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ANTHONY F. C. WALLACE2
Universidade da Pensilvânia
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culturais direcionavam seriamente sua atenção ao indivíduo. Os antropólogos rapidamente
consideraram estas psicologias aplicáveis a uma compreensão do indivíduo na cultura; e os
psicólogos e psicanalistas encontravam nos materiais culturais comparados (transculturais)
evidências corroborativas úteis para suas teorias. Mas a abordagem biológica mais
recentemente desenvolvida, embora ela ainda não tenha (mais, ou melhor, do que a
abordagem funcional) concedido/arranjado/providenciado um espectro de "curas" de tais
agrupamentos de doenças refratárias tais como a esquizofrenia e arteriosclerose cerebral, já
nos apresentou um corpo de conhecimentos considerável dos processos (neste caso, dos
mecanismos orgânicos) que estão implicados em ou, ou outro tipo de psicopatologia. Este
conhecimento deveria ser incorporado sem demoras, num esboço geral, no armamento
conceitual de todo antropólogo preocupado não somente com as doenças mentais, mas
também com o desenvolvimento normal da personalidade e seu funcionamento.
No atual momento as abordagens antropológicas dos temas relacionados à doença
mental, particularmente realizada pelos estudiosos da Escola de Cultura e Personalidade,
geralmente dependem de um simples paradigma: a sintomatologia da doença sob escrutínio é
considerada como sendo motivada por comportamentos que expressam conflitos psicológicos
e que em algum grau são efetivos na redução das tensões e ansiedades; os sintomas são
"interpretados" nos termos de algum esquema dedutivo que pretende expor o conflito (ao qual
frequentemente se presume ser inconsciente); Alguns Cultural Anlagen são observados no
comportamento sintomático; e finalmente, a fonte do conflito é procurada nos dilemas
cognitivos e/ou emocionais traumáticos impostos pela cultura da vítima; ou, ao invés disso,
ela atribui à psique da vítima uma habilidade virtualmente mágica de controlar o estado de seu
corpo, pressupondo acriticamente que quase toda expressão somática pode ser
satisfatoriamente explicada meramente pela asserção de um conflito intrapsíquico plausível e
concomitante. Até mesmo o posicionamento "psicossomático", que seja enfatizado, não é
"orgânico" no sentido acima apontado, pois ele procura a explicação dos transtornos
somáticos e comportamentais em condições antecedentes culturais e psicológicas, ao invés de
condições fisiológicas anteriores: por conseguinte, a úlcera é explicada atribuindo-se-lhe à
uma descarga autonômica ocorrida mediante conflito psíquico, e a existência do conflito
intrapsíquico é explicada fazendo-se referência a experiências de aprendizado culturalmente
partilhadas/produzidas (engrenadas, conjuntas), ao invés dos processos neurofisiológicos.
Por conseguinte, mesmo no que diz respeito às síndromes conhecidas aos médicos
clínicos Ocidentais e convencionalmente (ou então invariavelmente) concebidas como sendo
funcionais em sua etiologia, o pressuposto/a afirmação de que os determinantes biológicos são
negligenciáveis está se tornando cada vez mais perigoso/a de ser feito. Mas o antropólogo é
peculiarmente vulnerável à crítica quando ele emprega o paradigma funcional sem
qualificação para explicar formas exóticas de doenças mentais, tais como o pibloktoq dos
Esquimós Polares e a psicose windigo dos caçadores Algonquinos (Algonkian) do norte. Aqui,
além das dificuldades engendradas pela ambiguidade fundamental da teoria psiquiátrica
contemporânea a respeito dos papéis causais dos fatores psicológicos e orgânicos em
síndromes clinicamente similares, há (ou deveriam haver) graves incertezas introduzidas pelo
reconhecimento das condições climáticas, epidemiológicas (no que tange às doenças
infecciosas) e nutricionais extremas as quais povos tecnologicamente primitivos são por vezes
expostos (ver, por exemplo, a discussão de Tooth que até mesmo psiquiatras enfrentam, ao
empregarem critérios puramente comportamentais, em produzir um diagnóstico diferencial
entre esquizofrenia e determinados tipos de tripanossomíase na África Ocidental) (Tooth,
1950).
Todavia, este artigo não tem o propósito de aconselhar os antropólogos a abandonar
um dogma obsoleto a fim de que abracemos uma nova verdade científica. Ao invés disso, a
necessidade de incorporação de uma nova perspectiva numa tradição já existente será
observada. Que esta incorporação implicará em mudanças em algumas crenças e
procedimentos, já é esperado; mas o novo posicionamento teórico deve resultar numa forte
síntese, ao invés de um fraco substituto.
O leitor notará que a abordagem orgânica, tal como apresentada, não reivindica que
todos os estados mentais, atitudes, ou motivos indesejados necessariamente implicam numa
disfunção física; por conseguinte, evidências de hostilidade e ansiedade, defesas “neuróticas”,
suicídio, atuações anti-sociais, e assim sucessivamente, podem, a principio, ser produzidas por
cérebros que funcionam perfeitamente bem e que foram sujeitados a pressões ambientais
(incluindo-se comunicação insuficiente) para os quais estes “sintomas” são respostas
“normais”. Mas a abordagem orgânica difere da abordagem funcional ao reivindicar que um
cérebro funcionalmente adequado será capaz de se adaptar, ou reduzir, as pressões ambientais,
e que disfunções mentais crônicas são, não obstante, preponderantemente a conseqüência de
uma disfunção física crônica que existia antes do, ou independentemente da
supressão/cerceamento do organismo pelo ambiente. Uma teoria radicalmente funcional,
contrastivamente, atribuiria um papel bem menor aos fatores orgânicos enquanto agentes
causais a não ser nos casos de dano cerebral orgânico mais graves e óbvios; mas a maioria dos
funcionalistas provavelmente concederia/concordaria que o estresse psicogênico crônico
pode, em algumas ocasiões, evocar alterações fisiológicas, por vezes irreversíveis, que
agravam transtornos mentais funcionais (assim como o estresse psicogênico crônico pode
conduzir a transtornos mentais não-orgânicos tais como a úlcera duodenal).
Mais especificamente a abordagem orgânica pode ser dividida em áreas temáticas
centrais tais como:
Na sua forma mais simples o problema enfrentado pela teoria antropológica na área da
saúde mental pode ser ilustrado pela situação/caso da síndrome pibloktoq entre os Esquimó
polares do Distrito de Thule, ao norte da Groelândia. O curso clássico da síndrome, tal como
foi julgado/avaliado a partir de casos descritos por diversos viajantes do norte (MacMillan,
1934; Peary, 1907; Rasmussen, 1915; Whitney, 1911) e das fotografias de um ataque (Museu
de História Natural Americano, 1914), é tal como segue (entrevisto a seguir):
1. Prodrome. Em alguns casos um período de horas, ou dias é descrito e durante o qual a vítima parece
estar moderadamente irritada, ou retraída.
2. Agitação. Repentinamente, com pouco, ou sem aviso algum, a vítima se torna ferozmente agitada. Pode
rasgar suas roupas, quebrar móveis, gritar obscenidades, atirar objetos, comer fezes, ou desempenhar
outros atos irracionais. Normalmente ele abandona o lar e corre freneticamente na tundra, ou bloco de
gelo, atirando-se em montes de neve, escalando/subindo em icebergs, colocando-se, de fato, numa
situação de perigo considerável, de onde, todavia, as pessoas que correm atrás dele freqüentemente o
resgatam. A agitação pode persistir por alguns poucos momentos até aproximadamente meia hora.
3. Convulsões e estupor. A agitação é sucedida por convulsões e pelo menos em alguns casos, pelo
colapso, e finalmente por um sono paralisante, ou coma, que pode durar até doze horas.
4. Recuperação. Seguindo-se um ataque, a vítima se comporta de modo perfeitamente normal; há amnésia
em relação à experiência. Algumas vítimas apresentam ataques repetidos/consecutivos, sabe-se,
contudo, que outras não tiveram mais do que um somente.
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A descrição da síndrome pibloktoq está fundamentada numa compilação de descrições manuscritas publicadas,
tanto específicas, quanto generalizadas, produzidas por uma diversidade de observadores, desde as notas do
missionário Hans Egede de 1765 até notas (material escrito) da década de 1940. Dezessete fotografias de uma
mulher durante um ataque de pibloktoq em Etah foram tiradas por Donald MacMillan em Junho de 1914; nós
pudemos utilizar as cópias dos negativos originais no arquivo da Divisão Fotográfica do Museu de História
Natural Americano. Sou grato ao Sr. Robert Ackerman, meu colaborador na pesquisa sobre o pibloktoq, que
coletou boa parcela dos dados e contribui enormemente para sua interpretação; ao Dr. Zachary Gussow, que
gentilmente me permitiu o uso de seu manuscrito não publicado do pibloktoq; e ao Dr. Gilbert Ling, que revisou
e contribuiu para seu refinamento/sua melhoria.
1. Geográfico. Sabe-se que o Pibloktoq (ou, no idioma Dinamarquês, perdlerorpoq) ocorre entre os
Esquimó polares do Distrito de Thule. Se a mesma síndrome (independentemente de como a
chamemos) ocorre em outras/demais localidades nos é incerto. Hoygaard, numa análise dietética e
médica dos Esquimó Angmagssalik em 1936-1937 relatou que “Surtos histéricos acompanhados de
intensa agitação mental e física eram freqüentes, especialmente nas mulheres.” (Hoygaard, 1941: 72).
Contudo, parece que esta não foi observada entre os Esquimó Canadenses e do Alasca, sendo tampouco
certo que esta ocorra na Ásia, ou no Norte da Europa. Por conseguinte, nós só podemos dizer/afirmar
que ela certamente ocorre no norte da Groelândia; que ela provavelmente ocorre em outros lugares da
Groelândia; e que ela pode ocorrer em qualquer lugar do mundo. Se a síndrome deve ser considerada
uma aflição/doença exclusivamente polar ou dos Esquimós do Ártico, ou não, dependerá do quão
exclusiva/única é esta doença.
2. Sazonal. Os relatos descrevem casos ocorrendo durante/ao longo de todas as estações do ano, mas diz-
se que eles são menores no verão.
3. Histórico. Como poder-se-ia esperar, uma vez que os Esquimó Thule não foram visitados pelos homens
brancos até o ano de 1818, os registros de caso e descrições são recentes, as melhores delas datadas do
período das visitas de Peary aos Esquimó Polares na primeira década do século XX. Descrições
detalhadas foram providenciadas por Peary (1907) MacMillan (1934), Knud e Niels Rasmussen (1915),
e Gussow (1960), e outros cronistas familiarizados com os Esquimó Polares. Todavia, é provável que o
transtorno seja relativamente antigo na área. Desde meados do século XVIII, relatava-se que os
Groenlandeses do norte eram/estariam peculiarmente sujeitos/afeitos a “ficarem doentes/a doença das
quedas”. E em 1850 a tripulação do navio Kane encalhado no gelo e que já passava seu segundo
inverno ao norte de Thule foi afligida/afetada por uma estranha “doença epilética” que, combinada com
o escorbuto, matou pelo menos dois homens, incapacitou outros, e tornou seus cães inúteis (Kane,
1856). “Epileptóide” é uma frase descritiva razoavelmente precisa do pibloktoq.
4. Freqüência. Pibloktoq pode aparentemente alcançar proporções epidêmicas: oito dentre dezessete
mulheres Esquimó que se associaram/ajuntaram à expedição de Peary em 1908 foram afetadas durante
uma das estações de inverno; outros observadores alegaram que por vezes alguns casos pareciam ser
cotidianos numa única aldeia.
5. Não há especificidade racial. Como observado acima, diversos casos prováveis de pibloktoq dentre os
brancos diagnosticados com escorbuto foram observador por Kane e Hayes em 1850 na mesma região.
6. Possível ausência de especificidade quanto à espécie. “Convulsões” entre cães (“das neves”), com
retraimento social, rosnados, brigas, e convulsões, os quais freqüentemente acabavam em morte, são
considerados pelos Esquimó como sendo/consistindo na mesma síndrome, tendo recebido o mesmo
nome, pibloktoq, assim como o nome para os ataques humanos.
A HIPÓTESE DA HISTERIA
Uma hipótese alternativa e parcialmente biológica que explica o pibloktoq com igual
plausibilidade pode ser sugerida. Baixas concentrações de cálcio ionizado no sangue
(hipocalcemia) produzem uma síndrome neuromuscular conhecida como tétano, a qual é
freqüentemente complicada por desordens cognitivas e emocionais. Os sintomas neurológicos
do tétano incluem espasmos musculares característicos das mãos, pés, garganta, face, e
outras/demais musculaturas, e em intensos ataques com convulsões graves. A síndrome
tetânica pode ser provocada por estímulos triviais e freqüentemente é breve e esporádica, ao
invés de contínua (um tétano contínuo, é claro, seria fatal). Embora as informações
disponíveis nas fotografias e na literatura não sejam suficientes em si mesmas para
estabelecerem um/o diagnóstico, os sintomas do pibloktoq são compatíveis com o quadro
clínico de tétano hipercalcêmico, e diversas autoridades no assunto sugeriram a hipótese da
deficiência de cálcio (Hoygaard, 1941: 72; Bashuus-Jensen, 1935: 344, 388; e Alexander
Leighton numa comunicação pessoal). Seria necessário que tanto a observação, quanto a
realização de testes em campo confirmassem a hipótese da hipocalcemia excluindo, desta
feita, hipóteses alternativas (choque hipoglicêmico, histeria, intoxicação alimentar, vírus,
encefalite, etc.). Também é possível que uma tendência à epilepsia possa ter sido
geneticamente determinada em decorrência da endogamia ocorrida neste pequeno grupo
isolado; isto é sugerido nos relatos/nas descrições de que a epilepsia é mais comum no norte
da Groenlândia do que em qualquer outra parte da ilha/do continente. Contudo, as teorias da
hipocalcemia e da epilepsia não excluem uma à outra, uma vez que a hipocalcemia
provavelmente tenderia a provocar uma convulsão (convulsibilidade) latente em pessoas
propensas à epilepsia. A observação e teste (realização de testes) dos diagnósticos diferenciais
demandariam tanto a evocação de signos/sinais neurológicos nas vítimas durante os ataques,
ou nas pessoas com um histórico de ataques, quanto à realização de testes sanguíneos (por
meio de coleta de sangue das) vítimas e coleta de amostras séricas de cálcio, séricas de
potássio, e possivelmente de outros elementos (constituintes), de pessoas propensas ao
pibloktoq, e de pessoas livres do (que não apresentam propensão ao) pibloktoq.
Contudo, a plausibilidade da hipótese da deficiência de cálcio é apoiada não somente
pelas opiniões de determinadas autoridades, como também pela compatibilidade da síndrome
do pibloktoq com a síndrome do tétano hipercalcêmico. Esta hipótese é sugerida pelas
evidências indiretas, tanto médicas, quanto ecológicas.
Medicamente, os Esquimó da Groenlândia (incluindo-se os do Distrito de Thule) são
caracterizados por uma propensão à hemorragia e baixo nível de coagulação (sanguínea)
(Hoygaard, 1941: 83 – 85, e Cook, 1894: 172). Tal tendência ao sangramento/à sangria pode
ser/estar concebivelmente associada a baixos níveis séricos de cálcio (embora a deficiência de
vitamina K provavelmente tenda a conduzir/levar a/produzir esta condição). Em
Angmagssalik, as convulsões nos recém nascidos, que sugerem a hipótese do tétano
hipocalcêmico, foram descritas por Hoygaard como sendo freqüentes (Hoygaard, 1941: 78,
135), e Bertelsen observou num relato médico sobre os Esquimó da Groenlândia que havia
uma elevada freqüência de espasmos, especialmente nas pernas, até mesmo nos adultos
(Bertelsen, 1940: 216). Estas observações são reminiscentes da explicação oferecida por Kane
acerca da “estranha doença epilético-tetânica” que incapacitou sua tripulação ao norte de
Smith Sound em 1850. Ele diagnosticou dois casos fatais de “tétano” que apresentavam
espasmos na laringe (estes de fato poderiam ter sido casos de tétano hipocalcêmico que se
transformaram/evoluíram para um status eclampticus (convulsões graves com período maior
do que cinco minutos), dois casos fatais de “doenças epilético-tetânicas” e diversos casos de
espasmos e dores musculares, acompanhados por vezes de “sintomas mentais” de
desorientação e confusão, tanto nos cães, quanto nos seres humanos (Kane, 1856).
Ecologicamente, pode-se afirmar sem hesitação que a ecologia do (alto) ártico não
provê ricas fontes de cálcio nutricionalmente disponíveis durante todas as estações do ano às
populações tecnologicamente primitivas. Hoygaard descobriu que aproximadamente metade
do cálcio anual consumido em Angmagssalik era adquirida a partir de capelim seco (Mallotus
villosus, uma espécie de peixes pelágicos de pequenas dimensões da família Osmeridae),
(sendo que os ossos do capelim são comestíveis). Quando o capelim se encontrava disponível,
o consumo de cálcio era baixo, mas acima do nível asseverado pelas autoridades médicas
como sendo o mínimo para a manutenção da saúde. Mas sem o capelim seco (uma
circunstância que ocorria periodicamente como resultado da indisponibilidade do peixe, ou da
inadequação do clima para secá-los), a quantidade de consumo de cálcio bem abaixo do
mínimo (Hoygaard, 1941). Rodahl também descobriu que a dieta de determinados grupos de
Esquimó é relativamente baixa em cálcio (Rodahl, 1957). Em Thule, embora nenhuma
pesquisa dietética cuidadosa tenha sido encontrada, há descrições de que a baixa freqüência
da pesca decorre da escassez/carência de peixes e de que este não é capturado em quantidades
suficientes. Contudo, talvez como modo de substituir o capelim podem ser utilizados pássaros
– as “tordas anãs (Alle Alle)” – que, após armazenadas em óleo de foca, podem ser comidas
inteiras, incluindo-se, aparentemente, alguns dos ossos (MacMillan, 1918). Uma complicação
ecológica adicional pode decorrer da própria latitude elevada. O ser humano requer uma
quantia de vitamina D a fim de absorver e utilizar o cálcio consumido de modo eficiente (e
possivelmente também para metabolizar adequadamente os carboidratos). Esta vitamina é
formada na pele humana e animal quando a luz ultravioleta ativa determinados óleos que
contém colesterol. No alto/rigoroso ártico, contudo, uma combinação da baixa incidência do
ângulo solar durante o verão, um grande período de escuridão de inverno, e a necessidade de
roupas pesadas durante a maior parte do ano, deve impedir que o corpo humano sintetize uma
boa parcela de vitamina D (necessária). Se uma quantia adequada de vitamina D pode ser
garantida a partir da fauna marítima nesta latitude, é incerto. O óleo de foca contém quantias
significativas de vitamina D, mas, em Thule, os óleos de peixe ricos em vitamina D tais como
o óleo de fígado de bacalhau, provavelmente não constituem uma das principais fontes de
suprimento em decorrência da já antes citada escassez de pesca na região. A fim de resumir o
problema ecológico brevemente/sumariamente, mesmo que uma quantia adequada de
vitamina D se encontre disponível a fim de permitir máxima eficiência na absorção e
utilização do cálcio, ainda permanece altamente provável que algumas pessoas, em algumas
estações do ano, sejam incapazes de garantir uma adequada/elevada ingestão de cálcio de
modo a alcançarem os padrões médicos publicizados/estabelecidos. Se um consumo tão baixo
de cálcio for acompanhado com/de um consumo elevado de proteínas e potássio, as
conseqüências neurológicas serão intensificadas, e o elevado consumo de carne dos Esquimós
Polares envolve uma ingestão de grandes quantidades de proteínas e potássio.
Contudo, um (simples) fato, milita contra a hipótese simplificada da deficiência de
cálcio: a raridade com que foram descritos casos de raquitismo entre os recém-nascidos
Esquimós e de osteomalacia nos Esquimós adultos (por exemplo, nas mulheres grávidas e em
lactação) (Bertelsen, 1940). Estas são doenças nas quais, em decorrência de um consumo e
uso inadequado de cálcio, ou ambos, os ossos abdicam de seu cálcio ao sangue, e
eventualmente, à urina, com o afligido, doravante, gradualmente perdendo o cálcio do corpo à
custa do tecido ósseo. Em latitudes temperadas, o raquitismo e a osteomalacia normalmente
são prevenidos pelo consumo de leite, exposição à luz solar, e consumo de misturas
preparadas de vitamina D suplementar, como através do consumo do óleo de bacalhau e de
pílulas de vitamina D. Se formularmos a hipótese de que a dieta dos Esquimós contém pouco
consumo de cálcio, e talvez pouca vitamina D formada pela exposição à luz solar, como é que
não foram evidenciados casos de raquitismo? A resposta a esta questão requer outra hipótese
concernente ao funcionamento hormonal. Parece que se o consumo de cálcio, ou de vitamina
D, é cronicamente baixo no meio ambiente ártico, então a fisiologia dos Esquimós deve ter
sido forçada a “escolher” ao longo/através de diversas gerações entre o tétano e o raquitismo –
e, diferentemente de populações mais ao sul, acabou por escolher (adaptar-se ao) tétano como
sendo o menor dos males. (Mais precisamente, é claro, é o ambiente que selecionou a
alternativa fisiológica mais bem adaptada). O raquitismo e a osteomalacia seriam fatais numa
economia primitiva como a dos Esquimós por que elas são fisicamente debilitadoras. Ataques
esporádicos de tétano, mesmo que ocasionalmente danosos, ou até mesmo fatais, seriam
comparativamente meramente um incômodo. Doravante, a hipocalcemia requer o corolário de
que os Esquimós Polares e demais Esquimós tendem a apresentar um hipotiroidismo
moderado (ou, mais exatamente, novamente, que nesta matriz ecológica cultural, um
funcionamento adequado da paratireóide requer uma menor atividade do que seu
funcionamento mediante as condições estabelecidas pela prática médica americana e
européia). Tal hipotiroidismo (“hipoparatiroidismo”) poderia/deveria ser concebido como um
produto da seleção natural da/estabelecido pela/necessário à vida primitiva num ambiente
ártico, apresentando um tipo de equilíbrio hormonal que retém o cálcio nos ossos, mesmo
quando os níveis séricos de cálcio ocasionalmente diminuem. Há, de fato, algumas evidências
para apoiar/sustentar esta hipótese. Os extintos nórdicos medievais, ainda não pré-adaptados a
um rigoroso ambiente ártico e que se estabeleceram ao longo da costa oeste da Groenlândia, e
que finalmente se extinguiram/morreram e foram substituídos pelos não-raquíticos Esquimós,
efetivamente sofriam de raquitismo e osteomalacia (Maxwell, 1930: 20).
Mas se propusermos uma hipótese de hipocalcemia, ignoraremos a cultura Esquimó?
Certamente não. A consideração dos fatores culturais já está, de fato, implícita na hipótese tal
como anunciada. Esta hipótese jaz no pressuposto de que a tecnologia de subsistência é
“primitiva”, isto é, nesta aplicação do conceito, que as vitaminas manufaturadas e os
alimentos importados, ou especialmente processados e que contém cálcio não estão
disponíveis e que, aos caçadores, uma estrutura esquelética forte e não deformada (sem
deformidades) apresenta maior valor de sobrevivência do que a liberdade/liberação em
relação a ataques ocasionais de tétano. Estas características culturais tornam a população local
vulnerável a uma escassez dietética de cálcio e de vitamina D, selecionando/escolhendo o
sistema nervoso e muscular, ao invés do esqueleto/tecido ósseo, como o tecido alvo de
qualquer deficiência nutricional de cálcio, ou vitamina D.
Mas a cultura Esquimó também funciona de modo a minimizar, dentro dos limites
acima estabelecidos, a freqüência e gravidade dos ataques, via os costumes de acumulação,
processamento e armazenagem de grandes quantidades de pássaros ricos em cálcio (as “tordas
anãs”); da obtenção, preservação e do amplo uso de óleos de foca que contém vitamina D; do
hábito de despir-se e expor o corpo a luz do sol diretamente sempre que o clima o permitir; do
desmame tardio das crianças (doravante, garantindo-lhes o consumo máximo de cálcio através
do leite materno durante os períodos de vulnerabilidade ao raquitismo característicos da
infância); da garantia às mulheres grávidas (particularmente vulneráveis à osteomalacia) e às
crianças um acesso privilegiado a alimentos frescos e armazenados ricos em cálcio
(especificamente, as “tordas-anãs” e quaisquer tipos de peixe seco disponíveis), tornando as
mulheres e crianças os principais responsáveis pela captura dos pássaros e coleta dos ovos, e
(a julgar pelos tabus descritos para outros grupos de Esquimós além dos residentes do Thule)
pela manutenção de tabus alimentares que possuem o efeito de, em determinados momentos,
restringir substancialmente a mãe gestante, ou em lactação, de utilizar peixe seco, pássaros, ou
outros alimentos armazenados com alto teor de cálcio.
É possível que, a despeito de seu papel na etiologia, o costume Esquimó afete os
detalhes da sintomatologia observada. Na medida do possível, a fuga impetuosa do grupo
freqüentemente descrita durante as fases iniciais de um ataque podem refletir um traço de
personalidade comum entre os Esquimós: a retirada/recuo, ao invés da agressão, em situações
nas quais a confiança do individuo em sua habilidade de lidar com ela (tais ocasiões) foi
abalada. Tal tendência pode ser refletida no hábito dos homens Esquimós em abandonar a
caça de caiaque se sua confiança foi perturbada/alterada em algum momento (“fobia de
caiaque”); pela prática do kiviktoq, ou de “ir para as montanhas” para viver uma vida de
ermitão, aos homens e mulheres que igualmente se sentem rejeitados por suas comunidades;
pela disposição relatada dos mais velhos e enfermos/fracos em serem abandonados para
morrer; e pela ansiedade dos pais Esquimós em não perturbar a confiança de seus filhos,
mesmo quando brincam perigosamente, através da emissão de comandos negativos
frustradores. Tal interpretação psicológica – que é, em certo sentido, diretamente contraditória
à hipótese da histeria – se assenta no pressuposto de que qualquer disfunção neurológica
incipiente está suscetível à diferentes interpretações por parte da vítima e de seus
companheiros/associados e pode, não obstante, precipitar diferentes respostas observáveis, a
depender dos costumes particulares dos indivíduos e do grupo.
E finalmente, no que tange ao manuseio de casos de pibloktoq o costume Esquimó
obviamente desempenha um papel muito importante. Um ataque de pibloktoq não é
automaticamente considerado um sinal da incompetência geral do indivíduo. A vítima é, caso
necessário, é protegida de ferir a si mesma e aos outros/demais; outrossim, esta permanece
sozinha até que o ataque passe. O ataque pode ser alvo de bom humor e piadas
posteriormente, mas não é empregado para justificar restrições à participação social da vítima.
Em outras palavras, há pouco, ou nenhum estigma; o ataque é considerado/tratado como um
evento isolado ao invés de um sintoma de uma doença mais profunda/grave. Tal abordagem
fleumática, novamente, parece ter sido bem calculada a fim de minimizar quaisquer danos à
confiança pessoal do indivíduo, e, portanto, atuaria na prevenção do desenvolvimento de uma
invalidade (invalidação) psicológica crônica. O impacto sobre a cronicidade de tais
transtornos episódicos a partir de seu manuseio diferencial é bem ilustrado na história da
psiquiatria do combate (de guerra) americana, que entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra
Coreana atingiu/alcançou uma redução de 50% na taxa de psiconeuroses crônicas resultantes
de colapsos de guerra (neuroses de guerra – pós-traumáticas) simplesmente recusando-se a
tratar o colapso como um sintoma de doença (Glass, 1953).
N U
I T
N P
T
Nós igualmente pressupomos que entre quaisquer dois estados uma a cada quatro
relações de transferência pode ser concebida: nenhuma transferência possível (simbolizada
por um espaço aberto); transferência unidimensional ( ); transferência unidimensional ( );
e transferência reversível ( ). A definição dos estados e dos mecanismos de transferência
pode normalmente ser representada não graficamente, mas em tabelas anexas a fim de evitar
confundir/desordenar o gráfico com anotações/observações escritas. O leitor observará/notará
que quaisquer dois estados podem permanecer, em relação uns aos outros, como (sendo)
objetivos positivos e negativos que dependem de seu posicionamento/posição relativa na
dimensão de/dos valores/valorativa. Por exemplo, U pode ser um objetivo negativo para uma
pessoa que está/se encontra no estado N, mas um objetivo positivo para uma pessoa num
estado P. E finalmente, a depender das circunstâncias, estados adicionais podem ser
acrescidos ao modelo caso façam parte do mundo fenomenológico do sujeito individual, ou de
sua cultura.
Uma dada teoria da doença de um paciente pode ser inferida a partir de diversos tipos
de comportamento:
Estes, e outros dados, obtidos através de entrevistas gravadas com os pacientes e sua
família e companheiros, registros mantidos por assistentes sociais e terapeutas, observação
direta na enfermaria, e assim sucessivamente, permitem a classificação de conceitos e crenças,
e a elaboração de suas inter-relações na mazeway (estrutura cognitiva) do sujeito. O
investigador deve manter constantemente em mente que estas estruturas de crenças podem se
transformar e (isto freqüentemente é difícil) que é o sistema de crenças do sujeito (ou da
comunidade), e não a “verdadeira” condição do paciente tal como percebida pelo médico
clínico, que está sendo estudado (e caso o sistema de crenças do clínico estiver sendo
estudado, a validade das crenças do médico é tecnicamente irrelevante). O tédio de tal tarefa
não deve ser subestimado. Uma história de caso satisfatória, por exemplo, cobrindo eventos
diários durante meses antes da hospitalização, e durante a própria estadia no hospital, requer
uma checagem/avaliação ampla e uma verificação adicional (cruzada) com dezenas de fontes
de informação. O processo é comparável a compilação de dados para uma biografia.
Itens/elementos informativos discretos, selecionados a partir de diversas fontes, são
primeiramente ordenados cronologicamente e então por tópicos até que um processo
internamente coerente se apresente no qual as decisões e atitudes do sujeito estejam
demonstravelmente relacionadas à sua situação atual/efetiva e experiências passadas. Por
conseguinte, uma fonte pode revelar que numa determinada data o paciente, um católico
ritualmente fiel, foi incapaz de ir à missa; outra fonte pode demonstrar que no dia anterior, ele
tinha uma entrevista com seu pároco, que o aconselhou a exercitar sua vontade de poder e que
parasse de se entregar à autocomiseração; uma terceira fonte revela que na outra semana o
paciente foi visitar seu médico de família e recebeu uma prescrição de tranqüilizantes; e uma
quarta fonte finalmente demonstra que algum tempo durante a semana que precedeu a visita
ao padre, o paciente vivenciou um impulso ameaçador de matar/assassinar sua esposa e filho.
Estes detalhes se encaixam no padrão de um processo. Com um medo crescente e conseqüente
perda de autocontrole, o paciente, que ainda considera seu estado “irritadiço” como
moralmente incerto, procura por ajuda junto ao pároco; mas o conselho deste não o ajuda a
solucionar a incerteza, e então ele redefine sua situação como sendo de “doença”, a qual
requer atenção médica.
N D U P
S T
A definição dos estados, tal como fornecida na tradução de Callaway sobre os textos
Zulu (Callaway, 1931) é tal como se segue:
N: “Robusto”, com bom apetite, não muito seletivo em relação aos alimentos.
D: “Delicado, não tendo uma doença efetiva/real, mas encontrando-se delicado”.
A: “Doente”; seletivo em relação aos alimentos; perda de apetite; sofre dores vagas; sonhos ansiosos; possuído
por espíritos de ancestrais.
U: “Doente”, seletivo em relação aos alimentos; perda de apetite; sofre de dores vagas; sonhos ansiosos;
possuído por uma classe de espíritos conhecidos como Amatongo.
P: “Um tolo, incapaz de compreender qualquer coisa”, “louco”, “não um ser humano”.
T: Adoecimento da saúde continuado, insônia, perda de peso, doenças da pele, mas esperançoso em se tornar um
xamã.
S: Boa saúde física; o estado de ser um xamã, ou inyanga, i.e., um com a “cabeça leve” que, com o auxilio de
seus espíritos familiares dentre os Amatongo, desempenha o respeitável papel social de “adivinho” (aquele que
encontra objetos perdidos e médico de pessoas possuídas).
W: “Sempre mal de saúde”, incapaz de adivinhar, mas de uma sabedoria incomum, e capaz de trabalhar.
N U P
Ele firmemente reteve a crença de que o objeto de seus esforços consistia num retorno
ao seu self/sua ipseidade normal e pré-sintomática de bom marido e pai (N). Mas ele aceitou
T como um meio/uma parada necessário/a no caminho até N e como um meio de evitar o
estado alternativo P. Sua aceitação da existência e valor de T foi seguida quase imediatamente
de uma liberação para o departamento ambulatorial.
Por causa da ubiquidade dos principais tipos de doença/transtorno mental, e por causa
da incerteza em relação à compreensão etiológica, é perigoso classificar culturas como sendo
mais, ou menos, patogênicas no que diz respeito a qualquer doença mental em particular, ou
transtornos mentais em geral. Mas é muito provável, conforme o conhecimento sobre as
causas dos transtornos mentais for ampliado, que se tornará mais fácil de discernir a relação
entre cultura e etiologia. Portanto, pode ser que no futuro seja possível considerar a
frequência, distribuição, e formas de transtornos mentais numa sociedade como índice de sua
cultura. Mas no presente momento, a despeito da popularidade/ de determinadas hipóteses
fundamentadas em pressupostos psicodinâmicos sobre a relação entre cultura e transtornos
mentais, não é feasible que se estabeleça uma classificação fundamentada em processos
etiológicos demonstrados.
Contudo, é razoável sugerir que culturas podem, mesmo fundamentando-nos nos
conhecimentos atuais, ser classificadas no que diz respeito a tais respostas culturalmente
institucionalizadas a diversos tipos de transtornos mentais, tal como no caso da taxonomia e
das definições de doença mental fornecidas pela sociedade, sua teoria, ou suas teorias, sobre a
doença, e suas técnicas de terapia e sua lógica/racionalidade inerente. Tal classificação deve,
com efeito, formar uma matriz de intercessão de uma tipologia constante de transtornos
mentais (isto é, um a tipologia definida pelo investigador e utilizada como referencial
constante para o controle das comparações culturais comparadas [transculturais]). Os tipos
assim definidos podem, então, ser investigados a fim de se discernir se existe, ou não, uma
correlação entre o tipo de resposta e outros aspectos da cultura. Se for possível demonstrar
que tais correlações existem, então ao menos respostas aos transtornos mentais poderá ser
considerado um índice da cultura (cultural).
Evidentemente, um grande número de esquemas possíveis, com graus variados de
complexidade e abstração, podem ser criados, fundamentados em diferentes tipologias
constantes e diferentes painéis de respostas alternativas. Um sistema tipológico fundamentado
nas considerações teóricas introduzidas nas seções precedentes será esboçado aqui. Para a
tipologia constante, categorias diagnósticas não Ocidentais, mas as duas dimensões
dicotômicas da gravidade e da cronicidade serão utilizadas (moderado versus severo/grave, e
intermitente versus contínuo). Para a tipologia de respostas, duas dimensões utilizadas:
interpretações episódicas versus sintomáticas da doença, e tratamento versus extrusão como
método de lidar com a doença. Estas concepções podem ser adicionalmente definidas tal
como se segue: moderação e gravidade referem-se ao grau de anormalidade/desvio do
comportamento observável em si mesmo, e não sobre sua duração, ou frequência de
ocorrência; intermitência e continuidade referem-se à metades de um contínuo, a
intermitência consistindo na metade em que o transtorno pode ser caracterizado por ataques
discretos separados por intervalos de normalidade, e continuidade como sendo a metade na
qual o transtorno pode ser caracterizado por um período disfuncional sem interrupções.
Interpretações episódicas da doença confinam a atenção apenas ao transtorno observável em
si mesmo e o consideram um episódio isolado num programa de vida essencialmente normal,
enquanto que interpretações sintomáticas constroem o transtorno observável enquanto um
sinal de uma inadequação subjacente mais séria/grave que ameaça ocorrer novamente,
possivelmente numa forma mais indesejada, em ocasiões posteriores. O tratamento enquanto
método para lidar com a doença implica numa política de tentar curar, melhorar, ou tolerar
(mesmo ignorando-se o comportamento) e fazer o melhor uso da vítima, em contraste com o
método de extrusão, que através de dispositivos tais como o confinamento,
banimento/expulsão, ou até mesmo execução tenta livrar a sociedade inteiramente de um
partícipe incompatível. As dicotomias sugeridas são, é claro, divisões de continuidades, e as
distinções são mais fáceis de serem elaboradas nos casos extremos, do que o seriam nos casos
intermediários.Por conseguinte, uma série de ataques epiléticos é fácil de ser classificada na
tipologia constante como sendo intermitente, ou severa, e um caso de medos obsessivos de
altura como sendo moderado e contínuo; mas uma dada psicose esquizofrênica pode não ser
claramente contínua, tampouco notavelmente severa, e (mas) ainda assim, se contrastada com
a epilepsia, ou com o medo de altura, requer uma classificação contínua e severa/grave.
Todo o esquema pode ser representado no diagrama que se segue:
Intermitente Contínuo
Por conseguinte, qualquer grupo, no que diz respeito a qualquer síndrome dada, pode
ser classificado como consistindo em tratamento-episódico, episódico-extrusão (extrusivo),
tratamento-sintomático, ou sintomático-extrusão (extrusivo), dentro daquela célula que
caracteriza a síndrome com base numa tipologia constante. Se considerarmos o pibloktoq, por
exemplo, nós o classificaríamos como sendo intermitente-grave na tipologia constante, e o
manuseio (deste) realizado pelos Esquimós Polares como sendo um tratamento-episódico na
tipologia de respostas. A mesma síndrome no contexto, digamos assim, de uma das asas
operacionais (batalhões?) do Comando Aéreo Estratégico dos Estados Unidos também seria
considerada intermitente-severa/grave, mas o manuseio da condição seria considerado
sintomático-extrusão (extrusivo). E, novamente, esta mesma síndrome intermitente-grave no
contexto do campus de uma faculdade de letras e ciências humanas seria abordada ora através
de um tratamento episódico, ou sintomático.
O grande número de padrões culturais possíveis estabelecidos por este paradigma é
bastante amplo. Embora, no que diz respeito a qualquer síndrome singular/única (exclusiva),
apenas quatro tipos de respostas são considerados, sendo que para cada qual existem estas
quatro possibilidades. Por conseguinte, a quantia de padrões culturais possíveis é de 44 ou
256. Além do mais, é claro, qualquer descrição da maneira através da qual uma sociedade lida
com os transtornos mentais produzirá muitas distinções, até mesmo de tipo classificatório, que
não podem ser inclusas num esquema classificatório padronizado. Portanto, por exemplo, no
que diz respeito à classe de "tratamento", é possível se observar em qualquer descrição se a
condição em questão foi ignorada, se é reconhecida mas tolerada, ou se é diretamente
abordada por meios terapêuticos. Se a terapia for empregada, ela pode ser médica
(fisiológica), ou psicológica; e caso seja psicológica, ela pode ser secular, ou religiosa,
catártica, ou repressiva, e assim sucessivamente. Ao invés de tentar abarcar todos os 256
padrões, desconsiderando as elaborações e refinamentos adicionais desejáveis à qualquer tipo
de explicação descritiva, não obstante, parece ser útil obervar que dentre o grande número de
padrões possíveis, diversos deles destacam-se enquanto padrões de estoque (Stock) que, a
princípio, podem ser utilizados com o propósito da busca do estabelecimento da existência de
correlações entre o modo de um grupo lidar com transtornos comportamentais e outros
aspectos de sua cultura.
Quatro tipos de padrões ideais são oferecidos abaixo:
Sugere-se - não tanto com a esperança de que as sugestões convencerão, tanto quanto
provocarão pensamentos e considerações nos estudos/investigações empíricos/as de que estes
quatro padrões de respostas institucionalizadas aos transtornos mentais estejam associados a
tipos definidos de estruturas sociais. O padrão I, por exemplo, parece ser característico de
grupos de elite agressivos e que buscam o poder, geralmente auto-eleitos, sejam estes
relacionados à parentesco, poder militar, político, econômico, ou religioso. Estes grupos de
elite extrude (screen out - selecionam?) todas as pessoas com anomalias comportamentais
visíveis (sintomáticas de outras incapacidades possíveis/possivelmente ainda não reveladas) a
fim de manter uma organização maximamente confiável e efetiva. O padrão II parece ser
característico de comunidades pequenas e tecnologicamente primitivas que reconhecem o
transtorno como um sintoma de uma fraqueza oculta e ameaçadora apenas quando este é
contínuo, e que recorrerá à extrusão apenas quando esta for tanto contínua, quanto
severa/grave. O padrão III parece ser característico da civilização Ocidental pré século XIX:
todos os transtornos são sintomáticos, e todos os transtornos graves requerem extrusão. O
padrão IV, por outro lado, parece caracterizar a tradição psicodinâmica na qual a tradição
psiquiátrica Ocidental do século XX, e uma grande quantia de outros sub-grupos educados
das populações Ocidentais, que consideram todos os transtornos sintomáticos, mas que
igualmente consideram que todos os transtornos devem ser tratados, ao invés de eliminados
pela extrusão.
A falta de espaço não permite uma elaboração adicional destes conceitos; mas o
suficiente já foi dito, talvez, para indicar não somente os problemas na tentativa de criar uma
taxonomia de respostas às doenças mentais com valor de indexação cultural, mas também o
possível valor de tal taxonomia no estabelecimento de relações entre respostas aos transtornos
mentais e outros aspectos da cultura. Na medida em que estes padrões de respostas possuem
uma influência sobre o curso de diversas síndromes, seja qual for sua etiologia, uma
taxonomia deste tipo pode adicionalmente apresentar alguma utilidade enquanto índice
avaliativo de eficiência social ao lidar com problemas relacionados à transtornos mentais. Nós
podemos especular, por exemplo, que um grupo cuja resposta ao transtorno comportamental
consiste em considerá-lo enquanto sintomático de uma incompetência crônica subjacente e
ameaçadora, ao invés de um episódio num programa normal de vida (vital normal), induzirá
na vítima um sentimento de sua própria inadequação que é, em si mesma, diretamente
patogênica. Nós ainda podemos especular que seus esforços ansiosos em se defender afetarão
marcadamente/de modo impressionante a forma e o curso do transtorno em si mesmo. Se
estes esforços defensivos não forem direcionados no sentido de garantir uma terapia
validamente efetiva, então a pressão patogênica das definições culturalmente
institucionalizadas sobre e respostas à doença mental não serão compensadas. Em tais casos
infelizes, mesmo que a etiologia do transtorno fosse efetiva e completamente orgânica, a
cultura estaria desempenhando um papel na contribuição do processo de adoecimento mental.
CONCLUSÃO