Sei sulla pagina 1di 4

O estruturalismo dos pobres*

*Originalmente publicado no Jornal do Brasil, em 27 de janeiro de 1974.

José Guilherme Merquior

O estruturalismo dos pobres e outras questões

Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975

Se você quer estudar letras, prepare-se: que idéia faz você, já não digo da metalinguagem,
mas, pelo menos, da gramática generativa do código poético? Qual a sua opinião sobre o
rendimento, na tarefa de equacionar a literariedade do poemático, de microscopias montadas
na fórmula poesia da gramática/gramática da poesia? Quantos actantes você é capaz de
discernir na textualidade dos romances que provavelmente (tres-)leu? E que me diz do “plural
do texto” de Barthes – é possível assimilá-lo ao genotexto da famigerada Kristeva? Sente-se
você em condições de detectar o trabalho do significante no nouveau roman, por exemplo, por
meio de uma “decodificação” “semannalítica” de bases glossemáticas? Ou prefere perseguir a
“significância”, mercê de alguns cortes epistemológicos, no terreno da forclusão, tão
limpidamente exposta no arquipedante seminário de Lacan?

Mas não, nem tudo é assim tão difícil: não me diga que acha duro compreender Abraham...
Moles! Aliás, esse esoterismo não se restringe ao campo literário; estende-se à filosofia,
ameaça a área inteira das ciências humanas. Hoje em dia, até os primeiranistas de jornalismo
aprendem a questionar o Ser através de “colocações” heideggerianas, com grande luxo de
trocadilhos etimológicos tão solenes quanto ridículos (os heideggerianos não tomaram
conhecimento da arrasadora crítica de Nietzsche à falsa “profundidade” em filosofia).

E se você acha o estruturalismo uma parada, é pura ingenuidade sua: talvez você não saiba
que o velho estruturalismo está superado, tão superado quanto a estilística; o estruturalismo
vieille école faleceu em 1968, assassinado por Chomsky e pelo movimento de maio. Você não
viu A Estrutura Ausente, do Umberto Eco? ... Já está circulando, traduzida para uma língua
vagamente aparentada com o português. Compre logo, e leia se puder: porque quem não se
informa não comunica, e quem não comunica se estrumbica, conforme adverte o sábio
Chacrinha (cada povo tendo o Mc Luhan que merece).

Graças ao “estruturalismo” no seio das humanidades estrepitosamente tornadas “científicas”,


vinga e prospera o mais franco terrorismo terminológico. A seu lado, todavia, pontifica um não
menor “terrorismo metodológico” (Starobinski). Pois o estruturalismo é o paraíso do Método;
a nova crítica, por exemplo, se alimenta do mito do Modelo mecanicamente aplicável. Pós-
graduandos incrivelmente ignaros, outrora incapazes, por simples analfabetismo, de
empreender a interpretação de obras pejadas de referências culturais, agora se entregam sem
nenhuma inibição à volúpia de aplicar a torto e a direito modelos “científicos” de análise. O
Método está ao alcance de todos (em módicas prestações); e “o crítico é o seu método”,
sentencia com fervor um dos mais recentes oficiantes do culto estruturalista. A interpretação
literária se converte numa espécie de gincana: o negócio é acumular as “leituras” segundo São
Propp, São Greimas, São Todorov, São Genette et caterva, a menos que se venere o guru
supremo da sofisticação lingüística, o staretz do M. I. T., Roman Jakobson, para quem poesia é
pura combinatória verbal, e o único aspecto referencial extralingüístico digno de atenção na
literatura se limita a sua relação com as demais artes (cf. JAKOBSON, Roman. “Questions de
Poétique”. Paris, Seuil, 1973, p. 145-151).

Não existe um estruturalismo: existem no mínimo vários, tão diferentes na inspiração quanto
no grau de consistência dos seus resultados. A ninguém ocorreria comparar a sério pesquisas
do porte da história das religiões comparativas de Dumézil, em quem a revolução
antropológica levi-straussiana reconhece um estruturalista avant la lettre, com as gratuitas
elucubraçõezinhas de Genette ou Todorov; e seria altamente injusto equiparar a problemática
de um Foucault aos graciosos arabescos especulativos, totalmente despojados de gume
sociológico, de Althusser e sua súcia. Mas é em vão. O estruturalismo mítico subjuga todas as
denúncias, repele todas as discriminações e usurpa o magistério humanístico. Como esperar
da Ciência redentora que atenda às recriminações dos “passadistas”? ... No máximo, o Saber
estrutural se limita a devorar seus ídolos. Lévi-Strauss já era; viva Lacan!... Quanto a Jacques
Derrida, derrubou com galhardia o próprio totem do novo credo: Saussure em pessoa.

O mito da Ciência se expande, mas o senso de objetividade declina. Voltemos ao caso da


crítica literária. Naturalmente, a crítica estruturalista sempre exorta gravemente a “ir ao
texto”. Na realidade, porém, a penúria de exames objetivos, a indigência de análises
genuinamente imanentes, tem sido a regra. Segundo a censura insuspeita de Lévi-Strauss, a
crítica dita estrutural sofre de crônico ventriloqüismo: em vez de avançar, laboriosamente, na
inteligência do texto, projeta quase sempre nele as fantasias teórico-metodológicas do crítico
parisiense (ou de seus entediantes discípulos). Como o fetichismo do método “científico”, a
mística da “textualidade” mal encobre a grossa arbitrariedade das interpretações. Apesar de
sacralizado, o texto vira mero pretexto... “Tia” Estilística, essa excelente senhora tão caluniada,
era bem mais sensível, bem mais escrupulosa, em face do discurso poético.

É certo que a estilística era praticada por gente da sensibilidade e da cultura de um Spitzer, um
Auerbach ou um Augusto Meyer, e não por universitariozinhos tecnocráticos de consternadora
estreiteza mental, como T. Todorov ou esses sinistros jakobsonianos tupiniquins. De acordo
com a doutrina estruturalista, a superioridade de um Jakobson, em relação a Spitzer e
Auerbach, reside no método. Essa supervalorização do método espelha uma crendice típica – a
de achar que Jakobson, por ser um dos pilotos da revolução científica na lingüística, é também
automaticamente “científico” quando pia no terreno da crítica, onde, aliás, não é raro vê-lo
“sacar” tranqüilamente a propósito de assuntos em que não goza de nenhuma autoridade
especial, como, por exemplo, história da arte. Mas essa repugnância em reconhecer a
diversidade de jurisdição dos setores – lingüístico e literário (diversidade que não exclui, bem
entendido, a existência de importantes relações entre ambos) – não tem absolutamente nada
de científica. A história se repete: no estruturalismo, como ontem no positivismo, o mito da
Ciência violenta os próprios hábitos, e o próprio rigor, da verdade ciência.

O pedantismo e a esterilidade estruturalistas assolam Paris. Tanto assim, que já se observa o


esboço de uma sadia reação. Serge Moscovici, por exemplo – autor do notável “La societé
contre Nature” –, acaba de passar uma espinafração em regra nos “epistemocratas”, esses
viciados num coquetel bem parisiense: a “batida” de gauchisme irresponsável com
bizantinismo intelectual. E até o Anti-Édipo de Deleuze e Guattari, flor da sacação pós-
estruturalista, já vem sendo considerado uma regressão, descabeladamente metafísica, a
posições pré-(e não pós-, como pretendem seus autores) freudianas.

Entre nós, porém, a praga atua de modo mais daninho. O pedantismo da “matriz” (cinqüenta
anos depois da explosão ao mesmo tempo nacionalizante e universalista do modernismo,
voltamos a macaquear abjetamente os piores aspectos da cultura francesa), o abuso agressivo
de terminologia superfluamente hermética em lugar do real trabalho de análise, quase nunca
depara, neste Brasil de jovens e precaríssimas universidades, com a resistência da pesquisa
séria e do ensino crítico. Ao contrário: como as universidades “brotam” agora (numa
expressão demasiado rápida para ser levada a sério), e os ignorantes se diplomam e se
doutoram às centenas, a arrogância intelectual mais oca e mais inepta se dá facilmente ares
dogmáticos de ciência exclusiva. No entanto, os sacerdotes do Método não sabem sequer
português. Nossa ensaística atual é o paraíso do solecismo, o éden do barbarismo. Se você
encontrar um título sobre “escritura”, não creia que se trata de uma obra para tabeliães: trata-
se mesmo é de “écriture”, que os nossos preclaros estruturalistas não sabem traduzir por
“escrita”... ¹

A estruturalice nacional se proclama revolucionária. Como certos vanguardismos paranóicos,


que, por mais que se digam ferozmente antiacadêmicos, jamais conseguiram disfarçar sua
natureza de subversõezinhas tão vazias quanto ritualísticas, sempre consentidas, quando não
programadas, pelo establishment cultural, o estruturalismo corteja a fraseologia da ruptura.
Contudo, por trás dessa belicosidade ideológica, podemos vislumbrar uma conivência bem
conformista com a situação crítica da intelligentsia latino-americana e, em particular, com a
crise da educação superior. Não é por acaso que o ator ou espectador por excelência do
festival estruturalista é o aluno ou ex-aluno da universidade massificada; da universidade que,
desejando-se socialmente antielitista, por fidelidade ao imperativo da democratização do
ensino, vem destruindo, consciente ou inconscientemente, ooutro elitismo da universidade
tradicional – o seu legítimo aristocratismo intelectual.

O fetichismo dos métodos simplistas, a superstição mais do que ingênua da “cientificidade”


incomprovada (patente no fascínio pelos modelos lingüísticos como panacéia hermenêutica), o
prestígio do palavreado abstruso, o servilismo bobo diante das fontes estrangeiras erigidas em
oráculo mítico, numa palavra, todos os semblantes do “terror” estruturalista possuem o
mesmo pressuposto – a rarefação do espírito crítico cansada e estimulada pelo abaixamento
intelectual da universidade, no preciso instante em que esta se lança a abranger ou incorporar
a quase totalidade do trabalho literário e erudito. Não é à toa que a universidade brasileira
menos atraída pelo delírio estruturalóide – a USP – é a mais sedimentada, a mais amadurecida
das nossas instituições do gênero.

Para o lukacsiano Carlos Nelson Coutinho, a voga estruturalista (em que ele não distingue o
joio do trigo) é pura ideologia burguesa – a ideologia dos anos prósperos e doces da sociedade
de consumo, “filosofia” sucessora da onda existencialista, que teria sido um reflexo das
angústias do pós-guerra. Será?... Essa interpretação que ignora candidamente os avatares da
alienação ideológica nas sociedades não-capitalistas, joga com correlações macro-sociológicas
muito pouco mediatizadas. Qualquer que seja a dialética entre a estruturalice e a evolução
social global, tudo indica que ela passa pela dinâmica interna da intelligentsia e de seus
âmbitos institucionais, o primeiro dentre estes sendo, nestes tempos de “revolução
educacional” (T. Parsons) a universidade. E é essa dinâmica interna – posta em conexão com
os notórios defeitos e deficiências dos processos de vida intelectual no Brasil – que parece
explicar os aspectos teratológicos do clima estruturalista no arraial literário, filosófico e (lato
sensu) sociológico. Uma coisa é certa: dos estruturalismos europeus, a variante verde e
amarela tende decididamente a desconhecer o que têm de positivo, e a agravar o que trazem
de mau. Entretanto, se, ao exacerbar as taras do seu paradigma parisiense, o estruturalismo
dos pobres é caricatura, ao denunciar fidedignamente as distorções do nosso ambiente
universitário, ele se faz retrato. Por isso, se o “estruturalismo” é, em si, uma inutilidade, muito
útil se torna estudar as condições de florescimento do estruturalismo dos pobres – o que é a
melhor maneira de desmistificá-lo.

Nota:

1 – Bem sei que escritura, em português, é também sinônimo de escrita; aparece


precisamente nesse sentido até num antigalicista feroz como Filinto Elísio (Carta ao amigo
Brito, versos 9 e 34). Tratando-se, porém, de uma acepção em desuso, não seria ingênuo supor
– quando ela ocorre em textos inçados de “decodificações”, “literariedades” e outros
francesismos gratuitos – que a palavra resulta de uma escolha estilística, e não da ignorância
do vernáculo por tradutores de meia tigela?

Potrebbero piacerti anche