sensações na academia alemã do sé- listas de modo extremamente vívido, de tal sorte
culo XIX (de que Wundt e Freud foram epígonos) que a evolução de todas as ciências – e não ape-
testemunha da crucialidade dessa conexão entre nas das humanas – ao longo do século XIX foi
o objetivo e o subjetivo. um resultado complexo dessa interação (cf. Gus-
A última dimensão a esclarecer está intima- dorf, 1985).
mente ligada à da experiência. Chamaram os ro- Também desde o começo, porém, houve
mânticos de “compreensão” (Verständnis, em ale- outros pensadores que procuraram estabelecer
mão; verbo verstehen) ao método de conhecimento uma distância mais acentuada em relação às Lu-
que levasse em conta o entranhamento de todos os zes, sublinhando inclusive a insanidade daqueles
atos na dimensão vivencial, subjetiva. Opunha-se à que transigiam no diálogo com os servos da Ra-
explicação linear, considerada típica do processo zão. Novalis encarna bem essa tendência, crítica
universalista, objetivista – insuficiente e contrapro- de Goethe, por exemplo, visto como excessiva-
ducente aos olhos românticos. O conceito teve mente olímpico e integrado. Chamo a esses dois
enorme importância para as ciências humanas, per- caminhos de Romantismo da Luz e Romantismo
passando a obra de diversos autores influentes na da Sombra, um mais próximo da reflexividade da
história e na sociologia; sobretudo Max Weber, que sua ideologia de origem, o outro, mais distancia-
descreveu as características do método do Verste- do, substituindo radicalmente a reflexão racional
hen em sua forma mais difundida até hoje (cf. We- pela intuição, essa Anschauung tantas vezes invo-
ber, 1978). cada e citada. Pode-se lembrar a esse respeito a
contraposição entre as famosas e supostas últimas
palavras de Goethe no leito de morte: “Mais luz
V !”, e o título da obra mais famosa de Novalis: “Hi-
nos à noite”. Parecem bem exemplificar essa opo-
Apresentado assim esse arcabouço do que sição a que me refiro e que marcará profunda-
me parece qualificar essencialmente o pensamen- mente o destino do pensamento romântico e da
to romântico, evoco alguns aspectos do desenvol- cultura ocidental moderna.
vimento do conjunto ao longo do século XIX sem Essa bifurcação encontrará um leito de ex-
os quais seria impossível compreender a comple- pressão fundamental na separação entre a arte e
xidade da floração das ciências humanas, ao se a política, de um lado, e a ciência, de outro. A fi-
abeberarem desse rico projeto imaginário. losofia, mais abrangente e complexa, mediará a
Desde suas primeiras manifestações expres- Sombra e a Luz, ensejando o surgimento de fór-
sou o romantismo as marcas do dilema imposto mulas particularmente singulares, como a de
pelo fato de ser englobado pelo universalismo: Nietzsche.
tratava-se de denunciar os excessos do materia- A Sombra romântica vicejou praticamente in-
lismo, as ilusões de um objetivismo ingênuo, mas conteste no domínio da expressão estética. A arte
não se tratava de restabelecer os privilégios in- ocidental do final do século XVIII até hoje é essen-
contestados da religião ou de retornar mecanica- cialmente uma manifestação do romantismo. To-
mente a um perdido passado místico. O valor da das as dimensões constitutivas antes apresentadas
constituição de uma ciência, de um saber leigo contribuíram para o estabelecimento de seus parâ-
sistemático, foi freqüentemente mantido, e toda metros e condições de legitimidade, particular-
uma tradição de diálogo com os pesquisadores, mente a totalidade (sob a forma da autonomia do
as técnicas e as problemáticas universalistas se estético), a diferença (sob a forma da intensidade
constituiu e manteve, serpenteando pelas espe- como critério da autenticidade), o fluxo e a pulsão
cialidades, universidades, laboratórios, técnicas e (sob a forma do expressivismo criador). A única
ênfases doutrinárias. Além do mais, essa “ciência característica desse domínio de nossa cultura que
romântica” (a Naturphilosophie alemã) influen- se pode associar mais linearmente ao universalis-
ciou, por sua vez, as orientações mais universa- mo, embora também seja modulada pelas infle-
A PULSÃO ROMÂNTICA E AS CIÊNCIAS HUMANAS NO OCIDENTE 13

xões propriamente românticas, é provavelmente a logos associado à dúvida socrática, destronado da


idéia de uma vanguarda temporal permanente. positividade instauradora da narrativa universalis-
O outro domínio em que vicejou a Sombra ta. No lugar positivo alternativo encontram-se es-
romântica foi o da política. Arrolo aí, pois, todas sas forças de expressão coletiva supostamente
as propostas explicitamente restauradoras de al- primitivas, anteriores à emergência da dúvida e
gum tipo de diferença política legítima ou siste- do ressentimento; totalidades plenas de intensida-
mática. O pensamento conservador e reacionário de de que a tragédia clássica e as referências his-
do século XIX apresentou numerosos exemplos, tóricas ao dionisismo já mal nos deixam entrever
mais ou menos “sombrios”, desse tipo de manifes- o perfil. Nietzsche consegue manter a preeminên-
tação, de Chateaubriand e De Maistre a Charles cia genérica do mito do “milagre grego”, com os
Maurras. Mas penso sobretudo no nazi-fascismo. sinais internos invertidos: há uma lição sim a ser
Embora certos aspectos particularmente sinistros herdada desses ancestrais, mas não é a da razão –
do nazismo sejam mais bem compreendidos co- e sim a da desrazão originária e possível, garantia
mo uma ideologia médica do que como uma da autenticidade do todo, da unidade, do fluxo,
ideologia política, muitos de seus traços ideológi- da diferença, da intensidade e da pulsão. É nes-
cos envolvem as dimensões imaginárias românti- sa combinação exasperada de pessimismo e oti-
cas, particularmente a preeminência da totalida- mismo que ele se caracteriza como exemplo pri-
de/unidade e da intensidade diferencialista. vilegiado da mediação filosófica entre a Luz e a
Seria particularmente difícil resumir a com- Sombra.
plexa trajetória da ideologia alemã em seu fulcro O outro grande luminar tardio da filosofia
filosófico. O que é certo é que o romantismo re- romântica a influenciar por diversas gerações o
presenta a pedra de toque de todo o percurso pós- pensamento ocidental é Dilthey. É uma influência
kantiano, dito “idealista”, de Hegel a Heidegger, mais severa e discreta, nem sempre evidente, pre-
concentrando sobretudo sua força expressiva e sente sobretudo pela reverberação de seu uso e
sua capacidade de influência ampliada em Scho- defesa sistemática da oposição metodológica en-
penhauer, Dilthey e Nietzsche. Este último apre- tre as ciências da natureza (Naturwissenschaften)
sentou uma síntese tardia tão particularmente dra- e as ciências humanas (Geisteswissenschaften).
mática dos fios ideológicos do romantismo, que Dilthey fora tão influenciado pelo empirismo in-
tornou sua obra a fonte regular de renovação da glês quanto Nietzsche, mas essa influência pôde
inspiração romântica ao longo do século XX, mui- se manifestar mais nítida pela quase total preva-
to mais do que qualquer outro de seus predeces- lência da Luz.
sores e contemporâneos. Talvez esse ainda seja
seu papel, embora alguns de seus herdeiros e co-
mentadores, como Michel Foucault ou Gilles De- VI
leuze, tenham se tornado, por sua vez, porta-vo-
zes diretos. É preciso reconhecer que a distinção entre as
Considero como um exemplo particularmen- Naturwissenschaften e as Geisteswissenschaften,
te poderoso da articulação romântica entre Luz e que começou a se afirmar em meados do século
Sombra o Nascimento da tragédia, por ser uma XIX, já representava uma modulação interna do
obra em que ainda se combinam o espírito ro- romantismo, permitindo a bifurcação epistemo-
mântico e uma argumentação retórica universalis- lógica das ambições monistas iniciais da Naturphi-
ta (diferentemente das obras aforísticas posterio- losophie. Com efeito, a influência das ciências ex-
res, em que a forma expressiva acompanha de perimentais de corte universalista se espraia rapi-
maneira solidária o conteúdo). Nesse trabalho damente por essa época, e a academia alemã
Nietzsche propõe uma reconstrução do principal acolhe o desenvolvimento de pesquisa científica
mito de origem da cultura ocidental: o de suas raí- subordinada mas não dependente do horizonte
zes gregas. Nela avulta a denúncia da razão, do romântico e das ambições da Naturphilosophie. É
14 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55

em parte em resposta a esses desenvolvimentos, em outro trabalho (Duarte e Venâncio, 1995), a


de grande legitimidade ideológica, que se dese- pesquisa de Wundt aspirava realmente a uma
nha a oposição entre uma pesquisa mais media- cientificidade estruturante. Tratava-se, no entanto,
da, voltada para a natureza física externa, objeti- de uma cientificidade muito diferente daquela que
va, e uma outra, imediata na consciência e na seus discípulos anglo-saxões vieram a divulgar e
subjetividade, voltada para os fenômenos especí- consagrar. O ponto principal a ressaltar é o da se-
ficos do humano. paração entre a psicofisiologia da experiência, a
Esse desenvolvimento não obedecia, contu- que se dedicava prioritariamente, e a “psicologia
do, apenas a um estímulo externo. Ele também dos povos” (Völkerpsychologie), que começou a se
expressava um foco imaginário interno extrema- desenvolver com grande empenho a partir de seu
mente importante, que já propus chamar de “evo- diálogo com Dilthey e da demarcação entre as
lucionismo romântico”. Trata-se da representação dimensões mediadas e imediatas do objeto psico-
de que o fluxo das totalidades em busca da afir- lógico. O modelo das representações coletivas im-
mação (Streben) de seu impulso originário (Trieb) plicava justamente o reconhecimento das proprie-
passa necessariamente de patamares mais sim- dades específicas da vida psicológica coletiva,
ples, singelos, indiferenciados ou brutos para pa- mais abstrata e complexa. Exigia-se, assim, a cons-
tamares mais complexos, sutis, diferenciados ou tituição de um método de pesquisa especial, a que
elaborados. Esse processo expressava-se na já ci- se dedicou com afinco, apresentando soluções ori-
tada representação da emergência da Vida (Le- ginais que influenciaram diretamente seus discípu-
ben) como patamar superior da matéria bruta, e los E. Durkheim e B. Malinowski, mas também ou-
na emergência do Espírito (Geist) como coroa- tros contemporâneos prestigiosos, como William
mento supremo da existência/experiência. Com- James e Franz Boas.
preende-se, assim, que fosse possível atribuir qua- A peculiar combinação de ciências da nature-
lidades específicas às ciências voltadas para cada za e ciências humanas que caracterizou a psicolo-
um desses patamares, de sutileza intrinsecamente gia wundtiana expressou-se paradigmaticamente
diferencial. Essa idéia encontrou expressão para- no princípio denominado “paralelismo psicofísico”,
digmática na categoria hegeliana do Aufhebung, em referência ao postulado de Leibniz, segundo o
passagem de um determinado estado dos entes qual os fenômenos da vida espiritual se desenvol-
para outro superior, mais “espiritual” e abrangente vem em paralelo aos fenômenos da vida natural,
– sem perda da continuidade ontológica. Sua tradu- objetiva, mas sem conexões lineares parciais. São
ção como sublimação expressa apenas parcialmen- duas linhas paralelas, articuladas em seu impulso,
te uma mancha semântica complexa e intensa. mas não em seus elementos. Essa visão integrada,
Não podemos deixar de mencionar a generalizada que enfatiza a totalidade e a singularidade da vida
e duradoura influência desse vetor ideológico – no psíquica, é comumente considerada a expressão
vitalismo médico ou no espiritualismo kardecista, de uma tradição romântica ou holista na história da
por exemplo. psicologia, por oposição à tradição iluminista/em-
Essa representação é fundamental para com- pirista do associacionismo anglo-saxão.
preender a organização de um dos principais fi- Essa sua ênfase no caráter total, uno, inte-
lões das ciências humanas influenciados pelo ro- grado, dos estados de consciência expressou-se
mantismo: a psicologia de Wilhelm Wundt. em outros princípios e métodos fundamentais,
O trabalho intelectual de Wundt e de sua como o da realidade imediata (Aktualität), o da
equipe no Laboratório de Leipzig é comumente síntese criativa e o da análise relativa. Também a
comemorado como a inauguração de uma psico- preeminência da categoria Trieb em sua análise
logia científica, por oposição à especulação filosó- dos fenômenos psicológicos revela a força da in-
fica que teria caracterizado desde o século XVI a fluência romântica, sobretudo no modo muito pe-
exploração acadêmica do funcionamento da culiar como ele a associou à tematização da von-
“alma” ou da mente humana. Como já demonstrei tade humana.
A PULSÃO ROMÂNTICA E AS CIÊNCIAS HUMANAS NO OCIDENTE 15

A sociologia durkheimiana, comumente as- individualismo qualitativo. Ele resumia com gran-
sociada ao universalismo, em função do peso do de pertinência na primeira categoria a dimensão
positivismo na definição do fato social e das tare- original do individualismo universalista de preten-
fas da pesquisa sociológica nascente, é no entan- der constituir e compreender o universo social
to filha direta de muitos dos postulados básicos do pela combinação dos indivíduos livre-contratan-
romantismo. Mencionamos a exposição direta de tes, iguais entre si, do pacto político. E, na segun-
Durkheim ao pensamento de Wundt, por ele bus- da, a contribuição específica da teoria da pessoa
cada em Leipzig. Outras influências reconhecidas romântica, com sua ênfase característica na inte-
foram igualmente importantes, sobretudo a que rioridade, na autonomia, no caráter singular e au-
lhe aportou Claude Bernard em sua invenção do têntico de cada mônada. Suas magistrais interpre-
organismo como “meio interno”, tão fundamental tações de fenômenos como o amor, a cidade, o
para as ciências biológicas como para as humanas. dinheiro e a modernidade testemunham da po-
Encontra-se em Durkheim, do mesmo modo tência analítica de sua distinção entre a cultura
que em Wundt, a crítica geral ao modo utilitarista objetiva e a cultura subjetiva. Como mencionei
ou pragmático de produzir uma compreensão uni- anteriormente, essa dicotomia ao mesmo tempo
versalista dos fenômenos humanos. Durkheim re- expressa e instrumentaliza uma representação
tém a disposição universalista, cientificista mesmo, fundamental do ideário romântico: a oposição en-
mas propõe que se compreenda o caráter sui ge- tre forma e vida, entendida esta última como di-
neris da vida social, com propriedades emergentes mensão intrínseca da vida humana legítima, dis-
que a distinguem tanto da natureza geral, como da tendida em um fluxo significativo de disposições
natureza psicológica individual humana. Totalida- e determinações originárias (Streben/Trieb).
de de novo estatuto, a vida social deve ser com- Também a antropologia nascente pode ser
preendida como tendo regras especiais de funcio- considerada herdeira de dimensões essenciais do
namento, que articulam a morfologia social com romantismo. Privilegio aqui dois de seus pais fun-
sua fisiologia, representações e valores comparti- dadores, por quanto são decisivas suas contribui-
lhados. A crítica aos modelos utilitaristas recobre ções à constituição do cânon da pesquisa antro-
na verdade a crítica à redução individualista, ou pológica: Franz Boas e Bronislaw Malinowski.
seja, à suposição de que a vida coletiva seja ape- Com efeito, credita-se ao primeiro a invenção ex-
nas o resultado da justaposição dos indivíduos li- plícita da idéia da pluralidade de culturas como
vres, iguais e autônomos da ideologia liberal insti- objeto da análise comparada antropológica; ao se-
tuinte. Durkheim foi provavelmente o primeiro gundo atribui-se a invenção do trabalho de cam-
pensador ocidental a desenvolver uma argumenta- po antropológico como pedra de toque da meto-
ção explícita sobre o individualismo ao mesmo dologia dessa disciplina. O conceito boasiano de
tempo como ideologia e como valor: instauradora, culturas é claramente herdeiro da noção de tota-
intransponível, e, no entanto, impeditiva do aces- lidade/unidade cultural prevalecente no romantis-
so à percepção sociológica. mo desde Herder, aplicado ao conjunto ampliado
Seu contemporâneo Georg Simmel é outro das experiências humanas e não apenas aos fatos
expoente da sociologia nascente, cujo trabalho se de civilização. A luta de Boas contra os reducio-
caracteriza, de um lado, por uma elevada expec- nismos fisicalistas e racialistas que caracterizavam
tativa de formalização da compreensão das for- a academia ocidental de finais do século XIX
mas societárias, no mesmo sentido da morfologia pode ser também vista como afirmação da quali-
durkheimiana, e, de outro, por uma notável capa- ficação superior do espírito (lembremo-nos do
cidade de explicitar os valores estruturantes da belo poema de Goethe que ele transcreve em seu
ideologia individualista e sua condição revelado- prefácio ao Patterns of culture, de Ruth Benedict),
ra das principais dimensões da vida cultural oci- como pedra de toque dos fenômenos culturais.
dental moderna. Avulta a importância de sua dis- A posição de Malinowski em relação ao ro-
tinção entre um individualismo quantitativo e um mantismo é particularmente peculiar, dada a co-
16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55

mum associação de sua epistemologia explícita a processo civilisatório é indissociável do evolucio-


um empirismo linear e materialista. Cresce, porém, nismo romântico, com toques específicos da ver-
a consciência da importância do horizonte român- são que dele apresentou Freud e com um peso
tico em sua formação e no seu legado à antropo- particularmente notável da idéia de uma pulsão
logia (Strenski, 1982). Em virtude da amplitude do histórica. Seu modo de compreensão das totalida-
tema, sublinho aqui o ponto que me parece mais des históricas significativas é muito semelhante ao
importante e que já explorei em outro artigo do “espírito” weberiano (chegando às vezes a
(Duarte, 1995) a propósito da antropologia como lembrar as reificações herderianas de Oswald
“universalismo romântico”. Trata-se da teoria do Spengler em seu A decadência do Ocidente).
trabalho de campo. Com efeito, Malinowski esta-
beleceu o roteiro básico para a definição do fato
antropológico como derivado de uma experiência VII
subjetiva prolongada com o mundo social obser-
vado, único modo de aceder à efetiva compreen- Uma última e superficial referência pode ser
são dos sentidos vitais nele atualizados. Temos aí feita sobre os desenvolvimentos contemporâneos.
uma preciosa combinação dos temas da totalida- O pensamento romântico propriamente dito dis-
de, da experiência e da compreensão – mesclada tende-se em uma tradição contínua até o período
claramente pela preeminência da vida e da pulsão. da Segunda Guerra Mundial, tanto na filosofia,
Dois grandes desenvolvimentos românticos como nas artes e nas ciências. As traumáticas im-
nas ciências humanas ocidentais serão deixados plicações da dominação nazista sobre o espaço
de lado nesta apresentação sumária. Um deles – o cultural germânico, o esgotamento das expectati-
da psicanálise freudiana – mereceu uma recente vas de uma cultura de Bildung generalizada no
demonstração específica de Inês Loureiro, autora Ocidente e a derrota política das teorias nacionalis-
de uma obra magistral sobre a matéria (Loureiro, tas autoritárias impuseram um novo horizonte para
2002). O outro é o da história, merecedor de um a tensão entre o universalismo e o romantismo.
estudo próprio, dada a imensidão da importância A retomada paulatina dos princípios român-
do que se chama propriamente de historicismo no ticos no pensamento ocidental tomou a forma do
contexto geral do romantismo e na constituição que hoje se denomina pós-modernismo, ou seja,
das ciências históricas contemporâneas. Volto a de uma crítica do universalismo em nome da sin-
mencionar apenas Max Weber e sua prestigiosa gularidade, da intensidade e da experiência. Ape-
sociologia histórica como exemplo particularmen- sar da expressividade semântica da categoria nati-
te estratégico dessa influência. Embora ele se afas- va, considero conveniente caracterizar essas novas
te por muitos motivos do estilo analítico de seus manifestações como um neo-romantismo. Enfatizo
contemporâneos mais explicitamente românticos com isso a continuada presença dos valores ro-
(como Simmel ou Tönnies, por exemplo), é im- mânticos na formulação das problemáticas filosó-
possível compreender sua estratégia de definição ficas e sociológicas contemporâneas e – ao mes-
das unidades socialmente significativas da história mo tempo – a sua considerável inconsciência da
da racionalidade (tanto em A ética protestante e o filiação que a determina – por força, em boa par-
espírito do capitalismo, como na trilogia sobre as te, da violenta cesura histórica superveniente na
religiões de civilização) e a definição do seu mé- metade do século XX.
todo do Verstehen (compreender) sem a referên- A própria psicanálise e a antropologia social
cia aos pontos analíticos que aqui arrolei como ca- (ou cultural), que preservam mais do que quais-
racterísticos do pensamento romântico. quer outras disciplinas as marcas estruturantes da
Muito esclarecedor seria demonstrar a marca visão de mundo romântica, perderam quase com-
desse horizonte de valores no pensamento de pletamente a consciência de suas raízes românti-
Norbert Elias, que pode ser considerado o último cas, sendo necessário um trabalho de esclareci-
dos sociólogos românticos. Sua compreensão do mento quase arqueológico para sua demonstração.
A PULSÃO ROMÂNTICA E AS CIÊNCIAS HUMANAS NO OCIDENTE 17

Assim, combinam-se hoje continuidades românti- totalité et hiérarchie dans l’esthétique


cas propriamente ditas com formulações aparen- de Karl Philip Moritz”, in _________
temente novas de crítica ao universalismo, que (org.), Homo Æqualis II. L’idéologie alle-
parecem votar nossas disciplinas mais do que mande: France, Allemagne et retour,
nunca à tensão inarredável entre essas duas Paris, Gallimard.
idéias-força de nossa cultura que as caracteriza _________. (1991b), Homo Æqualis II. L’idéologie
desde sua instauração. allemande: France, Allemagne et retour.
Paris, Gallimard.

BIBLIOGRAFIA DUMONT, Martine. (1984), “Le succès mondain


d’une fausse science: la physiognomo-
BENZ, Ernst. 1987. Les Sources Mystiques de la nie de Johann Kaspar Lavater”. Actes de
Philosophie Romantique Allemande. Pa- la Recherche en Sciences Sociales, 54.
ris: J. Vrin ELIAS, Norbert. (1975), La dynamique de l’Occi-
dent. Paris, Calmann-Lévy.
BERLIN, Isaiah. (2001), The roots of romanticism.
Princeton: Princeton University Press. FIGLIO, Karl M. (1975), “Theories of perception
and the physiology of mind in the late
DUARTE, Luiz Fernando Dias. (1986), Da vida
eighteenth century”. History of Science,
nervosa (nas classes trabalhadoras ur-
13: 177-212.
banas). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Edi-
tor/CNPq. GOETHE, Johann Wolfgang. (1993), A doutrina
das cores. São Paulo, Nova Alexandria.
_________. (1995), “Formação e ensino na antro-
pologia social: os dilemas da universali- GUSDORF, Georges. (1976), Naissance de la cons-
zação romântica”, in J. Pacheco de Oli- cience romantique au siècle des lumiè-
veira (org.), O ensino da antropologia res (col. Les Sciences Humaines et la
no Brasil: temas para uma discussão, Pensée Occidentale, 7). Paris: Payot.
Rio de Janeiro, ABA. _________. (1982), Les fondements du savoir ro-
DUARTE, Luiz Fernando Dias & VENÂNCIO, Ana mantique. Paris, Payot.
Teresa A. (1995), “O espírito e a pulsão: _________. (1984), L’homme romantique (col. Les
o dilema físico-moral nas teorias da pes- Sciences Humaines et la Pensée Occi-
soa e da cultura de W. Wundt”. Mana. dentale, 11). Paris, Payot.
Estudos de Antropologia Social, 1.
_________. (1985), Le savoir romantique de la na-
DUARTE, Luiz Fernando D. & GIUMBELLI, Emer- ture. Paris, Payot.
son A. (1994), “As concepções de pes-
HERDER, Johann Gottfried. (1997), Auch eine
soa cristã e moderna: paradoxos de
Philosophie der Geschichte zur Bildung
uma continuidade”. Anuário Antropoló-
der Menschheit. Stuttgart, Universal-Bi-
gico, 93.
bliothek. Reclam.
DUMONT, Louis. (1965), “The modern concep-
HIRSCHMAN, Albert O. (1979), As paixões e os in-
tion of the individual: notes on its gene-
teresses: argumentos políticos a favor do
sis and that of concomitant institutions”.
capitalismo antes de seu triunfo. Rio de
Contributions to Indian Sociology, 8.
Janeiro, Paz e Terra.
_________. (1972), Homo Hierarchicus. Londres,
KOYRÉ, Alexandre. (1979), Do mundo fechado ao
Palladin.
universo infinito. São Paulo, Foren-
_________. (1991a). “Du piétisme à l’esthétique: se/USP.
18 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 55

LAWRENCE, Charles J. (1979), “The nervous sys-


tem and society in the Scottish Enligh-
tenment”, in B. Barnes e S. Shapin
(orgs.), Natural order, Thousand Oaks,
CA, Sage Publications.
LOUREIRO, Inês. (2002), O carvalho e o pinheiro:
Freud e o estilo romântico. São Paulo,
Escuta/Fapesp.
POLANYI, Karl. (1980), A grande transformação:
as origens da nossa época. Rio de Janei-
ro, Campus.
SIMMEL, Georg. (1971 [1908]), “Subjective cultu-
re”, in D. Levine (org.), On individua-
lity and social forms, Chicago, The Uni-
versity of Chicago Press.
STRENSKI, Ivan. (1982), “Malinowski: second po-
sitivism, second romanticism”. Man, 17:
266-271.
TAYLOR, Charles. (1989), Sources of the self: the
making of the modern identity. Cam-
bridge, MA., Harvard University Press.
THOMAS, Keith. (1988), O homem e o mundo na-
tural. São Paulo, Companhia das Letras.
WEBER, Max. (1978), Economy and society. Ber-
keley, University of California Press.
RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS

A PULSÃO ROMÂNTICA E THE ROMANTIC DRIVE AND LA PULSION ROMANTIQUE


AS CIÊNCIAS HUMANAS NO HUMAN SCIENCES IN THE ET LES SCIENCES HUMAINES
OCIDENTE WESTERN CULTURE EN OCCIDENT

Luiz Fernando Dias Duarte Luiz Fernando Dias Duarte Luiz Fernando Dias Duarte

Palavras-chave Key words Mots-clés


Romantismo; Ciências Humanas; Romanticism; Human Sciences; Romantisme; Sciences Humaines;
Universalismo; Individualismo; Universalism; Individualism; Universalisme; Individualisme;
Pós-Modernismo. Post-Modernism. Postmodernisme.

A cultura ocidental moderna articu- Modern Western culture is based La culture occidentale moderne s’ar-
la-se em torno da tensão entre um upon the tension between a basic ticule entre la tension d’un univer-
universalismo primordial e o seu universalism and its permanent Ro- salisme originel et sa permanente
constante contraponto romântico. O mantic counterpoint. Science is one contrepartie romantique. L’esprit
espírito científico é uma das mani- of the main expressions of the uni- scientifique est l’une des manifesta-
festações fundamentais da disposi- versalistic attitude and the Romantic tions fondamentales de la disposi-
ção universalista, tendo cabido ao genius dealt actively with it, critici- tion universaliste et a été la cible de
espírito romântico criticá-lo e modu- zing and transforming it in many dif- toutes sortes de critiques et de tor-
lá-lo em sentidos e direções inicial- ferent ways. The emergence of mo- sions de la pensée romantique.
mente insuspeitados. A emergência dern “human sciences” (originally L’émergence des “sciences humai-
das “ciências humanas” (original- conceived of as the Geisteswissens- nes” (originellement conçues com-
mente concebidas sob a forma das chaften, or “moral sciences”) is due me des Geisteswissenschaften, des
Geisteswissenschaften ou “ciências to this tension, in the sense that they sciences de l’esprit) a été l’un des
do espírito”) foi um dos resultados came to provide a sense of reality résultats de cette tension, ayant
dessa tensão, impondo uma concep- and knowledge very different of that conduit à une conception de la réa-
ção de realidade e de conhecimento prevailing in the pristine universalis- lité et de la connaissance très diffé-
muito diferente da que tinha preva- tic ideology. The themes of “differen- rente de l’orientation originelle. Les
lecido na orientação universalista ce”, “totality”, “uniqueness”, “flow”, thèmes de la “différence”, de la “to-
originária. Os temas da “diferença”, “drive”, “experience”, and “unders- talité”, de la “singularité”, du “flux”,
da “totalidade”, da “singularidade”, tanding” inspired or challenged the de la “pulsion”, de “l’expérience” et
do “fluxo”, da “pulsão”, da “expe- great founding fathers of the human de la “compréhension” sont pré-
riência” e da “compreensão” instiga- sciences – eventually in contradictory sents dans la pensée de tous les pè-
ram ou desafiaram todos os grandes directions. They remain nowadays as res fondateurs des sciences humai-
pais fundadores das ciências huma- powerful as ever, either as the neces- nes – comme un défi relevé de
nas – com resultados muito diversos sary rationalization for any anthropo- différentes manières. Ils sont tou-
– e continuam a operar na dinâmica logical research or as the channel for jours aussi puissants, soit comme
do campo, seja como argumento ins- the so-called “post-modern” specula- justification de toute attitude épisté-
taurador de toda pesquisa antropo- tions. To make them explicit and un- mologique de l’anthropologie con-
lógica, seja como veículo das espe- derstandable is the task of this article. temporaine, soit comme fondement
culações ditas “pós-modernas”. O des propositions soi-disant “pos-
presente artigo trata da sua explicita- tmodernistes”. Cet article propose
ção e esclarecimento. d’expliciter leur importance et d’ex-
pliquer leur rôle conceptuel.

Potrebbero piacerti anche