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Fronteiras do imaginário:

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Considerações sobre a representação do indígena na literatura acreana

Myully dos Santos Sousa2


Universidade Federal do Acre (UFAC)

RESUMO:

Tendo como ponto de partida o romance Ressuscitados, do paraense Raymundo Moraes, e o poema
O Acre no universo, do professor indígena Jaime Llullu Manchineri, propõe-se uma breve leitura do
imaginário que cerca o ser indígena na literatura acreana. A personagem Corina, do romance de
Moraes, é uma índia pertencente ao grupo étnico Ipurinã, roubada de sua tribo ainda criança, quanto
de uma correria realizada pelos seringueiros nas matas da região do Purus – na Amazônia Acreana.
Uma análise apurada é capaz de revelar em detalhes, as possibilidades que tem a representação
literária em tecer personagens cujos contornos subjetivos fazem parte do imaginário das
comunidades amazônicas – que dizem acerca do aprisionamento de indígenas pelos seringueiros por
diversas razões, reafirmando as condições diaspóricas desses grupos étnicos que, para sobreviver,
ainda que precariamente, tiveram que partir para o enfrentamento com o não índio. De outro, mostra
o indígena despido da versão romanceada, heróica e receptível a outras culturas, trazendo à tona os
processos de resistências dessas tensas relações de diferenças. Num segundo momento, falaremos
brevemente do poema O Acre no Universo, do professor indígena Jaime Llullu Manchineri. O mesmo
é resultado de projetos que visam a educação dentro das aldeias a partir da realidade de cada povo.
A literatura é uma das ferramentas utilizadas para ensinar a língua materna e os conhecimentos
tradicionais aos mais jovens, além de ensinar a língua portuguesa. Vale ressaltar que há textos de
autores não indígenas, que são utilizados como “exemplos”. Nesse sentido busca-se identificar que
elementos denunciam esse contato com o outro, elementos quais resultam no que Hall (2003) chama
de identidade híbrida. Palavras-Chave: Fronteiras, Literatura, Imaginário, Cultura Amazônica.

Algumas considerações iniciais

Como a linguagem é um espaço de constantes diálogos, neste artigo farei uma breve análise
de dois gêneros literários (romance e poema) que, apesar de aparentemente serem distintos, podem
ser investigados sob a lente crítica das relações culturais. É sob o viés dos Estudos Culturais que
será definido o perfil da personagem do romance de Raymundo Moraes, Corina - símbolo do
deslocamento, que transita entre a sua cultura e a do não indígena, adquirindo novos costumes e
hábitos, mas que ao final opta por uma delas. Já no caso do poema, temos a definir o perfil de um
autor indígena que também transita, aparentemente com muita facilidade, em mundos diferentes ou
próximos ao seu, e que lança sobre a literatura a sua representação de mundo.
Entendemos por representação, o ato ou efeito de projetar, criar, encenar imagens sobre
espaços, pessoas, tempos, culturas. O texto literário, nesse sentido, é o espaço da representação
onde reinam os sentimentos da criação artística que acabam também por representar olhares
culturais capazes de traduzir certos espaços da memória cultural, tendo como pressuposto o seu
conhecimento de mundo a partir de sua experiência pessoal.
Roger Chartier, um dos historiadores de renome da atualidade, afirma que a representação
do mundo está atrelada à posição social dos indivíduos, portanto, é de caráter histórico. Construída
ao longo do tempo, as representações funcionam tecnicamente como uma estratégia de classe, onde

1
Publicado nos Anais do JALLA Brasil 2010. Niterói – RJ: UFF, 2010

2
Discente do Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade, da Universidade Federal do Acre. E-mail: myully@gmail.com
media suas relações com as demais classes sociais. O resultado que temos é, paralelamente, uma
verdadeira teia de relações sociais, onde cada classe elabora o real ao seu modo. Quanto ao
processo historiográfico, este também contribui para a “invenção”, no sentido da criação, das
identidades, visto que historia e ficção, na estrutura de um romance, entrelaça-se ao ponto de não
poder separá-las.
Na contemporaneidade não há mais como falar em identidade pura e fixa. Bauman (2005)
afirma não ser possível falar hoje numa identidade homogênea e pura, estável, muito menos em uma
cultura una. O que há é um sentimento de “pertencimento” e a identidade, em função da era líquida-
moderna, se apresenta fluida, compósita, móvel, em função das misturas etnoculturais.
“(...) o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos
para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio
individuo, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter
firme a tudo isso – são fatores cruciais...” (BAUMAN, 2005, p. 17)

Stuart Hall em sua obra “Da diáspora: identidades e mediações culturais” (2003) corrobora
com este ao afirmar que a identidade, antes definida como um estado imutável, fixa e pura, se
apresenta na modernidade, como uma identidade híbrida, formada a partir do contato e do
relacionamento com outras culturas.
Sob estes pressupostos, analisaremos a personagem Corina, do romance Ressuscitados
(s/d), e o poema O Acre no Universo, do professor indígena Jaime Llullu Manchineri, a fim de verificar
como são construídas as representações identitárias destes a partir de suas práticas culturais.
Queremos neste trabalho dar destaque às figuras dos indígenas (tanto no romance como no poema),
mas por estarem inseridos em contextos diferentes, tanto de produção quanto de recepção, surgem
as seguintes indagações, às quais procuraremos responder ao final do trabalho: como o indígena
aparece representado no romance e como ele (o indígena) representa-se no mundo através do
poema?
É importante frisar que, para este trabalho, fizemos um recorte teórico-metodológico quanto
ao romance, haja vista que nos debruçaremos somente sobre a análise da personagem Corina. Esta
delimitação se ancora no compreender os caminhos pelos quais se realizam a representação cultural
do mundo amazônico pelas andanças desta personagem. Para tanto, seguiremos os indícios do
pensamento de Roger Chartier (1991), cujo universo teórico mergulha nos rios da representação
cultural, e de Stuart Hall (2003), que trata da questão da identidade híbrida, composta a partir das
mediações e trocas culturais.

O indígena e a literatura

A Amazônia há muito é palco para diferentes tipos de narrativas, como por exemplo, nos
relatos dos primeiros viajantes à região, como o de Frei Gaspar de Carvajal, ou ainda nos relatos de
William Chandless sobre o Purus. Porém, é possível perceber na Literatura Brasileira, uma lacuna no
tocante às narrativas de expressão amazônica. Mesmo com temáticas concomitantes às narrativas
canônicas da Literatura Brasileira, as narrativas de cunho amazônico ficaram às margens.

Laélia Rodrigues da Silva, em Acre: Prosa e Poesia - 1900-1990 (1998) aponta para a
ausência de referências às manifestações literárias da Amazônia, em particular, do Acre, nas
diferentes fases da Literatura Brasileira. O paraense Raymundo Moraes é um dos primeiros escritores
que relata sobre o Acre e que valoriza a cultura indígena. Realiza o feito com a obra Ressuscitados:
romance do Purus, publicado na década de trinta. O romance é considerado como uma obra
psicológica e tem como enredo o amor não correspondido de um seringalista/seringueiro, José Alves,
por uma jovem índia Ipurinã, sua pupila, de nome Corina. A trama acontece nos tempos em que o
Acre ainda pertencia à Bolívia, em fins do século XIX, na região onde hoje está estabelecido o
município de Sena Madureira – Acre.

Outra vertente da literatura que tem aos poucos ganhado corpus na contemporaneidade é a
de autoria indígena. Como resultado dos cursos de formação para professores indígenas do estado
do Acre, a tradição que era passada de geração para geração, através da oralidade, hoje tem o
objetivo de ser perpetuada também através da escrita. O livro didático Antologia da Floresta:
Literatura Selecionada e Ilustrada pelos Professores Indígenas do Acre (1997) é um dos resultados
deste trabalho. A obra é o primeiro livro didático e literário criado para as escolas indígenas do Acre,
sob o objetivo de “melhorar” a prática de leitura dentro das aldeias. Elaborado pela Comissão Pró-
Índio do Acre – CPI-AC, e pela Organização dos Professores Indígenas do Acre - OPIAC, o livro
contém narrativas, poemas e desenhos, produzidos por professores de diferentes etnias do estado
(Kaxinawá, Yawanawá, Jaminawa, Katukina, Apurinã, Manchineri, Asheninka e Shawadawa). Contêm
ainda trechos, fragmentos de textos canônicos, como Iracema (1981), de Jose de Alencar, e o poema
Canção do Exílio (1980), de Gonçalves Dias, utilizados como exemplos (fonte).

“Os alunos podem ler esses textos, praticar mais a leitura. Ver as ilustrações, os títulos, o autor
que escreveu o texto, ler o texto inteiro, entender o que o texto fala. E fazer a dramatização
junto com os seus colegas da escola. Com este livro podemos apresentar teatro, entender a
imagem e a maneira de dizer no pensamento. Isso é a energia da compreensão do texto e da
língua não indígena.” (PROFESSORES INDIGENAS DO ACRE, 1997, p.7)

É nesse sentido que compreendemos que a literatura é palco para representações de


experiências de vidas. É nela que se ensejam sensibilidades, atitudes que encenam (representam)
mundos, o seu mundo.

O poema e o criador

Jaime Llullu Machineri nasceu em Pampa Hermossa, no Peru, em 1966, e está no Acre
desde 1985. Aprendeu a ler e a escrever ainda criança no Peru. Atualmente é professor indígena e
mora na região do Iáco, mais precisamente na aldeia Jatobá, na Terra Indígena do povo Manchineri,
no município de Sena Madureira – Acre. É descendente da etnia Piro, que possuem costumes e
família lingüística bem próxima a dos Manchineri brasileiros, o que lhe possibilitou transitar, com
muita desenvoltura, nestes diferentes espaços socioculturais. Lullu participa do projeto Vídeo nas
Aldeias (formação de cineastas indígenas) e trabalha atualmente no registro da memória dos poucos
anciões do seu povo que recordam das tradições. Ao participar dos cursos de formação para
professores indígenas do Acre e do Sul do Amazonas, Jaime escreveu o poema O Acre no universo,
publicado pela Comissão Pró Índio do Acre – CPI/AC, em 1997 no livro Antologia da Floresta:
literatura selecionada e ilustrada pelos professores indígenas do Acre. Nele, Manchineri projeta,
através da literatura, a sua representação de Acre.
O Acre no universo, de Jaime Llullu Manchineri
Viajando como satélite, no mais alto do alto,
Vejo o Acre com uma cor atraente: verde, amarelo.
Todos os astros luminosos iluminam o Acre.
Da lua vejo todos os rios que no Acre tem.
Aparecem brilhantes como se fossem fogo com chamas.
A floresta do Acre parece ter cabelos compridos, lisos,
Bem bonitos e penteados pela natureza acreana.
Todas as estrelas que existem no universo são fêmeas.
E todas elas olham o Acre.
No poema, assim como no romance de Raymundo Moraes, é possível identificar alguns
elementos que marcam o indígena, agora de uma perspectiva diferente: a de criador. Ao
observarmos a escrita do indígena peruano vamos identificar a presença de elementos que
denunciam seu contato com a diferença. Numa primeira leitura, intuímos como temática central o
estado do Acre. Mas, ao fazermos uma leitura mais aprofundada, percebemos que o poeta apresenta
a concepção do seu real.

Para começar, ele se coloca na condição de viajante. Não do mundo físico, mas de uma
dimensão cósmica, pois viaja como satélite. Considerando que povo Manchineri utiliza da bebida
ayahuasca, conhecida também como “cipó dos espíritos”, durante seus rituais religiosos, para se
transportar para a dimensão dos espíritos, pode-se ainda relacionar essa transição de mundos ao uso
do cipó. A bebida induz aos usuários a terem visões de cunho pessoal, chamadas de mirações.

Do 1º ao 4º verso, o eu lírico faz uma descrição da visão que tem, ou seja, do Acre. Sabe-se,
de senso comum, que as estrelas e a lua têm um papel relevante dentro da cultura dos povos
indígenas. Assim, a presença desses elementos reflete a forte presença do mundo rela do poeta: o
mundo indígena. Há ainda nestes versos, a presença de elementos que se ligam a um possível
sentimento patriótico, quando diz: “Vejo o Acre com uma cor atraente: verde, amarelo.” Neste
momento ele desenha o Estado conforme as cores da bandeira, revelando resíduos de outras
leituras, como de poetas e romancistas do período nacionalista (Gonçalves Dias, Oswald de Andrade,
ou ainda José de Alencar – todos utilizados na bibliografia do livro Antologia da Floresta, ou seja,
utilizados durante o curso de formação para professores indígenas). A partir do 6º verso o eu lírico
passa a representar outro elemento: a floresta. Ao dizer: A floresta do Acre parece ter cabelos
compridos, lisos, / Bem bonitos e penteados pela natureza acreana”, ele especifica de qual
floresta trata e a personifica, dando a esta floresta acreana um perfil feminino. É preciso entender que
o poeta não a relaciona com qualquer mulher, mas a projeta com características da mulher indígena,
pois em grande maioria são mulheres que tem cabelos longos e lisos. Nos últimos versos, onde diz
“Todas as estrelas que existem no universo são fêmeas.\E todas elas olham o Acre”, o poeta
indígena traz a noção de universo, algo infinito, e lhe relaciona com a feminilidade. Onde todas elas
estão com atenção voltada para o Acre, o centro.
Como o leitor deve se lembrar, ainda na introdução deste trabalho, indagamos como o
indígena representa-se no mundo através do poema. Portanto, diante do que foi exposto, é possível
afirmar que o indígena já está representado sob o simples fato de ser ele o autor, pois atribui sentidos
ao território do Acre com base em suas experiências pessoais (ayahuasca, floresta e pratica de
leituras diferenciadas). A representação do indígena também está no próprio poema, quando
metaforicamente identifica a floresta acreana com a mulher indígena. Todos estes elementos
destacados e comentados denunciam o contato do poeta com outras culturas, com outros costumes e
tradições. Este contato agrega, ou como diz Hall (2003), fragmenta a identidade do ser, e ela, a
identidade, antes considerada sólida e una, agora passa a ser identidades, ou seja, plural, híbrida,
construída a partir do contato e relacionamento com outras culturas, resultado de negociações e de
trocas socioculturais entre os diferentes povos.

O romance e a criatura

Tratando do romance de Moraes, o título “Ressuscitados” remete-se e nomeia àqueles


(poucos) seringueiros que enriquecem nos seringais e consegue retornar às suas terras natais ou à
outra cidade qualquer. Ao visitar as cidades, ricos e atrapalhados, não sabem como se comportar e
sem saber defender-se das extorsões. Para a “civilização” eles são àqueles que ressuscitaram do
imenso inferno verde, ou paraíso verde, mediante a ilusão de adquirir riquezas facilmente naquele
lugar.
O romance tem como enredo o amor não correspondido de um seringalista/seringueiro, José
Alves, por uma jovem índia Ipurinã, sua pupila, de nome Corina. Após ser “educada” em Belém, sob o
incentivo financeiro do seringueiro, casa-se com este em Belém e volta para o Acre. Ao chegar
reencontra seu irmão de sangue Japiim e conhece Cauré, líder de “sua tribo”. Depois de muitos
“conflitos” de cunho psicológico (como no desejo de aprender mais sobre os costumes de seu povo
ou ainda no isolamento da menina durante as viagens do marido), Corina abandona o marido e volta
para os seus. O marido rejeitado fica inconsolável. Monta uma espécie de exercito com os
seringueiros da região e ruma à tomada da esposa. Durante o ataque, os Ipurinãs revidam ao mesmo
nível, inclusive Corina. Certo momento, a munição dos seringueiros acaba e estes fogem,
abandonando seu líder em meio a batalha. José instigado pelo desejo de matar o amante instiga um
duelo ao qual Cauré aceita, e ambos partem para o confronto direto. José Alves vence a batalha ao
estrangular Cauré.
A índia Corina ao ver o seu amor morto fica transtornada e da sua tapera lança a derradeira
flecha envenenada, que crava no peito do marido. Corre em direção ao amante ferido que morre logo
em seguida em seu colo. Ao ver o olhar “sarcástico e galhofeiramente cruel” de José Alves,
paralisado pelo veneno, dá um “salto de onça” e agarra o cano de um rifle que estava perto e
“desfecha com todas as suas forças um golpe no crânio do marido.”

“Logo os miolos escorreram. A cara se lhe transformou numa posta sangrenta. Corina vibrou-
lhe ainda outro golpe, pisou-lhe o rosto, cuspiu-lhe, apostrofou-o, estava horrivelmente sinistra.
Era agora uma das próprias Fúrias, uma das Gorgonas, tentando talvez metamorfosear em
pedra a carne daquele maldito que lhe matara o amante. Delirava em torno dos despojos de
José Alves. Ia e vinha olhando-o furiosa, à espera sem dúvida que lhe acudisse à lembrança
algum suplício que fizesse urrar de dor o morto. Dando, todavia, com o Cauré estendido no
chão, foi outra vez para ele, mudando-se de novo na imagem duma soros Pudibunda. Suas
mãos piedosas acariciavam a cabeça ensangüentada do amante. Nisto chamou Japiim, tal se
lhe houvesse ocorrido alguma idéia. Convidou o irmão a carregar o corpo, e, como se levasse
ali o seu grande tesouro, os seus anelos e a própria alma, desapareceu na floresta. Nunca
mais ninguém soube dela.” (MORAIS, s/d: 318)

Ao criar a personagem Corina, o autor rescinde com os padrões canônicos e esta surge como
a representação da resistência. No capitulo XVII, quando Corina vai embora do seringal durante uma
das viagens do marido, o romancista estilhaça com a representação do indígena romântico, como
mostrado nas obras Iracema e O Guarani, ambas de José de Alencar.
Corina deixa uma carta ao marido, onde alega que casara apenas por gratidão achando que
iria amá-lo, mas ao contrario, o repudio lhe crescia todos os dias. Os estudos que fizera sobre a
história de seus antepassados e sobre a região amazônica, lhe fizera enxergar “que havia um
abismo, um grande abismo étnico, desde os tempos remotos (questão histórica) e ela estava
se rendendo a ele”. Corina demonstra ser desprendida do dinheiro, pois nada levara ao sair de
casa pela madrugada, nenhum objeto, nenhuma peça de roupa, saíra literalmente nua, como sinal do
desejo de anular a cultura do outro em si. A resistência ao outro também é mostrada ao termino do
romance, onde Corina, totalmente readaptada à sua cultura primeira, é deslocada da identidade de
“branca” e assume a identidade Ipurinã ao matar a sangue frio o marido, Jose Alves, em defesa de
seus parentes. Assim, Moraes também cria um herói indígena, mas de uma maneira diferente: que
não morre ao final da batalha com o branco, mas que sai triunfante da arena.
Sabe-se que o encontro entre índios e não índios foi um processo tenso, marcado por lutas,
embates, sangue, mortes, apagamento e silenciamento de milhares de vozes. Mas, conforme a
analise proposta, é possível perceber que a personagem indígena Corina, tem sua identidade raiz
estilhaçada, diluída pelos processos sociais, sob o intuito de moldá-la nos padrões da sociedade não
indigena.Essa transição cultural possibilita que sua identidade vá se compondo de outras leituras, de
outros textos, agora re-significados em sua realidade. O resultado é uma identidade hibrida,
negociável e móvel, como se refere a teoria de Hall (1998), que diz: “ (...) a identidade muda de
acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática,
mas pode ser ganhada ou perdida.'' ( p. 21). Assim, Corina, detêm múltiplas identidades, no sentido
de ser atravessada por diferentes culturas e textos, e ainda representa a resistência de uma raça
diante da presença da alteridade.
Quanto ao poema, a representação oferecida é a de um indígena na condição de autor, ou
seja, é ele quem projeta no poema a sua representação de mundo a partir de suas vivencias,
individuais ou em grupo (educação nas aldeias). Além disso, representa ainda a floresta acreana e a
mulher indígena, numa relação de muita proximidade. O transito entre as culturas peruana, brasileira
e ainda indígena faz com que o autor indígena, seja um ser fluido, marcado pelas trocas culturais e
pela mobilidade de identidades, enquanto membro de um grupo. Bauman afirma que essa fluidez
identitária resulta em uma identidade completamente liquida.
(...) nessa época liquido - moderna, o mundo à nossa volta está repartido em fragmentos mal
coordenados, enquanto as nossas existências individuais estão fatiadas numa sucessão de
episódios fragilmente conectados. Conseqüência da instabilidade: todos pertencemos a varias
comunidades e temos, por isso, varias identidades. Elas flutuam no ar: algumas, de nossas
próprias escolhas, outras impostas. “Sentir-se em casa” exige um preço considerado alto a fim
de constituir o “eu postulado” (BAUMAN, 2005, p. 18-21)

Nesse sentido, retomamos a idéia inicial deste trabalho. A idéia de que a literatura é palco
para representações de experiências de vidas. E é a partir dela que a cultura, o imaginário, a
linguagem e a identidade de um povo são legitimadas. As identidades por sua vez, são forjadas a
partir das construções sociais, produzidas e refletidas no corpo. Já o corpo é resíduo de identidades,
resíduo de outras pessoas, de outros textos, re-significados, e que deve ser pensado como um
espaço que vai se compondo de outros “eus”, como malhas que vão se entrelaçando e formando, no
final, uma rede de diferentes “células” etnoculturais, onde tudo isso resulta em uma cultura plural,
mas que apresenta singularidades culturais distintas e que representa olhares e lugares distintos.

Referencias

BAUMAN, Zygmund. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchio. Carlos Alberto Medeiros (trad.). –
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Revista Estudos Avançados da USP. 5 (11): 173-
91, 1991.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
MAHER, Terezinha de Jesus Machado. Ser professor sendo índio: questões de linguagem e
identidade. – SP: Universidade Estadual de Campinas, 1996. Tese de doutorado.
MORAES, Raimundo. Ressuscitados – romance do Purus. - São Paulo: Melhoramentos, s/d.
PROFESSORES INDIGENAS DO ACRE. Antologia da Floresta: literatura selecionada e ilustrada
pelos professores indígenas do Acre. – Rio Branco: CPI, 1997.

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