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Leia o seguinte texto com atenção.

Quando nessa noite, uma noite triste de água, Carlos e Craft o1 acompanharam a Santa
Apolónia, ele disse-lhes na carruagem estas palavras, triste resumo de um amor romântico:

— Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso um banho por
dentro!

Afonso da Maia, ao saber este desastre do Ega, tinha dito a Carlos, com tristeza:

— Má estreia, filho, péssima estreia!

E nessa noite, depois de voltar de Santa Apolónia, Carlos pensava nestas palavras, dizia
também consigo: «Péssima estreia!...». E nem só a estreia do Ega era péssima; também a sua. E
talvez, por pensar nisso, as palavras do avô tinham tido aquela tristeza. Péssimas estreias! Havia
seis meses que o Ega chegara de Celorico, embrulhado na sua grande peliça2, preparado para
deslumbrar Lisboa […] para ser uma luz, uma força, mil outras coisas... E agora, cheio de
dívidas e cheio de ridículo, lá voltava para Celorico, escorraçado. Péssima estreia! Ele, por seu
lado, desembarcara em Lisboa, com ideias colossais de trabalho, armado como um lutador […]
E que tinha feito? […] Péssima estreia!

Não, a vida não lhe parecia prometedora nesse instante, passeando na sala de bilhar com
as mãos nos bolsos, enquanto ao lado os amigos conversavam, e fora uivava o sudoeste. Pobre
Ega, que infeliz ele iria, encolhido ao canto do seu vagão! Mas os outros, ali, não estavam mais
alegres. Craft e o marquês tinham começado uma conversa sobre a vida, soturna e
desconsoladora. De que servia viver, dizia Craft, não se sendo um Livingstone ou um
Bismarck? E o marquês, com um ar filosófico, achava que o mundo se ia tornando estúpido.
Depois chegou o Taveira com a história horrível de um colega dele, cujo filho caíra pela escada,
se despedaçara, no momento em que a mulher estava a morrer de uma pleurisia. Cruges
resmungou o quer que fosse sobre o suicídio. As palavras arrastavam-se, melancólicas.
Instintivamente, Carlos, de vez em quando, ia despertar as lâmpadas.

Mas tudo lhe pareceu resplandecer, quando daí a instantes Dâmaso chegou, e lhe disse
que o Castro Gomes estava incomodado e de cama.

— Naturalmente — acrescentou o Dâmaso — mandam-te chamar, por teres já visto a


pequena...

Carlos ao outro dia não saiu de casa, esperando um recado, faiscando de impaciência.
Nenhum recado veio.

Os Maias, Eça de Queiroz (cap.IX)

1 Referência a Ega
2 Peliça – casaco de pele
Dando conta da sua experiência de leitura da obra “Os Maias”, responda às seguintes
questões.

1. “— Sinto-me como se a alma me tivesse caído a uma latrina! Preciso um banho por
dentro!” Justifique este desabafo do Ega, dando conta do seu “desastre”. (20 pontos)

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2. Carlos assume também para si as palavras de Afonso: “Má estreia, filho, péssima
estreia!”. Comente esta sua reflexão. (20 pontos)

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3. Identifique, exemplificando, os três tipos de reprodução do discurso. (10 pontos)

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4. Verifique os recursos de estilo e comente a expressividade presente nos seguintes


excertos: (10 pontos)

“ a ser uma luz, uma força, mil outras coisas...”

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“faiscando de impaciência.”

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Correção

1. O adultério. O caso de Ega e Raquel Cohen. A descoberta do caso pelo marido. O estado
de espírito de Ega através da palavra “latrina”…

2. O diletantismo de Carlos. Os seus projetos- laboratório, consultório… a fraqueza de


espírito…

3. No texto, a azul (várias hipóteses).

4. Metáfora (luz) e enumeração, dando conta do que o Ega poderia ter sido e não foi…

Valor expressivo do verbo; metáfora. O Carlos estava como que iluminado pela
expectativa do recado que poderia receber…

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