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NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA

NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
na experiência da observação, nos fatos e na prática, mais que em
Prof. Adriano Augusto Placidino Gonçalves opiniões e argumentos. É interdisciplinar e portanto formada pelo
diálogo de uma série de ciências e disciplinas, tais como a biologia,
Graduado pela Faculdade de Direito da Alta Paulista – FA- a psicopatologia, a sociologia, a política, a antropologia, o direito, a
DAP. criminalística, a filosofia e outros.
Advogado regularmente inscrito na OAB/SP A Criminologia é uma visão de 360° sobre os seus objetos, não
apenas uma visão de “Ser contra” ou a “Favor” de uma punição,
desenvolvendo linhas de raciocínio e ultrapassando a linha do senso
3. NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA comum. Trabalha com dados de fatos passados e não é conclusiva,
3.1 CRIMINOLOGIA: CONCEITO, dando subsídios as ciências penais.
MÉTODO, OBJETO E FINALIDADES
Objetos:
- Ser Humano e sua imprevisibilidade.
- O Infrator.
A criminologia é ciência moderna, sendo um modo específico - As determinantes endógenas e exógenas.
e qualificado de conhecimento e uma sistematização do saber de - A Vítima.
várias disciplinas. A partir da experimentação desse saber multidis- - O Controle Social.
ciplinar surgem teorias (um corpo de conceitos sistematizados que
permitem conhecer um dado domínio da realidade). Métodos:
Enquanto ciência, a criminologia possui objeto próprio e um ri- - Empirismo.
gor metodológico (método) que inclui a necessidade de experimen- - Interdisciplinaridade (Sociologia, Psicologia, Ciências Exatas,
tação, a possibilidade de refutação de suas teorias e a consciência etc).
da transitoriedade de seus postulados. Ainda que interdisciplinar é - Trabalha com fatos sociais e individuais.
também ciência autônoma, não se confundindo com nenhuma das
áreas que contribuem para a sua formação e sem deixar considerar o Quando nasceu, a criminologia tratava de explicar a origem da
jogo dialético da realidade social como um todo. delinquência, utilizando o método das ciências, o esquema causal e
Objeto da criminologia é o crime, o criminoso (que é o sujeito explicativo, ou seja, buscava a causa do efeito produzido. Pensou-se
que se envolve numa situação criminógena de onde deriva o crime), que erradicando a causa se eliminaria o efeito, como se fosse sufi-
os mecanismos de controle social (formais e informais) que atuam ciente fechar as maternidades para o controle da natalidade.
sobre o crime; e, a vítima (que às vezes pode ter inclusive certa Academicamente a Criminologia começa com a publicação
culpa no evento). da obra de Cesare Lombroso chamad “L’Uomo Delinquente”, em
A relevância da criminologia reside no fato de que não existe 1876. Sua tese principal era a do delinquente nato.
sociedade sem crime. Ela contribui para o crescimento do conheci- Já existiram várias tendências causais na criminologia. Baseado
mento científico com uma abordagem adequada do fenômeno cri- em Rousseau, a criminologia deveria procurar a causa do delito na
minal. O fato de ser ciência não significa que ela esteja alheia a sua sociedade, baseado em Lombroso, para erradicar o delito deverí-
função na sociedade. Muito pelo contrário, ela filia-se ao princípio amos encontrar a eventual causa no próprio delinquente e não no
de justiça social. meio. Um extremo que procura as causas de toda criminalidade na
Os estudos em criminologia têm como finalidade, entre outros sociedade e o outro, organicista, investigava o arquétipo do crimi-
aspectos, determinar a etiologia do crime, fazer uma análise da per- noso nato (um delinquente com determinados traços morfológicos).
sonalidade e conduta do criminoso para que se possa puni-lo de for- Isoladamente, tanto as tendências sociológicas, quanto as orgâ-
ma justa (que é uma preocupação da criminologia e não do Direito nicas fracassaram. Hoje em dia fala-se no elemento bio-psico-social.
Penal), identificar as causas determinantes do fenômeno criminóge- Volta a tomar força os estudos de endocrinologia, que associam a
no, auxiliar na prevenção da criminalidade; e permitir a ressociali- agressividade do delinquente à testosterona (hormônio masculino),
zação do delinquente. os estudos de genética ao tentar identificar no genoma humano um
Os estudos em criminologia se dividem em dois ramos que não possível “gene da criminalidade”, juntamente com os transtornos da
são independentes, mas sim interdependentes. Temos de um lado violência urbana, de guerra, da fome, etc.
a Criminologia Clínica (bioantropológica), esta utiliza-se do méto- De qualquer forma, a criminologia transita pelas teorias que
do individual, (particular, análise de casos, biológico, experimen- buscam analisar o crime, a criminalidade, o criminoso e a vítima.
tal), que envolve a indução. De outro lado vemos a Criminologia Passa pela sociologia, pela psicopatologia, psicologia, religião (nos
Penal (sociológica), esta utiliza-se do método estatístico (de grupo, casos de crimes satânicos), antropologia, política, enfim, a crimino-
estatístico, sociológico, histórico) que enfatiza o procedimento de logia habita o universo da ação humana.
dedução. Como em outras ciências, também em criminologia se tem ten-
Neste contexto, podemos definir a criminologia como um con- tado eliminar o conceito de “causa”, substituindo-o pela ideia de “fa-
junto de conhecimentos que se ocupa do crime, da criminalidade tor”. Isso implica no reconhecimento de não apenas uma causa, mas,
e suas causas, da vítima, do controle social do ato criminoso, bem sobretudo, de fatores que possam desencadear o efeito criminoso
como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá- (fatores biológicos, psíquicos, sociais...). Uma das funções princi-
-lo. Etmologicamente o termo deriva do latim crimino (crime) e do pais da criminologia é estabelecer uma relação estreita entre três
grego logos (tratado ou estudo), seria portanto o “estudo do crime”. disciplinas consideradas fundamentais: a psicopatologia, o direito
É uma ciência empírica e interdisciplinar. É empírica, pois baseia-se penal e a ciência político-criminal.

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Outra atribuição da criminologia é, por exemplo, elaborar uma movimentos socialistas têm considerado o delito como um efeito
série de teorias e hipóteses sobre as razões para o aumento de um derivado das necessidades da pobreza. Outros teóricos relacionam a
determinado delito. Os criminólogos se encarregam de dar esse tipo criminalidade com o estado geral da cultura, sobretudo pelo impacto
de informação a quem elabora a política criminal, os quais, por sua desencadeado pelas crises econômicas, as guerras, as revoluções e
vez, idealizarão soluções, proporão leis, etc. Esta última etapa se faz o sentimento generalizado de insegurança e desproteção derivados
através do direito penal. Posteriormente, outra vez mais o criminólo- de tais fenômenos. No século XX, destacam-se as teorias elaboradas
go avaliará o impacto produzido por essa nova lei na criminalidade. por psicólogos e psiquiatras, que indicam que cerca de um quarto da
Interessam ao criminólogo as causas e os motivos para o fato população reclusa é composta por psicóticos, neuróticos ou pesso-
delituoso. Normalmente ele procura fazer um diagnóstico do crime as instáveis emocionalmente, e outro quarto padece de deficiências
e uma tipologia do criminoso, assim como uma classificação do de- mentais. A maioria dos especialistas, porém, está mais inclinada a
lito cometido. Essas causas e motivos abrangem desde avaliação do assumir as teorias do fator múltiplo, de que o delito surge como
entorno prévio ao crime, os antecedentes vivenciais e emocionais do consequência de um conjunto de conflitos e influências biológicas,
delinquente, até a motivação pragmática para o crime. psicológicas, culturais, econômicas e políticas.
Define-se também, em regra como sendo o estudo do crime e do Ao lado do desenvolvimento das teorias sobre as causas do
criminoso, isto é: criminalidade. A Criminologia, o estudo do crime delito, são estudados vários modelos correcionais. Assim, a antiga
e dos criminosos, dentro de um recorte causal, explicativo, infor- teoria teológica e moral entendia o castigo como uma retribuição à
mado de elementos naturalísticos (psicofísicos). Não é uma ciência sociedade pelo mal cometido. Jeremy Bentham procurou que hou-
independente, mas atrelada à Sociologia, à apreciação científica da vesse uma relação mais precisa entre castigo e delito e insistia na
organização da sociedade humana. Ao lado da Sociologia, se mostra fixação de penas definidas e inflexíveis para cada classe de crime, de
numa condição de contrastante de ‘‘uma das mais jovens e uma das tal forma que a dor da pena superasse apenas um pouco o prazer do
mais velhas ciências’’ delito. No princípio do século XX, a escola neoclássica rejeitava as
Jovem e livre até da rotulação relativamente recente do respec- penas fixas e propunha que as sentenças variassem em função das
tivo vocábulo, um termo híbrido, por Augusto Comte, do latim so- circunstâncias concretas do delito, como a idade, o nível intelectual
cius, amigo ou companheiro, e do grego logos, ciência. Velha, uma e o estado psicológico do delinquente. A chamada escola italiana
vez que a análise da vida gregária dos seres humanos já era praticada outorgava às medidas preventivas do delito mais importância do
de vários modos pela Antropologia, bem antes de sua aparição no que às destinadas a reprimi-lo. As tentativas modernas de tratamen-
panorama cultural. to dos delinquentes devem quase tudo à psiquiatria e aos métodos
Não é tarefa fácil para a Criminologia lidar com a delinquência de estudo aplicados a casos concretos. A atitude dos cientistas con-
constantemente sofisticada, assim como com a violência, que hoje temporâneos é de que os delinquentes são indivíduos e sua reabili-
se banalizou. Para ficar mais a par do itinerário, e dos atalhos, que tação só poderá ser alcançada através de tratamentos individuais e
conduzem ao delito, sobretudo nos agregados sociais urbanos de específicos.
densa população, a Criminologia precisa traçar uma tática eficaz. Entretanto, há na ciência, Criminologia, já um acervo com que
A criminologia, não trata unicamente da pessoa humana, porque o se deve contar, para ir em demanda das novas rotas que se nos de-
homem é o agente do ato antissocial, mas sobre este agente exis- param. E esse acervo já vem sendo colhido em longas décadas de
tem várias causas e muitas ainda desconhecidas, que modificarão o estudo e de meditação, armazenando largos cabedais que consti-
caráter essencialmente humano ou antropológico do fenômeno. A tuem uma bibliografia inumerável, na qual, ao lado de muito joio,
criminologia é e deve ser considerada de acordo com a maioria dos excelentes contribuições se podem contar. Todavia, alguns menos
estudiosos do assunto, uma ciência pré-jurídica, sua matéria de es- ansiosos por avançar sempre na procura da solução de múltiplas in-
tudos é o homem, o seu viver social, suas ações, toda sua evolução, cógnitas que ainda nos enfrentam, creem desde logo de assentar a
como espécie e como indivíduo. Para um estudo completo de crimi- Criminologia em bases suficientemente estáveis.
nologia devemos estudar tanto a filosofia, sociologia, psicologia, e a O crime apresenta uma transformação, ou ampliação, que de
ética. Esta última, que vai à base moral da humanidade, daí deve-se uma forma aceitavelmente denominada “normal”, se projeta hoje
entender melhor o que é essa Moral; pois o Código Penal apoia-se para configurações que poderiam ser consideradas “anormais”.
sobre a moral. Apenas se deve ponderar que essa atual anormalidade assim se nos
Esta ciência social que estuda a natureza, a extensão e as causas apresenta por não terem podido estar os gabaritos normativos acom-
do crime, possui dois objetivos básicos: a determinação de causas, panhando sempre as transformações psico-sociais que a época atu-
tanto pessoais como sociais, do comportamento criminoso e o de- al oferece, dada à tumultuosa evolução dos sistemas de vida e das
senvolvimento de princípios válidos para o controle social do delito. colisões sociais. E daí desde logo nos apresenta um dos problemas
Desde o século XVIII, são formuladas várias teorias científicas para básicos da Criminologia: é que ela se desenvolveu a partir do Direito
explicar as causas do delito. O médico alemão Franz Joseph Gall Criminal, mas, por assim dizer, disciplinada, ou jungida, às condi-
procurou relacionar a estrutura cerebral com as inclinações crimi- ções penais e, ainda, demarcada, em seus horizontes, por uma finali-
nosas. No final do século XIX, o criminologista Cesare Lombroso dade que ia mais às situações pós-delituais, e avança preferentemen-
afirmava que os delitos são cometidos por aqueles que nascem com te para os aspectos punitivos e, depois, recuperados do delinquente.
certos traços físicos hereditários reconhecíveis, teoria refutada no Desta sorte, há uma Criminologia ainda hoje definida como um
começo do século XX por Charles Goring, que fez um estudo com- ramo subsidiário do Direito Penal, e que serviria mais para a correta
parativo entre delinquentes encarcerados e cidadãos respeitadores aplicação desse mesmo Direito; visaria ela ilustrá-lo com os conhe-
das leis, chegando à conclusão de que não existem os chamados cimentos que se foram adquirindo quanto à pessoa do criminoso, às
“tipos criminais” com disposição inata para o crime. Na França, condições do crime dentro da dinâmica delituosa e da eventual moti-
Montesquieu procurou relacionar o comportamento criminoso com vação do ato antissocial, inclusive pela incorporação da vitimologia
o ambiente natural e físico. Por outro lado, os estudiosos ligados aos hoje de tanta nomeada nos círculos científicos.

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Tratar-se-á de uma Criminologia que se poderá denominar de solvido, e que só mais um ângulo, de abertura estreita, no caminho
pragmática e que, na escala do conhecimento, sempre definida como cada vez mais longo da via causal do delito. E como já foi dito,
sendo de posição pré-jurídica. A partir dos Códigos, e atendendo ao novas pílulas foram se acrescendo, até à diencefalose, criminógena,
seu espírito, busca essa Criminologia oferecer ao aplicador da Lei até aos conjuntos cromossômicos aberrantes (XYX, XXY etc.), até
os meios mais efetivos e esclarecidos para que o cumprimento dos às indagações citoquímicas, enzimáticas, até... aonde puderem ser
dispositivos penais se torne mais cientificamente apoiado e infor- levadas as observações mais agudas de campos cada vez mais miú-
mado. dos e estreitos.
Nessa mesma ordem de aplicação científica dos conhecimentos Mas desde logo se percebe que a solução bio-criminogenética
criminológicos se situou o nosso sábio legislador de 1940 quando, é um dédalo em que se tem perdido a ânsia de resolver o problema
no já citado artigo 42 do Código Penal, ainda vigente, preceituou apenas por esse lado. E, ademais, desde logo se verificou que só o
que o Juiz, para aplicar a pena, deverá atender “aos antecedentes e à exame do “uomo delinqüente” não bastava, visto que ele era tam-
personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos bém produto do meio. E a Sociologia se aplicou também aos estu-
motivos, às circunstâncias e consequências do crime”. dos criminogenéticos, dando origem á Sociologia Criminal, que se
Aí estão, pois, as vias da Criminologia pragmática, auxiliar do arrogava, por sua vez, a pretensão de Ter em si a solução sempre tão
Direito, para assessorá-lo, em matéria de sua competência, e visando ambicionada. Já vinha, aliás, de Platão, este pensamento precursor,
a personalização do tratamento penal. Como nem sempre se pode “atribuindo os crimes à falta de educação dos cidadãos e má organi-
realizar este exame do delinquente antes do julgamento, momen- zação do Estado”, como lembrava oportunamente Afrânio Peixoto,
to esse que seria idealmente o ótimo pra o levar a efeito, e como em sua “Criminologia”. Com Durkhein, Ferri, Lacassagne, Tarde,
é determinado pela Lei, segundo ficou registrado, quando menos Turati, Bataglia, Lafargue, Bebel... desenvolveu-se esta escola que
deve essa análise do criminoso ser posta de triagem suficientemente opunha, ao falar biológico, a gênese social dos delitos. E houve, in-
capaz de apreciar a pluridimensional personalidade do agente an- crivelmente, um dissídio que pretendeu, cada um do seu lado, impor
tissocial. E dessa análise deverá surgir a orientação a seguir no trata- a conclusão de que o fator mesológico, ou o fator biológico, é que
mento, para melhor perspectiva de êxito do mesmo, desde que bem determinava prevalentemente o crime. Só mais tarde, e agora mais
adequado à personalidade do delinquente e às várias opções que se lucidamente, é que veio a prevalecer o princípio de uma globaliza-
ção de todos os chamados fatores criminogenéticos que, num caso,
ofereçam dentro do sistema penitenciário existente.
podem oferecer predomínio da influência mesológica, num outro
Além desta Criminologia pragmática, ainda e sempre ao lado
caso, podem apontar a biologia como sobressalente, e, em muitos
do Direito, para servi-lo nas suas indagações sobre a criminogênese
outros, se verificava certa equivalência na atuação de tais fatores.
dos fatos delituosos, poder-se-á colocar a Criminologia especulati-
Mas sempre se reconhecendo, em todos os casos, a presença de am-
va, causal da genética, que teria uma posição para-jurídica, cuidan-
bos esses fatores, como desde Ferri, já se fazia patente. Daí resultou,
do da grande ambição de todos os criminólogos, ou seja, de indagar
até, uma classificação de criminosos, que tem feito sucesso, e que é
e identificar as causas da criminalidade.
absolutamente natural em sua formulação.
É a grande meta que os estudos criminogenéticos têm como Mesmo quando muito se haja batendo neste caudal das pos-
alvo e que, se acaso lá pudéssemos aportar, nos levaria, quiçá, um síveis causas do delito, tanto no campo da biologia, quanto no da
dia, a poder aplicar, com total sucesso, o velho preceito, que dita: mesologia, ainda devemos confessar que a gênese delitual continua
“sublata causa tollitur effectus” ideal fagueiro dos estudos crimi- a oferecer pontos penumbrosos. De onde, as palavras de Roberto
nológicos, mas que tem sido ainda a miragem fugidia de todas as Lyra Filho.
esperanças causal-explicativas do delito. É que não há fatores específicos para o crime, que o venham a
Recorde-se, ainda uma vez, que, inicialmente, houve a fase bio- ocasionar dentro de um determinismo irreversível - nem do ponto de
lógica estricta; a Somatologia criminal, com os seus tipos lombro- vista endógeno, nem dentro do ângulo exógeno. Essa identificação
sianos, pretendeu fornecer a primeira chave para abrir a incógnita de causas específicas, como se fossem sintomas patagnomônicos,
criminogenética, chegando-se até à abstração do criminoso nato, era a grande ambição do lombrosianismo, para desde logo caracteri-
que não chegou a vingar. Recolhidos os contributos desta fase, pros- zar os criminosos. Ao início de sua carreira, tinha o sábio de Turim
seguiram as esperanças quando se iniciou a era endocrinológica, de essa visão: “um periodista francês, Laveleye, que o conheceu neste
que nos dá informação assaz completa a monumental obra de Ma- estágio de sua crítica científica, registrou a seguinte impressão sobre
riano Ruiz-Funes, Mestre espanhol que, na Faculdade de Direito da o emérito investigador, tocada de laivos de ironia:” Apresentaram-
Universidade de São Paulo, proferiu o curso “Endocrinologia Y cri- -me esta noite um jovem sábio desconhecido, chamado Lombroso;
minalidad”, de 1929, que marcou época pela amplitude e segurança fala de cenas caracteres pelos quais se poderia reconhecer facilmen-
de seus conceitos. Esta fase funcional das endocrinias, por vez, deu te o delinquente. Que útil e cômoda descoberta para os juizes de
ensejo à concepção biotipológica, já integrada do tipo humano vi- instrução...
vente, e que logo se desenvolveu para a Biotipologia criminal. E Buscava-se, então, a solução de um problema de conduta huma-
a cada passo, novas esperanças, mas acompanhadas do reconheci- na sem atentar holisticamente para o autor desse tal comportamento.
mento de que era mister da Psiquiatria forense, a então recente con- Não só a disputa de primazias bio ou mesológicas, como também,
cepção freudiana, mais euforia dominou o campo da criminogênese e principalmente, a exclusão do núcleo ético da personalidade, en-
- e a Psicanálise criminal dava a entender que tudo estava resolvido tre os núcleos de geração do ato antissocial, levaram a decepções
a partir de então. no campo da caracterização naturalística das causas do delito. E só
O que estava a se verificar era o entusiasmo que cada “pílula mais moderadamente se volvem as mentes dos criminólogos para
científica”, cada nova fresta entreaberta, parecia anunciar-se como uma conceituação mais globalizadora da gênese delital, incluindo
fórmula final para a solução da incógnita criminogenética. Mas, a todos os elementos com que se deve contar: os chamados fatores cri-
cada nova esperança, depois se verificava que nem tudo estava re- minogenéticos, e também os fundamentos éticos da personalidade,

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sobre os quais agem exatamente aqueles fatores. O “cientificismo” Por isso, e para isso mesmo, deve ser considerada também, ao
(expressão com que se busca denominar a falsa posição de uma ci- lado da Criminologia pragmática (pré-jurídica) e da Criminologia
ência daltônica que não sabe ver senão o seu estreito espectro de especulativa (para-jurídica), uma Criminologia crítica ou, melhor,
visada) deve-se curvar à evidência de que, se podemos falar, como dialética, ao estilo do que o propõe Roberto Lyra Filho, a cuja po-
dizia Di Túllio e, fatores crimino-impelentes, devemos também sição seria de colocação metajurídica. Esta Criminologia dialética
reconhecer, por parte daquele núcleo ético, a existência de fatores deve propor a si mesma um estudo das mutações do conceito so-
crimino-repelentes. O ato antissocial só resultará se, à ação dos ditos cial da vida humana. Se voltarmos ao início destas considerações,
falares que impelem para o crime, se somar à ação consensual do nú- e nos recordarmos de que há uma criminalidade nova, devemos
cleo ético da pessoa sobre a qual eles agem. Daí que é necessário não consequentemente ter a decisão de rever os valores sociais, éticos
nos fixarmos somente na Biologia criminal e na Sociologia criminal, e jurídicos, em face da sociedade tecnocrática em que ingressamos,
olvidando que, em cada pessoa, o que realmente a caracteriza como para buscar as formas adequadas para uma reformulação, inclusive
ser humano é a existência, ainda e sempre vigente, de um arbítrio. estrutural, das condições anuais da vida humana.
Não é ele livre na existência do homem, como o é era sua essência: Evidentemente, a tripartição da Criminologia em seções, prag-
mas é sempre, em certa medida capaz de enfrentar a ação dos fatores mática (pré-jurídica), especulativa (para-jurídica) e dialética (me-
criminogenéticos, E porque, às vezes, cede é que se faz mister julgar tajurídica), não quererá significar, de forma alguma, que haja uma
o homem inteligentemente, a fim de saber até onde e como agiram separação estanque entre esses departamentos; antes, eles se entro-
os referidos fatores, e até que medida e de maneira o núcleo moral sam e entre si estabelecem uma linha de plena fusão. Apenas, em
consentiu, ou se dobrou, à ação dos ditos fatores. graus sucessivos, procura-se ampliar progressivamente o estudo e
O reconhecimento de uma avaliação globalizante das condições o conhecimento da dificílima e ampla ciência que é a Criminologia,
personalíssimas de cada criminoso, em razão desse conjunto ora re- para chegar até a formulação de princípios que solucionem os in-
ferido, leva a um neo-ecletismo penal. Assim, só será válida a retor- trincados problemas da vida contemporânea e prevejam as possíveis
nada da gênese criminal se, às causas endo e exógenas, soubermos rotas a seguir para uma prevenção mais efetiva dos conflitos huma-
anexar o núcleo sobre o qual elas agem, ou seja, a essência ética nos, profilaxia essa que é o alvo supremo das cogitações, e que deve
da personalidade, sem cuja consideração a criminogênese clássica, pretender chegar até às próprias estruturas e valores fundamentais, a
ou ortodoxa, cairá na decepção de que nos falava Afrânio Peixoto.
fim de advertir quanto à conveniência ou necessidade de se realizar
Como entender a ação de fatores criminogenéticos sem os coligar à
as mudanças possíveis e indicadas para se avançar no objetivo de
pessoa humana, e ao núcleo dessa pessoa no qual, enfim, se delibe-
uma Justiça Social mais efetiva. E só a partir de uma base que con-
ra? Atualmente, tomadas mais humildes, e sábias, por isso, as pre-
sidere realisticamente, mais instruidamente, os fatos fundamentais
tensões criminogenéticas naturalísticas, pode-se passar àquele neo-
da vida humana hodierna, com todas as suas especificações mais
-ecletismo penal, em que, como causas, se escalonam as ambientais,
compreensivas da conduta dos homens, e não ficar só na obsessão de
as bio-psíquicas e as éticas (ou volitivas, em termos de deliberação,
saber como lutar mais efetivamente contra o delito já praticado, em
ou de arbítrio).
Então, só se podendo caracterizar o ratio crime se, aos fatores termos de penitenciariarismo, supostamente ressocializante. Assim,
endo e exógenos, se associar o fato ético, esta tripeça, bio-psiquis- se fará a macro-criminologia de que nos fala, sábia e oportunamente,
mo, mesologia e anuência ética, deverá ser considerada como o con- usando expressões trazidas das Ciências Econômicas, Roberto Lyra
junto indispensável para se poder falar em delito, em seu sentido Filho, indo, então, mais além da micro-criminologia que se atém ao
mais exato, científico e compreensivo de um complexo pessoal que âmbito de estudo apenas do crime e do criminoso.
só assim se constitui completamente. No que se refere à Criminologia especulativa, sem dúvida al-
É desse fato fundamental, mas que se tem mantido sem a devida guma, necessita-se do seu estudo pormenorizado, fazendo sentir
conotação consciente de seus elementos constitutivos, que decorre o quantas informações úteis se recolhem na análise pluridimensional
neo-ecletismo penal, o qual proclama estas verdades basilares, sem que busca das causas do delito, não só em sentido casuístico, e em
as quais a Criminologia nunca alcançará uma formulação mais inte- perspectiva globalizadora, em fluxo analítico-sintético, como tam-
ligente a adequada das suas postulações. bém em sentido de generalização dos conceitos que daí decorreram,
Desde que integremos estas noções, de que, na gênese crimi- desse conhecimento individualizado, para prudentes considerações
nal, devem ser considerados os falares bio e mesológicos, e tam- gerais. Dentro desse estudo, outrossim, é necessário deixar bem pa-
bém o falar ético leva-nos a admitir, todavia, uma separação das tente que cada delinquente deve ser considerado em seu contorno si-
capacidades que podem apreciar e decidir sobre a forma de atuação tuacional, de modo a permitir uma avaliação dos fatores que possam
e sobre a ordenação dos seus respectivos valores. É que os fatores explicar a sua conduta, e daqueles que a possam justificar, ou não.
bio-mesológicos, que procuram explicar a gênese criminosa, são de Ou seja, sopesar ambos os campos em que se desenvolve a atuação
apreciação criminológica estrita; ao passo que o fator ético, onde se humana, o daquele que sofre a ação dos fatores bio-psicológicos e
insere a condição que procura justificar a origem do delito, só pode sociais, e o daquele em que se manifesta o fator deliberativo, em ra-
ser apreciada pela capacidade do Juiz. Daí, surge aquela distinção zão do arbítrio, à luz da ética exigível dentro do “mínimo de moral”
do Prof. López-Rey Y Arrojo, ao recordar que se deve distinguir que se espera para a conduta humana.
precisamente entre o que tende a explicar, daquilo que pode justi- Por fim, no que se projeta dentro do campo imenso e intensa-
ficar uma conduta antissocial. Se escusável, ou não, só o Juiz pode mente sedutor da Criminologia dialética, há que ensejar um amplo
decidir, mas para tanto, deverá ele atender às causas aferíveis que debate em busca, ansiosa e plena de inquietude interrogativa, do
podem explicar porque a deliberação humana tenha sido mais ou quanto se possa vislumbrar dentro da avaliação epistemológica do
menos comprometida pela influência dos fatores criminogenéticos que, em verdade, possa continuar a ser admitido e respeitado, e do
endo e exógenos; e até que o ponto ético teria sido consensual com quanto se deva ciente e conscientemente entender objeto de modifi-
a prática criminosa. cação, de reformulação.

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É evidente que, por sua mesma posição de ciência auxiliar do Disciplina, outrossim, não quer significar despersonalização,
Direito, a Criminologia só poderá ir ao ponto de oferecer a sua co- amolgamento da vontade, submissão passiva a outrem, e coisas des-
laboração, sem pretender dogmatizar, o que seja uma atitude, aliás, se tipo. Com disciplina quer-se significar a conjugação daquilo que
contrária ao espírito íntimo dessa disciplina especulativa e de in- somos, em todos os nossos atributos e prerrogativas, com a neces-
vestigação científica. Mas, se for válida esta atitude, estudar mais sidade da convivência, que sempre impõe necessárias limitações e
afincadamente esta Ciência Criminológica, para poder oferecer uma normas. O que define uma sociedade é justamente uma unidade de
cooperação cada vez mais instruída e idônea, e sacar dela prestimo- ordem, que põe sentido, pragmatismo e possibilidade de sobrevivên-
sas conclusões. cia, de todo um grupo, mas que não pode abolir necessariamente a
Recorde-se que a referida definição assim soa: pena é “o trata- personalidade de cada um, antes até lhe dá condições de preservação
mento compulsório ressocializante, personalizado e indeterminado”. e permanência. Sem essa unidade de ordem, a vida seria insuportá-
Retira-se dessa definição um conceito acolhedor da mais atu- vel e o caos social só seria de esperar. E aquilo que se poderia enten-
alizada doutrina neo-eclética, iniciando-se por caracterizar a pena der como liberdade individual, sempre tão ardorosamente defendi-
como tratamento. A introdução dessa expressão, hoje de livre curso da, até além dos seus convenientes limites, desapareceria, envolvida
para os próprios jus-penalistas, desde logo dá a demonstração de a pessoa no turbilhão em que não poderia sequer sobreviver. Daí que
como a influência médico-psicológica foi levada avante e com plena a unidade de ordem é indispensável à própria liberdade, garantindo-
aceitação, em certos aspectos, pelos cultores do Direito. Nos nossos -a, ainda que disciplinando-a.
dias, já não causa espécie o emprego dessa palavra, que traz em seu Disciplinado, em que sentido? No de união, conjugação, coo-
bojo um conteúdo de índole médica, antropológica, clínica. peração de esforços e de sacrifícios para o bem comum. Sem esse
Fala-se, pois, em tratamento como um processo a que deve ser princípio, a liberdade seria licenciosidade, a pessoa passando a ser
submetido o criminoso e que visa corrigir os defeitos, que possa uma vítima da solidão que essa própria liberdade então imporia, pois
haver apresentado em sua personalidade. É claro que o termo até que viver em sociedade é, essencialmente, conviver (com equivale a
ultrapassa, de muito, o que em si mesmo quereria traduzir, desde que junto, e conviver significa viver junto).
esse tratamento às vezes em nada será médico, podendo ser apenas Essa disciplina social precisa ser ensinada e reestruturada em
pedagógico, ou social. E sempre deverá admitir parâmetros jurídico- cada criminoso. O seu crime nada mais é do que um ato, afinal,
-penais sob os quais ainda e sempre deve permanecer a aplicação de indisciplina. É mister que o ensino do respeito e da integração
da Justiça, segundo o venho defendendo dentro do neo-ecletismo dessa disciplina social seja ministrado subjetiva e objetivamente ao
penal. delinquente. E até com um cuidado muito zeloso, eis que o crimi-
Assim, tratamento será a pena, dentro do amplo conceito ora noso, ao deixar a prisão, certamente vai encontrar uma sociedade
expendido, em que entra a atividade médica propriamente dita, mas diversa daquela que ele deixou ao iniciar o cumprimento da pena, e
em que, ao lado dela, entra também a pedagogia, o cultivo de uma isso devido ao vertiginoso desenvolvimento da era presente. Desta
profissão e que a pessoa humana tem de considerar, como “animal forma, acompanhando esse desenvolvimento, é indispensável que o
gregário” que é, e que lhe impõe o estabelecimento dessa Inter-rela- regime penitenciário coloque com o devido cuidado e com a neces-
ção. E isso deve assim ocorrer para que o ser humano, no conjunto sária sapiência um sistema disciplinar que prepare o delinquente a
complexo da sua personalidade, seja deveras tratado lá onde o exigir compreender que, sem aquelas limitações indispensáveis para a ma-
a frincha que permitiu a maior influência crimino-impelente, seja nutenção desse regime de convivência, sem essa obrigatória disci-
essa debilidade de ordem somático, fisiológico ou cultural, além de plina, ao voltar ao convívio social, este lhe imporá, como resultante
ética. da sua própria essência, aquelas e até novas limitações.
A prática tem demonstrado que a “prisão não cura, corrompe”, Esse regime disciplinar começa por impor ao criminoso um
segundo a frase feita que já corre mundo. Mas se a prisão ainda as- tratamento compulsório, isto é, um regime que não é adotado es-
sim se apresenta, é apenas porque ela não se deixou embeber do seu pontaneamente, mas que se é obrigado a aceitar e a seguir. Haverá aí
legítimo sentido e da sua verdadeira meta. um certo ressabio aflitivo, e até retribuitivo. Mas não há mal algum
Para que a distorção do tratamento não venha a ocorrer na pri- em que se mantenha, na dose adequada, esse caráter também, desde
são, levando-a para a perversão moral, é que tanto se está lutando que, enfim, o criminoso é submetido a esse tratamento a partir de
no campo da doutrina para iluminar uma prática mais sadia. E o que um ato antissocial que praticou, em que foram feridos interesses,
aqui se vem dizendo, quanto ao tratamento, visa exatamente uma valores, normas, de importância para a manutenção da comunidade.
prisão que não corrompa, que não destrua mais o que deve recons- E até hoje existe uma corrente que tende para uma revisão do ex-
truir. E este último alvo é, sem dúvida, possível, para os legítimos cesso de liberalidade em termos de regime penitenciário, com uma
penalistas, cônscios, em verdade, da ciência a que servem. também excessiva preocupação com o welfare of the offender, como
E enfim, fale-se em tratamento, sempre como alvo que se suce- se só o bem-estar do delinquente importasse e fosse o motivo e a
de ao conhecimento da personalidade e ao reconhecimento das suas razão de ser dos sistemas penitenciários. Esta preocupação mereceu
possíveis falhas, deficiências ou defeitos. um justo reparo por parte do Prof.López-Rey Y Arrojo, que não dei-
Ainda dentro desse tratamento, deve-se considerar o seu papel xou de criticar esse erro em colocar tanta ênfase naquilo que deve
disciplinador, ou seja, criar ou desenvolver no delinquente a neces- ser apenas um dos aspectos a considerar no regime prisional, mas
sidade basilar de integrar, em sua maneira de ser, uma estrutura dis- não o principal, nem o essencial. E que não pode fazer descuidar o
ciplinatória de todas as suas vivências, tomando-as sintônicas com a que é primordial, que será sempre a recomposição de uma perso-
convivência, obrigatória, a que somos levados pela própria natureza nalidade, inclusive pela compreensão que ela deva integrar quanto
da nossa vida social. ao erro cometido, pelo qual deve responder moralmente também. E

Didatismo e Conhecimento 5
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
então, neste neo-ecletismo penal que deve prevalecer nas modernas Na prática, é admissível, porque necessário, que se façam estes
perspectivas da Criminologia, não se pode descartar uma retomada grupos de tipos afins. Mas não se creia que essa seja a maneira ideal
de posição quanto a estas implicações éticas do tratamento peniten- de enfrentar e resolver o problema terapêutico penal, desde que, bem
ciário, no qual se deve menosprezar o campo moral do problema, em no âmago dos fatos, está o ser humano, único em seu perfil e na sua
termos de tratamento. colocação perante a circunstância ambiental.
Há aqui toda uma infinita problemática penitenciária, que de- Como, todavia, será impraticável uma distribuição dos delin-
penderá das possibilidades efetivas de cada país e região; mas sem- quentes indo até uma personalização assim tão exclusiva, é admitida
pre se devendo manter uma certa segurança e atenção para com o a divisão dos estabelecimentos penais em diversos tipos, dentro dos
tipo especial de população com que se vai lidar, sem nos deixar se- quais se enquadrarão, mais ou menos de acordo com os seus perfis
individuais, os diversos tipos de personalizados de criminosos.
duzir por facilitações generosas, mas imprudentes, e sem deixarmos
Mas não se deixe de dizer que, feita a triagem de acordo com as
de considerar que, no início de tudo, sempre se parte de uma ação
várias possibilidades que se ofereçam á administração penitenciária,
antissocial praticada, cuja responsabilidade moral cabe a, quem a e enviados os criminosos para os vários tipos de estabelecimentos
efetivou, sem excusa bastante para ela, como o julgamento o deve mais adequados às suas características pessoais, em cada um desses
haver definido. Nunca os regimes penitenciários devem assumir li- estabelecimentos poder-se-á, e se deverá, ir mais longe na persona-
beralidades excessivas, e até às vezes anunciadas quase com exces- lização, a partir dos grandes grupos considerados.
so, que toca as raias de uma espécie de propaganda. Recentemente, De um ponto de vista ético, todavia, não deve se afastar esse
o noticiário dos canais de televisão deu conhecimento de suas peni- tratamento: deve ele dar ao criminoso, sem que assim ele se sinta
tenciárias que se projetam em cidades do Interior de São Paulo, com deprimido, ou deformado, ou mesmo sensibilizado, a noção da ne-
tantas vantagens para o welfare of the offender (piscinas, quadras cessidade da sua recuperação moral, desde que o ponto de partida da
de vários esportes, enxadrismo, cinema, TV, etc.) que o locutor de sua ação agressiva contra a sociedade se reconheceu sempre no ani-
um dos canais, causticamente, comentou: o problema que está sur- mus que pôs ao serviço da mentalidade criminosa de que se deixou
gindo é o número excessivo de telefonemas para essas cidades, de assenhorear o seu espírito. Tudo o mais que se possa fazer do ponto
numerosos interessados em saber o que é necessário realizar para se de vista médico, psicológico, pedagógico em um enfoque holístico,
ingressar e obter vagas nessas instituições... enfim, ressocializante, deve-se apoiar na base de uma sólida, tão só-
A justiça, que hoje vê bem e julga melhor, deve cercar-se de lida quanto possível, reconstrução ética da sua personalidade. Se não
serenidade, competência e profundo conhecimento, para saber o que houver a mudança da mente (a metanoia, dos gregos), se não houver
deve ser feito de melhor, mas sempre com a extrema seriedade, que a sideração da vontade no sentido de se robustecer a âmago anímico
da personalidade, tudo o mais pode entrar em falência, pode a qual-
a superioridade da sua posição de suprema sabedoria e equanimi-
quer momento ser, de novo, submetido às forças crímino-impelentes
dade deve saber atender e impor. Não é conveniente esse caráter
e por elas dominado, e a reincidência se manifestar.
que, às vezes, assume uma inautêntica ciência penitenciária, de uma Portanto, dê-se a ênfase maior na reeducação e no fortalecimen-
pieguice falsa e quase consensual com o delito e o delinquente. O to do núcleo moral da personalidade; ou seja, daquele núcleo que é o
tratamento deve visar o reforço da intimidade anímica do criminoso, que define exatamente a natureza humana de que somos participan-
robustecendo caracteres, e não alagando os autores de condutas que tes. A partir daí, então, dê-se ao tratamento todo o conteúdo de um
já foram agressivas para a sociedade, e que se necessita evitar que processo reeducativo, recuperador, ressocializante, indo alcançar
reincidam na cedência da vontade. E, para tanto, use-se a compre- todos os ângulos da personalidade e mirando a volta de delinquente
ensão, o auxílio, a filantropia, o real interesse em tudo fazer para ao convívio social, com todas as implicações que daí decorrem, in-
recuperar o criminoso, mas não se desvirtue a rota a seguir por falsas clusive, e principalmente, a atenção que deva ser dada aos deveres
imagens que se afastem da realidade crua da disciplina social e de sociais e à integração de uma pessoa na comunidade; o que importa
suas correspondentes responsabilidade. O tratamento deveria buscar era receber logo estímulos vários para agir de maneira agressiva,
a reeducação (correção do caminho a seguir). antissocial e criminosa, aos quais é dever resistir.
A personalização da pena foi uma das conquistas mais efetivas Ora, uma corrente de penalistas e criminologistas há muito
do positivismo penal e decorre diretamente da Antropologia Cri- vem reclamando de situação semelhante para a aplicação das pe-
minal. Foi a demonstração, feita a partir de Lombroso, de que se nas, naquilo que se denomina de pena indeterminada. De fato, um
deve enfocar o criminoso em seus caracteres pessoais, diversos em tratamento penal deverá ser aplicado até o momento em que um mí-
cada indivíduo, quer do ponto de vista biológico, quer ainda das nimo de recuperação haja sido obtido, compatível com a volta do
criminoso ao convívio social. Passar daí, é arriscar-se em perder o
influências mesológicas que haja recebido, o que levou a tentar um
que se haja alcançado. A doutrina tem repetido, com carradas de
tratamento adequado a cada um desses tipos personalizados de cri-
razão, que, tanto as penas de curta duração, quanto aquelas de longa
minosos. duração, são prejudiciais para a pessoa do delinquente. Ora, desde
É bem claro que não deve ser permitido exagero nesse campo, logo se deduz que essa duração deverá ser idealmente aquela que
aliás como em nenhum outro. Não é rigorosamente necessário que leve o indivíduo a obter aquele ótimo de recuperação, nem antes, e
se pormenorize um só tratamento, e exclusivo, para cada um dos nem depois. E, assim, estabelecer-se-ia condições para um melhor
criminosos. De fato, ainda como para os doentes, a terapêutica dis- resultado final.
põe de meios que abrangem grupos humanos com caracteres afins. Dois óbices têm sido levantados contra esse ideal da pena in-
Há grupos que podem receber um tratamento basicamente comum a determinada: um decorrente ainda de um remanescente espírito re-
todos os seus integrantes. Daí que sempre se cogitou de estabelecer tributivo, que deseja para uma espécie de crimes, uma pena mais
classificações penitenciadas dos criminosos, para ensejar um agru- severa que para outras espécies de delitos; o outro óbice provém
pamento de delinquentes de características assimiláveis, para serem de uma ideia, a ser corrigida, de que a execução penal passada, das
enviadas a estabelecimentos de determinado tipo. mãos do Juiz, para as mãos do técnico.

Didatismo e Conhecimento 6
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Quanto ao primeiro desses argumentos contrários à pena in-
determinada, deve-se informar que o tipo de delito praticado nem 3.2 FATORES CONDICIONANTES E
sempre corresponde à deformação da personalidade ocorrida no cri- DESENCADEANTES DA CRIMINALIDADE
minoso; às vezes, sim, desde logo se tem uma noção de gravidade do
comprometimento dessa personalidade, como ocorre na hediondez
de certos crimes; mas pode acontecer o contrário, isto é, de um pe-
queno delito seja, todavia, a primeira manifestação de uma persona- Alguns fatores afetam particularmente o volume e o tipo de cri-
me que ocorrem num determinado lugar. Estes fatores são ditos con-
lidade bastante agressiva.
dicionantes do crime e da criminalidade. Um sistema de informação
Justifica-se plenamente que a pena indeterminada seja dotada destinado a auxiliar a análise criminal deve conter em seus bancos
nas nossas leis penais, desde que atendidos os pontos fundamentais de dados, informações que permitam identificar fatores condicio-
anteriormente referidos, ou seja: que a sua indeterminação não fique nantes do crime e da criminalidade.
fora da competência judicante, a qual deliberará sobre a extinção da Parte das reflexões e das pesquisas sobre aquilo que hoje desig-
medida punitiva, desde que proposta pelos auxiliares técnicos do namos de comportamentos desviantes, delinquentes ou criminosos,
Juiz. consoante as perspectivas teóricas, tem-se traduzido numa única
Na realidade, a pena fixa é contrária à boa recuperação dos cri- e simples questão: por que motivo, ou motivos, alguns indivíduos
minosos, ao marcar limites artificiais à mesma, e apenas decorrentes parecem mais predispostos que outros ao cometimento de delitos?
da quantidade do delito praticado. E deixando de lado a personali- As respostas têm variado consoante as épocas históricas e o ma-
dade do réu, e sua capacidade de recuperação ético-social, mesmo nancial de conhecimentos teóricos e empíricos disponível. Num pri-
quando esteja em vigência o artigo 42 do Código Penal, até hoje não meiro momento, os comportamentos delinquentes foram explicados
atendido adequadamente quanto “aos antecedentes e à personalida- através do recurso a fatores externos aos homens, mas de alguma
forma inexplicáveis, uma vez que foram remetidos para as causas
de do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos,
sobrenaturais subjacentes a todo o tipo de eventos e de comporta-
às circunstâncias e consequências do crime”. mentos.
Não fique sem dizer que, também na apreciação criminológico- Os comportamentos delinquentes, e as suas causas e as suas
-clínica do delinquente, deve entrar em cogitação a natureza do deli- relações, eram simplesmente atribuídos à ação de deuses ou outros
to praticado; é um dos elementos centrais que informa a observação poderes sobrenaturais.
do criminoso. Num segundo momento, os comportamentos delinquentes
Mesmo que fossem aceitos e praticados estes preceitos, sempre passaram a ser explicados através do recurso a fatores internos ou,
caberá plenamente a manutenção da liberdade condicional, para os melhor dizendo, a qualidades intrínsecas a alguns indivíduos, mes-
que hajam estado segregados do convívio social. E isto porque ela mo que relativamente abstratas, como a maldade, a imoralidade, o
representa, nos dizeres de Flamínio Fávero, a convalescença penal, egoísmo ou a desonestidade. Embora ainda persistissem explicações
isto é, aquele período de prova em que se verifica se o delinquente de natureza externa, essencialmente sobrenaturais, a percepção de
já se encontra efetivamente em condições de conviver em sociedade que alguns seres humanos transportavam em si uma incapacidade
de maneira sintônica, e não agressiva. para se conformar às exigências das sociedades modernas, intrin-
secamente justas e racionais, começou a tornar-se preponderante.
O neo-ecletismo penal pretende dar todo o valor, que é incons-
Num terceiro momento, já dominado por paradigmas científi-
tante, à evolução da Criminologia Clínica e na investigação científi-
cos ou “positivos”, os comportamentos delinquentes passaram a ser
ca das causas da criminalidade, até onde elas possam ser rastreadas explicados através do recurso a características biológicas, psicológi-
e reconhecidas. Mas quer reivindicar a necessidade de se valorizar cas ou sociais específicas e passíveis de serem facilmente observa-
a atenção para os aspectos morais do ente humano, que devem ser das e medidas.
devidamente computados: Ao longo deste percurso, apenas um pressuposto se manteve
- para a indispensável avaliação da responsabilidade moral pelo inalterado. Quem se envolve em delitos é, necessariamente, dife-
ato praticado, em termos de uma justificação, ou não, de tal ato; rente, e só essa diferença, seja ela biológica, psicológica ou social,
- para o reaparelhamento do núcleo moral do delinquente, a fim permite explicar, e eventualmente prever e prevenir, os comporta-
de aumentar-lhe as resistências futuras aos falares crímino-impelen- mentos delinquentes. Este pressuposto marcou todas as reflexões
tes que no porvir venham a agir de novo sobre o indivíduo. teóricas que foram desenvolvidas até quase ao final do século XX.
Deixar de dar, entretanto, toda a ênfase que merece este núcleo No campo da biologia, por exemplo, a diferença foi remetida
Moral do ser humano é incidir num erro fundamental, visto que a ex- para atavismos que se manifestavam, quer a um nível intelectual,
quer a um nível físico. Até pelo menos ao final da segunda grande
plicação científica da gênese do delito não afasta a necessidade de se
guerra mundial, os atavismos foram concebidos como sendo heredi-
enfocar este outro aspecto da questão, que, no homem, é primordial.
tários, concepção que legitimou, entre outras práticas «preventivas»,
A forma de atender às necessidades morais da criatura humana o isolamento dos “criminosos” ou a sua esterilização forçada, por
tem sido apanágio do ensino religioso; e este ensino tem sido facul- forma a que não se pudessem reproduzir, e, no limite, a sua elimi-
tado nas instituições penitenciárias com ampla liberdade de crença. nação física.
Ao lado dele, entretanto, complementando-o e abrindo a visão para No campo da psicologia, a diferença foi remetida, quase inva-
campos mais amplos, deve-se dar toda a oportunidade à instrução riavelmente, para a questão da personalidade e dos seus diferentes
moral e cívica, de largo horizonte, o que não exclui, como disse, a traços, o que sustentou toda uma série de estudos e de programas de
prática do culto religioso, mas que abrange inclusive os que não se tratamento e de adaptação forçada da personalidade, imatura, impul-
declaram religiosos, ou tenham apenas parcas noções sobre as suas siva ou agressiva, do delinquente, às características e às exigências
crenças. da vida em sociedade.

Didatismo e Conhecimento 7
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
A própria sociologia não escapou a este pressuposto. Os delin- A consequência imediata foi a consideração do criminoso como
quentes foram quase sempre conceptualizados como sendo diferen- um “anormal”. A partir daí, bastaria dotar o pesquisador de instru-
tes, mesmo que essa diferença se situasse nas diferentes tensões ou mentos hábeis a selecionar, de forma científica, os criminosos (anor-
pressões sociais exercidas sobre alguns grupos sociais, e tal motivou mais), em meio à população humana aparentemente homogênea ou
todo um conjunto de programas de redução dessas tensões ou pres- normal.
sões como principal estratégia de prevenção de comportamentos O primeiro grande passo dado por um pesquisador nesse senti-
delinquentes. do foi a doutrina preconizada por Cesare Lombroso, destacando-se
O grande marco a inaugurar verdadeiramente os estudos crimi- a publicação de sua conhecida obra “O homem Delinquente”, em
nológicos encontra-se no surgimento do Positivismo e, mais espe- 1876.
cificamente, da chamada “Antropologia Criminal”. Nessa ocasião Lombroso entendia ser possível detectar no criminoso uma es-
opera-se uma mudança singular no que diz respeito ao objeto das pécie diferente de “homo sapiens”, o qual apresentaria determinados
preocupações da ciência criminal. Enquanto a Escola Clássica Li- sinais, denominados “stigmata”, de natureza física e psíquica. Esses
beral preocupava-se com o estudo dos postulados jurídico - penais, sinais caracterizariam o chamado “criminoso nato” (forma da calota
procurando desenvolver uma formulação teórico — dogmática do craniana e da face, dimensões do crânio, maxilar inferior procidente,
Direito Penal, o advento da Antropologia Criminal propicia uma sobrancelhas fartas, molares muito salientes, orelhas grandes e de-
alteração de perspectiva, voltando os olhos da pesquisa científico — formadas, corpo assimétrico, grande envergadura dos braços, mãos
criminal para o estudo do fenômeno do crime e, especialmente, da e pés, pouca sensibilidade à dor, crueldade, leviandade, tendência
figura do criminoso. à superstição, precocidade sexual etc.). Todos esses sinais indica-
O Positivismo exerce grande influência na conformação dessa riam um “regresso atávico”, tendo em conta sua clara aproximação
nova postura, pois que defende a irradiação do método científico com as formas humanas primitivas. Ademais, Lombroso intentou
para todas as áreas do saber humano, até mesmo às da filosofia e da demonstrar uma ligação entre a epilepsia e aquilo que chamava de
religião. Nesse contexto, o Direito e especificamente o ramo jurídico “insanidade moral”.
— criminal, também passaram a sofrer influências importantíssimas Percebe-se claramente o conteúdo determinista das teorias lom-
desse referencial teórico então dominante. brosianas, o qual conduziria a importantes conclusões e consequên-
O Positivismo Jurídico aproxima o Direito, o quanto possível,
cias para a Política Criminal.
ao método das ciências naturais, objetivando limitá-lo àquilo que
Ora, se o criminoso estava exposto à conduta desviada forço-
tenha de concreto, observável, passível de mensuração e descrição.
samente, tendo em vista uma congênita predisposição, seria injus-
Por isso é que seu resultado acaba sendo a limitação do Direito às
to atribuir-lhe qualquer reprovação que fosse ligada ao desvalor de
normas legais, evitando a consideração de fatores axiológicos, me-
suas escolhas quanto à sua conduta, isso pelo simples motivo de que
tafísicos etc.
não atuava por sua livre escolha, mas sim dirigido por forças natu-
O afastamento rigoroso das questões que não fossem subsu-
rais irresistíveis a impeli-lo para os mais diversos atos criminosos.
miveis ao método de experimentação científico, ensejou, no bojo
Assim sendo, jamais poderia ser exposto a apenações morais e in-
das ciências criminais, o nascimento da busca de relações e regras
famantes. Não obstante, sendo as práticas criminosas componentes
constantes que tivessem a capacidade de esclarecer o fenômeno da
indissociáveis de sua personalidade, estaria a sociedade legitimada
criminalidade.
E daí dessa efervescência exsurge a Criminologia, desse entu- a defender-se, impondo-lhe desde a prisão perpétua até a pena de
siasmo pelo método científico, dando destaque nunca antes cons- morte.
tatado ao estudo do homem criminoso e à pesquisa das causas da A doutrina lombrosiana, no entanto, foi grandemente criticada
delinquência. e desmentida por estudos ulteriores que comprovaram a inexistência
Em meio a esse clima, a criminalidade somente poderia ser es- de indícios seguros a demonstrarem qualquer diferença fisiológica,
tudada com sustentação em dados empíricos ofertados pela demons- física ou psíquica entre homens que perpetraram atos criminosos e
tração experimental de leis naturais seguras e imutáveis. indivíduos cumpridores da lei.
O criminoso passa a ser objeto de estudo, uma fonte de pesqui- Não obstante, deve ser atribuído a Lombroso o mérito de ser
sas e experimentos com vistas à descoberta científica das causas do o primeiro a impulsionar os estudos que dariam origem à Crimi-
fenômeno criminal. nologia. Ele iniciou, com a sua Antropologia Criminal, os estudos
A obstinada busca de causas explicativas do agir criminoso em do homem delinquente, razão pela qual tem sido considerado o
oposição às condutas conforme a lei, somente poderia resultar na verdadeiro “Pai da Criminologia”. A partir dele começam os mais
negação do “livre arbítrio”, apontado até então pela Escola Clás- diversos campos de pesquisa de elementos endógenos capazes de
sica como verdadeiro fundamento legitimador da responsabilidade ocasionarem o comportamento criminoso.
criminal. Inúmeras investigações científicas nos mais variados campos
É claro que a noção de livre arbítrio não poderia servir a uma das ciências naturais e biológicas lograram conformar um conjunto
concepção positivista, pois que ensejava um total descontrole e im- de teorias elucidativas do fenômeno criminal. A esse conjunto cos-
previsibilidade quanto às práticas criminosas. A postura positivista tuma-se denominar “Criminologia Clínica”.
não se coaduna com tal insegurança. Deseja apropriar-se de um co- Pode-se exemplificar essa corrente criminológica com alguns
nhecimento que propicie o domínio seguro de leis constantes a re- de seus ramos mais destacados: Biologia Criminal, Criminologia
gerem o mundo e, por que não, o comportamento humano, inclusive Genética, Psiquiatria Criminal, Psicologia Criminal, Endocrinologia
aquele desviado. Criminal, Estudos das Toxicomanias etc.

Didatismo e Conhecimento 8
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Todas essas linhas de pesquisa têm como traço comum a busca O conceito de “anomia” e o reconhecimento da funcionalidade
de uma explicação etiológica endógena do crime e do homem cri- do crime no meio social produzem uma revolução quanto às finali-
minoso. Procura-se apontar uma causa da conduta criminosa que dades e fundamentos da pena, vez que estes já não devem mais ser
estaria no próprio homem, enquanto alguma forma de anormalida- buscados na fantasiosa profilaxia de um suposto mal. Outra formu-
de física e/ou psíquica. Também todas essas teorias apresentam um lação teórica relevante de matiz estrutural-funcionalista deve-se a
equívoco comum: pretendem explicar isoladamente o complexo fe- Robert Merton. Ele se apropria do conceito de “anomia” para de-
nômeno da criminalidade. monstrar que o desvio não passa de um produto da própria estrutura
Em contraposição à “Criminologia Clínica”, surge a denomina- social. Portanto, absolutamente normal, considerando que esta pró-
da “Criminologia Sociológica”, tendo como seu mais destacado re- pria estrutura é que vem a compelir o indivíduo à conduta desviante.
presentante Enrico Ferri. A “Criminologia Sociológica” propõe uma Merton expõe detalhadamente o mecanismo estrutural que conduz o
revisão crítica da “Criminologia Clínica”, pondo a descoberto que a indivíduo ao crime no seio social: a sociedade apresenta-lhe metas,
insistência desta nas causas endógenas da criminalidade, olvidava mas não lhe disponibiliza os meios necessários para o seu alcance
as importantes influências ambientais ou exógenas para a gênese do legal. O indivíduo perde suas referências, sentindo-se abandonado
sem possibilidades “normais” de conseguir seus objetivos. Sem os
crime. Aliás, para os defensores da “Criminologia Sociológica”, as
meios legais, mas pressionado para a conquista de certos objetivos
causas preponderantes da criminalidade seriam mesmo ambientais
sociais, o indivíduo precisa preencher esse vácuo (anomia) de algu-
ou exógenas, de forma que mais relevante do que perquirir as carac-
ma maneira. E a única maneira disponível será a perseguição dos
terísticas do homem criminoso, seria identificar o meio criminógeno
fins colimados por meios ilegítimos, ilegais e desviantes, uma vez
em que ele se encontra. que os legítimos não estão acessíveis.
No entanto, a “Criminologia Sociológica” em nada inova no De acordo com Merton: “a desproporção entre os fins cultural-
que tange à postura de procurar uma etiologia do delito. Os criminó- mente reconhecidos como válidos e os meios legítimos à disposição
logos ainda insistem em encontrar “causas” para o crime, somente do indivíduo para alcançá-los, está na origem dos comportamentos
alterando a natureza destas, transplantando-as do criminoso para o desviantes”. E mais: “a cultura coloca, pois, aos membros dos estra-
ambiente criminógeno. Em suma, muda o “locus” da pesquisa, mas tos inferiores, exigências inconciliáveis entre si. Por um lado, aque-
não muda a natureza claramente etiológica desta. les são solicitados a orientar a sua conduta para a perspectiva de um
Os estudos relativos à atuação do ambiente na criminalidade são alto bem-estar; por outro, as possibilidades de fazê-lo, com meios
variegados, podendo-se mencionar alguns ramos a título meramente institucionais legítimos, lhes são, em ampla medida, negados”.
exemplificativo: Geografia Criminal e Meio Natural, Metereologia Outro referencial importante é a denominada “Teoria da As-
Criminal, Higiene e Nutrição, Sistema Econômico, Mal vivência, sociação Diferencial”, produzida por Edwin H. Sutherland. Segun-
Ambiente familiar, Profissão, Guerra, Migração e Imigração, Prisão do essa construção teórica, a criminalidade, a exemplo de qualquer
e contágio moral, Meios de Comunicação etc. outro modelo de comportamento humano, é aprendida conforme as
Ainda no matiz sociológico deve-se dar atenção especial às convivências específicas às quais o sujeito se expõe em seu ambien-
chamadas “Teorias Estrutural-Funcionalistas”, as quais podem te social e profissional.
ser tratadas como item apartado, tendo em vista suas peculiaridades. Essa linha de pensamento possibilitou a formulação da conhe-
As Teorias Estrutural-Funcionalistas afirmam que o crime é cida “Teoria das Subculturas Criminais”, para a qual o sujeito
produzido pela própria estrutura social, inclusive exercendo uma aprenderia o crime de acordo com sua convivência em certos am-
certa função no interior do sistema, de maneira que não deve ser bientes, assumindo as características de determinados grupos aos
visto como uma anomalia ou moléstia social. quais estaria preso por uma aproximação voluntária, ocasional ou
A base teórica principal é ofertada por Emile Durkheim que coercitiva.
dá ênfase para a normalidade do crime em toda e qualquer socieda- Afirma Sutherland que o processo de “associação diferencial”
de. Aduz o autor em referência que “o crime é normal porque uma propicia ao sujeito, de conformidade com seu convívio, aprender e
sociedade isenta dele é completamente impossível”. Mas, o autor apreender as condutas desviantes respectivas. Dessa forma, tal teo-
ria teria a vantagem de poder explicar a criminalidade das classes
vai além, chegando a reconhecer que o crime não somente é nor-
baixas tanto quanto a das classes altas. Nesse processo de convívio-
mal, mas também “é necessário” para a coesão social, sendo uma
-aprendizado os infratores menos privilegiados praticariam usual-
sociedade sem crimes indicadora, esta sim, de deterioração social.
mente os mesmos crimes, vez que estariam conectados ao convívio
Durkheim indica o fenômeno criminal como reafirmador da ordem
de pessoas de seu nível social e só teriam oportunidade de aprender
social violada e, portanto, legitimador de sua existência. Toda vez essas determinadas espécies de condutas delitivas, não sendo-lhes
que acontece um crime, a reação desencadeada contra ele reafirma possibilitado o acesso a conhecimentos e condicionamentos que os
os liames sociais e ratifica a validade e a vigência das normas legais. tornassem aptos a outras condutas mais sofisticadas. De outra banda,
Portanto, o desvio é funcional, somente tornando-se perigoso os mais abastados teriam acesso ao aprendizado de outras modalida-
ao exceder certos limites toleráveis. Em tais circunstâncias pode des criminosas ligadas naturalmente ao seu meio social.
eclodir um estado de desorganização e anarquia, no qual todo o or- Em razão disso também dificilmente incidiriam nas condutas
denamento normativo perde sua efetividade. Não emergindo disso afetas às classes mais baixas. Há certo ponto de contato entre a teo-
um novo ordenamento a substituir aquele que ruiu, passa-se a uma ria de Merton e a de Sutherland, pois que a modalidade de conduta
situação de carência absoluta de normas ou regras, ficando a conduta atribuída aos indivíduos das classes pobres e abastadas apresentaria
humana à margem de qualquer orientação. A isso Durkheim dá o uma distribuição em conformidade com os meios dispostos aos su-
nome de “anomia”, efetiva causadora de desagregação e deteriora- jeitos para desenvolverem seus impulsos criminosos. No entanto, a
ção social. formulação de Sutherland tem a pretensão de ser mais ampla, forne-

Didatismo e Conhecimento 9
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
cendo uma fórmula geral apta a explicar a criminalidade dos pobres Note-se que a mais destacável “técnica de neutralização” é a
e das classes altas. Para o autor sob comento, qualquer conduta des- própria criação de uma subcultura. Esta é a maior ensejadora de
viante seria “apreendida em associação direta ou indireta com os que abrandamentos de consciência e defesas contra remorsos, na medida
já praticaram um comportamento criminoso e aqueles que aprendem em que o apoio e aprovação por parte de outras pessoas integrantes
esse comportamento criminoso não têm contatos frequentes ou es- do grupo, ocasionam uma tranquilização e um sentimento de inte-
treitos com o comportamento conforme a lei”. Dessa forma, uma gração que não se poderia obter no seio da sociedade calcada nas
pessoa torna-se ou não criminosa de acordo “com o grau relativo de normas e valores oficiais.
frequência e intensidade de suas relações com os dois tipos de com- Inobstante os avanços obtidos com as “Teorias Estrutural —
portamento” (legal e ilegal). Isso é o que se denomina propriamente Funcionalistas”, uma alteração verdadeiramente radical do modelo
de “associação diferencial”. de pesquisa do fenômeno criminal somente adviria com o surgimen-
Essa maior abrangência da teoria preconizada por Sutherland to da chamada “Criminologia Crítica”. É com ela que se leva a efeito
a teria tornado mais completa do que aquela defendida por Merton. o abandono da mais constante premissa da Criminologia Tradicio-
Segundo a maioria dos críticos, as explicações de Merton seriam
nal, qual seja, aquela de ser o crime uma realidade ontologicamente
bastante satisfatórias para a criminalidade dos pobres, mas não ser-
reificada. A partir das ideias trazidas à tona pela revisão criminológi-
viriam para esclarecer por que pessoas dotadas de todos os meios
ca crítica, o crime passa a ser visto como uma realidade meramente
institucionais e legais para a consecução de seus objetivos sociais,
normativa, moldada pelo Sistema Social responsável pela edição,
mesmo assim, perpetrariam ações delituosas. Portanto, não é sem
motivo que o termo “crime de colarinho branco” ou “white collar vigência e aplicação das leis penais.
crime” foi cunhado e empregado originalmente por Edwin H. Su- Por reflexo disso o criminoso deixa de ser encarado como um
therland, em data de 28.11.1939, durante uma conferência que se “anormal” e o crime como manifestação “patológica”.
passou na sede da “American Sociological Society”, com a finali- A explicação para a criminalidade é agora procurada no des-
dade de fazer referência a uma espécie de criminalidade praticada velar da atuação do Sistema Penal que a define e reage contra ela,
por pessoas de nível social elevado, e em especial na sua atuação iniciando pelas normas abstratamente previstas, até chegar à efetiva
profissional. atuação das agências oficiais de repressão e prevenção que aplicam
Como derradeira representante da linha de pensamento estru- as leis. Vislumbra-se que a indicação de alguém como criminoso é
tural — funcionalista pode-se mencionar a chamada “Teoria das dependente da ação ou omissão das agências estatais responsáveis
Técnicas de Neutralização”, cujos principais expoentes foram pelo controle social. Percebe-se que muitos indivíduos praticantes
Gresham M. Sykes e David Matza. Trata-se de uma “correção da de atos desviantes não são tratados como criminosos, até que sejam
Teoria das Subculturas Criminais”, mediante a complementação alcançados pela atuação das referidas agências, as quais são pauta-
implementada pelo acréscimo dos estudos das “técnicas de neutra- das por uma conduta e exercem um papel altamente seletivo. Ser ou
lização”. Estas seriam maneiras de promover a racionalização da não ser criminoso é algo que não está ligado à presença ou não de
conduta marginal, as quais seriam apreendidas e usadas lado a lado alguma doença ou anormalidade, mas sim ao fato de haver ou não o
com os modelos de comportamento e valores desviantes, de forma a indivíduo sido retido pelas malhas das agências seletivas que agem
neutralizar a atuação eficaz dos valores e regras sociais, aos quais o baseadas em orientações normativas e sociais.
delinquente, de uma forma ou de outra, adere. Propõem as Teorias da Criminologia Radical o abandono do
Na verdade, mesmo aquele indivíduo que vive mergulhado velho modelo etiológico, visando erigir uma inovadora abordagem
em uma subcultura criminal não perde totalmente o contato com crítica do Sistema Penal, inclusive propiciando um sério questiona-
a cultura oficial e, de alguma forma, sobre a influência e presta re- mento de sua legitimidade.
conhecimento a algumas de suas regras. E desta constatação que A Criminologia Crítica é caracterizada por certo matiz mar-
partem Sykes e Matza para lograrem expor os mecanismos usados xista, pois parte da ideia de que o Sistema Punitivo é construído
pelas pessoas para justificarem perante si mesmas e os demais, suas
e funciona com apoio em uma ideologia da sociedade de classes.
condutas desviantes, infringentes das normas oficiais impostas pela
Dessa forma, seu principal objetivo longe estaria da defesa social
sociedade.
ou da preocupação com a criação ou manutenção de condições para
São descritas algumas espécies básicas de “técnicas de neutra-
um convívio harmônico entre as pessoas. O verdadeiro fim oculto
lização”:
a) Exclusão da própria responsabilidade — o infrator se en- de todo Sistema Penal seria a sustentação dos interesses das classes
xerga como vítima das contingências, surgindo muito mais como su- dominantes. Qualquer instrumento repressivo de controle social re-
jeito passivo quanto ao seu encaminhamento para o agir criminoso. velaria a atuação opressiva de umas classes sobre as outras. Por isso
b) Negação da ilicitude — o criminoso interpreta suas atua- seria o Direito Penal elitista e seletivo, recaindo pesadamente sobre
ções apenas como proibidas, mas não criminosas, imorais ou destru- os pobres e raramente atuando contra os integrantes das classes do-
tivas, procurando redefini-las com eufemismos. minantes, os quais, aliás, seriam aqueles que redigem as leis e as
c) Negação da vitimização — a vítima da ação delituosa é aplicam. O Direito é visto como absolutamente despido de qualquer
apontada como merecedora do mal ou do prejuízo que lhe foi im- finalidade de transformação social. Ao contrário, é encarado como
pingido. um instrumento de manutenção e reforço do “status quo” social,
d) Condenação dos que condenam — atribuem-se qualidades conservando e alimentando desigualdades pelo exercício de um po-
negativas às instâncias oficiais responsáveis pela repressão criminal. der de dominação e força.
e) Apelo às instancias superiores — sobrevalorização conferi- Impõe-se uma conscientização da gigantesca diferença de in-
da a pequenos grupos marginais a que o desviado pertence, aderindo tensidade da atuação do Direito Penal sobre setores desvalidos da
às suas normas e valores alternativos, em prejuízo das regras sociais sociedade, enquanto apresenta-se bastante leniente e omisso perante
normais. condutas gravíssimas ligadas às classes dominantes.

Didatismo e Conhecimento 10
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
É nesse contexto que emerge a “Teoria do Labeling Approach” perceber que são possíveis explicações parciais para o fenômeno
ou “Teoria da Reação Social”. criminal, mas jamais tal questão pode ser devidamente desvendada
Enquanto o pensamento criminológico até então vigente advo- de forma simplista e reducionista. A criminalidade e a violência em
gava a tese de que o atributo criminal de uma conduta existia obje- geral são problemas complexos que somente permitem uma visão
tivamente, como um ente natural e até era preexistente às normas ponderada através de um conjunto de saberes e métodos de inves-
penais que o definiam num mero exercício de reconhecimento, o tigação, os quais, isolados, produzem noções fantasiosas e distorci-
qual, aliás, consistia em um certo acordo universal, um consenso so- das. Não é por outro motivo que atualmente se fala numa “Crimino-
cial; a “Teoria do Labeling Approach” virá para desmistificar todas logia Integrada”.
essas equivocadas convicções. Neste item procedeu-se a uma retomada dessa evolução dos es-
O “Labeling Approach” ou “etiquetamento” indica que um tudos criminológicos já anteriormente levada a efeito em outro tra-
fato só é tomado como criminoso após a aquisição desse “status” balho com um objetivo bastante definido: pretendeu-se expor o mais
através da criação de uma lei que seleciona certos comportamentos clara e pormenorizadamente possível como se chegou à ponderada
como irregulares, de acordo com os interesses sociais. Em seguida, e racional conclusão de que o “crime” em si não existe na nature-
a atribuição a alguém da pecha de criminoso depende novamente da za, tratando-se do resultado de normas humanas convencionadas. O
atuação seletiva das agências estatais. criminoso, portanto, é somente todo aquele que infringe tais normas
Passa a ser objeto de estudo da Criminologia a descoberta dos e não o portador de anomalias. As pesquisas etiológico-profiláticas,
mecanismos sociais responsáveis pela definição dos desvios e dos que são o original impulso da Criminologia, são impregnadas de um
desviantes; os efeitos dessa definição e os atores que interagem nes- determinismo irreal porque baseadas em uma noção ilusória do cri-
sas complexas relações. Deixa-se de lado a ilusão do crime como me como ente natural pré-jurídico, que o Direito Penal somente faz
entidade natural pré- jurídica e do criminoso como portador de ano- reconhecer e declarar, quando, na verdade, o crime é uma criação
malias físicas ou psíquicas. do Direito, podendo inclusive modificar-se ao longo do tempo e das
Essa nova linha de reflexões produz uma derrocada no mito do mudanças sociais.
Sistema Penal como recuperador dos desviados. Contrariamente, Ainda que certos eventos criminais possam ser validamente ex-
entende-se que a atuação rotuladora do Sistema Penal exerce forte plicados por meio de uma abordagem etiológica (o homicídio per-
pressão para a permanência do indivíduo no papel social (marginal e
petrado por um esquizofrênico que acredita estar esfaqueando um
marginalizado) que lhe é atribuído. O sujeito estigmatizado ao invés
monstro), deve-se ter em mente que se trata de um critério válido
de se recuperar, ganharia um reforço de sua identidade desviante. Na
somente de forma eventual e parcial. Além disso, mesmo sua valida-
realidade, o Sistema Penal assim concebido passa a ser entendido
de eventual em nada atinge a conclusão inarredável de que o crime
como um criador e reprodutor da violência e da criminalidade.
é uma criação normativa, um filho do Direito e das convenções e
Finalmente cabe expor sumariamente a relação entre a “Socio-
não um rebento da natureza. O retorno a uma noção equivocada a
logia do Conflito” e a “Nova Criminologia”.
este respeito, devido a qualquer espécie de descoberta científica e
Como já visto, a Nova Criminologia põe em cheque a ideia de
novas possibilidades de intervenção, constitui um enorme retrocesso
que as normas de convívio social derivam de certo consenso em
torno de valores e objetivos comuns. do pensamento criminológico com riscos de terríveis consequências
Aí está o ponto de contato com a “Sociologia do Conflito”, que sociais e individuais.
apregoa ser uma tal concepção uma mera ficção erigida com a fi-
nalidade de legitimar a ordem social. Na realidade, essa ordem so- CONDICIONANTES BIOLÓGICOS
cial seria produto não de consenso, mas do conflito de interesses de É habitual a questão do crime envolver uma série de reflexões
grupos antagônicos, prevalecendo a vontade daqueles que lograram e comentários que ultrapassam em muito o ato delituoso em si; são
exercer maior dominação. questões que resvalam na ética, na moral, na psicologia e na psiquia-
Com o esboço desse quadro evolutivo da ciência criminológi- tria simultaneamente. Sempre há alguém atribuindo ao criminoso
ca, é possível determinar dois principais momentos de mudanças traços e características psicopatológicas ou sociológicas: porque
conceituais e epistemológicas: o primeiro deles refere-se à transição Fulano cometeu esse crime? Estaria perturbado psiquicamente? Es-
do Direito Penal Clássico para o nascimento da Criminologia, sob taria encurralado socialmente? Seria essa a única alternativa? Ou, ao
a égide do Positivismo, com as inaugurais pesquisas lombrosianas contrário, seria ele simplesmente uma pessoa maldosa? Portadora de
de Antropologia Criminal. Somente aí é que o homem criminoso um caráter delituoso, etc.
adquire importância central nos estudos, que não mais se reduzem Atualmente, apesar da ciência não ter ainda algum consenso
às dogmáticas jurídicas. O segundo momento relevante foi o da definitivo sobre a questão, sabe-se, no mínimo, que qualquer abor-
mudança radical do referencial teórico da Criminologia, propiciado dagem isolada do ser humano corre enorme risco de errar.
pela emergência da chamada “Criminologia Crítica”. Nessa oportu-
nidade abandona-se o modelo de pesquisa etiológico - profilático, Fatores bioquímicos
mediante um consistente questionamento de um longo “processo de Os estudos neste grupo causal procuram dosar algumas subs-
medicalização do crime”. O fenômeno criminal passa a ser perqui- tância possivelmente envolvida com o comportamento violento,
rido como criação da própria organização social e não mais como como por exemplo, o colesterol, a glicose, hormônios e alguns
um ente pré-existente, passível de compreensão e apreensão pela neurotransmissores.
aplicação isolada do método das ciências naturais. Virkkunen, em 1987, procurou demonstrar a diminuição nos
A virada epistemológica propiciada pela “Criminologia Críti- níveis séricos de colesterol em pessoas com comportamento crimi-
ca” não desmerece o conjunto dos estudos anteriores e nem repre- noso, da mesma forma como também se associava os baixos níveis
senta um ponto final para a pesquisa criminológica. Tão somente faz de glicose.

Didatismo e Conhecimento 11
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Como o álcool é frequentemente relacionado com o comporta- Os Lobos Temporais regulam a vida emocional, sentimentos,
mento violento, foi também estudada a sua associação com glicose instintos, comandam as respostas viscerais às alterações ambientais.
e colesterol. Fisiologicamente se demonstra que, de fato, o álcool Alterações nesses lobos resultam em inúmeras consequências com-
diminui o açúcar na corrente sanguínea por inibição da produção de portamentais, das quais se destacam a dificuldade de experimentar
glucose hepática. Deste modo, o álcool ao fazer diminuir a quantida- algumas emoções, tais como o medo e outras emoções negativas e,
de de açúcar no sangue pode ser apontado como um fator facilitador consequentemente, uma incapacidade em desenvolver sentimentos
do crime. de medo das sanções, postura esta frequente em criminosos. Esses
Quanto ao colesterol a situação é mais curiosa ainda. Virkkunen estudos procuram associar o crime com alterações cerebrais especi-
mostrou que a relação entre o colesterol e o álcool pode ter até uma ficas. (Cristina Queirós, A importância das abordagens biológicas no
finalidade discriminante. Ele conseguiu isolar dois grupos de pesso- estudo do crime).
as envolvidas com o alcoolismo; um grupo representado por pessoas
que ficam agressivas quando bebem e outro, por pessoas que bebem Fatores psicofisiológicos
mas não ficam agressivos. Os primeiros mostraram menor nível de O enfoque psicofisiológico se baseia essencialmente na avalia-
colesterol do que os segundos. e, estes, menor nível ainda do que
ção da função cerebral (fisiopatologia), como por exemplo a Ativi-
os sujeitos não delinqüentes, verificando-se que a maior violência
dade Elétrica da Pele, o Eletroencefalograma e o Eletrocardiograma,
aparece associada a menor quantidade de colesterol.
trabalhando sobretudo em contexto laboratorial. Falta, no momento,
No que diz respeito ao nível neuroendócrino, a hormônio mais
relacionado á agressividade é a testosterona. A pesquisa verifica os uma metanálise de outros tipos de investigação da função cerebral,
níveis desse hormônio tomando por base três comparações; entre como por exemplo, os estudos com PET e SPECT .
criminosos, entre criminosos e não criminosos (grupo controle) e Os estudos demonstraram que, tanto a ativação tônica (reação
entre não criminosos relacionando-se com a agressividade e não global do sujeito na ausência de estimulação específica) quanto a
agressividade. ativação fásica (reação a estimulação específica), é menor nos cri-
Nas investigações entre pessoas não criminosas os resultados minosos. Também apresentam, os criminosos, uma média menor do
são muito variáveis e até contraditórios, concluindo-se por vezes ritmo cardíaco, menor nível de condutância da pele e maior tempo
que não há correlações entre testosterona e potencial para agressi- de resposta na atividade elétrica da pele, bem como registros eletro-
vidade (Rubin, 1987). Entre criminosos e não criminosos (Olweus, encefalográficos com maior incidência de anormalidades (Fowles,
1987; Rubin, 1987; Schalling, 1987) os resultados são mais consis- 1980; Hemming, 1981; Satterfield, 1987; Volavka, 1987; Hodgins
tentes, mas nem sempre são significativos. Alguns desses resultados & Grunau, 1988; Milstein, 1988; Venables, 1988; Buikhuisen, Eu-
mostram criminosos apresentando maior nível de testosterona do relings-Bontekoe & Host, 1989; Patrick, Cuthbert & Lang, 1994).
que os não criminosos. Alguns estudos trabalharam também com crianças e adolescen-
Sobre as influências neuroquímicas no comportamento agressi- tes (Magnusson, 1988), e demonstraram que as crianças com com-
vo, algumas das substâncias mais estudadas (Rubin, 1987; Magnus- portamentos considerados desviantes apresentam maior ativação do
son, 1988; Bader, 1994) são a serotonina, que existiria em menor sistema nervoso. No entanto estudos longitudinais (Raine, Venables
quantidade, o ácido fenilacético e a norepinefrina, que existiriam em & Williams, 1990 e 1995) demonstraram que adolescentes com
maior quantidade nos criminosos. comportamentos antissociais e que posteriormente vieram a cometer
Esses estudos procuram estabelecer uma correlação entre alte- crimes apresentavam significativamente menor ativação cardiovas-
rações bioquímicas capazes de desencadear comportamentos crimi- cular e eletrodérmica, do que os que não cometeram crimes.
nosos, bem como as associações entre tais alterações, ingestão de Através da apresentação das quatro categorias citadas é possí-
álcool e criminalidade. vel constatar que foram realizados diferentes estudos. Apesar das
metodologias utilizadas e dos resultados serem por vezes questiona-
Fatores neurológicos dos, a maior parte dos trabalhos podem ser considerados científicos
Esses estudos (Buikhuisen, 1987; Hare & Connolly, 1987; Na-
e metodologicamente corretos, demonstrando que de fato, podem
chshon & Denno, 1987; Pincus, 1993) associam desordens do com-
existir fatores biológicos implicados no crime, sejam estes identifi-
portamento com eventuais alterações cerebrais, essencialmente no
cados como genes, hormônios, neurotransmissores, etc.
hemisfério esquerdo.
Os estudos parecem apontar na identificação das disfunções Constata-se também que, apesar de alguns estudos não referi-
neuropsicológicas relacionadas ao comportamento violento estar rem apenas as variáveis biológicas, mas também as variáveis psico-
presente no lobo frontal e nos lobos temporais. O Lobo Frontal se lógicas e contextuais, a divulgação dos seus dados é efetuada segun-
relaciona à regulação e inibição de comportamentos, a formação de do uma lógica reducionista e determinista, tentando estabelecer uma
planos e intenções, e a verificação do comportamento complexo, causalidade linear entre fatores biológicos e o crime e, contribuindo
suas alterações teriam como consequência dificuldades de atenção, deste modo para a rejeição das abordagens biológicas no estudo do
concentração e motivação, aumento da impulsividade e da desini- crime.
bição, perda do autocontrole, dificuldades em reconhecer a culpa, Funcionando de acordo com esta perspectiva linear, se um su-
desinibição sexual, dificuldade de avaliação das consequências das jeito cometeu um crime porque as suas características biológicas
ações praticadas, aumento do comportamento agressivo e aumento assim o determinam, e se estas são fáceis de identificar (ex.: medir a
da sensibilidade ao álcool (sintomas positivamente correlaciona- quantidade de glicose, colesterol, EEG, etc), porque não prevenir o
dos com o comportamento criminoso), bem como incapacidade de crime em pessoas, digamos, “de risco”. Avançando um pouco mais,
aprendizagem com a experiência (sintoma correlacionado positi- porque não efetuar terapias genéticas no embrião para os sujeitos
vamente com a alta incidência de recidivas entre alguns tipos de que apresentam a este nível alterações identificadas como caracte-
criminosos). rísticas do criminoso?

Didatismo e Conhecimento 12
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Perante estas questões levanta-se uma outra, que é do arbítrio - consciência: que mantém a informação sobre o si mesmo e o
individual, anulando esta liberdade através da certeza do comporta- meio;
mento ser desse jeito porque é determinado unicamente por fatores - relações com o meio ambiente: caracterizadas pela regulação
biológicos. Essas questões são de primordial importância na Psi- entre o eu e o meio ambiente.
quiatria Forense porque dizem respeito à imputabilidade, culpabi-
lidade e responsabilidade. De qualquer forma, parece que a idéia da Personalidade Normal
biologia ser a única e/ou principal determinante do comportamen- É difícil estabelecer um critério de personalidade normal. Vá-
to é universalmente rejeitada. rios autores adotaram diversos critérios para atingir tal fim. Exem-
Assim sendo, tentar explicar o comportamento e as atitudes hu- plificamos duas classificações: a primeira, baseada no critério biop-
manas, apenas a partir de fatores biológicos não parece ser um bom sicológico e, a segunda, baseada em tipos somáticos.
método, pois qualquer comportamento, incluindo o comportamento O critério biopsicológico, descrito por kretschmer, apresenta
criminoso, é considerado como um conjunto de inúmeros processos três tipos somáticos:
em complexa interação. Em nosso caso, essa interação se dá através a) Leptossômico: Alto, magro, pouco musculoso, rosto afilado,
do vocábulo tríplice; bio-psico-social. encanece precocemente, é introvertido e oscila da insensibilidade á
Segundo Cristina Queirós, a perspectiva biológica utilizada hipersensibilidade (esquizotímico).
pelos vários estudos descritos pode ser considerada como uma “bio- b) Pícnico: Baixo, gordo, com abdome volumoso, sem pesco-
logia das causas”. A alternativa a esta perspectiva mecanicista seria ço, com tendência à calvície, apresenta variações frequentes de hu-
a “biologia dos processos”, que começa a ser utilizada atualmente, mor, da euforia à depressão (ciclotímico).
através da abordagem bio-psico- social, a qual tenta articular os fa- c) Atlético: De aspecto trapezoidal, ombros largos, relevos
tores biológicos com os restantes níveis do comportamento humano. musculares evidentes, é explosivo e agressivo (epileptóide).
Na avaliação da biologia do crime, mesmo reconhecendo ser
necessário perscrutar as bases biológicas do crime, esta deverá con- Sheldon descreveu os tipos somáticos, com base embriológica,
siderar, obrigatoriamente, a interação com outros fatores envolvidos englobando três tipos básicos: endomorfo, mesomorfo e ectomorfo.
(Farrington, 1987; Raine & Dunkin, 1990; Farrington, 1991), não Outras classificações de menor importância são baseadas em
esquecendo que o todo o indivíduo é um ser biológico em interação critérios filosóficos, sociológicos e psicanalíticos.
com o meio (Karli, 1990). O critério jurídico é definido pelos códigos:
Em suma, pode-se concluir que as abordagens biológicas, ape- - Penal — dirige-se a entender o caráter do fato e a determinar-
sar de serem geralmente vistas como polêmicas e discricionárias, -se conforme esse entendimento.
também são importantes no estudo e na compreensão do crime e - Civil, de acordo com Maranhão — presume capacidade geral
do criminoso, não devendo nem ser negadas nem supervalorizadas. e faz restrições parciais e absolutas, considerando as capacidades de
Interpretando os fatores biológicos como representantes da per- discernimento, intenção, consciência e juízo.
sonalidade da pessoa, será possível articular este aspecto constitu-
cional com outros níveis da personalidade, bem como com os níveis Personalidades Patológicas
do ato transgressivo e com o significado deste. Ante o exposto, mais uma vez baseado nos trabalhos do Profes-
sor odon ramos maranhão, podemos considerar fazendo parte das
CONDICIONANTES PSICOLÓGICOS personalidades patológicas as seguintes perturbações:
- do desenvolvimento e da continuidade, representadas pelos
Personalidade atrasos e infranormalidades — são as oligofrenias;
Segundo Porot, personalidade é a síntese de todos os elementos - da senso-percepção, da ideação e do juízo crítico, represen-
que concorrem para a conformação mental de uma pessoa, de modo tadas pelas psicoses (alienações) e pelas demências (deterioração
a conferir-lhe fisionomia própria. Em termos gerais podemos dizer mental);
que é o hardware da pessoa. - da harmonia intrapsíquica, provocando sofrimentos conscien-
Na constituição da personalidade interferem ou atuam múltiplas tes de causa insconsciente, representadas pelas neuroses;
variáveis de ordem biopsiquica (constituição biopsíquica) somadas - do caráter, de base constitucional, representadas pelas perso-
às experiências vividas (integração). Como colocado por odon ra- nalidades psicopáticas.
mos maranhão, constituição é o conjunto da estrutura do organismo
e do temperamento. Oligofrenias
A estrutura da personalidade é integrada por: As oligofrenias, também denominadas atrasos ou debilidades
- tipo morfológico: conformação básica; mentais, são insuficiências congênitas, caracterizadas pelo não-de-
- tipo temperamental: disposição emocional básica; senvolvimento da inteligência; diferem das demências, caracteriza-
- caráter conjunto de experiências vividas. das por deterioração da inteligência normalmente desenvolvida.
A personalidade apresenta particularidades, que são suas bases São vários os critérios diagnósticos:
fundamentais (maranhão), a saber: a) Psicométrico
- unidade e identidade: que lhe permitem ser um todo coerente, Baseado em medidas do quociente de inteligência, é o critério
organizado e resistente; mais conhecido, mas que por apresentar muitas deficiências, é atual-
- vitalidade: caracterizando um conjunto animado e hierarqui- mente muito combatido. Divide os deficientes em três grupos:
zado, com oscilações interiores (fatores endógenos) e estímulos ex- - Idiotas: com Q.I. até 30, para alguns autores, e até 20 para
teriores (fatores exógenos), que reage e responde; outros.

Didatismo e Conhecimento 13
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
- Imbecis: com Q.I. entre 30 e 60 segundo um critério e entre Veja algumas características deste tipo de criminoso:
20 e 40 em outro. - São em grande maioria psicopatas;
- Débeis: com Q.I. entre 60 e 90 segundo um critério e entre 40 - Gostam de demonstrar poder (são narcisistas, onipotentes, do-
e 65 em outro. minadores, machistas); - Sempre reincidentes, raramente comete o
crime somente uma vez.;
b) Escolar - Sadismo, sentem prazer em assistir o sofrimento alheio;
Baseado no desenvolvimento e na cronologia, é o critério mais - Não assumem o crime, geralmente só confessam por deslizes
aceito e mais justo, dividindo as deficiências em ligeiras (débeis), movidos pelo prazer em reviver o momento do crime.
médias e profundas (idiotas). Permite ainda um tipo denominado
- São levados ao crime por motivos diversos: uma homosse-
atrasados profundos, equivalentes aos idiotas do critério psicomé-
xualidade latente pode levará violência contra a mulher, por ser a
trico.
criatura odiada, ou à violência contra homens, em uma tentativa de
Outros critérios diagnósticos são o social e o clínico; porém,
são pouco utilizados. São inimputáveis. atacar a morbidade encontrada em si mesmo.

Alienações Atenção: psicopatas não são tipos raros. Estima-se que 40% da
Alienações ou psicoses são alterações psíquicas que tornam o população seja formada por psicopatas, ou seja, pessoas que sofrem
indivíduo impossibilitado de manter uma vida normal e de participar de sérios distúrbios de personalidade a ponto de interferir em seu
da vida em sociedade (vida coletiva e social), resultando daí as de- relacionamento social.
signações alienação ou alienados. São os “loucos de todo o gênero” Como agem? - Modus Operandis
do Código Civil e a “doença ou doente mental” do Código Penal. - Atacam em locais públicos; - Escolhem vítimas sozinhas;
São exemplos a psicose maníaco-depressiva (atual distúrbio bi- - Os ataques são, em sua maioria, noturnos e durante finais de
-polar), as epilepsias, as senis, a esquizofrenia e as alterações decor- semana;
rentes do alcoolismo, da sífilis, das drogas, da arteriosclerose e dos - Abordam pedindo informação ou oferecendo algo atrativo;
traumatismos crânio- encefálicos. São inimputáveis, via de regra.
Personalidade Delinquente
Demências
De acordo com o pensamento de Seglas, as demências ou de- Os indivíduos com personalidade delinquente são portadores de
teriorações mentais são caracterizadas por um enfraquecimento (de- defeitos graves do caráter, quase sempre estruturados e geralmente
terioração) intelectual progressivo, global e incurável. Podem ser
irreversíveis. Considerados delinquentes essenciais, primários ou
exemplificadas pelas senis (arteriosclerose, demência e Alzheimer)
verdadeiros, são também conhecidos como portadores de persona-
e pelos traumatismos. São inimputáveis, via de regra.
lidades dissociais.
Personalidades Psicopáticas De acordo com JERKINS, citado por MARANHÃO, o psico-
Personalidades psicopáticas ou antissociais são as determina- pata (personalidade psicopática) apresenta falta de adequadas ini-
das por conduta anormal, social ou não (reação antissocial). bições, o que o leva a desordens do comportamento e à ação an-
Segundo entendimento de Maranhão são indivíduos cronica- tissocial, enquanto a personalidade pseudo-social (delinquente) se
mente antissociais, sempre em dificuldades, que não tiram proveito mostra capaz de se adaptar a grupos de comportamento desviado.
das experiências vividas, nem das punições sofridas e que não man-
tém lealdade real a qualquer pessoa, grupo ou código. Neuroses
Apresentam ausência de sentimentos, incluindo sentimento de
culpa, tendência à impulsividade, agressividade, falta de motivação As neuroses manifestam-se por alterações frequentes, geral-
e intolerância à frustração. Normalmente são religiosos. São semi- mente sem base anatômica conhecida, que não alteram a persona-
-imputáveis, via de regra. lidade. Caracterizam-se por perturbações afetivas, inadaptação à
Os criminosos em série geralmente são psicopatas. Um termo realidade e sensação de insuficiência afetiva e social, dentre outras.
usado para designar não somente doenças mentais. “Um psicopata São exemplificadas por distúrbios neuro-vegetativos (azia, dor
pode não ser exatamente um doente mental”, afirma a psicóloga Ma- e/ou batedeira no peito etc.), doenças psicossomáticas (gastrite, coli-
ria de Fátima Franco dos Santos professora de Psicologia Forense te etc.), fobias (“medo” de altura, de pontas, de aranha etc.), histeria,
da Puc de Campinas - SP. São pessoas com personalidades de difícil
angústia e compulsão, dentre outros.
relacionamento social. A personalidade é uma peça que começa a ser
As pessoas portadoras de neuroses são pessoas capazes, pois a
formada bem cedo no ser humano, desde a sua concepção e termina
personalidade está preservada.
por volta dos cinco anos de idade. Neste período, a criança recebe os
elementos necessários vão servir de base para o seu comportamento
pelo resto da vida. Daí grande parte dos criminosos psicopatas se- Incidente de Sanidade Mental
rem frutos de famílias desestruturadas e de lares violentos.
Já os doentes mentais interagem com o mundo a partir de uma Quando há dúvida sobre a integridade psíquica do agente crimi-
realidade que eles mesmos criam. Os psicopatas, ao contrário, in- nal, determina-se o “exame prévio”, nos termos dos arts. 149 e 151
terferem na realidade a partir de sua personalidade desajustada aos do Código de Processo Penal. Como complemento, apresentamos,
padrões sociais. São assim alguns estupradores e assassinos de série, baseadas nos trabalhos de Maranhão, as diferenças mais significati-
sendo estes últimos os casos mais graves. vas entre as neuroses e a personalidade delinquente.

Didatismo e Conhecimento 14
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA

Neuroses Personalidade delinquente


Com conflito interno Sem conflito interno
Agressividade voltada a si Agressividade voltada à sociedade
Alivia tensões internas por meio de ações
Gratifica-se por fantasias
criminosas
Admite seus impulsos e os reconhece como seus Atribui seus impulsos ao mundo exterior
Desenvolve relações emocionais positivas Desenvolve defesas emocionais
Socialmente ajustado
Comportamento dissocial
Reage à passividade e dependência com sofrimento, Procura negar a passividade e a dependência com
mas admite a situação. atitudes agressivas
Caráter normal Caráter deformado (dissociai)

As características psicológicas profundas da delinquência estão catalogadas, hoje, graças às investigações de autores muito sérios.
Os menores delinquentes, por exemplo, raramente apresentam sintomas neuróticos. São de manejo difícil, mas procuram conquistar a aten-
ção e os sentimentos de pena dos circunstantes, assim como só excepcionalmente apresentam dificuldade de aprendizagem escolar em relação
a certas matérias, o que, no entanto é frequente, nas crianças neuróticas, devido à inibição intelectual de causa afetiva. O que lhes é comum, a
menores neuróticos e menores delinquentes, é a instabilidade da atenção. Consequentemente, atrasam-se na escola. O menor delinquente deva-
neia menos, pois está dominado pelas tendências a dramatizar suas fantasias em ações. Quanto à conduta sexual, as diferenças mais significa-
tivas que se registram entre menores delinquentes e menores neuróticos dizem respeito às perversões manifestas, mais comumente observadas
naqueles. No referente à formação da personalidade, o que se aponta com mais frequência nos delinquentes é a distorção do superego.
De ordinário, os menores delinquentes sofrem pressões ambientais mais traumatizantes que os neuróticos. E ainda ressalta o fato de terem
passado, muitas vezes, um bom tempo de sua infância recolhidos a instituições, do gênero reformatório. Os neuróticos provêm de lares que
aparentam uma relativa estabilidade, enquanto, entre delinquentes, o habitual é que provenham de lares totalmente destruídos. Os pais de me-
nores delinquentes dão mostras de instabilidade temperamental ou mesmo de tendências ou atuações antissociais francas. Os pais de crianças
rotuladas como neuróticas são em geral neuróticos manifestos. Os laços emocionais entre filho e pai, entre filho e mãe, assim como os dos pais
entre si, são de hábito conturbados no caso de delinquentes, muito mais do que nos lares de onde provêm os jovens obsessivos fóbicos.
Curiosamente, porém, assinalam alguns autores, não se verificam diferenças de vulto no trato entre os irmãos, quer consideremos um ou
outro dos grupos comparados.
A conduta leviana, incoerente, dos pais, influi de modo nocivo na estruturação da personalidade da criança que poderá vir a ser um psicopa-
ta delinquente. Também importa mencionar aqui a proporção de menores perturbados da conduta que foram amamentados pela mãe é insigni-
ficante e, quando o foram, o desmame se deu precocemente. Com os conhecimentos que possuímos hoje acerca da formação da personalidade,
é fácil compreender que esses fatores negativos estão no núcleo dinâmico e genético do problema que ora nos ocupa. A base de toda a situação
psicopática-delinquente é um impulso, devido à carência das funções de adaptação aloplástica do ego. Entretanto, como a confusão é frequente,
importa salientar que impulso e compulsão são diferentes. A compulsão caracteriza o ato obsessivo, mandato interior para fazer algo sentido
como desagradável, por doloroso, cruel ou repugnante. Na prática clínica, os atos compulsivos podem às vezes com fundir-se com os impulsos,
principalmente se estes estão sobrecarregados de culpa.
A delinquência, que se impõe como expressão mais ostensiva da psicopatia, é um transtorno psíquico essencialmente evolutivo, que atinge
o processo de personificação. Em consequência, há um déficit do sentido de realidade, de sentimento de identidade, da noção do esquema cor-
poral e da capacidade de síntese do ego. A adaptação à realidade, não obstante a fachada de lucidez, é uma pseudo-adaptação, decorrente da falta
de integração adequada no nível afetivo e da inaptidão a aprender com a experiência. E sobre isso somem-se as deficiências de abstração, o que
leva o psicopata delituoso a incorporar experiências concretas sem seu correspondente valor simbólico. Portanto, se não vivencia o significado
efetivo de muitas situações existenciais, importantes, consegue apenas verbalizar suas emoções e tem extremamente comprometido o processo
do pensamento. Com efeito, pensar implica retardar a ação, esperar o momento apropriado para a gratificação desejada.
Como explicar, então, as habilidades mentais e motoras que caracterizam a maioria dos delinquentes, a ponto de escaparem impunes de
inúmeros roubos, assassínios, embustes, etc.? E que, como salientou Edgardo Rolla, esse “indivíduos fizeram de sua forma de viver um tipo de
especialização da coordenação motora estriada, e consequentemente da coordenação do pensamento, que lhes permite cometer com o máximo
de impunidade as ações fundamentais características do psicopata”.
Acentua-se ainda que, na psicopatologia desses indivíduos, se evidencia uma outra peculiaridade do psiquismo, que é a perturbação de
função sintética do ego, da qual depende a integração dos impulsos e o seu aproveitamento para o desenvolvimento da personalidade. Daí o
déficit de autocrítica, a desconsideração da realidade e a sempre possível eclosão criminosa.
Um dos aspectos do nosso tema, que talvez seja o que mais empolga no momento, é o da delinquência juvenil cujo substrato psicopa-
tológico pode consistir em qualquer tipo de psicopatia. Duas séries de fatores objetivos, convergindo para os sentimentos da infância e seus
privilégios, de um lado, e de outro, a expectativa ansiosa do futuro, contribuem para o quadro complexíssimo que configura a crise da adoles-
cência. Nessa crise, de ação e de expressão, o jovem corre atrás de suas definições: a sexual e a de identidade. As expressões fenomenológicas
dessa etapa subordinam-se às defesas antidepressivas. Nesse jogo defensivo, recorrem à mentira, à má-fé, às identificações projetivas maciças

Didatismo e Conhecimento 15
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
e, mais gravemente, às crises de despersonalização. A atividade des- CONDICIONANTES SOCIAIS
ses jovens psicopatas, que facilmente caem no delito, tanto em casa Condição Social versus Violência
como na escola, no trabalho, nos locais de diversão, tende a ser pre- Há quem considere a violência uma característica contemporâ-
dominantemente negativa, tanto do ponto de vista da produtivida- nea, que emana da evolução do homem, da globalização, da exclu-
de quanto da ética. Procedem de lares carentes de figuras parentais são e dos diversos níveis sociais.
apropriadas para uma boa identificação. São pais de caráter muito Ocorre que a violência, e por consequência a criminalidade,
infantil, desejosos de transformar os filhos em seus protetores, nos não se encontram restritas a esse ambiente. Quem assim pensa só
diferentes níveis emocionais. O resultado de tal relacionamento com conhece da violência atual das megalópoles, e já se equivoca por-
quanto desde os primórdios a violência acompanha a conduta huma-
os pais é desastroso. Sem modelos maduros, esses jovens são capa-
na, ou melhor, faz parte da natureza do homem independente deste
zes de desenvolver as qualidades que levam naturalmente ao equi-
encontrar-se em ambiente urbano ou rural. Naquele sentido, quando
líbrio adulto. Crescem, se é que se pode chamar a isso crescer, na falamos de violência estaríamos deixando à margem aquela violên-
dependência de mecanismos de repressão maciça e de negação dos cia do campo onde as contendas são resolvidas “na base do facão”,
instintos, o que os isola da realidade. Incrementando-lhes o narcisis- porquanto, ademais, não se revestem na degradação lato sensu do
mo e as fantasias de onipotência, fonte de suas defesas antidepres- homem.
sivas. Como lhes faltam pais para uma relação interpessoal salutar, Como anteriormente citado, alguns homens cometem crimes
tampouco podem adquirir confiança em si mesmos, o que constitui levados pela influência do meio em que vivem. Nesse passo, “con-
um pré-requisito indispensável para desenvolver o espírito de inde- dição social” abarca uma gama de características, quais sejam:
pendência e socialização. E que não puderam tornar próprios, assi- a) condição económica - renda insuficiente ou inexistente
milados, os controles externos. E mais, para neutralizar a angústia (oportunidade de trabalho);
que lhes provoca essa impotência, negam seu valor como norma de b) formação de caráter - estrutura familiar na qual foi criado e
vida. Tudo isso interfere negativamente na compreensão da realida- na qual vive atualmente, (educação - escola / creche);
de, que tentam manejar magicamente. O fracasso dessa defesa tem c) condições dignas de moradia - habitação com infraestrutura
adequada (ser humano);
uma das primeiras manifestações na ansiedade que lhes provoca a
d) outras;
escolha profissional, devido à incapacidade para renunciar. Escolher
Não podemos olvidar, como consequência da falta de tais “con-
então assume o significado, não de aquisição, mas de perda de algo. dições mínimas de sobrevivência” a precária alimentação do corpo
Muitas de suas ações agressivas tomam aspectos de substitutivos que influi, ademais, na má formação “física, psíquica e biológica”
de sintomas psíquicos. Haja vista a esfera de genitalidade. Como do homem, tornando-o “apto”, também, a delinquir; cuida-se do
a conduta genital se expressa em todas as atividades, o fracasso de louco criminoso que da patologia que possui - independente de sua
identidade sexual no psicopata manifesta-se em todos os campos da fonte - acarreta o crime. Nesta esteira, cumpre-nos examinar:
conduta humana.
A delinquência exprime o distúrbio da personalidade resultante A Influência da Educação nos Instintos Criminosos.
do conflito crônico com os pais, com as pessoas que são ou repre- “...a educação não representa senão uma das influencias que
sentam autoridades, com a sociedade em geral. O comportamento atuam nos primeiros anos da vida e que, como a hereditariedade e a
desses indivíduos atesta o fracasso mais flagrante da luta defensiva tradição, contribuem para a gênese do caráter. Mas, uma vez forma-
contra os impulsos, contra as premências reivindicantes. do, este subsiste, como a physionomia physica, perpetuamente aqui-
A pesquisa das raízes do verdadeiro sentido desse distúrbio do lo que é. De resto, é ainda duvidoso que um instinto moral definitivo
possa criar-se pela educação na primeira infância”.
existir levou os estudiosos do assunto a considerá-lo multidiscipli-
Como se verifica da citação de GAROFALO, a educação não
nar, epigenético. Portanto, será um enfoque errôneo pôr demasiada
se reveste de critério determinante à formação dos criminosos, mas
ênfase num só fator dominante da personalidade delituosa. As sé- deve ser considerado “um dos” fatores de influência em seu caráter.
ries complementares do desenvolvimento dos indivíduos - instintos, Vale dizer que o fato de um indivíduo possuir uma educação “exem-
família, costumes comunitários, sistema socioeconômico - todos plar” não resta definido seu futuro em face do cometimento futuro
amalgamados determinam vicissitudes de caráter e de conduta difi- de crimes.
cilmente reversíveis. Temos aí, referidas de relance, as ciências bási- Vale sopesar que a educação que faz referência o tópico desde
cas do homem: a Biologia, a Psicologia, a Ecologia, a Antropologia, título não se restringe tão somente ao sentido pedagógico; trata-se,
e a Sociologia. Quando ocorre uma falha na interação dessas séries ademais, de uma série de influências externas, “de cenas continua-
complementares, o que pode sobrevir é o transtorno no engajamento mente vistas” pelas crianças e que são capazes de criar hábitos mo-
pessoal, dificultando a colaboração coletiva a favor das transforma- rais.
ções do ambiente, que se faz através das influências renovadoras. E Fazendo um exercício hipotético de realidade, o que podemos
então o indivíduo - ante a angústia de sentir-se ameaçado de mar- esperar de duas crianças (um menino e uma menina) que são criados
ginalização, se a comunidade o abandona impiedosamente à sua em um lar aonde seu pai, depois de um longo e cansativo dia de “va-
diagem” chega em casa e prontamente passa a espancar sua esposa,
imaturidade psicológica, deixando-o entregue à indigência de seus
a gritar com seus filhos, chegando - não raras vezes a violentá-los.
recursos naturais de aprendizagem para a vida - ou reagirá destruti-
- Não é difícil crer que aquele menino vai crescer com a figura
vamente contra a sua organização comunitária ou se retrairá como de seus pais (ele violento e ela submissa) na mente, como uma man-
unidade social e se apagará no autismo. Noutras palavras: ou se ex- cha negra indelével, tendo para si a certeza de que aquele é o papel
travia no crime, ou se desagrega na psicose. da esposa e do marido no casamento.

Didatismo e Conhecimento 16
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
De outra feita, a posição daquela menina frente à sociedade A Influência Econômica nos Instintos Criminosos
conjugal que um dia possa vir a contrair fica desde logo afetada; não “crêem os socialistas que, removidas certas instituições e atin-
se poderá responsabilizá-la pelo medo e submissão da figura mascu- gido o ideal que eles proclamam, cessaria a maior parte dos delitos”.
lina que a acompanhará para sempre, ademais, caso venha ela a ser - Marginal é quem mora na favela!
violentada pelo futuro marido, nada de novo terá tal “bestialidade” Em tais locais, por exemplo, ademais do contato diário da vio-
posto que na sua concepção de família esta conduta é “legal”; não se lência com os moradores, suas próprias condições refletem a falta
cobrará dela sequer denunciá-lo. absoluta de condições humanas de vida; as pessoas vivem ao lado
“a educação doméstica é uma continuação da herança; o que de esgotos, “moram em residências” sem o mínimo de estrutura,
sem falar da precariedade de subsistência frente sua condição social.
não é transmitido por geração, é-o, de um modo também quase sem-
Tal realidade denota a falta de oportunidade de emprego e a
pre inconsciente, pelos exemplos dos pais”.
ineficácia do seu ganho refletir em melhores condições de SOBRE-
- Uma questão se impõe: Podemos afirmar que o marido que
VIVÊNCIA.
bate em sua esposa o faz porque sua mãe apanhava de seu pai? - Não
Muitos acreditam que o aumento da desigualdade social é o
há exceção? responsável pela violência que impera hodiernamente. Ora, se as-
Torna-se equivocado (fazendo referência novamente à citação sim o fosse, certo seria dizer que a violência se voltaria tão somente
de Garofalo) dizer que tais “cenas” são determinantes no caráter cri- contra os mais abastados; no entanto, o que se vê é a indiscriminada
minoso de um homem. violência, ou seja, o “não abastado”, ou mais, “o miserável” possui
Do sentido de educação podemos extrair algumas considera- chances iguais de ser violentado em seus mais diversos bens quanto
ções, o que impõe desde logo algumas indagações: aquele que ostenta boa situação econômica.
- Toda criança “mal educada” vai um dia cometer crime? - Al- O que ocorre - certamente - que a falta de condições econômi-
guém com “boa educação” pode cometer um delito? cas refletem e geram outros maus; a desigual repartição da riqueza
- A educação (ou a falta dela) é “o” caráter definidor da conduta condena uma parte da população à miséria, e com esta à falta de
delituosa de um indivíduo? educação, de moradia, de alimento, de condições mínimas de so-
Dados da Secretaria de Segurança Pública refletem as caracte- brevivência, de falta total de esperança num futuro pouco melhor.
rísticas dos internos da FEBEM e nos dão certa ideia dos fatores de- Tal assertiva reveste-se da realidade conquanto os “ricos” tam-
terminantes do crime; como se verá, a falsa ideia de que só o “pobre” bém cometem crimes; há aqueles que não estão privados de exce-
comete crime não se funda na realidade. lente moradia, educação pedagógica e familiar exemplar, mas nem
Os menores infratores apontam como fatores que os levaram por isso deixam, absolutamente, de estarem “aptos” à delinquência.
Os abastados trazem consigo diferentes fatores que os levam ao
ao crime: exclusão social, uso de drogas e falta de estrutura familiar.
crime. Algumas vezes, “o pobre” rouba visando o sustento de seus
As palavras dos internos da FEBEM são o retrato da mentalida-
familiares, ou ainda, o faz em busca de melhores condições de vida.
de social: “nem todos que estão é um bicho como a imagem nossa
O “rico”, de outra feita, já dispõe de tudo que necessita porquanto
lá fora”.
se alimenta com dignidade, sua família detêm certas “regalias”, não
“O que fez eu entrar pro crime (...) foi as necessidades que eu possuindo, a priori “desculpa para roubar”.
encontrei e que estava passando... uma certa ambição também de ter Possui, todavia, o que o homem tratou chamar de ganância.
as coisas (...) andar do jeito que todo mundo anda, com dinheiro. A Utópica e hipoteticamente refletindo, não podia ele dispor de
proposta que foi feita pra mim não foi a proposta de um trabalho, de seus bens em excesso a favor daquele que não os tem? - Assim não
ter um trampo. A primeira proposta que teve pra mim foi pegar num sendo, necessita ainda de mais, e, sobretudo, precisa delinquir para
revólver, foi vender uma droga”. alcançar este algo mais?
“não ter emprego, falta de estudo e não ter oportunidade pra nós O que diverge da antagônica realidade do “pobre” e do “rico”
da periferia. Essa situação chegou a um ponto que na vida do crime é o crime (meio) dos quais se utilizam para “saciar” seus desejos;
a gente ganhava alguma coisa”. O primeiro se vale do furto, do roubo, do sequestro; o segundo das
“eu costumava roubar para usar drogas e usar drogas para rou- falsificações e das fraudes de toda espécie, visando essencialmente a
bar. Quando eu ia roubar eu gostava de cheirar cocaína porque ela obtenção de mais riqueza (monetária). De certo que os crimes mais
estimulava a violência, deixa você mais agressivo. Então, eu tinha violentos estão ligados à camada mais baixa da sociedade, mas são,
mais apetite”. senão, variantes de um mesmo delito natural. A falta de freio moral
“já tirei a vida de duas pessoas num assalta, mas, por mim não é o mesmo!!!
fez nem falta” Independente ou não das sua boa ou má-educação lato sensu
(como explicitado no tópico anterior) o abastado comete o delito e
“o primeiro ato infracional que eu cometi na minha vida foi esse
não se frustra, igualmente, a novos crimes se necessário for.
homicídio. O que eu senti num primeiro momento foi a revolta. Eu
Inserida assim a questão podemos asseverar que os fatores eco-
até não queria mas a revolta foi trazendo tudo isso na minha cabeça
nômicos e educacionais não determinam, individualmente, o caráter
e pelo ódio e pelas mágoas eu ajuntei tudo e cometi esse crime”.
delinquente do homem. Devemos assim nos voltar para a base da
Sendo assim, em relação à educação podemos assegurar que formação que é a família e com igual razão ao Estado como garan-
não se trata de critério único e determinante na delinquência futura tidor de condições mínimas de humanidade. A família por sua vez
do homem; há se levar em consideração outros fatores que, soma- - berço de um futuro sólido - só se fortifica se o Estado se coloca
dos, PODEM criar uma personalidade criminosa. como sua base primária.

Didatismo e Conhecimento 17
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Homem violento e criminoso: Fruto do meio social em que
vive? 3.3 VITIMOLOGIA
Qualquer motivo é idôneo para impulsionar alguém a ter ou
deixar de ter determinado comportamento, ainda que considerado
socialmente inadequado ou absurdo; na verdade, toda ação possui
uma lógica interna, orientada para a satisfação de uma necessidade Vitimologia pode ser definida como o estudo científico da ex-
primordial de sobrevivência, de segurança ou de amadurecimento, tensão, natureza e causas da vitimização criminal, suas consequên-
tais como o amor, estima social, autoestima ou sensação de perten- cias para as pessoas envolvidas e as reações àquela pela sociedade,
cer a um grupo, qualquer que seja ele. em particular pela polícia e pelo sistema de justiça criminal, assim
É óbvio que as dificuldades econômicas pelas quais passam como pelos trabalhadores voluntários e colaboradores profissionais.
nosso país, refletem na população em geral, sobretudo nas camadas A definição abrange tanto a vitimologia penal quanto a geral ou
mais pobres, na grande parte miseráveis; contudo isso não importa vitimologia orientada para a assistência.
necessariamente em que se tornem criminosos. O termo “vitimologia” foi utilizado por primeiro pelo psiquiatra
americano Frederick Wertham, mas ganhou notoriedade com o tra-
Vários são os exemplos de que pobreza não implica em conduta
balho de Hans von Hentig “The Criminal an his Victim”, de 1948.
criminosa, sendo o maior de todos, no nosso ponto de vista, aquele
Hentig propôs uma abordagem dinâmica, interacionista, desafiando
em que o indivíduo se coloca como um animal de carga e passa a
a concepção de vítima como ator passivo. Salientou que poderia ha-
puxar um carrinho no qual deposita papelão ou ferro velho, para
ver algumas características das vítimas que poderiam precipitar os
sustentar a si e à sua família. Tais pessoas preferem o caminho mais fatos ou condutas delituosas. Sobretudo, realçou a necessidade de
difícil, ou seja, passar fome a cometer delitos. analisar as relações existentes entre vítima e agressor.
Os que o leva a não cometer crimes é difícil responder, mas sem A vitimologia é hoje um campo de estudo orientado para a ação
dúvida, tal resposta se baseia, necessariamente, na sua personalidade ou formulação de políticas públicas. A vitimologia não deve ser de-
(sentimento, valores, tendências e volições). finida em termos de direito penal, mas de direitos humanos. Assim,
Exatamente por serem vários os exemplos, entendemos não ser a vitimologia deveria ser o estudo das consequências dos abusos
lícito ao criminoso escorar-se na condição social para justificar seus contra os direitos humanos, cometidos por cidadãos ou agentes do
atos violentos. Em sua maioria, aquele que comete crime por passar governo. As violações a direitos humanos são hoje consideradas
fome, não usa da violência para cometê-los, opta no mais das vezes questão central na vitimologia.
por cometer pequenos furtos (chamado furto famélico). A expressão “vítimas” significa pessoas que, individual ou
Também é verdade que podemos encontrar atitudes violentas coletivamente, sofreram dano, incluindo lesão física ou mental, so-
e crimes violentos em todas classes sociais, do contrário como ex- frimento emocional, perda econômica ou restrição substancial dos
plicar crimes como o cometido pelo jornalista Pimenta Neves, o do seus direitos fundamentais, através de atos ou omissões que consis-
promotor de justiça Igor Ferreira que matou a esposa grávida de oito tem em violação a normas penais, incluindo aquelas que proscrevem
meses, dentre tantos outros. abuso de poder.
Contudo, não podemos nos apartar da realidade e negar que é As vítimas de atos ilícitos, especialmente de delitos, passaram
no seio da população mais carente e miserável que a violência e por fases que, no dizer de Garcia-Pablos de Molina, correspondem a
os crimes violentos encontram campo propício para se desenvolver, um protagonismo, neutralização, e redescobrimento.
ademais dos motivos anteriormente expostos. O protagonismo correspondeu ao período da vingança privada,
Nesse passo, os crimes violentos não se resumem em homi- em que os danos produzidos sobre uma pessoa ou seus bens eram
cídios, no entanto esse é um bom parâmetro para demonstrarmos reparados ou punidos pela própria pessoa. As chamadas ciências
nossa posição. Segundo dados fornecidos pela Secretaria de Se- criminais - Ciência do Direito Penal, Criminologia e Política Cri-
gurança Pública, no tocante ao ano de 1999, podemos observar a minal, “abandonaram” a vitima, quando sua atenção volta-se para
maior incidência de homicídios (100.000 habit.) no município de o infrator.
A resposta ao delito assume critérios vingativos e punitivos,
São Paulo nas áreas dos Distritos Policiais em que se encontram as
quase nunca reparatórios. A ideia de neutralização da vítima en-
populações mais carentes tais como Jardim Angela - 116,23; Cida-
tende que a resposta ao crime deve ser imparcial, desapaixonada,
de Ademar - 106,06; Iguatemi - 100,11; Parque São Rafael - 96,16
despersonalizando a rivalidade. O problema daí decorrente é que a
e Grajaú - 95,62 ao passo que há uma menor incidência nas áreas linguagem simbólica do direito e formalismo transformaram vítimas
dos Distritos Policiais em que se encontram populações de classes concretas em abstrações.
média e alta, tais como Moema - 4,11; Jardim Paulista - 8,22; Vila Observe-se, ainda, que a punição serviria como prevenção ge-
Mariana - 11,55; Perdizes - 14,73 e Alto de Pinheiros - 16,49 (Apên- ral. Pouca preocupação havia com a reparação. O redescobrimento
dice, p. VI e VII). da vítima é um fenômeno do pós 2ª Guerra Mundial. É uma resposta
Não podemos assim responder se o homem violento é produto ética e social ao fenômeno multitudinário da macrovitimização, que
do meio em que vive ou se ele forja tal meio ao seu talante, ou seja, atingiu especialmente judeus, ciganos, homossexuais, e outros gru-
se o meio é produto do homem; no entanto, com certeza, podemos pos vulneráveis. Esse redescobrimento não persegue nem retorno à
dizer que a grande massa de miseráveis, principalmente aqueles que vingança privada; nem quebra das garantias para os delinquentes: a
coabitam em favelas, convivem no seu dia a dia com um alto grau vítima quer justiça.
de violência, comparável somente a Estados que se encontram em A vitimologia vem, efetivamente, conferir novo status à vítima,
constante guerra. Diante das estatísticas e números não há argumen- contribuindo para redefinir suas relações com o delinquente; com o
tos. sistema jurídico; com autoridades, etc.

Didatismo e Conhecimento 18
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
A propósito, o próprio conceito de vítima precisou ser revisto, Outro aspecto absolutamente relevante é que a vítima é fonte
posto que já não corresponde apenas ao sujeito passivo (protago- de informações. Com efeito, as pesquisas de vitimização fornecem
nista) do fato criminoso. Exemplo de modo amplo de compreender imensos subsídios a respeito de como os delitos ocorrem, em que
vítima é trazido por Sue Moody, ao mencionar como o principal circunstâncias de tempo e lugar, e por quais fatores desencadeantes.
documento definidor de política pública para vítimas de delitos, na A partir da vítima, que é conhecida, e acessível de pronto, é possível
Escócia, trata a questão: Vítima é qualquer pessoa que tenha sido su- identificar relações existentes ou não com a pessoa do agressor, e
jeita a qualquer tipo de crime, como também sua família ou aqueles outros fatores relevantes.
que gozam de uma posição equivalente à de família. O medo do delito e o medo coletivo de ser a próxima vítima são
Ao lado do conceito mais amplo de vítima, surgiu também o de também objeto do estudo da vitimologia. O medo, percepção e sen-
vitimização, que examina tanto a propensão para ser vítima quanto timento individual, mas com forte conteúdo de objetividade, ajuda a
os vários mecanismos de produção de danos diretos e indiretos so- reconhecer a presença do risco, e orientar a conduta para minimizá-
bre a vítima. -lo ou mitigar seus efeitos. Mas também o medo aprisiona, e termina
Israel Charny entende que o processo de vitimização diz res- sendo, ele mesmo, fator de vitimização. A sensação de insegurança
peito a relações humanas, que podem ser compreendidas como re- coletiva, que enseja a adoção de políticas criminais fortemente re-
lações de poder. Fattah (1979) identificava no crime como que uma pressoras, plenas de abusos de direitos, e destruição de prerrogativas
transação em que agressor e vítima desempenhavam papéis. Assim, dos cidadãos, encontra aí sua raiz.
a identificação de vulnerabilidade e de definibilidade da vítima são Também o modo como a política criminal trata a vítima é tema
essenciais no processo. de relevo. O modo tradicional tenta, quando o faz, uma ressociali-
A vulnerabilidade da vítima decorre de diversos fatores (de or- zação do delinquente. Mas raramente se percebe que também a víti-
dem física, psicológica, econômica e outras), o que faz com que o ma precisa se encontrar, e ser reintroduzida ao convívio social. Não
risco de vitimização seja diferencial, para cada pessoa e delito. Nes- sendo percebida, torna-se esquecida em todas as fases das políticas
se sentido, o exame dos recursos sociais efetivos da vítima também criminais. A chave para sua inclusão está no respeito a seus direitos,
deve ser levados em conta. para evitar vitimização secundária. Esta termina acontecendo quan-
Kurt Vonnegut Jr., com uma certa ironia, afirma que “Os evan- do se tem a lesão e sua não reparação; o crime e sua impunidade; a
vitimização e a ausência de investigação, de processo e de condena-
gelhos ensinaram, de fato, o seguinte:” Antes de matar alguém, cer-
ção. Uma tendência que tem sido observada é a introdução de pro-
tifique-se de que ele não é bem relacionado.”
gramas de assistência à vítima, que incluem assistência strictu sensu,
Os judeus mataram Cristo. Mais de 2.000 anos depois, mais de
reparação pelo infrator, programas de compensação, e programas
um bilhão de pessoas diariamente escutam, em todas as partes do
especiais de assistência, quando a vítima for declarante.
mundo, a narrativa de sua morte. “Não sabíamos que era o Filho
Talvez as maiores contribuições estejam sendo dadas a partir
de Deus”, poderão responder. Como, em Brasília, os garotos que
das reflexões sobre as relações existentes entre a vítima e sistema
brincaram de incendiários, e queimaram o índio Galdino Pataxó dis-
legal, e a vítima e a justiça penal.
seram: “Não sabíamos que era um índio. Pensávamos que fosse só O sistema legal costuma realizar perseguição aos delitos noti-
um mendigo”. ciados. Estudos revelam que há subnotificação. Ou seja, os delitos
praticados são em número superior às ocorrências registradas. Por
Contribuições da vitimologia que se subnotifica? Quem melhor pode responder é a vítima, e o
sistema não pode ser indiferente às suas percepções.
Os estudos de vitimologia tem dado imensa contribuição para Ora, a alienação em relação ao sistema diz tanto quanto a afir-
a compreensão do fenômeno da criminalidade, contribuindo para mação de notificar. O certo é que a vivência da vítima, e suas carac-
melhor enfrentamento, a partir da introdução do enfoque sobre as terísticas e atitudes são elementos e fatores relevantes para o ade-
vítimas atingidas e os danos produzidos. O primeiro aspecto obser- quado funcionamento do sistema penal.
vado por Garcia-Pablos diz respeito à compreensão da dinâmica cri- A relação existente entre crimes conhecidos ou esclarecidos
minal, e da interação delinquente-vítima. Em que medida a vítima pela Polícia, ou processados, e o papel desempenhado pela vítima.
interfere para o desencadear da ação, ou sua precipitação. Em que Identificam que os crimes conhecidos ordinariamente resultam de
medida suas ações ou reações condicionam ou direcionam as ações uma proatividade da polícia, ou de uma reatividade. Na pro-ativida-
dos agressores. E em que delitos o papel da vítima é de menor im- de, a polícia seleciona suspeitos pelos estereótipos. Isso pode impli-
portância. car em procedimentos discriminatórios por parte da polícia, desde
Análise sobre a vítima também se faz relevante para a preven- que há grupos antecipadamente considerados como mais propensos
ção do delito. A introdução da chamada “prevenção vitimaria”, que à prática de delitos, e outros grupos imunes à suspeita, ou investi-
se contrapõe à prevenção criminal, realça a importância de se evi- gação.
tar que delitos aconteçam, a partir da reorientação às vítimas, e aos Na reatividade, a denúncia da vítima desempenha papel vital.
próprios órgãos do estado, para que adotem condutas e perspectivas Mas eles advertem: nem toda vítima faz desencadear investigações.
distintas, que reduzam ou eliminem as situações de risco. A reflexão Só as capazes de se justificarem como tais. Ou seja, não é toda víti-
parte da constatação de que o crime é um fenômeno seletivo, e que ma que consegue fazer com que a polícia inicie uma investigação. E
atinge os mais vulneráveis, no momento de maior vulnerabilidade. é a polícia que define quem e o que investigar.
Assim, a prevenção é dirigida aos grupos mais vulneráveis ou mais As conclusões a que chegaram esses pesquisadores apontam no
propensos à vitimização. Além disso, essa prevenção vitimaria exi- sentido de que a polícia não investiga quando a vítima se opõe forte-
ge adoção de políticas públicas sociais, ensejando intervenção não mente, nem quando o investigado é muito poderoso. Por outro lado,
penal. Finalmente, corresponsabiliza todos. O que é muito próprio, o ministério público também constrói seu perfil de vítima ideal. Esta
já que vivemos em uma sociedade de risco. deve ser aquela que pode ser uma boa testemunha.

Didatismo e Conhecimento 19
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Finalmente, os estudos de vitimologia ajudam a melhor com- Pensou-se no passado que a vítima era sempre inocente e o cau-
preender a interação existente entre a vítima e justiça penal. O mo- sador do delito o único e exclusivamente culpado. Com o tempo, as
delo clássico, com efeito, tem a vítima como objeto, ou pretexto, pesquisas, os estudos e segundo a designação de Benjamin Mendel-
para a investigação. Mas ordinariamente não leva em conta seus sohn, a vítima pode ser inteiramente inocente na dinâmica do crime;
interesses legítimos. Isso fez com que fossem identificados fatores pode ser tão culpada quanto o agente; mais culpada do que o agente;
que pudessem contribuir para mensurar a qualidade de uma justiça pode ser menos culpada de que o agente criminoso e ainda, poderá
criminal. Entre esses, são examinados como se concebe o fato deliti- ser a única culpada do cometimento de um crime.
vo e o papel dos protagonistas; como ou se se satisfaz a expectativa O vitimólogo fundamenta sua classificação na correlação da
dos protagonistas; qual o custo social; qual a atitude dos usuários culpabilidade entre a vítima e o infrator. Vislumbrando, pois, em
da justiça. primeira mão, a atitude da vítima relacionada à aplicação da pena.
O Conselho de Ministros da União Europeia publicou uma De-
cisão Referencial sobre a Presença das Vítimas nos Procedimentos Vitimização: Vitimização, processo vitimizatório, ou vitimação
Criminais. Como padrão mínimo é incluído o dever de informação são termos neológicos, oriundos de “vítima”, e significam ação ou
sobre tipos de apoio disponíveis para a vítima; onde e como comuni- efeito de alguém vem a ser vítima de sua própria conduta ou da con-
car a queixa; os procedimentos criminais e o papel da vítima; acesso duta de terceiro, ou fato da natureza.
a proteção e aconselhamento; elegibilidade para compensação; re-
sultado do julgamento e da sentença. Uma boa comunicação com a Classificação Vitimológica
vítima é exigida em todas as fases do processo criminal.
Em linhas gerais, podemos definir vitimologia, como muito O vitimólogo israelita Benjamín Mendelsohn fundamenta sua
mais do que o estudo da influência da vítima na ocorrência do delito, classificação na correlação da culpabilidade entre a vítima e o infra-
pois estuda os vários momentos do crime, desde a sua ocorrência até tor. E o único que chega a relacionar a pena com a atitude vitimal.
as suas consequências. O Direito Penal desde a Escola Clássica sem- Sustenta que há uma relação inversa entre a culpabilidade do agres-
pre concentrou seus estudos no trinômio delinquente – pena – crime, sor e a do ofendido, a maior culpabilidade de uma é menor que a
após trabalhos apresentados sobre a situação da vítima começaria a culpabilidade do outro.
mudar, com a evolução do Direito Penal e os estudos sobre o delito,
o infrator e a vítima foi tendo importância no mundo todo. 1 - Vítima completamente inocente ou vítima ideal: é a vítima
Percebe-se então, que no estudo da vitimologia há dois pontos inconsciente que se colocaria em 0% absoluto da escala de Mendel-
fundamentais: o estudo do comportamento da vítima de forma geral, sohn. E a que nada fez ou nada provocou para desencadear a situa-
ção criminal, pela qual se vê danificada. Ex. incêndio
sua personalidade, seu atuar na dinâmica do crime, sua etiologia e
relações com o agente criminoso e a reparação do dano causado pelo
2 - Vítima de culpabilidade menor ou vítima por ignorância:
delito.
neste caso se dá um certo impulso involuntário ao delito. O sujeito
Podemos dizer que no Brasil já tinha noções de vitimilogia,
por certo grau de culpa ou por meio de um ato pouco reflexivo cau-
quando estudos demonstram que o Santo ofício da Inquisição agia
sa sua própria vitimização. Ex. Mulher que provoca um aborto por
como uma espécie de jus punienti contra qualquer um que pudesse
meios impróprios pagando com sua vida, sua ignorância.
colaborar com ideias diferentes. Nunca se estabeleceu oficialmente
um Tribunal no Brasil, embora tenha sempre agido em terras brasi-
3 - Vítima tão culpável como o infrator ou vítima voluntária:
leiras por intermédio das autoridades eclesiásticas locais e visitado-
aquelas que cometem suicídio jogando com a sorte. Ex. roleta russa,
res. Na primeira década do século XVIII a Inquisição fez prisões em suicídio por adesão vítima que sofre de enfermidade incurável e que
massa, no auto de fé de 1711 havia 52 brasileiros, as perseguições e pede que a matem, não podendo mais suportar a dor (eutanásia) a
os confiscos de propriedades nesse ano levaram a uma paralisação companheira (o) que pactua um suicídio; os amantes desesperados;
crescente na fabricação do açúcar, prejudicando seriamente o co- o esposo que mata a mulher doente e se suicida.
mércio. Procurando resolver as demandas, necessita assim de um
engajamento do poder público, a fim de proporcionar melhores con- 4 - Vítima mais culpável que o infrator:
dições de vida à população desprovida de recurso. - Vítima provocadora: aquela que por sua própria conduta in-
cita o infrator a cometer a infração. Tal incitação cria e favorece a
Vítima: Etmon: Victima ae = da vítima + logos = tratado, estu- explosão prévia á descarga que significa o crime.
do = estudo da vítima. - Vítima por imprudência: é a que determina o acidente por
A palavra foi usada pela primeira vez, por Benjamim Mendel- falta de cuidados. Ex. quem deixa o automóvel mal fechado ou com
son, advogado israelense, vítima da II Guerra mundial, em 1947, as chaves no contato.
em palestra intitulada “The origins of the Doctrine of Victimology”.
“Pessoa que, individual ou coletivamente, tenha sofrido danos, 5 - Vítima mais culpável ou unicamente culpável:
inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda fi- - Vítima infratora: cometendo uma infração o agressor cai ví-
nanceira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, tima exclusivamente culpável ou ideal, se trata do caso de legitima
como consequências de ações ou omissões que violem a legislação defesa, em que o acusado deve ser absolvido.
penal vigente, nos Estados–Membros, incluída a que prescreve o - Vítima simuladora: o acusador que premedita e irresponsa-
abuso de poder”. (Resolução 40/34 da Assembléia Geral das Nações velmente joga a culpa ao acusado, recorrendo a qualquer manobra
Unidas, de 29/11/85). com a intenção de fazer justiça num erro.

Didatismo e Conhecimento 20
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
Meldelsohn conclui que as vítimas podem ser classificadas em A inclusão real da vítima na investigação e no próprio processo
3 grandes grupos para efeitos de aplicação da pena ao infrator: criminal na condição de aliada ao trabalho do Ministério Público,
1 - Primeiro grupo: vítima inocente: não há provocação nem demonstram que, inúmeros delitos não ocorreriam se a vítima não
outra forma de participação no delito, mas sim puramente vitimal. facilita-se, diretamente a ação do criminoso. A Lei 9.807 de 13 de
2 - Segundo grupo: estas vítimas colaboraram na ação nociva e Julho de 1.999 estabelece normas e programas para proteção das
existe uma culpabilidade reciproca, pela qual a pena deve ser menor vítimas, que tenham ou venham a ser ameaçadas pelos criminosos.
para o agente do delito (vítima provocadora) Diferentemente de Vitimologia o campo de Direitos Humano
3 - Terceiro grupo: nestes casos são as vítimas as que cometem tem pouco apelo de pesquisa acadêmica e científica e menos litera-
por si a ação nociva e o não culpado deve ser excluído de toda pena. tura examinando temas de Vitimização.
A Vitimologia pode oferecer aos Direitos Humanos a metodo-
Direitos das vítimas logia e um conjunto de Teorias Vitimológicas e questões, sem contar
com dados comparativos e outras categorias de vítimas, como víti-
mas de crime. Com ênfase no crime, a Vitimologia pode auxiliar os
Basicamente os direitos das vítimas consistem em tratamento
Direitos Humanos a teorizar mais claramente sobre “crimes contra
justo e respeito à sua dignidade e privacidade; proteção contra agres-
a humanidade”, ainda parcialmente operacionalizado. Pode também
sor; informação sobre a tramitação processual, e garantia de pre-
ajudar a melhor conceituar a Vitimização definida como Criminal,
sença em corte; acesso ao acusador público; restituição das coisas comparativamente às não consideradas Criminais, apesar de seus
indevidamente tomadas ou apreendidas; informação sobre a conde- efeitos danosos.
nação, a sentença, a prisão e a libertação do agressor. O Direito Humano pode ajudar a examinar as fontes de Vitimi-
A Declaração sobre os princípios fundamentais de justiça para zação e a relação entre causa da opressão. As vítimas de opressão te-
as vítimas de delitos e do abuso de poder, da ONU, deram a direção rão uma responsabilidade funcional para com a Vitimização? A que
que foi seguida pela norma americana: garantia de ACESSO A JUS- ponto as violações de Direitos Humanos emergem de mecanismos
TIÇA E TRATAMENTO JUSTO; tratamento com compaixão e res- de controle social doméstico? Alguns grupos ou poucos poderiam
peito; Informação sobre seu papel e alcance; assistência apropriada Ter sido designados implícita ou explicitamente vítima alternada-
(legal, medica, psicológica); ressarcimento dos danos; informação mente “legitimadas”, não lhes garantindo proteção efetiva? Parado-
sobre a tramitação processual. xalmente pode, se fornecer mais dados adotando perspectivas, mas
amplas dos Direitos Humanos.
Direitos Humanos e Vitimologia
Fases do Inter Victimae, o crime precipitado pela vítima
Direitos Humanos e vitimologia resultam de um novo olhar so-
bre as vítimas, como consequência dos horrores da 2ª Guerra e do - Intuição, “quando se planta na mente da vítima a ideia de ser
nazi-fascismo. Não é obra do acaso o fato de o primeiro instrumento prejudicado por um ofensor”.
vinculante, promulgado no âmbito da ONU, ter sido a Convenção - Atos preparatórios (conatus remotus), “momento em que re-
contra o Genocídio, em 9 de dezembro de 1948, um dia antes da vela a preocupação de tomar as medidas preliminares para defender-
promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos. -se ou ajustar o seu comportamento”.
A vitimologia é uma espécie de “filha” da Criminologia, ou - Início da execução (conatus proximus), “oportunidade em
parte dela. Integra com esta última os pilares das ciências criminais que a vítima começa a operacionalização de sua defesa aproveitando
(ciência do direito penal, criminologia e política criminal). Analisa a chance que dispõe para exercitá-la”.
o sistema de justiça e segurança. O seu objeto de estudo faz parte - Execução (executio), “resistência da vítima para evitar a todo
(estando contido) no âmbito de atuação dos direitos humanos. O âm- custo, que seja atingida pelo resultado pretendido por seu agressor”.
- Consumação (consumatio), “quando a prática do fato de-
bito dos direitos humanos é mais amplo. Abrange os direitos civis
monstrar que o autor não alcançou seu propósito (fins operantis)
e políticos (como vida, liberdade, integridade física e mental, julga-
em virtude de algum impedimento alheio à sua vontade, aí pode se
mento justo, propriedade, etc.), mas também acrescenta os direitos
classificar como tentativa de crime”.
econômicos, sociais e culturais, conhecidos como DESCs. Assim,
vítimas de fome, despejos forçados e coletivos, desemprego, discri- Diante do que discorre o artigo 59, Caput do Código Penal,
minação, doenças, etc, são sujeitos de direitos no direito internacio- passou a ser do magistrado na dosimetria da pena, analisar o com-
nal dos direitos humanos. O olhar solidário as enxerga, e as traz para portamento da vítima (antes e depois do delito) como circunstância
protagonizarem as lutas em defesa do reconhecimento e respeito de judicial na individualização da pena imposta ao acusado. De acordo
seus direitos. com o professor Edmundo de Oliveira, “Inter Victimae” é o cami-
Quanto ao modo de atuar, a interdisciplinaridade caracteriza nho, interno e externo, que segue um indivíduo para se converter em
tanto a criminologia e a vitimologia quanto os estudos de direitos vítima, o conjunto de etapas que se operam cronologicamente no
humanos. desenvolvimento de Vitimização.

Proteção às Vítimas LEI 9.099/95

A política criminal não pode continuar limitada à ideia de “tra- Principais avanços gerais:
tamento”, deve-se tentar de todas as formas de intervenção destina- - Concepção do delito como um fato histórico, inter pessoal,
das a neutralizar as cargas de medo e frustração da vítima, consoli- comunitário e social;
dando que se converta à vítima em fim autônomo da própria política - Transformação da vítima em sujeito de direitos;
criminal. - O fim da despersonalização do conflito;

Didatismo e Conhecimento 21
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
- A ponderação das várias expectativas geradas pelo crime; Para as vítimas desse tráfico humano moderno, o sonho de uma
- A comunicabilidade, possibilidade do diálogo entre infrator vida melhor quase sempre desmorona mais rápido do que o espera-
e vítima; do. O aumento da discriminação e da violência contra os migrantes
- Resolutibilidade, que a decisão adotada pelo juiz criminal re- é uma das consequências de 11 de Setembro de 2001.
solva o conflito, é dizer, permita a reparação do dano; O Departamento de Estado dos EUA, em relatório divulgado,
- A vítima passa a ser comunicada de todo o andamento do feito considera o Brasil, País fornecedor de vítimas para o tráfico domés-
e de seus direitos; tico e internacional de seres humanos. Além de uma falta de per-
- Evita-se a vulgarização da pena de prisão (última ratio) des- cepção do crime por vítimas, denunciantes, órgãos de defesa e ope-
mistificando-se; radores de direito, outros fatores negativos são as leis inadequadas,
- A pretensão punitiva, na linha da “força do Direito”. a falta de conhecimento da legislação nacional, tanto de brasileiros
quanto estrangeiros. As embaixadas e consulados também estão
Reparação do dano: O tema remota a mais longínqua antigui- despreparados para proceder nos casos de diagnósticos de tráfico,
dade, vários monumentos legislativos da história demonstraram a processos e inquéritos sistematizados. É essencial haver enfrenta-
preocupação do legislador, da comunidade e do grupo social com mento do problema sob a ótica de responsabilização, aumentando a
um todo, pela reparação do dano, exemplificando o Código de Ha- capacidade institucional de investigação e incrementar políticas de
murabi datado do século XXIII a.C. apoio às vítimas e testemunhas do tráfico.
Modernamente, há que se destacar a Lei n.º 9.099/95 que pre- A legislação existente deve vigorar, não permitindo lacunas ou
ocupou-se com a reparação do dano à vítima. Comenta Luiz Flávio incorreção legais. Aquele que “compra” a pessoa traficada deve ser
Gomes: “...a lei 9.099/95, no âmbito da criminalidade pequena punido também, o tráfico não deve restringir à prostituição e sim
e média, introduziu no Brasil o chamado modelo consensual de incluir outras modalidades estabelecendo uma figura autônoma com
Justiça Criminal. A prioridade agora não é o castigo do infrator, punição mais elevada, depois do tráfico de drogas e de armas, o de
senão sobretudo a indenização dos danos e prejuízo causados pessoas é o ramo mais lucrativo do crime estabelecido. Propõe-se
pelo delito em favor da vítima”. um novo modelo de Justiça Penal, em que o Estado dará resposta
Assim, a Lei propõe uma inversão, a pena privativa de liber- eficaz à população que exige um sistema adequado garantindo o res-
dade como exceção para casos especiais, e maior destaque para as sarcimento do dano causado pela criminalidade.
penas alternativas.
A Lei enfoca a vítima direta ou indiretamente vária vezes com o Síntese Histórica
intuito de participação ativa desta no processo, visando, pois, mino-
rar os efeitos da vitimização secundária e, consequentemente, atin- As escolas penais, tanto a Escola Clássica de Becaria e Fuerba-
gir um dos objetivos da vitimologia, a reparação do dano. ch, como a Escola Positiva de Lombroso, Ferri e Garofalo, estavam
Há evidências disto quando do estudo dos novos institutos da centradas nos elementos delito/delinquente/pena. Não houve grande
Lei n.º 9.099/95, tais como, a composição civil que implica em re- preocupação com a vítima.
núncia da vítima ao direito de queixa ou representação; a ampliação Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes e Antônio Garcia Pablos de
do rol de crimes que dependem de representação; e a suspensão con- Molina comentam: “O abandono da vítima do delito é um fato
dicional do processo, institutos esses, que evidenciam, repita-se, o incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito
incentivo à reparação do dano. Penal (material e processual), na Política Criminal, na Política
Outros diplomas legais preocuparam-se com a vítima no to- Social, nas próprias ciências criminológicas. Desde o campo da
cante a reparação do dano, citamos: a Lei n.º 8.078/90, Código de Sociologia e da Psicologia social, diversos autores, têm denun-
Defesa do Consumidor; a Lei n.º 9.503/98 que instituiu o Código de ciado esse abandono: o Direito Penal contemporâneo, advertem,
Trânsito; a Lei n.º 9.714/98 que deu  nova redação a vários artigos acha-se unilateral e equivocadamente voltado para a pessoa do
do Código Penal; e a Lei n.º 9.605/98 que regulamentou a prestação infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, no âmbito
pecuniária nos crimes ambientais. da previsão social e do Direto civil material e processual”.
Mais do que em outros países do mundo, na América Latina, Praticamente, só no final da Segunda Guerra Mundial, um ad-
apesar das constituições democráticas e dos Códigos Penais, a per- vogado de origem israelita chamado Benjamin Mendelsohn, tam-
cepção de crime está diretamente influenciada pelo uso que as elites bém vítima da guerra, começou a pensar em sistematizar uma nova
fazem dos aparelhos judiciais. Há uma confluência entre os alvos do ciência ou desenvolver um ramo da criminologia que foi a vitimo-
medo, do crime das políticas judiciais e da percepção da mídia nas logia.
práticas criminosas que são os crimes comuns. Sua obra “Horizonte Novo na ciência Bio-psicosocial – A Vi-
Em consequência, as políticas de prevenção do crime, espe- timologia”, publicada em 1956 passou a ser um marco no assunto,
cialmente aquelas propostas nas campanhas eleitorais visam menos seguido posteriormente, de vários outros estudos iniciando uma fase
reduzir e controlar o crime e as oportunidades de delinquir ou apro- de redescoberta da vítima, pois, até então não passava de um subde-
fundar a eficiência de políticas de prevenção ao crime, mas apenas senvolvido sujeito passivo no crime ou no processo penal.
diminuir o medo e a sensação de insegurança das classes. Importante ainda, ressaltar no processo evolutivo, a Resolução
Teóricos apontam ferminização dos processos migratórios, n.º 40/34 denominada Declaração Universal dos Direitos da Vítima,
milhares de mulheres deixam o Terceiro Mundo para tentar a sorte promulgada pela ONU em 29 de novembro de 1985.
em países industrializados e acabam se transformando na face feu- Nesse sentido, Antônio Scarance Fernandes reconhece a im-
dal das ricas e modernas sociedades privilegiadas. Tráfico humano, portância da vítima na história do Direito Criminal, citando três
prostituição involuntária, casamentos forçados, são vários os méto- momentos distintos na história processual penal: o primeiro ainda
dos da escravidão moderna. à época da vingança Privada ou Justiça Privada, depois, correspon-

Didatismo e Conhecimento 22
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
deria, a punição do culpado, a um dever sagrado exercido conjun- Essa consolidação da vitimologia como ciência independente,
tamente pela Igreja e Estado e, por último, o estágio atual onde o veio a se confirmar com a Declaração dos Princípios Básicos de Jus-
direito de punir é exclusivo do Estado. tiça para as Vítimas de Delitos e Abuso de Poder, no 7° Congresso
A preocupação com a reparação causada injustamente como das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e Tratamento do
medida de justiça remonta desde a antiguidade, embora sem a cla- Delinquente, no ano de 1985, em Milão.
reza científica da vitimologia atual, como podemos verificar através Nesse congresso firmou-se um conceito mundial de vítima,
dos Códigos e Leis antigos, dentre eles o Código de Ur-Nammu, as como sendo o individuo ou coletividade que tenha sofrido lesões de
Leis de Eshnunna, o Código de Hammurabi, o Alcorão, o Código de qualquer tipo (físicas ou psíquicas) em decorrência de violações da
Manu e a Lei das XII Tábuas. legislação de cada Estado-Membro ou ainda de normas reconheci-
A vitimologia nasceu após a segunda Guerra Mundial, mais das mundialmente, relativas a Direitos Humanos.
especificamente em 1947, dois anos após seu término, em decorrên- No Brasil, temos como estudiosos do tema Edgard de Moura
cia do sofrimento dos judeus pelo nazismo de Hitler que teve como Bittencourt, Laércio Pelegrino e a professora Arminda Bergamini
resultado milhões de mortos, feridos e desaparecidos que chocou o Miotto, que contribuíram para a difusão da vitimologia no país.
mundo e influenciou o Direito Penal na Europa.
Com isso, o estudo da vítima, que se encontrava esquecida des- A aplicabilidade da Vitimologia no Brasil
de a época da vingança privada, voltou a ter importância deixando
de ser o Direito Penal, o Direito dos Criminosos, como afirmou Car- Atualmente temos o que podemos chamar de criminalida-
rara. de oculta vez que nem todos os delitos que ocorrem são levados
Nos mostra Calhau que o estudo da vítima teve como seu pre- a conhecimento das autoridades policiais e judiciária (cifra negra)
cursor Benjamim Mendelsohn, Professor Emérito da Universidade devido ao medo de represálias ou pela descrença na justiça penal,
Hebraica de Jerusalém e também vítima da Guerra, quando falou em fazendo com que as estatísticas oficiais não representem fielmente a
1947 sobre o assunto na conferencia realizada na Universidade de real criminalidade.
Bucareste. No ano seguinte o tema foi abordado por Hans Von Hen- Assim, as pesquisas de vitimização compostas por questioná-
tig ao divulgar sua pesquisa “O criminoso e sua vítima” na universi- rios estruturados, direcionados às vítimas dos delitos, sem levar em
dade de Yale, onde traçou a importância da psicologia no estudo da conta as estatísticas oficiais, como aponta Molinas, “permitem ava-
vítima juntamente com seu ofensor.
liar cientificamente a criminalidade real, constituindo a técnica mais
Após estes estudiosos que deram o primeiro passo, outros vie-
adequada para quantificá-la e identificar suas variáveis”. Permitem
ram a discutir o tema, com destaque para Vasile Stanciu autor de
identificar variáveis como idade, nível econômico e sexo das vítimas
grandes obras sobre sociologia criminal, com enfoque para a viti-
em cada tipo de delito, facilitando os programas de prevenção.
mologia.
Nosso pais é recordista em analfabetismo, desigualdade social
A vitimologia se consagrou como disciplina criminológica em
pela alta concentração de renda nas mão de poucos, desemprego,
1956 quando o próprio Mendelsohn sistematizou vários estudos de
desnutrição infantil e falta de saneamento básico e água potável. Es-
sua autoria; começou a crescer, chegando em 1965 à América La-
tina, com Jimenez de Asúa, sendo ali o primeiro jurista a se ocupar ses fatores favorecem, e muito, o processo de vitimização da nossa
dela em seminário realizado na Faculdade de Direito de Buenos Ai- população. Daí a necessidade de se dar maior importância à vitimo-
res. Em seguida, chegou a Israel, onde foi realizado no ano de 1973, logia, não só buscando a punição do infrator ou a reparação das con-
na cidade de Jerusalém, sob a supervisão de Israel Drapkin (diretor sequências de sua conduta mas também orientando o Poder Público
do Instituto de Criminologia da Faculdade de Direito da Universi- na prevenção dessas causas de vitimização.
dade Hebraica de Jerusalém), o I Congresso Internacional de Viti- O estudo da vítima, sob seus variados aspectos constitui um
mologia onde se discutiu as causas da vitimização e sua prevenção dos grande desafios das ciências criminais. O assunto reúne à eleva-
e pesquisa. ção teórica uma significativa importância prática, isso concernente
Após este, vários outros simpósios foram organizados ao longo ao comportamento da vítima no julgamento e aplicação da pena e
dos anos pelo mundo: 1976 em Boston, Estados Unidos; 1979 em quanto à reparação do dano.
Münter, República Federal da Alemanha; 1982 em Tóquio e Quioto, Podemos afirmar que a vítima foi, durante muito tempo esque-
Japão; 1985 em Zagreb, Iugoslávia e os Congressos Internacionais cida, porém, modernamente, e com a edição da Lei n.º 9.099/95 que
realizados em 1980 nos Estados Unidos e em 1982 na Itália. trouxe importantes modificações, a tendência atual do direito penal,
O surgimento repentino da vítima, a exemplo do que ocorrera seguido por outros ramos do Direito, é a valorização da vítima.
no passado com o criminoso, fez com que Mendelsohn propusesse à Resta claro, pois, que ainda há muito a se explorar, porém, é
ONU que considerasse a vitimologia como uma ciência e não mais mister concluirmos pela ascensão do papel da vítima como elemento
como um desdobramento da criminologia, o que foi objetado por estrutural do Estado Democrático de Direito.
Pinatel sob o argumento de que criminoso e vítima são indissociá-
veis, sendo a criminologia e a vitimologia o estudo do fato crimino-
so como um todo, definindo a tese de Mendelsohn como abrangente. 3.4 PREVENÇÃO DO DELITO
Todavia, este argumento posteriormente fora refutado por Men-
delsohn, que ao ampliar seu conceito, considerando todas as catego-
rias de vítimas na sociedade, inclusive as não decorrentes de crimes,
antecipou-se à concepção atual de vitimologia. É por esta amplitude A constante busca de um ideal, seja moral, religioso, político ou
conceitual que transcende o estudo das vítimas criminais, que a vi- social, tem caracterizado sempre a aventura humana. Essa perma-
timologia era considerada por Mendelsohn e hoje, por vários outros nente indagação deu origem a determinadas crenças, algumas das
estudiosos, como ciência autônoma. quais, pelo seu caráter perene e pela distância as separa da realidade

Didatismo e Conhecimento 23
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
observável, têm-se transformado às vezes em mitos de grande im- Finalmente, no que tange à prevenção policial, devem ser assi-
portância. Esses mitos dominam numerosos aspectos da vida social, naladas as seguintes lacunas:
sendo especialmente abundantes no setor da justiça penal. Um deles 1) a existência de diversas concepções sobre o que deve ser a
é o da prevenção da delinquência. sua ação preventiva;
Existe um consenso generalizado em considerar que a preven- 2) uma certa confusão sobre os objetivos da polícia (prevenção,
ção do delito constitui um objetivo importante do sistema penal. repressão, detecção do delito, etc.);
Afirma-se com frequência que é melhor prevenir o crime do que 3) a existência de poucos policiais que receberam uma forma-
reprimi-lo. De forma mais concreta, quase todos os especialistas ção suficiente sobre as técnicas e os métodos preventivos;
na matéria estimam que a prevenção do delito representa, senão a 4) muitos programas mal concebidos ou mal aplicados;
principal função, pelo menos uma das funções mais importantes e 5) são poucos os recursos humanos e materiais destinados à
tradicionais da polícia. prevenção;
Apesar de certos filósofos terem abordado esse tema há muito 6) são também raras as avaliações sobre os programas desse
tempo e dado ainda que diversas instituições jurídicas parecem ter tipo colocados em pratica pela polícia;
respondido a idênticas inquietações, a preocupação com a preven- 7) alguns deles não se prestam a uma fácil avaliação.
ção do delito é uma tendência atual. O direito clássico não poderia
acolhê-la na medida em que o legislador, para efeitos da sanção pe- Conter o crescimento da violência através da elaboração de po-
nal, pretendia da injúria feita contra a lei ou simplesmente a dor do líticas de segurança pública que respondam com menos repressão ao
dano causado pela infração. A noção moderna de prevenção aparece complexo conjunto de problemas sociais, é o grande desafio de toda
timidamente com a escola clássica, segundo a qual a pena exerce sociedade democrática.
uma importante função de intimidação geral, mas tem a sua verda- Grandes períodos de estagnação econômica ratificam as tensões
deira origem na escola positiva de finais do século XIX. sociais, muitas vezes manifestadas pelo aumento da criminalidade
urbana violenta através de roubos, assaltos, sequestros, desenvolvi-
Entre as principais razões que colocaram em evidência a ne- mento e/ou fortalecimento do crime organizado. Porém, ao menos
cessidade de novos enfoques em relação à prevenção, devem ser em relação ao desemprego, o sentido de causalidade do aumento da
mencionadas as seguintes: criminalidade permanece, ainda, um parâmetro amparado por truís-
1) o aumento da delinquência grave e o aparecimento de novas mos sem muita evidência empírica que auxilie em sua compreensão.
formas de criminalidade; Análises da relação direta entre taxas de desemprego e de crimina-
2) as repercussões do delito na sociedade (lesões, perdas econô- lidade ficam prejudicadas pelo fato de as suas consequências serem
micas, impacto emocional, efeitos desfavoráveis sobre a qualidade sentidas apenas tardiamente, a partir do momento em que começam
de vida, etc.) e, em particular, em determinados grupos (pessoas ido- a exaurir os recursos e as esperanças do desempregado.
sas, deficientes físicos, mulheres, crianças, etc.); Na atualidade, as ciências voltadas para a temática criminal
3) o sentimento de insegurança cada vez maior dos cidadãos e buscam compreender o crime como um fenômeno global, conse-
suas consequências (inibição, desconfiança, angustia, solicitação de quência da atuação conjunta de seus componentes (ofensor, ofen-
medidas repressivas, mudanças nas condutas normais, organização dido e ambiente) sob a ação de fatores socioeconômicos, políticos
de sistemas coletivos de proteção, utilização com fins políticos ou e culturais. Compreender a dinâmica criminal não significa detectar
partidários do sentimento de medo do crime, etc.); os espaços de crimes/criminosos e suas características para ações
4) os custos cada vez mais elevados do conjunto do sistema repressivas. Significa, antes de tudo, entender os processos opera-
penal e, em particular, dos serviços policiais, assim como os custos cionais do crime para antecipar-se à sua ocorrência, prevenindo-o.
indiretos do delito (sistemas de segurança, seguros, etc.); Neste contexto, existe um setor doutrinário que identifica a pre-
5) a baixa percentagem de solução do delito; venção com o mero efeito dissuasório da pena. Prevenir equivale a
6) a pouca participação do público no funcionamento da justiça dissuadir o infrator potencial com a ameaça do castigo. A prevenção
penal e a insatisfação generalizada da população em relação ao con- é concebida com prevenção criminal e opera no processo da moti-
junto do sistema penal; vação do infrator.
7) a ausência de parâmetros para a articulação de uma política Outros autores ampliam o conceito de prevenção, salientando
criminal moderna e progressista. que ele compreende o efeito dissuasório mediato, ou seja, indire-
to, que pode ser conseguido por meio de instrumentos não penais
Com relação à prevenção, as principais carências são: que alteram o “cenário” criminal, modificando alguns dos fatores
1) a imprecisão e inadequação do significado desse termo; ou elementos do mesmo (espaço físico, desenho arquitetônico e ur-
2) por um lado, a falta de informação e de conhecimentos nesse banístico, atitudes das vítimas, efetividade e rendimento do sistema
setor e, por outro lado, e, paradoxalmente, a proliferação de progra- legal etc.).
mas; Para muitos estudiosos do sistema penitenciário, finalmente, a
3) a ausência de continuidade nas ações empreendidas; prevenção do delito não é um objetivo autônomo da sociedade ou
4) a falta de coordenação entre os órgãos que se ocupam da dos poderes públicos, senão o efeito último perseguido pelos pro-
prevenção e a carência de responsabilidades precisas desses órgãos; gramas de reintegração e inserção do condenado. Trata-se, pois, não
5) o pouco apoio profissional e material necessário para uma tanto de evitar o delito, senão evitar a reincidência do infrator. Tal
ação eficaz nesse setor; conceito de prevenção equipara-se ao de prevenção especial. Evi-
6) a relativa ausência de participação da comunidade na pre- tar a reincidência do condenado implica em uma intervenção tar-
venção do delito. dia no problema criminal (déficit etiológico). Por outro lado, revela

Didatismo e Conhecimento 24
NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
um acentuado traço individualista e ideológico na seleção dos seus como modificar, também de forma satisfatória, a estrutura “com-
destinatários e no desenho dos correspondentes programas (déficit portamental” do vizinho ou habitante destes lugares. Assim como
social). Por fim, concede um papel protagonista desmedido às ins- o programa de prevenção sobre determinadas “áreas geográficas”,
tâncias oficiais do sistema legal (déficit comunitário). o programa de prevenção por meio do desenho arquitetônico e ur-
Contudo, em sentido estrito, prevenir o delito é algo mais. O banístico não previne o delito, somente o desloca para outras áreas
conceito de prevenção do delito não pode desvincular-se da gênese menos protegidas, deixando intactas as raízes profundas do proble-
do fenômeno criminal, isto é, reclama uma intervenção dinâmica e ma criminal e tem uma inspiração policial e defensiva, é dizer, não
positiva que neutralize suas raízes, suas “causas”. A prevenção deve etiológica.
ser contemplada como prevenção “social”, ou seja, como mobiliza-
ção de todos os setores comunitários para enfrentar solidariamente 3) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO “VITIMÁRIA”: A pre-
um problema “social”. Nesse contexto, há de se destacar a concepção venção orientada para vítimas parte de uma comprovação empírica
doutrinária decorrente da classificação dos níveis de prevenção em não questionada por ninguém, isto é, o risco de se tornar vítima não
primária, secundária e terciária. A distinção baseia-se em diversos se reparte de forma igual e uniforme na população nem é produto do
critérios : na maior ou menor relevância etiológica dos respectivos azar ou da fatalidade: trata-se de um risco diferenciado, calculável,
programas, nos destinatários aos quais se dirigem, nos instrumentos cuja maior ou menor probabilidade depende de diversas variáveis
e mecanismos que utilizam, nos seus âmbitos e fins perseguidos. pessoais, situacionais, sociais (relacionadas, em princípio, com a
Conforme tal classificação, os programas de prevenção primá- própria vítima).
ria orientam-se à raiz do conflito criminal, para neutralizá-los antes Os programas de prevenção de orientado para vítimas, po-
que o problema se manifeste. Busca atingir um nível de socialização tenciais ou não, pretendem informar - e conscientizar - as vítimas
proveitosa de acordo com os objetivos sociais. Educação, habita- potenciais dos riscos que assumem, com a finalidade de fomentar
ção, trabalho, bem estar social e qualidade de vida são os âmbitos atitudes maduras de responsabilidade, autocontrole, em defesa dos
essenciais para uma prevenção primária, que opera sempre a longo seus próprios interesses. Perseguem também, uma mudança de men-
e médio prazo e se dirige a todos os cidadãos. talidade da sociedade em relação à vítima do delito: maior sensibili-
A chamada prevenção secundária, por sua parte, atua mais tar- dade, solidariedade com quem padece as consequências dele.
de em termos etiológicos, ou seja, no momento onde se manifesta
ou se exterioriza o conflito criminal. Opera a curto e médio prazo 4) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO DELITO DE INS-
e se orienta seletivamente a concretos (particulares) setores da so- PIRAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL: Uma Política Social progressiva,
ciedade, àqueles grupos e subgrupos que ostentam maior risco de se converte, então, no melhor instrumento preventivo da crimina-
padecer ou protagonizar o problema criminal. A prevenção secun- lidade, já que desde o ponto de vista “etiológico” - pode intervir
dária conecta-se com a política legislativa penal, assim como com positivamente nas causas últimas do problema, do qual o crime é
a ação policial. um mero sintoma ou indicador. Os programas com esta orientação
Programas de prevenção policial, de controle dos meios de co- político - social são, na verdade, programas de prevenção “primá-
municação, de ordenação urbana e utilização do desenho arquitetô- ria”: genuína e autêntica prevenção. Pois se cada sociedade tem o
nico como instrumento de autoproteção, desenvolvidos em bairros crime que merece, uma sociedade mais justa que assegura a todos os
de classes menos favorecidas, são exemplos de prevenção secun- seus membros um acesso efetivo às cotas satisfatórias de bem - estar
dária. e qualidade de vida - em seus diversos âmbitos (saúde, educação e
Dentre os inumeráveis programas de prevenção conhecidos, cultura, casa etc.) - reduz correlativamente sua intensidade conflitu-
vejamos uma breve informação sobre os pressupostos teóricos, prin- osa assim como as taxas de delinquência. E os reduz, ademais, de
cipais diretrizes e conteúdos de alguns deles: modo mais justo e racional, combinando a máxima efetividade com
o menor custo social.
1) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO SOBRE DETERMI-
NADAS “ÁREAS GEOGRÁFICAS”: Seu pressuposto doutriná- 5) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE
rio consiste na existência de um determinado espaço, geográfica e DE ORIENTAÇÃO “COGNITIVA”: Se a aquisição de habilidades
socialmente delimitado, em todos os núcleos urbanos industrializa- cognitivas tem demonstrado ser uma eficaz técnica de intervenção
dos, que concentra os mais elevados índices de criminalidade: são reintegradora, porque isola o delinquente de influências perversas,
áreas muito deterioradas, com péssimas condições de vida, pobre parece lógico supor que uma tempestiva aquisição pelo jovem de
infraestrutura, significativos níveis de desorganização social e resi- tais habilidades evitaria que este tivesse participação em compor-
dência compulsória dos grupos mais conflituosos e necessitados. O tamentos delitivos. Sua eficácia, pois, alcança não só o âmbito da
espírito reformista desse programa prevê medidas de reordenação e intervenção (“tratamento”), senão também o da “prevenção”.
equipamento urbano, melhorias infraestruturais, dotação de serviços
públicos básicos etc. 6) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DA REINCIDÊNCIA:
Embora este tipo de programa não contemple a prevenção como
2) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO DELITO POR objetivo específico imediato, haja vista dirigir-se, antes de tudo, ao
MEIO DO DESENHO ARQUITETÔNICO E URBANÍSTICO: condenado - ou ao infrator - com a pretensão de evitar que o mesmo
Tais programas de prevenção orientam-se à reestruturação urbana e volte a delinquir. São, pois, programas de prevenção terciária, que
utilizam o desenho arquitetônico para incidir positivamente no “ha- tratam de evitar a reincidência do infrator, não de prevenir o “desvio
bitat” físico e ambiental, procurando neutralizar o elevado risco de primário”. Muito destes programas, como se verá, pertencem mais
influências que favorecem o comportamento delituoso ou de se tor- à problemática da “intervenção” (ou “tratamento”) que à prevenção,
nar vítima desse comportamento que ostentam certos espaços, assim entendida em sentido estrito. Outros correspondem ao conhecido

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NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
modelo dos “substitutivos” penais: baseia-se em fórmulas alternati- 4. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Agente de Polícia) É correto
vas à intervenção drástica do sistema legal (quando se trata de con- afirmar que a Criminologia contemporânea tem por objetos
flitos pouco graves) para liberar o infrator do seu inevitável impacto (A) o delito, o delinquente, a vítima e o controle social.
gerado por estigmas. (B) a tipificação do delito e a cominação da pena.
(C) apenas o delito, o delinquente e o controle social.
BASES DE UMA MODERNA POLÍTICA CRIMINAL DE (D) apenas o delito e o delinquente.
PREVENÇÃO DE DELITOS.
(E) apenas a vítima e o controle social.
Uma moderna política criminal de prevenção do delito deve le-
var em conta as seguintes bases:
- O objetivo último de uma eficaz política de prevenção não
consiste em erradicar o crime, senão em controlá-lo razoavelmente. 5. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Agente de Polícia) O compor-
- No marco de um Estado social e democrático de Direito, a tamento inadequado da vítima que de certo modo facilita, instiga ou
prevenção do delito suscita inevitavelmente o problema dos “meios” provoca a ação de seu verdugo é denominado
ou “instrumentos” utilizados, assim como dos “custos” sociais da (A) vitimização terciária.
prevenção. (B) vitimização secundária.
- Prevenir significa intervir na etiologia do problema criminal, (C) periculosidade vitimal.
neutralizando suas “causas”. (D) vitimização primária.
- A efetividade dos programas de prevenção deve ser programa-
(E) vitimologia.
da a médio e longo prazo.
- A prevenção deve ser contemplada, antes de tudo, como pre-
venção “social” e “comunitária”, precisamente porque o crime é um
problema social e comunitário. 6. (VUNESP - 2013 - PC-SP - Perito Criminal) Assinale a
- A prevenção do delito implica em prestações positivas, contri- alternativa correta.
buições e esforços solidários que neutralizem situações de carência, (A) No modelo clássico (tradicional) de Justiça Criminal, a ví-
conflitos, desequilíbrios, necessidades básicas. tima é encarada como mero objeto, pois dela se espera que cumpra
- A prevenção científica e eficaz do delito, pressupõe uma de- seu papel de testemunha, com todos os inconvenientes e riscos que
finição mais complexa e aprofundada do “cenário criminal“, assim isso acarreta.
como nos fatores que nele interagem. (B) A Vitimologia não possui relação com a Sociologia.
- Pode-se também evitar o delito mediante a prevenção da rein- (C) A Vitimologia não estuda a vítima e suas relações com o
cidência. Mas, desde logo, melhor que prevenir “mais” delitos, seria
infrator e com o sistema de persecução criminal.
“produzir” ou “gerar” menos criminalidade.
(D) A Vitimologia não possui relação com a Criminologia.
EXERCICIOS (E) No modelo clássico (tradicional) de Justiça Criminal, a ví-
tima é encarada como sujeito passivo da relação jurídica, pois dela
se espera que cumpra seu papel de ofendido, com todos os direitos e
1. A criminologia é uma ciência que dispõe de leis deveres que isso acarreta.
a) imutáveis e evolutivas.
b) inflexíveis e evolutivas.
c) permanentes e flexíveis. 7. (CESPE - 2013 - Polícia Federal - Delegado de Polícia)
d) flexíveis e restritivas. No que se refere à prevenção da infração penal, julgue os próximos
e) evolutivas e flexíveis. itens.

2. “L’uomo delinquente” ou “O homem delinquente” é uma Ações como controle dos meios de comunicação e ordenação
obra clássica da criminologia, de autoria de urbana, orientadas a determinados grupos ou subgrupos sociais,
a) Marquês de Beccaria. estão inseridas no âmbito da chamada prevenção secundária do
b) Césare Lombroso. delito.
c) Francesco Carrara.
d) Pellegrino Rossi. a) CERTO
e) Enrico Pessina. b) ERRADO

3. Segundo a teoria behaviorista, o homem comete um delito


8. As modalidades preventivas nas quais se inserem os progra-
porque e seu comportamento
a) é uma resposta às causas ou fatores que o levam à prática do mas de policiamento orientado à solução de problemas e de policia-
crime. mento comunitário, assim como outros programas de aproximação
b) decorre de sua própria natureza humana, independentemente entre polícia e comunidade, podem ser incluídas na categoria de
de fatores internos ou externos. prevenção primária.
c) é dominado por uma vontade insana de praticar um crime.
d) não permite a distinção entre o bem e o mal. a) CERTO
e) impede-o de entender o caráter delituoso da ação praticada. b) ERRADO

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NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA
9. Na terminologia criminológica, criminalização primária
equivale à chamada prevenção primária. ANOTAÇÕES
a) CERTO
b) ERRADO

10. A prevenção terciária, considerada intervenção tardia e —————————————————————————


parcial, destina-se exclusivamente à população carcerária, objeti- —————————————————————————
vando evitar a reincidência, mas não atua nas condições gerais que
favorecem a ocorrência de episódios violentos. —————————————————————————

a) CERTO —————————————————————————
b) ERRADO —————————————————————————
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GABARITO:
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1 E —————————————————————————
2 B —————————————————————————
3 A —————————————————————————
4 A —————————————————————————
5 C
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6 A
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7 A
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8 B
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9 B
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10 A
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ANOTAÇÕES —————————————————————————
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ANOTAÇÕES

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