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Se você quer estudar letras, prepare-se: que idéia faz você, já não digo da metalinguagem,
mas, pelo menos, da gramática generativa do código poético? Qual a sua opinião sobre o
rendimento, na tarefa de equacionar a literariedade do poemático, de microscopias montadas
na fórmula poesia da gramática/gramática da poesia? Quantos actantes você é capaz de
discernir na textualidade dos romances que provavelmente (tres-)leu? E que me diz do “plural
do texto” de Barthes – é possível assimilá-lo ao genotexto da famigerada Kristeva? Sente-se
você em condições de detectar o trabalho do significante no nouveau roman, por exemplo, por
meio de uma “decodificação” “semannalítica” de bases glossemáticas? Ou prefere perseguir a
“significância”, mercê de alguns cortes epistemológicos, no terreno da forclusão, tão
limpidamente exposta no arquipedante seminário de Lacan?
Mas não, nem tudo é assim tão difícil: não me diga que acha duro compreender Abraham...
Moles! Aliás, esse esoterismo não se restringe ao campo literário; estende-se à filosofia,
ameaça a área inteira das ciências humanas. Hoje em dia, até os primeiranistas de jornalismo
aprendem a questionar o Ser através de “colocações” heideggerianas, com grande luxo de
trocadilhos etimológicos tão solenes quanto ridículos (os heideggerianos não tomaram
conhecimento da arrasadora crítica de Nietzsche à falsa “profundidade” em filosofia).
E se você acha o estruturalismo uma parada, é pura ingenuidade sua: talvez você não saiba
que o velho estruturalismo está superado, tão superado quanto a estilística; o estruturalismo
vieille école faleceu em 1968, assassinado por Chomsky e pelo movimento de maio. Você não
viu A Estrutura Ausente, do Umberto Eco? ... Já está circulando, traduzida para uma língua
vagamente aparentada com o português. Compre logo, e leia se puder: porque quem não se
informa não comunica, e quem não comunica se estrumbica, conforme adverte o sábio
Chacrinha (cada povo tendo o Mc Luhan que merece).
Não existe um estruturalismo: existem no mínimo vários, tão diferentes na inspiração quanto
no grau de consistência dos seus resultados. A ninguém ocorreria comparar a sério pesquisas
do porte da história das religiões comparativas de Dumézil, em quem a revolução
antropológica levi-straussiana reconhece um estruturalista avant la lettre, com as gratuitas
elucubraçõezinhas de Genette ou Todorov; e seria altamente injusto equiparar a problemática
de um Foucault aos graciosos arabescos especulativos, totalmente despojados de gume
sociológico, de Althusser e sua súcia. Mas é em vão. O estruturalismo mítico subjuga todas as
denúncias, repele todas as discriminações e usurpa o magistério humanístico. Como esperar
da Ciência redentora que atenda às recriminações dos “passadistas”? ... No máximo, o Saber
estrutural se limita a devorar seus ídolos. Lévi-Strauss já era; viva Lacan!... Quanto a Jacques
Derrida, derrubou com galhardia o próprio totem do novo credo: Saussure em pessoa.
É certo que a estilística era praticada por gente da sensibilidade e da cultura de um Spitzer, um
Auerbach ou um Augusto Meyer, e não por universitariozinhos tecnocráticos de consternadora
estreiteza mental, como T. Todorov ou esses sinistros jakobsonianos tupiniquins. De acordo
com a doutrina estruturalista, a superioridade de um Jakobson, em relação a Spitzer e
Auerbach, reside no método. Essa supervalorização do método espelha uma crendice típica – a
de achar que Jakobson, por ser um dos pilotos da revolução científica na lingüística, é também
automaticamente “científico” quando pia no terreno da crítica, onde, aliás, não é raro vê-lo
“sacar” tranqüilamente a propósito de assuntos em que não goza de nenhuma autoridade
especial, como, por exemplo, história da arte. Mas essa repugnância em reconhecer a
diversidade de jurisdição dos setores – lingüístico e literário (diversidade que não exclui, bem
entendido, a existência de importantes relações entre ambos) – não tem absolutamente nada
de científica. A história se repete: no estruturalismo, como ontem no positivismo, o mito da
Ciência violenta os próprios hábitos, e o próprio rigor, da verdade ciência.
Entre nós, porém, a praga atua de modo mais daninho. O pedantismo da “matriz” (cinqüenta
anos depois da explosão ao mesmo tempo nacionalizante e universalista do modernismo,
voltamos a macaquear abjetamente os piores aspectos da cultura francesa), o abuso agressivo
de terminologia superfluamente hermética em lugar do real trabalho de análise, quase nunca
depara, neste Brasil de jovens e precaríssimas universidades, com a resistência da pesquisa
séria e do ensino crítico. Ao contrário: como as universidades “brotam” agora (numa
expressão demasiado rápida para ser levada a sério), e os ignorantes se diplomam e se
doutoram às centenas, a arrogância intelectual mais oca e mais inepta se dá facilmente ares
dogmáticos de ciência exclusiva. No entanto, os sacerdotes do Método não sabem sequer
português. Nossa ensaística atual é o paraíso do solecismo, o éden do barbarismo. Se você
encontrar um título sobre “escritura”, não creia que se trata de uma obra para tabeliães: trata-
se mesmo é de “écriture”, que os nossos preclaros estruturalistas não sabem traduzir por
“escrita”... ¹
Para o lukacsiano Carlos Nelson Coutinho, a voga estruturalista (em que ele não distingue o
joio do trigo) é pura ideologia burguesa – a ideologia dos anos prósperos e doces da sociedade
de consumo, “filosofia” sucessora da onda existencialista, que teria sido um reflexo das
angústias do pós-guerra. Será?... Essa interpretação que ignora candidamente os avatares da
alienação ideológica nas sociedades não-capitalistas, joga com correlações macro-sociológicas
muito pouco mediatizadas. Qualquer que seja a dialética entre a estruturalice e a evolução
social global, tudo indica que ela passa pela dinâmica interna da intelligentsia e de seus
âmbitos institucionais, o primeiro dentre estes sendo, nestes tempos de “revolução
educacional” (T. Parsons) a universidade. E é essa dinâmica interna – posta em conexão com
os notórios defeitos e deficiências dos processos de vida intelectual no Brasil – que parece
explicar os aspectos teratológicos do clima estruturalista no arraial literário, filosófico e (lato
sensu) sociológico. Uma coisa é certa: dos estruturalismos europeus, a variante verde e
amarela tende decididamente a desconhecer o que têm de positivo, e a agravar o que trazem
de mau. Entretanto, se, ao exacerbar as taras do seu paradigma parisiense, o estruturalismo
dos pobres é caricatura, ao denunciar fidedignamente as distorções do nosso ambiente
universitário, ele se faz retrato. Por isso, se o “estruturalismo” é, em si, uma inutilidade, muito
útil se torna estudar as condições de florescimento do estruturalismo dos pobres – o que é a
melhor maneira de desmistificá-lo.
Nota: