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INTRODUÇÃO
NTRODUÇÃO AO PROCESSO
ROCESSO PENAL

JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS


Professor de Direito Processual Penal – UFPR

Ementa: 1. Noções introdutórias.


introdutórias. 2. Conceito. 3. Conceitos
complementares. 4. Denominação. 5. Autonomia.
Autonomia. 6. Trilogia estrutura
estrutural
strutural.
7. Finalidade.
Finalidade. 8.8. Relação
Relação com outros ramos do Direito.
Direito. 9. Referências
Referências
bibliográficas.
bibliogr áficas.

1. Noções
Noções introdutórias

São inúmeras as acepções da palavra – processo. Em todas elas, há a ideia


de uma sucessão de atos, ordenados segundo um determinado método, e que
conduzem a um ou a vários resultados. Desde logo se pode concluir que, seja o
que for, ou seja em que campo do conhecimento se aplique esse conceito, o
processo não é algo que ocorra num instante. É algo que se desenrola, que
progride, que transcorre na direção de uma conclusão, de um resultado. Assim
ocorre com o processo de decomposição dos elementos, com os processos de
evolução e de cura de uma doença, com o de fabricação de um bem de consumo
etc.
Em nenhum desses processos um único evento é suficiente para produzir um
resultado, que somente advém da soma dos atos ou fatos que o integram. E, em
todos os processos, o ato ou fato posterior depende do ato ou fato anterior, e o
seu desencadeamento obedece a uma lógica própria. Essa noção de processo
como encadeamento lógico de atos e de fatos permeia todas as áreas do
conhecimento humano.
É o fenômeno do processo em sua acepção jurídica, entretanto, que nos
interessa. Nela também transparece a ideia de uma sequência de atos organizados
2

logicamente.1
A partir do Século 12 iniciou-se lentamente o trabalho de construção da
disciplina. Três classes de juristas o fizeram: os Glosadores, os Comentadores (ou
Pós-Glosadores) e os Práticos (ou Praxistas).
Os primeiros tiveram em IRNÉRIO (circa 1085-1125), com duas obras
(Lucerna Juris e Summa Codicis, século 12), BÚLGARO (circa 1090-1167), com
duas obras (Ad Digestorum e De Judiciis, século 12), PORCIO AZO (circa 1150-
1230), com uma obra (Summa Codicis, século 13) e ACÚRSIO (circa 1182-1260),
com uma obra (Magna Glosa, do século 13) seus mais famosos expoentes. O
método de trabalho dos glosadores consistia em copiar trechos de escritos
romanos e explicá-los em uma coluna ao lado. Esse comentário era conhecido
como “Glosa”. O trabalho de garimpo dos glosadores nas obras romanas foi
extremamente importante. Somente a partir desse trabalho pôde-se perceber,
dentre os inúmeros escritos romanos, eminentemente casuísticos, quais eram os
trechos importantes para os tempos em que as glosas eram escritas.
BÚLGARO, por exemplo, é especialmente lembrado na Ciência Processual
por sua famosa definição, que qualquer processualista entende mesmo quando
escrita em latim: iudicium actum trium personarum est: judicis, actoris et rei.2

1
Cf. SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal, Lisboa: Ed. Verbo, 1993, v. 1, p. 15, que
relaciona quatro significados jurídicos para a palavra processo, a saber: conjunto de papéis oficiais,
dispostos segundo uma ordem e que representam a condensação de uma questão submetida ao
Judiciário; toda a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciais ou perante eles para a consecução de
um certo fim; modelo legal dessa atividade; questão judicial ou pré-judicial.
2
Versão resumida. Conforme o pesquisador austríaco Ludwig Wahrmund (Quellen zur Geschichte des
römisch-kanonischen Processes im Mittelalter; v. 4: Excerpta legum edita a Bulgarino causidico,
Innsbruck: Ed. Wagner, 1917), o trecho completo e correto é o seguinte: “Actor est qui persequitur
aliquid principaliter dicens rem suam esse vel personam obligatam ad aliquid dandum vel faciendum.
Sed et reus si intentione adversarii fundata exceptionem opponit, ut condempnationem effugiat, actor
intelligitur. Agere enim is videtur, qui exceptione utitur. Reus est adversus quem contenditur, quia aut
possidere vel debere dicatur. Ad probationem actoris pertinet si obtinere velit, ut id quod intendit,
probet. Actore enim non probante, qui convenitur, etsi nichil praestiterit, obtineat, quia rei favorabiliores
sunt quam actores. His aequipollenter dicitur: iure promptiora sunt ad absolvendum quam ad
condempnandum. Cumque reus in exceptione actor est, ipsum quod excipit, probare debet (...)
Accusare omnibus permissum est, his exceptis. Propter sexum prohibetur mulier, propter aetatem
3

Os Comentadores tiveram em ALBERTO GANDINO (circa 1245-1311), com


uma obra (Tratactus de maleficiis, século 13), Jacobo de Bellovisu (circa 1270-
1335), com duas obras (Practica criminalis e Libri feudorum, século 14) e em
BARTOLO DE SASSOFERRATO (circa 1313-1357), com três obras (De quæstionibus,
Ordo judicii e Commentaria in secundum digesti novi partem, de injuriis et
famosis libellis, todas do século 14) suas maiores figuras. A característica principal
dos Comentadores foi a de operar em cima das glosas dos juristas precedentes,
com preocupação de atualizar, para a época, alguns dos conceitos romanos. Suas
preocupações acadêmicas eram em parte teóricas e em parte práticas.
Representaram uma evolução do Direito na direção de uma ferramenta para
organizar e resolver problemas da sociedade.
Em torno de duzentos anos depois surgiram os juristas Práticos, também
chamados de Praxistas, cujas figuras principais foram TIBERIO DECIANI (1509-
1582), considerado o fundador do Direito Penal, com uma obra magna (Tractatus
criminalis utramque continens censuram”, século 16), JULIO CLARO DE
ALEXANDRIA (1.525-1.575), com uma obra magna (Septen libri sententiarum
receptarum, seu practica civilis et criminalis, século 16), PROSPERO FARINACCI
(1544-1618), com inúmeras obras (Quæstiones et communes opiniones criminales
e Tractatus de hæresi, ambas do século 16, Consiliorum Criminalium, De
inmunitate ecclesiarum et confugientibus de eas, e Tractatus integer de testibus,
as três do século 17), BENEDIKT CARPZOV (1595-1666), com inúmeras obras
(Practicæ novæ Imperialis Saxonicæ rerum criminalium, Synopsis juris-feudalis,

pupillus, propter sacramentum militare qui stipendium meret, idest miles, propter magistratum ut consul
et praetor, propter delictum ut infames, propter turpem quaestum, ut hi qui nummos ob accusandum
vel non accusandum acceperint, propter conditionem, ut liberti contra patronos, propter suspicionem
calumpniae, ut qui falsum testimonium subornati dixerunt. Ratione paupertatis, ut hii, qui minus habent
L. aureis. (...) Testium ratio est. Ad testimonium cogi possumus per iudicem et improbe versantes absque
praescriptione fori coherceri. Aliquando excusamur sive in omnibus causis ut senes valitudinarii sive in
aliquibus, veluti in publico crimine. Contra cognatum admittimur volentes. Et quandoque excusamur et
quandoque cogi possumus inviti. Interdum inviti excusamur et volentes repellimur, ut liberi contra
parentes et econverso. Testium quidam iudicis officio, quidam exceptione removentur. Iudicis officio
propter dicendi suspicionem, exceptione veluti qui dampnati sunt de carmine famoso, quos leges iubent
esse inprobos et intestabiles. (...) Iudicium est actus ad minus trium personarum, actoris intendentis, rei
intentionem evitantis, iudicis in medio cognoscentis”.
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Processus juris in foro saxonico, Disputatio juridica de inhibitionibus curiarum


provinci e Jurisprudentia forensis romano-saxonica, secundum ordinem
Constitutionum d. Augusti electoria Saxon) e, finalmente, JOHANN OTTO TABOR
(1604-1674), com três obras (Iurisprudentiæ methodicæ partitiones elemetariæ,
Jurisprudentiæ syntheticæ, De confrontatione, Dissertationes nonnulæ de tortura
et indiciis delictorum, todas do século 17).
O trabalho dos juristas práticos foi principalmente de ordem imediata,
profissional, isto é, fornecer soluções para os problemas que surgiam no dia a dia
dos tribunais. Além disso, os Práticos forneceram profissionais para os diversos
âmbitos, como a advocacia, a investigação, a magistratura, o Ministério Público.
Um conceito relevante, cunhado e desenvolvido pelos juristas Práticos, foi o
de “corpo de delito” (corpus delicti) como objetivo principal dos operadores do
Direito Penal. A tarefa processual dos investigadores e dos juízes consistia em
construir o corpo de delito, que se constituía não somente das provas e dos
elementos sensíveis do fato criminoso, mas da própria conduta criminosa, nos
seus aspectos conceituais. Não havia clareza, na época, sobre as fronteiras entre
Direito Material e o Direito Processual. Tanto aos Comentadores quanto aos
Práticos a existência de autonomia para o Processo Penal era perfeitamente
desimportante.
Durante todo o período que vai do século 13 até a primeira metade do século
19 o processo era definido a partir da definição do jurista romano Públio
Juventino Celso (67 d.C.-130 d.C.). Ele definiu a ação judicial, essência da
atividade processual na visão de então, como nada mais que o direito de perseguir
em juízo o que lhe é devido. Em latim: “Nihil aliud est actio quamd ius quod
nobis debeatur, iudicio persequendi”. Para os Glosadores, os Comentadores e os
Práticos, essa definição passou a ser a mais usual para a ação judicial.
Esse quadro manteve-se praticamente inalterado até a metade do século 19.
Os documentos dessa emancipação conceitual também são perfeitamente
conhecidos.
Pode-se dizer que o nascimento do Processo Penal tem dois momentos. O
primeiro deles está relacionado a uma famosa polêmica, ocorrida entre os anos
5

de 1856 e 1857.
Essa polêmica se iniciou um tanto por acaso, em 1856, com a publicação da
obra do catedrático de Direito Civil da Universidade de Düsseldorf, BERNHARD
WINDSCHEID, “A Actio do Direito Civil romano, do ponto de vista do Direito
atual” (“Die Actio des römischen Civilrechts, vom standpunkte des heutigen
Rechts”).
Nessa obra, de Direito Civil como o título indica, o autor procurava traçar o
conceito da actio no Direito romano, conceito esse buscado nas pandectas, com
a finalidade de aplicá-lo ao Direito vigente na metade do século 19. Afirmava que
o sistema jurídico romano não era um sistema de direitos subjetivos, mas um
sistema de ações judiciais vocacionadas à sua proteção. Daí que as ações (Kläge)
do Direito germânico de então deviam ser vistas como parte do direito material
em discussão. Tratava-se de um exercício comum na escola pandectista alemã,
esse aproveitamento das lições dos jurisconsultos romanos para o
desenvolvimento do direito de então. WINDSCHEID era um dos próceres dessa
escola. Essa visão do direito de ação, por isso mesmo denominada posteriormente
de imanentista, resultava na concepção de que a ação judicial nada mais era do
que uma faceta de um determinado direito subjetivo.
No ano seguinte, o até então desconhecido professor da Universidade de
Königsberg, THEODOR MUTHER, publicou o livro “Sobre a Teoria da Actio
romana, o atual direito de queixa, a litiscontestação e a sucessão singular nas
obrigações” (“Zum Lehre von der römischen Actio, dem heutigen Klagerecht, der
Litiskontestation und die singular Succesion in Obligationem”). Nessa obra,
francamente petulante, MUTHER acusava o prestigiado professor de Düsseldorf de
confundir conceitos, de baralhar noções, ao procurar atualizar uma ideia que
somente fora útil em uma outra época e que agora parecia inservível. Em resumo,
afirmava que a obra podia ter seu mérito como lição histórica, mas que não tinha
serventia para a análise do direito alemão de então.
No mesmo ano de 1857, o professor WINDSCHEID publicou um opúsculo,
chamado simplesmente “A Actio, defesa contra o dr. Theodor Muther” (“Die
Actio, abwehr gegen dr. Theodor Muther”). Nesse opúsculo, à giza de responder
ao seu crítico, WIDSCHEID acabou por admitir inúmeras incongruências de sua
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primeira obra. Na principal concessão, afirmou que uma coisa é o direito material
em discussão, e outra coisa é o direito de ação. A esse assunto voltaremos
oportunamente.
Estava feita, pela primeira vez na história da doutrina jurídica, a separação
entre o direito material e o direito processual. É o início desse complexo
nascimento do Direito Processual.
Em torno de doze anos depois, outra obra veio aprofundar essa separação,
agora no terreno do processo propriamente dito. Trata-se do livro “A teoria das
exceções processuais e dos pressupostos processuais” (“Die Lehre von den
Processeinreden und den Processvoraussetzungen”), escrito pelo professor OSKAR
BÜLOW, e publicado em 1868. Esse livro trata das chamadas “exceções” – que são
procedimentos incidentais que visam a retardar ou a impedir o julgamento do
mérito de uma determinada ação judicial. Até aquele momento, a doutrina não
havia atentado para essa categoria, e considerava todas as exceções a
manifestação de um mesmo fenômeno. BÜLOW tentou demonstrar que há dois
tipos de exceções: as de direito material e as de direito processual. As primeiras
– das quais são exemplos a exceção da verdade do fato imputado (CP, art. 138,
§ 3º; CPP, art. 523) e a exceção da notoriedade do fato imputado (CPP, art. 523)
– atacam o mérito do direito material em discussão. São exceções de direito
material. As segundas – das quais são exemplos a exceção de suspeição do juiz
(CPP, art. 95, inciso I, 96, 98-103), a exceção de suspeição do membro do
Ministério Público (CPP, art. 104), a de suspeição dos jurados (CPP, art. 106), a
de suspeição de peritos, intérpretes e serventuários da Justiça (CPP, art. 105) etc.
– atacam a higidez do processo no qual a discussão de mérito é travada. Essas são
exceções de direito processual. Até então, a doutrina trata todas as exceções como
espécies de um mesmo e único gênero.
A conclusão a que chegou BÜLOW, e que se tornou crucial para determinar
a autonomia do objeto de estudo e, por conseguinte, da própria ciência
processual, é que o processo tem pressupostos diversos dos pressupostos do
direito material nele discutido. Se faltar algum desses pressupostos, de nada
adianta que a parte tenha razão quanto ao direito material: aquele processo não
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é hábil a produzir uma sentença válida.3

2. Conceito
onceito

O Processo Penal é o conjunto de regras e princípios que regulam a dinâmica


da persecução penal, em juízo e fora dele, a competência dos juízes para conhecer
das causas criminais que são o objeto dessa persecução e as atribuições, garantias,
direitos e deveres dos seus demais participantes na veiculação e na contrariedade
a essa persecução, bem como a disciplina jurídica encarregada de estudar esse
conjunto.
Em suas definições autores como JOSÉ FREDERICO MARQUES enaltecem a
dinâmica da atuação jurisdicional no Processo Penal.4 Outros, como HÉLIO
TORNAGHI, JULIO FABBRINI MIRABETE e VICENTE GRECO FILHO, proclamam que
o Processo Penal deve ser visto externa e internamente: externamente é uma
sucessão de atos organizados para o julgamento de uma pretensão punitiva;
internamente, é uma relação jurídica.5 Em nosso entendimento, essa temática da
natureza jurídica do processo penal condenatório deve ficar para um pouco mais
adiante.
O Processo Penal se manifesta como uma sucessão de atos e fatos. Em um
primeiro nível, a maneira como esses atos e fatos se arranjam é denominada de
processo penal, em letras minúsculas. Num segundo nível, é denominada de
procedimento.
O primeiro nível se refere à tarefa principal de um determinado processo
penal. Nele se nota que os processos penais se destinam a duas tarefas principais.
A primeira e mais saliente delas é a realização da chamada persecução penal.

3
Cf., sobre OSKAR BÜLOW, o seguinte ensaio: RAMOS, João Gualberto Garcez. “Oskar Bülow:
recordação no centenário de seu falecimento”, em Revista de Processo, n. 154 (2007), p. 373-379.
4
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro-São Paulo:
Ed. Forense, 1965, v. 1, p. 383 e 385.
5
TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal, 2ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 1977, v. 1, liv. 3,
cap. 1, p. 307-308; MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, São Paulo: Ed. Atlas, 1991, p. 28;
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, 8ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, p. 363.
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Essa tarefa é realizada pelo chamado processo penal condenatório. Agregam-se a


esse processo, embora dele não façam parte, a investigação criminal e a execução
penal. Embora se pareçam com fases do processo penal – e frequentemente são
tratadas assim pela doutrina e pela jurisprudência – nenhuma delas é essencial
nem faz parte do processo penal. Afinal, a persecução penal pode ser instaurada
sem investigação (CPP, art. 39, § 5º, art. 46, § 1º e art. 47); e a execução penal
somente ocorrerá se houver decisão condenatória e pressupõe o processo penal
condenatório encerrado.
O processo penal condenatório, posto que seja o mais saliente, pois é aquele
sobre o qual repousam as maiores expectativas da sociedade, não esgota todo o
processo penal. Há processo penal destinado a outras tarefas, não coincidentes
com a de realizar a persecução penal. Há um processo penal declaratório, cuja
função é declarar a certeza sobre uma situação jurídica preexistente; um exemplo
é o pedido de reabilitação (CP, art. 94). Há um processo penal constitutivo, cuja
função é constituir ou modificar uma situação jurídica; um exemplo é a revisão
criminal (CPP, art. 621-631). Finalmente, há um processo penal mandamental,
cuja função é obter do juiz uma ordem direcionada a uma autoridade ou a um
terceiro que exerça uma relação de poder em relação a alguém ou a alguma
situação; um exemplo é o habeas corpus (CPP, art. 647-667).
Dentro de cada uma dessas formas de processo penal – declaratório,
constitutivo e condenatório – há procedimentos diversos, que variam conforme
inúmeros fatores, tais como o tipo de provimento, a quantidade de pena, a
competência jurisdicional etc.

3. Conceitos complementares

O processo penal, além de declaratório, constitutivo, condenatório e


mandamental, pode também ser comum ou especial.
O processo penal comum é aquele que tramita perante a Justiça Penal
comum, que compreende a Justiça comum estadual e a Justiça comum federal. É
regulado primacialmente pelo Código de Processo Penal, coadjuvado pelas leis
especiais. O processo penal especial é aquele que tramita nas Justiças especiais,
9

como a Justiça Militar e a Justiça Eleitoral, por exemplo. É regulado por leis
especiais, como o Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei nº 1.002, de 21
de outubro de 1969) e o Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de quinze de julho de
1965, arts. 355-364).
Nos dois casos citados, os casos omissos serão resolvidos conforme o Código
de Processo Penal e a legislação processual penal comum (CPPM, art. 3º, letra
“a”; CE, art. 364).
Não é cabível falar-se no Processo Penal nas três categorias básicas do
Processo Civil: processo de conhecimento, processo cautelar e processo de
execução. Embora essa noção seja válida no Processo Civil, não tem o menor
cabimento no Processo Penal. Isso porque o Processo Penal não conhece nem o
processo cautelar nem o processo de execução e a noção de processo de
conhecimento, obviamente, só tem viabilidade na presença das outras duas
noções que a completam. No Processo Penal não há processo cautelar, mas
medidas cautelares. Nele também não há processo de execução, mas execução
penal judicializada.
Por fim, não é processo penal, comum nem especial, o processo de
impeachment (Constituição, arts. 51, inciso I, 52, inciso I, 85 e 86; Lei 1.079, arts.
14-38, 41-73, 75-82). Isso pela singela razão de que seu objeto – o assim chamado
crime de responsabilidade – não é na verdade um crime, com os contornos
daquilo que é tratado sistematicamente pelo Direito Penal, mas uma infração
política, a ser julgada pelo Parlamento, conforme critérios próprios do mundo
político. Não se trata de matéria objeto do Direito Processual Penal.

4. Denominação
O tema da denominação de um ramo do Direito – como de resto da
denominação de qualquer objeto ou de qualquer instituto – sempre rendeu muita
discussão.
Sempre, nesses casos, formam-se pelo menos duas correntes de pensamento.
De um lado postam-se aqueles que consideram a nomenclatura algo de somenos
relevância. Um utensílio utilizado para cozinhar alimentos é chamado em
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português de “panela” por força de mera tradição. Poder-se-ia chamar “xícara”


se, para o objeto “xícara”, arrumássemos outra denominação não apropriada por
outro utensílio qualquer. O importante não é o nome que se dá a alguma coisa,
mas sim sua substância, o que ela é, de fato. Assim, qualquer nome que se desse
à disciplina, desde que unívoco, seria adequado.
De outro lado temos aqueles que consideram, sim, muito relevante o nome
que se dá às coisas, pois é através do nome que o ser humano se relaciona com
elas. O nome deve refletir, o quanto possível, a essência do objeto nomeado. Uma
coisa que venha a ser nominada equivocadamente será, para sempre, mal
compreendida. Daí a importância de se escolher os nomes que mais combinem
com as coisas que se quer designar.
É nessa última perspectiva que devemos encarar a questão da nomenclatura
de nossa disciplina.
Sabemos que no começo, o Processo Penal foi mero apêndice do Direito
Penal. Nessa época não havia preocupação com a disciplina porque simplesmente
não havia disciplina...
Quanto a disciplina começou a existir, a primeira denominação que se lhe
deu foi Direito Judiciário Penal. É importante porque foi a primeira utilizada pelos
cursos de Direito no Brasil, tendo sido predominante entre os autores no século
19 e início do século 20. Tinha alguma pertinência, pois o fenômeno processual
se dá em grande parte no juízo criminal. Ainda assim, com o tempo foram os
autores percebendo que era incompleta, pois boa parte dos atos relevantes para
um processo penal, como a investigação, por exemplo, são praticados fora do
Poder Judiciário.
Em seguida, utilizaram-se as denominações Direito Processual Penal e Direito
Processual Criminal. A preferência por uma das duas, no caso, define-se pela
opção anterior, relativa à denominação do Direito material. Se a opção de
denominação é por Direito Penal, então usa-se Direito Processual Penal. Na Itália,
na Alemanha e no Brasil é a opção preferida. Se a opção é por Direito Criminal,
então usa-se Direito Processual Criminal. Por ser muito pouco utilizada entre nós
a denominação Direito Criminal, no Brasil essa última opção é também muito
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rara.
Nos Estados Unidos utiliza-se com frequência a expressão Criminal
Procedure, que equivaleria, em português, a Procedimento Criminal. Essa opção
também goza de certo prestígio na Itália e na França, devido ao fato de que,
nesses dois países os códigos principais da disciplina são denominados,
respectivamente, de procedura penale e de prócedure pénale.
Na Espanha, em Portugal e no Brasil se trabalha quase que indistintamente
com as denominações Direito Processual Penal e Processo Penal.
Embora alguns autores mais antigos, como EUGENIO FLORIAN, vissem
diferenças entre essas duas denominações – o Processo Penal seria o conjuntos de
atividades e formas concebidas e utilizadas para viabilizar a aplicação da lei penal
e o Direito Processual Penal seria o conjunto de normas jurídicas que regulam o
Processo Penal6 – o fato é que, no presente, as duas denominações são
consideradas sinônimas e são usadas quase que indistintamente.

5. Autonomia
Pode-se dizer que somente há 150 anos tornou-se seguro afirmar que,
conforme a doutrina mais respeitada, o Processo Penal é um ramo autônomo
dentro da Ciência do Direito. Antes desse período o Processo Penal um mero
adjetivo do Direito Penal, considerado o substantivo.
Na doutrina jurídica dos dias atuais praticamente não se contesta o fato de
que o Processo Penal é uma disciplina autônoma em relação a todas as outras
disciplinas jurídicas. Possui autonomia porque tem objeto, finalidade e princípios
próprios, inteiramente diversos dos das outras disciplinas jurídicas.
As normas processuais penais possuem características que as diferenciam
profundamente das normas penais. Além do aspecto propriamente instrumental,
fornecem garantias ao indivíduo. Essas garantias se apresentam com caracteres
profundamente diferentes das garantias propriamente penais.

6
FLORIAN, Eugenio. Elementos de derecho procesal penal, trad. de Leonardo Prieto Castro,
Barcelona: Ed. Bosch, 1933, cap. 1, § 1, p. 14.
12

Tome-se, como exemplo, a garantia da legalidade. Indiscutível que há uma


legalidade penal, como há uma legalidade processual penal. Cada uma dessas
garantias apresenta caracteres diferentes, embora una-as a caraterística central da
lei como fonte de conhecimento principal, que garante que o sistema penal
operará sempre dentro do paradigma da lei. No mais, quanto aos efeitos, por
exemplo, a legalidade penal é nimiamente diferente da legalidade processual
penal.
No passado negava-se essa característica dadas as intrincadas relações entre
o Direito Processual Penal e o Direito Penal. Chamava-se aquele, um tanto
pejorativamente, de “Direito Penal Adjetivo”, justamente porque destinado
exclusivamente a aplicar a norma penal. A autonomia do Processo Penal era
negada porque circunscrita à sua instrumentalidade.
Hoje isso ficou inteiramente para trás. Não se pode dizer sequer, conforme
se dizia antigamente com muita propriedade, que o Processo Penal existe
exclusivamente para aplicar a norma penal. O Processo Penal moderno existe
para aplicar o ordenamento jurídico penal mas também o constitucional, o civil,
o administrativo, o comercial etc., posto que não em caráter exclusivo ou
majoritário.
Por exemplo, quando o juiz criminal defere ou indefere uma quebra de sigilo
aplica uma norma constitucional e uma norma administrativa. Por outro lado, o
Processo Penal se serve de instrumentos do Direito Constitucional, como os
recursos extraordinário e especial, o habeas corpus, entre outros.
É verdade que o Processo Penal tem uma feição muito diferente da do
Processo Civil, que foi concebido sob o signo da diversidade das disciplinas
jurídicas e aplica desde seu nascimento normas de Direito Civil, de Direito
Constitucional, de Direito Ambiental, de Direito do Consumidor, de Direito
Tributário etc.
Para o Processo Penal é novidade, surgida a partir da Constituição de 1988,
que aplique diretamente normas de outros ramos que não o Direito Penal. Mas é
novidade que veio para ficar.
Isso, porém, não lhe diminui a autonomia, apenas revela o movimento
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evolutivo desses dois ramos. O Processo Penal é centrípeto e o do Direito


Processual Civil é centrífugo.
Mesmo em sua configuração tradicional, isto é, de instrumento de aplicação
do Direito Penal, essa posição não representa uma capitis diminutio. Até porque
tem um contraponto da maior importância: o Direito Penal só se aplica através
do Processo Penal. O Direito Penal, pode-se dizer, é uma disciplina jurídica de
coação indireta.
E talvez mais importante que tudo: o Processo Penal aplica e desaplica o
Direito Penal. Serve não somente para dizer qual norma penal incriminadora será
aplicável, mas também para dizer que nenhuma deverá sê-lo.
Como lembra brilhantemente o saudoso jurista alemão GUSTAV RADBRUCH,
o Processo Penal se impõe não somente como único caminho mas também como
fator que, sozinho, impede a aplicação da norma penal.7
Essa autonomização do Processo Penal, contudo, é fruto de um longo
caminho.

6. Trilogia estrutura
estrutural
strutural
O saber organizado proporcionado pelo Processo Penal é fruto de uma
evolução lenta, durante a qual proporcionaram-se à doutrina diversas
oportunidades de observar o seu funcionamento.
A história desse campo do pensamento, plena e avanços e recuos, permitiu
organizá-lo, parti-lo e colocá-lo em compartimentos, hierarquizar os conceitos,
inseri-lo, enfim, na Ciência do Direito.
Durante esse tempo, mas não ao mesmo tempo, foi ficando claro que os
institutos do Processo Penal se encaixavam em três grandes partes, um verdadeiro
tripé conceitual estruturante. Essas partes eram a teoria da jurisdição penal, a
teoria da ação penal e a teoria do processo penal.

7
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, 6ª ed., trad. de L. Cabral de Moncada, Coimbra: Ed.
Arménio Amado, 1979, § 25, n. 1, p. 343.
14

A isso se denomina em doutrina de trilogia estrutural ou trilogia estruturante


do Processo Penal. A organização do presente compêndio levará em conta essa
trilogia fundamental. Depois de uma parte introdutória, em que os conceitos
fundamentais – a respeito do conceito e dos caracteres da disciplina – são fixados
e de duas partes, uma relativa à norma processual penal e outra relativa aos
sujeitos processuais, o Processo Penal passa a se fixar na sua trilogia estrutural.
Tudo ou quase tudo, no Processo Penal, ou pertence a uma das três teorias
acima citadas.

7. Finalidade
Finalidade
Qual é a finalidade do Processo Penal? Essa pergunta é capciosa e ao mesmo
tempo indispensável. É capciosa porque induz quem a ouve a imaginar que exista
uma resposta única, adequada a arrefecer as angústias de quem formulou a
pergunta. Mas é ao mesmo tempo indispensável porque, para averiguar da
legitimidade de um instituto perante o meio social, é preciso indagar acerca de
sua finalidade.
A verdade quanto a essa pergunta é que não há uma resposta única, nem
imutável. A finalidade do Processo Penal, na verdade, são muitas, em um mesmo
momento histórico e no decorrer dos tempos.
Das muitas finalidades, podem-se enumerar as seguintes: realizar a
persecução penal; realizar a prevenção geral; realizar a prevenção especial;
combater a criminalidade; concretizar e atualizar direitos e garantias individuais;
fazer justiça; gerar certeza jurídica.
Nem todas essas finalidades são coerentes entre si. Em alguns momentos,
algumas dessas finalidades são negadas por outras e em outros se impõem às
demais. Nem todas são reconhecidas por uma parcela considerável dos
estudiosos. Mas cabe refletir sobre cada uma delas.
Assim, em primeiro lugar, cabe ao Processo Penal realizar a persecução
penal.
A primeira resposta para a pergunta é, decerto, de que o Processo Penal é
15

um instrumento de persecução penal. Sua finalidade é de aplicar, tornar concreta


norma penal. Esse é o seu objetivo imediato, talvez o mais saliente, decorrente da
própria natureza das coisas e da finalidade do Estado de garantir da Justiça Penal.
O Direito Penal é um instrumento de coação mediata. Realiza uma
prevenção geral cominatória, simbólica, eficaz no campo do discurso. Embora
seja um ramo autônomo e nobre do sistema jurídico de um país, o Direito Penal
precisa do Processo Penal para se tornar, da ameaça que é no discurso, em uma
realidade.
Daí que o Processo Penal funciona como único instrumento de persecução
penal. Nulla pœna sine processo. Conforme a Constituição da República (art. 5º,
inciso LIII) “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente”. Entende-se que essa autoridade é a judiciária, que prolata sua
decisão – eventualmente condenatória – em um processo penal iniciado não por
ela, mas por outro sujeito processual, o Ministério Público ou o querelante.
Sem a participação do Processo Penal legítimo e válido, o Direito Penal não
pode se realizar. E se, eventualmente, realiza-se após um Processo Penal inválido,
o que se dá não é Direito Penal propriamente, mas sim seu infeliz simulacro.
Cabe ao Processo Penal realizar a prevenção geral.
O Processo Penal, como instrumento de aplicação do Direito Penal,
compartilha com ele ao menos uma parte de seus objetivos. Um dos objetivos do
Direito Penal, como se sabe, é o de ser uma ferramenta de prevenção geral.
Aliás, o Processo Penal funciona como um adensador da eficácia dissuasória
da ameaça de sanção penal. A coação psicológica, de que falava FEUERBACH,
produzida pela ameaça de pena, também é produzida pelo processo penal
condenatório que tende a tornar realidade essa sanção. Parafraseando ANÍBAL
BRUNO, um determinado processo penal condenatório ajuda a demonstrar a
seriedade da ameaça da pena, tornando-a mais viva no espírito público.8
Outra finalidade do Processo Penal é também a prevenção especial.

8
BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Rio de Janeiro-São Paulo: Ed. Forense, 1962, v. 1, t. 3, cap. 2, n. 5, p.
46.
16

Da mesma maneira que faz com os fins de prevenção geral, o Processo Penal
contribui para os fins de prevenção especial do sistema penal.
Se a aplicação da pena a um determinado criminoso pode produzir nele
tamanho horror, o Processo Penal tem efeito similar, talvez em modo menor. O
fato do processo ser, em si, um instrumento de coação, incômodo para o acusado,
bem como o de proporcionar a revivência dos fatos criminosos, tudo isso pode
produzir no réu o arrependimento, acionando freios inibitórios capazes de afastá-
lo da vida criminosa.
Isso talvez seja ainda mais verdadeiro naqueles processos penais referentes a
crimes patrimoniais não violentos, em que o réu os pratica às vezes por ganância,
às vezes por inexperiência, e por isso mesmo é descoberto.
É claro que se trata de um efeito eventual, imprevisível e incomprovável
cientificamente. Há quem o despreze exatamente por esse motivo.
Ainda assim, mesmo que teoricamente, a possibilidade da prevenção especial
é relevante e deve ser levada em consideração, até mesmo como um estímulo ao
respeito à dignidade da pessoa humana no Processo Penal. Não é difícil concordar
que um Processo Penal desumano desumaniza e um Processo Penal alinhado com
a dignidade humana promove-a.
Outra finalidade atribuível ao Processo Penal é a do combate às
criminalidades.
Com o passar dos anos, o Processo penal passou a ser visto como instrumento
de combate às diversas formas de criminalidade.
Essa finalidade está presente em inúmeros diplomas, como na Lei 11.340,
que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra
a mulher, a Lei 11.343, que estabelece normas para a repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, entre outras.
A Constituição confirma essa necessidade, ao conceder atribuições à Polícia
Federal para investigar aqueles crimes com repercussão interestadual ou
internacional e exijam repressão uniforme (Constituição, art. 144, § 1º, inciso I;
Lei 11.446, art. 1º).
17

O Processo Penal também serve de instrumento à concretização e atualização


dos Direitos e Garantias Individuais, através da asseguração de que a invasão na
esfera da privacidade do indivíduo dar-se-á de forma objetiva e regrada.
O poder basta-se a si mesmo. Do seu ponto de vista, prescinde de regras pré-
estabelecidas. Num Estado totalitário, a invasão das esferas de interesses
individuais pode se dar pela pura e simples manifestação de vontade dos que
detém o poder. Não é necessária, do ponto de vista do soberano autoritário, a
limitação constitucional desse poder. É perfeitamente desnecessário justificar essa
afirmação.
Quando o jurista austríaco FRANZ VON LISZT escreveu que “o Código Penal
é a Magna Charta do delinquente” (das Strafgesetzbuch ist die Magna Charta des
Verbrechers)9 houve certo escândalo. Contudo, uma reflexão sobre o tema,
tomando como objetivo a construção de um Estado de Direito Democrático, o
Código Penal não é um guia para a otimização de sua atividade persecutória e
repressiva.
O Direito Penal, é claro, existe para o Estado saber quando punir, mas,
principalmente, é um guia para dizer ao Estado quando não punir. É também de
FRANZ VON LISZT a frase: “o Direito Penal é a insuperável barreira da política
criminal” (das Strafrecht die Barriere ist, welche die Kriminalpolitik nicht
übersteigen darf).
Além disso, o Processo Penal tem um caráter educativo, tanto para o acusado
quanto para a vítima e para a própria sociedade. Afinal, ali estão em ação
autoridades públicas, para apurar de maneira correta e legítima e propor sanções
a quem comprovada e culposamente cometeu um crime. Daí que uma das
finalidades do Processo Penal é servir de contraponto ao próprio crime, que nega
e espezinha a dignidade do ser humano. Sendo assim, o ser humano que é sujeito
passivo da persecução merece, por parte do Processo Penal, um tratamento
adequado e dignificante. Essa necessidade de tratamento digno ao acusado não

9
LISZT, Franz von. “Über den Einfluss der Soziologischen und anthropologischen Forschungen auf die
Grundbegriffe des Strafrechts”, em Strafrechtliche Aufsätze und Vorträge, Berlim: Ed. Walter de
Gruyter, 1905 (reimpressão em 2011), v. 2 (1892 bis 1904), p. 80.
18

nega nem sequer reduz a necessidade de tratamento digno também para a pessoa
do ofendido.
Cabe ao Processo Penal a tarefa de realizar Justiça.
Sobrepairando à necessidade técnica de aplicação integral e precisa da lei
penal, também cabe ao Processo Penal precisar e estabelecer, além dos fatos,
como a Justiça deve ser realizada no caso concreto.
Não fosse assim, o juiz poderia ser substituído por um computador que
calculasse a pena conforme os fatos provados no processo penal condenatório. O
elemento humano, representado pelo juiz, está no processo para perseguir a
realização da justiça material.
Daí que o juiz julga conforme os elementos provados no processo e tem a
possibilidade de prestigiar aqueles que considera mais aptos à realização da
Justiça.
Mesmo se o conjunto probatório indica a ocorrência de um crime e aponta
para a pessoa do acusado, sendo certo que o juiz deve forçosamente editar
sentença penal condenatória, a lei penal conta com inúmeros instrumentos, como
os limites mínimo e máximo da pena (CP, art. 53), os critérios judiciais para a
fixação da pena (CP, art. 59), as circunstâncias agravantes (CP, art. 61 e 62), as
circunstâncias atenuantes (CP, art. , 65 e 66), o arrependimento posterior (CP, art.
16), o erro evitável sobre a ilicitude do fato (CP, art. 21, última parte e parágrafo
único), a participação de menor importância em crime de outrem (CP, art. 29, §
1º), as penas restritivas de direitos, a pena pecuniária, instrumentos esse que
permitem a gradação judicial da resposta penal condenatória na direção de uma
decisão justa.
A realização da Justiça é um ideal cuja verificação, na prática, depende da
apreciação subjetiva do observador. Está claro que o que é justo para um é
sumamente injusto para outro. Mas o ideal da realização da Justiça deve estar
presente como norte do Processo Penal, especialmente para a Polícia de
investigação, para o Ministério Público e para o Juiz.
Por fim, uma das finalidades do Processo Penal é gerar certeza jurídica sobre
os fatos passados submetidos à sua consideração. Quanto maior for o grau de
19

certeza sobre esses fatos, tanto melhor será a atuação do Processo Penal.
Especialmente sobre fatos criminosos mais graves, a sociedade anseia pela
certeza acerca de onde, quando e como ocorreram, quem foram todos os seus
autores etc. A sensação de que se iniciou um processo penal condenatório por
um fato que não ocorreu ou, pior, que se perseguiu e puniu alguém inocente é
deveras insuportável. No primeiro caso, porque a máquina persecutória do Estado
funcionou à toa. No segundo caso, porque se trata de uma dupla injustiça: com
quem foi perseguido e punido injustamente e com quem, sendo autor de um
crime, safou-se sem qualquer consequência. Assim, quando é alcançada a certeza
jurídica sobre a maior parte dos fatos que sejam objeto de um processo penal
condenatório, tanto melhor.
Trata-se, porém, é preciso que se diga, de uma certeza jurídica, que se
alcança pela aplicação das melhores técnicas investigatórias, de todas as normas
jurídicas processuais penais, pelo respeito aos direitos e garantias do acusado, pela
produção da prova da maneira mais correta possível e quando a decisão é dada
por um juiz competente e imparcial.
A certeza jurídica sobre os fatos do passado permite que a sociedade siga em
frente. No caso da certeza sobre fatos criminosos, o Processo Penal –
especialmente a parte relativa à prova – tem papel central nessa tarefa.

8. Relação
Relação com outros ramos do Direito
Obviamente, o Processo Penal tem com o Direito Penal uma relação bastante
íntima. Existe exclusivamente para dar aplicação à norma penal. Embora não seja
um apêndice do Direito Penal, é inegável que seja logicamente secundário em
relação a ele. Malgrado isso, pode-se dizer, com GALDINO SIQUEIRA, que “o
Processo Penal é mais importante para a liberdade civil do que o Direito Penal”.10
De fato, só se pode falar em Processo Penal se, ao menos no campo da
conjectura, uma norma penal material se mostrou aplicável. Não se instaura um

10
SIQUEIRA, Galdino. Curso de Processo Criminal, 2ª ed., São Paulo: Ed. Liv. Magalhães, 1930, cap.
VII, n. 18, p.13.
20

processo penal, seja declaratório, constitutivo, condenatório ou mandamental e


nem mesmo uma investigação se não houver, ao menos em tese, uma norma
penal a ser aplicada.
Por outro lado, o Direito Penal é dependente do Processo Penal para ser
aplicável. Por disposição constitucional, a condenação e consequente sanção
penal somente poderá ser aplicada por juiz, após o devido processo penal
condenatório (Constituição, art. 5º, inciso LIII).
Por mais que o autor de um crime se mostre arrependido e cooperativo com
as autoridades a respeito de um crime que cometeu, não pode aplicar a si mesmo
nem assentir que alguém lhe aplique uma sanção penal, mediante um acordo
extrajudicial, por exemplo, sem as formalidades estabelecidas pela Constituição
e pela lei processual penal.
Também é uma norma inscrita no Código Penal a que regula a natureza da
ação penal a ser exercitada em cada caso. É saber, o Código Penal que define se
um crime será perseguido por ação penal pública, por ação penal pública
condicionada ou por ação penal privada (CP, art. 100, caput).
O Direito Penal, por sua vez, cria tipos penais cuja objetividade jurídica é a
administração da Justiça (CP, arts. 338-359). Trata-se de uma objetividade jurídica
ampla, que abrange tanto a Justiça Criminal quanto a não-criminal. Contudo, há
tipos penais, como a denunciação caluniosa (CP, art. 339), a comunicação falsa
de crime ou de contravenção (CP, art. 340), a autoacusação falsa (CP, art. 341) e
o favorecimento pessoal (CP, art. 348), que têm aplicação exclusivamente no
âmbito do Processo Penal.
Por razões muito similares às apresentadas anteriormente, as relações do
Processo Penal com o Direito Constitucional são bastante íntimas.
É a Constituição, por exemplo, que prevê e estrutura um Poder Judiciário,
dotado de juízes e de tribunais (art. 92). Ele é a instituição responsável pela
aplicação da norma penal através do Processo Penal. Ao fazê-lo, isto é, ao
estruturar o Poder Judiciário, a Constituição dota-o de garantias, ao prever e
dispor sobre sua autonomia financeira (art. 99) e sobre sua autonomia político-
institucional (art. 96). É ela que prevê quais serão e como serão formados os
21

tribunais (arts. 101, 104, 107, 111-A, 119-120, 123 e 125).


É a Constituição que dispõe sobre as garantias (arts. 93 e 95, incisos I-III) e
as vedações dos integrantes desse Poder (art. 95, parágrafo único). É ela,
finalmente, que prevê a competência dos juízes e dos tribunais (art. 102-103, 105,
108-109, 114, 121 e 125, § 1º).
A Constituição também prevê e dispõe sobre o Ministério Público (arts. 127-
130), sobre o advogado (art. 133), sobre o defensor público (arts. 134-135) e sobre
a polícia judiciária (art. 144).
No plano da conformação das normas processuais penais, a Constituição
também exerce um importante papel. Ela é fonte de inúmeros princípios
processuais penais. É ela que consagra o princípio nulla pœna sine juditio (art. 5º,
inciso LIII), o princípio do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV), o princípio
do contraditório (art. 5º, inciso LV, primeira figura), o princípio da ampla defesa
(art. 5º, inciso LV, segunda figura), o princípio da proibição das provas ilícitas
(art. 5º, inciso LVI), o princípio da proibição da consideração de culpabilidade
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, inciso LVII), o
princípio da publicidade dos atos processuais (art. 5º, inciso LX), o princípio da
judicialidade da prisão (art. 5º, inciso LXI), o princípio do imediato controle
jurisdicional da prisão não decretada por juiz (art. 5º, incisos LXII e LXV), o
princípio da excepcionalidade da prisão processual (art. 5º, inciso LXVI).
A Constituição também estabelece inúmeras regras processuais penais como,
por exemplo, a que proíbe a identificação criminal se o suspeito de crime for
identificado civilmente (art. 5º, inciso LVIII), norma essa que foi posteriormente
regulada por lei (Lei 12.037). A Constituição também dá ao preso o direito de
saber a identidade dos responsáveis pela sua prisão e pelo seu interrogatório
policial (art. 5º, inciso LXIV).
A Constituição prevê e garante ao cidadão o uso de inúmeros instrumentos
processuais penais vocacionados à viabilização de outros direitos fundamentais,
como a ação penal privada subsidiária da ação penal pública (art. 5º, inciso LIX),
o habeas corpus (art. 5º, inciso LXVIII), o mandado de segurança criminal (art.
5º, inciso LXIX), o mandado de injunção criminal (art. 5º, inciso LXXI) e o habeas
22

data criminal (art. 5º, inciso LXXII), algumas delas gratuitas (art. 5º, inciso
LXXVII).
A Constituição também proíbe a fiança para os indiciados pela prática dos
crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os
definidos em lei como hediondos (art. 5º, inciso XLIII).
A Constituição prevê a indenização para o condenado por erro judiciário,
bem como para o condenado que ficar preso além do tempo fixado na sentença
(art. 5º, inciso LXXV).
Com o Direito Administrativo as relações são igualmente íntimas porque se
a Constituição cria e estrutura, em linhas gerais, os órgãos encarregados da
utilização do Processo Penal, são as normas de Direito Administrativo que
regulamentam o funcionamento desses mesmos órgãos. São essencialmente
normas administrativas que regulam a estrutura dos órgãos julgadores dentro dos
tribunais. O mesmo ocorre com as chamas leis de organização judiciária, que
nada mais são do que normas administrativas de organização territorial dos órgãos
judiciais.
Há inúmeras normas administrativas, por exemplo, na Lei Orgânica da
Magistratura Nacional (Lei Complementar 35), como as que estabelecem os
deveres do magistrado, as penalidades, os vencimentos e as vantagens dos
magistrados, os direitos dos magistrados, as promoções, remoções e acessos.
O mesmo ocorre com a lei orgânica do Ministério Público dos Estados (Lei
8.625) e com a lei orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar
75). O mesmo se diga das leis estaduais que organizam cada um dos Ministérios
Públicos Estaduais.
É o Direito Administrativo que regula a inscrição do advogado, as infrações
disciplinares e o processo disciplinar que podem impedi-lo de funcionar como
procurador ou mesmo como defensor de acusado em processo penal (Lei 8.906).
Também é o Direito Administrativo que regula inúmeros aspectos da Defensoria
Pública da União (Lei Complementar 80).
Da mesma maneira, são administrativas as normas que regulam a investidura
do delegado de Polícia e dos demais profissionais que atuam durante a
23

investigação, como agentes, escrivães, peritos etc.


Com o Direito Civil o Processo Penal tem relação porque aquele regula a
capacidade civil das pessoas, o que tem crucial importância para determinar
quem pode e quem não pode participar do processo como parte. Somente pode
tomar parte no Processo Penal quem possui capacidade civil, que se inicia após
os dezoito anos (CC, art. 5º, caput).
É matéria de Direito Civil, exclusivamente, aquela referente às chamadas
questões prejudiciais de devolução obrigatória (CPP, art. 92). Podem ser de
Direito Civil aquelas referentes às questões prejudiciais de devolução facultativa
(CPP, art. 93).
A lei processual penal limita a prova relativa ao estado civil das pessoas,
respeitando as restrições estabelecidas pela lei civil (CPP, art. 155, parágrafo
único).
A lei processual penal também reconhece que as relações familiares,
reguladas pelo Direito Civil, podem constituir impedimentos para exercer a
função de juiz de uma determinada causa penal, seja como órgão judiciário
singular (CPP, art. 252, incisos I e IV), seja como integrante de um colegiado
(CPP, art. 253). Essas mesmas relações familiares podem produzir suspeição no
julgador, aconselhando seu afastamento do processo ou autorizando as partes a
recusá-lo (CPP, art. 254, inciso II e III). A lei processual penal regula o
impedimento e a suspeição no caso do parentesco por afinidade mesmo após a
dissolução do casamento que lhe haja dado causa (CPP, art. 255).
A lei processual penal dá enorme importância às relações familiares no
âmbito da prova testemunhal, chegando a autorizar o ascendente ou descendente,
o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe ou
o filho adotivo do acusado, a recusar-se a depor como testemunha em processo
penal condenatório (CPP, art. 206). Em qualquer um desses casos, se a pessoa for
obrigada a dar seu depoimento, porque não foi “possível por outro modo, obter-
se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias”, a pessoa depõe como
mero informante, não prestando o compromisso que a torna testemunha para
todos os fins probatórios (CPP, art. 208, última parte).
24

Dispõe a lei civil que o fica conferida hipoteca “ao ofendido, ou aos seus
herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para satisfação do dano causado pelo
delito e pagamento das despejas judiciais” (CC, art. 1.489, inciso III). É no
processo penal que essa chamada hipoteca legal se materializa, através da
chamada especialização da hipoteca legal, procedimento no qual o ofendido
indica, dentre os bens do acusado, aqueles suficientes para suportarem a
responsabilidade civil decorrente do crime (CPP, arts. 134-135).
Com o Processo Civil as relações históricas são amplas, mesmo que muitos
(des)qualifiquem o Processo Penal como o verdadeiro primo pobre daquele. De
fato, muito da doutrina do Processo Penal, atualmente e no passado, baseia-se na
doutrina do Processo Civil.
Funcionalmente as relações também são intensas, começando pela regra de
hermenêutica que permite que se interprete a lei processual penal extensivamente
e que se a aplique analogicamente (CPP, art. 3º). Como a lei processual civil
muitas vezes contem disposições procedimentais úteis ao Processo Penal, muitas
vezes será possível lançar mão delas analogicamente. Obviamente, isso é possível
se não houver regra própria da lei processual penal a respeito da mesma hipótese
fática.
O Processo Civil pode ter influência na tramitação do processo penal
condenatório, mormente nas chamadas questões prejudiciais (CPP, arts. 92-93).
Nos dois casos – nas prejudiciais de devolução obrigatória (art. 92) e nas
prejudiciais de devolução facultativa (art. 93) – é no Processo Civil que serão
resolvidas.
A sentença criminal transitada em julgado é título executivo judicial, que
pode ser executado no juízo cível (CPC, art. 475-N, inciso II). Com isso, fica claro
que a lei processual civil confere a esse título judicial a potencialidade de tornar
a dívida do criminoso para com o ofendido certa, cabendo ao processo civil
executório a tarefa de torná-la líquida.
Outro exemplo da relação entre o Processo Penal e o Processo Civil é o
mandado de segurança criminal, típica ação constitucional (Constituição, art. 5º,
inciso LXIX; Lei 12.016). A lei que institui o mandado de segurança não cria um
25

mandado de segurança criminal, ao lado de um mandado de segurança civil;


reconhece apenas o mandado de segurança individual e o mandado de segurança
coletivo. O que há é o mandado de segurança manejado para questões não
criminais e o mandado de segurança manejado para questões criminais. Este
último, na doutrina do Processo Penal, talvez impropriamente, é chamado de
mandado de segurança criminal. Seja como for, é inegável que a mais intensa
utilização desse instrumento se dá no Processo Civil, razão pela qual as lições
doutrinárias e os arestos jurisprudenciais concebidos para questões não criminais
acabam por ser úteis ao Processo Penal.
A principal relação do Processo Penal com o Direito Comercial se dá através
dos chamados crimes falimentares. Apurada essa espécie de crimes, a lei
falimentar regula a parte inicial do processo penal condenatório, cometendo à lei
processual penal comum o restante das regras aplicáveis (Lei 11.101, arts. 183-
188).

9. Refer
Referências
ferências bibliográficas
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Forschungen auf die Grundbegriffe des Strafrechts”, em Strafrechtliche
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26

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