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Biology

by V
beta-reader: Cah (Kerouls)

Capítulo 01

Era mais um dia como todos os outros. As mesmas pessoas medíocres, os mesmos ambientes entediantes, a mesma rotina
de sempre. Como de costume, o professor mal comido de geografia passava cinco páginas de lição de casa, e ai de quem
não trouxesse o dever feito no dia seguinte. Materiazinha detestável essa geografia. E quando eu pensava que nada poderia
torná-la mais detestável ainda, eis que surge na minha escola aquele ser repugnante com sua careca lustrada e suas calças
no umbigo. Resumindo, eu realmente odiava o sr. Hammings.
O sinal irritante tocava, anunciando o início de mais uma aula de biologia, e a penúltima aula do dia. Pelo menos o sr.
Finatto não sofria de falta de sexo como o sr. Hammings. Não parecia nem devia sofrer, com aqueles ombros largos, aquele
sorriso experiente e sempre relaxado, como se nada pudesse tirar aquela tranqüilidade dele. Fora aquele corte de cabelo
que lhe dava um ar de 20 quando na verdade ele era dez anos mais velho. Um belo rosto que arrancava suspiros por onde
passava, e uma voz confiante que prendia a atenção de todos os alunos e os fazia entender a matéria mais complexa do
mundo em um segundo eram os últimos detalhes que faltavam para torná-lo o professor perfeito.
Pra mim, ele era um ótimo educador. Desenvolto ao falar, paciente e muito bem informado sobre tudo, sabia como eliminar
todas as possíveis dúvidas de seus alunos com um sorriso no rosto e palavras simples. Minha facilidade em biologia me dava
tempo de sobra para analisar seu jeito de falar, de andar, de gesticular e de agir, ao invés de prestar atenção na matéria. O
que eu adorava fazer, até mesmo sem querer. Tipo agora.
- Bom dia, professor – ouvi a voz da retardada da Kelly Smithers gemer assim que pude ver a cabeleira do sr. Finatto entrar
na classe. Bem daquele jeitinho ‘oi sou puta quero dar pra você na sala dos professores’, enquanto mascava seu chiclete
daquele jeito vulgar que a maioria das pessoas daquele colégio estúpido costumava fazer.
- Você sabia, srta. Smithers, que uma pessoa que masca chiclete de boca aberta engole muito mais bactérias do que uma
pessoa que masca chiclete de boca fechada? – Leandro Finatto, meu professor de biologia falou, enquanto colocava seu
material sobre sua grande mesa – Além de ser algo extremamente desagradável de se ver.
Contive minha gargalhada num sorriso de canto de boca, praticamente comendo aquele homem com os olhos. Adorava o
jeito com o qual ele simplesmente deixava aquela piranha da Smithers no chão sem se rebaixar ao seu nível. E por incrível
que pareça, ela continuava com seu mesmo jeito fútil, mascando furiosamente seu chiclete de morango, enquanto sua
amiga fazia cara de (puta) chocada. Só não continuei me divertindo com a cara de azulejo dela ao ser consolada por sua
amiga porque havia algo muito melhor pra ser observado naquela sala. Algo que tinha nome, sobrenome, e um sorriso
estonteante.
Você deve estar pensando que eu sou a maior pervertida da face da Terra. Mas você só diz isso porque seu professor de
biologia não é o cara mais lindo que você já viu pessoalmente. Ter que agüentar 50 minutos semanais com um homem
desses sem ter pensamentos como os meus era impossível, vai por mim. Eu sabia que era errado, que eu jamais poderia
chamar a atenção de um homem como o professor Finatto, mas eu me esforçava pra ser sua melhor aluna. E é claro que eu
conseguia.
- Onde foi que eu parei, Freitas? – ouvi sua voz firme perguntar se aproximando da minha carteira com um sorriso animado,
enquanto apoiava uma das mãos no encosto da carteira à minha frente e se curvava pra ler minhas anotações.
- Na última aula o senhor começou a explicação sobre genética – respondi, inalando aquele perfume de homem cheiroso
que eu amava sentir toda vez que ele estava por perto. Sempre me disseram que esses caras ligadões na natureza têm
tendências meio hippies, ou seja, não tomam banho e conseqüentemente fedem. Leandro Finatto era a prova viva de que
aquilo era puro mito. Ou então, era uma linda exceção.
- Alguma dúvida sobre o que eu já expliquei? – ele murmurou, com sua habitual simpatia com relação a mim. Ele sempre
fazia aquela mesma pergunta quando começava um novo conteúdo, como se precisasse da minha opinião sobre a qualidade
de sua aula. E eu sempre respondia a mesma coisa, com um sorriso meigo no rosto:
- Nenhuma, professor.
Aliás, eu tenho uma: quando o senhor pretende virar pedófilo?

A aula de biologia se passou sem maiores novidades. O professor perfeito explicando a matéria que eu já sabia de cor
enquanto a Smithers ficava com cara de tacho, ainda engolindo zilhões de bactérias. As coisas fluem tão bem durante a aula
do sr. Finatto que ele sempre faz tudo que precisa fazer e ainda sobram uns 10 minutos pro pessoal conversar ou tirar
alguma dúvida mais complicada. Se eu te dissesse que nunca tinha nenhuma dúvida e detestava praticamente todas as
pessoas da minha classe, você provavelmente pensaria que eu não me encaixo em nenhuma das duas opções. Mas se eu te
dissesse que parte do corpo docente da escola simpatiza comigo, você talvez entendesse como são os finais das minhas
aulas de biologia.
- Outra vez geografia? – ouvi aquela voz de homem mais velho perguntar atrás de mim, num tom simpático, e tirei meus
olhos do caderno onde eu terminava de copiar a matéria do Hammings. Me deparei com aqueles dois olhos castanhos
escuros brilhantes me encarando, acompanhados daquele sorriso de quem ainda não se tocou de que é lindo de qualquer
jeito, e precisei de muito autocontrole pra apenas sorrir normalmente.
- Pois é, tá virando rotina – respondi, voltando a escrever pra evitar que minha baba escorresse – Por mais que eu tente,
não consigo ler esse garrancho.
- Não posso falar muito, minha letra também não é das mais legíveis – ele riu, sentando-se na carteira agora desocupada à
minha frente e ficando de lado pra conversar comigo – Mas eu pelo menos tento poupar vocês de entender o que eu
escrevo.
- O senhor nunca escreve nada na lousa – falei, rindo um pouco e olhando pra ele. Sério, me diz como você consegue ficar
rosadinho desse jeito 24h por dia?
- Por isso mesmo – o sr. Finatto sorriu, me dando uma piscadinha que fez meu coração ter um ataque epilético – E eu sei
que mesmo que eu escrevesse alguma coisa, você seria a última pessoa a copiar.
- Por que o senhor acha isso? – perguntei, quase ofendida, e ele apenas respondeu calmamente:
- Porque você praticamente sabe tanto sobre biologia quanto eu, e copiar o que eu escrevo seria desperdício de papel, de
tinta e do seu tempo.
Fiquei com aquele sorrisinho de picolé de chuchu, super sem graça, e tudo que consegui dizer algum tempo depois foi:
- Vamos pensar positivo... Pelo menos eu estaria evitando o desmatamento de algumas árvores ao economizar papel.
O sr. Finatto, que antes estava com o olhar perdido na dorminhoca da Amy Houston, fechou os olhos e deu risada da minha
péssima frase. Como se ele já não tivesse besteiras piores pra agüentar, eu ainda falava uma merda daquelas.
- Se eu não soubesse que você consegue formular frases melhores, ia te dar um ponto de participação pela sua brilhante
conclusão – ele ironizou, sorrindo de um jeito divertido antes de se levantar e ir acordar a Houston pra que ela não
começasse a roncar mais alto. Preciso descrever o estado de profunda melancolia no qual eu me encontrava depois daquele
momento? É, eu sabia que não precisaria.
Ainda frustrada comigo mesma, arrumei meu material rapidamente pra ir pra última aula, que era no laboratório. Na minha
escola, tínhamos duas frentes pra física, química e biologia: as aulas teóricas, na classe, e as aulas práticas, nos
laboratórios. Como nas aulas práticas os alunos aplicam seu conhecimento teórico em experimentos, você provavelmente
deve ter deduzido que eu sou igualmente inteligente em biologia laboratório. E eu sou mesmo. Mas eu gostaria muito que
um dia alguém me explicasse por que eu sempre, sempre ficava de recuperação nessa matéria.
A explicação que eu via como a única possível era a de que o professor de laboratório não ia com a minha cara.
Infelizmente, o sr. Finatto não dava aulas práticas pra minha turma, só as teóricas. Nosso professor de laboratório era o ser
mais detestável, ignorante, repugnante, metido e tudo de patético que um homem pode ser. Mantinha sempre aquele ar
superior em relação aos alunos, a não ser pra piranha da Smithers, porque ele provavelmente já tinha comido ela. E três
quartos das garotas da escola. Dormir com professores era quase uma rotina na minha escola.
Juro que não sei como essas meninas conseguem ver alguma qualidade naquele cara. Sua risadinha de desprezo me
irritava, aquela voz de quem está sempre zoando da sua cara me deixava fula da vida, e eu realmente abominava suas
piadinhas sem graça com o povo idiota da minha classe. Resumindo, meu professor de biologia laboratório era
provavelmente o professor mais ridículo que você poderia encontrar naquela escola.
- Bom dia, professor – ouvi Kelly repetir, do mesmo jeitinho de 50 minutos atrás, quando se sentou de frente pra bancada. A
única diferença era que agora ela estava mascando um chiclete de uva. Como uma pessoa consegue ser um déja-vu vivo
sem querer explodir os próprios miolos?
- Bom dia, Smithers – aquela voz arrastada de homem tarado respondeu, se aproximando meio indecentemente da garota
com uma expressão no mínimo enojante – Eu ia perguntar como você vai, mas a sua saia já me deixou ver que você
continua muito bem como sempre.
Francamente, se fosse comigo eu já metia a mão na fuça daquele merda. Mas graças a Deus, não era, então eu apenas
ignorei as preliminares dos dois seres acéfalos presentes no laboratório e comecei a copiar o relatório que já estava escrito
na lousa. Pelo menos esse professor tinha uma letra um pouco mais compreensível. Provavelmente a única qualidade que
ele tinha.
- Professor, hoje o senhor vai entregar os relatórios das aulas passadas pra gente poder estudar pra prova? – Amy Houston
perguntou, parecendo sonolenta. Acho que ela só não dormia nas aulas práticas porque as bancadas costumavam ter uma
limpeza reforçada com alguns produtos aos quais Amy era alérgica. Eu sei disso porque um dia ela cochilou no meio da
explicação e seu rosto ficou todo inchado e empipocado só do lado que esteve em contato com a bancada. Esse dia foi bem
nojento, mas pelo menos agora a Amy descobriu que tem colegas de classe e que pode se socializar com eles quando não
estiver com tanto sono.
- Tá com pressa, Houston? – Igor Mendes, meu professor de biologia laboratório, zombou, com aquela rotineira voz de tédio
– Se quiser, pode ir embora... E aproveita pra levar a Freitas com você.
Ergui meu olhar do caderno pra ele, sentindo nojo só de olhá-lo sorrindo zombeteiramente pra mim. Sem me mexer, apenas
respirei fundo e perguntei, juntando toda a educação que meus pais haviam me dado:
- O que foi que eu fiz dessa vez?
O professor Mendes, parado do lado da puta-mor, apenas continuou me olhando, como se me comesse com os olhos. Que
porra, por que ele tem que ficar me olhando assim toda santa aula? Acho que ele devia ter algum tipo de fetiche por
pessoas que o odeiam.
- Eu não mandei ninguém copiar o relatório da lousa – ele respondeu, calmamente, caminhando devagar até mim com um
sorriso maligno no rosto, e antes que eu pudesse ver o que tinha acontecido, a folha onde eu já tinha copiado metade da
lousa cheia estava amassada em suas mãos – Ainda.
Ele abaixou o rosto pra ficar na mesma altura do meu, e eu imediatamente me afastei, concentrando toda a minha repulsa
por ele somente no olhar. Meu Deus, como aquele cara era insuportável! No meu último dia de aula naquela escola, jurei
pra mim mesma que meteria um tiro de bazuca na cabeça dele. E esse pensamento estava ficando cada dia mais forte. Se
bem que seria uma pena estragar aqueles olhos tão intensamente castanhos claros que sabiam exatamente como chamar a
atenção naquele rosto. Mas quem liga pra isso mesmo? Ah, é, eu que não.
A classe toda observava o momento tenso em silêncio, e eu pude ver de rabo de olho que a Smithers estava se divertindo
com a minha tortura. O sr. Mendes jogou a bolinha de papel que antes era meu relatório por cima de seu ombro, fazendo-a
voar longe sem precisar se esforçar muito, e murmurou debochadamente a frase que ele sempre usava comigo antes de me
deixar em paz enquanto não houvesse motivo pra me ridicularizar:
- Tudo de novo, Freitas.

Toda semana era o mesmo sofrimento. Ainda bem que só tínhamos uma aula de biologia laboratório por semana, o que já
era muito pra mim. Aturar o desprezível do Mendes tirando sarro da minha cara pelos motivos mais idiotas e o pior, fazer
todos rirem disso, era extremamente irritante. Só sendo quase santa pra ignorar aquele retardado e conseguir terminar
meus relatórios.
Na verdade, eu nem sei por que insistia tanto em fazer alguma coisa naquela aula idiota. A dura realidade era: por mais que
eu me concentrasse ao máximo e fizesse o relatório perfeito, ele sempre me dava, no máximo, um terço da nota. Um terço
da nota, você sabe o quanto isso representa? Quase nada! E aquele puto nunca me dava mais que C nos relatórios! Dá pra
acreditar que uma pessoa que tira A+ em biologia teoria tira C em biologia laboratório? Meio esquisito, não concorda? Pois
é, a diretora não. Aliás, discordava tanto que vivia chamando minha mãe na escola porque eu não conseguia tirar uma nota
igualmente boa em laboratório durante o ano todo e sugeria que minha mãe me ajudasse e me encorajasse a estudar mais.
Eu vou encorajar essa diretora a tomar no cú, isso sim.
Enfim, logo a aula acabou, a tortura semanal tinha chegado ao fim, e eu alegremente (por dentro, porque externamente eu
continuava com minha cara de repugnância) entreguei mais um dos meus relatórios perfeitos. Enquanto guardava minhas
canetas no estojo, percebi uma movimentação estranha atrás de mim e pulei de susto quando ouvi alguém falar comigo de
tão perto.
- Vê se aprende a só fazer as coisas quando te mandam fazer, Leila – o sr. Mendes sussurrou, por trás de mim, com sua
habitual voz de maníaco. Recuperada do susto, olhei pra ele com cara de nojo e respondi, com a voz mal educada:
- Primeiro, nem o senhor nem ninguém me diz o que fazer. E segundo, eu não te dei a liberdade de me chamar pelo nome,
e nem pretendo dá-la ao senhor algum dia.
Voltei minha atenção pro zíper do meu estojo que tinha emperrado bem naquele momento agradável, e só então percebi
que o laboratório estava vazio a não ser por nós dois. Fiquei mais alerta do que já estava, preparada pra enfiar o compasso
no olho dele caso me sentisse ameaçada ou coisa do tipo, mas tudo que ele disse, com um risinho pervertido enquanto me
olhava de cima a baixo, foi:
- Um dia você ainda vai me dar muito mais que a liberdade de te chamar pelo nome... Leeh.
Paralisei quando o ouvi dizer aquela frase, ainda mais pronunciando meu apelido daquele jeito sujo. Sem conseguir conter
meu impulso, dei um tapa forte na cara dele. Pego nem tão de surpresa assim, já que ele devia estar acostumado a apanhar
de algumas alunas mais resistentes, ele colocou uma das mãos sobre o lado atingido do rosto e voltou a me olhar, com um
risinho de deboche no rosto.
- Não sabia que você era do tipo agressiva, Freitas – ele sorriu, me deixando com mais raiva ainda – Vai ser mais gostoso
ainda quando você vier fazer a recuperação depois do almoço. Sozinha, como sempre, já que só você consegue a façanha
de ficar de recuperação em laboratório.
Quase voei no pescoço daquele pedófilo safado nojento idiota. Recuperação de novo? Pelo amor de Deus, por que ele
simplesmente não conseguia me dar uma nota justa? Só porque eu não queria dar pra ele? Que droga, é tão difícil entender
que ele consegue me deixar cada dia mais furiosa pelo simples fato de existir?
- Por que o senhor não procura uma namorada, hein? – perguntei, no tom mais educadamente irritado que consegui – Sei
lá, quem sabe essa sua obsessão por aluninhas não seja falta de mulheres da sua idade que te suportem sem receber uma
recompensa por isso.
Dei uma boa olhada na cara de bosta que ele fez e saí do laboratório, com um sorrisinho triunfante no rosto. Ele pode até
ser cheiroso e ter olhos bonitos, mas não é nem nunca será nem metade do homem perfeito que o professor Finatto é.
Falando nele, olha só que bonitinho ele saindo da sala do primeiro ano, todo rodeado de alunas com shorts mínimos e
maquiagem pesada. Aspirantes a Kelly Smithers? Isso mesmo.
Passei por ele, virando logo em seguida pra descer as escadas, e assim que me viu, abriu um sorriso de orelha a orelha. Foi
só impressão minha ou esquentou de repente depois daquela demonstração linda de alegria?
- Já ia passar sem me cumprimentar, é, Freitas? – o sr. Finatto brincou, descendo rapidamente as escadas e se livrando das
pirralhas com seus passos largos. Soltei um risinho envergonhado, tentando não ferrar com tudo de novo.
- Imagina, professor – respondi, na dúvida entre olhar pros degraus e não cair ou olhar pra ele e ter uma arritmia – Tava
distraída pensando em outras coisas, nem tinha visto o senhor ali.
- Acho que já sei qual é o seu defeito – ele disse, entortando a boca e cerrando os olhos – Você vive pensando demais.
- Como assim, professor? – perguntei, com o coração quicando dentro do peito, só Deus sabe por quê. Tá, eu sei por que.
- Talvez você devesse pensar menos e se arriscar mais – o sr. Finatto disse, com um sorriso esperto, quando saímos do
prédio – Quem sabe você não acaba se dando bem?
Oi, foi só impressão minha ou ele tinha acabado de me cantar? Meu Deus do céu, aquilo sim era homem! Sorri pra ele,
envergonhada, e sem dizer mais nada, ele apenas continuou andando em direção à saída já lotada da escola. Observei sua
cabecinha sumir em meio à multidão de alunos, com o coração disparado, até ouvir uma voz falando comigo.
- Caraca, Leila, você realmente consegue me irritar quando resolve não ver nem ouvir nada ao seu redor – Vanessa, minha
melhor amiga e única aluna decente naquela escola, reclamou, parando bem à minha frente e me impedindo de ver o sr.
Finatto entrando em seu carro.
- Foi mal, Nyks – balbuciei, me esticando pra tentar vê-lo, mas seu carro logo acelerou e sumiu pela rua cheia de veículos de
pais de alunos.
- O que foi, tá olhando o quê? – ela perguntou, olhando por cima de seu ombro, e eu apenas balancei a cabeça
negativamente.
- Tava procurando minha mãe – menti, o que agora não seria tão mentira já que eu realmente comecei a procurá-la –
Preciso ir embora logo hoje, senão vou ter que fazer a prova de recuperação sem almoçar.
- O Mendes te deixou de recuperação outra vez? – ela adivinhou, revirando os olhos, e eu assenti, com a maior cara de
paisagem – Leila, você já pensou em reclamar com a diretora?
- E você acha que eu nunca fiz isso? – bufei, irritada – Todo santo bimestre minha mãe é obrigada a vir aqui graças àquele
merda pra ver o que tem de errado comigo, mas tudo que a diretora faz é me mandar estudar mais!
Vanessa ficou sem saber o que dizer. Eu já tinha tentado de tudo, até mostrar meus relatórios pro sr. Finatto, mas tudo que
ele dizia era que os professores não podiam influenciar nas notas das outras matérias, por mais absurdo que aquilo fosse.
Vamos combinar, biologia, seja teoria ou laboratório, era a mesma droga de matéria! Resumindo, o sr. Mendes podia deitar,
rolar e foder com a minha nota que ninguém podia fazer nada contra ele. Por que eu ainda estudo nessa escola mesmo?
- Se ainda tivesse um jeito de fazer essa cisma que ele tem contigo sumir... – ouvi Vanessa murmurar, me olhando
vagamente como se estivesse pensando alto.
- Até tem um jeito – falei, incomodada por ter que admitir aquilo – Você sabe que o Mendes vive dando em cima de mim.
- Mas você não considera isso uma opção... Considera? – ela cochichou, assustada, como se ninguém naquela escola tivesse
pegado um professor pelo menos uma vez na vida – Quer dizer, você odeia ele.
- Eu jamais conseguiria me imaginar sequer num diálogo amigável com aquele idiota – respondi, sendo muito sincera – Mas
não custa nada considerar essa hipótese como uma opção de emergência.
Vi o carro de minha mãe chegando e logo me despedi de Vanessa com um beijinho no rosto. Enquanto caminhava até o
carro, pude ouvir a voz dela falar, num tom preocupado:
- Olha lá o que você vai fazer, hein!
Revirei os olhos e entrei no carro, ignorando o que ela tinha dito. O que ela tava pensando? Que eu realmente ia me sujeitar
a qualquer tipo de relação com o Mendes por causa de nota? Eu jamais faria uma coisa dessas, nem que fosse pra tirar A+
em todas as matérias sem nem ter que pisar naquela escola. Um idiota embrulhado num corpinho bem definido e
perfumado não vale o sacrifício, pode apostar.

Capítulo 02

Parei em frente à porta do laboratório de biologia, recuperando o fôlego perdido ao subir seis lances de escada em trinta
segundos. E também respirando fundo pra agüentar alguns minutos com aquele ignorante do Mendes.
- Tá enrolando aí por que, Freitas? – ouvi aquela voz irritantemente metida perguntar, logo que soltei meu último suspiro
derrotado – Não sei você, mas eu não tenho o dia todo.
Não vou nem comentar de quantas maneiras e com quantas palavras diferentes eu o xinguei mentalmente antes de girar a
maçaneta de um jeito grosseiro e entrar na sala. Sentei no banco mais afastado possível dele e coloquei meu estojo sobre a
bancada, sem nem olhar pro verme todo esparramado em sua cadeira. Enrolando pra pegar minha caneta dentro do estojo,
tudo pra não ter que encará-lo, não pude deixar de notar um sorrisinho ridículo em seu rosto.
- Estudou? – aquela voz repugnante perguntou, se achando o maioral como sempre. Como se eu precisasse, e como se eu
tivesse tido tempo de estudar em quarenta minutos.
- Eu não sei o senhor, mas eu não tenho o dia todo – respondi, mal educada, ainda sem encará-lo – Então seria ótimo se o
senhor me entregasse a prova de uma vez.
Sem nada pra responder, óbvio, e com a maior cara de macarrão sem molho, ele se levantou e veio na minha direção com a
prova nas mãos. Parou bem atrás de mim, e apoiou seus braços no balcão, um de cada lado do meu corpo.
- Você deve achar mesmo que eu não vou com a sua cara.
Ignorei aquela frase desnecessária, me encolhendo pra diminuir a proximidade entre nós, e arranquei a prova que estava
debaixo de sua mão. Comecei a preencher o cabeçalho, e antes que pudesse fazer qualquer coisa, senti seu hálito quente
bem próximo ao meu ouvido.
- E isso me deixa cada vez mais fissurado em você.
Parei de escrever, e uma onda de medo tomou conta de mim. Abri a boca pra falar umas poucas e boas pra ele, mas fui
impedida por seu braço, que logo me abraçou pela cintura com firmeza e fez meu pânico aumentar.
- Me solta! – exclamei, e sem pensar, enfiei minha caneta de ponta fina em seu braço. Na mesma hora, ele soltou o ar
pesadamente, tentando não gritar de dor, e se afastou. Peguei meu estojo, desesperada, e a última coisa que vi antes de
sair do laboratório, com as pernas bambas de pavor, foi ele arrancando a caneta que estava fincada em seu braço.

- Bom dia, classe – a professora Keaton disse, ao chegar na sala, e assim que passou pela porta, deu uma boa olhada pro
grupo de atletas da classe, que retribuíram seu olhar da mesma forma. A srta. Keaton era nossa professora de inglês,
consagrada na escola por seu ótimo método de ensino e elaboração de atividades extracurriculares bem sucedidas.
Atividades essas que incluíam, claro, pegações com alunos. Não devia ser fácil agüentar aquele monte de testosterona
fresquinha provocando-a no auge de seus 25 anos. Loira, alta e invejada da cabeça aos pés, ela parecia uma modelo, e
segundo as más línguas, um certo professor morria de amores por ela.
Ele mesmo. Leandro Finatto. Eu nem tenho vontade de dar uma voadora nela quando vejo os dois conversando pelos
corredores, sabe.
Voltando aos fatos, a srta. Keaton logo começou a passar matéria, e como eu era meio lerda pra copiar, já comecei a
escrever. Após quinze minutos e uma lousa cheia de matéria, a professora se sentou em sua cadeira e de lá ficou
observando os idiotas musculosos que sentavam no fundão e riam de alguma besteira que algum deles tinha falado. Sobre
futebol, claro, porque era o único assunto do qual eles entendiam alguma coisa a ponto de rirem de alguma piada a
respeito.
Eu particularmente não via nada de mais nessa srta. Keaton. Por mais que ela fosse linda e aparentemente simpática,
alguma coisa nela me incomodava. Fora o fato de que ela podia ter o sr. Finatto ajoelhado aos seus pés quando quisesse.
Não sei, meu santo não batia muito com o dela, acho que era isso.
- Com licença, Keaton – ouvi uma voz conhecida falar da porta, e quando ergui meu olhar da folha, dei de cara com o último
professor que queria ver.
- Entra, Mendes – ela sorriu, toda gentil, e ele logo caminhou até ela, ficando de frente pra classe.
- Eu tenho um recado pra dar – ele disse, e todos pararam de copiar pra ouvi-lo (menos eu) – Os alunos que estão de
recuperação em biologia laboratório farão a prova na última aula de hoje. Procurem o professor Turner e façam a prova na
classe onde ele estiver.
Quando ergui meu olhar pra lousa, tentando continuar copiando sem ligar pra ninguém ao meu redor, notei que todos me
olhavam. Lancei olhares incomodados pro lado, e encarei o professor Mendes, que devolvia meu olhar de um jeito furioso.
Sua camiseta branca meio colada ao corpo me distraiu por alguns milésimos de segundo, até que eu bati os olhos em seu
antebraço. Havia um curativo nele, bem onde eu o tinha machucado com a caneta ontem. Fiz aquela legítima cara
disfarçada de ‘se fodeu’, e comecei a balançar uma caneta entre meus dedos, num sinal claro de que se ele resolvesse
aprontar alguma, eu ainda tinha várias canetas de ponta fina pra enfiar onde eu bem entendesse nele.
Captando a mensagem, ele logo tratou de sair da classe, agradecendo a professora Keaton. Segurei muito uma gargalhada
e continuei copiando, com um sorriso maligno no rosto. Canetas de ponta fina eram ótimas aliadas na luta contra
professores desagradáveis, dica.
Naquele dia, fiz a prova de recuperação na aula do Turner, nosso professor de história, sem problemas. Como a sala em que
ele estava ficava no quinto andar, resolvi chamar o elevador pra descer e ir embora. Pode me chamar de sedentária, eu
deixo. Assim que o elevador chegou e a porta se abriu, dei de cara com a cena mais confusa do meu dia. O sr. Finatto
conversava e ria animadamente com o professor Mendes dentro do elevador, e assim que me viram, pararam de falar. Cada
um teve uma reação diferente: o sr. Finatto sorriu, parecendo feliz em me ver; já o Mendes abaixou seu olhar de um jeito
irritado pro chão e logo depois passou a fitar seu relógio, fingindo interesse nele.
- Bom dia, Freitas – o professor Finatto cumprimentou, e se não fosse por aquele sorriso dele, eu não teria entrado naquele
elevador. É meio perigoso entrar num cubículo com um professor que te adora e outro que te odeia, ainda mais quando não
se tem uma câmera filmando tudo.
- Bom dia, professor – sorri, meio nervosa, parando entre os dois e notando que havia dois botões iluminados no painel, um
indicando o sétimo andar e o outro indicando o térreo. Acho que nunca torci tanto pra ficar sozinha com o sr. Finatto, e olha
que superar todas as vezes em que desejei isso era muito. Agora que já estava lá dentro, era esperar pra ver quem me
acompanharia até o térreo. E talvez agüentar alguns segundos a menos de um metro de distância de um certo professor
idiota durante o trajeto.
O elevador subiu, e quando as portas se abriram no sétimo andar, quase me agarrei no braço dele quando o sr. Finatto deu
um passo em direção à porta. E só pra melhorar, não havia ninguém esperando pra entrar e me salvar daquele martírio.
- O que o senhor vai fazer aqui, professor? – perguntei, tentando disfarçar meu nervosismo.
- Eu marquei uma reunião com a professora Keaton sobre um projeto interdisciplinar pro segundo ano – ele sorriu,
parecendo bastante empolgado e me deixando mais brava ainda – Até mais, Freitas. E não esquece de me trazer aquele
documentário amanhã, Mendes.
- Pode deixar, Finatto – ouvi o professor Mendes dizer, sem emoção na voz, e logo depois a porta se fechou, me deixando
sozinha com ele. Pensei em apertar um botão qualquer e parar em algum andar pra fugir daquele ambiente perigoso, mas
assim que minha mão avançou na direção do painel, ele segurou meu braço com força e me puxou num movimento brusco.
- O que é isso? – quase gritei, quando ele segurou meu outro pulso e me prensou na parede – Me larga!
- Cala a boca – ele murmurou, e sem aviso, me beijou. Tentei me desvencilhar dele e não o deixar aprofundar o beijo, mas
a pressão que ele fazia contra meus lábios era tão forte a ponto de fazer minha boca latejar. Mesmo me esforçando ao
máximo pra não deixar que aquilo passasse de um selinho indesejado, senti meus músculos cederem à pressão que ele
exercia e abrirem passagem pra sua língua.
Eu me debatia desesperadamente, tentando dar uma joelhada em suas partes ou então mordendo seu lábio, mas ele estava
tão colado em mim que eu mal conseguia mexer qualquer músculo. Tentei gritar, mas abrir a boca pra emitir algum som só
piorou minha situação. Olhei pro painel do elevador e vi que ainda estávamos no quarto andar. Sem nenhuma chance de
defesa, o único jeito seria continuar me debatendo até machucá-lo de alguma forma ou fazê-lo desistir.
Lentamente, ele foi escorregando suas mãos, trazendo meus pulsos junto, até colar meus braços ao lado do meu corpo.
Continuou me segurando firme, e me beijando intensamente. Seus músculos evidenciados pela blusa justa que ele usava se
contraíam, muito próximos do meu tronco, e por pior que a situação fosse, era inegável concluir que ele estava em
excelente forma física. Quando olhei para o painel e vi que estávamos no segundo andar, ele abriu os olhos e encarou os
meus, ainda me beijando. Uma sensação esquisita percorreu meu corpo quando nossos olhares tão próximos se
encontraram, o que só me deixou mais trêmula.
Ele partiu o beijo, puxando meu lábio inferior devagar, e se afastou, ainda com aquele olhar intenso fixo no meu. A porta do
elevador se abriu, chegando ao térreo lotado de gente, e sem dizer uma palavra, ele enxugou a boca com as costas de uma
mão e saiu andando, como se nada tivesse acontecido. Incapaz de me mexer por algum motivo desconhecido, fiquei
encostada na parede do elevador, tremendo da cabeça aos pés e com o coração acelerado. De susto e indignação, é claro,
afinal não é todo dia que o professor que você mais odeia te beija no elevador.
- Leeh? – ouvi a voz de Vanessa me chamar, não sei quanto tempo depois, e quando olhei na direção da porta, a vi parada
com um olhar preocupado – Você tá pálida, o que houve?
- N-nada, s-só uma tontura – gaguejei, com a voz falha, e torcendo pra que minhas pernas bambas me agüentassem, saí do
elevador – Vamos, minha mãe já deve estar me esperando.
Vanessa não fez mais perguntas, apesar de não ter acreditado totalmente na minha resposta, e me acompanhou até a
saída. Durante o dia inteiro, a lembrança daquele beijo e daquela sensação esquisita me assombrou, e à noite, o sono
demorou a chegar. Eu me revirava na cama, tentando afastar os olhos do professor Mendes dos meus pensamentos, até
acabar pegando no sono.

- Hoje você tem aula com o Finatto? – Vanessa perguntou, enquanto subíamos as escadas pra chegar às nossas classes.
- Tenho, por quê? – perguntei, distraída ouvindo música, ou pelo menos tentando. Só de me lembrar das aulas que eu teria
hoje, meu estômago revirava. Fazia exatamente seis dias que eu não via nem sombra do Mendes, e hoje eu teria a última
aula com ele. Um calafrio percorreu minha espinha, mas eu fingi que nada tinha acontecido e continuei cantarolando a
música que tocava no meu iPod.
- Por que você não fala com ele de novo sobre o professor Mendes? – ela sugeriu, solidária – Sei lá, de repente ele resolve
te ajudar dessa vez.
- Ele vai me ajudar como, falando pro Mendes que eu fui lá pedir ajuda pra ele? – retruquei, balançando negativamente a
cabeça – Não vou falar nada, não quero meter mais ninguém nisso. Vai que o Mendes inventa alguma besteira sobre mim e
até o Finatto começa a me dar C de média.
- Bom, você que sabe – Vanessa encerrou, derrotada – Eu falaria com o Finatto de novo depois de receber aquela prova de
recuperação com um C gigante e injusto, mas a decisão é sua.
- Eu vou pensar no que vou fazer – suspirei, entrando na classe enquanto Vanessa entrava na classe ao lado. Até o ano
passado, ela era da minha classe, mas nesse ano a diretora aprontou alguma com as re-matrículas e ela acabou caindo
numa classe separada. Estávamos tentando fazê-la mudar de classe, mas aquela joça de diretora de alguma maneira estava
implicando com a gente. Pode parecer exagero, mas o mundo parece conspirar contra mim às vezes.
Como nas três primeiras aulas os professores resolveram passar muita matéria, nem tive muito tempo de pensar em nada.
Durante o intervalo, eu e Vanessa nem conversamos direito, porque enquanto eu ouvia música no volume máximo, ela
estudava química. Perdida em pensamentos, logo voltei à realidade quando novamente vi o sr. Finatto conversando com o
professor Mendes na porta da sala dos professores, super empolgados. Os dois riam e gesticulavam, e o sr. Finatto dava
cada gargalhada divertida que me dava vontade de rir junto só de olhar.
Mas apesar de sentir meu coração acelerar ao ver o professor Finatto, olhar pro Mendes pela primeira vez depois do
incidente no elevador me deu um aperto no peito. Ele estava com uma blusa social roxa escura lisa, uma calça jeans preta
justa e um All Star da mesma cor. Enquanto ele caminhava lentamente em direção à cantina, ainda conversando, uma
pergunta passava pela minha cabeça. Como eu nunca tinha reparado em como ele era bonito? Consideravelmente alto,
corpo bem definido, cabelos bagunçados de um jeito atraente... É, talvez eu estivesse ocupada demais copiando relatórios
ou então odiando seu jeito de ser pra prestar atenção em sua aparência. Mas mesmo sendo lindo, nada me faria sentir algo
bom por ele. Nada mesmo.
Senti Vanessa me cutucar, e tirei os fones do iPod, acordando pra vida.
– Vamos, o sinal já tocou e eu tenho prova agora – ela disse, fazendo uma careta entediada.
- E eu tenho aula do Hammings – resmunguei pra mim mesma enquanto me levantava, tensa por causa das aulas de
biologia que se aproximavam cada vez mais. Por que todos os professores não podiam ser fisicamente iguais ao meu
querido professor de geografia, feios, balofos e calvos? Não ser obrigada a ver meu professor infinitamente insuportável e
igualmente sexy usando calças justas facilitaria muito a minha vida.
- Bom dia, classe – o sr. Finatto sorriu, parando na porta da classe enquanto eu ainda terminava de copiar a matéria de
geografia da lousa – Hoje nossa aula será um pouco diferente.
Na mesma hora, todas as cabecinhas que estavam na classe se viraram pra ele. Quando algum professor dizia que a aula
seria ‘diferente’, era porque sairíamos da classe ou algo do tipo, o que era bem raro. Com um sorriso sapeca no rosto, o
professor Finatto continuou:
- Nós iremos ao anfiteatro assistir a um documentário bem interessante que o professor Mendes me emprestou.
Sem precisar dizer mais nada, todos os alunos começaram a se amontoar ao redor da porta, empolgados com a simples
idéia de sair daquela classe monótona. Eu apenas segui o fluxo calmamente, dando um tchauzinho ao passar pela classe de
Vanessa e vê-la tranqüila entregando a prova de química. Pra variar, ela parecia ter ido bem.
Chegamos ao anfiteatro, que ficava no quarto andar, e logo todos ocuparam as poltronas mais próximas da tela, que
abrangia uma parede inteira. Pra evitar que os retardados mentais da minha classe atrapalhassem minha concentração com
seus comentários desnecessários, me sentei mais pro fundo, literalmente excluída de todos. Tudo que eu queria era tentar
prestar atenção no documentário em paz, afinal, eu já estava me sentindo bastante confusa sozinha e não precisava de
mais ninguém me perturbando.
O sr. Finatto colocou o documentário no DVD e apagou as luzes, nos deixando no escuro quase total. Meus olhos, ainda
desacostumados à escuridão, estavam fixos na tela, então eu acho que dá pra entender porque eu quase morri de susto ao
sentir alguém sentar ao meu lado.
- Posso me sentar aqui? – ouvi o professor Finatto sussurrar, já sentado. Até parece que ele sabia que não precisava pedir
permissão pra nada quando a pessoa em questão era eu.
- Claro – respondi baixinho, inspirando seu perfume gostoso.
– Não gosta de sentar mais pra frente? – ele perguntou, com o rosto parcialmente iluminado pela luz do telão.
- Não muito, eu acabo não conseguindo prestar atenção com muita gente falando em volta – murmurei, com um sorrisinho
simpático – E o senhor?
Ele soltou uma risadinha sem graça e fez uma careta, como se estivesse desconcertado.
- Nem é muito por isso... – ele respondeu, sorrindo de um jeito envergonhado - Eu vim sentar aqui pra fazer companhia pra
você.
- Companhia pra mim? – repeti, tentando disfarçar minha vontade de abraçá-lo até cansar – Não precisa sentar aqui só por
minha causa, professor. Eu tô acostumada a ficar sozinha.
Observação: o homem inalcançável de quem eu era super a fim tava dizendo que queria me fazer companhia, e o que eu
fazia? Repelia o cara. Eu não mereço viver.
- Mas não devia, Freitas – ele murmurou, com a voz um pouco chateada – Eu não gosto de te ver sozinha na classe, sempre
copiando a matéria de geografia. Às vezes eu acho que as pessoas da sua classe não te dão o devido valor... Nunca
tentaram descobrir o quão interessante você pode ser.
A cada palavra, o professor Finatto me deixava mais encantada. Era sempre comovente ouvir uma pessoa dizer algo tão
bonito sobre você, daquele jeito sincero, ainda mais se essa pessoa for tão especial como ele era pra mim.
- O senhor acha isso mesmo? – sussurrei, sorrindo esperançosamente. Ele sorriu de volta de um jeito fofo e assentiu.
- Eu acho – ele disse, baixinho, e pegou minha mão que estava apoiada no braço da poltrona – Você é uma garota incrível,
Freitas. De verdade.
Abaixei meu olhar pras nossas mãos juntas, toda arrepiada. Era mesmo verdade? Ele estava segurando minha mão? Ele
olhou na mesma direção que eu, e colocou sua mão por baixo da minha, com a palma pra cima, entrelaçando nossos dedos.
- Obrigada, professor – eu gaguejei, com a voz quase inaudível, e ergui meu olhar pra ele – Eu também acho o senhor um
homem incrível.
Sua mão era quase o dobro da minha em tamanho, macia e quentinha. Talvez a mão mais gostosa de segurar no mundo.
Com um sorrisinho adolescente, o sr. Finatto voltou a me encarar, com seus olhos castanhos escuros brilhando muito em
meio à escuridão, e eu percebi que seu rosto se aproximava do meu devagar. Fiquei séria, com medo de alguém olhar pra
trás e nos ver, mas ele colocou uma mão em meu rosto, como se me impedisse de virar e checar essa possibilidade.
- Eu já tomei esse cuidado, pode ficar tranqüila – ele sorriu, acariciando minha bochecha com seu polegar. Sorri também,
com o coração acelerado. Milhares de coisas passavam pela minha cabeça. Eu estava prestes a ser beijada pelo professor
que eu mais admirava nesse mundo. O cara mais perfeito que eu já tinha conhecido, que nunca mostrou um defeito sequer
durante os três anos em que me deu aula. E que era treze anos mais velho que eu.
Mesmo com tantos conflitos, apenas fechei os olhos e deixei as preocupações de lado. Nossos lábios se tocaram e eu logo
permiti que ele aprofundasse o beijo, brincando calma e intensamente com a minha língua. Deslizei minha mão pelo ombro
dele na direção da nuca, quase prensada entre o encosto da cadeira e seu rosto, e embrenhei meus dedos naqueles cabelos
macios. Leandro (acho que agora tenho intimidade suficiente pra chamá-lo pelo nome, certo?) apertou com mais força a
minha mão, me fazendo sorrir. Logo ele partiu o beijo, deixando seu rosto próximo do meu e me encarando de um jeito
bonitinho.
- Acho melhor te emprestar esse documentário pra você ver em casa – ele riu baixinho, e eu assenti, ainda assimilando tudo
que tinha acontecido. Durante o filme todo, nós ficamos de mãos dadas disfarçadamente, até que o documentário acabou e
ele se levantou para acender as luzes. Várias pessoas, incluindo Amy Houston, acordaram assustadas com a claridade
repentina.
- Até mais, professor – sorri, tentando não dar bandeira do que tinha acontecido quando ia passar pela porta, mas ele logo
fez uma cara meio brava e disse:
- Espera, Freitas, eu preciso conversar sobre um assunto sério com você.
Engoli em seco, nervosa, e esperei até que o anfiteatro estivesse vazio.
- O que foi? – perguntei, confusa, enquanto ele nos fechava lá dentro, e recebi um beijo como resposta. Leandro me
abraçou pela cintura, me puxando pra bem perto dele com vontade, e eu passei meus braços por seu pescoço, ainda
surpresa com aquela atitude inesperada. Ele me levantou do chão, sorrindo durante o beijo, e eu segurei firme em seus
ombros deliciosos. Eu só podia estar sonhando, não era realmente possível eu estar beijando Leandro Finatto, o homem
mais perfeito da face da Terra. Ele desacelerou o beijo após alguns maravilhosos minutos, transformando-o em vários
selinhos, até que parou de me beijar e ficou me olhando, ainda sem me deixar tocar o chão.
- Desculpa, eu vou fazer você se atrasar pra próxima aula – ele disse, alarmado, acordando do transe e parando de me
segurar como se estivesse fazendo algo proibido (e se formos pensar bem, estava mesmo).
- Tudo bem, eu não me importo – sorri, ainda abraçando-o pelo pescoço – Não acho que vá conseguir prestar atenção em
alguma coisa hoje depois disso tudo.
- Pelo menos você tem a opção de não prestar atenção – ele riu, com seus braços firmes ao redor da minha cintura – E eu,
que tenho que estar sempre concentrado no que vou explicar? Tô ferrado hoje!
- Imagina, o senhor sempre consegue explicar tudo direitinho – eu respondi, ainda sorrindo de um jeito besta ao observá-lo
– E além do mais, o senhor deve estar acostumado com esse tipo de coisa.
- Esse tipo de coisa? – ele repetiu, com um sorriso curioso no rosto – Você quer dizer que eu tô acostumado a beijar alunas?
Fiquei séria, sem saber o que responder por alguns segundos, até acabar confessando:
- E não é verdade?
O sr. Finatto fez uma cara surpresa e riu, jogando a cabeça pra trás. Eu já disse que adorava quando ele fazia isso? Pois é,
descobri que essa risada conseguia ser ainda melhor quando meus braços estavam ao redor do pescoço dele.
- Quem tá acostumado a esse tipo de coisa é o Mendes – ele falou, fazendo cara de quem não aprovava muito esse
comportamento, e na mesma hora minha expressão ficou séria – Que por sinal, já deve ter começado a aula sem você a
uma hora dessas.
Só de lembrar que Igor Mendes existia, meu estômago deu uma fisgada. Revirei os olhos, tentando parecer inconformada
por ter que desfazer aquele abraço gostoso, e não assustada por pensar em estar a menos de 50 metros de distância do
Mendes.
- Ei, escuta – ele sussurrou, me puxando pra trás da porta que ele mesmo tinha acabado de abrir – Vê se faz uma cara bem
séria quando sair daqui, como se eu tivesse te dado uma bronca ou algo do tipo. Vai parecer que eu realmente conversei
sobre algo sério com você quando seus amigos te virem.
Gente, pega só o sr. Finatto todo maroto! Que lindo, meu Deus, ele realmente conseguia se superar com aquele sorrisinho
danado no rosto.
- Pode deixar – sorri, tentando não voar nele e fincar minhas unhas naqueles ombrinhos divinos.
- Eu te procuro amanhã pra gente... Conversar – ele murmurou, aumentando aquele sorriso daqueles que iluminavam o
meu dia, e me deu um selinho demorado antes de me deixar sair do anfiteatro. Pra mais uma aula de sofrimento com o
professor Mendes, que hoje não conseguiria tirar meu bom humor por nada nesse mundo.

Capítulo 03

- Com licença, professor – eu falei, interrompendo a explicação do Mendes ao abrir a porta do laboratório. Ele apenas parou
de falar e me olhou de cima a baixo, com uma cara de desprezo, erguendo uma sobrancelha.
- Como eu estava dizendo, o relatório de hoje deverá ser entregue na próxima aula, porque a última parte dele deverá ser
entregue em forma de pesquisa – ele continuou, um pouco irritado. Nem preciso dizer que a Smithers ficou me medindo
desde que eu fechei a porta do laboratório até quando eu me sentei num dos bancos. Tadinha, ela pensa que aquele
canalha dá a mínima pra ela. Tenho pena dessas pobres meninas iludidas.
O professor Mendes logo terminou de explicar, sem dirigir um olhar sequer na minha direção, e foi se sentar em sua cadeira.
Geralmente ele colocava os pés sobre a mesa e ficava de braços cruzados, apenas nos observando com seu risinho
debochado, mas hoje ele parecia preocupado com alguma coisa. Ele não deixou de se sentar daquele seu jeito folgado, mas
sua expressão estava fechada e o olhar perdido vagamente entre os alunos. Não que eu estivesse reparando nele nem
nada, eu só notei esse comportamento estranho porque passei metade da aula sonhando acordada com tudo que tinha
acontecido entre eu e o sr. Finatto e conseqüentemente acabava observando as pessoas ao meu redor mais do que de
costume. Meu coração ainda estava acelerado e minhas pernas estavam bambas só de lembrar dele me levantando do chão
e me abraçando tão apertado.
Durante mais uma de minhas viagens pelo interior do meu cérebro, me peguei observando o professor Mendes. Meus olhos
viajavam pelo seu rosto, analisando cada detalhe, até que ele retribuiu meu olhar de um jeito incomodado, como se tivesse
notado que eu o observava há algum tempo. Arregalei meus olhos, surpresa comigo mesma, e continuei copiando o
relatório da lousa evitando ao máximo aproximar meu olhar dele. Por que toda vez que ele me olhava agora eu sentia um
calafrio? Assim que ele me olhou de volta, me lembrei do beijo no elevador, e do quão tenso foi aquele último olhar. Talvez
fosse medo de que ele pudesse me atacar de novo a qualquer momento ou algo do tipo.
A aula rapidamente acabou, e como eu tinha chegado um pouco mais tarde ao laboratório, estava igualmente atrasada na
cópia da lousa em relação ao resto da classe. Resumindo, enquanto todos iam embora, eu ainda estava copiando o relatório,
com as mãos trêmulas. Experimenta beijar seu professor lindo, maravilhoso e inalcançável e depois copiar uma folha inteira
de lição pra você entender o que eu passei.
Quando todos já tinham saído, vi de rabo de olho que o professor Mendes me encarava. Tentei me apressar, mas tudo que
consegui foi pular uma palavra e ser obrigada a passar corretivo na folha. Enquanto eu soprava o líquido pra que ele secasse
logo, pude ouvi-lo bufar e se levantar, caminhando lentamente até a janela e observando o exterior do prédio com a testa
franzida. E foi aí que eu percebi que meu sopro ficou mais fraco quando meus olhos sem querer se fixaram na bunda dele.
O que estava acontecendo comigo? Por que esquentou de repente?
- Perdeu alguma coisa, Freitas? – ouvi a voz dele reclamar, e rapidamente ergui meu olhar até encontrar seu rosto, ainda
virado pra janela. Com a maior cara de ânus, abri a boca várias vezes na tentativa de dizer algo, mas como nada saiu,
apenas voltei a copiar. Ele soltou um risinho debochado e começou a balançar a cabeça negativamente.
- Num dia ela enfia uma caneta no meu braço, no outro ela fica secando a minha bunda – ele disse, e eu voltei a copiar pra
não deixá-lo ver minha cara roxa de vergonha - Afinal de contas, o que você quer?
O sr. Mendes virou seu rosto na minha direção, e me encarou de um jeito impaciente. Eu soube bem o que dizer, apesar de
ter sido pega de surpresa por ele ter tocado no assunto tão repentinamente.
- O que eu quero? Engraçado, o senhor só menciona as partes que lhe convêm. Por que não mencionou também o dia em
que me agarrou dentro do elevador contra a minha vontade? – respondi, frisando bem a última parte e olhando-o com raiva.
- Não diga como se eu fosse o vilão da história, se não tivesse gostado teria dado um jeito de me afastar – ele riu, vitorioso,
cruzando os braços e exibindo uma pequena cicatriz circular onde eu o havia machucado. Sem um pingo de pena, revirei os
olhos e comecei a copiar a última questão, doida pra sair dali e quem sabe encontrar o sr. Finatto na saída.
- Eu não vou discutir um absurdo desses – retruquei, possessa – Se o senhor prefere achar que me ganhou com aquele
abuso, não vou destruir seus sonhos.
- Quem tá sonhando aqui é você, garota – ele falou, parecendo ainda mais bravo (o que só me deixou mais satisfeita) – Se
tá achando que eu vou ficar correndo atrás de você, pode ir tirando o cavalinho da chuva. Eu já consegui o que queria,
agora é só te jogar fora e investir em outra.
Terminei de escrever a última palavra do relatório quando ele acabou de falar, e ergui meu olhar da folha pra ele. Com a
frase perfeita pronta e na ponta da língua, apenas guardei minhas coisas e fui até ele, parando bem à sua frente. Sem
mudar de expressão, ele me encarava avidamente, com um misto de raiva e algo mais brilhando em seus olhos. Dei mais
um passo a frente, ficando perigosamente perto dele, e quando faltava apenas um centímetro pra que nossos lábios se
encostassem, percebi que seus olhos não o obedeciam mais e fitavam meus lábios com um desejo imenso.
- Ótimo – sussurrei, sorrindo perversamente – Me jogar fora e investir em outra é um favor que você me faz.
O olhar confuso do professor Mendes se ergueu até encontrar o meu, e sem dizer mais nada, me afastei dele e saí do
laboratório, ainda mais feliz do que tinha entrado.

- Por que você demorou tanto pra sair da escola ontem? – Vanessa perguntou, batendo o pé junto com a bateria da música
enquanto ouvíamos música no volume máximo do meu iPod.
- Cheguei atrasada na aula do Mendes e não consegui terminar de copiar o relatório antes do sinal tocar – respondi,
disfarçando um sorriso maligno – Você sabe que eu tenho problemas pra decifrar a caligrafia dos professores.
Estávamos sentadas no chão do pátio do colégio, de frente pra porta por onde entraríamos logo e começaríamos mais um
dia de aula. Faltavam apenas dez minutos pra que o sinal tocasse e as portas das classes fossem abertas, mas ainda assim a
escola estava praticamente deserta.
Olhei na direção da rua, refletindo sobre o dia anterior enquanto Vanessa falava alguma coisa sobre a prova de química.
Como duas pessoas podiam influenciar tanto meu humor de formas tão diferentes? Primeiro o sr. Finatto, todo carinhoso,
perfeito e maravilhoso. Depois, o sr. Mendes, totalmente idiota, ridículo e frouxo. E o mais curioso de tudo, eles eram
amigos! Essa vai pra minha lista de mistérios da humanidade que eu adoraria desvendar.
Enquanto observava os poucos carros que passavam em frente à escola, um suéter verde musgo ambulante chamou minha
atenção. Ergui meu olhar na direção do rosto da pessoa que caminhava escola adentro, e me deparei com um par de olhos
castanhos escuros me olhando. Sorri de leve, doida pra agarrá-lo ali mesmo como sempre. Aquela blusa verde era um
clássico no guarda-roupa dele, todas as vezes que eu o via usando aquele suéter, era tentação na certa. Deus, eu realmente
amava cada detalhe naquele homem.
- Bom dia, meninas – o sr. Finatto sorriu ao passar por nós, carregando mil pastas cheias de papéis e uma mochila que
provavelmente continha mais pastas iguais às outras. Tenho certeza de que Vanessa não notou nada de especial naquele
sorriso, mas eu o vi de um jeito totalmente diferente.
- Bom dia, professor – respondemos, em uníssono, o que só fez aquele sorriso aumentar. O sr. Finatto continuou a andar
normalmente em direção à sala dos professores, e eu o segui com o olhar disfarçadamente. Oi, como você consegue ser tão
gostoso aos 30 anos de idade? Não posso esquecer de perguntar isso a ele um dia.
- Você tem razão – Vanessa disse, e eu mais que depressa parei de secar o sr. Finatto para olhá-la. Fiz cara de pastel de
vento e ela completou a frase – Ele é lindo demais.
Não deu pra não rir daquele comentário, ainda mais com os recentes acontecimentos.
- Pois é, minha cara – suspirei, assentindo devagar – Ele é simplesmente perfeito.
Vanessa também suspirou e começou a observar a rua vagamente. Sem vergonha, logo voltei a encarar o sr. Finatto, que
havia parado em frente à sala dos professores pra conversar com uma coisa loura, alta e magra que atendia pelo nome de
Miranda Keaton. Eu ainda acertava minhas contas com aquela lambisgóia oxigenada um dia, pode apostar.
- Segura a emoção aí, Leeh – ouvi Vanessa rir disfarçadamente, abaixando seu olhar pra disfarçar ainda mais o riso – Sua
alma gêmea tá chegando.
Franzi a testa, sem entender, e me virei na direção da saída do colégio. Dei de cara com o professor Mendes chegando, com
a maior cara de sono e os cabelos despenteados de um jeito proposital. E atraente, pro meu desgosto.
- Não sei por que eu fui olhar, eu já devia saber que era ele – resmunguei, revirando os olhos e olhando rapidamente pra
porta da sala dos professores, agora sem ninguém ao seu redor. Beleza, o sr. Finatto e a srta. Keaton já deviam estar no
banheiro mais próximo dando sua rapidinha matinal. E eu ali, perdendo meu tempo observando o contorno dos ombros do
sr. Mendes, realçados pela blusa pólo azul marinho que ele usava.
Espera aí. Credo, que nojo! Por que eu agora estava com a péssima mania de ficar observando os detalhes daquele verme?
Tudo bem que eu adoro ombros masculinos (não só ombros, mas isso não vem ao caso), mas ficar olhando os do Mendes já
era desespero demais! Nota mental: evitar encarar qualquer parte do corpo daquele exu.
- Nem bom dia ele dá – Vanessa comentou, medindo-o de cima a baixo quando ele já tinha passado por nós – Dá pra
entender totalmente por que você o odeia tanto.
- Eu odiá-lo tanto tá beleza, agora ele me odiar também é péssimo pra minha nota – bufei, fazendo uma careta – Mas eu
não ligo, prefiro ir mal a ter qualquer tipo de simpatia com esse crápula.
- Fala, Mendes – ouvi uma voz conhecida dizer, e vi o sr. Finatto surgir do nada com a srta. Keaton.
- Oi, Didi – o sr. Mendes resmungou, parecendo indisposto. Provavelmente tinha comido alguma aluna do primeiro ano e
como ela não devia saber nem beijar, não foi bom e ele ficou de mau humor. Idiota, quem ele pensava que era pra
chamá-lo de Didi? Ele não merecia aquela intimidade toda!
- Não esqueceu o futebol com o terceiro ano depois da aula, né? – Didi (se o Mendes podia, eu também podia) perguntou,
como se já previsse a careta que o amigo fez.
- Totalmente – ele respondeu, batendo com a palma da mão na própria testa – Se bem que eu não ia jogar de qualquer
jeito, não dormi nada essa noite.
Os dois entraram na sala dos professores rindo, e não deu pra ouvir mais nada. O sinal tocou, e logo eu e Vanessa subimos,
ainda comentando sobre o belo físico do professor Finatto. Bem que eu quis contar tudo pra ela, mas fiquei com medo e
achei melhor as coisas se firmarem um pouco mais. Por mim, eu casava com ele sem pensar duas vezes, mas eu acho que
uma proposta de casamento seria um pouco assustadora pra ele.
As duas primeiras aulas se arrastaram lentamente, sem muitas novidades. Dei graças a Deus quando a professora de física
saiu da classe. Aulas duplas me entediavam demais, fato. Nosso professor de história logo chegou e como era dia de prova,
já foi entregando as avaliações para os alunos. Beleza, só questões de múltipla escolha, ia ser fácil. O legal do sr. Turner era
que ele facilitava as coisas no primeiro bimestre e ia dificultando conforme o tempo passava, nos dando a oportunidade de
já passarmos de ano sem precisarmos estudar muito a parte mais difícil da matéria. Afinal, quem em sã consciência leva os
estudos a sério no quarto bimestre se já fechou no terceiro? É, até que o sr. Turner era legalzinho, se não usasse tantas
palavras difíceis e transpirasse menos.
Em menos de dez minutos eu terminei a prova, com a certeza de que tinha ido bem. Todo mundo ia bem nas provas dele,
porque ele praticamente colocava as respostas no enunciado da pergunta. Sem a mínima vontade de ficar sentada por mais
de meia hora naquela classe, pedi pra ir ao banheiro, pra ver se o tempo passava mais rápido, e o professor apenas assentiu
pra mim, atento aos alunos do fundo que não se cansavam de pedir e passar cola. Bando de burros, francamente.
Caminhei lentamente pelo corredor na direção do banheiro, soltando um bocejo e me espreguiçando preguiçosamente.
Passei pela classe de Nyks, que estava com a porta fechada, e pela classe ao lado da dela, que estava aberta, mas vazia.
- Ei, Freitas – ouvi alguém sussurrar assim que entrei no banheiro, e coloquei a cabeça pra fora pra ver quem era. Uma
coisa verde e sexy parada na porta do banheiro masculino, que ficava logo ao lado do feminino, sorria pra mim, fazendo
meu coração acelerar. Homens como o sr. Finatto não podiam aparecer assim de repente, era beleza demais pra se
assimilar tão depressa.
- Oi, professor – sorri de volta, tentando parecer menos promíscua do que eu realmente era quando o cara em questão era
ele.
- Tem um minutinho? – Didi murmurou, com um sorriso perfeito no rosto. Ele devia entrar no Guinness Book como o sorriso
mais charmoso do mundo, dica. Assenti, olhando pros lados pra ver se alguém estava vindo, mas o corredor estava
realmente deserto.
Didi me puxou pela mão até a sala vazia, e fechou a porta atrás de nós. Quando ele se virou pra mim e me encarou, tudo
que eu pensava em dizer simplesmente sumiu. Eu sempre ficava meio retardada quando ele me olhava, ainda mais agora
que seu olhar parecia muito mais íntimo do que das outras vezes.
- Eu te chamei aqui porque queria conversar sobre ontem – ele falou, se aproximando com as mãos nos bolsos da calça
jeans larga e uma expressão misteriosa – Mas eu mudei de idéia.
Me assustei com o que ele disse. Mudou de idéia? O que ele quis dizer com aquilo? Eu beijava tão mal pra fazê-lo desistir de
mim em um dia?
- C-como assim? – gaguejei, numa tentativa desesperada de disfarçar meu pânico. Totalmente em vão, claro, meu pavor
tava na cara.
O sr. Finatto não disse nada, apenas continuou se aproximando cada vez mais. Quando ele já estava bastante próximo,
envolveu meu rosto com suas mãos, e parou com o corpo bem pertinho do meu. Se ele não estivesse segurando meu rosto,
acho que teria desmaiado assim que seu perfume encheu meus pulmões.
- Eu descobri que te beijar é muito melhor que qualquer conversa – ele murmurou, abrindo um sorriso lindo, e tudo que tive
tempo de fazer foi também sorrir, aliviada, antes de sentir seus lábios nos meus. Deslizei minhas mãos pelos ombros dele,
gravando cada toque na minha memória pra jamais esquecer, e o abracei pelo pescoço, puxando-o pra mais perto. Didi
embrenhou uma mão em meus cabelos e escorregou a outra até meu quadril, fazendo qualquer espaço que ainda houvesse
entre nós sumir. Nossas línguas se acariciavam numa sintonia perfeita, como se já fôssemos íntimos há muito tempo,
fazendo meu corpo inteiro formigar.
Aquele sem dúvida foi o melhor beijo da minha vida, com o homem mais perfeito do mundo. Ele conseguia ser firme e
delicado ao mesmo tempo, me segurando perto dele e me provocando sensações novas com o mais sutil dos toques, como
nunca ninguém havia conseguido. Fomos intensificando cada vez mais o beijo a cada segundo, até meus lábios ficarem
dormentes e meu fôlego acabar. Mesmo ofegante, continuei beijando-o com a mesma avidez, sem querer desgrudar dele
nunca mais.
Didi me abraçou pela cintura e me levantou do chão. Acho que ele fazia isso porque eu era relativamente baixinha perto
dele, e quando ele me levantava as coisas ficavam mais fáceis pro seu lado. Sem pensar direito, envolvi sua cintura com
minhas pernas, e ele pareceu gostar da idéia. Cambaleando um pouco enquanto eu bagunçava seu cabelo, ele me sentou
sobre a mesa onde os professores colocavam seu material, me fazendo ficar da sua altura.
Tirei minhas pernas de sua cintura, mas logo senti suas mãos apertarem minhas coxas num pedido mudo pra que eu as
colocasse de volta. Fiz o que ele pediu, ficando perigosamente sem ar, mas sem ligar pra uma besteira como oxigênio numa
hora daquelas. Didi segurava minha cintura com força, me prensando contra seu tronco sem ousar romper o beijo. Acho que
todo aquele desejo reprimido durante três anos estava se revelando ali, e não era só da minha parte.
Sem conseguir mais resistir, passei discretamente minhas mãos por debaixo da barra de seu suéter, tocando a pele quente
de sua barriga. Seus músculos se contraíam a cada toque, assim como os meus reagiram aos toques dele em meus quadris
por debaixo do uniforme. Como se procurasse fôlego naquele beijo, ele me puxou pra mais perto ainda, e eu fiz o mesmo
com minhas pernas, sentindo um volume assustador mais embaixo. Olha só, o homem que já era perfeito tinha acabado de
me mostrar a única qualidade que faltava comprovar.
Senti as mãos de Didi descerem um pouco, alcançando os bolsos de trás da minha calça jeans. Nem liguei, afinal quem tinha
começado com a mão boba fui eu. Mas assim que ele fez menção de colocar as mãos por dentro dos bolsos, Didi partiu o
beijo e ficou me olhando com os olhos levemente arregalados, num misto de surpresa e medo. Ficamos alguns segundos em
silêncio, paralisados, enquanto eu apenas o observava, totalmente confusa.
- Eu acho melhor a gente ir com calma – ele balbuciou, parecendo um pouco desconcertado – Alguém pode nos pegar aqui,
e...
Didi desistiu de continuar falando, com o olhar fixo no meu. Minha vontade foi de dizer que ele podia fazer o que quisesse
comigo, mas ao invés disso, eu apenas falei, com um sorriso compreensivo:
- Tudo bem, professor.
Ele suspirou, olhando pro lado como se estivesse em dúvida. Logo voltou a me olhar, mordendo discretamente seu lábio
inferior, que estava bem vermelho, e disse:
- É que eu nunca fiz isso antes, sabe... Nunca me envolvi tanto assim com uma aluna, tenho medo de ir rápido demais e
acabar te assustando... Entende?
Enquanto falava, Didi fazia carinho em meu rosto e observava cada detalhe dele com insegurança no olhar. Sem reação
diante daquele jeito cuidadoso, apenas assenti devagar, com um sorriso besta no rosto. Ele afastou uma mecha de cabelo
que estava sobre meu olho e sorriu de volta, mais aliviado.
- E agora? – falei, arrumando timidamente o cabelo dele que estava todo bagunçado e fazendo-o fechar os olhos com o
carinho.
- Não faço a menor idéia – ele respondeu, sorrindo de um jeitinho gostoso e lentamente abrindo os olhos – A única coisa
que eu sei é que quero você.
Fiz uma cara involuntária de perplexidade após aquela declaração. Preciso dizer que eu também queria demais aquele cara?
Acho que eu nunca quis tanto alguém como eu o queria, sem mudar nada em sua personalidade e em seu jeito de ser.
Naquele momento eu percebi que realmente amava Leandro Finatto, e que seria capaz de acordar todos os dias ao lado
dele, ouvi-lo rir de qualquer coisa idiota que eu dissesse, observá-lo enquanto ele estivesse distraído vendo TV ou lendo
algum livro, beijá-lo e abraçá-lo a qualquer momento... Resumindo, eu queria aquele homem só pra mim, pra sempre, não
importava se aquilo era errado. Abri um sorriso encantado, com o olhar fixo no dele, e aproximei nossos rostos devagar até
alcançar sua boca e beijá-lo calmamente.
- Não dá pra acreditar nisso tudo, sabia? – murmurei, partindo o beijo e unindo nossas testas – Nunca pensei que um dia eu
estaria beijando o senhor...
- Me chame de ‘você’, pelo amor de Deus – ele interrompeu, erguendo as sobrancelhas – Chega desse ‘senhor’, me sinto um
vovô quando você me chama assim.
- Nunca pensei que um dia eu estaria beijando você – repeti, frisando a última palavra – E te ouvindo dizer coisas assim pra
mim.
- Eu tentei ignorar esse meu interesse por você, eu juro que tentei – Didi falou, acariciando minha cintura enquanto eu
brincava com a gola de seu suéter – Mas ontem eu não agüentei mais me segurar, não sei o que me deu... Tava tudo
escuro, e você totalmente sozinha lá atrás... Eu detesto te ver sozinha na classe, já falei isso.
- Não liga pra essas coisas, eu não faço questão de ser amiga de ninguém daquela classe – sorri, ao ver que ele estava
ficando meio bravo. Didi entortou a boca e me olhou, cedendo logo depois e sorrindo comigo.
- Falando em classe, acho que te roubei de alguma aula – ele lembrou, fazendo uma careta sapeca – Não é melhor você
voltar?
- Infelizmente é – suspirei, triste – O Turner deve estar estranhando minha demora no banheiro.
- É só falar que comeu waffles no café-da-manhã – ele riu, e eu franzi a testa, sem entender – Ele sempre tem dor de
barriga quando come waffles, vai se identificar com o seu sofrimento.
- Bom saber – gargalhei, e ele logo me calou com um beijo caloroso.
- Amanhã eu dou um jeito pra gente se ver – Didi avisou, me abraçando pela cintura e me colocando no chão – Vai lá,
pequena.
Dei um sorriso fofo pra ele, e sem conseguir resistir, puxei-o de novo pra outro beijo. Didi não reclamou, pelo contrário,
pareceu gostar da surpresa. Eu não queria me afastar dos braços daquele homem nunca mais. Era tudo muito lindo pra ser
verdade e eu não queria acordar daquele sonho de jeito nenhum.
- Até amanhã então – murmurei, quando partimos o beijo, e saí da sala sorrateiramente, deixando-o com um sorriso de
orelha a orelha em seu rosto. E no meu também, claro.

Quando voltei pra sala de aula, todo mundo já tinha acabado a prova, e se amontoava sobre a mesa do professor pra vê-lo
corrigir as avaliações. Sem um pingo de interesse em minha nota naquele momento e feliz por conseguir entrar na sala sem
ser notada, apenas me sentei em minha carteira, com o olhar perdido na lousa vazia. Eu ainda conseguia sentir o perfume
dele ao meu redor, como se estivesse impregnado em mim. Seria difícil acalmar meu coração e não pensar naqueles olhos
castanhos escuros, naqueles lábios maravilhosos, naquele corpo divino... Não tinha como não pensar nele.
O sinal logo tocou, anunciando o intervalo, e eu me esforcei pra não sorrir demais enquanto conversava com Vanessa e
descia as escadas rumo ao pátio. Não só pra não dar muita bandeira, mas também porque Didi estava a poucos metros da
gente, descendo lentamente as escadas e conversando animadamente com um inspetor. Eu e Vanessa acabamos
encontrando uma brecha logo à frente, e aceleramos a descida, passando bem perto dele. Meu ombro acabou relando em
seu braço sem querer (tá, nem tão sem querer assim), e ele se virou pra pedir desculpas pelo esbarrão. Assim que nossos
olhares se encontraram, abri um sorriso tímido, enquanto ele apenas disfarçou, e continuamos andando cada um pro seu
canto, como se fôssemos apenas professor e aluna.
- Hoje eu tenho aula com ele e você nã-ão! – Vanessa murmurou, rindo assim que nos afastamos dele – Chupa essa manga,
meu bem.
- Tudo bem, minha aula com ele ainda vai chegar – sorri, me controlando pra não desembuchar tudo - Pena que a aula do
Mendes venha logo depois da dele.
- Também te amo, Freitas – ouvi uma voz masculina dizer bem atrás de mim, e logo vi meu querido professor de biologia
laboratório passar ao meu lado, com um sorrisinho sedutor. Um calafrio percorreu minha espinha ao ouvir sua voz tão perto
de mim do nada, arrepiando meus cabelos da nuca. Tudo que consegui foi fazer uma cara de tacho e continuar andando,
tentando ignorar a presença daquele troglodita.
- Legal, agora ele vai ficar achando que a gente só sabe falar de professores, especialmente dele – Vanessa resmungou,
coberta de razão. Do jeito que o Mendes era, já devia estar se sentindo o rei da cocada preta.
- Não ligo pro que ele acha ou deixa de achar – falei, revirando os olhos com uma certa frustração por ele ter ouvido meu
comentário – Ele é um merda mesmo.
Nos sentamos em qualquer canto da escola, sem muito assunto pra conversar. Na verdade, Vanessa até tentava puxar
conversa, mas eu estava me sentindo tão estranha que minhas respostas eram monossilábicas. Eu estava radiante por tudo
que estava acontecendo entre eu e Didi, mas percebi que bastava ouvir a voz do Mendes que um medo tomava conta de
mim, como se ele pudesse de alguma forma arruinar tudo. Sei lá, eles eram amigos, e essa amizade me perturbava um
pouco. E se ele resolvesse contar ao Didi sobre o beijo no elevador e inventar coisas ruins sobre mim? Pior, e se Didi
acreditasse nele? Pra ter uma relação mais íntima do que o normal comigo, o sr. Finatto devia ter uma confiança
considerável em mim, mas eu não tinha certeza da proximidade dele com o professor Mendes pra me sentir realmente
segura.
- O que deu em você hoje, hein? – ouvi Nyks perguntar, com a voz irritada – Tá tão quieta, tão esquisita... Aconteceu
alguma coisa?
- Não – menti, sorrindo fraco – Tô com um pouco de sono, só isso.
- Se você acha que eu acredito nisso, tudo bem – ela reclamou, erguendo uma sobrancelha. Droga, às vezes eu esqueço
que ela me conhece desde que nasci, ou seja, bem até demais.
- Caramba, já falei que é só sono – repeti, começando a ficar impaciente – Não posso mais ter sono agora?
Vanessa deu de ombros, desistindo, e eu suspirei profundamente. Era um saco ter que mentir pra ela, afinal, a gente
sempre contava tudo uma pra outra, mas eu realmente preferia guardar aquele segredo. Tinha medo do que ela poderia
pensar de mim se soubesse que eu e o Didi estávamos, erm, nos relacionando intimamente.
- Foi mal, tá? – bufei, vendo a tromba que ela tinha feito por causa da minha resposta atravessada – Você sabe que eu com
sono fico a maior grosseirona, ainda mais com você me enchendo de perguntas.
- Se eu não tivesse aula com o Finatto daqui a pouco, não te desculpava, mas como hoje eu tô de bom humor por razões
óbvias, tudo bem – ela sorriu, danada, me fazendo empurrá-la de leve e rir. Sei lá por que eu ri, talvez eu seja estranha
mesmo e goste de ouvir minha melhor amiga dizer que o cara que eu tô pegando a deixa de bom humor. Ou talvez pra
tentar afastar a inútil existência de Igor Mendes da minha memória.

Capítulo 04

Três semanas. Vinte e um dias se passaram desde então. E não houve um dia, fora os fins de semana, em que eu e Didi
não nos encontrássemos. Era incrível como éramos capazes de inventar desculpas tão convincentes pra nos vermos que
ninguém parecia sequer desconfiar do nosso envolvimento. Claro que contávamos com muita sorte também, mas nossa veia
teatral criativa era responsável pela maior parte da discrição.
E o pior de tudo era que durante todos aqueles dias, não tivemos como, erm, avançar o sinal. Não que fôssemos lerdos nem
nada, mas é que ficava complicado fazer alguma coisa além de uns bons amassos no curto tempo que tínhamos, e nos
lugares inapropriados dos quais dispúnhamos. A cada dia que se passava ele dava sinais de que estava se segurando ao
máximo pra não passar para o próximo nível (adoro usar essas expressões, elas me fazem rir), tadinho. E eu também,
afinal, eu tinha 17 anos e estava com os hormônios descontrolados.
E quanto ao Mendes? Graças a Deus, ele pareceu se esquecer de mim. Me tratava com frieza, rispidamente, e não me dirigia
a palavra desnecessariamente. Preciso dizer que minha vida estava uma maravilha com o homem dos meus sonhos do meu
lado, mesmo que ninguém pudesse saber, e de quebra sem aquela peste do Mendes me infernizando?
- Eu tava pensando outro dia – Didi disse, assim que nos cumprimentamos com um caloroso beijo numa sala vazia do
primeiro andar.
- Você pensando? Mas que progresso, parabéns! – brinquei, com os braços ao redor de seu pescoço, sentada de frente pra
ele na mesa do professor.
- Ah, é assim? Então tá bom, não vou mais dizer a coisa super importante que eu ia dizer – ele falou, fazendo cara de
indiferente e virando a cara pra mim.
- Own, desculpa, vai – pedi, fazendo beicinho e tudo - Conta logo, daqui a pouco eu tenho que voltar pra aula senão o
Hammings vai desconfiar.
- Como você fez o milagre de fugir da aula do Hammings? – ele perguntou, impressionado.
- Simples – respondi, com um sorriso esperto - Disse que não estava me sentindo bem e o próprio Hammings sugeriu que
eu fosse até a enfermaria pra ser examinada.
- Sua carinha de dodói deve ter sido bem convincente pra comovê-lo a esse ponto – Didi comentou, ainda perplexo, me
fazendo rir – Pelo visto, você tá virando uma ótima atriz... Preciso começar a tomar cuidado com você.
- Não teve graça – resmunguei, fazendo cara feia, mas não resisti quando ele se aproximou sorrindo pra me dar um beijo
rápido – Falando sério agora, o que você ia contar de tão importante?
Didi suspirou, se preparando psicologicamente, o que me deixou com uma certa ansiedade. Batucando com os dedos
indicadores e médios nos meus quadris enquanto minhas mãos estavam espalmadas em seu peito, ele logo começou a falar,
dizendo cada palavra com cuidado:
- Eu queria te convidar pra ir conhecer o meu apartamento hoje à tarde.
Não sei dizer que cara fiz. Só sei que devo tê-lo assustado, porque vi sua expressão disfarçadamente ansiosa se tornar séria
ao mesmo tempo que meu queixo caiu até meu umbigo.
- Você quer que eu vá pra sua casa... Hoje? – gaguejei, com o coração a mil.
- É – Didi confirmou, desembestando a falar logo depois - Eu pensei que por ser sexta-feira, você não tivesse nada pra
fazer, mas tudo bem se você não puder ou não quiser, não tem problema nenhum, eu não quero te pressionar a fazer nada,
foi só um convite...
- Que horas eu posso chegar? – perguntei, interrompendo seu monólogo com um sorriso esperto. Apesar do nervosismo
disparado pela surpresa, eu não tinha como negar um convite daqueles. Talvez se eu o recusasse, Didi jamais repetiria a
proposta por medo de outro não. Ele me olhou de um jeito confuso, processando o que eu tinha dito, mas logo deu um
sorrisinho de canto.
- Quanto mais cedo, melhor – ele respondeu, parecendo realmente surpreso com a minha resposta – Eu tenho a tarde toda
livre hoje.
- Combinado então – assenti, deslizando minhas mãos pra cima até envolver seu pescoço – É só me dar o endereço e eu
vou.
- Quer que eu vá te buscar na sua casa? – ele sugeriu, fazendo carinho em minha cintura como se fosse super típico um
cara de 30 anos buscar a aluna de 17 na casa dela pra levá-la ao seu apartamento.
- Claro que não, minha mãe teria uma síncope se você aparecesse lá em casa – eu disse, arregalando os olhos - É só dizer
que tô indo pra casa da Vanessa e ela deixa na hora. Nossas mães são amigas, e nós também, então eu vivo indo pra lá.
- Você que sabe – Didi sorriu, e eu pude ver que seus olhos estavam brilhando de animação – Quase desisti de te convidar
com medo de que você não gostasse da idéia.
- E por que eu não gostaria? – falei, sorrindo também – Aliás, quem foi que me disse uma vez que eu deveria pensar menos
e me arriscar mais?
Acho que deu pra sacar que eu amava usar as frases dos outros contra eles mesmos, né? Costumava dar muito certo com
aquela mula do Mendes.
- Não faço idéia - Didi mentiu, dando um sorriso culpado e me puxando pra mais perto dele (se é que dava) – Mas seja
quem for, esse cara merece muito um beijo daqueles bem caprichados.
- Ah, merece, é? – repeti, segurando o riso enquanto ele assentia – Vou pensar no caso dele.
É, não deu tempo de pensar, porque quando vi já estava beijando-o daquele jeito que fazia meu sangue formigar dentro das
veias. Pode me chamar de frouxa, eu não dou a mínima. Eu adorava ser frouxa quando os braços de Leandro Finatto
estavam ao redor da minha cintura.

- O que é, Leila? Pra que essa afobação toda?


- Pára de gordice e vem logo!
Vanessa tinha ido almoçar em casa naquele dia porque a mãe dela tinha um compromisso e não poderia ir buscá-la na
escola. E pelo visto, ela parecia ter adorado a torta de limão que mamãe fez, porque não queria sair da mesa até mandar o
último farelo pro estômago. Eu já estava no meu quarto, chamando-a da porta, e precisei gritar seu nome umas vinte vezes
pra finalmente ser atendida.
- Não vem me chamar de gorda porque todas as suas roupas servem em mim, tá? – ela reclamou, quando finalmente
entrou no meu quarto e eu fechei a porta.
- Então somos duas gordas – brinquei, sem muito tempo pra rir. Afinal, eu tinha um compromisso importante hoje.
- Que agonia é essa, hein, Leeh? – Vanessa perguntou, franzindo a testa enquanto sentávamos na cama – Tá toda agitada,
parece que sentou no formigueiro.
- Eu já falei que o seu senso de humor me deprime? – eu disse, fazendo-a revirar os olhos – É, eu tô agoniada, sim. Preciso
te contar uma coisa.
- Tá esperando o que? – ela falou, curiosa – Desembucha logo!
É essa a hora em que vocês me batem por não ter contado nada a ela sobre Didi até agora? É, acho que sim. Eu sei que
prometi pra mim mesma que iria contar assim que as coisas se firmassem um pouco mais, mas eu tive muito medo de que
ela me recriminasse. Por mais que eu soubesse que a reação típica de Vanessa seria entrar em estado de choque e depois
dizer algo como ‘E aí, como é pegar o professor mais gato da escola?’ com um sorriso de orelha a orelha, eu acabei adiando
aquela conversa até onde pude. E hoje seria o dia em que eu não podia mais esconder esse segredo dela.
- Presta atenção – suspirei, tensa – Você promete que não vai contar pra absolutamente ninguém o que eu tenho pra te
falar?
- Eu sei guardar segredos, e você sabe disso – ela concordou, intrigada com a minha seriedade – Você tá me assustando...
O que aconteceu?
Suspirei novamente, apavorada, e decidi dizer tudo de uma vez, sem delongas. Coisas assim tinham que ser feitas de uma
vez, como se fosse pra arrancar a cera da pele na depilação.
- Eu e o professor Finatto estamos ficando.
Fiquei encarando-a, morrendo de medo da sua reação, mas tudo que Vanessa fez foi me encarar de volta, sem expressão
por um bom tempo. Não falei que ela ia ficar em estado de choque?
- Vanessa? – chamei, com cuidado, quando já estava começando a ficar preocupada. Ela piscou umas duas vezes, sem
mover nenhum outro músculo, até que do nada, ela acordou do transe com um berro que fez os tímpanos dos surdos do
Pólo Sul doerem.
- COMO É QUE É?!
Pulei de susto, com os olhos fechados, e assim que os abri, me deparei com dois olhos esbugalhados me encarando
ansiosamente.
- É isso mesmo que você ouviu – confirmei, com mais medo dela que de qualquer filme de terror que já tinha visto. Vanessa
levou mais alguns segundos absorvendo aquela informação, e voltou a gritar:
- DESDE QUANDO ISSO?!
- Pára de gritar, criatura! – pedi, desesperada, cobrindo sua boca com uma das mãos, e hesitei antes de responder – Há
algum tempo.
- Quanto tempo? – ela insistiu, voltando a usar sua voz no volume normal, e eu tive que falar, com uma careta:
- Umas três semanas.
- O QUE?!
- Cala a boca, pelo amor de Deus! – implorei, me jogando em cima dela com as duas mãos tapando sua boca e impedindo-a
de emitir qualquer som – Desculpa não ter te contado antes, eu sei que não devia ter escondido uma coisa dessas de você...
- Não devia mesmo! – Vanessa me interrompeu, dando um jeito de se livrar de mim e parecendo muito mais do que
bastante chocada – Mas já que só resolveu falar agora, pode ir contando tudo! Como é que uma loucura dessas foi
acontecer?
Resumi tudo que tinha acontecido entre eu e Didi pra ela em uns quinze minutos, desde o dia no anfiteatro até seu convite
pra conhecer sua casa hoje.
- E eu preciso da sua ajuda – encerrei, aflita – Eu vou falar pra minha mãe que vou sair com você pra dar uma volta hoje à
tarde e preciso que você me dê cobertura.
- Mas você vai mesmo à casa dele? – ela perguntou, preocupada – Quer dizer, vai que ele é um pedófilo assassino que tira
fotos pornográficas pra colocar na Internet?
- Estamos falando do Finatto, não do Mendes, esqueceu? – falei, revirando os olhos – Por favor, Vanessa, eu preciso muito
da sua ajuda.
- Eu não ligo de te fazer esse favor, mas eu só quero que você tome cuidado, ouviu bem? – ela concordou, e dois segundos
depois eu estava agarrada em seu pescoço agradecendo de todas as formas que eu conhecia – E tenha juízo, pelo amor de
Deus! Se você me aparecer grávida, eu mato você, a criança e o aparelho reprodutor do sr. Finatto, tá escutando?
- Pode deixar, Nyks – eu ri, me levantando depressa e abrindo meu guarda-roupa – Agora me ajuda aqui, vai. Não faço idéia
do que vestir.
- Qualquer coisa que te cubra direitinho tá ótimo – ela ordenou, se levantando com a maior cara de mãe coruja e me
fazendo rir mais – Se bem que te cobrir agora não vai adiantar nada, provavelmente ele vai acabar descobrindo tudo depois.

Estava tudo certo. Vanessa tinha feito minha mãe acreditar que eu iria dormir na casa dela e que estaríamos nos divertindo
tanto que ela não teria motivos pra me ligar.
- Se de repente você for passar a noite lá ou algo do tipo, me avisa – Nyks sussurrou, assim que deixamos minha casa. Ela
ia a pé até a dela, que não ficava muito longe da minha, e eu ia pra casa do sr. Finatto, que ficava um pouco mais distante.
- Eu vou tentar – respondi, sem graça – Obrigada por me ajudar, Nyks, de verdade.
- Claro que eu vou te ajudar, eu ia gostar que você me ajudasse se estivesse no seu lugar! – ela riu, me dando um abraço –
Vai lá, garota, e vê se toma cuidado!
- Não precisa nem pedir – falei, enquanto cada uma seguia pra um lado.
Eu caminhava nervosa pelas ruas, sem precisar me orientar muito. O prédio de Didi ficava num lugar por onde eu vivia
passando, e com a explicação dele, ficava ainda mais fácil encontrá-lo. Após uns quinze minutos andando, finalmente
cheguei ao edifício, que tinha um belo jardim em seu pátio. Não pude deixar de sorrir. Tinha lugar mais atraente pra um
professor de biologia morar que um prédio com um jardim daqueles?
A porta interna do prédio estava aberta, revelando um balcão de onde um porteiro deveria estar me observando, mas ele
provavelmente estava ocupado com algum outro problema e não estava ali justo naquela hora. Toquei o interfone, ansiosa,
e esperei por um bom tempo, sem receber resposta. Começando a ficar nervosa de verdade, ainda mais com o sumiço
insistente do porteiro, toquei novamente, e nada. Suspirei profundamente, pensando no que fazer. Vai que eu tivesse
chegado cedo demais e ele não estivesse em casa ainda? Ou quem sabe ele estivesse tomando banho? Me distraí
imaginando Didi no chuveiro por alguns segundos, até ouvir uma voz dizer atrás de mim:
- Espero que você goste de sorvete de flocos, ou então eu te deixei esperando pra nada.
Me virei, assustada, e dei de cara com Didi. Ele carregava uma sacola com um pote retangular dentro, que eu logo
reconheci como sendo sorvete, e sorria daquele seu jeito despojado e lindo pra mim. Estava vestindo uma blusinha simples
de algodão, uma bermuda cinza e chinelos, típica roupa de quem estava em casa há dois minutos atrás.
- Claro que gosto – respondi, sorrindo de volta pra ele – Não me diga que você foi comprar sorvete só por minha causa.
- Eu não costumo receber adolescentes em casa, então pensei que ter um pote de sorvete me faria parecer mais... Jovem,
talvez? – ele riu, e eu revirei os olhos, ainda sorrindo. Didi não precisava de mais nada pra parecer mais jovem, seu corpo e
seu jeito lhe davam a aparência de um cara de 20 anos. Um belo cara de 20 anos, por sinal.
Ele abriu a porta e eu o segui até o interior do prédio, dando de cara com um rapaz que pelo uniforme devia ser o porteiro,
caminhando na direção do balcão.
- Oi, Andy – Didi sorriu, enquanto o rapaz se sentava na cadeira que havia atrás do balcão.
- Olá, sr. Finatto – o porteiro respondeu, com um sorrisinho cordial, e logo depois pousando seus olhos em mim – Boa tarde,
senhorita.
Sorri fraco pra ele e respondi seu cumprimento com um aceno de cabeça, com medo do que ele poderia pensar de mim.
Não é normal um homem de 30 anos aparecer acompanhado de uma garota de 17, ainda mais no prédio dele.
- Esta é Leila, aquela minha sobrinha de quem eu te falei – ouvi Didi dizer, na maior cara de pau, me indicando com um
gesto – Este é Andy, o porteiro, como você já deve ter notado.
- Muito prazer – Andy assentiu, aparentemente engolindo a mentira. Claro, a semelhança entre nós era inegável. Quem dera
ser tão bonita quanto o sr. Finatto.
- Bom, até mais – Didi se despediu, me puxando pela mão até as escadarias do prédio.
- Bela desculpa, tio – sussurrei, rindo enquanto subíamos os degraus depressa. Ele apenas me olhou, com um sorriso de
canto e uma carinha de quem tinha aprontado.
Mais alguns degraus depois e chegamos ao seu apartamento, que ficava no primeiro andar. Não era um imóvel muito
grande, mas era mais que suficiente pra uma pessoa só. Me surpreendi com a organização da casa, tudo estava
arrumadinho demais pra um cara que morava sozinho (o que só reforçou minha opinião de que Didi era todo certinho).
- Só deixa eu colocar esse sorvete no congelador pra gente tomar depois – ele pediu, correndo até a cozinha e me deixando
na sala. Dei uma olhada rápida pelo cômodo, reparando nos detalhes básicos, tipo a decoração em tons de verde, e não
demorei muito a sentir os braços dele envolvendo minha cintura por trás de mim.
- Gostei daqui – eu murmurei, arrepiada da cabeça aos pés ao senti-lo cheirar e beijar de leve meu pescoço.
- Esse apartamento é novo – ele comentou, colocando o queixo em meu ombro – Não faz nem dois anos que eu me mudei
pra cá. É bem confortável, apesar de não ser tão grande.
Me virei de frente pra ele, abraçando-o pelo pescoço, e sorri, entorpecida por aquele perfume masculino maravilhoso.
- Fiquei muito feliz pelo convite – falei, recebendo um beijinho de esquimó dele – Obrigada por me deixar conhecer sua
casa.
- Acredite, a felicidade é toda minha por você estar aqui – Didi sorriu, me encarando profundamente – Só de saber que
estamos seguros, sem termos que nos esconder de ninguém, já é um alívio enorme.
Ele deslizou as mãos dos meus quadris até a lateral das minhas coxas, unindo nossas testas. Me apoiei em seus ombros, e
num movimento rápido, envolvi sua cintura com minhas pernas, fazendo com que ele me carregasse. Sorrindo de um jeito
danado, eu o beijei, enquanto ele dava alguns passos até me prensar contra a parede. Pressionando seu corpo contra o
meu, Didi parecia estar muito mais solto do que na escola, embrenhando suas mãos nos meus cabelos e agarrando-os com
força.
Eu, em compensação, comecei a acariciar sua nuca com minhas unhas, e passei a distribuir beijos e chupões em seu
pescoço. Didi passou suas mãos por debaixo das minhas pernas, apertando o interior das minhas coxas e me puxando pra
mais perto dele. Senti meu corpo todo arrepiado com a respiração quente dele tão perto do meu ouvido, parecendo gostar
bastante do agrado.
- Se continuar caprichando assim eu vou cair, pequena – ele sussurrou, e eu me afastei, recuperando o fôlego.
- Quer que eu pare? – perguntei, com um sorriso safado e uma sobrancelha erguida. Didi fez cara de derrotado e
rapidamente passou os braços por debaixo de mim, me carregando até chegar ao sofá.
- Eu ia te levar pra conhecer o meu quarto, mas parece que você tá com um pouco de pressa – ele falou todo maroto, me
jogando no sofá. Pude ver seus olhos brilhantes correndo pelo meu corpo estirado entre as almofadas, e um sorriso mal
intencionado surgiu naquele rosto lindo.
- A gente vai ter bastante tempo pra conhecer o quarto mais tarde – sorri, sentindo meu coração acelerar só de observar
seus músculos realçados pela blusa branca justa que ele usava – E depois o banheiro, a cozinha, o corredor...
Entendendo minhas verdadeiras intenções ao usar a palavra “conhecer”, Didi abriu a boca, surpreso, e começou a rir,
deixando seu corpo cair sobre mim devagar.
- Você sabe me provocar direitinho, mocinha – ele murmurou, encaixando suas pernas entre as minhas e passando suas
mãos por debaixo de mim, segurando firme em minha bunda. Ele me beijou profundamente, e eu deslizei minhas mãos
pelos ombros dele até alcançar suas costas. Comecei a puxar sua camisa pra cima, sentindo aquele conhecido volume entre
suas pernas, e Didi interrompeu o beijo por dois segundos pra tirar a blusa.
Meu Deus do céu. Que físico maravilhoso. O que ele fazia pra ficar daquele jeito? Devia malhar feito um condenado, porque
ninguém é gostoso assim naturalmente. Não que eu saiba. Como estamos falando de Didi, nada segue os padrões, tudo
nele parece ser anormalmente perfeito.
Eu deslizava minhas mãos por sua barriga, peito, ombros e braços durante o beijo, sem saber de qual parte eu gostava
mais. Didi escorregou suas mãos geladas até as minhas costas, me arrepiando com cada toque, e respirava pesadamente.
Não passava de um amasso como qualquer outro, fora o fato de Didi estar sem blusa, mas estávamos tão mais tranqüilos
por estarmos totalmente sozinhos que cada movimento parecia mais excitante, mais caloroso, mais intenso.
Ele partiu o beijo, ofegante, e tirou minha blusa, sem precisar pedir minha permissão. Nem mil palavras descreveriam o jeito
como ele observou minha barriga e meus peitos, erguendo seu olhar pra mim logo depois e sorrindo pervertidamente. Eu
sorri de volta pra ele, do mesmo jeito danado, sentindo-o acariciar minha barriga de baixo pra cima e pousando suas mãos
sobre meus seios, ainda parcialmente cobertos pelo sutiã. Didi os envolveu com suas mãos suficientemente grandes e os
apertou devagar, como se fosse pra verificar se aquilo estava acontecendo mesmo.
- Como você é linda – ele disse baixinho, com os olhos brilhando.
- Só eu, né? – sorri, fazendo carinho em seus ombros. Ele sorriu de volta e me beijou, quase alcançando o fundo de minha
garganta com sua língua. Baguncei seus cabelos com vontade, correspondendo ao beijo com o mesmo desejo. Didi não tirou
suas mãos de meus seios, apertando-os com mais força e gemendo baixinho com a boca colada à minha. Eu já começava a
suar, arranhando as costas dele, quando o senti investir no fecho do meu sutiã.
Ding dong.
Abri os olhos assim que ouvi o barulho da campainha, e me deparei com o olhar assustado dele bem perto do meu.
Paralisamos, alarmados, e Didi se afastou, parecendo bastante incomodado.
- Que porra é essa? – ele sussurrou, bufando e saindo de cima de mim logo depois. Ele parecia ser o tipo de homem que só
fala palavrão quando está realmente puto, o que me faria rir se eu também não estivesse puta com a interrupção.
- Você tá esperando alguém? – perguntei baixinho, pegando rapidamente minha blusa e vestindo-a enquanto ele fazia o
mesmo.
- Claro que não! – ele respondeu no mesmo volume, se ajeitando rapidamente enquanto se dirigia à porta – Se esconde
num dos quartos, eu vou dispensar quem quer que seja.
Obedeci depressa, entrando no primeiro quarto que vi: o dele. Nem prestei atenção direito em nada, apenas fiquei parada
na porta, ouvindo.
- Desculpa vir incomodá-lo, sr. Finatto, mas é que encontraram um molho de chaves perdido no hall e eu queria saber se é
do senhor – uma voz familiar disse, e se seu dono não parecesse ser um cara legal, eu teria aparecido lá e dito umas poucas
e boas pra ele por interromper nossas preliminares.
- Não é minha, Andy – ouvi a voz de Didi dizer calmamente, como se estivesse vendo TV ou fazendo algo bem zen antes de
abrir a porta – Mas obrigado por perguntar mesmo assim.
O barulho de porta sendo trancada com pressa ecoou pelo apartamento, e em menos de dois segundos já pude vê-lo correr
na minha direção.
- “Obrigado por perguntar mesmo assim”? – perguntei, inconformada – Você tem noção do que a pergunta dele
interrompeu?
- Eu tenho, mas é melhor ele não ter – Didi riu, me abraçando e afundando seu rosto em meu pescoço – E se você quer
saber, essa interrupção só serviu pra me deixar com mais vontade.
Sorri inevitavelmente com aquela provocação, enquanto recebia beijos e leves chupões atrás da orelha. Didi me pegou no
colo, me fazendo rir e agarrar seu pescoço, e me jogou na cama, logo caindo por cima de mim.
- Quem mandou você colocar a blusa de novo? – ele perguntou, recuando e fazendo uma cara chocada. Tirei a camiseta
ainda rindo, enquanto ele tirava a dele, e puxei-o pelo cinto da calça fazendo-o cair sobre mim pesadamente. Ele sorriu,
satisfeito, e me beijou com urgência, tirando meu sutiã rapidamente. Didi começou a descer seus beijos languidamente pelo
meu pescoço e colo enquanto apertava meus seios, até alcançá-los com a boca. Ele os chupava lenta e delicadamente com
os olhos fechados, concentrado em me dar prazer. E estava conseguindo até demais.
Eu acariciava seus braços e costas, incentivando-o, e ele continuou descendo seus beijos pela minha barriga, segurando
firmemente em minha cintura. Quando chegou ao cós da minha calça, ele me lançou um olhar determinado, como se nada
fosse pará-lo mais. Sem querer que ele parasse mesmo, joguei minha cabeça pra trás ao sentir suas mãos apertarem
minhas coxas com força e logo subirem até o botão da calça. Cinco segundos depois, tanto a calça como a calcinha já
estavam longe dali. Didi abriu minhas pernas com cuidado, me observando de cima a baixo com os olhos ardendo de tesão.
Sem dizer uma palavra, ele deslizou suas mãos desde os meus seios até alcançar o interior de minhas coxas, e inclinou-se
para alcançar minha intimidade com a boca. Agarrei os lençóis da cama quando senti sua língua me tocar, devagar a
princípio, mas aumentando a velocidade e a intensidade aos poucos. Não agüentei e comecei a gemer, arqueando minhas
costas pra cima enquanto ele me lambia e sugava. Quando eu estava a ponto de gozar, ele subiu até nossas bocas se
encontrarem, e calou meus gemidos com um beijo calmo e profundo. Ao mesmo tempo, ele começou a me masturbar com
os dedos numa velocidade incrível. Eu agarrei seus cabelos com força, sem parar de gemer nem durante o beijo, e pude
senti-lo sorrir. Não demorou muito e eu gozei, fazendo-o diminuir seus movimentos.
Extasiada, minhas mãos percorreram todo o seu tronco, desenhando seus músculos do abdômen pelo trajeto, até
alcançarem seu cinto. Arranquei-o com facilidade, e o empurrei, fazendo-o cair ao meu lado. Abri o botão de sua calça e ele
mesmo a tirou, ficando apenas de boxer. Passei uma de minhas pernas por cima dele, sentada sobre seus quadris, e
comecei a acariciar seu peito e barriga, olhando fundo em seus olhos. Ele havia me dado o melhor orgasmo da minha vida
sem me penetrar, e eu pretendia satisfazê-lo com a mesma intensidade.
Comecei a beijar e lamber sua barriga, sentindo seus dedos se enterrarem em meus cabelos. Fui descendo até alcançar sua
boxer, e a tirei depressa. Deslizei minhas mãos por suas coxas, sorrindo pra ele, e segurei seu membro já bastante
enrijecido. Demonstrando minha satisfação com o olhar, dei um beijinho em sua glande e o lambi de baixo pra cima
lentamente, fazendo-o soltar um gemido rouco e fechar os olhos com força. Coloquei-o na boca até onde consegui, e
novamente ele segurou meus cabelos, orientando meus movimentos. Eu alternava a velocidade, fazendo-o gemer alto
quando estava rápido e gemer mais alto ainda quando estava devagar, como se estivesse reclamando.
Tirei-o da boca após um bom tempo provocando-o, e o observei nu deitado na cama. Havia gotículas de suor por todo
aquele corpo divino, e os cabelos dele começavam a grudar na testa. Didi, com os olhos semi abertos, retribuiu meu olhar
com um sorriso desnorteado, o que só me motivou a continuar. Comecei a masturbá-lo rapidamente, deslizando minha outra
mão por sua coxa e bunda, e mordendo meu lábio inferior ao vê-lo se contorcer de prazer. As mãos de Didi apertavam
fortemente minhas coxas, e suas veias do pescoço saltavam a cada gemido dele. Voltei a chupá-lo com força, sem resistir, e
pude vê-lo abrir a gaveta do criado-mudo pra pegar uma camisinha. Didi abriu a embalagem com os dentes e me chamou,
com a voz falha.
- Chega, pelo amor de Deus.
Olhei pra ele, tirando seu membro da boca, e ele me deu o preservativo. Coloquei-o depressa, tomando os devidos
cuidados, e assim que terminei, ele me virou, ficando sobre mim novamente. Se posicionou entre minhas pernas, e me
lançou um último olhar radiante antes de me penetrar com força e de uma só vez. Nós dois gememos alto, e eu finquei
minhas unhas em seus ombros. Didi demorou alguns segundos antes de investir novamente, ainda se recuperando da
primeira investida, e aos poucos aumentava a velocidade de seus movimentos. Ele tentava me beijar, mas estávamos
ocupados demais com outras coisas pra sermos bons nisso. O máximo que conseguimos foi manter nossas testas unidas
enquanto ele investia com cada vez mais força e me fazia arranhar suas costas sem nem pensar se estava machucando.
Suados e ofegantes, logo o cansaço começou a tomar conta de nós, mas não estávamos dispostos a parar. Didi jogou a
cabeça pra trás, como se quisesse se segurar por mais algum tempo, mas não demorou muito e eu gozei pela segunda vez,
fazendo-o desistir e gozar junto.
Soltei um suspiro exausto e relaxei, sentindo cada centímetro do meu corpo suado. Didi desmoronou sobre mim e envolveu
minha cintura com seus braços, totalmente esgotado. Eu o abracei pelo pescoço, dedilhando lentamente seus ombros, com
um sorriso cansado no rosto. Tudo que eu senti por alguns segundos foi a respiração lenta de Didi em meu pescoço, me
arrepiando inteira, até ouvir sua voz rouca murmurar:
- Pode ser um pouco cedo pra isso, mas... Eu acho que te amo, pequena.
Didi se ergueu um pouco e me olhou, com uma expressão calma e um sorriso maravilhado. Tudo que consegui fazer foi
encarar seus olhos brilhantes e sorrir de volta, sentindo uma felicidade imensurável tomar conta de mim.
- Eu amo você – falei, baixinho, enquanto fazia carinho em seu rosto rosado - Tenho certeza absoluta disso.
Vi o sorriso dele aumentar, e o abracei pelo pescoço ao receber um beijo tranqüilo. Ficamos mais um tempo deitados,
abraçados, conhecendo cada pedaço um do outro, até acabarmos dormindo. O sono mais feliz da minha vida, sem dúvida.

Capítulo 05
Abri meus olhos, sem lembrar por que já estava sorrindo. Pisquei algumas vezes, tentando colocar minha visão em foco, e
suspirei preguiçosamente. Um perfume bom encheu meus pulmões, me fazendo alargar o sorriso. Minha mão estava ao lado
do meu rosto, espalmada sobre o peito dele, que subia e descia calmamente de acordo com sua respiração. Seu cheiro
estava por toda parte, me entorpecendo, e seu braço envolvia meus ombros, me impedindo de me mexer.
Olhei pra cima e vi que Didi ainda dormia como um bebê, mesmo após umas duas horas de sono. Sorrindo feito uma
retardada, apenas fiquei observando-o dormir, fazendo carinho devagar em seu peito e me lembrando de tudo que tínhamos
feito antes de apagarmos.
- Você pretendia ficar me olhando por quanto tempo? - ouvi a voz dele dizer baixinho, me fazendo corar de leve. Didi abriu
os olhos e me encarou, com um sorriso desconfiado no rosto.
- Não sei, talvez até você acordar e me fazer essa pergunta - respondi, fazendo seu sorriso aumentar. Sem dizer nada, Didi
me beijou delicadamente, e virou de lado, nos deixando de frente um pro outro na cama.
- Pra sua informação, eu já tava acordado - ele murmurou, deslizando sua mão pela minha cintura devagar - Você é que
ficou dormindo feito pedra em cima de mim até agora pouco.
- Me desculpe se a instituição de ensino onde o senhor trabalha e eu estudo me faz acordar às 6 da manhã todo santo dia -
falei, fingindo estar ofendida, e fazendo-o rir.
- Nossa, mas que menina mais brava que eu fui arranjar - ele disse, me puxando pra mais perto dele.
- Sou mesmo - confirmei, fazendo cara de irritada e me apoiando num cotovelo - Se não gostou, eu vou embora agora
mesmo e não te incomodo mais.
- Olha só, além de brava é independente! - Didi riu, me segurando com mais firmeza pelo quadril como se quisesse me
prender ali - Quero ver você continuar com essa coragem toda pra levantar daqui.
Quando fui abrir minha boca pra retrucar, ele me calou com um beijo intenso e sua mão subiu do meu quadril pro meu
rosto, enquanto a outra me abraçou pela cintura. Obviamente tudo que eu pensei em dizer sumiu da minha memória assim
que nossas línguas começaram a brincar uma com a outra, num misto de provocação e tranqüilidade. Pude sentir Didi sorrir
durante o beijo, vitorioso por ter conseguido me calar, e não consegui não sorrir junto.
- Ainda tá bravinha? - ele murmurou, ainda sorridente, quando partiu o beijo.
- Idiota - resmunguei, fechando os olhos em sinal de derrota e vergonha. Didi riu baixinho e me deu um selinho demorado,
deitando sua cabeça bem próxima da minha e fazendo com que as pontas de nossos narizes se tocassem.
- Você fica linda demais com vergonha, sabia? - ele disse, me abraçando pela cintura suavemente - Mais do que já é.
- Você não se enxerga mesmo, né? - falei baixinho, com um sorriso derretido enquanto acariciava seu rosto, desenhando
seus traços e fazendo-o fechar os olhos algumas vezes - Não existe nada em você que não me agrade, nada que te
estrague. Você é simplesmente perfeito, não tem nem o que dizer. Esse rostinho de nenê, esse sorriso lindo, seu corpo, seu
jeito... Tudo.
Didi, que estava de olhos fechados quando comecei a falar, abriu-os e me olhou firmemente, ouvindo com atenção tudo que
eu dizia e alargando seu sorriso a cada palavra.
- Incrível como uma garota de 17 anos pode dizer coisas que uma mulher de 30 não teria sensibilidade nem pra sonhar em
dizer - ele sorriu com os olhos brilhando, fazendo carinho em minha bochecha com o polegar - E que só te deixam mais
linda aos meus olhos.
- Não faz isso comigo, por favor - pedi, fechando os olhos e sentindo minhas bochechas queimarem de timidez e euforia -
Eu fico com vergonha.
Ouvi Didi rir baixinho e senti seus braços me aproximando mais dele (eu achei que não dava, mas não é que dava?).
- Ter você grudadinha em mim é a melhor sensação do mundo - ele murmurou devagar, se debruçando delicadamente
sobre mim e afundando seu rosto em meu pescoço - Seu perfume, o cheiro bom do seu cabelo, sua pele quentinha, seu
coração batendo... Sempre tão rápido que parece querer explodir a qualquer momento.
Fechei os olhos e envolvi seu pescoço com meus braços. Respirei fundo, deixando o cheiro dele me intoxicar, e ri baixinho,
sem conseguir acreditar no sonho que minha vida tinha virado. Nem se eu quisesse conseguiria explicar como era ser a
pessoa mais feliz do mundo. Talvez por isso eu tenha ficado completamente sem palavras, e apenas fiquei alisando seus
ombros e costas devagar, sentindo a respiração calma dele bater em meu ouvido.
Didi começou a beijar meu pescoço delicadamente, me fazendo fechar os olhos e ficar toda arrepiada. Comecei a enroscar
meus dedos em seus cabelos, e ele continuou distribuindo beijos pela região, até alcançar minha boca. Ele me beijava calma
e profundamente, e eu senti como se choques elétricos percorressem meu corpo inteiro e me arrepiassem toda. Não me
lembro de ter recebido um beijo tão intenso quanto aquele antes. Acabamos invertendo as posições sem nem perceber, me
deixando por cima dele, com uma mão de apoiada de cada lado de sua cabeça. Aquilo foi se transformando numa coisa
mais calorosa, e quando já estávamos ofegantes, Didi sugou meu lábio inferior, quebrando o beijo. Encarei aqueles olhos
castanhos escuros, que retribuíam meu olhar com um brilho intenso em meio aos meus cabelos caídos ao redor de seu
rosto, e sorri, vendo-o fazer o mesmo.
Voltei a beijá-lo, sem nem me importar por ainda estar ofegante, e senti suas mãos viajarem por meus ombros e costas
devagar, assim como também senti sua ereção por debaixo da boxer que ele tinha vestido antes de dormir. Sorri quando ele
abriu o fecho do meu sutiã sem que eu percebesse (é, eu também vesti minhas roupas íntimas antes de dormir, sou uma
menina muito envergonhada como vocês já devem ter reparado), e me sentei sobre seus quadris pra tirar a peça. As mãos
de Didi acariciavam as laterais de minhas coxas, e sem nem querer me esperar voltar, ele se sentou e me abraçou pela
cintura, voltando a unir nossos lábios. Envolvi seu pescoço com meus braços, retribuindo o beijo com vontade e sentindo-o
apertar meus seios. Não demorou muito e ele começou a me provocar, sugando caprichadamente o lóbulo de minha orelha.
Arrepiada da cabeça aos pés com a respiração quente e rouca dele em meu ouvido, eu agarrava seus cabelos com força, até
ouvi-lo sussurrar:
- Tá calor, não acha?
Assenti devagar, atordoada com aquela voz falha (e muito sexy) me dando falta de ar, e ele disse:
- Então se segura.
Voltei a abraçá-lo pelo pescoço e Didi passou seus braços por debaixo de mim. Ele se levantou da cama, ainda me
provocando num de meus pontos fracos de um jeito muito bom (conseqüentemente sendo enforcado por mim), e me levou
no colo pra algum lugar que eu não soube o que era até ver azulejos brancos por toda a parede e um box espaçoso de
vidro.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele fechou a porta e me prensou contra ela, já com os lábios colados nos meus.
Suas mãos percorriam todo o meu corpo depressa, enquanto as minhas transformavam seu cabelo numa bagunça sem fim.
Eu o puxava pela cintura pra mais perto de mim, deixando sua excitação ainda mais evidente com a proximidade e
destruindo minha sanidade mental. As mãos de Didi pararam em minha bunda, com a mesma intenção que eu tinha ao
puxá-lo com as pernas, e seus polegares envolveram o elástico de minha calcinha, puxando-o pra baixo. Ele continuou
tirando-a, sem ousar partir o beijo, e eu fiquei de pé pra poder me livrar dela de uma vez. Ele foi descendo seus beijos
conforme abaixava minha calcinha, parando no umbigo e subindo novamente quando a peça já estava longe.
Conseguindo controlar um pouco mais as coisas por estar de pé, fui empurrando-o como quem não quer nada até suas
costas ficarem contra o vidro do box fechado. Didi soltou um gemido rouco quando o prensei entre a superfície gelada e eu,
que agora acariciava seu tórax e barriga, e meio sem jeito, abriu a porta do cubículo transparente, cambaleando comigo pra
dentro dele. Respirando ruidosamente, deixei que ele me prensasse contra a parede interna do box enquanto agarrava
meus cabelos da nuca com uma mão e tateava a parede até achar a válvula e ligar o chuveiro com a outra. Assim que a
água fria tocou nossa pele, automaticamente nos abraçamos com mais força, como se fôssemos nos esquentar com o calor
de nossos corpos.
Nossas mãos corriam soltas por cada centímetro de pele alcançável um do outro, e não demorei muito pra fazer a boxer
ensopada dele deslizar até o chão. Passei meus braços por seu pescoço, implorando pra que ele fizesse o que eu queria
logo, e com a testa franzida de prazer, Didi deu a entender que me obedeceria. Ergueu minhas pernas, me fazendo envolver
sua cintura com elas, e se posicionou em minha entrada. Esperando que ele me invadisse de uma só vez, como antes, eu o
senti colocar apenas a metade de seu membro dentro de mim, me provocando e calando um gemido baixo com um beijo. A
cada investida ele ia colocando mais e mais, me fazendo ser involuntariamente agressiva durante o beijo, até chegar ao fim
e começar a se movimentar com bastante força e velocidade. Eu acabei ficando um pouco mais alta que ele por estar
suspensa, o que fez o rosto de Didi ficar praticamente entre meus seios. Obviamente gostando da situação, ele quase
gritava, me fazendo gemer no mesmo volume. A água fria que caía sobre nós parecia nos deixar com mais calor ainda, e
tornava minha mania de agarrar seus cabelos um pouco mais escorregadia.
Durante quase meia hora ficamos naquela posição. Didi jogava sua cabeça pra trás várias vezes, com os olhos fortemente
fechados e os cabelos grudados na testa, e eu os colocava pra trás com as mãos, agarrando-os novamente na nuca. Ele
realmente estava se segurando muito pra não ter que sair dali, enquanto eu já tinha gozado duas vezes, com as unhas
fincadas em seus ombros e urrando de prazer. Quando ele jogou a cabeça pra trás pela última vez, exausto, eu o beijei de
leve e ele finalmente gozou, fechando os olhos devagar e gemendo perto do meu ouvido. Me deixei escorregar com as
costas prensadas contra a parede até ficar de pé, enquanto Didi afastava as mechas ensopadas de cabelo grudadas no meu
rosto, buscando meus lábios com os seus. Pousei minhas mãos trêmulas em seus ombros, morta de cansaço, e retribuí seu
beijo suave com um sorriso.
- Acho que eu tô ficando velho pra essas coisas - Didi ofegou, respirando fundo logo depois e me abraçando carinhosamente
pela cintura.
- Se for assim, me dá falta de ar só de imaginar como você fazia essas coisas quando era mais novo - sussurrei, beijando
seu pescoço enquanto o abraçava e sentindo seu tórax se contrair rapidamente num riso sem fôlego.

- Eu sempre achei que camisas sociais masculinas ficam muito melhores nas mulheres - Didi sorriu, deitado no sofá, ao me
ver surgir do corredor usando uma de suas camisas brancas que me cobriam até metade da coxa - Agora eu tenho certeza.
- Pára de me deixar sem graça senão eu te molho - ameacei, chacoalhando meu cabelo molhado enquanto me aproximava e
fazendo-o se proteger com os braços, rindo.
- Também te amo, minha pequena invocada - ele brincou, me puxando pela mão coberta pela manga desproporcional da
camisa que eu usava e me derrubando sobre ele. Um cheiro ótimo de sabonete invadiu meus pulmões, e não tive como não
sorrir ao retribuir seu beijo.
- Não vai parar mesmo? - murmurei, mantendo nossos rostos próximos mesmo depois de partir o beijo e apontando meu
dedo indicador pra ele - Olha que eu mordo, hein.
Didi soltou uma risada maliciosa, ficando ainda mais sensual do que de costume, e sussurrou:
- É, eu sei.
- Didi! - exclamei, envergonhada, afundando meu rosto em seu pescoço enquanto ele ria mais alto.
- Tá bom, agora eu parei - ele falou, me abraçando com força, e rindo mais um pouco antes de continuar a falar - Falando
em morder, tá com fome?
Assenti, ainda sem olhar pra ele. O cheiro daquele pescoço estava uma coisa irresistível, fato. E ficava melhor ainda quando
eu me lembrava de minhas mãos deslizando por seus ombros, ensaboadas, há alguns minutos atrás enquanto tomávamos
banho.
- É, eu logo imaginei - ele disse, assentindo de leve - Então o que você acha de irmos lá na cozinha ver o que eu fiz pra
gente?
Olhei pra ele, pasma, e recebi um sorrisinho sapeca. Me levantei depressa, e corri até a cozinha, sendo acompanhada por
ele. E quase voei naquele pescocinho maravilhoso quando vi o que estava sobre a mesa da cozinha.
- Não acredito! - exclamei, com um sorriso enorme no rosto - Macarronada!
- Você gosta? - Didi sorriu, todo fofinho, quando me virei pra ele, quase lacrimejando de emoção.
- Se eu gosto? - repeti, rindo - Eu adoro macarronada! Como você fez isso tão rápido? Quer dizer, eu não demorei nem dez
minutos!
- Vinte e sete minutos, eu acabei contando sem querer - ele respondeu, cruzando os braços e encostando um de seus
ombros na parede da porta - Tudo isso pra se arrumar e desembaraçar o cabelo que provavelmente fui eu quem bagunçou.
Eufórica, não consegui responder nada, apenas mordi meu lábio inferior e continuei olhando-o sorrir pra mim de um jeito
esperto.
- Bem que eu estranhei você não ter aparecido lá no quarto - murmurei, sem conseguir parar de sorrir, e ele se aproximou
de mim com a maior cara de criança serelepe - Você tem que parar de me surpreender assim, sabia? Não é só porque eu
sou novinha que agüento esses trancos.
- Quem não vai agüentar mais um minuto sem devorar aquele macarrão ali sou eu - Didi sorriu, colocando as mãos em
meus quadris - Antes de começar a agradecer, quero ver se você aprova meus dotes culinários.
Soltei uma risada baixa, e fiquei na ponta dos pés pra lhe dar um selinho rápido antes de ir me sentar numa das cadeiras.
Didi fez o mesmo, e me serviu, enchendo seu prato logo depois. Peguei o garfo, inalando o cheiro ótimo que vinha do meu
prato, e o enrosquei no macarrão, sentindo um olhar meio apreensivo dele sobre mim.
- Hm, vamos ver se já pode casar - brinquei, lançando um rápido olhar pra ele antes de colocar o garfo na boca.
Nos vários dias em que tive que preparar meu próprio almoço em casa porque mamãe estava trabalhando, eu costumava
fazer macarrão, porque eu achava que era mais prático e gostoso. Eu considerava meu macarrão uma obra prima, me sentia
o máximo por conseguir fazer um molho tão bom, mas tinha acabado de descobrir que não era tão boa cozinheira assim.
Didi conseguia ser melhor. Bem melhor.
- E aí? - ele perguntou, com o garfo pairando sobre seu prato ainda intocado e um sorriso nervoso.
- Ainda bem que você não cozinha pra viver - respondi quando terminei de mastigar, com uma expressão séria, e vi pânico
nos olhos dele - Porque se cozinhasse, eu já teria virado uma coisa gorda e celulitosa de tanto comer seu macarrão.
- É agora que eu jogo todo esse macarrão na sua cabeça ou deixo pra mais tarde? - Didi sorriu, parecendo transtornado e
aliviado ao mesmo tempo, enquanto eu ria.
- Isso aqui tá ótimo - exclamei, quase passando mal de tanto rir da cara de horror que ele tinha feito - Não vai desperdiçar
tudo na minha cabeça, por favor.
- Da próxima vez tente ir direto ao ponto, pode ser? - ele resmungou, sem conseguir evitar um sorriso e finalmente
comendo um pouco do macarrão.
- Own, ele ficou chateado - falei, com uma voz cuti cuti - Desculpa, bebezão.
- Bebezão... Olha só quem fala - Didi murmurou, me lançando um olhar brincalhão, e eu senti meu rosto esquentar de
vergonha. Às vezes eu esquecia que ele já tinha treze anos quando eu nasci. Quer dizer, eu mal tinha dentes e ele já devia
ter um protótipo de bigode. Tá, melhor não continuar pensando no que ele tinha ou fazia quando era pivete e eu chupava
dedo. Ficamos alguns segundos em silêncio, apenas mastigando, até que ele voltou a falar:
- Por que você fez essa carinha e ficou quieta?
- Nada, eu só tava pensando aqui - respondi, sem olhar pra ele.
- Pensando no que? - ele insistiu, com a voz mais baixa e inclinando sua cabeça tentando ver o meu rosto.
Sorri fraco e ergui meu olhar até o dele.
- Isso tudo é muito doido... Não acha? - falei, sem graça.
- Isso tudo? - ele repetiu, com a testa franzida. Lerdo. Mas tudo bem, ninguém funciona direito com estômago vazio,
principalmente homens.
- É... A gente ficar junto - expliquei, com o olhar fixo no dele. Didi ficou sério, parecendo um pouco assustado por pensar no
assunto.
- Por que você tá dizendo isso agora? - ele perguntou, com a voz igualmente séria e me deixando nervosa - Você tá
pensando em desistir, ou sei lá, meu macarrão é tão ruim assim...
- Não, não, claro que não, seu macarrão é ótimo - interrompi, aflita apesar de ainda estar sorrindo, e ele continuou me
encarando, esperando uma explicação melhor - Eu só tava pensando, sei lá... Em como isso foi acontecer entre a gente com
toda essa diferença de idade.
Didi sorriu fraco, e eu fiz o mesmo. Depois de quase um mês juntos, era a primeira vez que eu tinha parado pra pensar
naquilo, e quanto mais eu encarava aqueles olhos brilhantes, menos eu conseguia encontrar uma resposta racional. Nós dois
nos gostarmos não era nada racional, era meio que uma feliz coincidência. Dentre tantas alunas bonitas e inteligentes que
eu sabia que ele tinha, ele foi escolher se envolver justo comigo, que não tinha nada de especial ou diferente delas. Talvez
eu só estivesse me perguntando por que eu merecia tamanho presente.
- Eu realmente não sei como isso foi acontecer - ele suspirou, com o olhar vago no meu - Mas ainda bem que aconteceu...
Eu já tava quase perdendo o jeito com mulheres.
Meu sorriso se abriu involuntariamente, assim como o dele, e senti meu rosto esquentar um pouco. Que lindo, era tudo que
eu conseguia pensar enquanto recebia aquele olhar carinhoso dele.
- Deixa eu comer meu macarrão maravilhoso antes que eu acabe voando em cima de você - falei, fazendo-o rir - E agora
que você sabe que eu mordo mesmo, toma cuidado.
- Pode me morder - ele riu, enrolando o macarrão no garfo com um olhar malicioso - Eu gosto.
- Didi! - exclamei, incrédula e ficando roxa de vergonha de novo, fazendo-o gargalhar.
Já eram oito e meia da noite quando terminamos de jantar. Mais rimos do que comemos, aliás. Principalmente eu, que
parecia uma retardada com um sorriso besta no rosto só de olhar pra ele, de boxer jantando comigo. Cheios de fome (e
com razão) devoramos todo o macarrão e bebemos litros de suco de uva, e assim que o ajudei a colocar a louça na pia
contra a sua vontade, ele perguntou:
- Boa hora pra atacar aquele pote de sorvete, não acha?
- Se eu ficar gorda, a culpa é sua - falei, entortando a boca numa tentativa fracassada de segurar um sorriso e apontando
meu dedo indicador pra ele.
- A gente dá um jeito nisso depois - ele sorriu, serelepe, mordendo o lábio inferior de um jeito bem nenê. Super apropriado
pra grande sujeira que ele tinha acabado de dizer.
- E eu vou dar um trato nessa sua linguinha afiada se você não parar com essas coisas - resmunguei, sem conseguir pensar
direito diante daquela carinha fofa e só notando que tinha falado merda quando ele riu alto.
- Não acredito que você disse isso - Didi falou, ainda rindo e me abraçando pela cintura. Ainda inconformada com a minha
própria idiotice, apenas olhei pra ele, sorrindo de um jeito envergonhado e enrugando o nariz.
- Pára com essa vergonha toda, vai - ele murmurou, com a voz carinhosa, e me deu um beijinho de esquimó - Você não
precisa dela.
Eu, que observava minhas mãos encolhidas em seu peito, ergui meu olhar até o dele, e automaticamente sorri. Não sei por
que eu sentia tanta vergonha dele. Tá, talvez fosse porque ele era meu professor de biologia e eu tivesse medo de ser tosca
ou algo do tipo, porque estava completamente apaixonada por ele e não queria receber um pé na bunda.
- Só porque eu falei que você fica uma gracinha assim, toda vermelhinha, não significa que você tenha que ficar me
torturando toda hora - Didi sorriu, fingindo estar um pouco irritado, e eu ri baixinho - Você não sabe do que eu sou capaz
quando me provocam desse jeito.
- Ah, é? - perguntei, erguendo uma sobrancelha, e um segundo depois seu braço passou por debaixo das minhas pernas,
me erguendo no ar. Se ele continuasse me carregando toda hora, eu ia me esquecer de como se anda.
- É - ele respondeu, com as sobrancelhas erguidas e um sorrisinho esperto - Mas como eu sou um ótimo professor de
biologia, acho melhor a gente esperar nosso estômago digerir o macarrão antes de ceder às suas provocações.
- Concordo plenamente, professor Finatto - falei, fazendo cara de inteligente, e recebendo um selinho demorado - Então
enquanto a gente espera, eu quero sorvete.
- Fazer a digestão comendo mais ainda, quer coisa melhor? - ele ironizou enquanto andava até o congelador, me fazendo
jogar a cabeça pra trás e rir alto - Pega aí, tô com as mãos meio ocupadas.
- “Mãos ocupadas”, quem ouve até pensa - falei, rindo feito uma idiota - Acho que estamos quites quanto a frases ambíguas
agora.
- Se quiser, eu desocupo minhas mãos agorinha mesmo - ele sugeriu, e ameaçou me botar no chão de novo.
- Pode continuar me carregando, eu deixo - sorri, forçando a expressão mais excessivamente meiga do mundo enquanto
fechava a porta do congelador com o sorvete em mãos. Didi retribuiu meu sorriso exagerado, e me levou até a sala,
parando nas gavetas de talheres pra pegarmos duas colheres pelo caminho.
- Vamos ver o que tá passando na TV - ele disse, pegando o controle remoto que estava no sofá e apertando um botão.
Assim que a tela se acendeu, eu vi lagartos e plantas por toda parte, e não pude deixar de sorrir.
- Animal Planet? - perguntei, abrindo o pote, sentada entre suas pernas - Por que eu já devia saber disso?
- Pelo menos não é canal pornô - Didi retrucou, mudando de canal e enchendo sua colher de sorvete sem nem ver o que
estava fazendo.
- E daí se fosse? Não seria problema nenhum - falei, sem nem prestar atenção no que passava na TV e enchendo
cuidadosamente minha colher - Tem homens que aprendem várias coisas com filmes pornôs, sabia?
- Você quer mesmo falar disso? - ele falou, erguendo as sobrancelhas com um sorriso danado, enquanto voltava a engolir
outra colherada monstruosa de sorvete. Me virei pra encará-lo, com uma sobrancelha erguida e um sorriso esperto:
- Por quê? Tá com medo de alguma coisa?
- Claro que não, eu até acho filmes pornôs interessantes - Didi respondeu, tomando mais sorvete, como se estivesse
dizendo que gostava de azul - É bem bacana ver como alguém consegue ser tão elástico.
- Não acredito que você vê filmes pornôs só por causa da elasticidade das mulheres - falei, rindo e dando um empurrãozinho
safado em seu peito.
- Vem cá, deixa eu te perguntar uma coisa - ele disse, parando num canal qualquer e me olhando com uma impaciência
meio cômica - Tá toda curiosa por causa de filme pornô por quê? Já tá querendo mais, é?
- Não foi essa a minha intenção inicial, mas se você tá sugerindo... - respondi, olhando pra ele e lambendo devagar a colher,
com um sorriso provocante (me deixa ser puta, beijos). Didi ficou me encarando, parecendo meio atordoado, e entortou a
boca, derrotado.
- Você gosta de beijo gelado? - ele murmurou, baixinho, tirando o pote de sorvete do meio das minhas pernas e colocando-o
na mesinha que ficava do seu lado do sofá.
- Se eu gosto de quê? - perguntei, sem ouvir direito o que ele tinha dito, mas concordando em me virar de frente pra ele
quando suas mãos demonstraram essa intenção.
- Disso - ele sussurrou, e no segundo seguinte seus lábios estavam colados aos meus. Um choque térmico percorreu meu
corpo todo quando a língua gelada dele tocou a minha, nem tão fria. Passei meus braços por seu pescoço, arrepiada da
cabeça aos pés, e ele me puxou pra mais perto dele pela cintura, fazendo minhas pernas envolverem seus quadris. Ficamos
nos amassando por algum tempo, até o efeito gelado sumir, e delicadamente Didi me deitou no sofá e ficou por cima de
mim. Sorrindo, ele partiu o beijo, e murmurou:
- Dorme aqui essa noite?
- Não precisa nem pedir de novo - respondi, com um sorriso de orelha a orelha, e ele voltou a me beijar, igualmente feliz
com a minha resposta. É, posso dizer que Didi me beijando foi uma cena que se repetiu bastante naquela noite.

Capítulo 06

Um mês e meio se passou desde a primeira vez em que dormi na casa de Didi. E a cada vez que eu voltava àquele
apartamento, as coisas melhoravam, o que eu achava ser impossível. Nunca pensei que pudesse me sentir tão feliz e
completa com alguém como eu me sentia com ele, e eu sorria até nas aulas do Mendes, que agora me ignorava total e
completamente. Só me dirigia a palavra quando era estritamente necessário falar comigo, e me tratava com indiferença, o
que por mim, podia continuar assim pelo resto dos meus dias.
- Antes do fim da aula, eu quero lhes informar que houve uma pequena mudança quanto a excursão à reserva ambiental de
depois de amanhã – Didi disse, durante os últimos minutos da aula de biologia, sendo fixamente observado por mim, claro –
Como vocês já sabem, a reserva fica a algumas horas daqui, então pode ser que a excursão só acabe pouco antes do
anoitecer, e como de costume aqui na escola, vocês serão acompanhados por dois professores.
Como o final do bimestre estava próximo, os professores que já tinham dado todo o conteúdo previsto para aquele espaço
de tempo costumavam marcar excursões com as classes, e pedir relatórios ou trabalhos sobre o que aprendíamos no
passeio. Eu já estava sabendo dessa excursão, portanto nem me alarmei muito, só não sabia que pequena mudança era
essa. E se eu soubesse que a resposta pra esse mistério me renderia maus momentos, preferia continuar não sabendo.
- Eu e a professora Keaton estávamos escalados para acompanhar a classe de vocês – Didi prosseguiu, me lançando um
breve olhar conformado, que eu devolvi com um pouco de tensão – Mas a diretora resolveu fazer uma pequena alteração.
De acordo com a nova escala, eu e a srta. Keaton acompanharemos o primeiro ano na excursão deles, que será amanhã, e
quem irá acompanhá-los na excursão de vocês serão os professores Hammings e Mendes.
Acho que é agora que eu rodo a baiana, não é? Que papo é esse de ‘vou com as menininhas putinhas do primeiro ano
amanhã enquanto vocês sofrem na mão do pedófilo nojento e sem escrúpulos do Mendes’? Se ele achava que eu ia deixar
isso passar em branco, estava muitíssimo enganado.
- Podem ir para o laboratório, até semana que vem e boa excursão – Didi encerrou, enquanto todos se levantavam com as
mochilas nas costas rumo à aula do Mendes. Eu arrumava lentamente meu material, de cara fechada, esperando até o
último aluno sair e me deixar sozinha com Didi. Assim que todos haviam saído, ele fechou a porta da sala e já começou a
falar:
- Eu sei que você não gostou da notícia, mas...
- Mas o que, Didi? - cortei, inconformada, sem nem me mexer na cadeira enquanto ele se aproximava – Por que você não
me contou antes?
- Eu não pude evitar, só fiquei sabendo disso hoje! – ele explicou, agachando-se à minha frente – Você acha que eu fiquei
feliz de não poder mais ir com a sua classe?
Soltei um suspiro chateado e fechei os olhos. Ele realmente não tinha culpa, dava pra ver que ele estava sendo sincero.
Voltei a encará-lo, me imaginando naquela reserva ambiental tendo que respirar o mesmo ar de Igor Mendes por mais de
uma hora. O pior pesadelo que alguém poderia ter.
- Me desculpa, acho que eu surtei um pouquinho – murmurei, sorrindo sem graça e colocando as mãos em seus ombros –
Mas é que ia ser simplesmente ótimo passar o dia todo com você, e além do mais, você sabe que eu odeio o professor
Mendes.
- É, eu já notei essa birra que você tem com ele – Didi riu, erguendo as sobrancelhas.
- Essa birra que eu tenho com ele? – repeti, apontando pro meu próprio peito, um tanto incrédula – Ele é que tem birra
comigo e não é capaz de me dar uma nota justa pelos meus relatórios, você sabe bem disso!
- Eu também não entendo, mas não posso me meter no método de correção dele, já te falei milhares de vezes – ele
explicou, revirando os olhos – Mas você bem que podia tentar ser gentil com ele... Quem sabe as coisas não melhoram,
incluindo a sua nota?
- Você tá de brincadeira, né? – eu falei, rindo sarcasticamente – Eu ser mais gentil com o Mendes? Mas nem morta! Eu me
recuso a tratar aquele imbecil como algo mais além de um verme inútil!
- Você não devia falar essas coisas dele – Didi retrucou, subitamente sério e parecendo ofendido – O McDream é um dos
meus melhores amigos e é um cara muito legal. Não fale do que você não sabe.
Franzi minha testa, boquiaberta com aquela resposta, e assenti devagar.
- Acho que se tem alguém aqui que não sabe do que tá falando, esse alguém é você, Leandro – murmurei, tentando conter
minha raiva só de me lembrar de tudo que o Mendes já tinha me feito (ou tentado fazer) de mau – Mas se você quer tanto
defender seu amigo, não vou te impedir. Só não venha me dizer que não te avisei.
- Leeh, espera – Didi pediu, me impedindo de levantar quando eu tentei ficar de pé, já com a mochila sobre um ombro –
Não precisa ficar brava, eu não quis te chatear...
- Me deixa levantar, por favor – pedi, sem olhá-lo, com um sentimento enorme de injustiça dentro de mim. O cara que eu
amava defendendo o canalha que vivia atormentando a minha vida e ainda me destratando por causa dele? E o pior de
tudo, eu não podia simplesmente chegar contando tudo que o professor Mendes já tinha me feito sem ter como provar, Didi
jamais acreditaria. Ele era cego pela imagem de bom moço do amigo, já dava pra perceber isso há um bom tempo. Péssimo,
horrível, deplorável, humilhante.
- Não, eu não vou te deixar ir embora brava comigo desse jeito, não sabendo que amanhã não vou poder te ver! – ele
negou, ficando irritado – Pára de ser infantil, Leila!
- Infantil? – perguntei, ainda mais inconformada, sem nem conseguir raciocinar direito – Se eu sou tão infantil, por que quis
ficar comigo? Se você não acredita no que eu digo, por que insiste em se desculpar? Se eu só falo mentiras sobre o que eu
não sei, me deixa ir embora, afinal, eu tô perdendo a aula do seu tão querido melhor amigo, esqueceu?
Consegui levantar, apesar dos esforços dele pra que eu ficasse, e sem nem olhar pra trás, deixei a sala de aula, trêmula da
cabeça aos pés. Apesar do medo de acabar ferrando tudo com aquela primeira briga, eu me sentia firme, agindo do jeito
certo. Didi não conhecia o amigo que tinha, e depois de tudo que aquele crápula me fez passar, eu não seria capaz de ouvir
todos aqueles absurdos calada. Engoli em seco, levando a vontade de chorar e de voltar correndo pros braços de Didi pro
fundo do meu estômago, enquanto caminhava rapidamente em direção ao laboratório.

- Ih, que cara é essa? – Vanessa perguntou, na hora da saída, quando se sentou ao meu lado na mureta que ficava em
frente ao colégio – O Mendes aprontou alguma?
Neguei com a cabeça, encarando o nada com a expressão fechada. Os 50 minutos da aula de laboratório tinham conseguido
ser mil vezes mais tranqüilos que os poucos minutos em que eu e Didi brigamos na aula de teoria, fora meus olhares
carregados de ódio pro Mendes durante sua explicação. O olhar sério de Didi me censurando não saía da minha cabeça, e
aquele sentimento de injustiça continuava dançando dentro de mim.
- O que foi então? – ela insistiu, e eu nem precisei responder. Assim que ela terminou de falar, Didi saiu do colégio, e logo
nossos olhares se encontraram. Seus olhos castanhos escuros estavam sérios, e eu sustentava seu olhar, igualmente
chateada. Didi só tirou seus olhos dos meus quando foi atravessar a rua, e não ousou olhar na minha direção até arrancar
com o carro e deixar a escola. Assim que ele sumiu de vista, abaixei a cabeça e soltei um suspiro triste, de olhos fechados.
- Acho que já entendi o que aconteceu por aqui – Vanessa murmurou, ainda olhando na direção pra onde Didi seguiu com o
carro – Vocês brigaram.
Quando abri a boca pra começar a contar, minha mãe chegou pra me levar pra casa. Apenas sorri fraco pra Vanessa,
tentando não parecer tão arrasada, e balancei a cabeça negativamente.
- Depois a gente conversa – murmurei, me despedindo dela e entrando no carro.

Eu não tenho nada contra excursões escolares. Só odeio o tipo de organização que a minha escola usava. Nem pra ter um
pouco de respeito por quem tá estudando nos andares de cima, sabe. A diretora tem que ficar berrando os nomes dos
alunos naquele microfone ensurdecedor pra todo mundo ouvir, parece que é uma necessidade vital pra ela. Como se eu me
importasse em saber se Colin McPhearson já estava na escola, francamente. Pra ser honesta, eu só me importava com uma
coisa. Leandro Finatto.
Após um dia inteiro sem conseguir tirar aquele desentendimento da cabeça, refleti muito sobre como devia agir dali em
diante. Ele até que podia estar errado, mas não era por maldade. Didi realmente acreditava que o professor Mendes era um
cara legal, e eu não duvido nada que ele tenha seus meios de enganar os outros. Tava pra nascer cara mais cafajeste que
ele, fato. Soltei um suspiro arrependido, encarando vagamente a janela ao meu lado, de onde eu podia observar o pátio
lotado de alunos do primeiro ano. Mal tinha começado a primeira aula e o professor de química já estava escrevendo na
lousa, mas eu não me importava com o sr. Brown naquele momento. Outro professor estava prendendo minha atenção, e
ele não parecia estar tendo a menor dificuldade em organizar a fila de pirralhos do primeiro ano que logo entrariam num dos
enormes ônibus estacionados na frente da escola para passar um dia inteiro em sua companhia na reserva ambiental.
Continuei observando Didi lá embaixo, ajudando o último aluno fora de sua fila a achar seu lugar, e assim que terminou,
colocou as mãos nos quadris e jogou a cabeça pra trás, encarando o céu nublado. Estava doendo em mim vê-lo pela
primeira vez depois da discussão de ontem, e tudo que eu queria fazer era pular por aquela janela e me desculpar por tudo.
Mas eu estava presa na aula de química, e ele estava preso àquela excursão idiota. Didi lentamente se virou até ficar de
frente para o prédio de onde eu o olhava, e pra minha surpresa, seus olhos não hesitaram em se cravar na janela da minha
classe. A janela por onde ele podia me ver também, mesmo que de uma certa distância. Seu olhar, apesar de distante,
conseguiu me deixar pior do que eu já estava. Sua expressão ao me encarar era séria, mas pelo menos ele não parecia tão
bravo quanto ontem. Por que eu tinha que deixar meu orgulho ser maior que o que eu sentia por ele? Você gosta de uma
idiota, Finatto, fato.
Mais atrás, a srta. Keaton já encaminhava alguns alunos na direção da saída da escola, e pude ver seus lábios chamarem o
nome de Didi. Voltei a encará-lo, me odiando pra sempre, até que ele se virou na direção dela e a ajudou com a organização
dos alunos. Merda. Essa piranha ia ter seu dia de sorte hoje, passando o dia todo ao lado de um homem lindo, perfeito e
insatisfeito com a garota infantil com quem tinha escolhido se relacionar. Bela oportunidade de tirar uma lasquinha. Fechei
meus olhos quando ele sumiu do meu campo de visão, tentando afastar o ciúme que ardia neles, e voltei a me concentrar
na matéria de química.

- Você vai mesmo amanhã? – ouvi Vanessa perguntar, na hora da saída, e assenti devagar, observando os carros que
passavam. Não tinha como não encarar o carro vazio de Didi, estacionado no lugar de sempre, e não querer que ele
subitamente saísse da escola, com seu sorriso habitual, e atravessasse a rua naquela direção.
- Tem certeza de que não vai mesmo poder ir? – suspirei, olhando pra ela com cara de nada – Ter alguém com quem
conversar ia me fazer bem... Eu acho.
- Não, minha mãe não quer que eu vá e acabe sendo atacada por mosquitos do tamanho de azeitonas ou coisas do tipo –
Vanessa respondeu, cruzando os braços e revirando os olhos – Você conhece minha mãe, super protetora até a medula.
Não deu pra não rir um pouquinho com aquele comentário mais do que verdadeiro. A sra. Racca costumava ser bem
enérgica quando o assunto era proteger Vanessa.
- Que exagero, mosquitos do tamanho de azeitonas só existem na África – chutei, com um sorriso fraco no rosto.
- Eu sei disso, mas minha mãe não sabe – Nyks resmungou, um pouco irritada – Já tentou dizer isso a ela? Vai entrar por
um ouvido, ela até vai fingir pensar no seu caso, e depois vai sair pelo outro lado.
Ri mais um pouco, e ela logo caiu no riso comigo. Só ela mesmo pra me fazer rir naquele estado deplorável no qual eu me
encontrava por dentro.
- Você falou com o Finatto hoje? – ela murmurou, voltando a ficar séria, e senti meu estômago revirar. Eu tinha telefonado
pra ela na tarde anterior e tinha contado tudo que tinha acontecido depois da aula de teoria. Vanessa concordou comigo, e
disse que eu devia contar tudo que o Mendes tinha aprontado, mesmo correndo o risco de Didi não acreditar em mim.
Durante o resto do dia, fiquei pensando no que deveria fazer, e decidi que iria seguir o conselho dela. Só não tive a
oportunidade de conversar com ele ainda.
- Não – respondi, sem olhar pra ela – Ele tá na excursão hoje, lembra?
- E amanhã é a sua – Nyks disse, e eu pude sentir seu olhar tristonho sobre mim – Você vai à casa dele nessa sexta?
- Só vou se ele me chamar – falei, dando de ombros tristemente - Não vou simplesmente aparecer sem ter sido convidada.
Desde a primeira vez em que fui à casa dele, não tinha deixado de passar as tardes de sexta-feira lá uma vez sequer, nem
que fosse pra ajudá-lo com a correção de algumas provas e trabalhos enquanto conversávamos. Talvez essa fosse ser a
primeira vez em que não nos veríamos, e era tudo culpa da minha imaturidade. Palmas pra mim.
- Eu acho que ele vai te chamar sim – Vanessa me encorajou, deitando sua cabeça em meu ombro de um jeito carinhoso e
até um pouco engraçado – No mínimo pra vocês se resolverem.
- Assim espero – sorri fraco, olhando vagamente os carros que passavam pela rua, com o pensamento a algumas horas de
distância dali.

- Leila Freitas!
Ergui minha mão assim que a diretora berrou meu nome no microfone, entediada e com todos os tipos de sentimentos
negativos em relação àquela excursão idiota. Me senti ainda pior quando o professor Hammings, com sua usual cara de
quem tinha estrume de vaca debaixo do nariz, indicou que eu já podia ir para o ônibus com um aceno de mão. Ajeitando
minha pequena mochila no ombro, andei vagarosamente até o veículo, como se eu pudesse evitar aquela tortura se andasse
devagar. Como eu era tosca algumas vezes.
- Eu já mandei você escolher um lugar e se sentar, Kelly – ouvi uma voz murmurar assim que me aproximei do ônibus, e
quando cheguei à porta, vi o professor Mendes e a Smithers conversando a uma distância menor do que a recomendada. E
pela cara de dor de barriga dela, o clima não era dos melhores.
- Tudo bem, professor – ela concordou, me lançando um olhar surpreso, e entrou no ônibus. O professor Mendes passou
uma mão pelos cabelos, usando sua técnica mais que aprovada de me tratar com indiferença, e eu apenas o ignorei,
entrando no ônibus logo depois.
Me sentei num dos primeiros assentos, evitando me misturar demais com o povo fútil que provavelmente começaria uma
bagunça no fundo do ônibus. Peguei meu iPod de dentro da bolsa e coloquei a primeira música mal educada que achei no
volume máximo, com uma cara espontânea de poucos amigos. Talvez porque eu realmente não quisesse estar ali, num
ônibus cheio de gente que eu odeio, rumo a um lugar distante, cheio de mato, terra e bichos. Talvez porque tudo que eu
quisesse era estar com Didi e resolver as coisas entre nós, pra exterminar o aperto em meu peito que quase me sufocava.
Não demorou muito e o professor Hammings entrou no ônibus, acompanhado do Mendes. Contaram rapidamente o número
de pessoas, pra ter certeza de que todos estavam no ônibus, e assim que terminaram, fizeram sinal para que o motorista
começasse a dirigir. Tirei um dos fones, entediada, para (infelizmente) ouvir o que o Mendes estava dizendo enquanto o
veículo andava os primeiros metros em direção à reserva.
- Tentem não se afastar do grupo, o local é enorme e bastante confuso, portanto todo cuidado é pouco – ele avisou, sério, e
eu notei que seus olhos estavam especialmente castanhos claros hoje, talvez porque estivessem realçados pela blusa da
mesma cor - Não se distraiam com os animais ou plantas exóticas que virem e prestem atenção nas explicações que os
guias lhes darão, informações como aquelas não existem nos livros escolares. Qualquer problema, basta chamar o professor
Hammings ou eu.
Mudo, o sr. Hammings apenas assentiu devagar para todos que o observavam, e os dois professores se encaminharam na
direção de seus assentos. Que, por sinal, ficavam bem à minha frente. Eu já devia saber que aquela excursão seria ainda
pior do que eu imaginava.
Coloquei os dois fones, batendo os pés de acordo com a bateria da música, e me contive a observar o céu nublado. Sem ter
que aturar ninguém sentado no assento ao meu lado, silenciosamente ocupado pela minha mochila, não demorei muito
tempo pra me distrair com os prédios e árvores que passavam rapidamente pela minha janela. Logo meu pensamento voou
até Didi, e me peguei pensando no que ele devia estar fazendo àquela hora. Dando aula, provavelmente. Tentei evitar que
minha mente criasse qualquer tipo de imagem da excursão do dia anterior, ou de Didi sendo consolado pela srta. Keaton,
mas foi impossível. Deus, por que raios eu tinha que sentir ciúmes daquela mexerica desbotada? Ela ser bonita, atraente e
um pouco viciada demais em testosterona definitivamente não deveriam ser razões preocupantes o suficiente.
Algum tempo depois, senti uma mão tocar meu ombro devagar, e pulei de susto. Olhei na direção da pessoa, e dei de cara
com Igor Mendes. Tirei um dos fones contra a minha vontade e esperei ele falar.
- Trouxe celular, Freitas?
Assenti, sentindo um gostoso perfume masculino invadir meus pulmões, e ignorei o fato de que só podia ser o dele.
- Pode me passar o número? – ele perguntou, parecendo um pouco decente pela primeira vez na vida - É pro caso de você
se perder na reserva.
- Eu não vou me perder – respondi, sem muita vontade de dar meu número de celular pro Mendes – Pode ter certeza.
- Mesmo assim, são normas da escola – ele insistiu, com um sorrisinho cordial, e eu tive que dar o número. Escolinha chata
a minha, pelo amor de Deus. Assim que terminou de gravar meu número em seu celular, ele agradeceu rapidamente e
voltou a se sentar ao lado do Hammings. Mas esqueceu de levar uma coisa com ele. A porcaria daquele perfume.
Odores a parte, continuei a ouvir música e pensar em qualquer coisa que passasse pela minha cabeça (lê-se: Leandro
Finatto) por todo o trajeto. Pouco tempo depois de deixarmos a escola, uma chuva fina começou a cair, explicando o céu
nublado que já durava dois dias. E pelas nuvens negras que pairavam mais à frente, o tempo não melhoraria tão cedo.
- Pessoal, chegamos à reserva ambiental - o professor Mendes disse algumas horas depois, enquanto o motorista entrava
num grande estacionamento e eu guardava meu iPod na mochila – Antes de sair, peguem as capas de chuva que trouxemos
devido ao tempo chuvoso que estava previsto pra hoje. Eu vou distribuí-las na porta do ônibus.
Legal, ia ter que fazer contato com aquele idiota mais uma vez, e mal tínhamos chegado à reserva. Peguei minha mochila e
a coloquei direito nas costas, com uma alça em cada ombro (diferentemente do que eu costumava fazer), já de pé. Esperei
até que a aglomeração no corredor do ônibus diminuísse e me encaixei na primeira brecha que encontrei.
- Capa de chuva, Smithers – ouvi o professor Mendes dizer assim que Kelly, que estava bem à minha frente, passou por ele
– Não vai querer que as horas arrumando o cabelo sejam em vão, vai?
Eu sei que o odeio e já cansei de expressar meu desprezo por ele, mas não deu pra não rir daquele comentário. Até que ele
era engraçado quando tirava sarro das pessoas certas. E tinha um perfume viciante também. Não que isso importe.
Ainda rindo disfarçadamente da cara de joelho da Smithers ao pegar sua capa, peguei a minha, dobrada dentro de um
pacote plástico, evitando contato visual com o sr. Mendes. Uma simples piadinha não o tornaria um cara aceitável no meu
conceito.
Burocracias à parte, logo estávamos dentro da reserva, ridiculamente iguais com nossas capas transparentes debaixo da
chuva, que tinha aumentado consideravelmente. Aquele lugar era enorme, fato. Acho que nunca estive num lugar tão cheio
de vegetação e terra na vida. O único cheiro que conseguia sentir era o de terra molhada, tão forte que minha cabeça doía
um pouco. Um dos guias começou a nos levar reserva adentro, e eu apenas seguia o fluxo, já querendo que aquela
excursão terminasse logo.
- Antes de começarmos a conhecer a reserva, vamos lhes mostrar um pequeno documentário sobre os efeitos do
aquecimento global e da exploração prejudicial do homem à natureza, e também algumas medidas quem favorecem o
desenvolvimento sustentável – explicou o guia, quando chegamos a uma grande sala onde uma tela de cinema ocupava
uma parede que ficava de frente para várias poltronas enfileiradas.
Eu realmente odiava vídeos assim, todo mundo já estava careca de saber de tudo que passava neles. Com cara de nada,
apenas me sentei numa poltrona qualquer, numa das pontas mais próximas da porta de saída. Quanto menos eu tivesse que
gastar energia ali, melhor.
O filme logo começou, e eu nem me dei ao trabalho de ouvir e/ou ver o que estava passando. Cutucando uma pele quase
solta e dolorida que estava incomodando o canto da minha unha, esparramada na poltrona e com cara de mau humor, eu
esperava ansiosamente até aquela porcaria acabar e podermos finalmente começar a observar as espécies exóticas de
plantas e animais que existiam na reserva. Tudo ia relativamente bem, até que eu senti alguém se aproximar de pé ao meu
lado. Não precisei nem erguer meu olhar pra saber quem era: o perfume masculino (que não era de se jogar fora mesmo) já
denunciava sua identidade.
- Dá pra parecer menos entediada? – ouvi o sr. Mendes cochichar entre dentes, abaixando um pouco seu tronco para ficar
com a cabeça mais próxima de mim e se fazer ouvir. Revirei os olhos, de saco cheio, e me virei lentamente pra ele, até
encontrar seus olhos.
- Dá pra fingir que eu não existo? – sussurrei, com uma expressão de desprezo sincera, e pude ouvi-lo suspirar antes de se
afastar, em tom de derrota. Isso mesmo, sai de perto. Seu perfume mais do que aceitável não vai me convencer.
Quinze minutos depois, eu ainda me encontrava naquela mesma posição, com a cabeça apoiada numa mão e quase
dormindo. Olhei vagamente pra enorme tela à minha frente, tentando não adormecer, e vendo que não ia agüentar ficar
acordada ali por muito mais tempo, resolvi tomar uma atitude drástica. Me levantei sorrateiramente, trazendo minha mochila
comigo, e caminhei até o professor Hammings, que estava sentado na primeira fileira ao lado do professor Mendes.
- Professor, posso ir ao banheiro? – falei, baixinho, fazendo cara de cachorrinho sem dono – É urgente.
- Estamos na metade do documentário, Freitas – ele murmurou, com sua habitual expressão afetada – Tem certeza de que
precisa ir?
- É realmente necessário – respondi, ignorando o olhar do sr. Mendes praticamente me queimando de tão intenso. O sr.
Hammings ergueu uma sobrancelha, pensativo, e logo resmungou, derrotado:
- Saindo dessa sala, é a primeira porta à direita.
- Obrigada – sorri, aliviada, e saí de fininho pela porta. A chuva tinha dado uma trégua mínima, deixando apenas uma garoa
fina cair, o que já me dava uma certa liberdade pra respirar um pouco de ar fresco sem me molhar. Pelo amor de Deus,
nunca mais pretendia voltar àquela reserva se fosse pra assistir a documentários como aquele. Fala sério, até uma criança
de cinco anos sabe que a fumaça que sai das chaminés das fábricas prejudica a qualidade do ar.
Mais entediada do que nunca, peguei meu celular do bolso da mochila pra ver as horas, e meu tédio só aumentou quando vi
que ainda faltava muito pra irmos embora. Lógico, sua anta, acabamos de chegar. Aposto que se Didi tivesse vindo, tudo
estaria sendo muito melhor, e eu estaria nas nuvens, sorridente e cheia de paciência pra agüentar qualquer chatice que
aquele lugar me proporcionasse. Suspirei tristemente, tão a fim de ir embora que toparia voltar a pé pra casa, e tive uma
idéia. Digitei rapidamente o número do celular de Vanessa e apertei o botão para chamar. Uns dois minutinhos de conversa
ao telefone com alguém civilizado seria no mínimo revigorante. Assim que ouvi uma gravação da operadora dizendo que
meu celular estava sem sinal, quase o deixei cair de susto por causa da segunda voz que surgiu atrás de mim.
- Não achou o banheiro, Freitas? – o sr. Mendes perguntou, irônico. Me virei depressa, cancelando a chamada, e logo seus
olhos castanhos claros entraram em foco.
- Que é, tá me seguindo agora? – rosnei, sem a menor paciência, e fazendo um breve silêncio ocupar nossos ouvidos por
alguns segundos.
- Se eu não soubesse dessa sua... Simpatia com professores de biologia, suas respostas atravessadas seriam desanimadoras
– ele finalmente respondeu, com um cinismo impressionante no rosto, típico de alguém que sabia demais. Meus olhos se
arregalaram um pouco sem que eu percebesse, minha garganta secou, meu coração acelerou, tudo ao mesmo tempo. Ele
não sabia. Ele não podia saber.
- Do que você tá falando? – perguntei, usando toda a minha capacidade de mentir para controlar meus músculos faciais e
não me entregar. O professor Mendes deu uma risadinha irônica e cruzou os braços.
- Ah... Você não sabe do que eu tô falando? – ele repetiu, com os olhos cravados nos meus e dando um passo na minha
direção – Então bastou uma briguinha pro Didi ser carta fora do baralho? Rapidinha você, hein.
Senti uma raiva imensa subir pela minha garganta, por pouco me fazendo voar naquele desgraçado. Merda, ele sabia.
Provavelmente Didi tinha lhe contado tudo, enganado por sua pose de bom moço. Até da nossa briga de dois dias atrás ele
já sabia! Respirei fundo, controlando a fúria engasgada em minha garganta, e com a voz firme, retruquei:
- Me deixa em paz.
- Parece que agora você sabe bem do que eu tô falando – o sr. Mendes sorriu, com um olhar no mínimo divertido –
Podemos conversar de igual pra igual.
- Eu nunca vou ser igual a você – falei, quase esmagando meu celular em minha mão, que agora estava fechada num punho
– Preferiria me matar a viver tendo nojo de mim mesma.
- Não venha se fazer de coitadinha, Freitas, eu sei muito bem as besteiras que você tem falado sobre mim – ele disse,
dando mais um passo na minha direção – O Finatto me conta tudo sobre vocês, cada detalhe, cada palavra de cada
conversa, e eu não gostei nada de saber que você anda colocando as garrinhas de fora.
- Garrinhas de fora? Eu? Tem certeza de que essa fala não era pra ser minha? – eu reclamei, inconformada, com a testa
franzida e a voz um pouco mais alta – Se alguém aqui anda aprontando alguma, esse alguém é você!
- Não sei se você sabe, mas é muito feio acusar alguém sem provas – ele falou, com a expressão carregada e um olhar
irritado – Então eu acho melhor você ficar quietinha no seu canto se não quiser arcar com as conseqüências.
- E que conseqüências seriam essas? Por acaso você tem provas contra mim? – perguntei, erguendo as sobrancelhas num
tom intimidador, e como ele não disse nada, deixei todo o ódio reprimido transbordar – Na primeira tentativa de aprontar
qualquer coisa, Mendes, eu simplesmente entro naquela porcaria de diretoria e conto tudo que você já me fez, e que se
danem as provas. Acho que a diretora não vai gostar nada de saber das suas estripulias, e aí vai ser a palavra de uma aluna
indefesa contra a de um professor com fama de pedófilo. Mesmo que não te expulsem daquela espelunca, sua imagem de
bom moço não vai durar muito tempo.
Igor ficou me encarando por alguns segundos, e eu senti em seu olhar ameaçador que tinha conseguido o que queria:
deixá-lo furioso. Após longos segundos com o maxilar tenso, ele finalmente murmurou, cheio de raiva:
- Pode me ferrar, mas pode ter certeza de que eu levo seu querido Finatto comigo.
Engoli em seco. Não, ele não teria como incriminar Didi, tomávamos todas as precauções possíveis e imagináveis.
Definitivamente ele estava blefando.
- Sabe o que eu acho? – perguntei, com um sorrisinho debochado e as sobrancelhas erguidas em tom de superioridade –
Que você tem inveja do Finatto.
O professor Mendes fez cara de incredulidade, como se Didi fosse um merda, o que só me fez continuar:
- É isso mesmo, você se morde de inveja dele. E sabe por quê? Porque você nunca foi, não é e nunca vai ser nem metade
do homem que ele é. E por ser tão mais homem que você, ele não precisou nem suar pra conseguir a garota que você
sempre quis, mas nunca teve decência suficiente pra conseguir.
Como eu previa, Igor ficou com cara de nada, enquanto eu sorria maleficamente. Ele realmente era um tosco, era fácil
demais deixá-lo sem resposta. Pra não ter que ficar aturando aquele bosta nem o documentário insuportável que passava
dentro da sala, dei um passo em direção ao banheiro, mas assim que o fiz, senti sua mão firme envolver meu braço e me
puxar devagar em sua direção até sua respiração bater em meu ouvido.
- Você vai se arrepender de ter dito isso.
Ergui meu olhar até o dele, desdenhosa, e ele me soltou violentamente. Igor deu meia volta e entrou novamente na sala,
me deixando trêmula de ódio. Até quando eu teria que agüentar as ameaças daquele idiota?

Uma da tarde. A chuva tinha apertado ainda mais, e apesar das galochas que o pessoal da reserva tinha nos emprestado, a
sensação de meus pés afundando na terra ensopada era a mais nojenta possível. Cada passo exigia um esforço considerável
pra não afundar naquela papa marrom na qual o chão tinha se transformado. Quando meu estômago nervoso já começava
a dar fracos sinais de fome, os guias nos encaminharam até o grande refeitório que havia na reserva, onde um almoço
quase decente nos esperava. Comi um pouquinho de qualquer coisa, só pra não acabar desmaiando naquele chão pastoso,
e logo voltamos a explorar aquela selva domada. Tudo que o guia explicava sobre as espécies de plantas e animais que
encontrávamos eu já sabia, só nunca tinha visto exemplares vivos de alguns deles, o que não me interessava muito no
momento. Por que eu paguei para vir a essa excursão mesmo? Ah, sim, porque um certo professor estava escalado para me
acompanhar e eu definitivamente pretendia passar meu dia inteiro com ele, e não com o palerma que o substituiu. Beleza,
tudo estava indo de vento em popa na minha vida.
Enquanto caminhávamos por uma das vias de terra entre as árvores, eu, enjoada de ver tanto verde e marrom ao meu
redor, acabei ficando entre as últimas pessoas do grupo, um pouco mais distante do guia e de sua voz irritante. Minha
cabeça já estava doendo o suficiente com aquele cheiro insuportavelmente forte de terra e as preocupações que
atordoavam minha mente, obrigada. Observando vagamente a vegetação ao meu redor, encontrei um pássaro lindo
pousado sobre um galho, e um sorriso fraco surgiu em meu rosto sem que eu percebesse. Suas cores vibrantes não
conseguiam camuflá-lo em meio às folhas da árvore onde estava pousado, e apesar da chuva fina, resolvi pegar meu celular
na bolsa para fotografá-lo. Como se lesse minha mente, a ave ficou paralisada, e somente após umas três fotos, o animal
finalmente levantou vôo. Seria interessante mostrar pra Didi o quão lindo aquele pássaro era, caso ele não tivesse tido a
oportunidade de vê-lo quando veio. Isso se eu voltasse a ter uma relação normal com ele, o que eu pretendia conseguir em
breve.
Quando fui guardar meu celular irritantemente sem sinal num dos bolsos externos da mochila, percebi que meu chaveiro
tinha sumido. Quem tinha me dado aquele chaveiro tinha sido minha avó, que já tinha falecido. Era uma bailarina linda com
uma perna flexionada, e os pés firmemente curvados, numa ponta perfeita e postura igualmente correta. Aquele chaveiro
sempre tinha sido meu xodó, mesmo antes da morte da vovó, e depois mais ainda. Me lembro bem de tê-lo visto quando
peguei o celular pra ver as horas no almoço, e agora ele não estava mais lá. Ou seja, eu o tinha perdido pelo caminho. E eu
não pretendia ir embora daquela reserva sem ele.
Dei meia volta, vasculhando aquele chão semi líquido em busca de algo rosa claro, mas não achei nada por perto. Alguns
passos depois e ainda assim nada. Olhei pra trás e pude ver o grupo, distante, mas ainda visível, se afastando lentamente.
Tranqüila quanto a não me perder, continuei caminhando devagar na direção oposta, preocupada com meu chaveiro, até
olhar para trás outra vez um tempinho depois e ver que o grupo tinha sumido. Legal, eles deviam ter virado em alguma
curva sem que eu visse. Sem a menor intenção de me perder naquela pseudofloresta, mas sem a menor intenção de deixar
meu chaveiro pra trás também, hesitei por alguns segundos antes de voltar a seguir o grupo. Achando-os, seria só uma
questão de convencer alguém a me ajudar na busca pelo chaveiro.
Caminhei rapidamente na direção da minha turma, e logo pude ouvir a voz não muito distante do guia. Virei numa curva um
pouco a frente, desatenta por ainda vasculhar o chão, e só deu tempo de frear bruscamente quando vi uma pessoa muito
próxima vindo na direção oposta. Caraca, ele realmente estava me perseguindo.
- Eu falei pra não se afastar do grupo – o professor Mendes rosnou entre dentes, recuperando-se rapidamente da quase
trombada – Dá pra fazer esse favor?
- Eu perdi meu chaveiro – falei, encarando minhas galochas sem a mínima intenção de olhar pra ele, a pessoa menos
adequada para me ajudar.
- E eu com isso? – ele perguntou, e eu pude ver aquela típica expressão de deboche em seu rosto – Compra outro.
- Não dá, tem que ser aquele – exclamei, assim que ele fez menção de me dar as costas e sair andando, e o vi voltar a me
encarar, entediado – Tem valor sentimental.
O sr. Mendes virou seu corpo totalmente na minha direção, e apenas me encarou por alguns segundos com os olhos
brilhando de desdenho.
- Mil perdões, eu não sou o Finatto – ele sussurrou, cínico – E eu não dou a mínima pros seus sentimentos.
Ergui meu olhar pra ele, sem saber direito que cara fiz. Só sei que não deve ter sido das melhores, porque um sorrisinho
vitorioso surgiu em seu rosto antes que ele se virasse e começasse a caminhar na direção do grupo. Lancei um olhar triste
pra trás, tentando me conformar com a perda do chaveiro, e segui a mesma direção que ele, sem ousar olhar na cara
daquele cretino. Meu dia estava sendo realmente ótimo.

Capítulo 07
Cinco e quarenta e dois. Esse era o horário que meu celular marcava quando pisei no Starbucks, já de volta a Londres.
Geralmente após as excursões, a turma era levada até lá pra tomar um lanche e relaxar um pouco após um dia de
aprendizado fora da escola. Meu momento de relaxar baseou-se em ficar sentada numa das mesas mais isoladas de todos,
com um frapuccino que minha garganta não queria engolir entre meus dedos gelados e a cabeça pesada. Meu dia tinha sido
um lixo, um dos piores da minha vida, sem dúvida.
Encarando a paisagem cinza e chuvosa que havia do lado de fora pela janela de vidro ao meu lado, eu brincava com o
canudo do milkshake praticamente intocado, sentindo um mau humor gigante urrando dentro de mim. Meu estômago
demonstrava fome, mas eu não tinha vontade nem capacidade de comer ou beber alguma coisa. Com um cotovelo apoiado
na mesa e a cabeça apoiada na mão, enquanto a outra se distraía com o copo, eu mantinha meu maxilar tenso, sem nem
notar o ser que se aproximava devagar.
Vi alguém se sentar na cadeira à minha frente, e sem nem precisar mover meus globos oculares, reconheci o indivíduo como
sendo Igor Mendes. Falta de sexo dava em perseguição desesperada, só podia ser. Sem dizer nada, ele ficou me encarando,
com as mãos no colo e um sorrisinho insuportável. Incomodada com a presença dele, desviei meu olhar dos pingos de
chuva que escorriam pelo vidro da janela até encontrar o dele.
- Perdeu alguma coisa? – resmunguei, sem mexer mais nada além dos meus músculos faciais. Igor continuou com seu
sorrisinho divertido antes de erguer uma de suas mãos sobre a mesa, fechada num punho, e responder:
- Eu não, mas eu acho que você sim.
Franzi a testa, sem nem tentar entender, e ele abriu a mão, deixando uma coisa rosa clara pender de uma pequena corrente
prateada entre seus dedos polegar e indicador unidos. O meu chaveiro.
Senti meus olhos se arregalarem e meu queixo cair na hora em que vi a bailarina balançando de leve bem na minha frente.
Imediatamente, arranquei-a da mão dele, segurando-a com firmeza enquanto a observava por alguns segundos, e logo
depois a coloquei dentro da bolsa.
- Quer dizer que ela estava com você desde o começo – murmurei, morrendo de raiva, quando voltei a encará-lo – Por que
você não me devolveu assim que soube de quem era?
- Sua criatividade me comove, Freitas – ele disse, rindo da minha cara – Pra que eu ia querer ficar com o seu chaveiro? Foi o
Hammings que o encontrou e só me deu agora, por isso eu vim devolver.
Continuei encarando-o, sem saber se acreditava ou não. Preferi não ocupar minha mente com aquele assunto, já estava
tudo resolvido, meu chaveiro estava comigo de novo e eu pouco me importava se ele estava dizendo a verdade ou não. Ele
era um imbecil de marca maior e estar sendo sincero não o faria menos desprezível.
- Obrigada, se era isso que você queria – resmunguei, grossa, voltando a encarar a paisagem lá fora. Que estado calamitoso
eu havia atingido, era capaz até de agradecê-lo pra vê-lo longe de mim.
- Eu quero bem mais de você – ouvi o professor Mendes murmurar, com os olhos cravados em mim – Sei que minha vez vai
chegar, e tenho paciência pra esperar.
Sem dizer mais nada, ele se levantou e voltou a se sentar em sua mesa junto com o professor Hammings, finalmente me
deixando sozinha com meus pensamentos, e com um ódio cada vez maior dele. Se antes daquela excursão eu já estava
decidida a contar tudo sobre o Mendes pra Didi, agora eu não perderia a chance de fazê-lo o mais breve possível.

- Mãe, cadê você?


Seis horas e cinqüenta e três minutos. Eu estava parada na porta da escola, quase congelando de frio, falando com minha
querida e pontual mãe ao celular. Por que raios ela não estava parada na frente do colégio pra me levar pra casa se a
porcaria da excursão estava prevista pra acabar às seis e meia? Quase meia hora de atraso, bem típico de mamãe mesmo.
- Desculpe o atraso, filha, acabei cochilando e perdi a hora – ela respondeu, parecendo um tanto afobada do outro lado da
linha – Já estou indo te buscar, querida, não demoro.
- Não demore mesmo, por favor – murmurei, ao ver que não havia mais sombra de nenhum aluno na porta da escola.
Fechei o slide do celular lentamente, com frio demais pra me mover mais rápido que aquilo. Depois de toda aquela chuvinha
fraca irritante e incessante, veio um frio que ninguém estava esperando, acompanhado de uma escuridão precoce que dava
a impressão de que já eram nove da noite. Todos deixaram o ônibus encolhidos e buscando o ambiente agradável de dentro
dos carros dos pais. Só eu tinha que me conformar com mais alguns minutos de espera, sentindo a ponta de meus dedos
dos pés e das mãos perderem a sensibilidade, meu nariz ficar gelado e ver minha respiração virar fumaça assim que entrava
em contato com o ambiente. Legal, mãe, obrigada por se lembrar de mim.
Distraída com os poucos carros que passavam pela rua, nem percebi quando uma pessoa se aproximou de mim, e assim
que notei sua presença, ergui meu olhar até o dela.
- Oi, gatinha – um garoto que eu não fazia a idéia de quem era disse, com um sorriso nada agradável no rosto e me
olhando de cima a baixo. Ele devia ter uns 19 anos, alto, magro e com dentes muito amarelos. Usava um conjunto de
moletom azul marinho que parecia ser três vezes maior que ele, tênis de basquete e uma touca cinza que fazia sua cabeça
parecer deformada, junto com uma barba por fazer que só aumentava a impressão de sujo que o bafo de cerveja já o dava.
Engoli em seco novamente, sentindo meu coração acelerar e a boca secar. Droga, ele ia me roubar. Olhei em volta, e tudo
que vi foi o sr. Hammings arrancando com seu carro sem nem notar minha existência. Busquei desesperadamente algum
sinal de vida naquela rua fora nós dois, mas não encontrei. Legal, eu estava definitivamente sozinha com aquele cara
estranho enquanto minha mãe não chegasse. Fechei minha mão discretamente, tentando esconder meu celular, o que foi
em vão, já que ele logo olhou naquela direção e aumentou seu sorriso pervertido.
- Que foi, tá com medo, gata? – ele riu, voltando a me encarar com a voz arrastada de quem tinha tomado um belo porre –
Fica com medinho não, o papai aqui não vai te fazer mal.
Dei um passo pra trás na direção da porta da escola, tentando não demonstrar meu medo, mas o garoto me acompanhou,
dando um passo na minha direção ao mesmo tempo. Que merda, eu não queria ser assaltada, muito menos estuprada,
hipótese que me amedrontava mais que qualquer coisa só pelo simples fato de pensar nela.
- Eu não te conheço – falei, com a voz trêmula de medo – Vai embora, por favor.
- Não me conhece, mas pode conhecer – ele sorriu, dando mais um passo na minha direção e ficando a uma distância muito
desconfortável – Não vou deixar uma gata dessas sozinha aqui a essa hora.
- Pode ficar tranqüilo, ela não tá sozinha – ouvi uma voz firme atrás de mim, e logo depois um braço envolveu meus ombros
com a mesma firmeza – Eu tô com ela, não precisa se preocupar.
Acho que nunca me senti tão bem por ter Igor Mendes por perto. O cara estranho arregalou levemente os olhos ao vê-lo
sair do colégio e se aproximar de mim, e seu sorrisinho simplesmente desapareceu de seu rosto, dando lugar a um certo
pânico.
- Ah... Não sabia que a moça tava acompanhada – ele balbuciou, dando discretos passos pra trás.
- Pois é, mas agora sabe - o sr. Mendes disse, sem perder a firmeza na voz – Pode ir tomando seu rumo.
Sem dizer mais nada, o garoto assentiu depressa, um pouco assustado pela atitude intimidante do sr. Mendes, e saiu
andando sem nem olhar pra trás. Continuei paralisada onde estava, seguindo-o com o olhar até perdê-lo de vista, e só
então consegui respirar novamente.
- Você conhece esse rapaz? – Igor perguntou, ainda me abraçando firmemente. Ergui meu olhar até ele, que estava com a
expressão fechada e os olhos fixos na direção que o rapaz tomou, e respondi, inalando sem querer o perfume que eu tentei
evitar o dia inteiro:
- Nunca o vi na vida.
Ele assentiu devagar e me olhou, sem mudar de expressão. Meu cérebro entrou em conflito com meu coração assim que os
traços do professor Mendes, mal iluminados pela luz fraca da rua, entraram no meu campo de visão, devido aos meus
batimentos cardíacos subitamente acelerados. Eu já sabia que ele era bonito, mas talvez a gratidão por ele ter aparecido e
afastado aquele cara o estavam tornando ainda mais lindo naquele momento.
- Aqui é muito perigoso quando escurece – ele falou, com a voz de um pai super protetor dando sermão na filha – Cadê a
sua mãe?
- J-já tá vindo – gaguejei, meio distraída com o rosto dele (me deixa, ele nunca tinha feito aquela cara de preocupado pra
mim antes, dá uma trégua) – O que o senhor ainda tava fazendo aqui?
- Fui até o meu armário buscar uns relatórios que tenho que corrigir pra amanhã - ele respondeu, voltando a olhar pra rua
com certa impaciência – Sabe se sua mãe vai demorar?
- Ela já está no caminho, logo chega – eu disse, desviando meu olhar dele pra ponta de meus tênis levemente sujos de
terra.
- É melhor ela não demorar mesmo, tô morrendo de frio aqui – o sr. Mendes comentou, com as sobrancelhas erguidas num
tom autoritário. Ergui meu olhar pra ele novamente após alguns segundos de silêncio, inconformada com a capacidade que
ele tinha de ser desagradável em todos os momentos.
- Não pedi pra você ficar – falei, mesmo sabendo que era realmente perigoso ficar sozinha ali àquela hora – Pode ir embora
se quiser.
Igor soltou um risinho debochado e me olhou, parecendo indignado com a minha resposta atravessada.
- Não sei por que eu ainda perco meu tempo com você, Freitas – ele riu, sem humor algum, e tirou seu braço dos meus
ombros com certa violência. Me encolhi um pouco, sentindo o vento frio voltar a soprar na região onde antes o casaco
quentinho dele cobria, e o observei se afastar, indo em direção à sua moto, estacionada perto de uma árvore que só deixava
seu pneu dianteiro visível de onde eu estava. Não acredito que ele estava mesmo indo embora. Cagão.
Ele colocou o capacete pelo caminho e não demorou a arrancar com a moto, realmente me deixando sozinha naquela rua
mal iluminada e fria. A simples hipótese de agradecê-lo por ter afastado aquele marginal, que tinha crescido um pouco,
tornou-se totalmente inaceitável de novo. Idiota, bunda mole, grosso, sem educação. Didi jamais me deixaria sozinha
naquele lugar, tenho certeza.
Só de pensar em Didi, soltei um suspiro chateado, fazendo uma grande quantidade de fumaça sair de minha boca. Abracei
meu próprio corpo, tentando inutilmente fazer aquele frio passar, mas isso seria impossível com apenas uma blusinha fina
de malha. Encarei a rua, desesperada para encontrar minha mãe, e assim fiquei por alguns minutos, até ver os faróis do
Land Rover dela surgirem em meio à quase escuridão. Suspirei novamente, aliviada, e assim que me aproximei da rua, vi
um farol se acender bem ao meu lado, atrás daquela mesma árvore onde antes estava a moto do sr. Mendes. Olhei naquela
direção, parando de andar ao reconhecer a mesma moto que estava estacionada ali há minutos atrás, e vi um homem de
capacete olhando pra mim, com seus olhos castanhos claros refletindo intensamente a luminosidade do farol. Franzi a testa,
sem entender por que ele tinha voltado, e cerrei meus olhos, reprimindo com todas as minhas forças os batimentos
novamente acelerados de meu coração e continuando o caminho até o carro de mamãe.
- Desculpe a demora de novo – ouvi minha mãe dizer, enquanto eu entrava no veículo e sentia o alívio da temperatura
agradável do seu interior - Quem era aquele na moto, querida?
Olhei na direção da moto do sr. Mendes, que arrancava novamente à nossa frente e se afastava depressa, e abaixei meu
olhar pra colocar o cinto de segurança, respondendo sua pergunta num murmúrio seco:
- Ninguém, mãe.

- Que bom ver que você sobreviveu aos mosquitos-azeitona! – Vanessa riu, estirando seus braços na minha direção assim
que cheguei à escola no dia seguinte.
- Eu preferia ter que enfrentar mosquitos gigantes a passar pelo dia de ontem outra vez – falei, rindo da minha própria
desgraça ao retribuir o abraço carinhoso dela.
- Credo, Leila, vira essa boca pra lá – ela reclamou, espalmando uma mão em minha bochecha e empurrando devagar meu
rosto para o lado oposto como se fosse um tapa, quando nos afastamos – Depois vira ela de volta pra cá e conta tudo.
Como é que foi ontem?
Relatei os (deploráveis) acontecimentos do dia anterior pra Vanessa em alguns minutos, e assim que terminei de contar, ela
não demonstrou reação, apenas fixou seu olhar em algum ponto atrás de mim.
- Que foi, criatura? – perguntei, meio assustada, e me virei na direção de seu olhar. Dei de cara com um suéter verde
musgo se aproximando cada vez mais, e numa fração de segundo, meu coração deu dois giros de 360 graus dentro do meu
peito. Tentei respirar à medida que nossos olhares se cruzaram e se fixaram um no outro, mas por mais esforço que eu
fizesse, não consegui oxigenar meus pulmões. Tudo que fui capaz de fazer foi continuar encarando Didi, que se aproximava
cada vez mais com uma expressão tensa e olhinhos cansados, até me dar conta de que ele estava parado na minha frente.
- Erm... Bom dia, Racca – ele murmurou, dirigindo-se à Vanessa com um sorrisinho nervoso, e abaixando mais ainda seu
tom de voz quando se referiu a mim - Oi, Leeh.
- Oi, sr. Finatto – falei, sem emoção (só aparentemente), enquanto Nyks apenas sorriu fraco e respondeu seu cumprimento
com um aceno de cabeça. Pude ver no olhar de Didi que ele não tinha gostado muito do jeito pelo qual eu o chamei, mas
mantive a seriedade. Ainda não sabia onde estava pisando com ele, era melhor me manter com um pé atrás.
Sem dizer mais nada, Didi apenas me entregou um pedaço pequeno de papel dobrado com o qual ele estava brincando
apreensivamente desde que tinha pisado na escola, e assim que eu o peguei de sua mão, recebi um sorriso fraco antes de
vê-lo se afastar em direção à sala dos professores. Fiquei observando-o entrar na sala, com a expressão vazia, e se Vanessa
não tivesse me cutucado, acho que teria ficado encarando a porta daquela sala pelo resto da vida.
- Tá esperando o que pra ler o bilhete, Leila? – ela sussurrou, com um sorriso empolgado, e eu desdobrei o pedaço de papel
pautado que estava em minhas mãos.

Te vejo lá em casa mais tarde? xx

O sinal tocou, iniciando mais uma sexta-feira de aula, assim que eu bati os olhos naquela frase, e em questão de segundos
um sorriso aliviado surgiu em meu rosto. Sei lá, acho que as frustrações da excursão de ontem e tudo que vinha dando
errado na minha vida de uns dias pra cá estavam me deixando sufocada, e agora que existia uma pontinha de esperança
nadando contra a maré de azar, foi impossível controlar o alívio. Ergui meu olhar do papel para Vanessa, que ostentava uma
expressão boba e maravilhada, e meu sorriso se abriu ainda mais.
- Eu não falei que ele ia te chamar? – ela disse baixinho, e pela primeira vez em dois dias inteiros, eu consegui rir de
verdade. Uma sensação de leveza percorria meu corpo, me fazendo querer rir e chorar ao mesmo tempo. Eu sabia que só
porque ele tinha me chamado pra ir à casa dele não significava que tudo estava bem entre nós de novo, mas já era um
começo, certo?
Continuei sorrindo pra Vanessa, que me abraçou de lado, e começamos a caminhar lentamente até o portão de entrada da
escola. Pelo visto hoje o dia seria um pouco melhor do que os outros. Era tudo que eu queria e tudo que eu precisava.

- Você vai, certo? – Vanessa perguntou, com o olhar perdido, enquanto ouvíamos música no intervalo.
- Claro que vou, tudo que eu quero é acabar com isso de uma vez por todas – respondi, observando um grupo de garotas
do primeiro ano rirem escandalosamente por algum motivo que eu não estava interessada em saber.
- E você vai contar tudo sobre o Mendes também, certo? – ela disse, virando-se pra me encarar com a expressão firme.
Assenti devagar, engolindo em seco, mas não consegui segurar as dúvidas que ocupavam minha mente.
- Na verdade, eu não sei – falei, fechando os olhos e fazendo uma careta quando vi a cara de pânico que ela fez – Quer
dizer, se nós conversarmos e ficar tudo bem, não vou nem querer lembrar que o Mendes existe!
Eu realmente não queria tocar no assunto Igor Mendes se tudo se acertasse como eu esperava. Ficar falando de outro
homem, ainda mais de um que eu odiava e era melhor amigo dele, não era o que eu mais gostaria de fazer com Didi. Além
do mais, o Mendes tinha me feito um grande favor ontem, mesmo que daquele seu jeito idiota lifestyle, ou seja, parecia que
ele estava tentando ser menos estúpido comigo depois que percebeu que eu também podia ser uma ameaça a ele. Seria
mais fácil continuar a travar aquela briga por debaixo dos lençóis com o sr. Mendes do que chutar o pau da barraca e talvez
fazer Didi tomar alguma atitude precipitada ou arriscada. Eu realmente morria de medo da reação dele quando descobrisse
a verdade sobre Igor.
- Leila, deixa de ser idiota pelo menos uma vez na vida e me escuta! – ela exclamou, até desligando o iPod pra ser ouvida
com clareza – Até quando você pretende continuar nessa de querer fingir que o Mendes não existe e não significa perigo pra
vocês dois, hein? Porque eu não sei se você já reparou, mas o sr. Finatto não age assim, e na primeira abobrinha que o
Mendes falar de você, tchau romance perfeito!
- Eu sei, Vanessa – suspirei, erguendo as sobrancelhas ainda de olhos fechados – Repetir isso não vai adiantar nada, eu
pensei nesse assunto durante aquela maldita excursão inteira.
- É mesmo? Pois então perdeu seu tempo, porque se sabe o que tem que fazer e até agora não tem certeza de que atitude
vai tomar, não valeu a pena pensar tanto assim – ela retrucou, desviando seu olhar do meu com irritação.
Um silêncio meio tenso tomou conta de nós, quebrado apenas pela música que Vanessa voltou a colocar pra tocar no iPod.
Nós duas observávamos as pessoas que andavam pelo pátio do colégio, e poucos minutos depois, reconheci o sr. Finatto e o
sr. Mendes saindo da sala dos professores juntos. Fixei meu olhar neles, assim como Vanessa, e vi os dois caminharem até a
saída da escola para tomar lanche numa padaria que ficava na esquina, como sempre, sem nem sequer notar nossa
existência ali perto. Pareciam compenetrados em algum assunto sério, pois ambos tinham a testa franzida e o olhar
preocupado. Aquela preocupação que eu vi pela primeira vez ontem nos olhos do sr. Mendes, que deixava seus olhos ainda
mais intensos. Tá, isso não me interessa.
- Sabe de uma coisa? – Vanessa disse, quando eles sumiram de nossa visão, e eu me virei pra ela – Mesmo ele sendo o
péssimo exemplo de ser humano que ele é, eu ainda acho que você devia agradecê-lo por ter afastado aquele cara de você
ontem.
Voltei a olhar na direção da rua, soltando o trilhonésimo suspiro preocupado em três dias. E sabe o que era o pior de tudo?
Ela estava certa. Por mais cachorro que ele fosse, eu não podia negar que devia agradecimentos a Igor Mendes.

- Belo relatório, Kristen.


Final da última aula. Passei pela porta do laboratório de biologia, sem realmente acreditar no que estava prestes a fazer. Só
de ouvir aquela voz constantemente metida, já me dava vontade de dar meia volta e ir embora. Mas já era tarde demais, eu
já estava dentro do laboratório, parada ao lado de um dos três grandes balcões que haviam lá, esperando até que a tal
Kristen fosse embora. Quanto menos gente soubesse que eu tinha qualquer tipo de contato com Igor Mendes fora do
horário das aulas, melhor.
A tal garota deixou a classe com um sorrisinho malicioso, e me olhando de cima a baixo ainda por cima, como se eu fosse
como ela e topasse ir pra cama com aquele cafajeste. Evitei olhar pra garota, sentindo que voaria no pescocinho dela se não
me controlasse, e logo ouvi a voz do sr. Mendes dizer.
- Você por aqui, Freitas? A que devo a honra?
Olhei pra ele, que estava sentado em sua cadeira organizando várias pilhas de papéis, provavelmente relatórios, que
estavam sobre sua mesa.
- Não acredito que eu vou realmente dizer isso, mas... Eu vim te agradecer pelo que você fez por mim ontem depois da
excursão – falei, decidindo ser direta e objetiva pra gastar menos do meu tempo me humilhando pra ele. Igor nem ergueu o
olhar dos relatórios, apenas sorriu maliciosamente e disse:
- Não precisava ficar sem graça, a maioria das garotas também costuma voltar pra agradecer pelos grandes favores que eu
faço por elas.
Entendendo o verdadeiro sentido da palavra “favores” sem dificuldade, cerrei meus olhos fixos nele, com uma expressão
que ficava entre a incredulidade e o desprezo. Que homem ridículo. Nunca senti tanta raiva de mim mesma por ter ido atrás
dele. Devia ter sido tão inescrupulosa quanto ele e simplesmente ignorar o fato de que uma vez na vida ele me fez um
favor.
- Eu realmente não sei por que fiquei surpresa com essa resposta – eu retruquei, com um risinho inconformado no rosto –
Só posso ser muito idiota mesmo.
Dei meia volta pra ir embora, mas assim que dei um passo na direção da porta, ouvi a voz de Igor voltar a falar, com um
inesperado toque de sinceridade.
- Foi muito educado da sua parte vir até aqui me agradecer, Freitas. Confesso que você me surpreendeu... Mais uma vez.
Me virei novamente pra ele, e um certo arrepio percorreu minha espinha quando meu olhar encontrou o dele, tão intenso
sobre mim. De um jeito diferente do que eu tinha descoberto ontem. Ainda mais invasivo, imponente, vidrado, como se eu
fosse a única coisa que houvesse pra se olhar na vida dele.
- Por que você voltou ontem? – ouvi minha própria voz perguntar, com o olhar grudado no dele por alguma razão que eu
não sabia explicar. Aquela dúvida estava entalada na minha garganta desde que o vi novamente estacionado atrás daquela
árvore, como se estivesse tomando conta de mim às escondidas. Os olhos de Igor continuaram fixos nos meus, ainda mais
intensos que antes, até que um sorrisinho de canto surgiu em seu rosto e ele respondeu:
- Curiosidade.
Franzi a testa, sem entender, e ele explicou melhor:
- Queria saber se sua mãe era tão bonita quanto você. E pra falar a verdade, seu pai é um homem de sorte.
Cerrei novamente meus olhos, encarando-o sem acreditar no que tinha acabado de ouvir. Eu sabia que ele era grosseiro,
mas não achei que fosse capaz de usar cantadas daquele tipo. Só havia um tipo de homem que podia usar cantadas como
aquelas no mundo: homens como Leandro Finatto, por exemplo. Caras como Didi eram capazes de transformar cantadas
toscas como aquela em música para os ouvidos de qualquer mulher apenas com seu olhar e jeito de falar.
- Eu quase achei que você tava conseguindo falar sério pela primeira vez na vida – murmurei, olhando-o com uma decepção
irônica – Mas me lembrei de que milagres não acontecem.
Pude ver o sorriso do professor Mendes se alargar um pouquinho com a minha resposta, realmente achando graça do que
eu tinha dito. Me virei novamente na direção da porta, e deixei o laboratório, descendo rapidamente os lances de escada
rumo à saída da escola. E por incrível que pareça, eu estava rindo. Uma coisa era certa: Igor Mendes pode reunir todos os
defeitos que alguém pode ter, mas sem dúvida, ele sabia se divertir. E me divertir também.
Capítulo 08

Respirei fundo, sentindo o aroma floral gostoso com o qual já estava acostumada. Toda vez que pisava na guarita do prédio
de Didi, o cheiro das flores do jardim invadia meus pulmões, geralmente fazendo um sorrisinho surgir em meu rosto. Mas
hoje eu estava preocupada, ansiosa demais pra sorrir. Assim que me viu, Andy abriu a porta para mim, como em toda
sexta-feira, e eu entrei, respirando fundo outra vez. Trêmula, passei por ele, que me deu um sorrisinho amigável por detrás
do balcão da portaria, e subi pela escada, inquieta demais para esperar o elevador. Aquela poderia ser a última vez que eu
estaria naquele prédio. Meu estômago revirou de nervosismo só de pensar.
Assim que o primeiro andar entrou no meu campo de visão, vi Didi me esperando com a porta de seu apartamento aberta.
Minha garganta ficou totalmente seca assim que seus olhos castanhos escuros me encararam.
Me aproximei da porta, com a respiração discretamente ofegante, mas sem nenhuma relação com os lances de escada que
subi. Não soube como agir, até que ele abaixou o olhar e me deu espaço para passar. Com sérias dificuldades pra respirar
de tão apreensiva, eu entrei e parei a alguns passos da porta, de costas pra ele, enquanto o ouvia trancá-la. Tomando
coragem, me virei em sua direção, e o observei encarar o chão e prolongar aquele silêncio sepulcral por mais alguns
segundos.
- Como você tá? – ouvi Didi murmurar, com um pouco de cuidado na voz, e quase não soube responder, porque seu olhar
se fixou no meu.
- Bem – respondi, com a voz falha, e pigarreei de leve para firmá-la – E você?
- Já estive melhor – ele falou, assentindo devagar e voltando a encarar os próprios pés. Mais silêncio.
- Não quer se sentar? – ele disse, me olhando novamente após mais algum tempo quieto, e indicou o sofá com um gesto de
mão. Me sentindo uma visitante incômoda, fiz que não com a cabeça e esbocei um sorriso cordial, evitando olhar em seus
olhos. Didi respirou fundo, colocando as mãos nos bolsos da bermuda bege, e perguntou, com a voz baixa:
- Como foi a excursão?
Soltei um discreto risinho miserável ao ouvir sua pergunta, me lembrando de todos os péssimos momentos daquele dia.
Nem que eu quisesse seria capaz de explicar o quão torturante aquela excursão tinha sido.
- O que você acha? – murmurei, encarando meus tênis com a expressão vazia – Não podia ter sido pior.
Didi abaixou seu olhar, parecendo um pouco culpado pela minha resposta, e eu continuei:
- Ter que passar o dia inteiro com pessoas que eu não gosto e que também não gostam de mim, quase perder o chaveiro
que minha avó me deu de presente, e pra encerrar com chave de ouro, quase ser assaltada enquanto esperava minha mãe
ir me buscar na escola. Grande dia, sem dúvida.
- O que? Você quase foi assaltada? – Didi repetiu, com a voz um pouco sobressaltada, e eu pude ver seu rosto demonstrar
preocupação – Como assim?
Ergui meu olhar pra ele, e entortei a boca, balançando a cabeça negativamente.
- Não foi nada de mais – respondi, sem querer citar o momento em que o professor Mendes apareceu e expulsou aquele
cara estranho – Minha mãe chegou bem na hora e ficou tudo bem.
Didi continuou me encarando, com o olhar meio aflito e a testa levemente franzida, e eu sustentei seu olhar, séria por fora e
desmoronando por dentro. Tudo que eu queria naquele momento era abraçá-lo, só isso já me faria um bem enorme.
- Eu devia ter dado um jeito de ir com você – ele disse delicadamente, como se tentasse enxergar meus pensamentos
através dos meus olhos – Evitaria muita dor de cabeça.
- Pois é – suspirei, sentindo minhas entranhas se revirarem de ansiedade dentro de mim ao ouvir seu tom de voz
reconfortante. Se eu dissesse que estava lacrimejando, seria muito ridículo?
- Talvez se eu tivesse ido com a sua turma, nós não estivéssemos agindo como dois estranhos nesse exato momento – Didi
murmurou, com os olhos cravados nos meus de um jeito tristonho – Tudo isso por uma discussão que já não tem a mínima
importância pra mim... Porque o que eu sinto por você é muito maior e mais especial do que isso.
Um sorriso tímido surgiu no meu rosto, derrubando duas lágrimas fujonas dos meus olhos. Alívio era pouco perto do que eu
estava sentindo. Ele sorriu fraco pra mim, e toda aquela seriedade que existia antes sumiu de seus olhos instantaneamente,
voltando a mostrar o Didi maravilhoso que eu conhecia. O meu Didi.
- Me desculpa – eu falei, com a voz embargada, e cobri meu rosto com as mãos, sentindo vergonha de mim mesma por
estar chorando.
- Esquece isso, já passou - ouvi sua voz preocupada murmurar, bem perto do meu ouvido, me abraçando carinhosamente e
me obrigando a inalar seu perfume viciante – Eu senti tanta saudade de você... Não conseguia te tirar da cabeça por um
minuto sequer, me odiando por não ter simplesmente corrido atrás de você sem nem ligar pro que os outros iam pensar.
Àquela altura, eu já estava totalmente mole, ainda de pé somente porque ele me segurava. Era como se aquilo fosse um
sonho. Didi afundou seu rosto em meu pescoço, respirando profundamente meu perfume, e me deu um beijo atrás da
orelha, provocando arrepios por todo o meu corpo. Logo depois, suas mãos envolveram meu rosto e o ergueram até nossos
olhares se encontrarem. Encostando a ponta de seu nariz no meu, ele sussurrou, olhando fundo nos meus olhos com um
sorrisinho lindo:
- Eu te amo, minha pequena.
Sorri novamente, fazendo com que duas últimas lágrimas teimosas, que ele logo enxugou com os polegares, rolassem pelo
meu rosto. Passei minhas mãos ao redor de seu pescoço, com o sangue formigando dentro das veias, e venci a pouca
distância que separava nossos lábios. Senti Didi sorrir assim que nossas línguas se encontraram, sem a menor pressa de se
afastarem, e ele envolveu minha cintura com seus braços. Deus, como era bom me sentir inteira novamente. Envolvi seu
rosto com minhas mãos, matando a saudade de cada centímetro daquela região, e embrenhei meus dedos em seus cabelos,
que estavam arrumados demais pro meu gosto. Senti meus pés saírem do chão quando Didi me levantou, e dobrei minhas
pernas pra trás, partindo o beijo e afundando meu rosto em seu pescoço. Sorrindo feito uma idiota, aproveitei a
proximidade entre minha boca e seu ouvido para sussurrar:
- Você sabe que eu também te amo... Não sabe?
Didi me colocou no chão novamente, e quando voltamos a nos encarar, vi que ele fingia pensar numa resposta, fazendo um
biquinho fofo e olhando pra cima.
- Hm, não sei... Que tal refrescar a minha memória?
Um sorrisinho danado surgiu em seu rosto, o que só me fez sorrir mais ainda. Quase tinha me esquecido de como era bom
estar com ele e de como ele me fazia rir com uma facilidade impressionante.
- Pode deixar que eu te faço lembrar direitinho, Finatto – sussurrei, com meus lábios rentes aos dele num sorrisinho esperto
e um olhar intenso em seus olhos castanhos escuros radiantes. Didi colocou suas mãos em minha cintura e me puxou pra
mais perto bruscamente, me beijando na mesma hora com uma vontade assustadora. Parecia que ele se lembrava muito
bem, e estava mais do que disposto a me dar um flashback.
Suas mãos logo desceram mais um pouco, parando espalmadas em minha bunda, e as minhas deslizaram lentamente pelo
seu tórax e abdômen, saboreando cada milímetro do trajeto. Didi continuou descendo uma de suas mãos até a minha coxa,
e a puxou pra cima, fazendo meu joelho ficar na altura de seu quadril. Entendendo o que ele queria (me carregar pra algum
lugar, como sempre), eu subi novamente minhas mãos até seus ombros e me impulsionei pra cima, envolvendo sua cintura
com minhas pernas. Agradecendo com gemidos baixos enquanto me beijava, ele deu alguns passos às cegas, segurando
firme em minha bunda enquanto eu voltava a agarrar seus cabelos da nuca. Mais alguns passos adiante e eu estava sentada
sobre algo plano. Tateei a superfície, enroscando meus dedos em alguns fios inesperados, e percebendo minha curiosidade,
Didi partiu o beijo e disse, com a boca avermelhada e um olhar meio enfezado:
- Quer fazer o favor de parar quieta?
Olhei pra baixo, e me vi sentada sobre a mesinha do telefone, que tinha sido empurrado pro lado e caído no sofá, deixando
sobre a mesa apenas sua fiação. Ah, tá, agora eu entendi.
- Foi mal – murmurei, sorrindo sem graça pra ele, que revirou os olhos com um sorriso de canto e voltou a me beijar logo
depois. Sem tempo a perder, enfiei minhas mãos por debaixo de sua blusa branca, tocando sua pele quente, e as deslizei
até descobrir seu abdômen todo. Com uma das mãos, puxei-o pra mais perto pelo cós da bermuda, e ele resolveu tirar a
blusa, puxando-a pra cima pela parte de trás e jogando-a longe em dois segundos. Assim que se aproximou novamente,
Didi avançou em meu pescoço, dando beijos e leves chupões pela região. Agarrei com mais força seus cabelos, enquanto
fincava minhas unhas da outra mão em seus ombros divinos.
Ele continuou descendo seus beijos até meu colo e desabotoou um dos dois botões da minha camiseta preta, que só
serviam pra regular o decote. Beijou de leve o local onde o botão cobria, e fez o mesmo com o segundo botão. Ele ergueu o
olhar na minha direção, sorrindo pervertidamente, e depois suas mãos foram até o fecho do meu sutiã por baixo da blusa,
levando-a junto. Tirei-a na mesma hora, com a ajuda desnecessária dele, e assim que ela voou pra algum lugar, sua boca
estava grudada na minha novamente. Já bastante ofegante, eu acariciava seus braços e peito, sentindo seus dedinhos ágeis
puxarem as alças de meu sutiã e fazendo-as escorregarem por meus ombros.
Com uma mão firme envolvendo sua nuca e mantendo seus lábios firmemente colados nos meus, eu lutava contra o botão
de sua bermuda, que não queria abrir de jeito nenhum, com a outra mão. Pelo visto estávamos perdendo o jeito, porque
Didi também parecia estar com dificuldades com meu sutiã, mesmo usando as duas mãos para tirá-lo, até que ele se irritou
e me afastou de leve.
- Resolve o meu problema que eu resolvo o seu, pode ser? – ele ofegou, atordoado, e eu assenti na hora, tirando o sutiã
com facilidade enquanto via a bermuda dele descer até alcançar o chão. Achando graça do momento complicado, voltamos
a nos beijar com um sorriso, e eu senti seu queridinho dar sinais empolgantes de vida mais embaixo. Abracei seu pescoço
com mais força enquanto ele apertava meus seios e soltava alguns gemidos roucos, e passei a mordiscar e sugar o lóbulo de
sua orelha com vontade.
Didi subiu uma de suas mãos até minha nuca, agarrando meus cabelos, e passou a outra por debaixo da minha coxa,
apertando seu interior e me puxando pra mais perto. Desci uma de minhas mãos até encontrar o volume que procurava, e
fiz carinho de leve sobre a boxer, fazendo-o inspirar ruidosamente e buscar meus lábios com urgência. Ele podia ser bem
exigente quando provocado. Assim que voltamos a nos beijar, sua mão contornou minha coxa, ficando sobre sua parte
superior, e subiu até o botão da minha calça. Sem querer romper o beijo, mas com o mesmo problema de antes, ele tentava
em vão abrir o botão, até que eu segurei suas mãos e o ajudei, com vontade de rir por vê-lo tão destrambelhado.
Obstáculos vencidos, não demorou muito pra minha calça e calcinha estarem espalhadas pela sala.
Deslizando suas mãos desde o meu joelho até meu quadril, Didi segurou meu rosto com uma delas, embrenhando as pontas
de seus dedos em meus cabelos por trás da orelha, e com a outra tocou minha intimidade devagar. Ele me beijou na mesma
hora, só pra me provocar mais ainda. Igualmente dedicado a me beijar e a mexer seus dedinhos mágicos, ele não demorou
muito a me levar ao primeiro orgasmo do dia, sorrindo orgulhosamente depois do feito. Incrível como ele sabia exatamente
onde investir pra me fazer pirar.
Sentindo algumas mechas de cabelo grudarem em minhas costas por estar suada, eu voltei a espalhar beijos por seu
pescoço, porque hoje aquela área parecia estar especialmente perfumada. Me aproveitando da distração dele, minhas mãos
foram descendo até encontrarem o elástico de sua boxer, e nem preciso dizer que ela já estava no chão em menos de dois
segundos. Me afastei de seu pescoço e envolvi seu membro com uma mão, mantendo nossas testas unidas. Comecei a
masturbá-lo rapidamente, sentindo Didi apertar minhas coxas com força e afundar seu rosto em meu pescoço. Seus
músculos do abdômen se contraíam enquanto eu acariciava sua nuca com a mão livre e beijava seu ombro, que estava
próximo da minha boca. A respiração falha e quente dele no meu pescoço estava me arrepiando inteira, ainda mais quando
ele começou a gemer baixo bem ao pé do meu ouvido.
Quando já estava nítido que ele se segurava pra não acabar com a festa, ele segurou seu pênis, me fazendo soltá-lo, e abriu
a gaveta da mesinha, tirando um preservativo dela. Ele mesmo colocou a camisinha em tempo recorde, considerando-se que
eu beijava seu pescoço feito uma desvairada, e me pegando de surpresa por sua rapidez, me penetrou de uma vez só e com
força. Soltei um gemido alto, que logo foi abafado pela boca dele, e finquei minhas unhas em seus braços. Didi continuou
investindo rápida e furiosamente, gemendo contra meus lábios, e segurava firme em minha cintura, me puxando pra si a
cada investida. Estávamos realmente urrando, suados e com os músculos totalmente tensos de prazer, até que nossos
gemidos foram ficando cada vez mais cansados e ele finalmente gozou, agüentando até eu atingir meu segundo orgasmo.
De olhos fechados e com a testa unida à dele, eu apenas tentava recuperar o fôlego enquanto sentia sua respiração quente
em meu rosto. Didi acariciou de leve minha bochecha com uma mão, e eu abri os olhos, vendo um sorrisinho fofo surgir em
seu rosto.
- Na mesinha do telefone, Didi? – cochichei, rindo baixinho e mordendo meu lábio inferior dormente, fazendo-o revelar seus
olhos intensamente brilhantes – De novo?
- Me desculpe, vou tentar me esforçar mais pra chegar ao sofá nas próximas vezes – ele murmurou, dando uma piscadinha
marota e me dando um selinho demorado logo depois. É, acho que o dia ia ser bom.

- Didi, eu tenho que ir.


- Ah, Leeh, só mais um pouquinho, vai.
Estávamos deitados no sofá da sala, após uma tarde bastante, erm, empolgante. O corpo de Didi estava sobre o meu, e
suas mãos percorriam confortavelmente minhas coxas, quadris e cintura enquanto nos beijávamos. Já estávamos há um
bom tempo ali, a ponto de deixá-lo “alegre” pela milésima vez no dia, mas eu realmente tinha que ir embora. Não que eu
quisesse, por mim ficaria o resto da vida dando uns belos amassos em Didi, mas se eu não chegasse em casa logo, minha
mãe ficaria desconfiada pela demora.
- Eu tô falando sério – reforcei, tentando me sentar enquanto minhas mãos empurravam inutilmente seu peito pra trás e ele
beijava meu pescoço de um jeito provocante – Eu preciso ir embora.
Ele soltou um suspiro derrotado, apoiando a testa em meu ombro, e eu quase voltei atrás, se ele já não estivesse de pé no
segundo seguinte.
- Só você mesmo, Leila – ele resmungou, de pé na minha frente enquanto eu me sentava pra calçar meus tênis – Fica me
atiçando e depois me dispensa? Não dá certo.
Olhei pra ele, mas meus olhos inevitavelmente se fixaram no volume que havia pelo caminho, mais especificamente em sua
bermuda. Como eu já estava acostumada a vê-lo sem roupa, às vezes eu me esquecia de que aquilo podia chamar muita
atenção quando ele estava vestido... E muito bem provocado, claro.
- Pelo amor de Deus, Finatto, hoje você não pode reclamar de carência – eu ri, voltando a amarrar meus cadarços com um
sorriso divertido – Já liberamos endorfinas suficientes pra uma semana só nessa tarde.
- Engraçadinha – Didi falou, com a voz meio frustrada/irritada – Já vi que você realmente vai me deixar assim, então eu vou
me conformar e buscar meus tênis.
- Pra que? – perguntei, quando o vi caminhar na direção de seu quarto – Vai me levar até lá embaixo hoje?
- Você acha mesmo que eu vou te deixar ir andando sozinha a essa hora? – ouvi sua voz exclamar lá de dentro, como se
andar até a minha casa lá pelas 8 da noite fosse um absurdo – Eu vou te levar!
- Claro que não, Didi! – neguei, ficando de pé quando terminei de calçar meus tênis e seguindo-o depois – Nem pensar, é
arriscado demais! Imagina se minha mãe ou alguém conhecido nos vê?
- Não acho que ninguém vá nos ver, mas se acontecer, o que tem de mais nisso? – ele disse enquanto calçava rapidamente
os tênis, como se nossa relação fosse totalmente permitida – Um professor não pode dar uma carona pra uma aluna que
encontrou totalmente por acaso na rua?
Revirei meus olhos, com um leve sorriso contrariado, e ele logo veio até mim com uma expressão esperta.
- Se você insiste... – murmurei, encarando-o com o olhar derrotado. Ele sempre me convencia, sempre me fazia ceder ao
seu jeito seguro e despreocupado, e o pior, extremamente lindo.
- Sim, eu insisto – Didi retrucou, cerrando os olhos e franzindo rapidamente o nariz antes de me dar um beijo demorado. Os
minutos foram passando (aliás, voando), a gente continuou se beijando, e assim que ele me prensou contra a parede do
corredor, me dei conta de que aquilo estava durando demais e estava tomando um rumo que não devia tomar.
- Desculpa, eu me empolguei um pouquinho – ele sussurrou, abrindo devagar os olhos e me fazendo sorrir feito uma idiota
quando eu o afastei pelo peito. Mesmo depois de quase dois meses juntos, ele ainda me fazia sorrir sem esforço.
- É, eu percebi, você tá que tá hoje – brinquei, lançando um breve olhar pro retorno do insistente volume em sua bermuda
antes de dar as costas pra um Didi desconcertado – Vamos?
Descemos as escadas rapidamente, sem esquecer de nos despedirmos de Andy, e caminhamos até o carro de Didi, que
estava estacionado bem em frente ao prédio. Rezando pra ninguém nos ver, entrei no carro pela porta do carona enquanto
ele fazia o mesmo do outro lado, com um sorriso insistente de quem estava levando a namorada (ou sei lá o que eu era
dele) pra casa pela primeira vez. Ele lançou um olhar de dúvida pra ignição do carro e subitamente começou a tatear os
bolsos da bermuda, procurando alguma coisa.
- Droga – ele xingou, entortando a boca e desistindo de revirar seus bolsos – Esqueci a chave.
- Não acredito – falei, revirando os olhos e rindo de um jeito apreensivo por estar aparecendo com ele em público. Olhava
pra todas as direções, preocupada com as poucas pessoas que passavam pela rua e o que elas poderiam pensar.
- Viu o que você faz comigo? Me deixa todo desconcentrado – ele murmurou, com sua típica cara brincalhona de
insatisfação enquanto saía do carro – Já volto.
Assim que Didi sumiu pela portaria do prédio, eu me deixei escorregar no assento do carro, praticamente sumindo de vista.
Apesar de ter olhado pra todos os lados possíveis e não ter visto quase ninguém na rua, eu não queria correr o risco de ser
vista por gente demais, ou pelas pessoas erradas.
Encarando vagamente a barra de minha blusa, com a qual eu brincava com a mesma atenção, eu esperei, até ouvir leves
batidas no vidro ao meu lado poucos segundos depois. Pulei de susto com o barulho repentino, e senti todo o sangue do
meu corpo evaporar quando olhei na direção do som.
Meu olhar se fixou nos olhos irritantemente verdes de Kelly Smithers do outro lado do vidro, que sorria pra mim com seu
cinismo cotidiano. Não sei descrever o que se passava dentro de mim naquele momento, só sei que foi um dos piores
sentimentos que eu já tive, como se tudo dentro de mim estivesse desmoronando. Ela não podia estar ali, ela não podia ter
me visto, ela simplesmente não podia.
Quando eu pensei que ainda havia uma chance de driblar aquela situação, vi que havia uma meia dúzia de garotas
igualmente patricinhas do outro lado da rua cochichando e rindo entre si enquanto nos observavam, algumas até
fotografando a cena com a câmera de seus celulares caríssimos. Amigas dela, que também me conheciam de vista porque
estudavam no mesmo colégio. Maravilha, eu realmente estava encurralada.
- Desce o vidro, quero falar com você – ouvi a voz de Kelly pedir, abafada pela porta fechada entre nós. Tentei me mexer ou
fazer algo básico como respirar, mas não deu. Eu estava totalmente paralisada, dura de pavor. Ela era só fruto da minha
imaginação. Só podia ser.
Levei alguns segundos assimilando a situação, e como Kelly continuou parada do meu lado e não sumiu como uma miragem
normal, eu fiz a única coisa que podia fazer: abaixei o vidro, com o olhar trêmulo. Já era, ferrou tudo. Ela e suas amiguinhas
iam mostrar fotos minhas no carro de Didi pra diretora, ela chamaria minha mãe e aí minha vida estava acabada. Já dava
até pra me ver mudando de escola e sendo tachada de piranha pro resto da vida.
- Ora, ora, vejam só o que temos aqui – Kelly sorriu maleficamente, apoiando levemente um cotovelo no retrovisor do carro
– Leila Freitas no carro de Leandro Finatto... Por essa eu não esperava... Bom, talvez eu até já esperasse.
O grupinho de garotas a la Gossip Girl do outro lado da rua começou a rir, e eu senti meu sangue voltar às veias,
concentrando-se especificamente em minhas bochechas e deixando-as insuportavelmente quentes, chegando até a
confundir meus pensamentos.
- O que você quer? – gaguejei, meio tonta por causa da pressão enorme que eu sentia dentro da cabeça, que atendia pelo
nome de pânico. Vi o sorriso de Kelly alargar, como se tivesse gostado da pergunta, e seu olhar maldoso se tornou ainda
mais intenso.
- Amanhã eu vou dar uma festinha na minha casa – ela murmurou, aproximando mais um pouco seu rosto do meu para se
fazer ouvir – Aparece lá e a gente conversa.
Ela voltou a se afastar, mexendo em sua bolsa, e de lá tirou um cartão em branco e uma caneta. Anotou rapidamente seu
endereço no papel retangular e me deu.
- Se eu fosse você, não deixava de ir – ela disse, piscando maliciosamente pra mim enquanto se afastava e levava seu
bandinho risonho consigo. Eu apenas a observei se afastar, gargalhando e vendo alguma coisa nos celulares das amigas,
provavelmente fotos da minha cara horrorizada. Totalmente confusa e assustada, abaixei meu olhar pro cartão, onde a
caligrafia redondinha de Kelly reluzia graças à tinta cintilante da caneta gel rosa dela. Eu precisava achar uma maneira de
contornar aquela situação, e eu tinha cerca de 24h pra pensar numa boa proposta.
Olhei desanimadamente na direção do prédio de Didi, e o vi passar depressa pelo balcão e rir de alguma coisa com Andy.
Rapidamente escondi o cartão de Kelly no bolso da calça, e assim que ele entrou no carro, forcei um sorrisinho simpático.
Não queria que ele soubesse desse inconveniente, não por enquanto. Ele colocou a chave na ignição e me olhou,
provavelmente notando meu jeito estranho. Não era preciso muito tempo de convivência comigo pra saber classificar meu
estado de humor.
- Que foi, Leeh? – Didi murmurou, com a expressão e a voz levemente preocupada – Você tá branca feito papel.
- Não foi nada – respondi, balançando negativamente a cabeça e me esforçando ao máximo pra parecer normal – Eu só tô
meio cansada... Acho que preciso dormir um pouco.
Ele continuou me encarando, com a testa franzida, e por um segundo pensei que ele não cairia na minha mentira. Mas tudo
que Didi fez foi dar de ombros e arrancar com o carro, alheio a qualquer tipo de acontecimento perigoso. Como sempre.

Capítulo 09
- É aqui, mãe.
Encarei dolorosamente a enorme e iluminada casa de Kelly assim que mamãe parou o carro rente ao meio-fio. Eu estava
com um vestido azul escuro xadrez que ia até os joelhos, meus All Star azuis acinzentados de tão gastos e uma discreta
bolsa preta, vestida até demais pra uma festa na mansão dos Smithers. Casais sem roupa aprontando pelos jardins era
rotina em suas festinhas particulares, disso todo mundo sabia.
- Qualquer coisa me liga que eu venho te buscar - ouvi mamãe dizer, ainda desacostumada à idéia de me ver numa festa
como aquelas. Ela sabia exatamente que eu não gostava desse tipo de evento, mas concordou em me levar quando eu fingi
estar socialmente interessada naquela festa.
Assenti devagar, tirando o cinto e saindo do carro. Caminhei determinadamente na direção da porta da casa, ouvindo os
batimentos acelerados de meu coração apesar da música alta que se tornava cada vez mais ensurdecedora a cada passo. Eu
sentia medo pulsando em minhas veias, um medo indescritível de toda aquela situação.
Toquei a campainha quando meus pés afundaram no tapete de boas vindas da casa, e logo Kelly abriu a porta, revelando
uma roupa totalmente promíscua. Assim que me viu, o mesmo sorrisinho maligno do dia anterior surgiu em seu rosto, e
umas duas ou três garotas correram pra direções diferentes, provavelmente pra espalhar o boato de que Leila Freitas estava
numa festa de Kelly Smithers. Torci pra que elas não saíssem contando o motivo da minha presença também.
- Você veio mesmo - Kelly sorriu, erguendo as sobrancelhas em tom de surpresa - Pensei que não teria coragem.
- Vamos logo com isso - murmurei, tentando não demonstrar a insegurança que urrava dentro de mim.
Ela me deu passagem e eu entrei, sentindo instantaneamente o cheiro de cigarro, suor e álcool que dominava o ambiente.
Muitas pessoas dançavam pelos cômodos, virando copos de bebida e passando as mãos onde bem entendessem nos corpos
alheios. Com toda aquela gritaria bagunçando minha mente, eu podia jurar ter visto um olhar intrigado conhecido no meio
de várias garotas quando meus olhos rapidamente percorreram o sofá da sala. Continuei seguindo Kelly até as escadas da
casa, onde já se podia caminhar normalmente, e rapidamente subimos para o andar de cima. Ela abriu a porta de um dos
quartos, interrompendo os amassos de um casal, e não precisamos dizer nada pra que eles se tocassem e saíssem.
- Como você percebeu, eu tenho uma festa animada pra aproveitar lá embaixo - Kelly sorriu, virando-se pra mim depois de
fechar a porta do quarto atrás de nós - Então não vou demorar muito com você.
- Eu não pretendia passar muito tempo aqui mesmo - falei, sem emoção na voz, e ela ergueu uma sobrancelha, de um jeito
que não me agradou muito.
- Ah, mas você vai - ela disse, cruzando os braços e sorrindo zombeteiramente da minha cara - Se realmente quiser manter
seu caso com o sr. Finatto escondido, você ainda vai freqüentar várias das minhas festinhas.
- Como é que é? - perguntei, rindo nervosamente com o olhar irritado fixo nela - O que exatamente você quer de mim,
garota?
- Não vou pedir muito, vou até ser bem boazinha com você, só porque estudamos juntas desde que me conheço por gente -
Kelly respondeu, como se estivesse fazendo um ato de caridade - Se você não quiser ver suas fotos no carro do sr. Finatto
estampadas na primeira página do jornal da escola, terá que obedecer a duas condições.
Ela fez uma pausa, só pra aproveitar mais um pouquinho a minha cara de enterro, e continuou:
- Primeiro, você vai ter que concordar em me fazer alguns favores de vez em quando, por exemplo, a minha lição de casa...
E a das minhas amigas também, claro. Eu sei que isso é bem pouco perto da seriedade do seu segredinho, mas eu disse
que ia ser boazinha.
- E a outra condição? - rosnei, tentando ignorar o fato de que teria de copiar no mínimo umas sete vezes as respostas
gigantes dos exercícios do Hammings até achar um jeito de me livrar daquela chantagem barata. Kelly soltou um risinho
satisfeito, apesar de seu olhar fulminante, e respondeu:
- Não ouse dirigir uma palavra ao Mendes.
Franzi a testa em tom de desprezo, e não pude evitar uma risadinha baixa.
- Peraí, deixa eu ver se entendi - falei, segurando uma gargalhada - Você quer que eu faça a sua lição de casa e ignore o
Mendes em troca do seu silêncio?
Mais engraçada do que aquela situação toda foi a cara de tacho da Smithers, totalmente sem resposta diante do meu
divertimento. Nem pra chantagear alguém ela prestava. Ignorar o Mendes é algo que eu adoro fazer, só ela ainda não tinha
se tocado disso. Provavelmente ela sabia da cisma dele comigo, e estava se aproveitando daquela situação pra me manter
longe dele e garantir sua atenção só pra ela, coitadinha.
- Se quiser que eu piore, é só falar - ela resmungou, totalmente desmoralizada, e eu engoli o riso. O assunto era sério,
apesar do fracasso de Kelly como chantagista.
- Não, eu aceito essas condições - assenti, colocando as mãos nos bolsos do vestido - Bom, se for só isso, eu já vou indo.
- Mas já? Pra que a pressa? - Kelly perguntou, franzindo a testa do seu jeito cínico sem tirar um sorrisinho de canto do rosto
- Bebe alguma coisa, senta um pouquinho. As meninas têm várias perguntas pra te fazer.
- Perguntas? - repeti, sem entender - Sobre o que?
- Oras, conquistar o professor mais desejado e intocado da escola não é motivo de curiosidade? - ela sorriu, encostando-se
na porta e me impedindo de sair. Que absurdo, meu Deus do céu. Aquilo só podia ser uma piada. Como ela e as amiguinhas
conseguiam ser tão putas?
- Você já conseguiu o que queria, agora me deixa ir embora - rosnei, quase dando um soco na fuça dela.
- Acho que esqueci de te avisar que os favores que vai fazer pra mim começam hoje - ela disse, como se eu tivesse
problemas mentais e só entendesse as palavras se fossem ditas numa velocidade mais lenta que a normal - E o primeiro
deles é ficar até o fim da festa. Quero ver como você se sai num ambiente completamente diferente do qual você tá
acostumada a ficar. Talvez não seja tão divertido pra você, mas aposto que vou adorar a experiência.
Pude ver minha cara de perplexidade refletida nos olhos brilhantes de malícia de Kelly, e soltei um suspiro derrotado ao
pensar no que estava em jogo ali. Minha relação com Didi, minha felicidade estava em risco, era um segredo perigoso
demais pra arriscar uma rebeldia contra as condições dela.
- Que seja - murmurei, evitando encará-la e ver a alegria maldosa em seu rosto. Kelly abriu a porta com um sorriso,
finalmente me deixando sair, e eu a acompanhei até o andar de baixo, sem acreditar na cilada na qual eu tinha acabado de
cair.
- A casa é sua, querida - Kelly disse, cínica, quando descemos o último degrau da grande escadaria de mármore - Fique à
vontade... Se conseguir.
Soltei um suspiro fúnebre enquanto me encaminhava pra qualquer lugar daquela mansão, fazendo questão de seguir a
direção oposta à de Kelly. Por onde eu passava, via pessoas conhecidas da escola, e as poucas ainda sóbrias demonstravam
curiosidade por me ver naquele lugar. Encontrei um balcão onde um rapaz preparava alguns drinques, e resolvi ficar por lá,
já que a meia dúzia de pessoas sentadas ali pareciam estar bêbadas demais pra sequer se mexer.
- Cerveja, por favor - rosnei ao barman, com a garganta coçando por álcool. Se era pra encarar aquele martírio, que algo
me ajudasse a passar o tempo mais rápido. Não sei te dizer em quantas línguas diferentes eu xingava Kelly em pensamento
por me manter presa naquela festa horrorosa. Ela sabia muito bem que eu não suportava ficar em lugares como aquele, e
ainda me forçava a aturar aquele bando de gente que eu já odiava quando estavam lúcidos, e conseguia odiar mais ainda
quando estavam bêbados.
O barman logo me entregou uma latinha de cerveja, cuja metade do conteúdo eu mandei garganta abaixo de uma vez só,
sem hesitar. Sentindo o líquido gelado descer dentro de mim, voltei a observar a bagunça na qual aquela casa tinha se
transformado. Nada parecia estar em seu lugar, ninguém parecia estar em seu juízo perfeito... A não ser aqueles olhos.
Franzi a testa de leve, me perguntando se aquilo já era efeito da cerveja, mas era impossível com apenas um gole. Eu ainda
podia senti-la descendo pela minha garganta, eu ainda me sentia lúcida o suficiente pra saber bem o que estava vendo.
Aquilo era real, ele realmente estava ali, a poucos metros, me encarando como se soubesse que eu estava precisando de
ajuda, como se soubesse que eu não estava ali por vontade própria. Seu olhar estava fincado no meu, extremamente sério,
intrigado, preocupado. Havia muito mais coisas naqueles olhos do que eu podia descrever, me prendendo, me imobilizando,
me retraindo.
Eu já devia imaginar que Igor Mendes estaria naquela festa.
Não sei por que fiquei tão surpresa, afinal, ele era praticamente fixo da Smithers, todas as garotas de seu bandinho sabiam
que ele era quase uma propriedade dela. Mas parecia que naquela noite ele estava liberado de sua monogamia, porque três
garotas o rodeavam, uma mais descoberta que a outra. Igor estava sentado num sofá perto de onde eu estava, com os
braços abertos e apoiados no encosto do móvel, e tinha uma garota de cada lado seu, acariciando seu peito e sussurrando
em seu ouvido com sorrisos pervertidos. Fora a terceira, que tinha uma perna de cada lado de seu quadril e estava sentada
em seu colo, beijando-lhe indecentemente o pescoço. Mas apesar de tudo aquilo, era em mim que seu olhar repousava,
como se tentasse descobrir o motivo de minha presença.
Desviei meu olhar do dele, sentindo meu coração disparar. Não estava sendo nada agradável estar sendo observada daquele
jeito tão invasivo por uma pessoa como ele, o que só aumentava minha vontade de cometer suicídio por estar ali. Dei mais
um grande gole na minha cerveja, encarando qualquer ponto ao meu redor que estivesse distante dele, mas meus olhos se
recusaram a me obedecer quando o professor Mendes se livrou das três garotas que o provocavam e caminhou rapidamente
na direção de Kelly, que passava por perto. Ele a segurou bruscamente pelo braço, de cara fechada, e disse algo em seu
ouvido, pra que a música ensurdecedora não a impedisse de ouvi-lo. Afirmei pra mim mesma que aquela conversa tensa
que se desenrolava entre os dois não podia ter a mínima relação comigo, mas ainda assim era impossível não observá-los.
Pela repentina mudança de humor de Kelly, a conversa não estava sendo das melhores. Igor falava entusiasticamente em
seu ouvido, gesticulando de leve com uma lata de cerveja nas mãos e com a testa constantemente franzida, e Kelly o
respondia com incredulidade, com as mãos na cintura. Após um tempo de conversa, ela, que estava de costas pra mim,
virou o rosto na minha direção e me lançou um olhar fuzilante. Igor simplesmente disse mais algumas palavras, mantendo a
expressão séria, e se afastou rapidamente, encolhendo seus ombros largos para poder passar pela multidão desvairada.
Desviei meu olhar do dela, engolindo depressa o resto da minha cerveja, já sem tanta certeza de que aquilo não era sobre
mim.
Os minutos foram se arrastando torturantemente, as cervejas foram descendo uma a uma, e uns quarenta minutos depois,
eu já tinha perdido a conta de quantas latinhas tinha tomado. Tudo que eu sabia era que as coisas estavam meio confusas
ao meu redor. As pessoas pareciam se mexer em flashes de imagens, e não mais continuamente, os sons se tornaram um
pouco mais abafados, mas apesar dos sintomas de embriaguez, eu me sentia lúcida o suficiente pra ouvir os urros de
depressão que ainda vinham de dentro de mim por ter que estar ali. Tomei um gole da cerveja que tinha pedido, mas aquilo
era como água pra mim agora, descia pela minha garganta sem fazer a menor diferença. Só aquilo de álcool não estava
bastando pra abafar minha frustração.
Resolvi me levantar, com uma leve vertigem, e caminhei vagarosamente pelas pessoas, tentando não deixar que a música
abafada por um zunido estranho em meu ouvido estourasse meus tímpanos. Não demorou muito e eu encontrei uma grande
passagem para outro cômodo bem mais vazio e silencioso: a cozinha. Pouquíssimas pessoas estavam ali, bebendo tequila
com limão numa rodinha, entre elas um menino de olhos verdes faiscantes e cabelos compridos queimados de sol. Assim
que avancei na direção de um armário, em busca de alguma bebida mais forte, notei que seus olhos me acompanharam,
brilhando de interesse. Bem que minha mãe dizia que aquele vestido caía bem em mim.
Soltei um suspiro frustrado ao ver que naquele armário só havia louças, e enquanto fechava suas portas, pensando no que
fazer, senti alguém se aproximar de mim, trazendo um cheiro de praia consigo. Sorri disfarçadamente e me virei na direção
da pessoa, dando de cara com aquele mesmo menino.
- Tá procurando bebida? - ele perguntou, com um sorriso galanteador nos lábios, e eu assenti devagar, me perdendo sem
querer naquele verde intenso - Se gostar de tequila, pode beber com a gente.
Com um leve aceno de cabeça que fez sua franja bagunçada se mexer, ele indicou o grupo de amigos, todos meninos e
igualmente bronzeados. Ergui as sobrancelhas, e por fim assenti novamente. Tudo pela tequila, e não porque o garoto de
olhos verdes tinha um cheiro gostoso de protetor solar.
Senti o garoto me puxar pela mão até seus amigos, e sem nem fazer questão de apresentá-los, me estendeu uma dose de
tequila e um gomo de limão. Nunca tinha tomado aquilo na vida, mas me esforcei ao máximo pra parecer experiente.
Espremi o limão em meu pulso, e sem demora virei o copinho de bebida, sugando o líquido amargo em minha pele logo em
seguida. Com os olhos fortemente fechados, senti aquela coisa arder e queimar dentro de mim, arranhando tudo por onde
passava e formando lágrimas em meus olhos. Pelo menos o forte efeito da tequila me manteria entretida por mais algum
tempo, ainda mais quando acompanhada de um par de belos olhos esmeralda.
- Mais uma pra garota aqui, Jimmy - ouvi o menino pedir a um de seus amigos, quando abri os olhos e vi tudo embaçado ao
meu redor. O garoto sorriu pra mim antes de tomar sua dose, e sem querer eu também estava sorrindo, com mais um
copinho cheio de tequila numa mão e um gomo de limão na outra.
De repente eu me sentia leve. As coisas já não me preocupavam mais, a pesada responsabilidade sobre minhas costas tinha
evaporado, e eu já nem me lembrava da razão de estar naquela casa. Ninguém existia mais, só eu e os garotos estranhos
que riam alto e falavam besteiras ao meu lado. De repente tudo era extremamente engraçado, de repente eu me vi rindo de
qualquer coisa, mesmo quando não havia motivo pra rir, com uma mão insistentemente apoiada no braço do garoto de
olhos verdes, que eu descobri que se chamava Paul. E desse mesmo jeito repentino, estávamos nós dois sozinhos na
cozinha: eu sentada sobre a bancada da pia, e ele em pé ao meu lado, segurando vacilantemente a garrafa de tequila quase
vazia entre seus dedos.
- Eu já não te conheço de algum lugar? - ouvi ele perguntar, com a voz arrastada, enquanto eu soltava mais uma de minhas
risadas desconexas - Sério, eu acho que já te vi uma vez.
- Ah, é? - falei, erguendo uma sobrancelha sem tirar o sorriso débil do rosto e com a certeza inconsciente de que tinha
bebido muito mais que o aconselhável - Onde?
Paul chegou mais perto, aproximando sua boca de meu ouvido, e respondeu num sussurro:
- Em algum dos meus sonhos.
Soltei uma gargalhada alta e mais lerda que o normal, demonstrando que eu ainda tinha senso do ridículo e não tinha
deixado de achar graça de cantadas baratas.
- Então você deve estar sonhando agora, porque eu tenho certeza de que nunca te vi na vida, muito menos em sonho -
respondi, com a voz levemente ácida de desprezo - Além do mais, eu sou comprometida.
- Com quem? - ele insistiu com um sorrisinho tonto, me segurando pelo braço com um pouco mais de força que o
necessário quando eu fiz menção de me levantar - Quem sabe eu não conheço o sortudo?
- Tenho certeza de que você não o conhece - resmunguei, tentando me desvencilhar dele, sem muito sucesso devido à
minha fraqueza provocada pelo álcool - Agora solta meu braço, tá me machucando.
- Relaxa, Leila - Paul pediu, sem me soltar, e eu já estava começando a me sentir realmente incomodada com aquele
contato físico indesejado - Tá com medo de que eu te force a fazer alguma coisa, é?
- Me solta, por favor, Paul - implorei, olhando firmemente em seus olhos verdes semi-abertos - Eu quero ir embora.
- Ir embora? Agora? Mas por quê? - ele perguntou, ficando na minha frente e fazendo pressão com seus quadris contra
meus joelhos fechados pra se encaixar entre minhas pernas - Logo agora que a gente ia começar a se conhecer melhor.
- Eu tô falando sério, me deixa sair daqui - falei, com a voz séria e um pouco mais alta que o normal, e quando minhas
mãos foram na direção de seus ombros para afastá-lo de mim, suas mãos agarraram meus pulsos, praticamente me
imobilizando, e fazendo com que a garrafa que ele segurava se espatifasse no chão - Me solta!
- Pára de resistir, eu sei que você também quer - ele sussurrou, chegando com seu rosto cada vez mais perto do meu
apesar do meu recuo - Seu namorado não precisa saber.
Paul soltou meus pulsos e num milésimo de segundo suas duas mãos envolviam minha nuca e me puxavam na direção dele,
tornando um beijo cada vez mais inevitável. Fechei os olhos, empurrando-o inutilmente pelo peito, e foi então que eu me
lembrei do ponto fraco dos homens, e de que ele estava perfeitamente ao alcance dos meus joelhos.
Sem pensar duas vezes, dei uma joelhada caprichada em seus “documentos”, imediatamente fazendo-o cair ajoelhado na
minha frente. Desci da bancada e desesperadamente saí da cozinha, me afastando ao máximo daquele cômodo. Eu sabia
que não devia ter bebido tanto, era sensível demais a álcool. Pensei em explicar minha situação à Kelly na intenção de
conseguir ir embora, mas tinha certeza absoluta de que ela faria questão de me entregar numa bandeja a Paul assim que
ficasse sabendo do acontecido. Cambaleando, acabei me trancando num cômodo do andar de cima, e por sorte escolhi a
porta certa: a do banheiro.
Me encarei no espelho, e soltei um suspiro tenso. Eu estava corada por causa do calor e da adrenalina, levemente suada e
um pouco descabelada. Lavei o rosto calmamente com a água fria, ficando um pouco mais lúcida, e o enxuguei com a
toalha de mão, pensando em um jeito de sair daquele inferno. Minha única saída era tentar convencer Kelly a me deixar ir
embora, e determinada a fazer isso, respirei fundo e abri a porta do banheiro, dando de cara com um garoto curvado e com
cara de dor que acabava de subir as escadas.
- Você! - Paul exclamou, andando depressa até mim com uma fúria repentina, e eu voltei pra dentro do banheiro na hora.
Tentei fechar a porta, mas ele se lançou pesadamente contra ela, conseguindo entrar facilmente.
- Pelo amor de Deus, pára com isso, me deixa sair! - gritei, tremendo da cabeça aos pés enquanto ele avançava na minha
direção.
- Agora você vai se ver comigo - ele rosnou, totalmente fora de si, e me prendeu violentamente contra a parede, forçando
um beijo doloroso e segurando meus pulsos com força. Dessa vez eu realmente não tinha como me mexer, estava prensada
entre seu corpo e o azulejo frio, e quanto mais eu me recusava a beijá-lo, mais ele insistia.
Mantive meus olhos arregalados, esperando que alguém passasse pelo corredor e ouvisse meus gritos abafados, e logo vi
uma sombra passar, sem conseguir ver quem era. O grito fino que não encontrava espaço em minha boca saía pelo meu
nariz, ainda mais alto agora que eu sabia que havia alguém ali, e me debati com mais energia, até que subitamente o corpo
de Paul não estava mais ali. Em um segundo, ele tinha ido parar fora do banheiro, caído no chão com um baque surdo.
Quando finalmente assimilei o que tinha acontecido, vi que havia alguém me puxando pela mão na direção do andar de
baixo, e eu apenas segui, ofegante e apavorada demais pra tomar conta de mim mesma.
As imagens se passavam como fotos em minha mente: primeiro Kelly reclamando vigorosamente com a pessoa que me
guiava, depois a porta da mansão dos Smithers se abrindo, a porta do carona de um carro que eu não conhecia aberta na
minha frente, e por último eu sentada dentro desse mesmo carro, enquanto a pessoa que tinha me levado até lá entrava
pela porta do motorista. Totalmente desnorteada, franzi a testa quando vi quem estava sentado do meu lado.
- Você está bem? - Igor perguntou, sem me olhar, enquanto colocava a chave na ignição. Não respondi nada, apenas
continuei observando aquela cena. Eu ainda não acreditava que aquilo estava acontecendo, eu não acreditava que ele tinha
realmente feito aquilo tudo, só podia ser invenção da minha cabeça. Não podia ser real, não fazia sentido ele ter me
salvado.
- Leila, você tá me ouvindo? - ele perguntou novamente, me encarando com firmeza. Por um segundo, tudo ficou ainda
mais confuso quando aqueles olhos castanhos claros se cravaram nos meus, mas depois as coisas pareceram voltar um
pouco ao seu lugar, e eu consegui responder.
- Tô - murmurei, sentindo meu coração extremamente acelerado. Igor ficou alguns segundos em silêncio, apenas me
encarando, e logo depois voltou a olhar pra frente, balançando negativamente a cabeça em tom de desaprovação.
- Você é doida de se meter num lugar desses - ele disse, cerrando os olhos por causa do farol alto de um carro que passou
por nós - As festas da Kelly são mais perigosas do que parecem. Elas misturam as pessoas erradas e as desavisadas no
mesmo ambiente, fazem com que os desencaixados logo achem uma confusão da qual não possam se livrar antes de se
arrependerem.
Ele deu uma pausa, enquanto eu mantinha meus olhos bem abertos e fixos nele. Como se quisesse reforçar mais ainda seu
aviso, Igor voltou a me encarar com uma conclusão:
- Aquela casa não é lugar pra você.
Sem esperar qualquer reação, ele arrancou com o carro, com a expressão fechada, e logo estávamos nos afastando
rapidamente da mansão. Meus olhos teimavam em continuar presos a ele, tentando entender direito os últimos minutos. Por
que ele tinha me livrado de Paul? Por que ele discutiu com Kelly antes de sairmos? E o principal...
- Pra onde está me levando? - ouvi minha própria voz perguntar, fraca, e só então senti que minha garganta ainda ardia
pelo excesso de tequila.
- Eu pretendia te deixar na sua casa - Igor respondeu, sem me olhar, e sem saber por que, eu quis que ele o fizesse - Mas
você é quem sabe onde prefere ficar.
- Na minha casa está ótimo - concordei, tentando não forçar muito minha voz, e convenci meus olhos a se afastarem dele,
pairando desatentamente sobre a barra de meu vestido. Minha visão ficou embaçada subitamente, e em poucos segundos
senti lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Não sei por que comecei a chorar, talvez fosse efeito da bebedeira exagerada e
todos os recentes e horríveis acontecimentos. Funguei baixinho, enxugando discretamente meu rosto com as costas das
mãos e virei meu rosto pra janela do carro.
As luzes da cidade passavam como borrões pela minha visão, e se tornaram imóveis quando paramos num sinal vermelho.
Mesmo sem poder vê-lo, senti seu olhar sobre mim, mas não o correspondi. Estava com vergonha por estar chorando, eu
odiava chorar na frente dos outros, me sentia ridícula.
- Tem certeza de que está bem? - ele murmurou, e eu fechei os olhos na tentativa de parar de chorar - Aquele garoto
machucou você?
Senti uma lágrima insistente rolar rapidamente e passar pelo canto de minha boca, fazendo o local arder um pouco. Passei a
ponta da língua ali e senti gosto de sangue, mas apenas fiz que não com a cabeça, respondendo à sua pergunta com um
sorrisinho miserável que ele não pôde ver. A ferida física mal podia ser comparada ao trauma emocional que Paul tinha me
causado naquela noite.
- Se você não tivesse aparecido, ele teria conseguido me machucar - falei baixinho, e me virei lentamente em sua direção.
Não sei por que, mas assim que meu olhar fraco encontrou o dele, sempre tão sólido, eu me senti segura. Era como se tudo
realmente fosse ficar bem, eu não precisava mais ter medo. Por mais ameaçador que eu sabia que Igor podia ser quanto à
minha relação com Didi, eu também o via como uma espécie de protetor disfarçado, sempre nos lugares certos e nas horas
certas pra me ajudar. Já era a segunda vez que ele me salvava de uma enrascada em menos de uma semana.
- Talvez não - ele discordou, erguendo as sobrancelhas por um momento - Você tem muita sorte, duvido que ele
conseguisse.
O sinal ficou verde e Igor voltou a prestar atenção no trânsito. Abaixei meu olhar, com uma minúscula sombra de um sorriso
triste no rosto, e suspirei profundamente. Aquele nem de longe parecia ser o mesmo Igor que eu conhecia.
- A sorte passa reto por mim há algum tempo - eu disse, meio que pra mim mesma, voltando a encarar meus joelhos com
desânimo - Tudo que tem acontecido comigo são desastres, um atrás do outro... Um pior que o outro.
Igor não disse nada, apenas continuou dirigindo com a expressão dura. Sucumbi ao peso imaginário de minha cabeça, cuja
dor eu ignorava há um bom tempo, e deitei-a no encosto do banco, fechando os olhos por um segundo.
E só voltei a abri-los quando a claridade do sol bateu em meu rosto, fazendo minha visão demorar mais ainda a entrar em
foco. Num quarto estranho, numa cama estranha, e com uma voz conhecida.
- Bom dia, Freitas.

Capítulo 10

Uma dor lancinante dominou minha cabeça por completo quando meu cérebro finalmente se deu conta de que meus olhos
estavam abertos. Voltei a fechá-los com força, tentando fazer com que aquela dor passasse ou pelo menos diminuísse, mas
parecia que só alguns comprimidos e o tempo a fariam regredir até sumir completamente. Maldita tequila.
Me sentei na cama, com uma mão do lado esquerdo da cabeça, sentindo meus cabelos levemente úmidos, e abri o olho
direito para me localizar. Definitivamente eu nunca estive naquele lugar antes, nunca tinha visto aquelas paredes e móveis
brancos, muito menos um quarto tão grande como o qual eu estava agora. Aquele cômodo sozinho equivalia à metade da
minha casa, e pelo extenso corredor que a porta aberta revelava, o resto do apartamento era ainda maior.
E foi só então que eu vi a pessoa que havia me cumprimentado quando acordei. Apesar de estar sentada na ponta da cama
gigante e bem no meio do meu campo de visão, eu demorei alguns segundos pra vê-la, e mais alguns pra finalmente
reconhecê-la. Os mesmos olhos que ontem me passavam segurança, hoje pareciam cansados, sonolentos, e ostentavam
leves olheiras arroxeadas de quem tinha passado quase a noite toda em claro.
Abri o outro olho, já mais acostumada à claridade, e o encarei, tentando organizar minha mente. O que eu estava fazendo
naquele lugar estranho? Por que ele estava ali?
- Pensei que não fosse acordar mais – Igor murmurou com a voz reservada, piscando lentamente e desviando seu olhar do
meu.
- Que lugar é esse? – gaguejei com a testa franzida, sentindo minha voz falhar em algumas sílabas – Você disse que ia me
levar pra minha casa.
- E eu ia – ele confirmou, enquanto olhava na direção da janela, e um leve sorriso divertido surgiu em seus lábios – Mas
você dormiu antes de me dizer o endereço.
Me lembrei rapidamente de alguns momentos da noite anterior. A festa de Kelly, as doses de tequila, a brutalidade de Paul,
a conversa com Igor no carro... Tudo parecia tão vago, tão distante, como se tivesse sido apenas um sonho muito real, que
eu me sentia estranha por ter passado por aqueles momentos de verdade.
- Então por que não me acordou? – perguntei, com a testa levemente franzida em um tom defensivo – Por que me deixou
dormir? E que lugar é esse afinal?
- Você sempre acorda assim, disparando perguntas? – ele resmungou, fechando pesadamente os olhos e mantendo um
esboço de sorriso no rosto. Ele podia estar achando graça, mas eu não.
- Não, porque não costumo acordar num lugar totalmente estranho com uma pessoa estranha me observando! – retruquei,
irritada, e ele voltou a me encarar, novamente daquele jeito firme apesar do cansaço aparente.
- Ontem você acabou dormindo no carro, e eu não consegui te acordar de jeito nenhum... E acredite, eu tentei de todas as
maneiras que conheço – Igor respondeu, com um pouco de rispidez na voz - Como não sabia seu endereço, resolvi te trazer
pra minha casa, mas tô vendo que devia ter te deixado na rua mesmo.
Meus olhos passaram rapidamente pelo quarto, analisando novamente todos os detalhes e ignorando sua brutalidade. Então
aquele era o apartamento dele. Olhei pra baixo, e me vi enroscada num lençol, com roupas diferentes das que eu vestia
ontem. Quando finalmente a ficha caiu, soltei um grito horrorizado e me enrolei nas cobertas, me cobrindo até o pescoço.
Eu estava de roupas íntimas. Na casa do professor Mendes.
- O QUE É ISSO? – berrei, em pânico, e vi que Igor estava com os olhos arregalados e um pouco encolhido de susto – POR
QUE EU NÃO ESTOU VESTIDA?
- Tá, agora você tem motivos pra disparar perguntas – ele respondeu, se endireitando novamente, meio sem jeito – Essa
parte da história foi culpa minha.
- COMO É QUE É? – gritei, me abraçando firmemente – VOCÊ TIROU MINHA ROUPA ENQUANTO EU TAVA DORMINDO?
- Eu disse que tentei de várias maneiras te acordar ontem, e uma das minhas tentativas foi te colocar debaixo do chuveiro
gelado... O que não funcionou, pelo que você pode perceber – ele explicou, um tanto encabulado – E pra isso, eu achei...
Conveniente tirar seu vestido.
- CONVENIENTE? COMO VOCÊ TIRA MEU VESTIDO SEM O MEU CONSENTIMENTO E TEM A CORAGEM DE DIZER QUE
ACHOU CONVENIENTE? – exclamei, sentindo a dor de cabeça quase explodir meus miolos, mas com raiva demais pra me
acalmar.
- Dá pra você falar baixo, por favor? – Igor pediu, com a voz elevada e os olhos fechados, acompanhados pela testa franzida
de irritação – Se você tentasse ignorar sua opinião sobre mim e não tirasse conclusões precipitadas sobre o que aconteceu
antes de me ouvir, as coisas seriam bem mais simples.
Fiquei em silêncio, mas não porque ele pediu, mas pelo choque de estar nas minhas condições físicas atuais. Ainda me
abraçando, com os músculos tensos, eu esperei até que ele voltasse a falar, encarando-o com raiva.
- Não vou dizer que não foi difícil pra mim resistir, porque foi. Eu sou homem, não consigo evitar esse tipo de pensamento.
Mas eu não fiz nada, acredite você ou não. Acha que eu queria que você dormisse aqui? Acha que eu planejei isso, que eu
fiz de propósito pra poder dormir com você? Eu não sou santo, mas não me aproveito de mulheres inconscientes pra
conseguir o que quero. Não preciso disso.
- Você não espera que eu acredite nessa sua versão fajuta dos fatos, espera? Porque sinceramente, eu não engoli uma
palavra do que você disse – rosnei, com vontade de sair correndo dali, mas pra isso, eu precisava do meu vestido – Eu
jamais devia ter aceitado entrar num carro com você, onde eu estava com a cabeça?
Igor desviou seu olhar do meu, olhando novamente pela janela com a expressão derrotada. Ontem ele quase conseguiu me
amolecer com sua atitude politicamente correta, mas se agora ele queria o mesmo efeito, teria que ir muito mais além
daquela carinha de cachorro sem dono.
- Nada do que eu diga ou faça vai te fazer mudar de idéia, não é? – ele murmurou, com os olhos cerrados pela claridade e a
testa pesadamente franzida sobre eles – Eu devia ter feito tudo errado, só pra poder me sentir devidamente culpado pelas
suas acusações.
Sua voz estava carregada de frustração, demonstrando que ele estava num dos seus raros momentos de sinceridade. Seus
lábios estavam contraídos, seu maxilar estava tenso, seus olhos estavam fixos em algum ponto lá fora, mas ainda assim eu
podia enxergar ressentimento neles. E se ele realmente estivesse dizendo a verdade? Se ele tinha sido capaz de fazer boas
ações por mim, porque não acreditar em sua versão, já que eu não estava consciente pra comprovar a minha?
- Onde está meu vestido? – falei baixo algum tempo depois, sem conseguir esconder meus pensamentos conflituosos na voz
e na expressão confusas. Igor se levantou, sem olhar pra mim, e novamente eu senti falta de seu contato visual. Ele era
uma pessoa muito misteriosa pra mim, e sempre que ele me olhava, era como se eu pudesse lê-lo, decifrá-lo, entender o
que ele estava pensando. Quando ele não me olhava, eu ficava no escuro, sem saber onde estava pisando. Ele caminhou
pra fora do quarto e sumiu de vista por alguns segundos, até surgir novamente com meu vestido nas mãos. Sem nem se
aproximar muito e ainda evitando meu olhar, ele o deixou sobre a beira da cama e saiu, fechando a porta atrás de si pra
que eu me trocasse. Como se ele já não tivesse me visto de calcinha e sutiã.
Continuei sentada por alguns minutos, encarando os lençóis bagunçados ao meu redor. Meus sentimentos estavam
remexidos, misturados, fundidos numa grande bola de neve. Ainda meio em transe, fiquei de pé e peguei meu vestido,
colocando-o facilmente. Assim que o tecido deslizou pelo meu rosto, pude sentir o perfume masculino dele impregnado na
roupa. Provavelmente ele tinha ido parar ali quando Igor me carregou até o apartamento ontem.
Por um segundo, imaginei como teria sido pra ele ter me visto daquele jeito. Vulnerável, indefesa, desmaiada, totalmente
sob o comando dele. Me lembrei do que ele tinha dito sobre resistir àquela situação, e estremeci de medo. Estranhamente,
não de medo dele, e sim pelo fato de não estar consciente e não ter noção do que se passava ao meu redor. Eu odiava essa
sensação. E por pior que aquilo pudesse parecer, eu tive a intuição de que ele não tinha me feito nada de mal. Se tivesse,
estaria jogando na minha cara que conseguiu o que tanto queria, e não o contrário. Me sentei novamente na beirada da
cama e calcei meus tênis que estavam ao lado da cama, ainda pensativa. Peguei minha bolsa, que estava sobre o
criado-mudo, e após verificar rapidamente se tudo estava em seu devido lugar dentro dela, deixei o quarto, procurando por
Igor, encontrando-o no cômodo ao lado.
Parei à porta aberta, me deparando com uma única parede azul em meio às outras três brancas, uma cama tão grande
quanto a que eu tinha dormido, já arrumada, e um par de ombros nus e muito bem definidos. Sem querer, meu olhar se
demorou nessa última parte em especial. Igor, que estava virado de costas pra mim enquanto desvirava sua blusa do
avesso, virou apenas a cabeça na minha direção, e encarou meus olhos confusos com uma certa indiferença.
- Se sente melhor agora que está vestida? – ele perguntou secamente, voltando sua atenção pra blusa em suas mãos e
vestindo-a num segundo. Por um momento eu quis responder que preferia estar de roupas íntimas, desde que ele também
estivesse.
- Sim, muito – respondi enfatizando a última palavra, abafando a onda de calor que subitamente percorreu meu corpo e
tentando ignorar o fato de que meu vestido cheirava maravilhosamente bem devido ao seu perfume e fazia questão de me
lembrar disso cada vez que eu respirava.
- Ótimo – Igor acrescentou com a mesma indiferença de antes, ficando de frente pra mim – Então vamos.
Franzi a testa quando ele caminhou na minha direção, bagunçando de leve os cabelos com as pontas dos dedos e
novamente evitando meu olhar, e eu preferi não continuar olhando-o e acabar demonstrando minha súbita hipnose na
expressão.
- Vamos? Pra onde? – questionei, enquanto ele passava por mim, aproximando perigosamente seu abdômen sarado de meu
corpo.
- Eu vou te levar até a sua casa – ele respondeu, ainda daquele jeito duro, como se o que ele dizia fosse totalmente óbvio -
Pelo que sua mãe me explicou, você mora um pouco longe daqui, então eu pensei que uma carona de carro seria útil.
Arregalei meus olhos, sentindo minha garganta secar. Ele tinha falado com a minha mãe? Como? Quando? Onde?
- Antes que você comece com as suas perguntas, sim, eu falei com ela – ele leu minha mente, parecendo impaciente ao ver
o choque em minha expressão – Não ia deixá-la preocupada com o seu paradeiro, ela não parava de ligar pro seu celular e
eu resolvi atender. Mas fique tranqüila, eu expliquei tudo o que aconteceu e ela acreditou na minha versão da história. Ficou
bem mais calma sabendo que você está em boas mãos.
Continuei encarando-o, sem saber o que pensar. Que versão da história seria aquela que faria minha mãe se acalmar diante
de meu sumiço? Se antes eu estava confusa, agora meus neurônios pareciam ter dado vários nós cegos entre si. Igor
Mendes falando com a minha mãe... Dói só de tentar imaginar uma cena tão estranha. E desde quando as mãos dele eram
boas mãos? Minha mãe realmente não tinha noção dos horrores que dizia.
- Eu devo estar dentro de um sonho muito esquisito – falei, rindo da minha própria bagunça mental – Não é possível que da
noite pro dia tudo isso tenha acontecido, que todas essas loucuras tenham se tornado realidade.
- Desculpe te informar, mas essa é a mais pura verdade – Igor disse, entediado – Podemos ir agora? Eu ainda tenho muita
coisa pra fazer hoje.
Suspirei, derrotada e com uma pontinha de irritação, e apenas assenti. Já que a casa dele era realmente longe da minha,
uma carona seria o mínimo que ele podia fazer por mim depois de todos os misteriosos acontecimentos da noite anterior.
Ele caminhou em direção à porta, e eu apenas o segui, sem dizer uma palavra sequer e observando discretamente a
imensidão daquele apartamento. Descemos pelo elevador, e vinte e três andares depois, estávamos na garagem. Todos os
carros estacionados ali eram incrivelmente lindos e caros, o que me fez pensar de que mundo ele vinha. O carro mais barato
ali era provavelmente a BMW preta de Igor, que não estava sozinha nas três vagas reservadas para seu apartamento. Uma
Ferrari vermelha e sua familiar moto amarela de todo dia ocupavam os outros dois espaços, o que só me fez ficar ainda
mais perdida.
- Esses carros... São seus? – perguntei, apontando pra BMW e depois pra Ferrari, com uma cara impagável de perplexidade.
- São – Igor respondeu, com uma normalidade deprimente – Pensei que já conhecesse a Ferrari.
Virei minha cabeça devagar em sua direção até meus olhos incrédulos encontrarem os dele, fingindo que eu não existia. É
agora que eu descubro as câmeras ou isso realmente não era uma pegadinha?
Igor tirou uma chave de carro do bolso, caminhando até um dos veículos. Apertou o botão do alarme e se dirigiu à BMW,
abrindo a porta do motorista e voltando a me olhar ao perceber que eu ainda estava imóvel. Ainda sem acreditar naquilo,
caminhei lentamente até a porta do carona, e entrei no carro em silêncio. Olhei pelo vidro para a Ferrari estacionada ao meu
lado e reconheci seu interior, me amaldiçoando mentalmente por estar tão transtornada na noite anterior a ponto de entrar
num carro daqueles e não me lembrar disso.
Igor deu ré e seguiu em direção à saída do estacionamento subterrâneo, logo fazendo com que o forte sol invadisse as
janelas sem piedade de meus globos oculares. Cerrei meus olhos, incomodada, e ele estendeu uma mão até o porta-luvas,
tirando lindos e visivelmente caríssimos óculos escuros de lá. Me senti tão insignificante quanto o estofado do assento
quando ele colocou os óculos, que se ajustavam perfeitamente ao formato de seu rosto.
- Onde mais você trabalha pra conseguir essas coisas todas? – perguntei, finalmente falando após o que me pareceu uma
eternidade de mudez, com a expressão desconfiada. Foi bom saber que eu ainda não tinha me esquecido de como falar,
eram tantos acontecimentos inacreditáveis que eu provavelmente estava entrando em estado de choque. Igor não pareceu
me ouvir, abrindo os vidros e deixando que o vento bagunçasse nossos cabelos.
- Sabia que gigolôs ganham muito bem por aqui? – ele respondeu, sem expressão enquanto olhava pra frente, e eu gelei.
Provavelmente vendo minha cara horrorizada, já que eu não podia confirmar isso por causa de seus óculos, eu vi um
teimoso sorrisinho de canto surgir em seu rosto.
- O patrimônio de minha família me permite “conseguir essas coisas todas” – ele disse, sendo sincero agora, e eu senti meus
ombros relaxarem imediatamente com a resposta aceitável – Sua cara de choque valeu meu dia.
-Idiota – murmurei, revirando discretamente os olhos e virando meu rosto pra janela ao meu lado.
-Se você quase acreditou que eu era um gigolô, é porque eu sou muito pior que um idiota pra você – ele falou, com um
senso de humor mórbido na voz enquanto parava num sinal vermelho.
- Você nem imagina o quanto – rosnei, ficando mais irritada a cada segundo. Não saber definir as pessoas era algo que me
deixava profundamente incomodada, e Igor era exatamente o tipo de pessoa indefinível o suficiente pra me enfurecer. Ele
tinha várias faces, uma completamente diferente da outra, como se fossem várias personalidades dentro de uma pessoa só.
Eu conhecia bem seu jeito sujo e desonesto, mas por vezes ele se mostrava alguém completamente oposto... Alguém bom.
Preferia me manter distante daquela encrenca, obrigada.
- Eu até imagino – ele retrucou, hostil – Mas prefiro ouvir da sua boca.
Olhei pra ele com a testa franzida de deboche, e vi que ele também me encarava, novamente com os lábios contraídos de
raiva. Agora eu conseguia ver seus olhos pelo ângulo em que a luz do sol batia nas lentes dos óculos, e vi que eles me
fitavam desafiadoramente.
- Eu acho que você é um filho da puta de um pedófilo, safado, mal amado, nojento, desprezível, broxa, ridículo, estúpido,
grosso, pilantra e arrogante – eu disparei, sustentando seu olhar com avidez. Definitivamente eu tinha feito uma
descoberta: falar mal das pessoas na cara delas era extremamente terapêutico.
Igor continuou me encarando, parecendo não acreditar na quantidade de xingamentos que eu tinha usado para defini-lo, e
eu percebi que o sinal estava verde, já que os carros à nossa frente começavam a andar. Ele pareceu não se dar conta
disso, estava inconformado demais com a minha resposta pra prestar atenção em outra coisa. O silêncio tenso entre nós,
junto com a expressão dele, de quem estava prestes a triturar meus ossos, só aumentou a impressão de que se direitos
humanos não existissem e não dessem cadeia, eu estaria fodida.
Só quando os carros atrás de nós começaram a buzinar, Igor suspirou lenta e profundamente, contendo-se, e voltou a olhar
pra frente, desfazendo nosso contato visual intenso com dificuldade. Arrancou velozmente, fazendo os carros que buzinavam
atrás de nós comerem poeira, e passou a segurar o volante com força, controlando-se pra não me quebrar em pedacinhos.
Ele podia estar querendo muito, mas não era doido de tentar encostar um dedo em mim.
Chegamos sem demora à minha casa graças à direção acelerada dele, sem dizer mais nenhuma palavra pelo caminho. Assim
que ele estacionou na frente de minha casa, abri a porta, sem ousar olhá-lo, e quando estava prestes a sair do carro, ouvi
sua voz dizer, extremamente trêmula de ódio:
- Não precisa se preocupar, nunca mais vou olhar na sua cara.
Virei meu rosto na direção dele, e vi que ele encarava algum ponto à sua frente, com os maxilares tensos e as veias do
pescoço levemente saltadas. Suas mãos agarravam o volante, perigosamente fortes, o que só tornava sua ira ainda mais
visível. Parecia que eu realmente tinha conseguido o que tanto queria, me livrar dele de uma vez por todas.
- Ótimo – murmurei, esperando a alegria imensa me dominar por aquele momento tão perfeito, que curiosamente parecia
não querer chegar. Engoli em seco, sentindo meu olhar se tornar inseguro enquanto viajava por suas feições fechadas, e
num movimento brusco, saí do carro, batendo a porta com uma certa força. Nem bem eu o fiz e Igor já estava longe,
acelerando assustadoramente depressa e fazendo meus cabelos voarem na direção do vento.
Observei a BMW se afastar rapidamente, sentindo uma coisa esquisita dentro de mim. Suspirei profundamente, agora com o
olhar vago em meus pés, tentando reprimir aquela coisa ruim que insistia em se alastrar pelo meu corpo, me desanimando
por completo.
Eu não podia estar triste, ele finalmente estava fora do meu caminho! Aquilo era tudo o que eu sempre quis desde a
primeira vez em que o vi, e agora que tinha finalmente acontecido, eu não podia admitir que meu único sentimento fosse de
remorso. Tudo que eu conseguia sentir era peso na consciência, decepção comigo mesma por ter sido injusta com uma
pessoa que talvez não merecesse tanta crueldade. Afinal de contas, se não fosse por ele, os estragos de Paul teriam sido
imensuravelmente piores.
Fechei os olhos com força por um momento, desanuviando minha mente e me esforçando para parecer despreocupada. Me
virei na direção de minha casa, tentando fingir que estava tudo bem, e a cada passo eu ficava mais convicta de uma coisa.
Não estava tudo bem.

Acordei no dia seguinte com a sensação de que tinha acabado de pegar no sono. Após um longo dia de explicações e
adaptações dos verdadeiros acontecimentos pra minha mãe, que estava aflita me esperando chegar, eu passei a noite
inteira rolando na cama, inquieta. Nada parecia fazer sentido, nada parecia ser coerente, tudo estava desconexo,
bagunçado, confuso. Por mais que eu tentasse compreender a insistente culpa dentro de mim, não conseguia encontrar uma
explicação que prestasse.
Me levantei antes mesmo que o relógio despertasse, anunciando que eram 6 da manhã de segunda-feira, e fui tomar banho,
com a falsa crença de que uma ducha quente fosse melhorar meu humor. Uns trinta minutos depois, eu já estava me
vestindo desanimadamente, e logo depois penteando meus cabelos, de frente pro espelho. Assim que terminei, encarei
meus próprios olhos, cansados pela noite em claro, e decidi que ia terminar com aquela angústia. Eu precisava pedir
desculpas a ele, precisava pelo menos tentar. Só assim eu conseguiria afastar aquele mal estar de mim.
Tomei meu café-da-manhã em silêncio, só respondendo uma coisa ou outra quando mamãe perguntava, e logo estávamos
estacionando na frente da escola. Um arrepio percorreu minha espinha enquanto caminhava pela entrada do colégio, e
meus olhos logo encontraram uma Vanessa tensa me encarando de volta.
- Oi, Leeh – ela murmurou, com um sorriso triste, e me abraçou carinhosamente. Ela sabia sobre a festa no sábado, eu tinha
lhe contado tudo por telefone no dia anterior. Bem, quase tudo, só preferi deixar de lado a parte que envolvia meu
comportamento estranhamente triste por causa do Mendes.
- Parece que eu não te vejo há anos – suspirei, abraçando-a com mais força.
- É mesmo – ela concordou, se afastando alguns segundos depois pra poder me olhar – Você tá tão abatida... Tem certeza
de que está bem?
- Tenho – menti, empurrando a verdade garganta abaixo – Só tô um pouco cansada.
Nos sentamos em nosso lugar de sempre, esperando até que o sinal tocasse, e senti Vanessa me cutucar discretamente
enquanto conversávamos. Me virei na direção que ela me indicou, e só quando meu olhar encontrou o dele, me lembrei de
que Didi existia. Me senti estranha quando ele sorriu pra mim, especialmente radiante como em toda segunda-feira, e tudo
que consegui fazer foi esboçar um sorriso fraco de volta. Senti como se não merecesse aquele sorriso dele.
- Bom dia, Racca - ele cumprimentou quando passou por nós, como sempre fazia, e logo depois se dirigindo a mim e
abaixando seu tom de voz – Bom dia, pequena.
- Bom dia – gaguejei, mal conseguindo sustentar seu olhar alegre. Parecendo alheio a qualquer sinal de tristeza meu, Didi
seguiu até a sala dos professores, e assim que o vi fechar a porta atrás de si e sumir, soltei o ar que estava preso em meus
pulmões, finalmente relaxando.
- Você vai contar a ele? – ouvi a voz cuidadosa de Vanessa perguntar, e apenas fiz que não com a cabeça, sem olhá-la.
Contar a Didi o que quer que fosse não estava nos meus planos, ele não merecia saber das ameaças de Kelly, muito menos
de nada que se passava na minha mente. Não queria ser injustamente cruel com mais alguém.
As três primeiras aulas se arrastaram morbidamente. Eu mal conseguia prestar atenção na matéria, minhas mãos estavam
trêmulas pra copiar, um aperto na boca do estômago me impedia de desviar meus pensamentos daquela tortura repentina.
Por mais que eu respirasse fundo e fechasse os olhos por alguns segundos, meu mal estar só se ausentava
momentaneamente, voltando ainda pior logo em seguida.
No intervalo, desci as escadas em silêncio com Vanessa, querendo logo que aquele dia acabasse. Ela parecia entender
minha introversão e se manteve quieta, me deixando pensar sem interrupções. Como se houvesse algum jeito de
interromper minha aflição infundada. Sentamos no mesmo canto de sempre, e enquanto ela terminava uns exercícios de
matemática, eu observava vagamente o fluxo de pessoas pelo pátio, até meus olhos novamente encontrarem Didi.
Ele andava apressado em direção à saída da escola, falando energicamente ao celular com a expressão pesadamente
preocupada. Senti uma fisgada no peito, como se fosse um súbito mau pressentimento, e ele logo sumiu de vista, me
deixando ainda mais agoniada. Pensei em comentar com Vanessa, mas eu realmente não estava a fim de falar hoje e preferi
esperar até saber do que se tratava. Obviamente, eu pretendia me inteirar da situação hoje mesmo, se ele voltasse ao
colégio.
Vinte minutos depois, o sinal tocou, indicando o término do intervalo, e nós nos levantamos devagar. Logo estávamos
subindo as escadas lenta e silenciosamente, e me surpreendi quando ouvi alguém sussurrar no meu ouvido, vindo por trás
de mim.
- Vem comigo.
Não precisei olhar pra trás pra reconhecer a voz de Didi, e lancei um último sorriso fraco pra Vanessa antes de
acompanhá-lo até uma sala vazia no segundo andar. Ninguém parecia se dar conta de nossa existência, ocupados demais
com suas próprias vidas, por isso não hesitei em entrar naquela sala sozinha com ele.
- Que saudade de você – ele murmurou, sorrindo de um jeito calmo e me dando um beijo delicado, que fez meu sangue
formigar daquele jeito de sempre nas veias. Estar perto dele me trouxe uma sensação temporária de alívio, e me permitiu
sorrir sinceramente, mesmo que um sorriso tímido.
- Também senti sua falta – menti, me sentindo novamente desmerecedora daquele carinho por não ter pensado nele uma
única vez desde que acordei no dia anterior. Passei meus braços ao redor de seu pescoço, e Didi apenas me abraçou
apertado, sem me beijar novamente. Agradeci mentalmente a gentileza dele por não me forçar a encarar seus olhos e ver
minhas mentiras refletidas neles, e respirei profundamente seu perfume, que hoje cheirava levemente a...
- Formol? – indaguei, franzindo a testa e me afastando de leve pra poder ver seu rosto.
Didi riu baixinho, fechando os olhos por um momento.
- Desculpe, eu não imaginei que o cheiro estivesse tão forte a ponto de você notar – ele disse, ainda sorrindo, mas me
olhando calmamente – Talvez seja por isso que eu não goste de dar aulas nos laboratórios.
- Como assim? – perguntei, sentindo meu coração acelerar um pouquinho – Você deu aulas práticas hoje?
- É, o Mendes não pôde vir pra escola e eu o substituí – ele suspirou, entortando a boca – Aquele doido enfiou a BMW num
poste ontem de manhã.
Mesmo sem poder me ver, soube que empalideci. Senti todo o meu sangue simplesmente evaporar e meu coração congelar
simultaneamente. Minha expressão estava totalmente chocada, perplexa, apavorada. O mau pressentimento estava
explicado.
- Ah... É? – gaguejei, tentando não parecer tão horrorizada quanto eu realmente estava – E c-como ele tá?
Didi pareceu não notar minha agonia e continuou sorrindo de um jeito divertido ao responder:
- Melhor do que nós, pode apostar. Ele não se machucou muito, apenas bateu a cabeça com força no volante enquanto
tentava frear e ficou desacordado por alguns minutos. Acabei de voltar do hospital onde ele está em observação, falei com o
médico e com o próprio Mendes, e ele me disse que amanhã mesmo poderá voltar a dar aulas.
A imagem de Igor batendo com o carro surgiu em minha mente sem esforço, seguida pela cena de vários paramédicos
imobilizando-o na maca enquanto ainda estava desacordado. Um desespero enorme subiu pela minha garganta, fazendo
lágrimas se formarem em meus olhos, mas eu fiz o máximo de força pra contê-las, pelo menos enquanto estava na frente
de Didi.
- Eu... Tenho que ir... Me lembrei de que tenho uma prova agora – foi tudo que consegui gaguejar, me afastando dele
devagar e evitando seus olhos – Depois a gente se vê.
Abri a porta da sala de aula, deixando Didi totalmente confuso, e subi correndo as escadas, já mais vazias, até o meu andar.
Mal conseguindo conter as lágrimas e com as pernas perigosamente trêmulas, me enfiei num dos cubículos do banheiro
feminino, e só depois de trancada e sentada no vaso sanitário fechado, finalmente caí num choro inexplicável.
Tudo que eu conseguia sentir era culpa. Nojo de mim mesma, repulsa, remorso, um peso imenso me impedia de respirar,
me afundando cada vez mais num choro que parecia não ter fim. Sufocando meus soluços com as mãos cobrindo a boca, eu
sentia meu rosto lavado de lágrimas esquentar à medida que o ar me faltava, mas não encontrava força pra respirar.
Quando pensei que fosse desmaiar por falta de oxigênio, meus pulmões entraram no modo de emergência, puxando o ar
pra dentro de si em inúmeras inspirações rápidas. Meus olhos não paravam de liberar lágrimas, e meu nariz começava a
ficar congestionado, mas eu não me importava. As imagens daquele sábado vieram imediatamente à tona: minhas palavras
rudes, o olhar furioso de Igor, seus dedos apertando o volante com força, trêmulos de ódio, sua arrancada bruta quando foi
embora... Tudo estava muito claro. Todos os pensamentos que ocupavam minha mente se resumiam a uma única frase, que
meu cérebro insistia em repetir sem parar.
Se Igor estava numa cama de hospital nesse exato momento, por melhor que fosse seu estado, era culpa minha.

Capítulo 11
A professora Sullivan falava entusiasticamente algo sobre Platão, mas sua voz parecia distante de mim naquele momento.
Meus olhos ainda estavam inchados e avermelhados, assim como meu nariz, pelo choro de dez minutos atrás, mas a aula de
filosofia parecia estar sendo mais interessante para o resto da classe do que minha cara de enterro. Felizmente.
Meu corpo estava jogado de qualquer jeito sobre a cadeira, e meu rosto descansava pesadamente sobre um punho, apoiado
por um cotovelo sobre a mesa. Com o olhar vagando pelas linhas do caderno, eu ainda podia sentir a sensação de culpa
presa em minha garganta, como se minha dor de cabeça pulsante já não se encarregasse de me castigar o suficiente.
Quando a srta. Sullivan deixou a classe após sua longa aula dupla, notei que uma pessoa se aproximou da minha carteira, e
ergui meu olhar pra ver quem era. Meus parabéns ao filósofo que disse que as coisas sempre podiam piorar, se é que
Murphy era um. Filosofia não era meu forte mesmo.
- Eu só queria te falar que nosso trato está desfeito – Kelly murmurou, parecendo tão irritada por estar me dizendo aquilo
que evitava me olhar – Pode ficar tranqüila, aquelas fotos nem existem mais.
Franzi levemente a testa, sem entender por que ela estava fazendo aquilo, mas antes que eu pudesse abrir a boca, ela já se
afastava em direção à sua carteira. A única possibilidade que me veio à cabeça me fez afundar ainda mais em minha própria
depressão. Só podia ter dedo dele naquela história.
Durante a última aula, eu continuei mergulhada em meu desânimo, e mal conversei com Vanessa na hora da saída.
Também não vi Didi, que provavelmente devia estar atrapalhado no laboratório, e assim que avistei o carro de mamãe na
saída da escola, corri em sua direção. Eu precisava sair daquele lugar e ficar sozinha no meu quarto o mais rápido possível.
Passei o dia naquele mesmo humor, só deixando meu quarto pra comer um pouco. Quando deitei na cama após o jantar, o
cansaço de uma noite mal dormida me venceu, e eu dormi pesadamente, apesar dos insistentes pesadelos. Todos
previsíveis, envolvendo o acidente de Igor.
Acordei no dia seguinte, um pouco menos cansada, e segui minha rotina matinal até chegar à escola. Apreensiva pra saber
se ele viria hoje, eu me sentei ao lado de Vanessa, como sempre, e não desgrudei meus olhos da entrada do colégio. Para
minha sorte, não demorou muito e Didi chegou, conversando animadamente com alguém, que não era ninguém mais,
ninguém menos que o professor Mendes.
Meus olhos se cravaram nele, que parecia completamente saudável, fora o pequeno curativo em sua testa. Não estava
pálido, muito menos abatido. Parecia até bastante animado, rindo enquanto conversava, e andava normalmente, sem sinais
de lesões ou fraqueza. Um alívio imenso me dominou, mas não consegui relaxar por completo, porque logo os olhos de Didi
estavam nos meus, e ele sorriu fraco, parecendo ressentido com a desculpa brusca de ontem. Tudo que me faltava era ficar
mal com ele, sem dúvida.
O dia se passou tediosamente, fora minha inquietação. Depois do intervalo, arrastei Didi para uma sala que sempre ficava
vazia no térreo e me desculpei pela pressa do dia anterior, restabelecendo a calma em nossa relação. Apesar de tudo estar
se endireitando novamente, eu ainda estava determinada a pedir desculpas a Igor e me ver livre daquela horrível sensação
de culpa, mas só a hipótese de ter aquele olhar enfurecido no meu já me fazia tremer da cabeça aos pés. Eu não tive
coragem de procurá-lo naquele dia, muito menos no dia seguinte, e só voltei a vê-lo quando minha aula de biologia
laboratório chegou, mais rápido do que eu gostaria.
Entrei no laboratório, tensa apesar dos sempre agradáveis minutos sozinha com Didi depois de sua aula, e vi o professor
Mendes cercado por Kelly e suas amigas. Ele estava encostado na lousa, com os braços cruzados na altura do peito e um
sorriso charmoso, conversando amigavelmente com as meninas. Notei que ele já não usava mais o curativo na testa, e
fiquei feliz por saber que ele estava fisicamente recuperado do acidente, que de certa forma, eu causara. Me sentei no lugar
de sempre, tentando em vão não observá-lo demais durante a aula, mas olhar pra ele ou não era indiferente, já que seu
rosto não se virou uma vez sequer na minha direção. Igor me fez sentir como se eu nem estivesse ali, coisa que ele sabia
fazer e muito bem. O que eu estava esperando dele afinal? Que ele viesse me agradecer por tê-lo enfurecido tanto a ponto
de fazê-lo ferrar com sua BMW? Ele tinha dito que nunca mais olharia na minha cara, e estava cumprindo com sua palavra.
Após o que me pareceu uma eternidade, o sinal tocou, anunciando o fim da aula, e todos seguiram em direção à mesa dele
para lhe entregar seus relatórios. Diante da pressa do resto da classe para ir embora, eu apenas continuei sentada,
encarando meu relatório feito pela metade com muito esforço, até me encontrar sozinha com Igor no laboratório.
Previsivelmente, ele apenas continuou sentado em sua cadeira, organizando os relatórios recém-entregues, com a expressão
concentrada.
Respirei fundo, me enchendo de uma falsa coragem, e fiquei de pé para entregar meu relatório. Senti a folha tremer de leve
em minhas mãos, denunciando meu nervosismo, mas continuei caminhando devagar até alcançar sua grande mesa. Assim
que parei à sua frente, notei seu olhar se desviar brevemente dos relatórios e se erguer quase que imperceptivelmente até a
altura de minha cintura, o bastante apenas pra me reconhecer e voltar a ignorar minha presença. Respirei fundo
novamente, com o coração se debatendo dentro do peito.
- Professor... – comecei com a voz fraca, encarando sua cabeça baixa, e não tive coragem de terminar. Minhas lágrimas
estavam lá, como no dia anterior, sem que eu sequer permitisse ou as quisesse ali e tornando minha voz embargada, mas
ele não pareceu se importar. Arrancou meu relatório de minhas mãos de um jeito brusco, ainda sem me olhar, e o colocou
de qualquer jeito em sua pasta. Fechou-a, guardou-a em sua mochila e pôs-se de pé, já com uma de suas alças sobre o
ombro e caminhando determinadamente até a saída do laboratório.
- Me desculpe – ouvi minha voz dizer, num sussurro esganiçado, e o silêncio substituiu o barulho de seus passos,
denunciando que ele tinha parado de andar. Mesmo sem vê-lo, pude senti-lo ainda presente, mas não tive coragem de me
virar para encará-lo e apenas esperei alguma reação sua, que demorou eternos segundos para finalmente vir.
- Não perca seu tempo – a voz fria dele rosnou, ecoando pelas paredes do laboratório, tão silencioso que me permitia ouvir
os batimentos acelerados de meu coração com nitidez. Fechei os olhos com força, tentando parar de chorar por uma tristeza
profunda que eu mal conseguia entender, enquanto seus passos revelavam que ele tinha me deixado a sós com minha culpa
esmagadora.

Naquela semana, eu não fui à casa de Didi. Segundo ele, Igor o convidou para uma viagem de fim de semana com alguns
amigos no iate de sua família, para comemorar a sorte dele por ter saído ileso de seu acidente. Didi mencionou o nome da
cidade litorânea para onde eles iriam, que era por sinal onde ficava a casa de praia dos Mendes, mas eu estava com a
cabeça carregada demais pra prestar atenção nesse detalhe. Estranhamente agradecida por não ter que ir à sua casa na
sexta fingir que estava tudo bem comigo, e com a promessa de que Didi me recompensaria devidamente na semana
seguinte, eu, já apresentada ao poder financeiro do professor Mendes, apenas o desejei boa viagem com um sorriso terno.
Os pesadelos culposos continuaram, me perturbando noite após noite. Eu ainda não tinha contado a ninguém sobre esse
meu complexo de culpa doentio, mas os sinais de desânimo eram notáveis. Durante um passeio com Vanessa naquele
domingo, ela perguntou o que estava me incomodando, e mesmo que por um momento eu pensasse na hipótese de contar
a ela, preferi dar a desculpa esfarrapada de que estava com insônia. Não deixava de ser verdade, porque ultimamente o
sono passava reto por mim.
A semana começou outra vez, igualmente cinzenta e angustiante. Igor continuou fingindo que eu não existia, mas em
compensação, Didi se tornava cada dia mais grudento. Não sei se era porque estávamos num relativo jejum, ou se eu tinha
sido traída durante a viagem no fim de semana e ele também estava sofrendo de culpa, querendo me recompensar com
todo o seu carinho incondicional. A última hipótese só me ajudava a ficar ainda mais deprimida, então eu preferia acreditar
na primeira, me fazia sentir necessária pra alguém. Mesmo que esse alguém estivesse me sufocando inconscientemente.
Diferente da semana anterior, dessa vez a aula de biologia laboratório demorou a chegar. E quando eu me dei conta de que
ela finalmente havia chegado, já estava caminhando na direção de uma das bancadas, com o olhar apreensivo nele. Igor
usava uma camisa pólo listrada de azul marinho e branco, calças jeans num tom escuro de azul, e tênis tão brancos que
faziam os olhos doerem se eu os observasse por muito tempo. Terrível, absurda e irrevogavelmente lindo.
Novamente, ele explicou como a aula procederia sem me olhar, e dessa vez eu já estava mais preparada pra isso. Consegui
responder todas as questões essa semana, recuperando os velhos hábitos,e quando o sinal tocou, deixei meu relatório onde
todos os alunos colocaram os seus, numa pilha sobre a bancada mais próxima da porta. O que eu interpretei como uma
tentativa dele de bloquear qualquer tipo de diálogo comigo. Mas aquilo não bastaria pra me afastar. Eu precisava continuar
tentando, até finalmente me ver livre daquele fardo que parecia me roer por dentro a cada dia.
De início, pensei em não falar com ele. Apenas guardei meu material, ainda um pouco indecisa, e fui uma das últimas a
deixar o laboratório, com os braços firmemente cruzados na altura do peito e andando devagar. Mas me forcei a parar
apenas alguns passos depois, após ser facilmente ultrapassada por meus colegas de classe ainda restantes, e juntando toda
a minha coragem, dei meia-volta e andei na direção do laboratório, dessa vez determinadamente.
Toda a minha bravura sumiu assim que parei à porta, e não tive coragem de entrar. Dali eu podia ver o professor Mendes
em pé de costas pra mim, organizando e colocando a pilha de relatórios recém-entregues em sua pasta. Mordi o lábio
inferior, hesitante, mas antes que eu pudesse tomar alguma decisão, ele ergueu a cabeça pra frente e virou-a na minha
direção, como se tivesse notado minha presença.
Bastou um segundo do olhar dele no meu pra que eu me lembrasse a razão de estar ali, e assim que ele voltou a olhar pra
bancada, resolvi ser realmente enérgica e mudar aquela situação. Minha mente ainda estava um pouco embaralhada, mas
eu logo tratei de organizá-la.
- Por quanto tempo você pretende continuar me evitando? – foi tudo que consegui dizer, finalmente entrando no laboratório
e parando ao lado dele. Igor não me olhou, continuou a organizar os relatórios dentro de sua pasta, fingindo interesse
neles. Mas eu podia ver que seu olhar era vago, talvez incomodado com a minha observação. Continuei insistindo, apesar da
coragem um pouco mais vacilante agora, assim como a firmeza de minhas pernas.
- Mesmo que você finja não me notar, eu vou dizer o que tenho pra dizer – comecei, indo direto ao ponto e ficando ainda
mais irritada pela permanente falta de expressão no rosto dele – Você pode não querer me ouvir, mas pelo menos eu vou
estar com a consciência limpa por ter cumprido meu dever.
Bela escolha de palavras, Leila. Realmente, não podia ser melhor. Em matéria de maturidade, eu parecia uma criancinha
banguela de cinco anos mal acostumada a ouvir nãos, do tipo que faz escândalo nas lojas de brinquedo. Igor não fez nada,
apenas continuou olhando na direção de sua pasta enquanto seus lábios se contraíam cada vez mais, demonstrando o nível
crescente de sua raiva. Eu o observava atentamente, ansiosa por um sinal de derrota dele, mas como Igor não facilitou as
coisas e se manteve quieto, eu prossegui.
- Eu sei que duvidei de você e te acusei de coisas horríveis – recomecei, tentando fazer com minha voz parecesse calma, e
ele suspirou profundamente – E também imagino que seu acidente tenha sido, em parte, minha culpa. Você não sabe o
quanto eu me arrependo por tudo isso, e sei que não mereço o que estou pedindo, mas... Por favor, me desculpe.
Por alguns segundos, ele continuou me ignorando, e ficando cada vez mais nervosa, não desisti. Eu não pretendia sair
daquele laboratório sem pelo menos ouvir uma palavra ou receber um olhar dele.
- Parabéns, já pediu suas desculpas ridículas – Igor suspirou, longos segundos depois, ríspido – Pode ir embora agora.
Fechei os olhos por um instante, sentindo a breve dor de um fora, e voltei a encará-lo, tentando esconder o alívio por ter
conseguido arrancar nem que fossem palavras duras dele. Talvez não fosse dos melhores, mas definitivamente aquilo já era
um começo.
- Eu entendo perfeitamente a sua grosseria e sei que até mereço ser tratada assim, mas também quero que entenda que
me arrependi e estou aqui me desculpando – falei, com a voz ainda mais serena – Eu sei que não fui justa com você, sei
que peguei pesado.
- Você já pegou pesado comigo antes – ele disse com a voz fria feito gelo, apoiando um de seus braços sobre o balcão e
propositalmente deixando à mostra a cicatriz que minha caneta havia deixado há algum tempo atrás – Não pareceu tão
arrependida na época.
Senti uma pontada de culpa pela lembrança que ele havia trazido à tona, e de alegria ao mesmo tempo por estar
conseguindo fazê-lo falar. Suspirei de leve, concluindo mais firmemente a cada resposta que eu merecia ser visualmente
ignorada por ele. Ainda era inegável que ele tinha pedido por aquele golpe, mas a cicatriz agora me causava um pouquinho
de remorso.
- Você também não parecia se preocupar comigo naquela época – eu retruquei, pensando alto, e notei que seus olhos se
tornaram reflexivos e se ergueram um pouco dos relatórios – Pelo menos não como agora.
- Porque você não se metia em encrencas – ele rebateu, se recompondo e voltando a fingir interesse em sua pasta –
Definitivamente não como agora.
- Você costumava ser a minha única encrenca – comentei, com um sorriso discreto e encarando-o vagamente – Nunca
pensei que você seria a pessoa que me tiraria delas.
- O que você quer de mim afinal? – Igor explodiu de repente, socando a superfície da bancada e finalmente me olhando
com a expressão conflituosa – Primeiro você diz que me odeia mortalmente, depois vem me pedir desculpas toda
arrependida e nostálgica... Vê se me esquece, suas crises bipolares não me interessam!
Franzi a testa, incrédula com as acusações dele, enquanto o via voltar sua atenção pros relatórios. Meu cérebro funcionava
disparado, ecoando incessantemente as palavras rudes dele. Quer saber? Já chega de ser boazinha, não estava adiantando
porcaria nenhuma bancar a psicóloga com um homem ignorante como Igor.
- Eu é que te pergunto, o que você quer de mim? – exclamei, tão furiosa quanto ele, ou até mais – Vivia me humilhando, se
fazendo de gostosão na frente dos outros, mas na verdade você lambia o chão que eu pisava! Tudo que você sempre quis
foi que eu te desse bola, coisa que você nunca conseguiu!
- Se enxerga, garota, o mundo não gira em torno da porra do seu umbigo! – ele retrucou, com a voz alta – Você só liga pra
si mesma, pros seus sentimentos, pras suas vontades, pros seus interesses! Você se faz de santa, mas no fundo você não
passa de uma menininha fútil, metida e egoísta que só sabe reclamar e criticar os outros!
- Eu não admito que você fale desse jeito comigo! – quase berrei, sentindo lágrimas involuntárias e inconvenientes se
formarem em meus olhos ao ouvi-lo dizer tudo aquilo de mim com a voz carregada de sinceridade e agressividade. Ergui
minha mão na direção de seu rosto pra lhe dar um tapa, mas na metade do caminho ele agarrou meu pulso e me impediu
de concluir a ação.
- Estou cansado de você – ele rosnou, olhando fundo nos meus olhos, e de repente sua expressão se tornou mais amena,
com um toque de surpresa por me ver chorar. Sua respiração quente batia em meu rosto, suavemente ofegante pela
discussão, e só então me dei conta de que tínhamos nos aproximado desconfortavelmente sem perceber. Tentei não parecer
tão submissa àquele olhar, tão próximo de mim que eu podia ver as oscilações de tamanho de sua pupila, mas pelo visto
não estava dando certo. Seu perfume invadia meus pulmões sem pedir permissão, misturados ao seu hálito que cheirava
levemente a canela. Por mais estranho que possa parecer, a combinação dos dois aromas era tão boa que eu me sentia
entorpecida. Continuamos por longos segundos nos encarando, assimilando nossa proximidade física perigosa, ou pelo
menos tentando.
Nitidamente derrotado, pelo que sua expressão facial demonstrava, Igor aproximou seu rosto ainda mais do meu, e sem
conseguir pensar, eu não o impedi de resumir a distância entre nós a pouquíssimos centímetros. Seus olhos estavam baixos
na direção de meus lábios, e sua testa estava um pouco franzida, tentando encontrar algum vestígio de sua determinação a
me evitar sem parecer ter muito sucesso. Involuntariamente, eu também passei a encarar os lábios dele, extremamente
convidativos, me sentindo como se estivesse presa numa bolha com ele, distantes da realidade. Era uma atmosfera
totalmente surreal.
Senti a mão livre dele envolver meu rosto devagar, e completamente entregue ao momento, permiti que ele vencesse a
distância entre nós e me beijasse. Assim que seus lábios tocaram os meus, inúmeras e pequenas explosões começaram a
acontecer dentro de mim, em cada centímetro do meu corpo, acelerando meu coração e tornando meus sentidos ainda mais
aguçados. Ele soltou meu pulso, e eu deslizei minhas mãos por seus ombros devagar, sentindo um desejo incontrolável
arder por baixo de minha pele. Um desejo que havia sido como uma bomba-relógio dentro de mim durante todos aqueles
últimos dias agoniantes, se escondendo atrás de uma falsa culpa e apenas esperando o momento certo para explodir.
A outra mão de Igor envolveu firmemente o outro lado do meu rosto, me mantendo próxima dele e intensificando os
movimentos determinados de nossas línguas. Parecíamos famintos um pelo outro, buscando desesperadamente fazer com
que toda a distância entre nós sumisse por completo. Abracei-o pelo pescoço, tremendo da cabeça aos pés, e senti que ele
se curvou de leve pra me abraçar pela cintura. Seus braços fortes me envolveram, e suas mãos destemidas subiram até a
metade de minhas costas, me acariciando de um jeito estonteante.
Eu estava tão enlouquecida, tão fora de mim, que alguns minutos depois me vi agarrando seus cabelos da nuca, já
totalmente ofegante como ele, enquanto sentia Igor soltar pesadamente o ar durante o beijo. Num impulso, permiti que ele
me erguesse pela cintura rapidamente e me sentasse na bancada, se encaixando entre minhas pernas e derrubando sua
pasta cheia de relatórios no chão. Sem nos darmos conta desse pequeno desastre, continuamos nos beijando
enfurecidamente, até que toda a euforia daquele momento começou a se mostrar de sua cintura pra baixo. E que euforia.
Mesmo impedida de me afastar dele por uma força invisível e extremamente dominadora, minha consciência aos poucos foi
voltando, e fui me dando conta do que eu estava permitindo acontecer. Várias imagens passaram pela minha mente, a
maioria envolvendo Didi e sua imensurável adoração por mim, e o sentimento de remorso foi se tornando ainda maior que o
poder de toda aquela situação. Eu não podia fazer isso com ele. Eu não podia nem queria fazê-lo sofrer, mesmo sem saber,
por um momento de impulso meu, do qual eu provavelmente me arrependeria no dia seguinte.
E foi pensando em Didi, em tudo que tínhamos, em tudo que eu sentia por ele, que eu afastei Igor pelo peito, partindo
aquele beijo enlouquecido. Meu olhar tonto encontrou o dele, totalmente confuso, e eu não consegui nem começar a dizer
tudo que se passava em minha mente embaralhada. Abri e fechei a boca várias vezes, arfante, mas tudo que realmente
consegui fazer foi descer da bancada, com as pernas extremamente bambas, e deixar o laboratório, lançando a Igor um
último olhar hesitante.
Enquanto eu descia tremulamente as escadas, agradecendo por não estar sendo seguida por ele, um único pensamento
dominava minha cabeça, prevalecendo sobre os demais. Naquele momento, eu tive a confirmação de algo que vinha
crescendo sorrateira e traiçoeiramente dentro de mim, como uma doença que se alastra aos poucos, e que só se torna
notável quando já é irreversível.
Eu estava completamente atraída por Igor Mendes.

Capítulo 12

- Ei, acorda!
Pulei de susto, abrindo os olhos devagar e me deparando com Vanessa de pé à minha frente, me cutucando e rindo. Eu
estava sentada no mesmo lugar onde costumávamos esperar o sinal tocar e o período de aulas começar, mas naquele dia
eu milagrosamente tinha chegado mais cedo que ela.
- Oi – suspirei, toda encolhida e abraçada às minhas pernas, sentindo minha garganta arranhar e fazendo com que meu
cumprimento não passasse de um sussurro esganiçado. Minha voz costumava ficar uma merda de manhã.
- Pelo visto, sua mãe tem sido cada vez mais pontual, conseguiu fazer você chegar antes de mim – ela comentou,
parecendo bem humorada como sempre, mas logo franziu a testa, contagiada por minha expressão cansada - Que foi, não
dormiu direito outra vez?
Estremeci de leve, ainda sonolenta, ao me lembrar da noite anterior. O dia anterior em si tinha sido horripilante. Todo
aquele... Acidente no laboratório se repetia como um filme em minha cabeça, um disco arranhado. Não passou de um
deslize, uma falha, coisa de momento, disso eu tinha certeza absoluta. E não aconteceria de novo. Jamais. Didi não merecia
aquilo, muito menos o safado do Igor.
- Acho que fui contaminada por um zumbi e não sei – murmurei desanimadamente, apoiando meu queixo nos joelhos e
observando vagamente o pátio vazio – Tô ficando incapaz de dormir bem.
Vanessasoltou um risinho divertido, que eu ignorei. Meu humor não estava macio o suficiente pra esboçar qualquer tipo de
alegria. Alguns minutos de silêncio depois, nos quais eu não pude deixar de me sentir mal por ser involuntariamente
ranzinza com Vanessa, ouvi vozes masculinas vindas da entrada da escola, e nem precisei olhar pra saber a quem
pertenciam. Às formas humanas de meu melhor sonho e meu pior pesadelo, claro.
- Bom dia, meninas – Didi sorriu ao passar por nós, parecendo bastante animado, o que fez meu estômago revirar. Ninguém
parecia notar o incômodo insuportável que se alojara dentro de mim e parecia não querer mais me deixar.
Pelo menos eu não precisei encarar os olhos extremamente culposos de Igor quando sorri fraco para Didi, porque mesmo
estando bem ao lado do amigo, ele pareceu não querer me olhar também. Desviou sua atenção para algo em seus tênis,
que a julgar pela inexpressividade em seu rosto, deviam ser bastante desinteressantes. Agradeci mentalmente por não notar
nenhum sinal de que ele tinha contado algo a Didi, e por ele parecer concordar como que telepaticamente com meu plano
de ignorarmos um ao outro. Bom, não custava nada tentar manter meu corpo insanamente desejoso do dele longe do
laboratório.
O dia se arrastou preguiçosamente, fermentando meus pensamentos com a falta de concentração. Cada vez que eu piscava,
a imagem dos olhos castanhos claros de Igor vinha à minha mente, penetrantes como adagas. Por várias vezes, senti meus
pêlos da nuca se arrepiarem só de lembrar daquela sensação viciante das mãos dele passeando pelo meu corpo, firmes e
determinadas, dos lábios dele me enfeitiçando, de sua respiração entrecortada batendo rudemente em meu rosto e me
provocando ainda mais. E quando eu me dava conta de que alguns minutos de aula tinham se passado sem que eu
prestasse atenção, meu coração desenfreado custava a se acalmar. Definitivamente, eu só podia estar enlouquecendo.
No intervalo, Didi não deu sinal de vida. Como nenhum outro professor apareceu (pra minha alegria, já que havia um em
especial que eu adoraria evitar) e a porta da sala dos professores se manteve fechada, deduzi que eles estavam em alguma
espécie de reunião. Não estava dando pra reclamar muito da minha sorte, pelo menos, já que todas as atitudes das pessoas
ao meu redor pareciam conspirar ao meu favor. Vanessa teve uma crise forte de cólicas e foi embora na segunda aula,
portanto eu não precisei fingir que estava razoavelmente bem e puxar qualquer tipo de assunto com ela. Nada contra minha
melhor amiga, eu a adorava, mas em dias sombrios como aquele, eu preferia ficar isolada de tudo e de todos.
Assisti às últimas aulas vagamente, me desligando quase que totalmente do mundo real. Estava inerte, devaneando, sem
realmente saber no que estava pensando, mas com certeza pensando em alguma coisa. Minha mente estava se tornando
bastante confusa, até para mim mesma. Fui a primeira a deixar a classe quando o sinal anunciou o fim da última aula, e
apressadamente me sentei na mureta onde sempre costumava esperar minha mãe. Nem bem o azulejo da mureta
esquentou sob meu corpo, meu celular vibrou. Era minha mãe, dizendo que se atrasaria um pouco, por volta de meia hora,
mas que eu devia esperá-la na escola. Foi só pensar em minha súbita sorte, que até então ia bem, pra receber um evento
azarado como resposta.
Suspirei profundamente, ainda observando a bagunça de alunos que se acumulavam na frente do colégio, e de repente vi
Didi um pouco mais à frente caminhando em direção à rua, falando reservadamente ao celular e tão concentrado no que
dizia que mal olhava para os lados. Andava apressado, como se não quisesse ser visto, e apesar de estranhar aquela atitude
dele, preferi não chamá-lo. Podia ser algo sério, e de qualquer maneira eu daria um jeito de descobrir o que era no dia
seguinte. Sem falar que, do jeito que eu estava, era melhor mesmo esperar até o dia seguinte para falar com ele.
Voltei a encarar os carros que entupiam a rua, com a falsa esperança de encontrar logo o Land Rover de mamãe.
Novamente, meu olhar se perdeu em meio aos veículos barulhentos, viajando por algum lugar sombrio de meu
subconsciente. Novamente, eu me peguei pensando nele. Em como aquilo tudo parecia tão errado, tão terrivelmente
errado... Tão terrivelmente inevitável. Olhei na direção dos largos portões da escola, com um impulso teimosamente
crescente dentro de mim, e quando me dei conta do que fazia, meus pés haviam me levado ao andar do laboratório de
biologia.
O que eu estava fazendo ali? Eu tinha prometido a mim mesma que nunca mais me permitiria ficar sozinha com ele, nunca
mais me deixaria levar por aqueles arrepios que a mera lembrança dele me causava... Então por que meus pés não
conseguiam parar de me levar cada vez mais pra perto da porta do laboratório, impossíveis de serem detidos? Que poder
era esse que acelerava meu coração, aguçava meus sentidos, me deixava doida pelo simples fato de tê-lo perto de mim?
Parei a alguns passos da primeira bancada, finalmente conseguindo controlar meus movimentos. Pena que foi um pouco
tarde demais. Meus olhos aflitos pousaram em Igor, sentado em sua cadeira. Como sempre, ele travava uma luta contra os
inúmeros relatórios que abarrotavam sua pasta, com um cotovelo apoiado na mesa e a cabeça preguiçosamente apoiada na
mão. Seus olhos inquietos estavam ainda mais sobrecarregados devido às sobrancelhas franzidas sobre eles, o que só o
tornava ainda mais bonito. Os lábios levemente contraídos complementavam sua típica expressão de concentração, ou pelo
menos de uma tentativa muito forte de obtê-la.
Minha respiração parou, a garganta secou, o coração acelerou, tudo ao mesmo tempo, assim que o vi, tão lindo e tão...
Próximo. Bastavam alguns passos e eu podia tocá-lo, como eu tanto desejava desde o dia anterior. Minhas pernas tremiam
de leve, com a adrenalina correndo desenfreada pelas veias, e quando o choque por vê-lo se dissipou, um suspiro tenso se
apoderou de meus pulmões. Faltava muito pouco pra que eu perdesse a razão... Ou seja, estava mais do que na hora de
sair dali.
Infelizmente, também já era tarde demais para isso. Mal eu me dei conta de que observá-lo estava ficando perigoso, e ele
ergueu seu olhar pra mim, parecendo surpreso em me ver. Foi impossível desgrudar meus olhos dos dele, tão castanhos
claros e faiscantes na minha direção. Meu sangue borbulhava dentro de mim, eu quase podia sentir a euforia pinicando
freneticamente nas paredes de minhas veias.
Igor não disse nada, apenas semicerrou os olhos, tentando entender minha presença ali. Me senti totalmente patética,
parada ali com cara de nada, e após alguns segundos buscando minha voz em algum lugar de minha garganta, gaguejei:
- D-desculpe, eu... Não sei o que vim fazer aqui.
Com a vergonha imensa que sentia transparecendo em minhas bochechas ferventes, desviei meu olhar do dele com esforço,
tentando em vão dar nem que fosse um mísero passo na direção da porta. Mas antes que meus músculos rebeldes
pudessem ser convencidos a me obedecer, ouvi sua voz confiante perguntar:
- Tem certeza de que não sabe?
Todos os meus esforços desceram pelo ralo, e minhas pernas se fincaram com ainda mais força no chão com a resposta
dele. Quando voltei a encará-lo, vi que ele estava de pé, caminhando calmamente até mim com a expressão transbordando
malícia, e gemi por dentro. Por que ele não podia simplesmente facilitar as coisas e me deixar ir embora?
- Não pensei que voltaria tão rápido, Freitas – Igor disse enquanto andava, com a voz mais cordial agora, e um sorriso torto
preencheu seus traços – Realmente, você não pára de me surpreender.
Perplexa com sua maneira de lidar com os fatos e sentindo uma certa raiva borbulhar dentro de mim pelas palavras
vitoriosas dele, continuei imóvel enquanto ele fechava a porta do laboratório. Não satisfeito com aquele grau de privacidade,
ele lentamente girou a chave na fechadura, fazendo o barulho da tranca enferrujada ecoar pelas paredes. Senti Igor se virar
para minhas costas, ficando praticamente colado em mim, e seu perfume invadiu suavemente meus pulmões, numa
intensidade bem mais fraca do que a que eu gostaria. Bem mais fraco do que eu precisava.
- Eu acho que essa história de pedir desculpas toda hora tá ficando meio confusa – ele começou, colocando meus cabelos
para um lado só e beijando lentamente as partes expostas de minha nuca e pescoço - Então eu estava pensando... Que tal
arranjarmos um novo jeito de nos... Entendermos?
Meus olhos se fecharam pesadamente, como se os leves toques de seus lábios em minha pele tivessem o mesmo efeito de
soníferos, que de alguma maneira só deixavam meu coração ainda mais acelerado. A respiração quente e fraca dele ao pé
do meu ouvido estava me dopando, arrancando meus pés do chão e me levando às alturas. Ainda incapaz de dizer qualquer
coisa, apenas o deixei continuar.
- Você me causou vários danos... Não só morais, mas também materiais, já que a minha BMW virou ferro velho por sua
causa – Igor sussurrou devagar, interrompendo-se entre algumas palavras pra seguir sua trilha de beijos até a minha orelha
- Mas quero que saiba que não me importo com nada disso. Não sou o tipo de pessoa que guarda rancor.
A discreta rouquidão em sua voz ao pronunciar cada uma daquelas palavras, como se estivesse tão entorpecido como eu, só
ajudou meu coração a se debater com mais força contra meus pulmões, provocando uma falta de ar ainda maior. Igor
envolveu minha cintura com suas mãos, desenhando seu formato até alcançar meus quadris num movimento tentador.
Àquela altura eu já estava arrepiada da cabeça aos pés, sem fazer questão de esconder. Era até bom mesmo que ele
soubesse que nada mais me importava naquele momento a não ser ele, e a inexplicável necessidade que eu tinha de tê-lo o
mais próximo possível de mim para que toda a minha aflição sumisse.
Ele roçou a ponta de seu nariz no lóbulo de minha orelha, mordiscando a região lenta e torturantemente logo depois, e em
meu último instante de sanidade, pude ouvi-lo soprar:
- Sorte sua.
Sem conseguir mais resistir, com o corpo todo tremendo de luxúria, eu me virei pra ele, agarrando seus cabelos com
determinação e colando nossos lábios desesperadamente. Já esperando essa reação, Igor continuou segurando firmemente
meus quadris com uma mão e subindo a outra até minha nuca, retribuindo mais intensamente as carícias furiosas de minha
língua com a sua. Senti que ele sorriu vitoriosamente durante o beijo, mas estava descontrolada demais pra formar uma
opinião sobre o assunto.
Uma superfície vertical e dura se chocou contra minha região lombar, e só então eu percebi que ele tinha me prensado
entre seu corpo e a bancada. Inconsciente de meus movimentos, me vi pegando impulso com as mãos espalmadas sobre o
balcão, e logo em seguida sentando sobre ele. Sem perder tempo, Igor se encaixou entre minhas pernas, declarando
nitidamente que não pretendia se afastar de mim.
As mãos dele corriam livremente pelas minhas coxas e barriga, assim como as minhas exploravam seu tórax, abdômen e
braços muito além de sarados. Vez ou outra ele sorria discretamente, parecendo maravilhado com seu feito. Eu, Leila
Freitas, totalmente entregue aos encantos de Igor Mendes. Há algumas semanas atrás, isso me pareceria completamente
insano. Hoje, a idéia parecia ainda mais absurda, mas de alguma maneira, extremamente necessária.
Os dedos ágeis dele começaram a passar mais tempo do que deveriam brincando com a barra da minha blusa, fazendo
minha respiração falhar com ainda mais freqüência. Sentindo ondas de calor cada vez mais fortes percorrerem meu corpo a
cada segundo, segurei suas mãos e as coloquei sobre meus seios sobre a blusa mesmo, totalmente fora de mim. Talvez
assim ele sentisse a arritmia crítica que regia meu coração, e terminasse logo com aquela agonia insuportável urrando em
meu interior.
Visivelmente surpreso com minha atitude insana, ele não demorou a explorar meu busto, fartando suas mãos em meus
seios e demonstrando satisfação. Obrigada por meus atributos físicos decentes, papai do céu. E muito mais que obrigada
pelos dele também. Meus movimentos involuntários e enlouquecidos continuaram, e só quando senti a pele quente de seu
tórax contra meu peito nu, percebi que eu tinha arrancado não só a minha blusa, mas também a dele.
Nossa falta de ar era tão gritante que já não ofegávamos mais, soltávamos espécies de grunhidos desesperados por
oxigênio, e ele pareceu decidir que era hora de seguir adiante. Ótimo, porque eu também pensei a mesma coisa. Igor
afastou apressadamente seus lábios dos meus e começou a se desfazer do resto das roupas que ainda usava. Sem nem me
dar ao trabalho de me levantar, fiz o mesmo, e em tempo recorde, já estávamos grudados de novo, sem nenhum tecido nos
atrapalhando.
Igor me beijou por alguns segundos, insanamente descontrolado por me ver nua, mas logo deu um jeito de livrar seus
lábios dos meus pra resolver um assunto importantíssimo: abrir a embalagem do preservativo que ele tinha tirado da
carteira, guardada no bolso traseiro da calça. Enquanto eu agarrava a maior quantidade possível de cabelo dele,
suspeitando até de que tinha arrancado alguns fios, e beijava seu pescoço cheiroso sem a menor vergonha, ele colocou a
camisinha, provavelmente acostumado a fazer isso com garotas penduradas nele. Mas eu não me importava de estar sendo
só mais uma dentre as várias alunas que ele já havia pegado, seria a primeira e última vez mesmo. Era apenas uma
irresistível e momentânea atração física, e jamais passaria disso.
Precauções tomadas, ele voltou a me beijar, faminto graças aos meus talentos para lidar com pescoços perfumados, e eu
acariciei firmemente seus quadris, dedilhando suas “entradas” deliciosas. Escorreguei minhas mãos um pouco mais para
baixo e para a parte de trás, e me surpreendi com o relevo que encontrei. Eu me lembrava de ter observado aquela bunda
(sem querer!) antes, mas não imaginei que no quesito tato ela pudesse ser tão melhor.
Igor apertou minha cintura com firmeza, e sem nem me dar tempo de assimilar o que pretendia, ele me invadiu, me fazendo
pensar por um momento que me rasgaria por dentro. A força com a qual ele investiu, somada ao efeito único que seu corpo
tinha no meu e ao nítido tesão em sua expressão fechada, me causaram uma sensação que eu jamais tive com nenhum
outro homem. A maneira como ele continuava investindo, incessantemente firme, enquanto soltava ruidosamente o ar em
meu ouvido, me faziam retorcer os dedinhos dos pés e agarrar seus ombros como se eu dependesse daquela força pra
viver. Meu corpo todo estava tenso, sobrecarregado de prazer, e ainda assim ansioso por mais.
Ele dava leves selinhos na curva entre meu pescoço e meu ombro de vez em quando, provocando choques elétricos a cada
vez que seus lábios tocavam minha pele. Qualquer contato entre nossos corpos provocava essa sensação, e agora eu podia
afirmar que a eletricidade entre nós poderia abastecer uma cidade inteira. Nunca na minha vida eu pensei que fosse gostar
tanto daquela maneira rude, quase dolorosa, mas agora eu podia entender por que algumas pessoas não conseguiam viver
sem aquilo. Era sem dúvida a sensação mais viciante do mundo.
Após alguns minutos me adaptando à coisa mais prazerosa que eu já tinha experimentado na vida, recuperei meus
movimentos, e logo voltei a perder o controle sobre eles. Meus lábios grudaram em seu pescoço úmido de suor como se eu
fosse uma sanguessuga, dando chupões que provavelmente deixariam marcas, e minhas mãos trêmulas contornavam seus
ombros tensos e maravilhosos, isso quando não estavam percorrendo o resto de pele alcançável dele. É normal um cara
suar morango com champanhe ou seria uma alucinação da minha cabeça?
Quando já tinha perdido a conta de quantos orgasmos ele já tinha me causado, o cansaço começou a me dominar. Lutando
contra a exaustão que teimava em querer interromper aquela sensação incrível que o corpo dele provocava em mim, joguei
a cabeça pra trás, segurando seus cabelos entre meus dedos enquanto ele beijava intensamente meu pescoço e colo. Sem
sucesso algum em me manter firme, voltei a deixar minha cabeça na posição normal após algum tempo, procurando os
lábios dele na tentativa de afastar aquele cansaço mais do que inconveniente. Igor conseguiu me reanimar com seu beijo
provocante, até soltar um gemido rouco rente aos meus lábios e finalmente gozar, também esgotado.
Abracei seu pescoço devagar, me sentindo um pouco tonta, e apoiei minha testa em seu ombro. Respirei por alguns
segundos, de olhos fechados, tentando colocar um pouco de ar em meus pulmões, mas meus músculos ainda pareciam
contraídos demais pra permitir isso. Senti as mãos de Igor acariciarem minha cintura e minhas costas lentamente, e ele de
leve depositou um selinho demorado e gostoso em meu pescoço.
- Quando eu apenas imaginava como seria te ter, você já era meu vício – ele sussurrou, arrepiando meus cabelos da nuca
com seu hálito quente – Agora que eu realmente te tenho... Não vou conseguir te tirar da cabeça.
Abri os olhos com cuidado, e agradeci por não estar mais tonta. O oxigênio já fluía mais tranquilamente por minhas vias
respiratórias, e meu corpo parecia mais relaxado. Ergui minha cabeça sem pressa até conseguir olhar pra ele, e sua
expressão demonstrava um deslumbre retraído, intrigado. Era como se eu fosse algo ainda a ser desvendado, algo que ele
não conseguia compreender. Apesar de meu rosto só demonstrar cansaço, Igor também tinha um significado
incompreensível pra mim, ainda mais depois de tudo aquilo.
Fechei meus olhos novamente, sem agüentar encarar aquele brilho ofuscante no olhar dele por muito tempo. Meu coração
precisaria de algum tempo pra se recuperar, e olhá-lo tão de perto nos olhos era suicídio. Respirei fundo, e quando estava
prestes a abrir os olhos novamente, senti os lábios dele nos meus, daquele jeito que não me dava outra escolha a não ser
corresponder. Não porque ele não me dava chance de escapar, mas porque meu corpo o correspondia sozinho, sem nem
pedir autorização. Uma de suas mãos envolveu um lado de meu rosto, e a outra me abraçou pela cintura de um jeito
reconfortante.
Alguns segundos perdida naquele beijo e um turbilhão de memórias passaram pela minha cabeça.
Didi.
Por Deus, o que eu estava fazendo ali outra vez?
- Pára, Mendes – soprei, afastando-o com esforço pelo peito com a expressão vagamente alarmada – Eu tenho que ir.
Igor me encarou por pouco tempo, indo da confusão à resignação em poucos segundos. Me deixou levantar, dando as
costas para mim enquanto caçava suas roupas, e eu não ousei olhá-lo outra vez, por mais que meus olhos teimosos
estivessem diante do fato de que ele sem roupa era ainda mais atraente do que quando estava vestido. Fiz o mesmo que
ele, me vestindo rapidamente e ainda cambaleando algumas vezes. Quando terminei, me virei em sua direção, mas ainda
sem coragem de olhar diretamente em seus olhos.
Igor já estava com sua blusa grafite, sua calça jeans escura e seus tênis perfeitamente brancos. Com menos roupas pra
vestir do que eu, ele já tinha tido tempo pra arrumar o cabelo, despreocupadamente bagunçado do jeito de sempre,
enquanto eu ainda procurava um elástico nos bolsos de minha calça pra prender o meu. Com o calor que eu ainda sentia,
quanto menos coisas me abafando, melhor.
Quando meu cabelo já estava decentemente preso num rabo de cavalo alto, eu o encarei, mordendo meu lábio inferior um
pouco dormente. Igor estava com as mãos nos bolsos a poucos passos de mim, e seus olhos me instigavam a falar alguma
coisa, mesmo que ele não tivesse emitido um som sequer.
- Isso... Isso foi... Isso foi extremamente... Errado – gaguejei, abrindo e fechando a boca sem dizer nada por várias vezes
entre as palavras – E não vai acontecer de novo. Definitivamente não.
Ele continuou me encarando, sem expressão a não ser pela intensidade de seu olhar, e alguns segundos depois, um sorriso
se formou em seus lábios avermelhados. Um sorriso convencido, nem um pouco preocupado com o ponto final taxativo que
eu havia dado naquela situação.
- Que progresso – ele murmurou, erguendo as sobrancelhas por um momento em tom de surpresa – Hoje você preferiu
falar alguma coisa a sair correndo com cara de horror. Isso aumenta bastante minhas esperanças.
Meu olhar estremeceu rapidamente quando ouvi sua voz carregada de prepotência. Por algum motivo, ele tinha certeza de
que aquilo aconteceria novamente. E de alguma forma, eu não me sentia totalmente firme para contrariá-lo. Minhas pernas
ainda não tinham parado de tremer, e as sensações que ele tinha me provocado estavam bem frescas em minha memória.
- Você não ouviu o que eu disse? – perguntei, tentando evitar que minha voz falhasse, mas foi totalmente em vão – Não vai
acontecer de novo. Eu odeio você.
Dizer as últimas três palavras não foi tão convincente como costumava ser antes. Eu não sentia nenhum tipo de afeto por
ele, mas odiar parecia não descrever exatamente o que ele representava pra mim. Era algo mais... Indescritível, talvez.
- Claro que ouvi – Igor respondeu, irônico, assentindo uma vez e erguendo uma sobrancelha de um jeito que o deixava
ainda mais sensual – Pude ler essas mesmas palavras escritas na sua testa ontem, com a mesma firmeza impressionante. E
olha só que coisa, você está aqui hoje. De novo.
Engoli em seco, com a respiração levemente ofegante. As contradições dentro de mim estavam me deixando tonta
novamente, mas eu me mantive firme, mesmo quando ele deu um passo na minha direção. Tudo bem, quando ele deu o
segundo passo, eu comecei a ter leves vertigens, e só não caí quando ele resumiu a distância entre nós a poucos
centímetros porque ele me sustentava, com seus dedos fortes ao redor de meus braços. Nossos olhares estavam
magnetizados, conectados invisivelmente, e só se desviaram um do outro quando ele acariciou minha bochecha com a sua e
murmurou em meu ouvido, com aquela voz irresistível:
- Vou esperar ansiosamente pela sua próxima visita.
Igor se afastou novamente, com um sorriso de canto nos lábios, e assim que suas mãos me soltaram, pensei que fosse
desmaiar. Mas após alguns segundos reunindo forças pra me manter de pé, fiz a única coisa que me ocorreu: saí correndo
do laboratório, destrancando a porta com dificuldade, e quase caindo ao descer os degraus das escadas.
Ele estava errado. Eu não voltaria mais. Eu nunca mais me permitiria voltar àquele laboratório, mesmo que meu corpo
gritasse pelo dele. Mesmo que meu corpo implorasse pra ter o que só ele conseguia me dar.

Capítulo 13

Cheguei em casa com a mesma expressão lívida com a qual deixei o laboratório. Podia sentir o suor frio em minha testa,
podia sentir a palidez do meu rosto, a instabilidade de minhas pernas e mãos, o puro pânico estampado em meus olhos
ainda arregalados.
- Tá tudo bem mesmo com você, filha? – ouvi minha mãe dizer assim que entramos em casa, e por mais que ela estivesse
bem ao meu lado, sua voz estava distante, como se houvesse vários metros entre nós.
Assenti vagamente, assim como fiz durante todo o trajeto no carro, sem sequer tentar entender o que ela estava
perguntando. Caminhei o mais rápido que pude até meu quarto, quase tropeçando nas escadas, e me tranquei com pressa.
Encostei minhas costas na porta e lutei contra meus joelhos vacilantes, sem conseguir definir exatamente o que estava
acontecendo dentro de mim.
Eu me sentia em transe, numa dimensão completamente distante da realidade, alheia a qualquer sentimento. Era como se
eles estivessem presos numa caixa minúscula, aprisionados, me transformando numa pessoa oca. Não conseguia sentir
remorso, nem dor, nem raiva, nada. Apenas o vazio. O mesmo vazio que mantinha meus olhos arregalados e fixos no abajur
de minha mesa de cabeceira, sem realmente enxergar nada. Apenas via trechos dos recentes acontecimentos passando
como flashes em minha mente.
Quando me dei conta do que estava fazendo, me vi em meu banheiro, tirando a roupa com agonia, como se houvessem
formigas ou qualquer outra coisa indesejada nelas. Coloquei todas as peças no cesto de roupa suja de um jeito rude, na
inútil ilusão de que aquilo me ajudaria em alguma coisa. Liguei o chuveiro até que um forte jato de água jorrasse dele, e
entrei de cabeça debaixo daquela cachoeira gelada. Meu corpo estremeceu pelo choque térmico, mas eu me mantive imóvel,
deixando a água escorrer ralo abaixo e levar consigo tudo que restava dele em mim.
Absorver o turbilhão de loucuras que tinham acontecido em tão pouco tempo parecia impossível, mas quando a
compreensão finalmente começou a aparecer e eu consegui organizar meus pensamentos, as perguntas sem resposta me
engoliram como uma onda gigante. Como eu deixei isso acontecer? Por que eu deixei isso acontecer? Eu amava Didi, podia
sentir meu coração doer de culpa a cada batimento!
Mas ao mesmo tempo, podia sentir os leves tremores que percorriam minha espinha a cada segundo gasto pensando em
Igor; apesar de estar debaixo do chuveiro, ainda podia sentir o cheiro dele em minha pele, o cheiro do qual eu me tornei
inconscientemente dependente há algum tempo. Não era certo querer um cafajeste daquele jeito, somente por pura atração
física, enquanto eu tinha um príncipe encantado me dando todo o amor que eu precisava.
Com os olhos fortemente fechados, eu permaneci naquela posição por incontáveis minutos. Era extremamente doloroso,
mas eu nem tentei me impedir de pensar em Didi. A imagem de seu rosto sorridente, radiante, apaixonado, logo dominou
minha mente, a não ser quando os olhos castanhos claros do professor Mendes teimavam em surgir, tão hipnotizantes que
tirariam do chão até a pessoa mais insensível. Como eu fui um dia em relação a ele.
Me abracei, sentindo as pontas de meus dedos ficarem cada vez mais frias, e abri os olhos, já que mantê-los fechados só
piorava minha situação. Focalizei o vidro molhado do box à minha frente, bem aonde havia uma pequena prateleira com
meu shampoo, sabonete e condicionador. Num cantinho da prateleira, estava uma esponja praticamente intocada que
mamãe havia me dado há algum tempo atrás, esperando até seu próximo e raro uso. Não precisei pensar duas vezes.
Peguei a esponja, encharcando-a e esfregando meu sabonete nela até me certificar de que a espuma era suficiente. Com o
lado áspero, eu comecei a me esfregar por inteiro num movimento frenético e masoquista, começando pelos braços e
seguindo pelo resto do corpo. Os vergões avermelhados que a esponja deixava em minha pele mal apareciam, escondidos
sob a grossa camada de espuma que os cobriam, mas eu podia senti-los ardendo insistentemente. Desesperada, eu passei a
esfregar com ainda mais força, e cada lugar que a esponja percorria me trazia uma lembrança de tudo que eu e Igor
tínhamos feito. Um nó enorme e doloroso se formou em minha garganta, mas prometi pra mim mesma que não derramaria
uma lágrima. Não por ele. Não por Igor.
Aquilo tinha sido só um momento de insanidade, nada mais. Nunca aconteceria de novo, isso era certeza. Didi não precisaria
saber, não houve sentimento nenhum, nunca existiu e nunca vai existir. Eu odiava Igor, e não sabia como viveria sem Didi.
E por todos os aspectos que os tornavam duas pessoas completamente diferentes, eu guardei aquele erro dentro de mim,
num canto deserto de minha memória, de onde ninguém o tiraria. Era isso... Estava acabado.
Me deixei cair no chão do box, cansada e arfante pelo esforço com a esponja. Encostei minha cabeça na parede atrás de
mim, sentindo minha pele arder ainda mais quando os respingos de água gelada me atingiam, e encarei o vazio por um
tempo. Totalmente entorpecida. Eu tinha tomado minha decisão. Eu sabia que não seria capaz de encarar Didi novamente
sem me lembrar de minha mentira, mas o simples pensamento de contar a ele e ver a repulsa em seu olhar fazia meu corpo
se encolher involuntariamente. Didi não merecia ser enganado, e eu sabia que não o merecia, mas eu era egoísta demais
pra dizer a verdade e vê-lo me abandonar.
Após um longo tempo que não consegui calcular, ouvi batidas na porta de meu quarto. Ignorei-as totalmente, sem
condições de falar com ninguém. Eu me sentia um pouco mais calma, mas ainda não totalmente de volta à realidade.
Foi quando eu ouvi uma voz inesperada do outro lado da porta.
- Leeh?
Olhei na direção da voz, como se fazendo isso pudesse ver se ela realmente pertencia a quem eu estava pensando. Com
cuidado pra não escorregar, me levantei do chão, me enxagüei rapidamente pra tirar o resto de espuma e saí do banheiro,
com uma toalha enrolada no corpo e a outra no cabelo.
Caminhei até a porta, e a voz novamente falou, como se fosse para confirmar minhas dúvidas:
- Leeh? Tá tudo bem com você?
Engoli em seco, me perguntando se ela notaria meu jeito estranho e se alguma desculpa idiota a convenceria, do jeito que
ela me conhecia bem. Ignorei minhas perguntas e destranquei a porta, abrindo-a e dando de cara com Vanessa.
- O que você tá fazendo aqui? – murmurei, mas minha voz saiu falha e rouca, destoando totalmente da minha tentativa de
um sorriso casual.
- Sua mãe ligou lá pra casa, disse que você tava estranha, e eu resolvi vir pra investigar – ela respondeu, com a testa
levemente franzida de preocupação.
- Que besteira, não tem nada de errado comigo – menti, sentindo meus joelhos vacilarem novamente, mas me mantive
firme. Vanessa entrou no quarto, e quando fiz menção de fechar a porta atrás de nós, ela segurou meu pulso com uma
expressão intrigada.
- O que exatamente é isso? – ela perguntou, de um jeito que beirava o horror, e eu olhei na direção que ela encarava.
Vergões avermelhados e irregulares coloriam meus braços, desde os ombros até os pulsos. E nem assim eu estava
conseguindo me sentir limpa.
- Eu... Eu não sei – gaguejei, me desvencilhando educadamente dela e fechando a porta - Acho que é... Alergia de alguma
coisa.
- Quando você vai se dar conta de que suas mentiras não me convencem? – Vanessa disse, com a voz grave, transbordando
seriedade através de seus olhos – Não está tudo bem com você, claro que não. O que aconteceu?
- Não aconteceu nada! – exclamei, um pouco mais alto do que pretendia, porque minha voz saiu esganiçada e trêmula.
Esconder alguma coisa dela não era nada fácil, muito menos uma coisa como aquela, que nem eu sabia como esconder de
mim mesma, apesar de tentar com todas as minhas forças.
- Leeh, pelo amor de Deus – ela chamou, levemente em choque pela minha reação, quando eu caminhei energicamente na
direção de meu armário – Você sabe que pode confiar em mim, não precisa mentir!
Me escondi o máximo que pude atrás das portas de meu guarda-roupa, sem deixá-la ver meu rosto, e suspirei, irritada. Ela
não devia estar ali, eu precisava de um tempo sozinha pra pensar antes de falar com alguém. Mas agora que ela já estava,
não conseguiria expulsá-la sem criar suspeitas. Ela me seguiu, e sentou-se na cama atrás de mim, enquanto eu juntava
forças para falar.
- Já disse, eu estou bem, isso deve ser alguma alergia – murmurei, sem coragem de olhá-la. Nem de continuar a falar. O
que mais eu poderia dizer?
Ouvi Vanessa bufar atrás de mim enquanto eu pegava algumas roupas, e já estava começando a ficar realmente
pressionada, quando ela piorou minha situação:
- Não adianta continuar mentindo, eu só vou sair daqui quando você me contar como esses arranhões foram parar aí.
Engoli em seco, sabendo que ela estava falando muito sério por causa de seu tom de voz. Fechei meu armário, com roupas
íntimas, uma blusinha e um shorts na mão, e me virei pra ela, derrotada. Como eu sabia que aconteceria, a preocupação em
seu olhar fez uma onda de insegurança percorrer minha espinha, e antes que eu pudesse deter as palavras, elas já haviam
sido ditas.
- Eu fiz isso.
- Você? Mas por quê? – ela murmurou, com um tom ainda mais horrorizado, e eu senti minha garganta fechar por completo.
Agora que eu a encarava, dizer o que tinha acontecido parecia impossível, mas ao mesmo tempo, mentir estava fora de
cogitação. Ela saberia ler através de minha expressão, sentir o nervosismo em minha voz, não importava o quão
convincente minha mentira fosse.
Eu não disse nada por alguns segundos, e a firmeza de meu olhar no dela não durou muito. Precisando de um álibi para não
encará-la, fingi estar concentrada em me vestir, quase caindo de nervoso ao passar minhas pernas pelos buracos do shorts.
- Se você não quer me contar, tudo bem – ela suspirou quando eu terminava de vestir a blusa, e mesmo sem olhá-la, pude
sentir seus olhos fixos nos vergões agora rosados de minhas pernas – Mas pelo menos me diga como eu posso te ajudar.
Qualquer coisa.
- Ninguém pode me ajudar – suspirei, andando até o banheiro para pentear o cabelo, e ela me seguiu, me observando
desviar meu olhar do dela pelo reflexo do espelho.
Ficamos novamente num silêncio tenso, até que minhas ocupações acabaram e eu me virei pra ela, cruzando os braços
firmemente na altura do peito. Vanessa me encarava com súplica no olhar, e eu percebi que não adiantaria continuar
enrolando. Não havia como fugir de sua própria consciência, que no meu caso, atendia pelo nome de Vanessa Racca.
Respirei fundo antes de fazer o que teria de fazer uma hora ou outra, e minha voz escapou por entre meus lábios como um
sussurro quase inaudível.
- Eu... Traí o Didi.
Vanessa arregalou os olhos, totalmente pega de surpresa, e esperei até que o choque de minha revelação passasse e ela
fosse capaz de falar. Encarei firmemente o chão, tentando em vão parar de tremer.
- C-com quem? – ela gaguejou, alguns segundos depois, e pude sentir uma pontada de suspeita em seu jeito de perguntar.
Fechei os olhos com força, ordenando que meu corpo não se arrepiasse só de pensar nele, mas foi em vão. Quando as
palavras saíram de minha boca, ainda mais baixas que da outra vez, pude sentir meus cabelos da nuca se eriçarem de
imediato.
- Com o professor Mendes.
Vanessa não se mexeu. Não consegui devolver seu olhar, e por algum tempo ficamos imóveis e caladas, cada uma ocupada
demais com seus próprios pensamentos.
- Eu... Eu não sei o que dizer – ela sussurrou, parecendo finalmente vencer sua luta com as palavras, e apesar de não vê-la,
percebi que ela soltou um risinho surpreso – Talvez eu devesse começar com um “Eu sabia”.
Franzi minha testa e ergui o rosto pra olhá-la, sem entender. Ela me encarou de volta, com os olhos admirados, e sorrindo
de um jeito deslumbrado. Arregalei meus olhos pra ela, totalmente confusa, e nem precisei dizer nada pra que ela
continuasse:
- Desde o começo, desde que você e o professor Finatto começaram essa história toda, e que o Mendes resolveu se meter
nesse rolo... Eu sempre soube que isso ia acabar acontecendo. Fala sério, Leila, você sempre fica a fim do cara errado.
Juro que tentei abrir a boca pra falar algo, mas minha voz não saiu. Minha indignação era maior que qualquer coisa. Como
assim, eu sempre ficava a fim do cara errado? Eu não estava a fim do Mendes! Aquilo foi só um deslize, um impulso
indesejado!
- Mas e aí, como foi? – ela sorriu, de repente adotando uma expressão curiosa – Não precisa entrar em detalhes, dizer se foi
bom ou não já é o suficiente.
- Vanessa! – exclamei, finalmente recuperando minha voz, e fazendo-a pular de susto com uma expressão retraída – Eu te
digo que traí o Didi e tudo que você faz é me perguntar se foi bom?
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, assustada, até que voltou a falar, timidamente e num tom baixo:
- Não foi exatamente isso que eu perguntei, mas dá na mesma.
- Vanessa! – falei de novo, passando por ela e caminhando de volta para o quarto, embrenhando meus dedos
desesperadamente em meus cabelos – Você entendeu o que eu disse ou vou ter que repetir outra vez? Eu traí o Didi com o
Mendes!
- Tá, e daí? – ela retrucou, parecendo meio impaciente e sentando-se pesadamente em minha cama – Eu já entendi isso,
você é que não pareceu entender minha pergunta! Me diz, o que eu posso fazer agora que você já fez a besteira? Vai
adiantar eu ficar falando mil baboseiras inúteis, chorar pelo leite derramado com você?
- Eu sei que não tem mais volta, foi um erro, mas você podia pelo menos fingir ser uma pessoa normal e me dar a maior
bronca ou algo do tipo, e não me perguntar como foi! – eu disse, encarando-a energicamente.
- Achei que você já me conhecesse há tempo suficiente pra saber que eu não me surpreendo assim tão fácil – Vanessa
murmurou, erguendo as sobrancelhas de um jeito desafiador – Em momento nenhum eu fui ou pretendo ser falsa com você,
e é isso o que eu estaria sendo agora se estivesse te dando uma bronca. Atração física acontece aos montes, Leila, é mais
normal do que se pensa. A única diferença disso pra um relacionamento normal é que ninguém costuma sair contando pra
todo mundo, mantêm as coisas em segredo.
Fitei os olhos compreensivos de Vanessa por alguns segundos, totalmente desarmada. Me deixei cair sentada no chão, ainda
encarando-a sem entender, e ela subitamente riu de minha atitude. Por que eu tinha que ter uma amiga tão mente aberta e
liberal?
- Não precisa se martirizar tanto só porque não resistiu às tentações da carne, Leeh – ela sorriu, sentando-se no chão à
minha frente – Se não teve sentimento, não foi exatamente uma traição... Então, pra que se preocupar?
Abaixei meu olhar pro chão, refletindo sobre o que eu já sabia, mas que ela tinha feito o favor de repetir. Tudo tinha sido
tão rápido, tão inesperado, tão mecânico... Não havia um pingo de sentimento ali, era puro tesão. Meu amor por Didi
continuava intocado, apesar do fato de que todas as transas com ele não equivaliam à única com Igor no quesito físico. Mas
eu não devia nem queria comparar os dois. Pra mim, só existia um homem, e ele se chamava Leandro Finatto.
Suspirei, psicologicamente exausta pra continuar travando aquela luta interna, e voltei a encarar Vanessa, ainda sorrindo
docemente.
- Foi tudo tão... Confuso – foi tudo o que consegui sussurrar, pela primeira vez conseguindo demonstrar alguma emoção
sobre o assunto, e seu sorriso se alargou. Ela dobrou as pernas contra seu tronco e abraçou os joelhos, carregando sua
expressão de curiosidade novamente.
- Agora que você já está mais calminha... Pode me dizer como foi? – ela murmurou, parecendo prevenida quanto aos meus
súbitos acessos de desespero, e eu não pude deixar de sorrir fraco. Um calor súbito passou por mim, e meu olhar se perdeu
em meio aos meus pensamentos, que dessa vez eu simplesmente deixei fluir, tornando meu sorriso mais largo.
- Foi o melhor erro que eu já cometi.

- Tchau, meninas, boa aula!


Saí do carro de mamãe, mais trêmula que bambu em ventania, e Vanessa fez o mesmo do outro lado, cumprindo a parte
simpática do relacionamento com mamãe, a qual eu tinha desfalcado desde o dia anterior. Vanessa tinha dormido em casa,
me dando todo o apoio que eu precisava pra não sair correndo quando a manhã seguinte chegasse, mas tudo pareceu ter
sido em vão quando me dei conta de que estávamos paradas em frente ao colégio. Quer dizer, eu estava, porque ela me
arrastava escola adentro, como se carregasse uma estátua de mármore.
- Quer fazer o favor de entrar? – ela resmungou, me puxando pelo braço com uma careta mal educada – Lembra do que eu
te falei? Você não tem motivos pra ter medo!
Nem liguei pra frase totalmente clichê e equivocada de Vanessa, que parecia estar enxergando aquilo tudo como uma
coisinha boba e não como mais um problema na vida cada vez mais complicada de sua melhor amiga. Respirei fundo e
comecei a andar, contra meus próprios instintos, na direção do pátio da escola, rezando pra que nenhum dos dois
aparecesse. Hoje eu não tinha aula com nenhum deles, então talvez pudesse fugir antes do intervalo, alegando fortes dores
de cabeça. O que não seria totalmente mentira.
- Vamos subir de uma vez, eu não quero ficar aqui – sussurrei, segurando Vanessa pelo braço e puxando-a na direção das
escadas. Mas ela cutucou minha mão, com o olhar fixo em algum ponto à nossa frente, e meu estômago revirou quando
meu olhar seguiu o dela.
- Bom dia, Racca – ouvi a voz de Didi sorrir, alegre como sempre, e logo seus olhos castanhos escuros brilhantes se
voltaram pra mim, provocando uma fisgada em meu peito – Bom dia, flor do dia.
Tudo que fui capaz de fazer foi sorrir de leve, suando frio agarrada ao braço de Vanessa. Ele retirou um bilhete do bolso,
sorridente, e me entregou, dando uma piscadinha antes de se afastar novamente. Não pude deixar de acompanhá-lo com o
olhar, e me arrependi amargamente disso. Assim que ele chegou à porta da sala dos professores, uma coisa vinho saiu de
dentro dela, toda sorridente, e começou a caminhar na direção das escadas, após cumprimentar Didi. Apertei o braço de
Vanessa com mais força, mas ela não reclamou.
Igor passou por nós, ainda mais sedutor do que nunca com sua nova e linda peça de vestuário, e me lançou um breve olhar.
Por mais rápido que tenha sido, aquele olhar estava cheio de significados, dos quais eu estava plena e dolorosamente
ciente. Fato: ele era meu inferno particular na Terra.
- Deixa o Mendes pra lá e abre logo esse bilhete! – Vanessa sussurrou, e só então eu me lembrei do pequeno papel que Didi
havia me entregado. Desdobrei-o tremulamente, e minha respiração parou quando li o que estava escrito.

Tenho uma surpresa pra você nesse fim de semana. Pode ir se preparando, vou te seqüestrar de sexta a domingo! Te amo.
xx

Uma dor que eu nunca tinha sentido antes infestou cada célula do meu corpo, mas eu nem tentei fazê-la passar. Eu sabia
que eu merecia aquilo. E a culpada por aquela dor não era ninguém mais do que eu. Não havia mais ninguém para culpar...
Só eu.
Ergui um pouco meu rosto, sentindo minha visão embaçar, mas Vanessa logo percebeu que eu estava prestes a desmoronar
e começou a cochichar:
- Leila, você prometeu pra mim que não ia fazer isso!
Eu balançava a cabeça negativamente, contendo as lágrimas com esforço. O que eu era exatamente? Um monstro? Uma
destruidora de sentimentos, uma idiota completa? Eu não conseguiria fingir que estava tudo bem com Didi, nem olhá-lo nos
olhos eu conseguia!
- Vanessa... – eu murmurei, olhando pra ela – Eu... Ele... Não... Eu não consigo...
Ela revirou os olhos, me arrastando na direção da escadaria, com uma expressão que beirava o tédio.
- Escuta aqui – ela rosnou baixinho, me puxando pelos degraus – Você não gosta do Finatto, é isso? É pelo Mendes que
você tá apaixonada? É com ele que você quer ficar, é por ele que você quer foder com a sua vida?
Neguei com a cabeça, me encolhendo com desespero. Cada pergunta dela era como uma facada no peito de tão absurda.
- Então pára de ser ridícula e engole esse choro! – ela ordenou, autoritária – Se importe com quem realmente interessa, e
joga o resto fora! Se as pessoas não se forçassem a esquecer certas coisas, o mundo seria cheio de gente depressiva.
Respirei fundo, conseguindo retomar meu controle emocional. Ela estava certa, já que o erro estava feito, eu só precisava
esquecer aquilo e seguir em frente, me esforçando mais do que nunca pra fazer Didi feliz. Agora que a possibilidade de
perdê-lo havia se tornado menos remota, valia tudo pra mantê-lo comigo.
- Obrigada – sussurrei, subindo os últimos degraus, cabisbaixa, e ela sorriu, afastando-se de mim pra entrar em sua classe
enquanto eu entrava na minha. Por algum motivo, eu não consegui soltar o bilhete de Didi pelo resto das aulas, relendo-o
discretamente de vez em quando ou segurando-o com toda a minha força dentro de meu punho como se aquilo valesse a
minha vida. Ou pelo menos a parte feliz dela.

Capítulo 14

- Mãe?
- Oi, amor... Por que você tá me ligando a essa hora? Aconteceu alguma coisa?
- É que... Eu não tô me sentindo muito bem.
Seria a desculpa perfeita, pelo menos pra mim era. Meu estômago revirava a cada pessoa que entrava em meu campo de
visão, num sinal físico de pânico. Eu não estava em condições de ficar na escola por mais um minuto sequer, por isso estava
fingindo um mal estar dos brabos. A palidez e o suor frio, junto com as olheiras de quem mal tinha dormido na noite
anterior serviram pra alguma coisa que não fosse me deixar ainda mais horrorosa do que eu já era. Enquanto eu falava com
mamãe no telefone da secretaria, a moça responsável pelas dispensas da escola me olhava com aflição, como se eu
estivesse a ponto de vomitar nela. O que não estava tão distante da realidade, já que eu podia jurar que estava meio verde.
- O que você tá sentindo? – mamãe perguntou, preocupada com o meu tom de voz rouco, e eu engoli a vontade de gritar
pra que ela parasse de fazer perguntas e simplesmente viesse me buscar.
- Não sei, tô meio tonta e enjoada... Vem me buscar – foi tudo que consegui responder, e de repente, um ser vinho parou
bem ao meu lado no balcão da secretaria, colocando uma pasta cheia de papéis em cima dele sem a menor delicadeza.
- Por hoje é só, Lizzie – ele sorriu, todo moleque, para a moça à nossa frente, e arrumou a mochila sobre um ombro, dando
meia volta e passando por trás de mim em direção à porta de saída. Pude jurar que ele levou o dobro de tempo necessário
pra fazer isso, já que seu perfume infestou em peso o ambiente, me deixando ainda mais tonta.
- Leila? Você tá me ouvindo? – mamãe disse, como se não fosse a primeira vez que perguntasse isso, e eu descobri que
suas palavras foram apenas ruídos enquanto Igor estava perto. Prestar atenção em mais de uma coisa não estava sendo
fácil pra mim hoje.
- Desculpe, mãe, o que você tava dizendo mesmo? – gaguejei, esfregando minha testa energicamente com a mão livre.
- Eu disse que não posso ir te buscar agora, estou na sala de espera pra fazer um exame – ela repetiu, pausadamente – Se
preferir esperar, dentro de mais ou menos uma hora eu passo aí, mas se quiser ir embora, pegue um táxi e me ligue quando
chegar. Use aquele dinheirinho que eu te dei pra casos de emergência, tá bem?
Falou certo, mãe. Emergência.
- Tá – respondi, desligando sem nem esperar resposta, e sorri fraco pra tal de Lizzie, que devolveu meu sorriso com alívio
enquanto pegava a pasta que o Mendes tinha deixado com ela. Deixei a secretaria às pressas e só parei quando cheguei à
calçada em frente ao colégio. Olhei em volta, pensando na maneira mais fácil e rápida de encontrar um táxi, e vi alguém
parar ao meu lado.
- Lindo dia, não? – a voz sacana de Igor murmurou, me fazendo quase pular de susto com sua presença repentina. Não sei
se já disse isso antes, mas eu me odeio. Não existe ninguém que eu odeie mais nesse mundo que eu mesma, nem mesmo a
forte concorrência chega perto de mudar minha opinião.
Ignorei o comentário dele sobre o céu cinza e carregado, e respirei fundo, tentando acalmar a tremedeira em minhas pernas
para poder ir embora dali logo. Não preciso nem dizer que ele recomeçou a falar, certo?
- Dias assim me lembram você – ele suspirou num falso tom romântico, e eu fingi que não estava ouvindo o urro de
incômodo dentro de mim – Ranzinza, sombrio, cheio de tempestades... Mas que depois dá lugar ao sol mais quente que
existe.
Fechei os olhos, começando a ficar ofegante pela provocação descarada. A metáfora estava claríssima, e eu não estava
conseguindo mais respirar direito. Concentrada em normalizar meus batimentos cardíacos, finalmente tomei coragem de
revidar.
- O que você quer? – rosnei entre dentes, encarando nervosamente o lado oposto ao dele, que soltou um risinho de
contentamento.
- Eu? – ele respondeu, irônico – Eu não quero nada, já dei todas as aulas do dia... O que mais um professor pode querer?
Agora você tá doida pra ir embora, pelo que me parece.
Bufei, com os braços cruzados bem apertados na altura do peito e as mãos fortemente fechadas em punhos.
- Não te interessa – resmunguei, agoniada com minha incapacidade de mandar oxigênio para meus pulmões – Ainda não
deu pra notar que eu não quero falar com você?
- Tudo bem, eu não pretendia falar mesmo – Igor retrucou, com humor na voz – Existem coisas bem mais interessantes que
falar.
Por mais freqüente que isso fosse, acho que eu nunca tive tanta vontade de socar Igor como naquele momento. Por isso,
nem me importei por estar no meio da rua, tão perto de pessoas que não deveriam ver aquela cena, e meti a mão na cara
dele. Bom, pelo menos eu tentei.
Droga, o que ele tinha feito ultimamente, treinado reflexos? Por que ele tinha que estar tão mais rápido a ponto de eu não
conseguir mais bater nele? Fechei os olhos, frustrada, quando senti os dedos fortes dele se fecharem contra meu pulso, a
poucos centímetros de seu rosto.
- Sabe qual é o seu problema? – ele sorriu calmamente pra mim, como se não estivesse falando com alguém que pretendia
arrancar dolorosamente todos os dentes dele se tivesse a chance – Você tem pressa demais. Não sabe esperar.
- Me solta – pedi, encarando-o com repulsa, e seus olhos penetrantes me deixaram tonta por um momento – Eu quero ir
embora.
- Então me deixe terminar de falar, estressadinha – Igor falou, erguendo as sobrancelhas em tom de superioridade, e eu
bufei novamente, sem poder fazer nada a não ser ouvi-lo – Antes da sua tentativa inútil e infantil de me bater, eu ia te
oferecer uma carona, mas agora que eu percebi a sua empolgação pra ir embora, eu retiro minha oferta...
- Ótimo – grunhi, sorrindo sarcasticamente com a idéia de aceitar uma carona dele. Mas meu sorriso logo desapareceu
quando ele terminou a frase:
- E a substituo por uma exigência.
Franzi a testa, inconformada com aquele absurdo. Quem ele pensava que era pra exigir alguma coisa de mim?
- Escuta aqui, seu idiota – comecei, sem nem ligar por estar falando mais alto que o aconselhável – Eu não suporto que uma
pessoa asquerosa como você me dirija a palavra, ouviu bem? Vê se me esquece, eu te odeio! Só você não se tocou disso
ainda!
- Se você não vier comigo agora, garota, eu entro nessa porra desse colégio e conto tudo que aconteceu ontem pro Finatto
– Igor murmurou, com os olhos cravados nos meus de um jeito intimidador – E ainda por cima, no mesmo volume que você
tá usando pra falar comigo, pra que não só ele, mas todo mundo ouça o que a gente andou aprontando.
Esqueci como se respirava com aquela ameaça. Eu não conseguia suportar nem a mera hipótese de Didi saber sobre meu
deslize, e agora com Igor me confrontando daquele jeito, tudo parecia muito mais possível de acontecer. E eu sabia que não
podia me arriscar de maneira alguma, mas mesmo assim, tentei.
- Ninguém acreditaria em você – gaguejei, esboçando um risinho desdenhoso, que nem foi páreo para o dele, tranqüilo e
seguro de si. Ele sabia o quanto Didi valia pra mim, sabia que uma hora ou outra, eu desistiria e cairia em sua armadilha.
- Bom... Isso é uma possibilidade – ele concordou, sem demonstrar um pingo de preocupação quanto ao meu blefe – Quer
pagar pra ver?
Continuei encarando os olhos castanhos claros dele, com os pensamentos a mil. Por mais que eu me esforçasse pra pensar
numa outra saída, nada me ocorria a não ser obedecê-lo. Havia coisas demais a perder naquela chantagem, e eu não podia
depender de possibilidades.
Desviei meu olhar dele pro chão, completamente derrotada, e soltei o ar preso em meus pulmões, declarando minha
desistência. Igor não precisou de palavras pra entender, e finalmente soltou meu pulso, transformando sua expressão
maléfica em um sorriso vitorioso.
- Boa menina – ele sussurrou, virando-se na direção da rua – Vamos.
Olhei rapidamente para os lados, me certificando de que não havia ninguém que pudesse nos flagrar, e não encontrei nada.
Completamente contrariada, eu segui Igor até o outro lado da rua, e esperei até que ele colocasse sua mochila no
compartimento de bagagem de sua moto e retirasse dali um segundo capacete, já que o primeiro estava numa de suas
mãos desde o começo.
- Tá esperando o que parada aí? – ele perguntou, rindo da minha cara, quando tudo que faltava para irmos embora era eu
subir na moto. Nem preciso dizer que cada pedacinho de mim estava relutante a fazer isso (bom, pelo menos a maior
parte). Fora o fato de que eu odiava capacetes, eles me davam dor de cabeça. Não que eu já tivesse usado capacetes várias
vezes, nunca andei de moto na vida e nem pretendia. Mas pra tudo havia uma primeira vez, certo? Eu que o diga.
Sentei na garupa bem atrás dele, e procurei alguma forma de me manter na moto quando ela estivesse em movimento que
não envolvesse contato físico com ele. Mas com uma mochila cheia de livros nas costas, isso seria ainda mais complicado.
- Melhor se segurar – ele avisou, ainda se divertindo com a minha desgraça, e ameaçou acelerar com a moto, dando um
leve tranco e me fazendo agarrá-lo na hora. O que só o fez rir mais.
- Assim está ótimo – foi a última coisa que o ouvi dizer, porque logo depois o ronco ensurdecedor do motor preencheu meus
ouvidos e ele arrancou furiosamente. Fechei os olhos, assustada com a velocidade e a falta de proteção, e involuntariamente
o abracei com mais força, de alguma forma empurrando aquele perfume cada vez mais pra dentro dos meus pulmões e me
fazendo sentir intoxicada.
Abri meus olhos, num súbito ato de coragem, e tudo que vi foram borrões coloridos. O vento forte me fazia piscar de meio
em meio segundo, me deixando tonta e enjoada novamente, e eu preferi fechar os olhos definitivamente. A cada curva, eu
esmagava as costelas de Igor, que parecia não se importar, e até se divertir com a minha insegurança. Definitivamente, ele
era o cara mais sadomasoquista que existia na Terra.
Não sei dizer exatamente por quantos minutos ficamos andando naquela coisa, até que ele reduziu a velocidade e com uma
curva, subiu na calçada. Mesmo sem olhá-lo, percebi que ele virou a cabeça pro lado, o que era o máximo de movimento
que ele podia fazer pra falar comigo, e riu ao me ver toda tensa.
- Você se acostuma à velocidade com o passar do tempo – ele sorriu, com aquele ar divertido que estava me dando nos
nervos, e apesar de estarmos parados, eu não consegui desfazer o forte aperto de meus braços ao redor dele. E fiz bem,
porque logo ele acelerou novamente, me fazendo abrir os olhos e dar de cara com uma garagem levemente familiar.
- Onde estamos? – consegui perguntar, observando os vários carros importados estacionados lado a lado passando
rapidamente por nós, e senti uma pontada de pânico. Por favor, Deus, ele não tinha feito isso.
Igor não respondeu, apenas estacionou a moto numa vaga que ficava ao lado de uma Ferrari vermelha e de um Porsche
prata. Que antes dava lugar a uma BMW preta, provavelmente situada num ferro velho a essa hora, após sua colisão com
um poste. Ele tinha mesmo feito isso.
- Por que você me trouxe aqui? – exclamei, com a voz mais alta agora, enquanto ele desligava a moto – Que tipo de
problemático você é?
- Eu falei que ia te dar uma carona – Igor finalmente disse, tirando o capacete com cara de tédio, e virou o rosto pra me
olhar de lado – Mas não disse em momento algum que te levaria pra sua casa.
Senti meu sangue esquentar dentro das veias, sem saber direito se era de pânico ou de raiva. Onde eu estava com a cabeça
pra me envolver com ele?
- SEU IDIOTA! ME LEVA PRA CASA AGORA! AGORA! – gritei, me aproveitando de sua posição desfavorecedora e estapeando
suas costas sem dó – EU NUNCA MAIS QUERO OLHAR NA SUA CARA, SEU SAFADO SEM VERGONHA!
Parecendo nem sentir os tapas e socos que eu lhe dava, ele se levantou, sem cerimônia, e começou a caminhar calmamente
até o elevador da garagem, ativando o alarme da moto pelo caminho. Eu continuei imóvel, até me dar conta de que ele
realmente não voltaria pra me levar pra casa, e sem a menor intenção de ficar presa ali, eu corri atrás dele, me desfazendo
de qualquer jeito do capacete no trajeto.
- AH, É, NÃO VAI ME LEVAR? – urrei, andando energicamente atrás dele, que estava a alguns passos de distância de mim,
quase alcançando o elevador – ÓTIMO! EU VOU ANDANDO!
Igor soltou uma gargalhada e parou bem à porta do elevador, só então se virando pra mim.
- Você vai morrer antes de sequer chegar no seu bairro. Ou de cansaço, ou atingida por um raio com a chuva que vai cair
daqui a pouco.
- EU NÃO LIGO! – berrei, parando de andar a poucos metros dele, totalmente irada – QUALQUER COISA É MELHOR DO QUE
FICAR MAIS UM SEGUNDO PERTO DE VOCÊ!
Continuei andando na direção da saída da garagem, e ignorei a trovoada monstruosa que estremeceu o chão. Quando já
estava a poucos passos da saída, que graças a Deus não era muito longe do elevador, ouvi passos rápidos atrás de mim, e
acelerei meu ritmo. Totalmente em vão.
- O QUE É ISSO? – gritei, quando senti os braços de Igor envolverem minhas pernas e me levantarem do chão – ME LARGA!
Eu estava praticamente pendurada em seu ombro, sentindo-o segurar minhas pernas com um braço só, e com meu tronco
caindo pelas costas dele. Enquanto ele voltava a andar na direção do elevador, como se estivesse carregando uma pluma e
não uma pessoa revoltada, eu voltei a espancá-lo, socando-o com toda a força que eu consegui. Meus cabelos se
enroscavam em meus braços, formando nós que eu sabia que não conseguiria desfazer tão facilmente, mas aquilo pouco
me importava.
Ignorando totalmente meus gritos e minhas agressões, Igor continuou me levando até o elevador, que nos esperava com a
porta automática aberta. Assim que passamos, ele apertou o botão do vigésimo terceiro andar, que nos levaria ao seu
apartamento. Mesmo dentro do elevador, ele não me soltou, e eu parti pras ameaças concretas, desesperada.
- ME LARGA OU ENTÃO EU GRITO PRA TODOS OS ANDARES OUVIREM!
- Os apartamentos têm proteção acústica, mas vai ser engraçado te ouvir tentar – ele sorriu, sem tremer na base nem um
pouco. Mas tudo bem, eu ainda tinha argumentos.
- ENTÃO EU VOU TE PROCESSAR ASSIM QUE CONSEGUIR OS VÍDEOS DO CIRCUITO INTERNO DAS CÂMERAS DESSE
PRÉDIO!
- Tudo bem, eu suborno quem tiver que subornar. Tenho dinheiro pra bancar todas as suas tentativas baratas de me
prejudicar.
- AAAAAAAH! – berrei, socando-o com mais força e mais rápido – ME SOLTA SENÃO EU VOU ARRANCAR PEDAÇO DE VOCÊ,
SEU VERME!
E inesperadamente, ele me pôs no chão, com um sorriso esperto. Antes que eu tivesse tempo de assimilar que estava com
os pés no chão e já podia dar uma voadora nele, Igor me prensou contra a parede do elevador de um jeito que me arrepiou
inteira. Por que eu tive um déja-vu naquele exato momento?
- Agora parece que estamos entrando num acordo – ele murmurou, próximo o suficiente de mim a ponto de me fazer sentir
sua respiração quente bater em meu rosto – Te deixo arrancar um pedaço meu se me deixar fazer o mesmo com você.
Levei alguns segundos pra compreender suas palavras, devido à proximidade perigosa entre nós. O sorriso pervertido em
seus lábios já não parecia mais tão irritante, e os olhos dele, intensamente castanhos claros, não conseguiam se decidir
entre os meus olhos e minha boca.
- Eu nunc... – comecei a protestar, com a voz falha, mas não consegui terminar. Igor grudou seus lábios macios nos meus,
fazendo meu corpo inteiro formigar descontroladamente. Soltei um gemido involuntário quando nossas línguas se
encontraram, e só então me lembrei de como era maravilhoso tê-lo tão perto de mim, ter suas mãos viajando sem limites
pelo meu corpo, ter seu hálito de quem acabou de escovar os dentes misturado ao meu, sentir o calor de seus braços me
envolvendo... De como era bom beijá-lo, abraçá-lo, embrenhar meus dedos em seus cabelos, deslizar minhas mãos por seus
ombros sem a menor censura, sem o menor receio.
A cada segundo, aquele beijo se tornava mais profundo, como se estivéssemos doentes de saudade um do outro. O que não
era mentira no meu caso, mesmo que inconscientemente. Quando ele se aproximava de mim daquele jeito, com aquelas
intenções, num lugar onde ninguém poderia nos ver, era como se tudo à nossa volta sumisse. Só existia eu e ele. O resto
era mero detalhe.
O elevador parou no 23º andar alguns segundos depois, mas nenhum de nós dois pareceu notar isso logo de cara. Levou
algum tempo pra que Igor cambaleasse pra fora do cubículo até cair deitado no espaçoso sofá, me puxando consigo. Ainda
bem que naquele prédio, cada apartamento ocupava um andar inteiro, e não tivemos que passar por nenhum tipo de hall
com várias portas de apartamentos ou algo do tipo. Não acho que ele conseguiria encontrar a chave certa para abrir a
porta, por falta de concentração e porque eu não daria trégua pra que ele pensasse. Eu tinha plena consciência de que se
parasse agora, não haveria jeito de recomeçar, e cada pedacinho de mim implorava pra que eu continuasse.
Totalmente ensandecida, eu encaixei uma perna de cada lado de seu quadril, sem nem me lembrar de como eu tinha
chegado ali sem minha mochila. Igor alisava desde minhas costas até minhas coxas, sem conseguir se fixar num lugar só.
Eu agarrava seus cabelos da nuca com uma mão, e com a outra, explorava seu abdômen perfeitamente esculpido por
debaixo de sua blusa vinho. Após alguns minutos, eu desci meus beijos por seu pescoço cheiroso, enquanto puxava sua
blusa até a altura do peito. Não levei muito tempo pra vê-lo se desfazer da peça com rapidez, totalmente sob o meu
comando.
Agora que ele estava sem camisa, o calor se tornava quase insuportável. Bastaram poucos minutos nos beijando pra que eu
me sentasse sobre seu quadril e tirasse a blusa, vendo-o sorrir de um jeito maligno. Com a consciência desligada, eu voltei a
avançar em seus lábios, enquanto ele trabalhava sorrateiramente em meu zíper. Quando conseguiu cumprir sua parte, Igor
se sentou, puxando minhas coxas em sua direção e me encaixando entre suas pernas, e tirou minha calça, isso tudo sem
interromper o beijo. Talvez o fato de que meus braços estavam agarrando seu pescoço nesse momento o ajudou nesse
feito.
As mãos firmes e habilidosas de Igor me seguravam pelas laterais de meu tronco, na altura do sutiã, e me puxavam pra
mais perto dele, tornando o calor ainda maior. Aquele homem realmente era quente, no sentido literal da palavra. E depois
ele me comparava ao sol. Mas eu não reclamei, pelo contrário, ajudei-o a nos aproximar ainda mais ao entrelaçar minhas
pernas em seus quadris.
Me aproveitei do momento em que seus lábios grudaram feito ímãs em meu pescoço, e me convenci de que tirar a calça
dele seria bem mais agradável que continuar bagunçando seu cabelo. Abri o botão e o zíper com relativa facilidade, e puxei
sua calça na minha direção, simultaneamente sendo erguida de leve por ele, pra facilitar o processo de passar a calça por
baixo de meu corpo. Impressionante como as coisas fluíam entre nós, por mais trêmula que eu estivesse e mesmo sem
dizermos uma palavra sequer.
Quando ele me sentou sobre seu quadril novamente, senti seu significativo sinal de excitação, ainda mais significativo agora
que o jeans grosso de sua calça não estava mais entre nós. Uma onda de calor percorreu minha espinha, e eu me tornei
ainda mais agressiva, sem perceber. Igor me deu uma mordidinha quase dolorida no lábio inferior, sorrindo com os olhos
semi abertos, e logo depois eu senti meu sutiã afrouxar. Eu realmente tinha que tomar cuidado com as mãos dele, mal tinha
percebido que elas se dirigiram para o fecho em minhas costas.
Joguei o sutiã longe, e Igor voltou a colar nossos lábios com urgência, agarrando meus cabelos com uma mão e apertando
meu seio com a outra. Ele puxava meu cabelo com cada vez mais força, conseguindo se controlar, mas eu já não era capaz
de me manter em silêncio, gemia baixo com certa freqüência. Seu jeito de me beijar e me tocar eram torturantes, não dava
pra agüentar por muito tempo.
Disposta a fazer o que estava se tornando inevitável, eu mesma tirei minha calcinha, enquanto ele diminuía o ritmo do beijo
com um sorriso convencido. Assim que eu me dirigi às suas boxers, ele se deitou novamente, e eu fiz uma cara meio tonta
de dúvida. Ele estava cansado ou algo do tipo?
- Pode continuar – ele ofegou, com a voz rouca, acariciando minhas coxas e provocando choques elétricos em minha pele –
Faça o que quiser, tenho certeza de que vou gostar.
Franzi de leve a testa, sem entender direito, mas não havia tempo nem sanidade para discutir o significado daquela atitude,
ainda mais com aquele corpo simplesmente perfeito bem ao meu alcance. Apenas fiz o que ele disse, e tirei suas boxers,
olhando-o profundamente nos olhos. Igor sorria pra mim de um jeito diferente, inédito... Quase gentil.
Alisei seu abdômen e tórax ofegante por um instante, sentindo cada relevo perfeitamente esculpido deslizar por baixo de
minha pele, e ele continuou esperando, ainda acariciando minhas coxas. Seu tronco forte contrastava nitidamente com a
fragilidade de minhas mãos espalmadas sobre ele.
Olhei pra Igor rapidamente, sem muita vontade de sair dali, mas o fiz, por motivo de força maior. Me levantei depressa e
peguei um preservativo no bolso de sua calça, enquanto ele se ajeitava no sofá, ficando mais confortável. Voltei ao meu
lugar e coloquei a camisinha, levando um pouco mais de tempo que de costume devido à instabilidade de minhas mãos.
Meu coração batia muito forte, ainda mais alto em relação ao silêncio do apartamento.
Igor continuava me observando com interesse, e eu devolvi seu olhar, sem saber muito bem o que fazer. Quer dizer, eu
sabia exatamente o que queria fazer, mas não sabia como. Todos os outros caras com quem já havia transado (e foram só
três, contando com ele) sempre ficavam, erm, por cima, se é que você me entende. Eu nunca realmente fiquei no controle
de nada, não naquelas horas. Me senti praticamente uma virgem.
Eu não disse nada, nem ele. Um sorriso de canto surgiu em seu rosto, e eu o senti segurando meus quadris devagar, como
se tivesse medo de minha reação. Obviamente, apenas o deixei continuar, e ele nos encaixou com a mesma velocidade de
antes, acelerando um pouco quando se certificou de que não me machucaria. Me apoiei em seus ombros, com o tronco
tombado na horizontal acima do dele, e vi bem de perto sua expressão de prazer quando me penetrou. Acho que se não
estivesse tão surpresa com o jeito dele, teria feito a mesma cara, porque foi difícil não gritar com a sensação entorpecente
que ele me causara.
Igor, que tinha fechado os olhos por um momento, voltou a abri-los, encarando os meus a uma distância de poucos
centímetros. Eu ainda o olhava, dominada por um turbilhão de sentimentos novos, e ele não pareceu nem um pouco
incomodado com isso. Pelo contrário, parecia estar contente por me deixar confusa daquele jeito. Aquele homem não era o
mesmo de poucos minutos atrás, totalmente rude e idiota. Aquele homem era o Igor de verdade, por baixo de todas as
máscaras, todos os escudos, todas as farsas. Era um homem que, com o tempo, poderia se tornar alguém perigoso demais
pro meu próprio bem... Se eu o deixasse se aproximar demais e ultrapassar os limites.
Voltei à minha posição ereta, seguindo algum tipo de instinto que não sei explicar, e o sorriso dele alargou, indicando que eu
estava indo pelo caminho certo. Timidamente, comecei a me movimentar em cima dele, sempre com a assistência de suas
mãos em meus quadris, e algum tempo depois, tudo já era muito natural. Nós tínhamos recuperado a espontaneidade de
antes, sem vergonha um do outro, sem timidez. Não durou muito, porque nenhum de nós dois conseguiu se segurar por
muito tempo naquela posição (que eu deduzi que não favorecia só a mim pelo volume dos gemidos dele), mas foi sem
dúvida um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida.
Pela primeira vez, eu caí deitada sobre ele, respirando de um jeito quase bruto de tão ofegante. Igor acariciou minhas
costas de uma maneira reconfortante, e sem nem pensar no que estava fazendo, eu o abracei pelo pescoço, recebendo
beijos perto da nuca que me causaram calafrios. Ele não estava ajudando em nada na recuperação de meu fôlego com
aqueles agrados, ainda mais embrenhando seus dedos nos meus cabelos, mas nada que ele tenha feito naqueles minutos de
descanso conseguiu fazer minha respiração parar como o que eu ouvi alguns minutos depois.
No começo, me perguntei se Igor não tinha escutado, porque não mexeu um fio de cabelo, mas depois o som do ringtone
de mamãe se tornou ensurdecedor, emanando de minha mochila, que estava jogada pelo caminho. Olhei pra ele, assustada,
e ele lançou um breve olhar na direção do som.
- Posso te levar pra casa em quinze minutos – foi tudo que ele disse, sugestivo, e eu assenti, sem nem hesitar. Ele sorriu de
um jeito esperto e fez um aceno de cabeça pra que eu atendesse o celular. Me levantei, caçando minha calcinha pelo
caminho, e ele sumiu pelo apartamento.
- Oi, mãe – atendi, segurando o celular no ombro enquanto corria pela sala recolhendo minhas roupas – Desculpa não ter te
ligado, esqueci de avisar que já cheguei em casa.
- Ah, tudo bem, era só pra avisar que a fila de espera está grande aqui, e eu ainda não fiz o exame... Que bom que você já
está em casa, fico mais tranqüila. Ainda se sente mal?
- Não, melhorei um pouco – menti, me sentindo a rainha da trapaça e terminando de fechar o zíper de minha calça – Tomei
um comprimido pra dor de cabeça e vou tentar dormir.
- Faça isso mesmo, querida, logo esse mal estar passa – ela sorriu, e eu mordi o lábio inferior, arrependida por enganá-la –
Chegarei em casa o mais rápido possível. Te amo.
- Eu também – murmurei, e desliguei logo em seguida.
- Tudo certo? – ouvi Igor perguntar, já vestido, surgindo do corredor, e eu assenti, vestindo rapidamente minha blusa, que
era a única peça que faltava. Nunca me vesti tão rápido em toda a minha vida, me senti praticamente uma ninja.
- Então vamos – ele disse, chamando o elevador, e eu parei ao seu lado, colocando a mochila de um jeito desajeitado por
causa de minha tremedeira persistente.
Durante a descida até a garagem, nenhum de nós disse uma palavra, nem sequer nos olhamos. Toda a intimidade de antes
pareceu evaporar, sendo substituída pela frieza e vergonha. Ambos mostramos lados de nós mesmos que mal sabíamos que
podíamos mostrar, e o medo da reação do outro era maior que qualquer coisa naquele momento.
Caminhamos ainda em silêncio pela garagem, e quando ele estava prestes a apertar o botão do alarme de um dos três
controles em seu chaveiro, eu escolhi como queria ir pra casa, sem nem pedir permissão.
- Você disse que as pessoas se acostumam à velocidade com o passar do tempo – murmurei, sem muita coragem de
olhá-lo, enquanto me sentava na moto – Eu gostaria de testar a sua teoria.
Igor piscou algumas vezes, sem entender, e logo depois deu um fraco sorriso desconfiado. Eu não devolvi seu sorriso, tensa
demais pra me mexer, e ele não me contrariou. Sentou-se na moto à minha frente, me dando um capacete e colocando o
outro, e antes de dar a partida, ele falou, num tom baixo:
- Melhor se segurar.
Respirei fundo, soltando pesadamente o ar logo depois, e o abracei apertado, pronta pra mais uma dose de seu perfume
viciante, e mais uma jornada de curvas aterrorizantes pelas ruas. Mas eu não me importava com o perigo. Porque, de uns
tempos pra cá, estar com Igor era bastante seguro. Maravilhosamente seguro.

Capítulo 15

Dessa vez, eu consegui manter meus olhos abertos. Pude ver todos os borrões nos quais os prédios, árvores, pedestres e
carros tinham se transformado com a velocidade, contrastando com o cinza tempestuoso do céu. Pude aproveitar o vento
revigorante de cada metro velozmente percorrido pela moto de Igor, que roncava alto como se tivesse vida própria e
gostasse da adrenalina. Pude sorrir com a sensação gostosa de estar praticamente voando sem asas.
Diferente da ida, paramos em vários sinais vermelhos. E em nenhum deles, Igor sequer demonstrou se lembrar de que eu
estava bem atrás dele, agarrada com firmeza às suas costelas. Mesmo sem poder olhar em seus olhos, eu soube que aquele
era novamente o Igor de sempre. Ele tinha voltado a se trancar em seu casulo impenetrável, e eu sabia que eu talvez não
voltasse a ver o que se escondia dentro dele. Porque eu não pretendia me deixar cair na tentação novamente. Eu não podia
fazer isso com Didi, por mais difícil que fosse resistir à atração que Igor exercia sobre mim.
Não demoramos a chegar à minha casa. Assim que ele estacionou a moto, eu desci e entreguei seu capacete, que ele
colocou no bagageiro sem nem me olhar. Eu o observei subir na moto outra vez, com sua expressão indecifrável, e
finalmente tomei coragem de dizer alguma coisa.
- Hm, obriga...
Nem bem eu abri a boca, um ronco de motor ecoou e ele foi embora. Suspirei, sem nem me dar ao trabalho de terminar a
palavra. Eu já devia saber desde o início que seria assim, Igor não era o tipo de cara que se preocupava com os sentimentos
dos outros. Pelo menos não o Igor que eu estava acostumada a ver.
Entrei em minha casa vazia e calmamente subi até meu quarto, sem saber direito o que fazer nem o que pensar. Eu já não
me sentia tão culpada como da primeira vez, e algo me dizia que o motivo pra isso não era dos mais angelicais. Eu não
tinha me esquecido de que aquilo era errado e muito menos tinha deixado de amar Didi, mas ficar com Igor era melhor do
que praticamente tudo. Poucas vezes eu me lembrei de querer tanto alguma coisa como eu queria agora. Eu queria passar o
tempo todo sentindo os arrepios que as mãos dele provocavam em meu corpo, me sentindo tão desejada apenas com um
olhar, o olhar dele, sempre intenso em mim como se eu fosse sumir num piscar de olhos.
Me perguntei por um momento se Igor estaria arrependido por ter me levado até sua casa, ou pelo que fizemos. Me
perguntei se ele já havia se cansado de mim, se já tinha realmente conseguido o que queria, como ele mesmo disse uma
vez, mas não consegui me convencer de que isso tenha sido a razão por trás de sua frieza. Se ele havia esperado e insistido
por tanto tempo para finalmente me fazer ceder, ele já teria conseguido se entediar tão cedo? Talvez fosse algum motivo
que eu não tivesse como descobrir, ou talvez fosse o mesmo sentimento que eu carregava comigo: culpa por Didi. Tudo
bem, retiro o que disse, Igor não sentia remorso nem culpa por nada, isso estava mais do que claro.
Estava tão imersa em pensamentos que só voltei a prestar atenção no que estava fazendo quando um trovão ecoou pelo
apartamento, e eu me encontrei deitada em minha cama, encarando o teto. Coloquei uma mão dentro do bolso da calça e
de lá tirei o bilhete que Didi havia me dado na escola. Fechei os olhos, apertando o papelzinho em meu peito, que pulsava
de acordo com meu coração acelerado. Por menos culpada que eu me sentisse em relação a Didi, fato que continuava me
fazendo sentir um monstro, eu ainda estava refletindo sobre tudo que tinha feito com Igor. E por mais que eu tentasse
pensar em Didi durante o resto do dia, meus pensamentos voltavam a ser atraídos para o professor Mendes, como um disco
irritantemente arranhado, ainda mais com o tempo chuvoso e cinzento, que só me fazia lembrar da comparação que Igor
havia feito. Naquele dia, o tempo realmente poderia ser comparado ao meu estado emocional.
Toda vez que eu me pegava sem nada pra fazer, aqueles olhos profundamente castanhos claros voltavam a me perturbar, e
quando isso acontecia, eu recorria ao bilhete de Didi. Sua caligrafia esforçada para parecer legível não me fazia sorrir mais,
e sim pensar em uma única coisa, que mesmo que eu não quisesse, fazia meu corpo se queixar involuntariamente: o fim de
semana estava próximo, e se Didi cumprisse o que ameaçava fazer no bilhete, nós o passaríamos juntos. Talvez ele me
levasse para viajar, talvez ficássemos em seu apartamento, talvez ele me surpreendesse com alguma outra alternativa. Mas
não era isso que me agoniava.
Eu não podia mais pensar em Igor. Por um momento, pude jurar que não conseguiria. Se eu estava disposta a manter todos
os meus podres em segredo, não podia parecer pensativa, nervosa, ausente demais durante meu fim de semana com Didi.
Eu tinha que parecer íntegra, completamente feliz e plena, o que eram emoções que se distanciavam um pouco da
realidade. Mas por Didi, tudo valia a pena. Mesmo que não fosse ele quem habitasse meus intermináveis sonhos naquela
noite.

- Você já falou pra sua mãe que vai ficar “lá em casa” esse fim de semana, né? – Vanessa perguntou, assim que o sinal
tocou às 7 da manhã de sexta-feira.
Apenas assenti, sem saber se realmente estava pronta pra surpresa de Didi. A proximidade da descoberta fazia meu
estômago revirar de curiosidade e tensão. Pelo menos eu não tive que me preocupar com a desculpa para sumir de casa por
dois dias, já que a mãe de Vanessa teria que viajar a trabalho justamente naquele fim de semana. Bastou usar um pouco de
minha lábia e do beicinho de Vanessa pra que mamãe me deixasse acompanhá-la durante aqueles dois dias solitários em
sua casa. Coitadinhas de nós, só nos faltavam asinhas de anjo.
- Eu juro que não te entendo – Vanessa bufou, subitamente parecendo irritada, e eu franzi a testa, sem entender – O
homem da sua vida te prepara uma surpresa e tudo que você sabe fazer é ficar com essa cara deprimida o tempo todo!
Parece que não tá feliz com a maravilha que tem nas mãos, credo!
- Me desculpe, Vanessa, eu estou com sono – falei pausadamente num tom ironicamente calmo, enquanto subíamos os
degraus da escola rumo às nossas classes – Não fiquei acordada quase a noite toda porque quis, sabe.
Tudo bem, eu confesso, existe um motivo além do sono atrasado, e que também está por trás dele. Quer dizer, Vanessa
não precisava ficar sabendo que eu andava sonhando demais com o professor Mendes, certo? Ela nem sabia que eu tinha
ido ao seu apartamento! Pra que sair contando tudo quando eu podia praticar meu controle emocional e mentir pra ela?
Seria tão mais produtivo, e ainda me ajudaria muito em futuras omissões. Já passou da hora de começar a pensar também
no futuro, e não só em aliviar os incômodos do presente.
- Você e esse seu sono me estressam – ela disse simplesmente, revirando os olhos assim que chegamos ao nosso andar –
Vê se melhora essa cara, parece até que eu tô mais empolgada que você!
Soltei um risinho espontâneo, surpresa com a capacidade sensitiva de Vanessa. Pra quem não sabia da pior parte, até que
ela estava boa de chute.
As aulas antes do intervalo foram entediantes e superficiais. Não me lembro de absolutamente nada que os professores
disseram, mas não parecia ser nada de importante. Pelo menos pra mim, não era nem um pouco importante no momento,
isso eu posso afirmar.
- Leeh! – ouvi uma voz cochichar quando eu estava saindo (lê-se: me arrastando pra fora) da sala, como sempre, após
todos já terem corrido para a liberdade limitada do pátio. Hesitei por um momento ao ouvir o chamado, e respirei fundo
antes de me virar na direção da sala ao lado, de onde Didi me encarava com um sorriso sapeca.
- Vem cá, fujona – ele sussurrou, me pedindo pra entrar com um gesto de mão, e eu me esgueirei pra dentro da sala
deserta junto dele. Mal Didi fechou a porta atrás de nós, suas mãos percorreram minha cintura e ele me abraçou, unindo
nossos lábios num beijo carinhoso. Eu tinha que admitir, ficar com ele jamais perderia a graça. Bom, pelo menos não
totalmente.
- Espero que esteja preparada pra sumir de casa nesse fim de semana – ele sorriu quando partiu o beijo, daquele seu jeito
encantador, e eu me vi dando o sorriso mais largo e espontâneo dos último cinco dias. Eu preferia não incluir os sorrisos
involuntários que surgiam em meu rosto quando me pegava pensando em Igor nessa conta.
- O que você tá aprontando, hein? – perguntei, involuntariamente contagiada pela atmosfera gostosa que o rodeava
constantemente, e ele balançou negativamente a cabeça.
- Logo você vai descobrir – foi só o que Didi disse, tocando a ponta de meu nariz com o dedo indicador e me dando um
selinho em seguida – Por enquanto, tudo o que você precisa saber é que meu seqüestro começa hoje à tarde, algumas
horas depois da escola, e só termina na segunda-feira.
Arregalei os olhos, surpresa, e o sorriso esperto dele aumentou.
- Como assim? Começa hoje? Mas já? – indaguei, enquanto ele colocava meus cabelos pra trás da orelha – Didi, dá pra
parar de mistério?
- Dá pra parar você de ser tão ansiosa e esperar? Falta pouco, pequena! – ele retrucou, imitando meu jeito afobado e me
fazendo rir – E aproveita essa agitação toda pra se arrumar rapidinho depois da escola, porque eu quero você às três horas
lá em casa. Ah, e se eu fosse você, levaria uma mochila com algumas roupas.
- Claro que eu vou levar uma malinha, não pretendia passar três dias usando as mesmas roupas – falei, logo depois virando
a cabeça pro lado em sinal de dúvida – Mas que tipo de roupas?
- Biquínis são obrigatórios, e algumas roupas bem leves – ele respondeu, olhando pro teto como se estivesse pensando –
Mas “leves” não significa “curtas”, muito menos “indecentes”, ouviu bem? Estarei de olhos bem abertos.
Não gostei muito do rumo que a conversa estava tomando, alguns flashbacks de fatos que eu preferia esquecer estavam
dando o ar da graça em meus pensamentos. Tentei fingir que estava tudo bem, e logo tratei de reprimir aquelas
lembranças. A empolgação pela surpresa tinha finalmente borbulhado dentro de mim, e eu não ia deixar que meros detalhes
estragassem tudo novamente.
- Entendi, roupas leves – assenti uma vez, e ao ver Didi erguer autoritariamente as sobrancelhas, quase tornando visíveis
em sua testa as palavras “Não está esquecendo nada?”, eu revirei os olhos e completei a revisão – Mas nada curto nem
indecente demais.
- Agora sim – ele grunhiu, relaxando os ombros e fazendo uma carinha emburrada que me fez sorrir feito idiota – Você é só
minha e de mais ninguém, que isso fique bem claro.
Didi apertou o abraço em minha cintura, e senti um nó se formar em minha garganta, junto com o suor frio de pavor, que já
dava suaves sinais de vida. Foi quando eu decidi que estava na hora de desconversar.
- Acho melhor irmos – balbuciei, fazendo a cara mais despreocupada possível e olhando pra porta fechada – O inspetor vai
começar a desconfiar.
- É mesmo – ele sussurrou, com uma falsa expressão amedrontada, e me deu um tapinha no bumbum, como se me
mandasse ir – Até mais tarde, amor.
Mordi o lábio inferior ao ouvir do que ele tinha me chamado, e o nó na garganta começou a latejar de remorso. Ele
raramente me chamava assim, dizia que era “brega, mas de vez em quando, parecia certo”. Porque eu era o amor dele. E
doía saber que eu não merecia aquele sentimento tão puro e transparente.
- Ei, espera – cochichei, segurando o rosto dele carinhosamente e olhando fundo em seus radiantes olhinhos castanhos
escuros – Eu só queria dizer que... Eu te amo. Muito.
Mesmo com todos os recentes (e incríveis) acontecimentos com Igor, eu não me senti falsa ao dizer que o amava. Porque
aquilo não tinha deixado de ser verdade. Meu coração bombeou alívio para todos os cantos de meu corpo com o bom
resultado de meu teste. Nada tinha mudado. E se eu tivesse controle sobre a parte devassa de minha mente, o que eu
definitivamente não tinha, tudo continuaria igual.
Mas mesmo repetindo pra mim mesma que tudo estava intacto, havia uma voz baixa, porém muito poderosa, que me dizia
que eu estava errada, que tudo estava mudado. A voz dele. Estremeci de leve, mas felizmente ele não percebeu. Meus
conflitos internos ainda me denunciariam, fato. Respirei fundo e me recompus, deixando pra refletir sobre minha situação
afetiva num outro momento.
Didi piscou algumas vezes, assimilando minhas palavras, e abriu um sorriso lindo de orelha a orelha. Ele aproximou
lentamente seu rosto do meu, fazendo carinho em minhas bochechas com seus polegares, e quando estava prestes a me
beijar, pude ouvi-lo murmurar:
- Eu faria qualquer coisa... Só pra ouvir você me dizer isso.
Meus olhos, que miravam perdidamente os lábios dele, se ergueram até encontrar seus olhos, intensamente ternos. Senti
algumas lágrimas se formando, mas as contive quando ele me beijou daquele jeito especial, só dele. Mas eu não era mais só
dele. E nunca mais seria.

Capítulo 16

- Oi, Andy – falei, assim que cheguei ao balcão da recepção do prédio às três da tarde.
- Oi, Leeh – ele respondeu vagamente, concentrando-se em suas palavras cruzadas – Seu tio pediu pra você subir logo,
parece que ele tá com um pouco de pressa hoje.
- Ahn... OK – gaguejei, segurando a vontade de rir enquanto dava as costas a Andy e caminhava rumo às escadas. Eu nunca
me acostumaria ao falso status de sobrinha de Didi, talvez nem se ele realmente fosse meu tio. Comecei a subir os degraus
rapidamente, ouvindo alguns barulhos de chaves e trancas, e nem bem cheguei ao primeiro andar, Didi já estava ao meu
lado, ajeitando apressadamente uma mochila nas costas.
- Bem na hora – ele ofegou, me dando um selinho rápido e logo depois me puxando de volta para o térreo. Mesmo estando
totalmente confusa com a pressa dele, me deixei levar por sua mão, cujos dedos estavam entrelaçados nos meus antes que
eu me desse conta.
- Pra que essa correria toda? – falei, franzindo a testa, e Didi revirou os olhos, como se a resposta fosse óbvia.
- Todo o tempo que eu tenho com você nesse fim de semana tá cronometrado – ele explicou baixinho, enquanto
chegávamos ao térreo – Pra aproveitar ao máximo cada minuto.
Didi sorriu pra mim, empolgado, e eu logo vi seu sorriso radiante refletido em meu rosto involuntariamente. Aquele sorriso
tinha poderes sobrenaturais, eu sempre soube disso.
Passamos rapidamente por Andy, que nos cumprimentou com um aceno distraído de cabeça, e logo chegamos ao carro.
Deixamos nossas mochilas no banco traseiro e na mesma pressa de antes, entramos no veículo, que não demorou a
arrancar. Didi ainda ostentava um sorriso, ainda mais largo que o anterior, e eu estava começando a ficar ansiosa de
verdade. O que ele estava aprontando afinal?
- Essa é a sua última chance de me deixar menos ansiosa e me contar pra onde estamos indo – suspirei educadamente,
após alguns metros percorridos em silêncio.
Ele ergueu uma sobrancelha, sem me olhar, e um sorrisinho começou a brincar em seus lábios. Parecia que meu poder de
persuasão não adiantaria nada.
- Tudo bem – voltei a falar, quando vi que ele não responderia – Essa viagem poderia ser muito mais... Divertida, mas já
que é assim... Você que sabe.
Didi alargou seu sorriso de canto, balançando negativamente a cabeça num falso tom de desaprovação.
- Então é assim que você acha que vai me convencer? – ele perguntou, finalmente me olhando de um jeito esperto – Acha
que eu não vim preparado pra resistir às suas chantagens?
Confesso que aquele olhar dele me deixou um pouco fora dos eixos. Ele já tinha olhado pra mim várias vezes daquele jeito
convencido. Mas em nenhuma das outras vezes, os olhos que eu vi nele pareciam pertencer a outra pessoa como naquele
momento. Senti meu corpo se arrepiar por inteiro, apesar de minha relutância.
- Te odeio – revirei os olhos o mais naturalmente que pude, me encolhendo no banco do carona e fazendo Didi rir. Ele
sempre ria de tudo que eu fazia, fator que eu sempre usava como vantagem em momentos nos quais eu precisava disfarçar
alguma coisa.
Continuamos nossa viagem, conversando de vez em quando, cantarolando as músicas que tocavam na rádio e fazendo
coisas agradáveis que se podem fazer num carro (nada das coisas que você deve estar pensando). Eu sabia que estávamos
saindo de Londres, mas como eu desconhecia os caminhos para outras cidades, até mesmo as mais próximas, nem tentei
me localizar. Pelo contrário, após uma hora rindo feito louca das besteiras que Didi falava, acabei ficando meio grogue e caí
no sono. Só acordei por volta de uma hora depois, quando o sol já começava a baixar ao leste.
Me ajeitei no banco do carona, piscando algumas vezes pra por minha visão em foco. Olhei em volta, tentando descobrir
onde estávamos, mas nada me parecia familiar. Definitivamente, eu nunca tinha pisado naquele lugar antes.
- Bom dia, bela adormecida – Didi brincou, colocando uma mão sobre a minha coxa e fazendo carinho de leve – Eu e você
sozinhos dentro de um carro e tudo que você faz é dormir? Que decepção.
- Você escolheu assim, não se esqueça disso – lembrei, me virando pra ele sem conseguir conter um risinho, e ele retribuiu
rapidamente meu olhar com um sorriso danado.
- Já estamos quase lá, só mais alguns minutos – ele disse, passando as costas dos dedos em minha bochecha e voltando a
se concentrar no trânsito.
Aproveitei o vento favorável que vinha da janela e o retrovisor do carro pra arrumar meu cabelo e dar um jeito na minha
cara amassada, sem conseguir não sorrir quando ele insistia que eu era linda de qualquer jeito. Eu nunca me acostumaria
ao cavalheirismo de Didi.
Minha ansiedade aumentava a cada curva, até que ele virou numa rua deserta e estacionou seu carro na frente de uma bela
casa de praia. Didi desligou o carro, suspirando satisfeito e virando-se pra mim com a expressão ansiosa. Eu mal conseguia
ter controle sobre meus músculos faciais, de tão impressionada com toda aquela beleza arquitetônica bem diante dos meus
olhos.
- Então... – ouvi Didi perguntar, estudando minha reação - O que acha?
- C-chegamos? – perguntei, atônita, e ele apenas sorriu significativamente. Olhei pra ele, boquiaberta, e logo um sorriso de
orelha a orelha se abriu em meu rosto. Aquele lugar era lindo, e agora que o motor do carro não fazia barulho, era possível
ouvir as ondas do mar quebrando em algum lugar perto dali. Simplesmente perfeito.
- Didi, eu... Eu não sei o que dizer – balbuciei, olhando pra casa e pra ele, sem conseguir me decidir em qual dos dois
repousar meu olhar – É linda!
- Eu sei – ele assentiu uma vez, carinhoso – E é nossa por esse fim de semana.
Encarei seus olhinhos felizes e comecei a rir sozinha, maravilhada com aquilo tudo. Leandro Finatto só podia ser fruto da
minha imaginação, era perfeição demais pra um simples e único ser humano. Onde eu estava com a cabeça ao pensar que
alguém poderia estremecer todo o amor que eu sentia por ele, tão sólido, tão concreto que parecia uma diamante dentro do
meu peito?
- Você não existe – falei, mordendo o lábio inferior, e ele soltou um risinho divertido.
- Hm, eu existo sim – ele discordou, fingindo pensar no assunto antes de voltar a sorrir pra mim com segundas intenções –
Posso até provar que sou bem real.
- Ah, é? – murmurei, aproximando minha boca de seu ouvido e escorregando a mão perigosamente pelo lado interno de sua
coxa, próxima à virilha – Então prove.
Didi fechou os olhos lentamente, deixando-se arrepiar com meus carinhos, e acariciou meu rosto com sua mão, agarrando
meus cabelos atrás da orelha.
- Comporte-se, mocinha – ele sussurrou, enquanto distribuía beijos demorados e macios em meu pescoço – Guarde um
pouco disso pro resto do fim de semana.
Sorri, arrepiada com os beijos dele, e mordi o lóbulo de sua orelha, fazendo-o escorregar por entre meus dentes enquanto
me afastava e voltava à minha postura inicial. Didi me olhava, meio ausente devido à provocação descarada, e logo depois
soltou um suspiro contido.
- Pensando bem, eu acho que devia ter te contado antes – ele refletiu, assentindo de leve com as sobrancelhas erguidas –
Tenho certeza de que nossa viagem seria bem mais divertida.
- Seu tarado – censurei-o, fingindo reprovação em minha expressão e voz, e ele me olhou de canto, sorrindo timidamente.
- Que tal entrarmos? – ele sugeriu, suspirando profundamente de um jeito dramático e me fazendo rir.
- Boa idéia – concordei, radiante – Preciso ver se a casa é tão linda por dentro quanto é por fora.
- É ainda melhor – Didi sorriu, saindo do carro logo depois. Fiz o mesmo, me oferecendo em vão pra carregar alguma de
nossas mochilas, e o acompanhei de mãos dadas até a entrada da casa. Ele tirou a chave do bolso e abriu a porta, lançando
um breve olhar animado pra mim, que o retribuí com a mesma empolgação. Me senti uma garotinha diante de uma casa da
Barbie em tamanho real.
Didi me deu passagem para entrar primeiro, e eu o obedeci. Dei alguns passos dentro da casa, deslumbrada com a beleza
luxuosa e ao mesmo tempo simples dos móveis e decoração. Era uma das casas mais lindas que eu já tinha visto, e se
pudesse sonhar com alguma, definitivamente seria como essa.
- Linda, não é? – Didi murmurou, colocando as mochilas sobre o sofá e se aproximando por trás de mim. Olhei pra ele, que
logo parou de observar a casa para retribuir meu olhar, e assenti, maravilhada.
- É perfeita – sorri, com o coração acelerado. Didi me abraçou devagar pela cintura e colocou o rosto na curva de meu
pescoço, me arrepiando com sua respiração calma e quente.
- Como você – ele sussurrou, roçando carinhosamente a ponta de seu nariz em minha pele. Fechei os olhos, sentindo meu
coração acelerar ainda mais, e me virei lentamente, até ficar de frente pra ele. Abracei seu pescoço sem pressa, observando
enquanto minhas mãos subiam por seu peito, e finalmente devolvi seu olhar, muito mais feliz do que eu me lembrava que
podia ser.
- Como você – corrigi baixinho, aproximando nossos rostos e dando um beijinho de esquimó nele, que sorriu com o agrado
e fechou os olhos. Aproximei ainda mais meu rosto do dele e toquei seus lábios com os meus, começando com alguns
selinhos demorados e logo aprofundando mais o beijo.
Didi espalmou suas mãos em minhas costas, alisando cada centímetro cuidadosamente. Foi descendo até meus quadris e
me apertou contra seu corpo, automaticamente intensificando nossos movimentos. Nossas línguas se moviam em sintonia,
num beijo cheio de saudade e desejo. Não havia nada tão cheio de sentimento quanto nossos momentos juntos.
Quando estávamos começando sufocar um ao outro sem a menor intenção de parar, uma coisa começou a tremer entre
nós, e eu pulei de susto. Didi não costumava tremer por lá quando me beijava, se é que você me entende.
- Mas que caralho – ele xingou baixo, suspirando e revirando os olhos enquanto enfiava tremulamente a mão dentro do
bolso da bermuda e tirava de lá seu celular.
Ah, tá, o celular. Ufa, meu namorado continua tendo ereções normais. E continua falando palavrões quando interrompem
nossos amassos. É, ele continua o mesmo Didi de sempre.
- Que é, sua bicha? – ele grunhiu, fazendo um biquinho espontâneo com seus lábios vermelhos (o que só tornou meu riso
ainda mais incontrolável e o fez rir junto comigo, mesmo que contra sua própria vontade) – A gente já chegou sim. Tá,
valeu.
- Quem era? – perguntei, ainda rindo, quando ele desligou o celular com a expressão entediada e voltou a enterrá-lo no
bolso.
- O proprietário da casa – ele respondeu, hesitando um pouco antes de falar, e eu franzi levemente a testa, estranhando
aquela pequena pausa.
- Algum problema? – insisti, enquanto ele voltava a me puxar pra si pela cintura – Talvez você não devesse tê-lo chamado
de bicha.
- Não, não tem problema nenhum – Didi riu, voltando ao normal – Ele é uma bicha mesmo, não consegue viver sem mim.
- E quem é esse meu concorrente? – gargalhei, quase chorando de rir do jeito dele ao passar aquela boa impressão do cara.
Estava tão entretida rindo que não consegui frear minha gargalhada a tempo de ouvir o que ele respondeu, nem mesmo
depois de sua mudança brusca de expressão, de alegre para séria.
- Erm... É o McDream.
Uma sensação de ar sumindo de meus pulmões veio com força total, como se eu tivesse sido esmagada por um lutador de
sumô. Didi tinha me levado para passar o fim de semana na casa de praia do Mendes? Era informação demais pra assimilar
tão de repente. Minha expressão desmoronou, assim como toda a minha fortaleza anti-Igor. Estar numa casa que pertencia
a ele seria um fato difícil de digerir.
- Eu sei que devia ter te falado antes, preferia até não te falar, mas... Me desculpe, Leeh – Didi murmurou, parecendo
desconcertado – Já brigamos por causa dele, e sei que vocês não se dão bem, mas... Foi o próprio McDream que ofereceu a
casa, e como eu adoro esse lugar e não tenho condições de conseguir nada igual a isso, aceitei a idéia na hora.
- T-tudo bem – gaguejei, forjando um sorriso que mais deve ter parecido uma careta de dor do que outra coisa, mas que foi
suficiente para aliviar a súbita tensão de Didi – Ele é seu amigo, eu... Eu entendo.
Entender era uma coisa. Gostar da idéia, ou melhor, me acostumar com ela, não me arrepiar com o simples fato de que
aquela casa pertencia a Igor e saber que eu estava lá com outro cara? Ah, isso era uma coisa bem diferente. Mas eu tinha
prometido a mim mesma que não deixaria nada atrapalhar meu fim de semana com Didi, e me apeguei a essa promessa.
- Bom, vou aproveitar a interrupção desnecessária pra te mostrar o resto da casa – Didi disse, me dando um breve selinho –
Você vai adorar a vista do quarto, ainda mais com o pôr-do-sol.
Me deixei ser guiada por ele em nosso tour pelos cômodos, totalmente absorta em pensamentos. Por mais que eu
conseguisse sorrir de vez em quando com as descrições maravilhadas de Didi sobre cada móvel, meu pensamento
continuava distante dali, perigosamente próximo do proprietário daquela casa.
Imaginei por um momento se Igor já havia levado mulheres pra lá. Com certeza já... Mas quantas? Várias de uma só vez?
Será que Kelly já teria passado um fim de semana com ele naquela mesma casa? Definitivamente, eu teria um certo
trabalho pra afastar aqueles tipos de pensamento da minha mente. Imaginar Kelly passeando pelos cômodos só de roupas
íntimas (ou até mesmo sem elas), enquanto os olhos dele a acompanhavam, me causou uma súbita queimação dentro do
peito, que eu logo reprimi furiosamente. Eu estava começando a me convencer de que tinha alguma doença psicológica
incurável.
- Agora chegamos ao lugar mais lindo da casa – Didi avisou, empolgado, antes de abrir a porta de um dos cômodos no
andar de cima – Feche os olhos.
Suspirei, tentando relaxar, e obedeci. Ouvi a porta se abrir e logo as mãos de Didi me guiaram pela cintura alguns passos
pra dentro. O barulho do mar ali era bem mais alto, e um vento agradavelmente fresco e com cheirinho de praia nos atingiu
após algumas passadas. Ele me mandou parar, e me abraçou por trás antes de sussurrar ao pé do meu ouvido:
- Pode abrir.
Fiz o que ele pediu devagar, e uma forte luz alaranjada infestou meus olhos. Estávamos na sacada do quarto, de onde
podíamos ver uma faixa relativamente curta de areia estender-se até ser encoberta pelo mar sereno. O sol estava prestes a
“tocar” a água no horizonte, irradiando laranja sobre tudo que havia abaixo de si e reinando solitário no céu, já que
nenhuma nuvem ousara aparecer ao seu redor.
Aquela vista me tirou o fôlego. Pra mim, o pôr-do-sol era um dos espetáculos mais lindos da natureza. Sempre que eu
podia, costumava ficar observando as oscilações de cores lindas e vibrantes no céu enquanto o sol se punha, refletindo
sobre qualquer coisa ou simplesmente ouvindo alguma música. Era extremamente terapêutico, me deixava muito mais
calma à noite e me fazia dormir melhor. Claro que com as reviravoltas dos últimos dias, não havia pôr-do-sol que me
acalmasse, mas eu não deixava de tentar.
- Didi... É lindo! – soprei, levando uma mão à boca em sinal de deslumbramento. Ele não respondeu, apenas soltou um
risinho mudo e acomodou melhor seu queixo em meu ombro, com a lateral de seu rosto colada ao meu.
Aquela vista me fez enxergar as coisas com muito mais clareza, analisar todas aquelas preocupações que a lembrança de
Igor havia trazido com mais calma, e até mesmo chegar a uma conclusão. Eu tinha que colocar em minha mente que eu
amava Didi e não precisava de mais nada. Tantas pessoas esperam a vida inteira para encontrar sua alma gêmea, e eu com
meus míseros 17 anos, tive a sorte de encontrar a minha. Mas ainda assim, conseguia ser baixa ao ponto de pensar em
outro homem... Ao ponto de tê-lo traído com outro homem. Aquilo me sufocou. A culpa e a censura me estrangularam,
cruéis e dolorosamente justas. Igor nunca seria capaz de fazer por mim nem a metade do que Didi fazia.
Eu não podia continuar daquele jeito. Eu precisava acabar com aquilo.
- Se eu te pedir uma coisa... Promete que vai fazer? – murmurei, encarando o horizonte com os olhos apertados pelo vento.
- O que você quiser – ele respondeu, também baixinho, como se tivesse medo de interromper o silêncio, e também porque
não havia necessidade de falar alto com nossa proximidade.
- Por favor, prometa que vai fazer – repeti, mordendo meu lábio inferior.
- Prometo – ele falou, virando um pouco o rosto para poder me observar – Não confia em mim?
Suspirei, sem conseguir não confiar nele, e assenti. Era impossível não confiar.
- Então me prometa só mais uma coisa – gaguejei, sentindo minha voz falhar de nervoso - Se um dia eu te machucar...
Prometa que vai fazer pior comigo.
Didi ergueu a cabeça, recuando com o pescoço pra trás até ficar com a coluna reta, e eu hesitei antes de olhá-lo. Ele me
observava com a expressão séria, confusa, e até um pouco desconfiada.
- Como assim, Leeh? – ele perguntou, com a testa firmemente franzida – Como você poderia me machucar?
- Eu só quero que você me dê a certeza de que vou me arrepender amargamente do dia em que te fizer sofrer – insisti,
virando de frente pra ele, com o olhar triste – Quero que prometa que não vai me deixar em paz sem me punir por uma
injustiça dessas.
Didi piscou algumas vezes, ainda sem entender, e eu esperei até que ele se recuperasse da surpresa e me respondesse.
- Você não me faria sofrer... Faria? – ele questionou, olhando nos meus olhos como se procurasse uma resposta pra sua
pergunta ali. Sua expressão resignadamente assustada fez com que algumas lágrimas surgissem em meus olhos, num misto
de vários sentimentos. Remorso, pena, raiva de mim mesma, vontade de voltar no tempo, vontade de me afogar naquele
mar bem à nossa frente e me desfazer daquela vida que eu definitivamente não merecia.
- Nunca – sussurrei, fechando os olhos e tentando não chorar, mas foi um pouco inútil. Dois segundos depois e minhas
lágrimas estavam molhando a camiseta dele, assim como meus braços estavam abraçando-o tão forte que considerei a
hipótese de estar machucando-o. Mas como ele me envolveu com seus braços quentinhos num abraço quase tão apertado,
eu presumi que estava tudo bem.
Tudo estaria sempre bem, desde que eu tivesse Didi ao meu lado.
E eu não precisava de mais nada.
Capítulo 17
opcional: baixem Muse – Time Is Running Out e dêem play quando a letra começar

- Posso te perguntar uma coisa?


- Já tá perguntando, mas eu vou te dar um crédito.
- Ah, obrigado. Hm... Eu não sei bem como perguntar isso. Vai parecer cafona, aliás, é cafona, mas eu quero saber mesmo
assim.
- Então deixa de ser bobo e pergunta logo.
Eu estava sentada na beira do mar, abraçada aos meus joelhos e sentindo a água gelada tocar meus pés descalços. O
barulho das ondas e o vento gostoso estavam me deixando sonolenta, ainda mais com os braços de Didi envolvendo minha
cintura, me aproximando de seu peito e me abrigando ainda mais confortavelmente entre suas pernas.
- Você se imagina daqui a um bom tempo... Ainda comigo? – ele finalmente perguntou, me fazendo virar a cabeça pra
olhá-lo.
Didi não retribuiu meu olhar, apenas continuou a fitar pensativamente o horizonte à nossa frente. Tínhamos perdido a noção
da hora, mas já devia ser tarde, pela escuridão, que só não era tão gritante sobre nós por causa das luzes acesas que
emanavam da casa. Levei algum tempo pra responder, com um sorriso tímido no rosto.
- Pra falar a verdade, eu imagino isso há uns três anos – falei, voltando a ficar de frente e sentindo minhas bochechas
queimarem. Aquela frase tinha soado mais infantil do que eu pensei.
- Jura? – ele exclamou, com a voz surpresa pela revelação – Desde que eu comecei a te dar aulas?
Assenti, me sentindo a pirralha sonhadora, ainda mais com o riso satisfeito de Didi. Hesitei por um momento, me
perguntando se deveria fazer o que estava pensando, mas antes de chegar a uma conclusão, ouvi minha própria voz me
delatar:
- E você? Se vê comigo daqui a um tempo?
Ele deu uma pequena pausa, assimilando a pergunta, e eu esperei sua resposta sem me mexer, apenas observando a água
do mar tocar meus pés novamente.
- Na verdade, eu procuro não pensar nisso – ele murmurou, me abraçando mais forte, e apesar de não ser aquela a
resposta que eu esperava ouvir, continuei imóvel – Prefiro me apegar a cada minuto como se fosse o último, como se você
fosse fruto da minha imaginação e pudesse sumir a qualquer momento... Pensar assim vai tornar as coisas muito mais fáceis
quando eu tiver que te deixar ir.
Franzi a testa de leve, sentindo melancolia na voz dele. Meu coração doeu com aquelas palavras, e novamente me virei de
lado, colocando minhas pernas sobre a dele.
- Me deixar ir? – soprei, sentindo minha garganta apertada, e fixei meu olhar no dele, mesmo sem ser correspondida. Didi
deu um sorriso triste, voltando a demonstrar uma certa dor em sua expressão.
- Encare os fatos, Leeh – ele disse, finalmente me olhando, e por um momento eu preferi que ele não o fizesse e me
poupasse da agonia que seus olhos transpareciam - Você tem uma vida inteira pela frente, e o que eu tenho? Mais alguns
anos até que tudo que eu possa te oferecer seja o meu amor, coisa da qual você provavelmente não vai mais precisar. E até
lá, alguém muito melhor do que eu vai aparecer, e tudo que passamos juntos será apenas parte do passado.
A cada palavra dele, eu ficava mais inconformada. Por que ele pensava daquela forma? O fato de eu estar ali com ele,
amando-o como nunca amei ninguém, não era suficiente pra provar que eu o queria pra sempre? Por que ele ainda tinha
dúvidas de que ficaríamos juntos por muito tempo? Se nem eu, que tinha um motivo com nome e sobrenome para pensar
como ele, cogitava uma hipótese daquelas, por que ele cogitava?
- Eu não consigo acreditar que você tá me dizendo essas coisas – falei, com a voz falha de tão incrédula – Retire o que
disse, agora!
- Leeh... – ele insistiu, cabisbaixo e com um sorriso sem humor algum, mas eu não lhe dei tempo pra continuar.
- Retire o que disse! Agora! – repeti num volume um pouco mais alto, erguendo seu rosto até seus olhos ficarem à altura
dos meus – Eu nunca mais quero te ouvir falando absurdos como esses, entendeu? Se você não quiser me magoar, é
melhor parar com isso! Você me ofende falando assim!
Didi demorou a devolver meu olhar, e quando o fez, seu sorriso doloroso se transformou num sorriso leve, tímido. Mesmo
com a seriedade do momento, me vi lutando contra meus músculos faciais, com vontade de sorrir diante do jeito fofo dele.
- Me sinto um garotinho de dois anos com você brigando assim comigo – ele murmurou, com o sorriso levemente esmagado
entre suas bochechas por causa de minhas mãos, que ainda envolviam firmemente seu rosto.
- Também não precisa exagerar, né? – sorri, ainda meio irritada, envolvendo seu pescoço com meus braços – Uma hora
acha que tá velho demais, depois me faz sentir uma pedófila? Decida-se, Finatto!
Dessa vez, Didi soltou uma gargalhada gostosa, que me fez sorrir ainda mais. Nem parecia que estávamos num momento
crítico há tão pouco tempo.
- Acho que eu já me decidi – ele disse, olhando fixamente pra mim enquanto passava um de seus braços por baixo de
minhas pernas e envolvia minha cintura com o outro – Decidi que está um pouco frio aqui, e é melhor entrarmos e nos
aquecermos.
- Hm – falei, fingindo analisar a decisão e fazendo o máximo para manter o clima agradável que havia sido restabelecido tão
depressa – Preciso mesmo dizer que concordo?
Didi também fez cara de pensativo, e logo voltou a sorrir.
- Acho que não – ele riu, levantando-se comigo no colo com uma agilidade invejável. Didi caminhou até a casa, rodopiando
de vez em quando e me fazendo rir, abraçada ao seu pescoço. Antes de entrarmos na casa, lavamos nossos pés no chuveiro
que havia perto da porta, e em momento nenhum Didi me colocou no chão. E sinceramente, eu adorava ser carregada no
colo. Resquícios da infância, talvez.
Ele me levou até o quarto, dando beijos estalados em minha bochecha a cada degrau que subia, enquanto eu enrolava
meus dedos nos cabelos de sua nuca devagar e ria, como sempre. Assim que conseguimos abrir a porta do quarto com
certa dificuldade e mais algumas risadas, ele se dirigiu à cama e me deitou com delicadeza, como se eu fosse uma boneca
de porcelana. Ficou de pé me observando por alguns segundos, e eu vi um sorriso iluminar seu rosto.
Sem a menor chance de resistir, sorri de volta, e ele se deitou devagar sobre mim, distribuindo beijos pela minha barriga,
pescoço e leves mordidas no queixo e bochechas pelo caminho. De olhos fechados, eu não conseguia deixar de sorrir com
os carinhos em meu rosto, até que seus lábios se aproximaram do canto de minha boca, e inevitavelmente nos beijamos.
Deslizei minhas mãos pelo peito e barriga dele, desabotoando lentamente sua blusa. Estava morrendo de saudade daquilo, e
não queria estragar o momento com qualquer tipo de pressa. Ele, que estava apoiado em suas mãos pra não depositar todo
o seu peso sobre mim, soltava suspiros roucos quando eu me distraía e acariciava seu tórax ao invés de desabotoar sua
camisa. Não era só eu que estava sentindo falta, ainda bem.
Quando cheguei ao último botão, subi minhas mãos até seus ombros e deslizei a blusa até que ele a tirasse. Me impulsionei
com esforço um pouco mais pra cima, encostando minhas costas na parede atrás da cama e ficando quase sentada pra que
ele não precisasse se esforçar tanto, e Didi me acompanhou, sentando-se ao meu lado. Na mesma hora, ele passou uma de
minhas pernas sobre ele e me sentou em seu colo, encaixando meu tronco no seu confortavelmente.
Didi acariciou minha cintura lentamente, trazendo minha blusa pra cima com suas mãos. Me desfiz dela, vendo-o morder o
lábio inferior discretamente, e comecei a beijar caprichosamente seu pescoço, conseguindo excitá-lo sem vulgaridade. Ele
agarrou meus cabelos devagar, apertando minha coxa com certa força na tentativa de se controlar e não acelerar muito as
coisas. Voltei a beijá-lo logo, sentindo-o bem mais enérgico, e não demorou muito pra que meu shorts não estivesse mais
onde eu o tinha colocado antes de sair de casa.
Enquanto nos beijávamos intensamente, eu escorreguei minhas mãos até o cós de sua calça, desabotoando-a com facilidade
e puxando-a pra baixo devagar. Me afastei de Didi conforme tirava a peça, e engatinhei sobre ele pra voltar à minha posição
anterior, sentindo seu olhar quase doer de tão desejoso sobre mim. Assim que me aproximei o suficiente, ele me deitou ao
seu lado, colocando-se entre minhas pernas e me beijando tão profundamente que eu pensei que quisesse me engolir.
Senti as mãos dele tatearem minhas costas em vão buscando o fecho, e não pude deixar de sorrir. Notando meu
divertimento, ele se afastou um pouco, confuso e ofegante, e eu sorri ainda mais, abrindo meu sutiã pelo único fecho
frontal. A cara de compreensão e deslumbramento dele foi impagável.
Após fazer meu sutiã voar longe até encontrar o chão, Didi foi descendo seus beijos pelo meu corpo, demorando-se um
pouco mais em meu busto, e antes de voltar a unir nossos lábios, senti seus olhos fitarem cada traço do meu rosto
rapidamente, admirados.
Passei as mãos sobre suas costas e cintura nuas, até alcançar o elástico de suas boxers. Mordendo o lábio inferior dele de
leve, eu ameacei tirá-la, mas antes disso, minha calcinha já estava na metade do caminho sem que eu tivesse percebido.
Nos despimos por completo, agradando simultaneamente um ao outro, e quando ele voltou a me beijar, tateei pela mesinha
de cabeceira em busca de sua carteira, encontrando-a sem dificuldade. Didi sempre deixava sua carteira o mais próximo
possível da cama, porque ambos sabíamos bem que era ali o lugar onde os preservativos aguardavam até seu próximo uso.
Interrompi o beijo para colocar a camisinha nele, sentindo-o ofegar tanto quanto eu, apesar de não estarmos sendo tão
agressivos como de costume. Parecia que nossas últimas conversas desde a chegada a casa tinham provocado reflexões em
nossas mentes, e naquela noite em especial, nossos sentimentos estavam prevalecendo sobre nossos instintos.
Assim que estávamos devidamente protegidos, eu busquei os lábios dele com os meus, beijando-lhe desde o pescoço até a
boca com um pouco de urgência. Didi me correspondia calmamente, mas com muita intensidade em cada movimento, até
que colocou sua boca perto de meu ouvido e sussurrou, com a voz rouca:
- Eu te amo.
Ele se afastou para me olhar nos olhos por um segundo, e ao me ver sorrir, voltou a me beijar, me penetrando logo depois.
Mesmo com os movimentos dele, delicados e maravilhosos, eu fitava seus olhos extremamente castanhos escuros, que
pareciam brilhar por conta própria em meio ao rosto rosado e úmido de suor dele, totalmente conectada a Didi, não só
física, mas também emocionalmente. Ele me beijava algumas vezes enquanto se movimentava, parecendo deslumbrado por
estar comigo, e por vezes um sorriso sutil surgia em seus lábios avermelhados. Só quando ele se deixou cair devagar sobre
mim algum tempo depois, satisfeito e com seu dever igualmente cumprido em relação a mim, eu consegui respirar, tamanho
foi meu envolvimento emocional com aquele momento. Didi beijou de leve a curva de meu pescoço, me fazendo sorrir fraco,
e eu relaxei de tal maneira que a próxima coisa que eu vi foi ele se deitando ao meu lado, me cobrindo com o edredom e
me aconchegando em seu abraço após um último beijo em meu ombro.
- Eu também te amo – foi tudo que consegui dizer, colocando meu braço sobre o dele, que estava em minha cintura, e
entrelaçando nossos dedos antes de adormecer profunda e instantaneamente, tamanha era a minha paz de espírito. Porque
meu espírito agora estava completo. Ou pelo menos, quase completo.

Abri os olhos, sentindo meu corpo suar frio e o ar me faltar. Encarei o teto escuro, semelhante ao céu lá fora, e olhei na
direção do relógio do criado-mudo: três e quarenta e oito. Com os músculos retesados, voltei a deitar minha cabeça no
travesseiro, esfregando meu rosto úmido com a palma da mão. Tudo estava tão bem, por que eu continuava tendo aqueles
sonhos? Por que eu não conseguia tirá-lo do meu subconsciente, nem mesmo após todos os momentos com Didi? Por que
nem dormir eu conseguia sem que a imagem de Igor me assombrasse?
Olhei para o lado e me deparei com as costas largas de Didi, que dormia feito um bebê. Aquele ali só acordaria de manhã,
sem dúvida. Sorri fraco, sem conseguir conter a onda de felicidade que ele me trazia, mas minha falta de ar e tremedeira
ainda eram mais fortes que seu efeito calmante.
Me levantei, caçando minha calcinha e pegando minha camisola de seda lilás que estava na mochila, e as vesti para ir à
cozinha beber um copo d’água. Talvez aquilo me ajudasse a dormir novamente. Dei um nó frouxo em meu cabelo, sentindo
a brisa que vinha da janela refrescar minhas costas enquanto eu me esgueirava pra fora do quarto.
Após alguns minutos de busca, finalmente encontrei o armário de copos. Abri a geladeira, sedenta, e tudo que encontrei
foram duas garrafas de água em meio a garrafas de champanhe. Muitas garrafas de champanhe. E no meio delas, uma
vasilha transparente transbordando morangos. Morangos extremamente enormes, vermelhos e suculentos.
Mordi meu lábio inferior, sentindo minha saliva entrar em processo de superprodução, e não resisti: roubei um dos
morangos da vasilha e lavei-o rapidamente antes de mordê-lo. Não sei se era a fome, já que eu não comia nada desde o
almoço, ou se era fato, mas aquele era, sem dúvida, um dos melhores morangos que eu já tinha provado. Nem parecia real.
Aliás, nada naquela casa parecia real, nem a própria casa me parecia real. Tudo era perfeito demais, absurdamente lindo.
Não demorou muito e eu estava sentada sobre a pia, com a vasilha de morangos no colo e um copo cheio d’água ao meu
lado (que só não era champanhe porque se começasse a beber, não conseguiria parar mais, e eu não pretendia ficar com
dor de cabeça no dia seguinte), observando vagamente os detalhes da cozinha. Se um dia eu conseguisse enriquecer,
pediria permissão ao Mendes para fotografar aquela casa e faria tudo igual na minha, sem tirar nem por. Durante meus
devaneios sobre o futuro (e infelizmente sobre o Mendes também), um barulho desviou minha atenção. Virei a cabeça muito
mais depressa que o aconselhável na direção do barulho, que continuou, e continuou, cada vez mais alto, e percebi que ele
vinha da rua que Didi pegou para chegarmos à casa.
Franzi a testa, sentindo meu coração acelerar de medo, e escorreguei de cima da pia num salto, deixando os morangos
sobre ela. Um ronco de motor cada vez mais próximo a cada passo meu em direção à porta me fez quase correr para abri-la
logo. Por um segundo, as batidas aceleradas de meu coração não foram movidas pelo medo, e sim, pela euforia. Porque
nesse mesmo segundo, pude jurar que conhecia aquele ronco de motor.
Abri a grande porta de entrada, e quase caí pra trás quando vi o segundo carro sendo estacionado ao lado do veículo de
Didi na frente da casa. Uma Ferrari vermelha contrastava com a escuridão da noite, reluzindo imponentemente mesmo com
a falta de iluminação. Meus olhos demoraram a aceitar que aquilo não era uma visão, muito menos quando o dono daquele
carro e também daquela casa saiu de dentro da Ferrari, divinamente estiloso e maravilhoso com uma blusa pólo preta que
realçava a largura de seus ombros e calça jeans. Ele caminhou até a porta, observando o exterior da casa com interesse, e
assim que me viu, parou a alguns passos de mim.
- Sinceramente, eu não esperava essa recepção, Freitas – Igor sorriu, alguns segundos depois, parecendo levemente
surpreso. Ele lançou um significativo olhar para as minhas pernas, e aquele sorriso pervertido que me perturbava apareceu
em seus lábios. Segui seu olhar com o meu, puxando rápida e inutilmente a camisola mais pra baixo, enquanto a
amaldiçoava por ser tão curta e mal cobrir a metade superior de minhas coxas.
- O que você veio fazer aqui? – perguntei, ainda com esperanças de que aquilo fosse uma ilusão, e minha voz saiu um
pouco mais alta que um sussurro. Eu suava frio, sentia meu equilíbrio vacilar, e contínuos arrepios percorriam minha espinha
a cada segundo que se passava e ele não sumia, como uma alucinação normal deveria fazer.
- Vim verificar se estão cuidando direito da minha casa – ele respondeu, erguendo as sobrancelhas num tom divertido –
Fiquei com medo de que você e o Finatto acabassem me dando prejuízos materiais com toda a sua... Agressividade, se é
que você me entende.
Igor deu um risinho desdenhoso, me encarando daquela forma invasiva, e eu tentei retribuí-lo com firmeza. Em vão, óbvio.
- Mentira – foi tudo que consegui rosnar, sentindo necessidade de dar um passo para trás assim que ele avançou na minha
direção, mas meus pés não se moveram. Assim como Didi me alegrava instantaneamente, Igor parecia me paralisar.
- Nossa, mas que falta de educação – ele murmurou, cínico, aproximando-se cada vez mais de mim – Eu cedo a minha
própria casa pra você e seu namorado passarem o fim de semana e tudo que eu recebo em troca são ofensas? Você é
mesmo surpreendente.
Igor ameaçou acariciar meu rosto, mas eu fui mais rápida, e num impulso de sanidade, dei um tapa em sua mão.
- Você não vai tocar em mim – falei, tentando parecer ameaçadora, mas o máximo que pareci foi frouxa. Nem eu tinha
certeza das palavras que saíam de minha boca quando ele estava tão próximo.
- Desculpe te contrariar, mas... – ele sussurrou, aproximando-se ainda mais de mim e envolvendo meu quadril com uma de
suas mãos, sem encontrar resistência de minha parte devido à pane em meu cérebro – Eu vou sim.
Fugindo do olhar dele, abaixei meus olhos na direção de sua mão, que me puxava sorrateiramente mais pra perto dele. Seu
hálito já batia em meu rosto, quente e extremamente convidativo, e sentindo meu sangue ferver dentro das veias, fechei os
olhos devagar, entorpecida. Senti a outra mão dele cobrir todo o lado de meu pescoço, mantendo seu polegar em minha
bochecha, e num último sopro de resistência, implorei:
- Por favor, não...
- Eu não vou fazer nada que você não queira – ele sussurrou, roçando a ponta de seu nariz no meu lentamente, e
subitamente paralisou, soltando um risinho baixo – Mas me provocar com morangos já é tentação demais.
Abri os olhos, me perguntando como ele sabia, e logo descobri: meu hálito. No mesmo instante, senti um remorso enorme
por ter encarado aqueles olhos castanhos claros tão de perto, porque no segundo seguinte, a única palavra que passava
pela minha cabeça enquanto eu deixava que ele me beijasse era:
Droga.

I think I'm drowning


(Eu acho que estou afundando)
Asphyxiated
(Asfixiado)
I wanna break the spell
(Eu quero quebrar o feitiço)
That you've created
(Que você criou)

Assim que os lábios dele tocaram os meus, senti uma nova força surgir de dentro de mim, uma voracidade incontrolável.
Imediatamente agarrei os cabelos de sua nuca, dando desajeitados passos pra trás quando ele fez o mesmo para a frente,
entrando de vez na casa e chutando levemente a porta atrás de si pra fechá-la. Suas mãos desenharam o contorno das
laterais de meu corpo, fazendo-o soltar o ar pesadamente em aprovação. Continuamos cambaleando casa adentro,
intensificando cada vez mais nosso beijo desesperado, até que ele se curvou um pouco e segurou a parte de trás de minhas
coxas, puxando-as para que envolvessem sua cintura. Agarrei seu pescoço para não cair, e deixei que ele me conduzisse até
me sentar numa superfície gelada, que eu logo reconheci como sendo o balcão da cozinha.

You're something beautiful


(Você é algo lindo)
A contradiction
(Uma contradição)
I wanna play the game
(Eu quero jogar o jogo)
I want the friction
(Eu quero a fricção)

- Você não vai mais fugir de mim – ele murmurou ao pé do meu ouvido, mordendo o lóbulo enquanto puxava meu cabelo
com um pouco de força. Minhas mãos agarravam e bagunçavam os cabelos dele, e minha respiração era quase nula.
- Eu não consigo mais fugir de você – sussurrei, com o pouco de fôlego que me restava, e ele voltou a me beijar sorrindo,
satisfeito. Àquela altura, com as mãos dele provocando formigamentos instantâneos em minha pele assim que me tocava,
eu nem me lembrava mais do significado da palavra orgulho. Desse eu já tinha me desfeito há muito tempo, só não tinha
coragem suficiente de admitir.

You will be
(Você será)
The death of me
(A minha morte)
Yeah, you will be
(Sim, você será)
The death of me
(A minha morte)

- Você não precisa escolher entre nós dois... – Igor ofegou, enquanto beijava languidamente meu pescoço – Porque sabe
que pode ter os dois.
- Eu não conseguiria escolher – falei, com os olhos semiabertos e o corpo todo arrepiado – Algo sempre ficaria faltando...
Como se uma metade não fosse suficiente sem a outra.
- Como se uma metade não fosse suficiente sem a outra – ele repetiu, subindo seu rosto até seus olhos ficarem da altura
dos meus, e me encarou intensamente antes de voltar a me beijar.

Bury it
(Enterrar isso)
I won't let you bury it
(Eu não vou deixar você enterrar isso)
I won't let you smother it
(Eu não vou deixar você manchar isso)
I won't let you murder it
(Eu não vou deixar você assassinar isso)
Desci minhas mãos por seu pescoço, sentindo meu coração quase explodindo, e puxei a gola de sua camisa pra cima,
demonstrando meu desejo de tirá-la. Imediatamente, Igor puxou-a pela parte de trás da gola, separando nossos lábios só
para passar a blusa por sua cabeça, e quando voltou, suas mãos deslizaram por minhas coxas, trazendo descaradamente
minha camisola e me provocando uma nova onda de arrepios.

Our time is running out


(Nosso tempo está acabando)
Our time is running out
(Nosso tempo está acabando)
You can't push it underground
(Você não pode fazer disso um segredo)
We can't stop it screaming out
(Nós não podemos impedir que isso grite)

Nossos movimentos tornavam-se muito mais agressivos conforme a temperatura de nossos corpos aumentava. Logo ele
estava somente de boxers, desfazendo-se da calça, meias e sapatos com certa ajuda de minha parte, e colocando a
camisinha, que estava em seu bolso, ao meu lado para ser usada em breve. Sinceramente, eu não sabia como ele conseguia
se lembrar dela em momentos como aquele, mas ficava infinitamente grata por isso. Igor arrancou minha calcinha tão
ferozmente que quase a rasgou, e eu não fiquei muito atrás quando foi a vez de suas boxers.

I wanted freedom
(Eu queria liberdade)
Bound and restricted
(Limitada e restrita)
I tried to give you up
(Eu tentei desistir de você)
But I'm addicted
(Mas estou viciado)

Envolvi seu membro extremamente rígido com minha mão, masturbando-o o mais rápido que consegui e fazendo-o soltar
gemidos dolorosamente contidos, com a testa fortemente franzida e úmida de suor. Eu mordia e sugava seu lábio inferior
com os olhos abertos, observando o prazer que eu estava lhe proporcionando, até que ele, cansado de se segurar, afastou
seu rosto do meu e rasgou a embalagem do preservativo com uma expressão que beirava a raiva.

Now that you know I'm trapped


(Agora que você sabe que estou encurralado)
Sense of elation
(Um sentimento de superioridade)
You'll never dream of breaking this fixation
(Você nunca vai sonhar em desfazer essa fixação)

You will squeeze the life out of me


(Você vai espremer a vida de mim)

Igor colocou a camisinha sem demora, me beijando desajeitada e desesperadamente enquanto o fazia, e assim que
terminou, não esperou mais. Me invadiu com força, me fazendo quase cortar meu lábio inferior, tamanho foi o esforço que
fiz para mordê-lo e conter um grito. Ele soltava rudemente o ar em meu ouvido, investindo cada vez mais forte e até me
machucando um pouco. Nada que se comparasse à sensação inexplicável que dominava meu corpo quando estávamos
juntos.

Bury it
(Enterrar isso)
I won't let you bury it
(Eu não vou deixar você enterrar isso)
I won't let you smother it
(Eu não vou deixar você manchar isso)
I won't let you murder it
(Eu não vou deixar você assassinar isso)

Eu arranhava seus ombros, braços e costas incessantemente, ouvindo-o segurar seus gemidos e apertar firmemente minha
cintura, até que cheguei ao clímax e ele finalmente pôde parar de se segurar e atingir o seu. Abracei seu pescoço,
levemente tonta, e distribuí vários beijos sobre a pele suada daquela região, me sentindo verdadeiramente plena, como não
me sentia há algum tempo. A parte que faltava de mim agora estava ali, e eu me sentia completa novamente.

Our time is running out


(Nosso tempo está acabando)
Our time is running out
(Nosso tempo está acabando)
You can't push it underground
(Você não pode fazer disso um segredo)
We can't stop it screaming out
(Nós não podemos impedir que isso grite)
How did it come to this?
(Como isso chegou a esse ponto?)

Igor respirava profundamente, com a cabeça apoiada em meu ombro, e acariciava minhas costas devagar. Alguns minutos
depois, me deu um beijo suave e se afastou, arrumando-se para ir embora. Fiquei parada onde estava, trêmula demais pra
me mover, e apesar de saber que ele não podia ficar, senti que se abrisse a boca, aquele pedido simplesmente escaparia
por entre meus lábios.

You will suck the life out of me


(Você vai sugar a vida de mim)

Após alguns segundos me conformando com a partida dele, me pus de pé e me vesti lentamente. Assim que terminei, não
tive coragem de encará-lo, mas ele não me deixou escolha: me puxou pelo braço e me virou pra si, erguendo meu rosto
com sutileza e me encarando fixamente com os olhos ilegíveis. Havia muita coisa implícita naqueles olhos castanhos claros
pra que eu pudesse entendê-lo.

Bury it
(Enterrar isso)
I won't let you bury it
(Eu não vou deixar você enterrar isso)
I won't let you smother it
(Eu não vou deixar você manchar isso)
I won't let you murder it
(Eu não vou deixar você assassinar isso)

Ele me beijou uma última vez, profunda e calmamente, e se dirigiu à porta, sem dizer uma palavra. Ao contrário de mim.

Our time is running out


(Nosso tempo está acabando)
Our time is running out
(Nosso tempo está acabando)
You can't push it underground
(Você não pode fazer disso um segredo)
We can't stop it screaming out
(Nós não podemos impedir que isso grite)
How did it come to this?
(Como isso chegou a esse ponto?)

- Você volta amanhã? – murmurei, sem conseguir conter minha aflição, e ele, que estava de frente pra porta, virou-se na
minha direção com a expressão misteriosa. Me olhou significativamente, e deu um sorriso quase imperceptível antes de ir
embora. Não precisei de palavras pra que um sorriso esperançoso se abrisse em meu rosto.

How did it come to this?


(Como isso chegou a esse ponto?)

Definitivamente, ele voltaria.

Capítulos 18 ao 34

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