Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
38
em 6
de
-2
saú
014
anos
cebes
revista do centro brasileiro de estudos de saúde
volume 38, número 103
rio de janeiro, out-DEZ 2014
INDEXAÇÃO | INDEXATION
Literatura Latino–americana e do Caribe em Ciências da Saúde – LILACS
História da Saúde Pública na América Latina e Caribe – HISA
Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América
Latina, el Caribe, España y Portugal – LATINDEX
Scientific Electronic Library - SciELO
Sumários de Revistas Brasileiras – SUMÁRIOS
Capa:
Cover:
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Instituto de Saúde Coletiva - Universidade
Federal da Bahia, Salvador Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos
21040–361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Collective Health Institute - Federal University
Tel.: (21) 3882–9140 | 3882–9141 Fax.: (21) 2260-3782
of Bahia, Salvador
Subnotificação de maus-tratos em
794 ensaio | essay
crianças e adolescentes na Atenção
Básica e análise de fatores associados 853 Contradicciones en salud: sobre
Underreporting of children and adolescents acumulación y legitimidad en los
abuse in Primary Care and analysis of factors gobiernos neoliberales y sociales de
associated derecho en América Latina
Ana Carine Arruda Rolim, Gracyelle Alves Contradictions in health: on acumulation and
Remigio Moreira, Carlos Roberto Silveira Corrêa, legitimation in Latin American neoliberal
Luiza Jane Eyre de Souza Vieira and social states
Asa Cristina Laurell
Acesso e acolhimento no cuidado pré-
805
natal à luz de experiências de gestantes 872 Reflexiones sobre el proceso de reforma
na Atenção Básica sanitaria (1993-2013) y participación
Access and user embracement in prenatal social en Perú
care through the experiences of pregnant Considerations on health reform process
women in Primary Care (1993-2013) and social participation in Peru
Maria Zeneide Nunes da Silva, Andréa Batista Catalina Eibenschutz, Alexandro Saco Valdivia,
de Andrade, Maria Lúcia Magalhães Bosi Silvia Tamez González, Xareni Zafra Gatica,
Raquel Maria Ramírez Villegas
817 Hanseníase e vulnerabilidade social:
uma análise do perfil socioeconômico de Movilizaciones sociales y profesionales
886
usuários em tratamento irregular en España frente a la contrarreforma
Leprosy and social vulnerability: an analysis of sanitaria
the socioeconomic profile of users in irregular Social and professional mobilizations in
treatment Spain against health counter-reform
Viviane Aparecida Siqueira Lopes, Etuany Marciano Sánchez Bayle, Sergio Fernández Ruiz
Martins Rangel
900 O financiamento da Atenção Básica e da
Políticas públicas en materia de
830 Estratégia Saúde da Família no Sistema
drogas en Argentina: políticas de Único de Saúde
estigmatización y sufrimiento The financing of the Primary Health Care
Drug policies in Argentina: politics of and Family Health Strategy in the Unified
exclusion and suffering Health System
Andrea Vázquez Áquilas Mendes, Rosa Maria Marques
Editorial
DOI: 10.5935/0103-1104.20140062 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 675-678, OUT-DEZ 2014
676 editorial | editorial
e de sociedade deve ter como pressupostos a soberania dos países, a articulação regional, a
solidariedade entre e intrapaíses, a sustentabilidade visando o futuro das novas gerações, a
construção de novos consensos a partir da democracia irrestrita e da participação popular;
9. A discussão sobre os caminhos possíveis para um processo de transição para o socialismo
deve levar em consideração experiências latinoamericanas, que, como forças reformistas e/ou
revolucionárias, procuraram construir um Estado popular como mediação para a construção
de um mundo igualitário, socialista; 10. Os governos progressistas da América Latina neces-
sitam promover reformas estruturantes, impulsionados pelos movimentos sociais. Algumas
reformas precisam ser realizadas urgentemente para garantir a própria democracia, como a
reforma dos meios de comunicação, a reforma tributária, a reforma agrária, a reforma judiciá-
ria e a reforma política; 11. A luta pela saúde não pode ser uma luta setorial. A política de saúde
precisa ganhar um conteúdo anticapitalista. Os avanços conseguidos nesse setor, como o caso
do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, foram decorrentes de lutas mais amplas que ga-
nharam a adesão de toda a sociedade. As políticas sociais focalizadas que custam 0,5% do
Produto Interno Bruto (PIB) não bastam, pois continuam atendendo aos interesses do capital.
A luta deve ser por políticas sociais universais; 12. Entidades como o Cebes e a Alames devem
assumir a articulação em nível regional, recuperando o momento da emergência da Medicina
Social, da Saúde Coletiva e da luta pelo direito à saúde na América Latina. Nesse processo,
contribuir para a interpretação da realidade, identificando as contradições e construindo um
discurso que faça sentido para todos. Esta articulação deve transformar a luta pela saúde em
uma luta que vise à construção de um novo projeto societário.
Entendemos que o conteúdo da ‘Carta do Brasil’ é um alerta e um chamado aos militantes
do Movimento de Reforma Sanitária brasileira para a ação política, que deve ultrapassar os
limites nacionais e integrar-se à luta dos movimentos sociais da América Latina.
Editorial
In October 2014, the Brazilian Center for Health Studies (Centro Brasileiro de Estudos
de Saúde — Cebes) held a preparatory seminar for the XIII Congreso Latinoamericano de
Medicina Social y Salud Colectiva of the Associación Latinoamericana de Medicina Social
(known as Alames). By the end of it, the ‘Carta do Brasil’ was approved, consisting of 12 items,
which were transcribed in this space of dialogue with the reader, reaffirming the commitment
of Cebes with the content of this document: 1. Latin America currently lives a critical political
period, facing concrete possibilities of setbacks to the progresses achieved by more leftist/
popular governments concerning social rights and even the strategy for articulating Latin
America itself, as the conservative right, supported by imperialism and incessantly conspiring
against those governments, seeks to regain in various ways the hegemony of power in the
region; 2. It must be recognized that the leftist/popular governments and the revolutionary
processes in course in Latin America are still far from overcoming the political guidelines
and the neoliberal programs, were unable to provide the deep transformations that society
requires and could not overcome the primacy of the interests of the capital. It must also be
recognized that the way of the political game, which characterizes the bourgeois democracy,
has been proving itself to be insufficient to guarantee the achievements and ensure more
significant advances in the economic and social policies favorable to the class that lives off
work; 3. The political strategies of the leftist governments in Latin America face difficulties.
Popular participation, in spite of the great advances observed in the progressive governments
of the subcontinent, has yet to fully achieve its independence and autonomy from the State.
There have been promoted policies of inclusion and income distribution, but they were often
built on individualized and depoliticized policies, and political problems were treated like
technical problems; 4. The Latin American left has been facing a lot of problems to win the
battle of communication. Part of it believed that, when they took power the State could be
transformed, but did not consider that, rather than that, the bureaucratic structure of the
State could end up transforming them; 5. The political parties engaged in popular causes need
to find their legitimacy. The party programs are not too different from one another from the
ideological point of view, and we can see an inconsistency between the party program and
its exercise, largely because of the coalitions that they conduct to govern, resulting in a poli-
tical and a representation crisis. Despite this disenchantment, the parties remain important
to articulate ideologies, political fields and an autonomous popular participation with real
participation in the State, which is still the main inducing agent of change; 6. There are real
difficulties in identifying the revolutionary actor that can boost a process of social transfor-
mation. Whence, there must be a careful reading of the urban and rural social movements,
of the peripheral subjects, that emerge from the contradictions of the capitalist system itself.
Recognizing how these subjects have been acting and performing slow deeper transforma-
tions in ways of living, making the criticism of the economic model and pointing to other
social projects; 7. This is a time for reconstructing the agenda and building a socialist project,
regionally articulated, since one isolated country alone has no way to carry out projects that
break with the globalized capitalist logic, based on individualism and consumption, that does
not respect the nature and endangers the planet; 8. A project that seeks to build a new model
of State and society must have as presuppositions the sovereignty of countries, regional co-
ordination, solidarity between and within countries, sustainability aiming at the future of the
new generations, building new consensus from unrestricted democracy and popular partici-
pation; 9. The discussion about new possible ways to a process of transition to socialism must
consider Latin American experiences, which, as reformer and/or revolutionary forces, sought
to build a popular State as a means to building an egalitarian, socialist world; 10. The pro-
gressive governments of Latin America need to promote structural reforms, driven by social
movements. Some reforms need to be made urgently in order to ensure democracy itself, like
the reform of the media, tax reform, land reform, judicial reform and political reform; 11. The
fight for health cannot be a sectorial fight. The health policy needs to gain an anti-capitalist
content. The progresses achieved in this sector, as for example the Unified Health System
(Sistema Único de Saúde, known as SUS) in Brazil, were a result of broader struggles that
won the accession of the whole society. The targeted social policies that cost 0.5% of Gross
Domestic Product (GDP) are not enough, for they continue to attend to the interests of the
capital. We must fight for universal social policies; 12. Entities like Cebes and Alames must
take over the articulation in regional level, recovering the moment of emergence of Social
Medicine, of Public Health and of the fight for the right to health in Latin America. In this
process, contributing for the interpretation of reality, identifying the contradictions and buil-
ding a discourse that makes sense for everybody. This articulation must transform the fight
for health in a fight for the construction of a new project of society.
We understand that the content of ‘Carta do Brasil’ is a warning and a call for militants of
the Brazilian Sanitary Reform Movement to the political action, which must surpass national
limits and integrate to the struggle of the social movements of Latin America.
1 Doutora em Medicina
Preventiva pela
Universidade de São Paulo
(USP) – São Paulo (SP),
Brasil. Professora Assistente
do Departamento de Saúde
Pública da Universidade RESUMO Apresentam-se os resultados da primeira aplicação do questionário QualiAB em
Estadual Paulista (Unesp) –
Botucatu (SP), Brasil. 2007. Composto por 65 indicadores de organização da assistência e gerência, o QualiAB foi
elen@fmb.unesp.br respondido por 598 serviços de Atenção Primária à Saúde de 115 municípios do estado de
2 Doutora em Medicina São Paulo. A média de desempenho foi de 64% do padrão esperado. Agrupamento segundo
Preventiva pela Faculdade de K-médias produziu três grupos de qualidade. Serviços de saúde da família e serviços loca-
Medicina da Universidade
de São Paulo (USP) – São lizados em municípios com menos de 50 mil habitantes tiveram maior chance de pertencer
Paulo (SP), Brasil. Professora ao grupo de melhor qualidade. Focado no ‘como’ organizar o processo local do cuidado, o
Associada do Departamento
de Medicina Preventiva da QualiAB subsidia diretamente os profissionais, e pode compor iniciativas de melhoria da qua-
Faculdade de Medicina da lidade que envolvem todos os níveis da gestão.
Universidade de São Paulo
(USP) São Paulo, Brasil.
mibnemes@usp.br PALAVRAS-CHAVE Avaliação em saúde; Gestão em saúde; Organização e administração;
3 Mestranda em Saúde Atenção Primária à Saúde.
Coletiva pela Faculdade de
Medicina da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) ABSTRACT The QualiAB questionnaire involves 65 indicators of health care organization and
– Botucatu (SP), Brasil. management. In its first application in 2007, QualiAB was answered by 598 Primary Health
thaiszarili@gmail.com
Care services from 115 municipalities in the state of São Paulo. The mean performance was 64%
4 Doutoranda em Saúde of desirable standards. Clustering according to K-means produced three quality groups. Family
Coletiva pela Faculdade de
Medicina da Universidade Health Units and facilities located in municipalities under 50,000 inhabitants were more likely
Estadual Paulista (Unesp) to belong to the best quality group. Focusing on how to organize local health care procedures,
– Botucatu (SP), Brasil.
patsanine@yahoo.com.br QualiAB readily supports professionals and can be included in quality improvement initiatives
addressing all levels of management.
5 Doutor em Estatística e
Experimentação Agronômica
pela Escola Superior de KEYWORDS Health evaluation; Health management; Organization and administration; Primary
Agricultura Luiz de Queiroz,
Brasil. Professor Adjunto Health Care.
do Departamento de
Bioestatística do Instituto de
Biociências da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) –
Botucatu (SP), Brasil.
jecorren@ibb.unesp.br
DOI: 10.5935/0103-1104.20140063 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 679-691, OUT-DEZ 2014
680 CASTANHEIRA, E. R. L.; NEMES, M. I. B.; ZARILI, T. F. T.; SANINE, P. R.; CORRENTE, J. E.
Tabela 1. Indicadores de qualidade organizacional dos serviços de APS por dimensão avaliativa, selecionados segundo
valores médios de 80% ou mais e 50% ou menos do padrão esperado (2), QualiAB 2007
GERÊNCIA
80% ou mais do padrão esperado
Q18 Estudos sobre o perfil da demanda dos usuários nos três últimos anos 0,96
Q78 Diversidade de profissionais com oportunidade de formação continuada no último ano 0,96
Q80 Principais temas abordados nas reuniões do conselho local de saúde da unidade no último ano 0,70
Tabela 1. (cont.)
ASSISTÊNCIA
80% ou mais do padrão esperado
Q55 Tempo médio de espera entre agendamento e a realização da consulta médica para adultos 1,76
APS, como a atenção ao alcoolismo e às situ- A pontuação geral dos serviços permitiu
ações de violência contra a mulher. O indica- a construção de um ranking de qualidade,
dor de menor desempenho, diversidade de com média de 1,29, desvio padrão de 0,28,
profissionais que coletam o exame de papa- mediana de 1,28 (mínimo: 0,42 e máximo:
nicolau, tinha como padrão esperado a inclu- 1,89). A partir da aplicação do método de
são dos técnicos e auxiliares de enfermagem K-médias, os serviços foram divididos em
como um desses profissionais, o que explica três grupos de qualidade, sendo o Grupo 1 o
seu mau desempenho. Esse padrão não mais que melhor se aproxima do padrão esperado,
se aplica em função de resolução do Coren, o Grupo 2 o de qualidade aceitável, e o Grupo
que não permite que esse procedimento seja 3, aquele com qualidade insuficiente para os
realizado por técnicos e auxiliares (COFEN, 2011). padrões adotados (tabela 2).
Tabela 2. Classificação dos serviços em três grupos de qualidade, segundo as K-médias, QualiAB, 2007
Tabela 3. Modelo de regressão logística para cada grupo de qualidade considerando tipo de unidade e tamanho da
população. QualiAB, 2007
Tipo Unidade
1. USF 4,609 (2,39 - 8,89) 0,28 (0,11- 0,68) 0,37 (0,19 - 0,69)
2. UBS 0,766 (0,38 - 0,53) 31,02 (0,74- 3,59) 9,76 (0,47 - 1,67)
3. UBS/Pacs/ESF 2,166 (0,90 - 5,21) 29,93 (0,28 - 2,63) 21,04 (0,20 - 1,23)
4. UBS/ESP/URG 1 1 1
População
<50000 2,205 (1,25 - 3,93) 2,53 (1,10 - 5,78) 0,29 (0,16 - 0,51)
50000 - 100000 1,009 (0,60 - 1,71) 2,95 (1,41 - 6,18) 0,59 (0,36 - 0,95)
>100000 1 1 1
Fonte: Resultados da pesquisa Avaliação da gestão da atenção básica nos municípios de quatro regionais de saúde do Estado de São Paulo,
Departamento de Saúde Pública. FMB/Unesp (2007)
Referências
ALMEIDA, C.; MACINKO, J. Validação de uma BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar
metodologia de avaliação rápida das características (ANS). Relatórios para gestores. Nacional. Cadastro de
organizacionais e do desempenho dos serviços de atenção Beneficiários. DIDES, 2006. Disponível em: <http://
básica do Sistema Único de Saúde - SUS em nível local. www.ans.gov.br/portal/upload/aans/ouvidoria/
Brasília, DF: Organização Pan- Americana da Saúde. relatorios/relatorio_ouvidoria_2006.pdf>. Acesso em:
Brasília, 2006. (Série Técnica Desenvolvimento de 14 abr. 2014.
Sistemas e Serviços de Saúde).
______. Ministério da Saúde. PortariaGM nº 1.654 de
ALMEIDA, D. B.; MELO, C. M. M. Avaliação na 19 de julho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema
atenção básica em saúde: uma revisão de literatura. Único de Saúde, o Programa Nacional de Melhoria do
Revista Baiana de Enfermagem, Salvador, v. 24, n. 1, 2, 3, Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB)
p. 75-80, jan./dez. 2010. e o Incentivo Financeiro do PMAQ-AB, denominado
Componente de Qualidade do Piso de Atenção
ANDRADE, M. C.; CASTANHEIRA, E.R. L. Básica Variável – PAB Variável. Diário Oficial [da]
Cooperação e apoio técnico entre estado e municípios: República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 19 jul.
a experiência do programa articuladores da atenção 2011a. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/
básica em São Paulo. Revista Saúde e Sociedade, São legislacoes/gm/108814-1654.html>. Acesso em: 14 abr.
Paulo, v. 20, n. 4, p. 980-990, 2011. 2014.
______. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção CALDEIRA, A. P.; OLIVEIRA, R. M.; RODRIGUES, O. A.
Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Melhoria Qualidade da assistência materno-infantil em diferentes
contínua da Qualidade na Atenção Primária à Saúde: modelos de Atenção Primária. Ciência & Saúde Coletiva,
conceitos, métodos e diretrizes. Secretaria de Atenção Rio de Janeiro, v. 15, supl. 2, p. 3139-3147, 2010.
à Saúde. Série B. Normas e Manuais Técnicos. Brasília,
DF, 2010b. CAMPOS, G. W. S. El filo de la navaja de la función
filtro: reflexiones sobre la función clínica en el Sistema
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Único de Salud. Revista Brasileira de Epidemiologia, São
Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Paulo, v. 8, n. 4, p. 477-483, 2005.
Ministério da Saúde, v. 4, 2006. (Série Pactos pela
Saúde). CASTANHEIRA, E. R. L. et al. Avaliação da qualidade
da atenção básica em 37 municípios do centro-oeste
______. Ministério da Saúde. Projeto de Expansão e paulista: características da organização da assistência.
Consolidação do Saúde da Família -PROESF. Ministério Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 84-
da Saúde, Brasília, DF, jun. 2003. Disponível em: 88, 2009.
<http://www.saude.gov.br/proesf>. Acesso em: 14 abr.
2014. ______. QualiAB: desenvolvimento e validação de uma
metodologia de avaliação de serviços de atenção básica.
______. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 935-
Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica 947, 2011.
(PMAQ): Manual Instrutivo. Brasília: Ministério da
Saúde, Brasília, DF, 2011a. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM
(COFEN). Resolução nº 385, de outubro de 2011.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Disponível em: <ftp://ftp.saude.sp.gov.br/ftpsessp/
à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Teto, bibliote/informe_eletronico/2011/iels.out.11/
credenciamento e implantação das estratégias de agentes Iels190/U_RS-COFEN-385_031011.pdf>. Acesso em: 14
Comunitários de Saúde, Saúde da Família e Saúde Bucal abr. 2014.
– estado de São Paulo. Ministério da Saúde, Brasília,
DF. Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/portaldab/ DONABEDIAN, A. The quality of care: How can it be
historico_cobertura_sf.php>. Acesso em: 31 jul. 2014. assessed? Archives of Pathology & Laboratory Medicine,
Northfield, p. 1145-1150, nov. 1997.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Mais ______. Evaluating the quality of medical care. The
Perto de Você - Acesso e Qualidade Programa Nacional Millbank Quarterly, New York, v. 83, n. 4, p. 691-729,
de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção 2005.
Básica (PMAQ). Manual Instrutivo. Normas e Manuais
Técnicos. Brasília, DF, 2012. ELIAS, P. E. et al. Atenção Básica em Saúde:
comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão ______. Avaliação da qualidade da assistência no
social no município de São Paulo. Ciência & Saúde programa de Aids: questões para a investigação em
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3. p. 633-641, 2006. serviços de saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública,
Rio de Janeiro, v. 20, n. supl. 2, p. S310-S321, 2004.
FACCHINI, L. A. et al. Desempenho do PSF no Sul
e no Nordeste do Brasil: avaliação institucional e ______. The variability and predictors of quality of Aids
epidemiológica da Atenção Básica à Saúde. Ciência & care services in Brazil. BMC Health Services Research,
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 669-681, London, v. 9, p. 51, 2009.
2006.
NOVAES H. M. D. Avaliação de programas, serviços
______. Avaliação de efetividade da atenção básica à e tecnologias em saúde. Revista de Saúde Pública, São
saúde em municípios das regiões sul e nordeste do Paulo, v. 34, n. 5, p. 547-59, 2000.
Brasil: contribuições metodológicas. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 24, supl., 2008, p. S159-S172, OLIVEIRA, R. L. A. et al. Avaliação da atenção pré-
2008. natal na perspectiva dos diferentes modelos na atenção
primária. Rev. Latino-Am. Enfermagem [internet], v. 21,
GOMES, R. M. T.; CÉSAR, J. A. Perfil epidemiológico n. 2, mar./abr. 2013. Disponível em:<www.eerp.usp.br/
de gestantes e qualidade do pré-natal em unidade rlae>. Acesso em: 31 jul. 2014.
básica de saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul,
Brasil. Revista Brasileira de Medicina de Família e PAIM, J.; TRAVASSOS, C.; ALMEIDA, C.; BAHIA, L.;
Comunidade, Rio de janeiro, v. 8, n. 27, 2013, p. 80-89. MACINKO, J. O sistema de saúde brasileiro: história,
Disponível em:<http://www.rbmfc.org.br/rbmfc/ avanços e desafios. The Lancet.com[internet], Londres,
article/view/241>. Acesso em: 14 abr. 2014. p. 11-31, 2011. Acesso em: 14 abr. 2014.
GONÇALVES, C. V.; CESAR, J. A.; MENDOZA-SASSI, SEADE. Fundação Sistema Estadual de Análise de
R. A. Qualidade e eqüidade na assistência à gestante: dados. Índice Paulista de Responsabilidade Social e
um estudo de base populacional no Sul do Brasil. índice de Desenvolvimento Humano. 2007.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 11, p.
2507-2516, nov. 2009. SILVA, L. A.; CASOTTI, C. A.; CHAVES, S. C. L. A
produção científica brasileira sobre a Estratégia Saúde
HAIR, J. F. et al. Análise multivariada de dados. Porto da Família e a mudança no modelo de atenção. Ciência
Alegre: Editora eletrônica: Artmed pratice-Hall, 1998. & Saúde Coletiva, Rio de janeiro, v. 18, n. 1. p. 221-232,
2013.
IBANEZ, N. et al. Avaliação do desempenho da
atenção básica no estado de São Paulo. Ciência & Saúde STARFIELD, B. Atenção Primária: equilíbrio entre
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 683-703, 2006. necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília,
DF: UNESCO, Ministério da Saúde, 2002.
MENDES, J. D. V.; BITTAR, O. J. N. V. Saúde Pública
no Estado de São Paulo – informações com implicações STARFIELD, B.; SHI, L. Policy relevant determinants
no planejamento de programas e serviços. Revista de of health: an international perspective. Health Policy,
Administração em Saúde, São Paulo, n. especial, supl., Amsterdam, v. 60, n. 3, p. 201-218, 2002.
jan. 2010.
SUCCI, R. C. M. et al. Avaliação da assistência Pré-
NEMES M. I. B. et al. Avaliação de serviços de Natal em unidades básicas do município de São Paulo.
assistência ambulatorial em Aids, Brasil: estudo Rev Latino-Am.Enfermagem [internet], v. 16, n. 6, nov./
comparativo 2001/2007. Revista de Saúde Pública, Rio dez. 2008. Disponível em:< www.eerp.usp.br/rlae >.
de Janeiro, v. 47, n. 1, p. 137-146, 2013. Acesso em: 31 jul. 2014.
TANAKA, O. Y.; ESPÍRITO SANTO, A. C. G. Avaliação World Health Organization (WHO). The World Health
da qualidade da atenção básica utilizando a doença Report 2008: primary health care, now more than ever.
respiratória da infância como traçador, em um distrito Geneva: WHO, 2008.
sanitário do município de São Paulo. Revista Brasileira
de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 8, n. 3, p. 325-332, ZANCHI, M. et al. Concordância entre informações
jul./set. 2008. do Cartão da Gestante e do recordatório materno
entre puérperas de uma cidade brasileira de médio
TIMM, H. H. Applied multivariate analysis. Springer. porte. Cadernos Saúde Pública [internet], v. 29, n. 5, p.
2002, p. 695. 1019-1028, 2013. Disponível em: <http://www.scielosp.
org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X20
VASCONCELOS, R. D. Avaliação da qualidade da 13000900019&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 31 jul.
atenção básica no município de Bauru: desafios para 2014.
um processo de mudança. 2011. Dissertação (Mestrado
em Saúde Coletiva) - Faculdade de Medicina,
Recebido para publicação em abril de 2014
Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2011. Versão final em setembro de 2014
Conflito de interesses: inexistente
Suporte financeiro: resultados de pesquisa financiada pela Fapesp,
VERAS, C. L. S. M.; VIANNA, R. P. T. Desempenho linha de fomento PPSUS, Processo nº 05/58652-7
de municípios paraibanos segundo avaliação de
características da organização da atenção básica –
2005. Revista de Epidemiologia e Serviços de Saúde,
Brasília, v. 18, n. 2, p. 133-140, abr./jun. 2009.
RESUMO A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem papel fundamental na Atenção Primária
à Saúde no Brasil. Avaliou-se a ESF na visão do usuário, numa região de saúde de Minas
Gerais, por meio de pesquisa avaliativa, quantitativa e transversal, utilizando o Primary Care
Assessment Tool (PCATool). Os usuários têm na ESF o principal recurso de atenção à saúde e a
valorizam como coordenadora do cuidado nos demais níveis assistenciais. Contudo, conside-
ram que existem barreiras organizacionais no acesso; as necessidades da comunidade não são
a base para a oferta dos serviços; na organização das ações não há espaço para a participação
do usuário; e nem sempre a família é a unidade central do cuidado.
ABSTRACT The Family Health Strategy (ESF) has key role in Primary Health Care in Brazil. It
has assessed the ESF in the user perspective, in a health region of Minas Gerais, by means of an
evaluative, quantitative and cross-sectional survey, using the Primary Care Assessment Tool
(PCATool). Users have the ESF as the main resource of health care and have valued it as the co-
ordinator of care in other healthcare levels. However, they consider that there are organizational
barriers in access; community needs are not the basis to the range of services; in the organization
of the actions there is no place for the user participation, and the family is not always the central
unit of care.
1 Doutora em Enfermagem KEYWORDS Primary Health Care; Health service evaluation; Family Health Strategy.
pela Universidade de São
Paulo (USP) – São Paulo
(SP). Professora adjunta
da Universidade Federal de
Alfenas (Unifal) – Alfenas
(MG), Brasil.
simonealbino76@hotmail.com
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 692-705, Out-Dez 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140064
Avaliação da Estratégia Saúde da Família: perspectiva dos usuários em Minas Gerais, Brasil 693
Tabela 1. Valores médios e respectivos desvios-padrão dos atributos da Atenção Primária à Saúde, Escore Essencial e
Escore Geral, conferidos pelos usuários adultos na avaliação da Estratégia Saúde da Família, microrregião de Alfenas –
MG, 2012
Nos escores médios dos atributos da ESF O valor médio do grau de afiliação confe-
não foi encontrada diferença estatística, rido pelo usuário da ESF da região de saúde
comparando-se os grupos por sexo, idade, de Alfenas foi alto, informando que o mesmo
cor e presença de filhos. A comparação prioriza utilizar e depositar a responsabili-
dos escores médios dos atributos entre os dade pelo seu atendimento na ESF.
grupos classificados segundo o estado civil A busca do serviço é medida pelo atribu-
mostrou que o Acesso de Primeiro Contato to Acesso de Primeiro Contato – Utilização,
– Acessibilidade é mais bem avaliado pelos que recebeu o mais alto escore médio, cor-
participantes solteiros, casados/amasia- roborando o resultado do grau de afiliação.
dos e viúvos do que pelos participantes Estudos em diferentes partes do Brasil
divorciados. mostraram que os usuários da ESF também
avaliaram este atributo com altos escores Por outro lado, o atributo Acesso de Primeiro
(IBAÑEZ et al., 2006; MACINKO; ALMEIDA; SÁ, 2007; Contato – Acessibilidade, que avalia quanto o
OLIVEIRA, 2007; OLIVEIRA et al., 2013; PEREIRA et al., 2011; serviço de saúde é disponível ao usuário e sua
REIS et al., 2013; SALA et al., 2011; VAN STRALEN et al., 2008; capacidade de atendimento para a rotina ou
VIANA et al., 2008; VIANA, 2012). para a demanda espontânea, recebeu a pior
Giovanella e Mendonça (2003) sugerem avaliação entre os demais. A falta dessa qualida-
que, nas localidades onde ocorreu a substi- de não é uma característica apenas dos municí-
tuição de rede básica tradicional pela ESF, pios deste estudo, pois recebeu baixos escores
há maior probabilidade de esta se constituir dos usuários em outras avaliações da ESF (ELIAS
em uma fonte habitual de atenção. Na região et al., 2006; IBAÑEZ et al., 2006; MACINKO; ALMEIDA; DE SÁ,
de saúde em estudo, a ESF foi a escolha dos 2007; OLIVEIRA, 2007; OLIVEIRA et al., 2013; PEREIRA et al.,
gestores para a ampliação da rede de servi- 2011; REIS et al., 2013; SALA et al., 2011; VAN STRALEN et al.,
ços de atenção primária, com alta cobertura 2008; VIANA et al., 2008; VIANA, 2012). No detalhamen-
populacional nos municípios pesquisados, to dos itens que compõe este atributo, expostos
tornando-a um serviço de procura regular na tabela 2, pode-se compreender melhor esse
pela população. resultado.
Tabela 2. Distribuição percentual das respostas dos usuários adultos da Estratégia Saúde da Família aos itens que compõem o atributo Acesso de
Primeiro Contato – Acessibilidade, microrregião de Alfenas – MG, 2012. Alfa de Cronbach = 0,683, N = 524
Com certeza, sim 0,19 0,76 20,46 25,10 1,72 0,95 43,30 10,67 38,93 32,89 50,38
Provavelmente sim 0,19 0,76 21,99 14,69 1,53 0,38 27,20 9,54 24,43 23,71 9,73
Provavelmente não/não 5,53 7,44 22,94 25,76 6,30 6,87 11,88 21,95 17,75 19,50 14,89
sei não lembro
Com certeza, não 94,08 91,03 34,61 34,35 90,46 91,79 17,62 57,82 18,89 23,90 25,00
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Notas: C1 – O ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ fica aberto no sábado ou no domingo? C2 – O ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/
enfermeiro’ fica aberto pelo menos algumas noites de dias úteis até as 20 horas? C3 – Quando o seu ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ está
aberto e você adoece, alguém de lá atende você no mesmo dia? C4 – Quando o seu ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ está aberto, você consegue
aconselhamento rápido pelo telefone se precisar? C5 – Quando o seu ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ está fechado, existe um número de telefone
para o qual você possa ligar quando fica doente? C6 – Quando o seu ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ está fechado no sábado e domingo e você
fica doente, alguém deste serviço atende você no mesmo dia? C7 – Quando o seu ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ está fechado e você fica doente
durante a noite, alguém deste serviço atende você naquela noite? C8 – É fácil marcar hora para uma consulta de revisão (consulta de rotina, ‘check-up’) neste ‘nome do
serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro?’ C9 – Quando você chega ao seu ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’, você tem que esperar mais de 30
minutos para se consultar com o médico ou enfermeiro (sem contar triagem ou acolhimento)? C10 – Você tem que esperar por muito tempo ou falar com muitas pessoas
para marcar hora no seu ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro?’ C11 – É difícil para você conseguir atendimento médico do seu ‘nome do serviço de saúde/
ou nome médico/enfermeiro’ quando pensa que é necessário? C12 – Quando você tem que ir ao ‘nome do médico/enfermeira/ local’, você tem que faltar ao trabalho ou à
escola para ir ao serviço de saúde?
Tabela 3. Distribuição percentual das respostas dos usuários adultos da Estratégia Saúde da Família aos itens que compõem o atributo Coordenação –
Integração de Cuidados, microrregião de Alfenas – MG, 2012. Alfa de Cronbach = 0,782, N= 259
E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 E9
Avaliação
% % % % % % % %
Com certeza, sim 73,46 86,87 28,19 58,37 44,79 55,60 40,93 35,91
Provavelmente sim 5,00 5,02 5,79 10,12 12,36 8,88 8,11 6,18
Provavelmente não/não sei/não lembro 4,23 2,70 13,90 2,72 9,27 10,04 13,13 13,90
Com certeza, não 17,31 5,41 52,12 28,79 33,59 25,48 37,84 44,02
Total 100 100 100 100 100 100 100 100
Notas: E2 – O ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ sugeriu (indicou, encaminhou) que você fosse se consultar com este especialista ou serviço
especializado? E3 – O ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ sabe que você fez essas consultas com este especialista ou serviço especializado? E4 – O
seu ‘médico/enfermeiro’ discutiu com você diferentes serviços onde você poderia ser atendido para este problema de saúde? E5 – O seu ‘médico/enfermeiro’ ou alguém que
trabalha no/com ‘nome do serviço de saúde’ ajudou-o/a marcar esta consulta? E6 – O seu ‘médico/enfermeiro’ escreveu alguma informação para o especialista, a respeito
do motivo desta consulta? E7 – O ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ sabe quais foram os resultados desta consulta? E8 – Depois que você foi a este
especialista ou serviço especializado, o seu ‘médico/enfermeiro’ conversou com você sobre o que aconteceu durante esta consulta? E9 – O seu ‘médico/enfermeiro’ pareceu
interessado na qualidade do cuidado que lhe foi dado (lhe perguntou se você foi bem ou mal atendido por este especialista ou serviço especializado)?
Tabela 4. Distribuição percentual das respostas dos usuários adultos da Estratégia Saúde da Família aos itens que compõem o atributo Integralidade –
Serviços Disponíveis, microrregião de Alfenas – MG, 2012. Alfa de Cronbach = 0,807, N=460
G1 G2 G3 G4 G5 G6 G7 G8 G9 G10 G11
Avaliação
% % % % % % % % % % %
Com certeza, sim 45,77 32,75 25,81 74,78 61,82 62,17 53,28 23,26 26,09 6,75 25,05
Provavelmente sim 20,17 15,40 13,23 4,13 7,38 9,13 17,69 16,09 20,65 3,92 20,26
Provavelmente não/não 13,88 27,11 31,02 9,13 9,76 9,78 21,40 41,30 35,87 24,18 35,51
sei/não lembro
Com certeza, não 20,17 24,73 29,93 11,96 21,04 18,91 7,64 19,35 17,39 65,14 19,17
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
G12 G13 G14 G15 G16 G17 G18 G19 G20 G21 G22
Avaliação
% % % % % % % % % % %
Com certeza, sim 13,02 12,58 6,74 4,12 83,70 38,70 66,45 5,68 36,18 54,45 35,29
Provavelmente sim 18,00 16,05 2,61 1,30 7,17 24,78 10,24 2,18 17,98 18,22 18,08
Provavelmente não/não 28,63 26,46 25,65 23,21 6,30 21,96 13,29 27,51 22,37 13,45 29,41
sei/não lembro
Com certeza, não 40,35 44,90 65,00 71,37 2,83 14,57 10,02 64,63 23,46 13,88 17,21
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Notas: A seguir, apresentamos uma lista de serviços/orientações que você e sua família ou as pessoas que utilizam esse serviço podem necessitar em algum momento.
Indique, por favor, se no ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ esses serviços ou orientações estão disponíveis: G1 – Respostas a perguntas sobre
nutrição ou dieta. G2 – Verificar se sua família pode participar de algum programa de assistência social ou benefícios sociais. G3 – Programa de suplementação nutricional
(ex: leite, alimentos). G4 – Vacinas (imunizações). G5 – Avaliação da saúde bucal (Exame dentário). G6 – Tratamento dentário. G7 – Planejamento familiar ou métodos
anticoncepcionais. G8 – Aconselhamento ou tratamento para o uso prejudicial de drogas (lícitas ou ilícitas, ex: álcool, cocaína, remédios para dormir). G9 – Aconselhamento
para problemas de saúde mental. G10 – Sutura de um corte que necessite de pontos. G11 – Aconselhamento e solicitação de teste anti-HIV. G12 – Identificação (Algum
tipo de avaliação) de problemas auditivos (para escutar). G13 – Identificação (Algum tipo de avaliação) de problemas visuais (para enxergar). G14 – Colocação de tala (ex:
para tornozelo torcido). G15 – Remoção de verrugas. G16 – Exame preventivo para câncer de colo de útero (Teste Papanicolau). G17 – Aconselhamento sobre como parar de
fumar. G18 – Cuidados pré-natais. G19 – Remoção de unha encravada. G20 – Aconselhamento sobre as mudanças que acontecem com o envelhecimento (ex.: diminuição
da memória, risco de cair). G21 – Orientações sobre cuidados no domicílio para alguém da sua família, como: curativos, troca de sondas, banho na cama. G22 – Orientações
sobre o que fazer caso alguém de sua família fique incapacitado e não possa tomar decisões sobre sua saúde (ex.: doação de órgãos caso alguém de sua família fique
incapacitado para decidir, por exemplo, em estado de coma).
como uma porta de entrada para o atendi- portadora de uma diversidade de sofrimentos,
mento dessas demandas é uma lacuna im- entre eles, os psíquicos. A estrutura atual do
portante em sua atuação – ao se considerar SUS ainda é insuficiente na oferta de respos-
a importância epidemiológica desses temas, tas a ocorrências de violência e necessita am-
o impacto sobre as famílias e o custo para a pliar o olhar sobre a diversidade de situações
sociedade – por seus desdobramentos, tais que permeiam o processo saúde-doença. (PE-
como violência urbana, violência doméstica REIRA et al., 2011, p.52).
e incapacitação para o trabalho.
O delineamento do resultado do atributo
Os profissionais que atuam na ABS carregam Integralidade – Serviços Prestados é aborda-
a responsabilidade de lidar com uma clientela do na tabela 5.
Tabela 5. Distribuição percentual das respostas dos usuários adultos da Estratégia Saúde da Família aos itens que compõem o atributo Integralidade –
Serviços Prestados, microrregião de Alfenas – MG. Alfa de Cronbach = 0,882, H1 a H11 N= 508; H12 e H13 N = 438)
Com certeza, sim 59,14 42,24 18,11 21,02 60,90 68,84 62,13 16,50 4,72 23,23 30,18 40,63 40,32
Provavelmente sim 12,18 13,36 5,91 12,38 12,18 8,68 16,37 8,25 2,56 14,17 14,20 11,74 14,41
Provavelmente não/ 8,64 11,59 25,79 22,20 7,86 7,10 6,11 23,18 11,81 12,01 9,27 8,58 8,33
não sei/não lembro
Com certeza, não 20,04 32,81 50,20 44,40 19,06 15,38 15,38 52,06 80,91 50,59 46,35 39,05 36,94
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Notas: A seguir, apresentamos uma lista de serviços/orientações que você e sua família ou as pessoas que utilizam esse serviço podem necessitar em algum momento.
Indique, por favor, se no ‘nome do serviço de saúde/ou nome médico/enfermeiro’ esses serviços ou orientações estão disponíveis: H1– Conselhos sobre alimentação saudável
ou sobre dormir suficientemente. H2 – Segurança no lar, como guardar medicamentos em segurança. H3 – Aconselhamento sobre o uso de cinto de segurança ou assentos
seguros para crianças ao andar de carro. H4 – Maneiras de lidar com conflitos de família que podem surgir de vez em quando. H5 – Conselhos a respeito de exercícios
físicos apropriados para você. H6 – Testes de sangue para verificar os níveis de colesterol. H7 – Verificar e discutir os medicamentos que você está tomando. H8 – Possíveis
exposições a substâncias perigosas (ex: veneno para formiga/para rato, água sanitária), no seu lar, no trabalho ou na sua vizinhança. H9 – Perguntar se você tem uma
arma de fogo e orientar sobre como guardá-la com segurança. H10 – Como prevenir queimaduras (ex: causadas por água quente, óleo quente, outras substâncias). H11 –
Como prevenir quedas. H12 – Só para mulheres: como prevenir osteoporose ou ossos frágeis. H13 – Só para mulheres: o cuidado de problemas comuns da menstruação ou
menopausa.
et al. (2011) e Pereira et al. (2011). Referindo-se 2011; SALA et al., 2011; VAN STRALEN et al., 2008; VIANA et
às ações educativas e de aconselhamento, al., 2008; VIANA, 2012). As piores avaliações foram
Pereira et al. (2011) dizem que as ações relati- sobre a participação do usuário no tratamen-
vas à prevenção de doença e à promoção da to (40,12%), assim como em outros estudos
saúde ainda são incipientes, revelando a ma- (PEREIRA et al., 2011; SALA et al., 2011; VIANA, 2012).
nutenção do modelo assistencial centrado Considera-se, assim, que o usuário
em práticas curativas. não experimenta/percebe a qualidade de
Os baixos escores dos dois atributos que Orientação Familiar nas ações dos serviços
aferiram a efetivação da Integralidade con- de saúde. Mais importante do que verificar o
trariam a afirmação de Sala et al. (2011), de que não alcance de um índice numérico que meça
o modelo de organização da APS nos moldes a qualidade assistencial é refletir sobre a per-
da ESF apresenta, em tese, melhores carac- sistência da prática centrada no profissional,
terísticas para a efetivação dos princípios da oposto do que foi proposto na mudança de
integralidade, uma vez que as ações são re- modelo assistencial a ser efetivada pelo SUS,
alizadas em um território estruturado, per- a partir da reorganização da APS com a ESF,
mitindo o planejamento das ações a partir para a qual a unidade de cuidado mais im-
das condições de vida e de saúde da popula- portante é a família, expressa na própria de-
ção adscrita, e não a partir da demanda por nominação da mesma.
assistência. O atributo Orientação Comunitária
Essa avaliação ruim pode ser interpretada recebeu avaliação considerada de baixo
de duas formas: a primeira é que, embora o escore, assim como em outros trabalhos rea-
instrumento tenha sido validado no Brasil, o lizados com usuários sobre a assistência com
rol de serviços elencados não está adequado adultos (ELIAS et al., 2006; IBAÑEZ et al., 2006; OLIVEIRA,
à realidade das ESF participantes do estudo. 2007; PEREIRA et al., 2011; SALA et al., 2011; VIANA et al.,
A segunda é que as ações e os serviços pro- 2008), com mulheres (VIANA, 2012) e com idosos
postos estão aquém das necessidades dos (OLIVEIRA et al., 2013). O estudo de Macinko,
usuários e não contemplam todo o espec- Almeida e Sá (2007) obteve avaliação positiva
tro da atuação da APS, ficando as práticas dos usuários para esse atributo da APS.
de prevenção e de promoção subjugadas às Elias et al. (2006) chamam a atenção para
práticas tradicionais de tratamento e de re- o fato de um estudo de avaliação encontrar
abilitação. Outrossim, para a população que um valor baixo para o atributo Orientação
reside na microrregião de Alfenas, o modelo Comunitária, pois é um dos componentes
de organização da APS, nos moldes da ESF, essenciais da ESF. Para esses autores, o re-
não se mostrou comprometido com a inte- sultado esperado seria uma boa avaliação.
gralidade e com a clínica ampliada. Nesse atributo, os itens que tratam das
A avaliação da Orientação Familiar visitas domiciliares (87,37%) e do reconheci-
recebeu um baixo escore médio por parte mento dos problemas de saúde da comuni-
dos entrevistados, distinguindo-se a ava- dade pelos profissionais do serviço de saúde
liação positiva para o item que se refere ao (74,37%) receberam avaliações positivas. A
questionamento do profissional de saúde visita domiciliar talvez seja uma das ações
sobre doenças que já ocorreram na família. que têm maior visibilidade e impacto junto
Os resultados negativos para esse atributo à população, já que faz parte da rotina das
foram uma unanimidade nos estudos reali- atividades dos membros da ESF, sobretudo
zados no Brasil, que utilizaram o PCATool, dos ACS.
independentemente da versão proposta (ELIAS Os próximos itens não atingiram um per-
et al., 2006; IBAÑEZ et al., 2006; MACINKO; ALMEIDA; DE SÁ, centual alto de avaliações positivas. Tiveram
2007; OLIVEIRA, 2007; OLIVEIRA et al., 2013; PEREIRA et al., como objetivo analisar se o serviço de saúde
Referências
social no município de São Paulo. Ciência & Saúde PEREIRA, M. J. B. et al. Avaliação das características
Coletiva, Rio de Jeniro, v. 11, n. 3, p. 633-641, set. 2006. organizacionais e de desempenho de uma unidade
de Atenção Básica à Saúde. Revista Gaúcha de
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de pesquisa social. São Enfermagem, Porto Alegre, v. 32, n. 1, p. 48-55, mar.
Paulo: Atlas, 1999, p. 206 2011.
GIL, C. R. R. Atenção primária, atenção básica e saúde POLIT, D.; BECK, C.; HUNGLER, B. Fundamentos de
da família: sinergias e singularidades do contexto pesquisa em enfermagem. 5. ed. Porto Alegre: Artmed,
brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, São Paulo, v. 22, 2004, p. 487
n. 6, p. 1171-1181, jun. 2006.
REIS, R. S. et al. Acesso e utilização dos serviços
GIOVANELLA, L.; ESCOREL, S.; MENDONÇA, M. H. na Estratégia Saúde da Família na perspectiva dos
M. Porta de entrada pela atenção básica? Integração do gestores, profissionais e usuários. Ciência & Saúde
PSF à rede de serviços de saúde. Saúde em Debate, Rio Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 11, p. 3321-3331, nov.
de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 278-89, 2003. 2013.
Fabiana Maria de Aguiar Bello1, Eduardo Freese de Carvalho2, Sidney Feitoza Farias3
1 Mestranda em Saúde PALAVRAS-CHAVE Políticas públicas de saúde; Atenção Primária à Saúde; Avaliação de pro-
Pública do Centro gramas e projetos de saúde.
de Pesquisas Aggeu
Magalhães (CPqAM).
Fundação Oswaldo Cruz ABSTRACT It is analyzed in this article the Improvement Program for Access and Quality
(Fiocruz/PE) – Recife (PE),
Brasil. Improvement in Primary Care in the municipality of Recife-PE, understanding and stating the
fabiana_bello@hotmail.com context, the content, the process and the actors involved. The results of the context point to an
2 Doutor em Ciências existing political alignment between the federal and municipal governments, difficulties in the
Sociossanitárias pela municipal election period and the underfinancing of the health sector. The content is based on the
Universidad Complutense
Madrid (UCM) – Madrid, guarantee of expanding access and improving the quality of primary care. The actors cooperated
Espanha. Professor to the implementation and feasibility of the program. Significant changes have been observed in
e Pesquisador do
Departamento de Saúde the work of the teams. The elements assessed indicate a transforming potential of the program.
Coletiva do Centro
de Pesquisas Aggeu
Magalhães (CPqAM), da KEYWORDS Health public policy; Primary Health Care; Program evaluation.
Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz/PE) – Recife (PE),
Brasil.
freese@cpqam.fiocruz.br
3 Doutor em Saúde
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 706-719, Out-Dez 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140065
Análise do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica em Recife-PE 707
Quadro 1. Resumo dos objetivos da pesquisa e respectivas categorias de análise do Programa de Melhoria do Acesso e
da Qualidade da Atenção Básica, no período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco
Fonte de dados
Objetivos
Categorias de análise Documentos oficiais / Artigos científicos
Quadro 2. Síntese do contexto do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco
Contexto
Macrocontexto Microcontexto
Os problemas de saúde
Esfera Política Esfera Econômica Esfera Social Políticas Setoriais Finanças Setoriais
e serviços de saúde
também é do PT, onde os ideais do partido são elevada concentração de renda do Brasil (índice
voltados para o trabalhador. E assim, tinha-se de Gini) (FREESE; CESSE, 2013).
essa política de se fazer mais para o trabalhador Com relação à dimensão microcontexto,
do município [...]. foi possível identificar na categoria Política
Setorial o processo de descentralização da
gestão, atuando na ampliação da autonomia
[...] Houve um rompimento do PSB com o PT. O dos municípios e na tentativa de expandir a
PSB acena com candidatura própria... O secretá- AB à saúde. Constam os seguintes elementos
rio de saúde e gestores do nível central saem da normativos: Normas Operacionais Básicas
secretaria, ficando, de certa forma, acéfala... Por- (dos anos 91, 92, 93 e 96) e de Assistência à
tanto, há um rompimento do modelo que vinha Saúde (2001 e 2002); Pacto pela Saúde (2006);
de 11 anos. Antes disso, teve a briga enfraquecida Decreto nº 7.508/2011; e respectivo Contrato
dentro do PT para definição de quem seria o can- Organizativo da Ação Pública da saúde (Coap).
didato [...]. Na análise da esfera das Finanças
Setoriais, tem-se a Emenda Constitucional
Analisando a esfera econômica do macro- 29 e, posteriormente, a Lei Complementar
contexto, foi observado aumento do crescimen- 141/12, que estabelecem o patamar mínimo
to econômico/Produto Interno Bruto (PIB) e de recursos a serem aplicados pelas três
incremento dos gastos públicos na saúde. esferas de governo (BRASIL, 2000; BRASIL, 2012a).
Segundo Serrano e Summa (2011), estudos Apesar do aumento crescente dos recursos,
apontam que a economia brasileira experi- especialmente do município, o subfinan-
mentou, na segunda metade dos anos 2000, ciamento é um dos grandes questionamen-
um período de crescimento mais rápido, in- tos apontados pelos entrevistados para
flação controlada, uma melhora da distribui- o avanço do SUS. Para eles, o PMAQ-AB
ção de renda e redução da pobreza, devido constitui uma das estratégias federais in-
a uma grande mudança nas condições ex- dutoras da institucionalização da avaliação
ternas, aliada a uma mudança pequena, mas por desempenho na AB.
muito importante na orientação da política
macroeconômica interna. A média de cresci- [...] a reclamação dos municípios, que é, geral-
mento do PIB, no período 2004-2010, foi de mente, quem operacionaliza a Atenção Básica no
4,5%, pouco mais que o dobro do índice ob- País, era em relação ao financiamento. Os muni-
servado no período 1995-2003. cípios ficavam com uma carga muito grande do
Observa-se, ainda, que o investimento do financiamento dessas equipes, e precisava se dis-
setor público ampliou nos últimos anos, passan- cutir mais investimento na Atenção Básica [...].
do de 2,6% do PIB, em 2003, para 4,4% em 2012.
Contudo, segundo dados do Instituto Brasileiro E, por fim, analisando a categoria
de Geografia e Estatística (IBGE), os gastos pú- Problemas de Saúde e Serviços de Saúde,
blicos em saúde representaram 3,6% do PIB, observam‑se os processos de transição de-
enquanto os gastos privados alcançaram 4,9%. mográfica, epidemiológica e nutricional,
Analisando, ainda, a esfera social do macro- resultando na superposição de Doenças
contexto, identificamos crescimento populacio- Infectocontagiosas e Parasitárias (DIP)
nal aliado ao aumento da expectativa de vida para e Doenças Crônicas não Transmissíveis
66 Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), dis- (DCNT) (FREESE; CESSE, 2013). Ainda que avanços
seminadas na área urbana. Ao se comparar com na expansão da AB tenham sido percebidos, a
outras grandes capitais do Brasil, Recife possui persistência de problemas, como integração,
precários Índices de Desenvolvimento Humano organização dos serviços e infraestrutura das
(IDH), ficando na 13ª posição, associados à Unidades Básicas de Saúde (UBS), é relatada
Quadro 3. Síntese do marco normativo/base legal do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica, no período de 2000 a 2012, Recife-Pernambuco
Descrição Objeto
Portarias
Nº 2.396, de 13 de outubro de 2011 Estabelece novas regras para carga horária de médicos, enfermeiros e
cirurgião-dentista
Nº 1.089, de 28 de maio de 2012 Define o valor mensal integral do incentivo financeiro do PMAQ-AB,
denominado como Componente de Qualidade do PAB Variável
Nº 2.488, de 21 de outubro de 2011 Aprova a PNAB, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a
organização da AB, para a Estratégia Saúde da Família e o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde
Nº 2.812, de 29 de novembro de 2011 Homologa a adesão dos municípios e das respectivas equipes de AB
Nº 225, de fevereiro de 2012 ao PMAQ-AB
Nº 644, de 10 de abril de 2012
Nº 2.838, de 01 de dezembro de 2011 Institui a programação visual padronizada das unidades de saúde do
Sistema Único de Saúde
Nº 866, de 3 de maio de 2012 Altera o prazo para solicitação da avaliação externa no PMAQ-AB e
as regras de classificação da certificação das equipes participantes do
programa
Quadro 3. (cont.)
Manuais instrutivos
Instrutivo para as equipes de Atenção Instruções gerais para equipes de Atenção Básica e gestores do PMAQ
Básica
Anexo - Ficha de qualificação dos Instruções dos indicadores de desempenho e monitoramento
indicadores
Autoavaliação para melhoria do acesso e Instruções e ferramenta de autoavaliação
da qualidade da Atenção Básica
Documento síntese para avaliação Instruções da avaliação externa
externa
Instrumento de avaliação externa do Instrumento de coleta de dados utilizado na avaliação externa
Saúde Mais Perto de Você/Acesso e
Qualidade
Em Recife, o AI estava diretamente ligado sobre as políticas de saúde, os usuários dos ser-
à GAB e desempenhou importante papel no viços de saúde da AB participaram de forma
desenvolvimento do PMAQ-AB. Percebe-se representativa (quatro usuários por equipe de
que seu envolvimento, participação e inte- saúde) do módulo III da avaliação externa do
resse no programa são elevados. E, ainda, sua PMAQ-AB, sendo verificadas sua percepção e
posição é de cooperação na operacionaliza- satisfação quanto ao acesso e à utilização dos
ção do mesmo. serviços de saúde. Para a maioria dos entrevis-
As equipes de AB tiveram papel fundamental tados, os usuários participaram de forma inci-
no programa. Para os informantes-chave, a maioria piente e pontual, apesar de serem identificados
das equipes de saúde da família do Recife estava como o principal ator.
mobilizada ativamente no programa. Apenas uma A participação da Fiocruz/PE se deu,
pequena parte não quis aderir no primeiro ciclo. efetivamente, na terceira fase do programa,
Porém, o relato de um dos entrevistados acredita que é a de Avaliação Externa, sendo a insti-
que a categoria médica não era favorável e que se tuição responsável pela organização e pelo
opôs desde o momento de implantação. desenvolvimento dos trabalhos de campo,
incluindo seleção e capacitação das equipes
[...] Entre os atores, do ponto de vista opositor, de avaliadores da qualidade que aplicaram os
eu identifico a categoria médica. Os médicos não instrumentos avaliativos.
foram a favor do PMAQ e não são ainda. Não são Diante do exposto, acredita-se que o pro-
todos, mas a grande maioria. Porque na hora que grama possui um conteúdo interessante e
você adere ao PMAQ, você tem que discutir indi- viável de ser aplicado. De uma forma geral,
cador, carga horária [...]. todos os atores cooperaram para a imple-
mentação do programa na cidade, uns mais
Além da participação dos Conselhos de ativamente, outros indiretamente, conforme
Saúde na formulação, fiscalização e deliberação detalhado no quadro 4.
Quadro 4. Síntese dos principais atores envolvidos e suas características relacionadas ao Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica, no período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco
Características
Atores
Envolvimento Participação Interesse Influência/Poder Posição
1. MS Elevado Direta Elevado Elevado Apoio político e técnico na elaboração
3. SES Não houve Indireta Indireto Relativo Não demonstrou interesse. Não se opôs.
5. Apoio Institucional Elevado Direta Elevado Significativo Apoio político e discussões técnicas com
as equipes
Quadro 5. Síntese da análise do processo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no
período de 2011 a 2012, Recife-Pernambuco
Discussão nacional sobre a Forma de implementação: A partir das entrevistas, foi possível identificar
resolutividade da Atenção Básica Top-down. aspectos positivos e negativos no programa, tais
no Brasil, principalmente quanto ao como:
acesso e à qualidade dos serviços Relação entre os níveis de
prestados. governo: mecanismos de Avaliação positiva: mudanças significativas na
controle normativo. estrutura física das UBS e no processo de traba-
A formulação do programa se deu, lho das equipes;
principalmente, pelo Departamento Concepção de políticas
de Atenção Básica do MS. Outros públicas: mista ou Avaliação negativa: acesso restrito à informa-
atores participaram dos ajustes estratégica. ção; incompatibilidade do programa; capacidade
finais ao programa. de revelar a realidade e transparência no uso do
recurso.
Perspectiva pluralista.
Referências
ARAÚJO Jr., J. L. C.; MACIEL FILHO, R. Developing BRASIL. Emenda Constitucional nº 29, de 13 de
an operational framework for health policy analysis. setembro de 2000. Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167
Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 1, e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao
n. 3, p. 203-221, 2001. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para
assegurar os recursos mínimos para o financiamento
ARAÚJO Jr., J. L. C. Health Sector Reform in Brazil, das ações e serviços públicos de saúde. Diário Oficial
1995-1998. An Health Policy Analysis of a Developing [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 set.
Health System. 2000. Tese (PhD – Public Health) – 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
Nuffield Institute for Health, Leeds, Reino Unido, ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc29.htm>.
2000. Acesso em: 20 jul. 2013.
Federal e Municípios em ações e serviços públicos de ______. Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento
saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de de Atenção Básica. Autoavaliação para Melhoria
transferências para a saúde e as normas de fiscaliza- do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica:
ção, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 manual instrutivo. Brasília, 2012. Disponível em:
(três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis <http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/pmaq/amaq.
nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de pdf> Acesso em: 20 jul. 2013.
julho de 1993; e dá outras providências. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 jan. FREESE, E.; CESSE, E. Análise da situação de saúde
2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci- na região nordeste com foco nos determinantes sociais
vil_03/leis/LCP/Lcp141.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013. de saúde. Documento de discussão para I Conferência
Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde, 2013.
______. Ministério da Saúde. Decreto nº 7.508 de 28 de Disponível em: <http://dssbr.org/site/wp-content/
junho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de uploads/2013/07/Documento-de-Refer%C3%AAncia1.
setembro de 1990. Diário Oficial [da] União, Brasília, pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.
DF, 28 jun. 2011e. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto / FREESE, E.; MACHADO, E.; CESSE, E. Fatores
D7508.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013. limitantes e facilitadores de mudança nas organizações
de saúde do SUS: dialogando com novos e velhos
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 problemas. In: FREESE, E. organizador. Municípios:
de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de a gestão da mudança em saúde. Recife: Ed. da UFPE;
Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes 2004. p. 233-260.
e normas para a organização da Atenção Básica, para
a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de KVALE, S. InterViews. An introduction to qualitative
Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial research interviewing. Thousand Oaks: SAGE, 1996.
[da] União, Brasília, DF, 21 out. 2011b. Disponível em:
<http://brasilsus.com.br/legislacoes/gm/110154-2488. LOPES, B.; AMARAL, J. N. Políticas Públicas: conceitos
html>. Acesso em: 20 jul. 2013. e práticas. Belo Horizonte: Sebrae (MG), 2008.
Maria Anielly Pedrosa da Silva1, Risia Cristina Egito de Menezes2, Maria Alice Araújo Oliveira3,
Giovana Longo-Silva4, Leiko Asakura5
1Graduada em Nutrição
pela Faculdade de Nutrição
da Universidade Federal de
Alagoas (Ufal) – Maceió
(AL), Brasil.
mariaanielly@hotmail.com
2 Doutora em Nutrição RESUMO O artigo descreve a evolução da Atenção Básica à Saúde de Alagoas, com ênfase na
pela Universidade Federal ampliação da Estratégia Saúde da Família, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e do compo-
de Pernambuco (UFPE)
– Recife (PE), Brasil. nente alimentação e nutrição. Estudo descritivo utilizando dados de sistemas de informação
Professora adjunta da do Ministério da Saúde. A Estratégia Saúde da Família se ampliou em Alagoas, com simultânea
Faculdade de Nutrição da
Universidade Federal de adesão ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família e aumento na cobertura da suplementação de
Alagoas (Ufal) – Maceió ferro e vitamina A, e do Sistema de Vigilância Alimentar Nutricional. Houve evolução positiva
(AL), Brasil.
risiamenezes@yahoo.com.br na Atenção Básica no Estado, em relação à cobertura populacional da Estratégia Saúde da
3 Doutora em Nutrição
Família, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e do componente da nutrição, ressaltando-se
pela Universidade Federal a necessidade de estudos que avaliem a qualidade dessas políticas.
de Pernambuco (UFPE)
– Recife (PE), Brasil.
Professora associada da PALAVRAS-CHAVE Saúde da família; Atenção Primária à Saúde; Nutrição em saúde pública.
Faculdade de Nutrição da
Universidade Federal de
Alagoas (Ufal) – Maceió ABSTRACT The article describes the evolution of Primary Health Care in Alagoas, with emphasis
(AL), Brasil. on the enlargement of the Family Health Strategy, of the Support Center for Family Health, and
alicemcz@ig.com.br
of the nourishment and nutrition component. Descriptive study using information systems datas
4 Doutora em Ciências of the Ministry of Health. The Family Health Strategy has been extended in Alagoas, with simul-
Aplicadas à Pediatria pela
Universidade Federal de taneous adherence to the Support Center for Family Health, and increase in the coverage of iron
São Paulo (Unifesp) – São and vitamin A supplementation, and of the Nutritional Alimentary Surveillance System. There
Paulo (SP), Brasil. Doutora
em Ciências aplicadas à was favorable evolution in Primary Care in the state, with regard to the population coverage of
Pediatria pela Universidade the Family Health Strategy, to the Support Center for Family Health, and to the nutrition’s com-
do Porto (FCNAUP) –
Porto, Portugal. Professora ponent, highlighting the need for studies that evaluate the quality of these policies.
adjunta da Faculdade de
Nutrição da Universidade
Federal de Alagoas (Ufal) – KEYWORDS Family health; Primary Health Care; Nutrition in public health.
Maceió (AL), Brasil.
giovana_longo@yahoo.com.br
5Doutora em Saúde
Pública pela Universidade
de São Paulo (USP) –
São Paulo (SP), Brasil.
Professora adjunta da
Universidade Federal de
Alagoas (Ufal) – Maceió
(AL), Brasil.
asakura_leiko@yahoo.com.br
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 720-732, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140066
Atenção Básica em Alagoas: expansão da Estratégia Saúde da Família, do Nasf e do componente alimentação/nutrição 721
pela incorporação da Política Nacional da (Datasus, CNES Net, Sisvan Web e Sistema
Atenção Básica e pela Política Nacional de de Gerenciamento dos Programas Nacionais
Alimentação e Nutrição e suas diretrizes. O de Suplementação de Ferro e de Vitamina A).
tema alimentação e nutrição, neste nível de Foi realizada a análise da descrição tempo-
atenção, se insere de forma singular, como ral referente à evolução da ABS no Estado
estratégia para fortalecimento da Política de Alagoas, no período de 1991 a 2013. Os
Nacional de Saúde, e consequente melhoria arquivos foram extraídos no formato DBC e
da saúde da população (BRASIL, 2006b, 2012). expandidos no programa TabWin.
No âmbito da Atenção Básica, destacam‑se Foram consultados os dados do Cadastro
os programas nacionais de suplementação Nacional de Estabelecimentos em Saúde
de ferro e de vitamina A, principais estraté- (CNES) disponíveis no site do Datasus, sendo
gias do Ministério da Saúde para o enfren- acessados os relatórios anuais de serviços
tamento de dois importantes problemas de especializados do Estado de Alagoas, com
saúde pública no País: a anemia ferropriva abrangência em todos os municípios, segundo
e a hipovitaminose A. O Programa Nacional tipos de serviço e ESF implantada, apoio à
de Suplementação de Vitamina A consis- saúde da família implantado, tipos de serviço
te na suplementação de crianças de 6 a 59 e existência do Nasf. Também foi investigada a
meses de idade com suplementos de vita- presença do nutricionista no referido núcleo.
mina A, incluindo todos os municípios das A partir desses dados foi descrita a evolução
regiões Norte e Nordeste. Esses suplemen- histórica da implantação da ESF, segundo mu-
tos deverão ser distribuídos às crianças, na nicípio e número de equipes, durante os anos
rotina da Atenção Básica, nas ações de acom- de 1994 a 2013. Ressalta-se que os dados refe-
panhamento do crescimento e do desenvol- rentes ao ano de 1995 não foram disponibiliza-
vimento infantil ou junto às campanhas de dos pelo sistema de informação consultado.
multivacinação, cabendo ao município definir A análise referente à estimativa da população
a melhor estratégia de distribuição. Quanto coberta e da proporção da cobertura populacional
ao Programa Nacional de Suplementação de assistida pela ESF compreendeu os anos de 1998 a
Ferro, o mesmo consiste na suplementação 2013. Para a evolução histórica da implantação do
profilática de crianças de 6 a 18 meses com Nasf no Estado, avaliaram-se os anos de 2008, 2009
ferro; gestantes a partir da vigésima semana e 2011 a 2013. Os dados referentes ao ano de 2010
gestacional com ferro e ácido fólico; e mulhe- também não estavam disponíveis no momento da
res até o terceiro mês pós-parto e pós-aborto, análise, interrompendo a série estudada.
com ferro (BRASIL, 2007, 2013a). A descrição da série histórica sobre a po-
Diante do exposto, o presente trabalho pulação assistida pelo Programa Nacional de
busca descrever a expansão da ABS no Estado Suplementação de Ferro (PNSF) foi elabo-
de Alagoas, com ênfase na ampliação da ESF, rada mediante a disponibilização dos dados
do Nasf e do componente alimentação e dos relatórios quantitativos, no período de
nutrição. 2005 a 2012, no sistema de informação do
referido programa. Para tal, foi selecionado o
estado de Alagoas com abrangência em todos
Metodologia os municípios, e realizado o levantamento
por ciclo da vida e produto utilizado.
Trata-se de um estudo de caráter descriti- No que concerne ao quantitativo de cáp-
vo, que utiliza dados referentes ao Estado sulas de vitamina A distribuídas no Estado,
de Alagoas, provenientes dos sistemas de foram obtidos relatórios disponíveis no site
informação oficiais do Ministério da Saúde, do Programa Nacional de Suplementação de
disponíveis nas bases de dados do SUS Vitamina A (PNVITA), agrupados segundo
faixa etária das crianças e estágio do ciclo de participantes, considerou-se que o mesmo
vida referente à gestação e aos grupos popu- não necessita de aprovação em comitês de
lacionais que são alvos do referido programa, ética reconhecidos pela Comissão Nacional
com abrangência em todos os municípios. de Ética em Pesquisa (Conep), conforme
Para coleta dessas informações, foi conside- preveem os princípios éticos para a realização
rado o período de 2011 a 2013, anos em que de pesquisas que envolvem seres humanos.
os referentes dados se encontravam dispo- Ressalta-se que todas as informações estão
níveis no sistema de informação consultado. disponíveis para o público geral como forma
O quantitativo de indivíduos cadastrados no de democratizar as informações em saúde no
Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Brasil e fortalecer o controle social.
(Sisvan) foi obtido a partir dos relatórios refe-
rentes ao estado nutricional desses indivíduos,
disponíveis no sistema oficial de informação Resultados
do Ministério da Saúde, o Sisvan Web. Para
tal, foi selecionada a abrangência por estado, Mediante análise da evolução histórica da
o período anual (de 1991 a 2013) e as fases do implantação da ESF, segundo número de
ciclo de vida. Posteriormente, em cada uma equipes de saúde em Alagoas, observa-se
dessas fases, foi analisado o total anual de in- que, no início do período analisado, 14 mu-
divíduos acompanhados pelo referido sistema. nicípios apresentavam o programa implan-
Devido às características do estudo, que tado, com um total de 78 equipes, sendo a
analisa dados de acesso público referentes a abrangência estendida para 100% dos seus
sistemas oficiais de informação do Ministério 102 municípios em 2013, com um incremen-
da Saúde, sem a identificação dos sujeitos to de 744 equipes (gráfico 1).
Gráfico 1. Evolução histórica da implantação da Estratégia Saúde da Família, segundo número de municípios e equipes.
Alagoas, 1994-2013*
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
1994 1995 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Equipes 78 102 152 258 316 463 514 551 568 604 621 633 651 674 693 716 753 803 822
Gráfico 2. Evolução histórica da implantação da Estratégia Saúde da Família, segundo estimativa da população coberta e
da proporção da cobertura populacional. Alagoas, 1998-2013
2.500.000
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Estimativa de cobertura populacional (N)
Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
% 22,99 30,61 55,71 59,52 64,70 64,22 66,12 69,74 68,51 69,53 70,33 71,39 71,51 72,30 72,39 74,13
cobertura
Fonte: Ministério da Saúde/Secretaria de Assistência à Saúde/Departamento de Atenção Básica, 2013
Gráfico 3. Evolução do Núcleo de Apoio à Saúde da Família no Estado de Alagoas, segundo número de equipes e
municípios.
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
2008 2009 2011 2012 2013
Município 27 33 39 55 86
Equipes 21 27 31 47 75
Tabela 1. Evolução temporal da cobertura do Programa Nacional de Suplementação de Ferro e de Vitamina A, segundo público-alvo. Alagoas, 2005-2012
Ano Criança 0-18m Gestante a partir da 26ª Semana Mulher até 3º mês pós-parto
Sulfato Ferroso (frasco) Ácido Fólico Sulfato Ferroso Sulfato Ferroso Sulfato Ferroso
(comprimido) (comprimido) (frasco)
n % n % n % n % n %
2005 605 0,95 10.010 46,25 1.010 46,25 32 0,15 12 0,06
2006 27.214 42,75 53.153 245,59 59.46 272,82 21.857 100,99 103 0,48
2007 2.51 32,21 15.813 73,06 23.434 18,28 7.454 34,44 525 2,38
2008 19.671 29,77 12.615 46,07 23.207 84,75 5.154 18,52 122 0,45
2009 26.71 39,45 15.691 57,3 16.563 6,48 5.932 21,66 78 0,28
2010 17.817 32,07 15.695 75,52 16.718 80,44 7.68 34,1 86 0,41
2011 10.039 12,82 11.284 34,98 12.446 35,48 3.798 11,77 130 0,4
2012 11.825 15,10 16.244 50,36 18.870 58,5 5.824 18,06 398 1,23
1ª dose 2ª dose
n % n % n n %
Fonte: Ministério da Saúde/Secretaria de Atenção à Saúde/Departamento de Atenção Básica/Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição, 2013
O PNSF, por sua vez, apresentou cober- cobertura populacional desse programa
tura instável e inconstante, sendo obser- (tabela 1).
vados períodos de aumento do número de Quanto ao Sisvan, observou-se que, nos
indivíduos assistidos (42% de cobertura 10 primeiros anos de sua implantação (1991
entre as crianças, em 2006) e de redução a 2001), 21 indivíduos foram cadastrados e
(15% de cobertura entre as crianças, em avaliados. A partir de 2006, contudo, a ali-
2012). No que se refere ao público, as mentação do sistema passou a ocorrer de
gestantes compreendem o grupo mais forma mais consistente, sendo os registros
contemplado com a suplementação, en- concentrados entre os menores de 7 anos de
quanto as puérperas apresentaram a menor idade (tabela 2).
Tabela 2. Evolução histórica do número de indivíduos cadastrados no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, segundo fases do ciclo de vida.
Alagoas, 1991-2012
1991-2001 7 - 1 1 9 3 8 1 -
2002 8 - - - 8 - 3 - -
2003 7 - - - 7 - - - -
2004 12 5 - - 17 1 - - -
2005 19 11 - - 30 - - - -
2008 11.759 62.215 76.049 17.984 168.007 93.446 193.596 229 2.070
2009 14.947 61.577 57.914 2.562 137.000 60.929 163.206 1.102 3.273
2010 19.341 69.846 59.963 1.551 150.701 63.122 170.085 280 8.515
2011 20.451 69.068 60.378 2.560 152.457 67.066 177.355 1.148 11.170
2012 23.644 104.829 85.623 13.466 227.562 133.618 322.522 1.815 15.517
Fonte: Ministério da Saúde/Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição/Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, 2013
da ESF nas cidades de médio e grande porte o mesmo número de equipes em um territó-
de Alagoas também tem se apresentado de- rio com 80 mil habitantes cobre apenas 26%
sigual. De acordo com os sistemas oficiais de (BRASIL, 2008b; CONIL, 2002). Tal afirmação é com-
informação do Ministério da Saúde, Maceió, provada nos achados de Facchini et al. (2006),
a capital do Estado, apresenta uma cobertu- que constataram que, embora o crescimen-
ra da ESF menor que 30% de sua população, to do número EqSF tenha sido duas vezes
mantendo este índice desde o ano de 20061. maior no Sul (44%) do que no Nordeste
Tal fato pode ser atribuído a diversos fatores: (22%), a cobertura populacional atingia, res-
a complexidade sociossanitária, o perfil e a pectivamente, proporções equivalentes a: 1
formação dos profissionais, a organização equipe – 15.149 habitantes; e 1 equipe – 6.060
urbana e a cultura da medicina especializa- habitantes.
da, entre outros (BRASIL, 2006; FACCHINI et al., 2006). De forma similar, foi constatado que o
A exemplo do número de municípios que número de equipes multiprofissionais e a
implantaram a ESF em seus territórios, a cobertura do Nasf em Alagoas foram tripli-
evolução das EqSF e a cobertura populacio- cados em 4 anos, o que pode sinalizar um
nal (representada pelo número de pessoas esforço em gerar mudanças visando à me-
cadastradas) também apresentaram ten- lhoria dos níveis de saúde da população.
dência crescente em Alagoas, no período A implantação de Nasfs, por si só, não é
analisado. Essa expansão progressiva pôde garantia de resultados efetivos e positivos na
ser evidenciada mediante a implantação do saúde, cujos fatores determinantes perpas-
Sistema de Informação da Atenção Básica sam por questões de acesso aos bens e ser-
(Siab), em 1998, considerando que, a partir viços, trabalho, renda, educação e segurança,
de então, o quantitativo dessas equipes entre de outros. A exemplo da ESF, o Nasf,
passou a ser oficialmente registrado no dispositivo que pode contribuir para aumen-
Brasil (BRASIL, 2008b). Vale salientar que garan- tar a resolutividade das equipes da Atenção
tir a ampliação em termos numéricos não Básica, por meio do aprimoramento das in-
significa assegurar atenção integral à saúde, tervenções da equipe de apoio, vem ganhan-
ou que a mesma ocorra de forma satisfatória, do espaço no cenário da saúde no Estado de
conforme preconizado, no sentido de melho- Alagoas. No entanto, após cinco anos de sua
rar a qualidade de vida da população. É ne- criação, 16% dos seus municípios ainda não
cessário que se faça uma reflexão sobre sua efetivaram a implantação deste importante
operacionalização e sustentabilidade, bem recurso, destinado a concretizar e poten-
como sobre a qualidade da atenção presta- cializar o compartilhamento de práticas e
da, elemento considerado fator limitante saberes na Atenção Básica (CUNHA, 2011).
deste estudo. Apesar disto, os indicadores Especificamente quanto à inserção do nu-
aqui apresentados evidenciam que a evolu- tricionista, observou-se que esse profissional
ção do número de municípios, equipes e co- está presente nas equipes de apoio em apro-
bertura populacional da estratégia (número ximadamente 80% dos municípios que ade-
de pessoas acompanhadas) tem se mantido riram ao Nasf no Estado aqui avaliado. Dados
em forte crescimento desde sua inserção no apresentados pelo Ministério da Saúde
Estado, entretanto, com certa predisposição apontaram que 72% das 814 equipes do Nasf
a uma menor velocidade nesse aumento. distribuídas em território nacional, até no-
É importante destacar, ainda, que a co- vembro de 2009, contavam com a presença
bertura populacional pela ESF sofre influ- do nutricionista. Pesquisa nacional conduzi-
1 Disponível em: <http://
ência do número de habitantes/município. da pelo Conselho Federal de Nutricionistas tabnet.datasus.gov.br/
Enquanto em um território com 20 mil habi- (CFN, 2006) mostra que, no ano de 2006, dos cgi/tabcgi.exe/siab/cnv/
SIABSAL.def>. Acesso em:
tantes, seis EqSF cobrem 100% da população, 2.492 nutricionistas brasileiros, apenas 8,8% 2013.
destaque para crianças e gestantes. Este fato, que, apesar do avanço da cobertura popula-
também observado em todo o Brasil, decorre cional, em todo o território alagoano, com
da exigência do acompanhamento das con- progressos certamente positivos para a saúde
dicionalidades da saúde para participação no desta população, ainda se faz necessário des-
Programa Bolsa Família (PBF) (BRASIL, 2010d). pender esforços, no sentido de aumentar
Cumpre citar que, segundo Marchaukoski o número de equipes da ESF e do Nasf nos
(2011), em 2010, mais de 4.200 crianças bra- municípios, melhorando não só a cober-
sileiras menores de 5 anos estavam sendo tura populacional, mas e, principalmente,
acompanhadas pelo sistema de informação. o enfoque na adequada operacionalização
Em 2011, cerca de 70% das 10 milhões de das ações de alimentação e nutrição, funda-
famílias com perfil de saúde possuíam seus mentais para a vigilância e a prevenção de
dados antropométricos registrados no Sisvan. enfermidades que englobam hoje a agenda
O diagnóstico populacional da situação ali- prioritária de problemas de saúde pública a
mentar e nutricional, com o reconhecimento serem combatidos.
das áreas geográficas, segmentos e grupos Por fim, sugere-se a realização de estudos
mais vulneráveis, propiciado pelo Sisvan, que objetivem avaliar a efetividade e a qua-
imprime racionalidade como base de decisões lidade da atenção à saúde prestada pelas
para as ações de nutrição e de promoção de estratégias aqui analisadas, bem como a
práticas alimentares saudáveis. Neste sentido, atuação das equipes de saúde, em especial,
este sistema de informação torna-se de fun- no componente de alimentação e nutrição, e
damental importância, tanto para o aperfei- na Atenção Básica como um todo, de forma
çoamento das ações de vigilância alimentar e a garantir uma assistência de melhor qua-
nutricional, e sua incorporação nas rotinas de lidade e aprimorar as condições de vida da
atendimento aos usuários da rede, em todas população.
as fases do curso de vida, quanto para o ge-
renciamento do programa de transferência de
renda, o PBF (JAIME et al., 2011; BRASIL, 2012). Colaboradores:
Diante do exposto, constata-se que houve
expansão da ABS no Estado de Alagoas, Emília Chagas Costa - CAV/UFPE, Vanessa
com ênfase na ampliação da ESF, do Nasf e Sá Leal - CAV/UFPE, Juliana Souza Oliveira
do componente alimentação e nutrição, no - CAV/UFPE. s
período avaliado. No entanto, ressalta‑se
Referências
BARROS, C. M. L.; FARIAS JUNIOR, G. Avaliação da ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência
atuação do nutricionista nos Núcleos de Apoio à Saúde à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Atenção
da Família (NASF) do município de Picos/PI. Revista Básica e Saúde da Família: os números. Ministério da
Saúde e Desenvolvimento, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 140-154, Saúde, Brasília, DF. 2010b. Disponível em: <http//dab.
2012. saude.gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Vitamina à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde
A Mais: Programa Nacional de Suplementação de da Família no Brasil: uma análise de indicadores
Vitamina A: Condutas Gerais. Brasília, DF: Ministério selecionados: 1998/2006. Ministério da Saúde, Brasília,
da Saúde, 2013a. DF, 2008b.
______. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de
Nacional de Suplementação de Ferro: manual de Atenção Básica: Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio a
condutas gerais. Brasília: Ministério da Saúde, 2013b. Saúde da Família. Brasília, DF, 2010a.
______. Ministério da Saúde. Política Nacional de ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
Atenção Básica. Brasília, DF, 2006b. (Série Pactos pela à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual
Saúde 4). de orientações sobre o Bolsa Família na saúde. 3. ed.
Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2010d.
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 687, de 30
de março de 2006. Aprova a Política Nacional de ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
Promoção da Saúde. Diário Oficial [da] República à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política
Federativa do Brasil. Brasília, DF, 31 mar. 2006a. Seção Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília, DF:
1, p. 63. Ministério da Saúde, 2012.
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 154 de 24 de ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à Saúde Básica. Departamento de Atenção Básica. Avaliação
da Família. Diário Oficial [da] República Federativa para melhoria da qualidade da estratégia saúde da
do Brasil. Brasília, DF, 24 jan. 2008a. Disponível família. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005.
em: <http://dab.saude.gov.br/docs/legislacao/
portaria154_24_01_08.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2014. ______. Ministério da Saúde. Unicef. Cadernos de
Atenção Básica: Carências de Micronutrientes. Brasília,
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488, de 21 DF, n. 20, p. 60, 2007. (Série A. Normas e Manuais
de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional da Técnicos).
Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes
e normas para a organização da Atenção Básica, para ______. Secretaria de Atenção À Saúde. Departamento
a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de de Atenção Básica. Coordenação Geral da Política de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial Alimentação e Nutrição. Relatório de gestão - 2009.
[da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 21 out. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2010c.
2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>. Acesso CONIL, E. M. Políticas de atenção primária e reformas
em: 24 fev. 2014. sanitárias: discutindo a avaliação a partir de análise do
Programa Saúde da Família em Florianópolis, Santa MARTINS, M. C. et al. Panorama das ações de controle
Catarina, Brasil, 1994-2000. Cadernos de Saúde Pública, da deficiência de vitamina “A” no Brasil. Revista de
Rio de Janeiro, v. 18, p. 191-202, 2002. Nutrição, Campinas, v. 20, n. 1, p. 5-18, 2007.
Juliana Pessoa Costa1, Maria Salete Bessa Jorge2, Mardenia Gomes Ferreira Vasconcelos3, Milena
Lima de Paula4, Indara Cavalcante Bezerra5
5 Doutoranda em Saúde
DOI: 10.5935/0103-1104.20140067 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 733-743, OUT-DEZ 2014
734 COSTA, J. P.; JORGE, M. S. B.; VASCONCELOS, M. G. F.; PAULA, M. L.; BEZERRA, I. C.
dos discursos dos profissionais, a fragilidade ser a unidade de saúde mais próxima de seu
do acesso e a grande fila de espera para os aten- domicílio (FRATINI; SAUPE, 2008).
dimentos de especialidades, além dos encami- Desse modo, o sistema de referência e
nhamentos sem resolutividade. contrarreferência é entendido como um
mecanismo de encaminhamento mútuo de
[...] gente chega aqui é de partir o coração. Pre- usuários entre os diferentes níveis de com-
cisa de fisioterapia e a gente diz: vou passar você plexidade dos serviços. O Ministério da
para o médico e o médico lhe encaminha. E eles Saúde define esse sistema, inclusive, como
respondem: não, minha filha. Não adianta en- um dos elementos-chave de reorganização
caminhar, não, porque é em outro bairro. (Enfer- das práticas de trabalho, e pode ser visto
meira PSF). como o elemento para a integração das redes
de saúde (SERRA; RODRIGUES, 2010).
Entretanto, Franco e Franco (2010) defen-
[...] entra governante, sai governante e a gente dem o conceito de Unidades de Produção de
pensa: tomara que um dia apareça alguém pra Cuidado, que podem estar integradas e ope-
resolver essa questão da fila de espera de enca- rando em um mesmo processo produtivo ou
minhamentos. (Enfermeira PSF). atuar de forma compartimentada, autonomi-
zadas umas em relação às outras, baseados
Nesse contexto, em vez de processos de no Projeto Terapêutico como fio condutor do
referência e contrarreferência, na prática, processo de cuidado. Essa forma de se rela-
ocorrem encaminhamentos para serviços cionar em prol da constituição desse projeto
mais especializados, onde não se observa o fundamentado na demanda do usuário, a
acompanhamento do paciente pala equipe partir de olhares múltiplos, sustentados por
da Unidade Básica de Saúde e nem a longi- diversos saberes, pode dar a liga entre os di-
tudinalidade da assistência prestada, dificul- versos produtos das Unidades, funcionando
tando a integralidade do cuidado. como uma cadeia produtiva dos Projetos
O sistema de referência e contrarreferên- Terapêuticos, levando aos resultados espera-
cia é uma forma de organização dos serviços dos no tocante à resolução do problema de
de saúde, que possibilita o acompanhamen- saúde do usuário.
to profissional do usuário e favorece o seu Com efeito, o Projeto Terapêutico pode
acesso a todos os níveis assistenciais existen- constituir o fio condutor para os fluxos da
tes no SUS. Para sua efetivação, é necessário linha do cuidado, os quais devem ser capazes
que as unidades do sistema estejam organi- de garantir o acesso seguro às tecnologias
zadas hierarquicamente, isto é, classificadas necessárias à assistência. Assim, o fluxo
pelo tipo de serviços, equipamentos e profis- parte da rede básica, ou de qualquer outro
sionais especialistas e a capacidade de reso- lugar de entrada no sistema, para os diversos
lutividade (ORTIGA, 2006). níveis assistenciais (FRANCO; FRANCO, 2010). Esse
A referência representa a necessidade do percurso dinâmico e autônomo dentro da
usuário de um maior grau de complexidade, rede pode funcionar de forma mais efetiva
de onde é encaminhado a um atendimen- do que aquele operado na lógica de referên-
to de especialização mais complexo, como cia e contrarreferência, que parece obstruir a
hospitais e clínicas especializadas. Já a con- integralidade do cuidado.
trarreferência diz respeito ao menor grau Nesse sentido, as redes de saúde funcio-
de complexidade, quando a necessidade do nam como uma comunicação de ações e
usuário, com relação aos serviços de saúde, serviços passíveis de transformação e rein-
é mais simples, ou seja, ele é conduzido para venção de papéis e territorialidades, fun-
um atendimento em nível primário, devendo damentais para a constituição e a operação
uma atuação das equipes de base territo- da assistência é fundamental para a re-
rial, essa organização em rede promove o organização da qualidade dos serviços
estabelecimento de vínculos e acolhimento. de saúde, utilizando-se a análise de sa-
No entanto, na prática, observam-se dificul- tisfação do usuário. Assim, profissionais
dades no processo de trabalho no primeiro de saúde e gestores podem realizar au-
nível de atendimento, especificamente, na toanálise de seus processos de trabalho e
incompletude das equipes, nos encaminha- propor intervenções mais adequadas, em
mentos e na contrarreferência. função das necessidades e expectativas
O entendimento sobre resolutividade sobre o serviço. s
Referências
ANDRADE, L. M. et al. Análise da implantação dos Janeiro, v.14, suppl.1, p. 1421-1428, 2009.
Núcleos de Apoio à Saúde da Família no interior
de Santa Catarina. Rev. Saúde e Transformação, FRANCO, C. M.; FRANCO, T. B. Linhas do cuidado
Florianópolis, v. 3, n. 1, p. 18-31, 2012. integral: uma proposta de organização da rede de
saúde. 2010. Disponível em: <http://www.saude.rs.gov.
ASSIS, M. A. A.; JORGE, M. S. B. Métodos de análise br/dados/1312992014173Linha-cuidado-integral-
em pesquisa qualitativa. In: SANTANA, J. S. S. S.; conceito-como-fazer.pdf>. Acesso em: 20 julho 2014.
NASCIMENTO, M. A. A. Pesquisa: métodos e técnicas
de conhecimento da realidade social. Feira de Santana: FRATINI, J. R. G; SAUPE, G. Referência e
UEFS, 2010, p. 139-159. contrarreferência: contribuição para a integralidade
em saúde. Cienc. Cuid. Saude, Maringá, v. 7, n.1, p. 65-72,
CAMPOS, G. W. S.; DOMITTI, A. C. Apoio matricial e 2008.
equipe de referência: uma metodologia para gestão do
trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde Pública, GONCALVES, R. J. et al. Ser médico no PSF: formação
Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 399-407, 2007. acadêmica, perspectivas e trabalho cotidiano. Rev. Bras.
Educ. Med, Rio de Janeiro, v. 33, n. 3, p. 382-392, 2009.
CARVALHO, G. Coordenação de unidade de atenção básica
no SUS: trabalho, interação e conflitos. 2012. 300 f. Tese JULIANI, C. M. C. M.; CIAMPONE, M. H. T.
(Doutorado em Enfermagem). – Escola de Enfermagem Organização do sistema de referência e contra-
da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. referência no contexto do sistema único de saúde: a
percepção de enfermeiro. Rev. Esc. Enferm. USP, São
COSTA, M. R. et al. O trabalho em equipe desenvolvido Paulo, v. 33, n. 4, p. 323-333, 1999.
pelo cirurgião dentista na Estratégia Saúde da Família:
expectativas, desafios e precariedades. Revista LIMA, I. F. S. et al. Integralidade na percepção dos
Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de trabalhadores de uma unidade básica de saúde da
Janeiro, v. 7, n. 24, p.147-163, 2012. família. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 46, n. 4, p.
944-952, 2012.
FERREIRA, R. C. et al. Trabalho em equipe
multiprofissional: a perspectiva dos residentes médicos MARTINS, A. R. et al. Relações interpessoais, equipe
em saúde da família. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de de trabalho e seus reflexos na atenção básica. Rev. Bras.
Educ. Med, Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, p. 6-12, 2012. experiência do apoio matricial. Ciênc. Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 18, n. 7, p. 2157-2166, 2013.
MEDEIROS, C. R. G. et al. A rotatividade de
enfermeiros e médicos: um impasse na implementação RODRIGUES, J. S. M. et al. O atendimento por
da Estratégia de Saúde da Família. Ciênc. Saúde instituição pública de saúde: percepção de famílias de
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 1, p. 1521-1531, 2010. doentes com câncer. Saúde em Debate, Rio de Janeiro,
v. 37, n. 97, p. 270-280, 2013.
MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Ciênc. Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 5, p. 2297-2305, 2010. SCHRAIBER, L. B. et al. Planejamento, gestão e
avaliação em saúde: identificando problemas. Ciênc.
MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (Org.). Agir em saúde: um Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 221-42, 1999.
desafio para o público. São Paulo: Hucitec, 1997.
SERRA, C. G; RODRIGUES, P. H. A. Avaliação da
MERHY, E. E. A cartografia do trabalho vivo. 3. ed. São referência e contrarreferência no Programa Saúde da
Paulo: Hucitec, 2002. Família na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.15, supl. 3, p.
MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, 3579-86, 2010.
método e criatividade. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
SHIMIZU, H. E.; CARVALHO JUNIOR, D. A. C. O
_____. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e
em saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: Hucitec, 2008. suas repercussões no processo saúde-doença. Ciênc.
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 9, p. 2405-2414,
NUNES, A. A. et al. Resolubilidade da Estratégia Saúde 2012.
da Família e Unidades Básicas de Saúde Tradicionais:
Contribuições do PET-Saúde. Rev. Bras. Educ. Med, Rio SILVA, S. F. Organização de Redes regionalizadas e
de Janeiro, v. 36, n. 1, supl. 1, p. 27-32; 2012. Integradas de Atenção à Saúde: Desafios do Sistema
Único de Saúde (Brasil). Ciênc Saúde Coletiva, Rio de
ORTIGA, A M. B. Estrutura e dinâmica das unidades de Janeiro, v. 16, n. 6, p. 2753-2762, 2011.
saúde. 2006. Mimeo.
SILVA, A. T. C. et al. Núcleos de Apoio à Saúde da
PINTO, E. S. G. et al. Situação de trabalho dos Família: desafios e potencialidades na visão dos
profissionais da Estratégia Saúde da Família em Ceará- profissionais da Atenção Primária do Município de São
Mirim. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 44, n. 3, p. Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28,
657-664, 2010. n. 11, p. 2076-2084, 2012.
ABSTRACT The article analyzes the referral of patients from small municipalities to medium
or high complexity health services. In the small municipalities, political institutions related to
patronage and bossism interfere in the forwarding of patients, being considered important to
question how these institutions condition the access of family health’s patients from small muni-
cipalities to those services. A qualitative case study was conducted, using the reference of the his-
torical neo-institutionalism, interviews, non-systematically observation, documentary analysis
and quantitative data about the service network and the population. The results have shown that
the insufficient supply of services facilitates their clientelistic intermediation.
1Doutoranda em Saúde KEYWORDS Politics; Primary Health Care; Health services accessibility.
Coletiva pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
dannylacer@ig.com.br
2Doutor em Saúde
Coletiva pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) – Rio de Janeiro (RJ),
Brasil. Professor adjunto da
Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Uerj) – Rio
de Janeiro (RJ), Brasil.
pharodrigues@gmail.com
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 744-755, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140068
Política, atenção primária e acesso a serviços de Média e Alta Complexidade em pequenos municípios 745
PPI e encaminhamento Bases para a programação Critérios formais utilizados para a programação pactuada e
de pacientes integrada
aumenta o poder de barganha dos mesmos popularmente, por ‘Pé de Boi’ e ‘Pé de Cana’.
nas negociações com os municípios em torno O ‘Pé de Boi’ é tido como representante dos
dos preços dos seus serviços. Este problema grandes fazendeiros, quase sempre pecuaris-
também abre espaço para o clientelismo nas tas, e de seus clientes políticos. Já a alcunha
contratações. Da mesma forma, ocorre uma ‘Pé de Cana’ deve-se a uma história local,
alta rotatividade dos médicos de família no sobre um ex-prefeito daquele partido, que
município em questão. De acordo com as au- gostava muito de beber socialmente com
toridades locais entrevistadas, muitos desses seus eleitores. A cidade é muito dividida
profissionais apresentaram dificuldades entre os dois grupos: nas eleições de 2008, o
para aderir ao mandonismo local no atendi- ‘Pé de Boi’ ganhou por apenas quatro votos,
mento e no encaminhamento dos usuários o que motivou o ‘Pé de Cana’ a entrar com
aos serviços de MAC. uma ação na justiça, denunciando a compra
Um problema sério, que dificulta a am- de votos, para tentar reverter os resultados.
pliação da capacidade de atendimento, é o A composição da Câmara de Vereadores
fato de não haver representação regional expressa essa divisão: até o final do seu pri-
nos legislativos estadual e federal. Sem re- meiro mandato (dezembro/2012), o prefeito
presentantes, há dificuldade para a obtenção atual – que pertence ao ‘Pé de Boi’ – contava
de recursos de investimentos, oriundos de com uma minoria de aliados na Câmara de
emendas parlamentares, que, como foi visto, Vereadores (quatro do PMDB contra cinco
têm uma importância cada vez maior nos do PSDB), situação que foi revertida na
investimentos do SUS e são instrumentos eleição passada. Nesta última eleição, o pre-
de troca de favores no cenário político bra- feito não só se reelegeu, como conseguiu
sileiro. A ausência de representantes resulta fazer maioria absoluta na Câmara.
do fato de que, nas eleições para cargos es- A sociedade local possui poucas organi-
taduais e federais, costuma haver disputa zações representativas, apenas dois sindi-
política entre as lideranças dos diferentes catos: o dos Trabalhadores Rurais e o dos
municípios, o que dispersa os votos, já relati- Trabalhadores Municipais, este existente
vamente escassos, em função da pequena di- desde 2008. Segundo os entrevistados, sua
mensão do eleitorado local. Isto mostra que, criação decorreu da necessidade dos fun-
se na região o clientelismo local desempenha cionários municipais se defenderem do
um papel importante nos encaminhamentos favoritismo, ou clientelismo, existente na
e nas contratações de serviços de saúde, o prefeitura, que é o maior órgão empregador
mesmo não acontece em relação à capaci- local. A criação do sindicato representou
dade da região de se inserir nas negociações uma tentativa de organização independente
clientelistas maiores, nas esferas estadual e da sociedade, porém houve relatos de per-
nacional, a fim de obter emendas parlamen- seguições políticas às suas lideranças, que
tares para investimentos na saúde. levaram ao afastamento das mesmas e ao
consequente esvaziamento da organização.
O contexto político local O Sindicato dos Trabalhadores Rurais não
goza de boa imagem na sociedade, nem de
De acordo com os entrevistados, o ambiente muita legitimidade. Há diversas denúncias
político de Rio do Prado (MG) é dominado de práticas irregulares do mesmo em relação
por dois partidos, que vêm se alternando no à previdência social, tais como a cobrança in-
poder há pelo menos 16 anos: o Partido do devida de taxa para a averbação da contagem
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) do tempo para a aposentadoria de trabalha-
e o Partido da Social Democracia Brasileira dores efetivos.
(PSDB), conhecidos, respectivamente e Outra organização que vem servindo de
Figura 1. Esquema representativo das instituições e atores sociais envolvidos na gestão do encaminhamento de
pacientes para média e alta complexidade no Município de Rio do Prado (MG)
Coordenador da Coordenador
microrregional da regional Secretária Autoridades Parentes de
de saúde da Prefeitura Vereadores autoridades
de saúde de saúde
dos propósitos originais dos objetivos pre- capacidade instalada, tanto da macrorregião
tendidos com a descentralização do SUS, e quanto da microrregião de saúde estudadas,
dificultam a gestão da rede de ações e servi- foi a inexistência de uma representação da
ços de saúde. mesma nos legislativos, estadual ou federal,
Para a população dos pequenos municí- o que dificulta a obtenção de investimentos
pios, como no caso estudado, carentes sob o na forma das emendas orçamentárias parla-
ponto de vista socioeconômico, as situações mentares para a região. Como o sistema polí-
acima resumidas dificultam a garantia da tico brasileiro comporta um grande número
continuidade dos cuidados à saúde. Como de partidos e o presidente da república não
esta acaba sendo feita em locais distantes, consegue contar com uma maioria clara no
envolve outras questões, como o apoio lo- Legislativo, ele necessita constantemente
gístico – transporte, alimentação e hospeda- construir coalizões para conseguir aprovar
gem para usuários e acompanhantes –, que suas propostas de governo, em um sistema
também são passíveis de exploração política. chamado de presidencialismo de coaliza-
Já que a população da área estudada depende ção. As emendas orçamentárias parlamen-
praticamente de forma exclusiva do SUS, ela tares – principalmente, as individuais – são
é mais vulnerável aos interesses oligárquicos algumas das ferramentas usadas na busca
e privados. A predominância da gramática desse apoio político através das relações
clientelista no interior do País, entretanto, clientelistas que estão cada vez mais inves-
favorece o controle privado dos bens pú- tindo na saúde. No entanto, os parlamenta-
blicos e a nomeação de amigos e parentes res investem nas suas regiões de origem, ou
para cargos públicos, além do favoritismo nas regiões que apresentam maior número
no acesso a serviços públicos, em função de de eleitores, o que não é o caso da região es-
interesses político-eleitorais, em detrimento tudada, que não consegue eleger candidatos
dos direitos de cidadania. Desta forma, as da região, ficando sem acesso aos recursos
oportunidades são oferecidas muitas vezes das emendas. Um tema importante para
de forma prioritária para os eleitores ou futuras pesquisas é a análise dessa relação
financiadores das eleições. Uma das difi- entre o sistema político e a rede de serviços
culdades apresentadas para a ampliação da do SUS. s
Referências
______. Ministério da Saúde. Lei nº 8.080, de 19 de FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato
setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para político brasileiro. São Paulo: Editora Globo, 2001.
a promoção, proteção e recuperação da saúde,
a organização e o funcionamento dos serviços GERSCHMAN, S.; SANTOS, M. A. B. O Sistema Único
correspondentes e dá outras providências. Diário de Saúde como desdobramento das políticas de saúde
Oficial [da] União, Brasília, DF, p. 18055, 20 set. 1990. do século XX. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, v. 21, n. 61, p. 177-190, jun. 2006.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência
à Saúde. Portaria SAS/MS, Nº 55, de 24 de fevereiro GIL, A. C. Estudo de caso. São Paulo: Atlas, 2009.
de 1999. Dispõe sobre a rotina do Tratamento Fora
de Domicílio no Sistema Único de Saúde – SUS, HALL, P. A.; TAYLOR, R. C. R. As três versões do neo
com inclusão dos procedimentos específicos na Institucionalismo. Lua Nova, São Paulo, n. 58, p. 194-
tabela de procedimentos do Sistema de Informações 223, 2003.
Ambulatoriais do SIA/SUS e dá outras providências.
1999. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/ INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
PORTARIAS/Port99/PT-055.html>. Acesso em: 14 nov. ESTATÍSTICA (IBGE). Resultados preliminares do
2014. Censo Demográfico de 2010. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso
______. Regionalização da assistência à saúde: em 13 out. 2011.
LEAL, V. N. Coronelismo enxada e voto: o município e o RODRIGUES, P. H. A.; SANTOS, I. S. Saúde e cidadania:
regime representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Nova uma visão histórica e comparada do SUS. São Paulo:
Fronteira, 1997. Editora Atheneu, 2011.
LIMONGI, F. Presidencialismo, coalizão partidária e ______. Gestão Municipal. Rio de Janeiro: Fundação
processo decisório. Novos estud. - CEBRAP, n. 76, p. Getúlio Vargas/FGV Management, 2011, 84 p. (Apostila
17-41, nov. 2006. do curso de MBA em Planejamento, Orçamento e
Gestão Pública).
LIMONGI, F.; FIGUEIREDO, A. Poder de agenda e
políticas substantivas. São Paulo: USP, 2009. Disponível SANTANA, V. L. Atraindo o Pork: que fatores explicam
em: <http://svr-web.fflch.usp.br/dcp/assets/docs/ a execução das emendas orçamentárias no Brasil? 2011.
Limongi/Poder_de_Agenda_e_Politicas_Substantivas. 85 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). –
pdf>. Acesso em 28 ago. 2012. Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília,
2011.
MARQUES, E. C. Notas críticas à literatura sobre
Estado, políticas estatais e atores políticos. Revista SELLTIZ, C. et al. Métodos de pesquisa nas relações
Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências sociais. São Paulo: Editora Herder, 1974.
Sociais, Rio de Janeiro, v. 43, p. 67-102, 1997.
SKOCPOL, T. Social policy in the United States, future
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Saúde. Plano possibilities in historical perspective. Princeton:
Estadual de Saúde. Belo Horizonte: Secretaria de Princeton University Press, 1995.
Estado de Saúde, 2008-2011.
SODRÉ, A. C. A.; ALVES, M. F. C. Relação entre
NUNES, E. O. A gramática política do Brasil, emendas parlamentares e corrupção municipal
clientelismo, corporativismo e insulamento burocrático. no Brasil: estudo dos relatórios do Programa de
Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Fiscalização da Controladoria-Geral da União. Revista
de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 14, n. 3, p.
PERES, A. M. A. M. A municipalização é o caminho? 414-433, 2010.
2001. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva). –
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado ZIMMERMANN, A. Teoria geral do federalismo
do Rio de Janeiro, 2001. democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.
Teresa Cristina de Carvalho Lima Neves1, Luiz Albérico Araújo Montenegro2, Sonia Duarte de
Azevedo Bittencourt3
RESUMO Este estudo tem o objetivo de descrever condições de produção e registro das in-
formações geradas nas Unidades Básicas de Saúde, por regiões agregadas e por porte popu-
lacional no Brasil. Fez-se uma análise de indicadores do banco de dados gerado pelo ciclo I
do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), enfati-
zando as seguintes dimensões: condições de infraestrutura e informática, educação perma-
nente e processo de trabalho. Encontraram-se diferenças nas variáveis analisadas. Aponta-se
um sistema carente de recursos tecnológicos para elaboração de políticas de saúde mais
equânimes.
3 Doutora em Ciências
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 756-770, Out-Dez 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140069
Produção e registro de informações em saúde no Brasil: panorama descritivo através do PMAQ-AB 757
Tabela 1. Frequência relativa da disponibilidade de computador e acesso à internet das Unidades Básica de Saúde
segundo grandes regiões e porte populacional. Brasil, 2012
% % %
Pequeno (n=2114) 35,1 96,0 18,4
Norte e Nordeste Médio (n=2585) 30,2 96,2 12,6
Grande (n=1192) 62,0 96,2 37,3
Pequeno (n=1643) 81,3 98,5 66,6
No que diz respeito a ter pelo menos um apresentar as coberturas mais baixas do País,
computador em uso, essa variável apareceu estas variaram bastante segundo o porte
de maneira homogênea inter e intra regiões. populacional.
Nota-se, ainda na tabela 1, unidades básicas De forma geral, os dados apontam a ne-
com acesso à internet foram mais frequen- cessidade de maiores investimentos na es-
tes no Sul/Sudeste com pouca variação por trutura de informática nas UBS. É inegável
porte populacional. Situação diferente à o potencial das ferramentas computacionais
observada no Norte/Nordeste, que além de na estrutura, organização e funcionamento
dos sistemas e serviços de saúde. Sua utili- foram declaradas nas unidades dos municí-
zação além de agilizar o armazenamento das pios de pequeno porte, pertencentes à região
informações em nível local, possibilita aos Norte/Nordeste.
profissionais das unidades consultarem de Novamente observa-se o mesmo padrão,
maneira dinâmica assuntos relevantes para as melhores disponibilidades das fichas
suas práticas, auxiliando-os na reorganiza- elencadas no estudo, estão nas unidades de
ção do processo de trabalho, nas tomadas de saúde dos municípios de grande porte popu-
decisões, na assistência aos usuários, bem lacional em comparação com os de pequeno
como nos processos de referência e con- e médio porte. Com exceção apenas para o
tra‑referência. Quanto ao acesso a internet, relatório PMA2, em que a disponibilidade
deve-se considerar que o estudo não possi- entre as unidades de municípios de médio
bilitou averiguar qual o tipo existente, banda porte das regiões Sul/Sudeste, foi acima dos
larga ou discada. de grande porte. O panorama apresentado
acima demonstra preocupação no tocante
à disponibilização de algumas fichas que
Disponibilidade das constituem o instrumento de coleta. A ficha
fichas do Siab por regiões C presta-se ao acompanhamento das con-
dições de saúde e seguimento médico de
agregadas no Brasil crianças menores de dois anos. Sua baixa
disponibilidade pode indicar subnotifica-
A tabela 2 mostra a disponibilidade das fichas ções. Ou como apontam Marcolino e Schochi
do Siab por regiões agregadas no Brasil. A (2010), os dados podem estar registrados fora
ficha C (acompanhamento de crianças), foi das fichas padrão. De acordo com o Instituto
a menos disponível 58,5% entre as fichas Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
analisadas no território nacional, variando a taxa de mortalidade infantil vem caindo
de 48,8% a 56,2% entre as unidades dos mu- nos últimos anos. Apesar da melhora, o re-
nicípios de pequeno porte da região Norte/ sultado apontado no Brasil ainda está aquém
Nordeste. Nos municípios de grande porte do verificado em países desenvolvidos, onde
na região Sul/Sudeste a faixa de disponibili- esta taxa situa-se em torno de cinco óbitos
dade variou de 61 % a 66,1%. de menores de um ano para cada mil nasci-
Em seguida, a ficha com menor disponi- dos vivos em 2012. A falta ou a falha no regis-
bilidade em território nacional, foi a B-Hans tro de dados específicos dessa natureza pode
(73,1%), variando de 56,1% das equipes dos suscitar subnotificações, erros na detecção
municípios de pequeno porte a 87,8% dos de de fatores de risco para morbimortalidade
grande porte do Norte/Nordeste, seguida infantil, comprometendo a interpretação
pela B-TB que apresenta taxas de 75% va- causal do seu surgimento e, nas estratégias
riando também de 59,0% dos municípios de de assistência e prevenção realizadas pelas
pequeno porte no Norte/Nordeste a 82,2% equipes no acompanhamento do crescimen-
nos municípios de grande porte. Nos dois to dessas crianças. Torna-se importante,
casos as menores taxas ocorreram em muni- então, o desenvolvimento de estudos que
cípios de pequeno porte dos valores agrega- analisem a sugestão dessas hipóteses.
dos das três grandes regiões do Brasil. As fichas do grupo B são utilizadas para
Os relatórios SSA2 e as requisições e re- o acompanhamento domiciliar de grupos
sultados de exames citopatológicos foram as prioritários como gestantes, portadores de
mais disponíveis, com 91,1%, seguidos pela hipertensão, diabetes, tuberculose e hanse-
PMA2 com 89,9%. Ressalta-se que, para essas níase. No caso das gestantes estas recebem
três fichas, as menores disponibilidades uma carteira com as informações atualizadas
sobre sua gestação, assim a ficha B e a car- percentuais em todos os estratos populacio-
teira podem garantir o vínculo com o profis- nais e os piores percentuais são verificados
sional de saúde na UBS, e também servirá de nos municípios de pequeno porte da região
elo entre o serviço que prestou assistência Norte/Nordeste.
pré-natal e o hospital (FESCINA, 2007; BRASIL, 2006). No momento da pesquisa a situação das
Pelos resultados encontrados, verifica-se fichas D em termos nacionais foi de 85,8%
que as menores porcentagens (73,7%) estão não havendo grandes variações entre as
nos municípios de pequeno porte da região regiões, ficando a região Norte/Nordeste
Norte/Nordeste, estando os de grande porte nos municípios de pequeno porte com os
da mesma região com melhores resultados menores índices e os de grande porte com
(92,9%). os melhores índices. Essa ficha é utilizada
As fichas relativas ao atendimento de para o registro diário das atividades e proce-
pré-natal contêm informações do acompa- dimentos realizados por todos os profissio-
nhamento da gestante, assim essas fichas, nais da equipe de saúde, além da notificação
também chamadas de prontuário da AB, de algumas doenças ou condições que são
aliadas ao cartão da gestante são utilizadas objeto de acompanhamento sistemático. Sua
rotineiramente no Sistema Único de Saúde utilização permite um consolidado das ativi-
(SUS) como instrumentos de registro do se- dades executadas diariamente pela equipe.
guimento da gestante. Para essas fichas os Os percentuais apresentadas na tabela 2
índices para todas as regiões aumentam de com relação às fichas B-Hans (hanseníase)
acordo com o porte populacional, ficando mostram que em 73,1% das UBS estão dis-
os menores índices nacionais na região Sul/ poníveis, chama atenção os municípios de
Sudeste sendo 79,1% nos de pequeno porte; pequeno porte da região Norte/Nordeste
82,7% nos de médio porte e 90,2% nos de em que foram encontradas em 56,1%. De
grande porte. O maior índice encontra-se acordo com o MS, áreas do Brasil que con-
nos municípios de grande porte da região centram mais casos de hanseníase são as
Centro-Oeste 94,2%. cidades com mais de 100 mil habitantes
No tocante as fichas B-HAS e B-DIA, estas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-
dizem respeito ao acompanhamento de por- Oeste, além da baixada fluminense, das
tadores de hipertensão arterial e o diabetes regiões metropolitanas de São Paulo e
mellitus. São de fundamental importância na Belo Horizonte e o norte de Minas Gerais.
UBS, pois são doenças crônicas, que quando A indisponibilidade dessas fichas, princi-
não acompanhadas por profissional de saúde palmente na região Norte/Nordeste, causa
podem se agravar e ter como desfecho ampu- preocupação por se tratar de uma doença
tações de membros e infartos, repercutindo infecciosa de grande importância para a
negativamente na qualidade de vida (ROCHA, saúde pública devido à sua magnitude e
2010). Nacionalmente, constatou‑se que seu alto poder incapacitante físico, assim
85,2% das UBS dispunham das fichas B-DIA é muito importante que as áreas apontadas
e 83,7% das fichas B-HAS, estando os muni- pelo MS sejam sempre monitoradas pelas
cípios da região Sul/Sudeste com melhores autoridades sanitárias.
Tabela 2. Frequência relativa da disponibilidade de fichas do Sistema de Informação da Atenção Básica segundo grandes regiões e porte populacional. Brasil, 2012
Região
Porte populacional
Fichas do Siab
P M G P M G P M G
(n=2114) (n=2585) (n=1192) (n=1643) (n=2473) (n=2897) (n=390) (n=340) (n=208) (n=13.843)
% % % % % % % % % %
A 75,6 85,2 89,6 89,8 94,2 91,1 87,2 89,7 90,9 87,8
B-GES 73,7 85,3 92,2 84,5 90,4 90,9 79,0 83,5 85,6 85,9
B-HA 70,9 82,6 88,3 82,5 88,6 89,1 79,5 82,4 86,1 83,7
B-DIA 72,6 84,8 89,8 83,4 90,4 90,3 80,3 84,1 85,6 85,2
B-TB 59,0 73,8 89,5 74,6 78,4 83,3 66,9 74,1 82,2 75,7
B-Hans 56,1 71,2 87,8 71,3 75,9 79,5 68,5 74,4 83,2 73,1
C 48,8 57,9 62,1 55,2 59,2 66,1 56,2 58,5 61,5 58,5
D 80,9 86,9 92,4 81,8 87,4 87,0 82,1 85,9 88,9 85,8
SSA2 86,8 92,3 95,1 89,8 93,2 91,1 87,4 90,9 91,3 91,1
PMA2 86,0 91,5 94,5 87,0 91,8 90,0 86,9 89,7 90,9 89,9
Notificação e investi- 81,6 88,9 92,9 83,2 97,8 91,8 86,2 89,4 93,8 87,9
gação de agravos do
Sinan
Requisição e resulta- 84,1 90,3 82,6 91,4 93,9 93,9 87,9 89,7 95,2 91,1
do de exame citopa-
tológico (Siscolo)
Atendimento pré- 87,9 92,9 93,8 79,1 82,7 90,2 87,7 91,5 94,2 88,0
natal
Em relação à ficha B-TB (tuberculose), sobre a situação de saúde das famílias acompa-
encontramos 24,30% dessas fichas indispo- nhadas em cada área. Os dados para o seu pre-
níveis no território nacional. Quando anali- enchimento são provenientes das fichas A, B, C
sados por região os municípios de pequeno e D e referem-se às microáreas de um território.
porte em todas as regiões apresentam os Trata-se do consolidado de acompanhamentos
menores percentuais, sendo a região Norte/ e assistências executadas mensalmente. É um
Nordeste com o menor valor 59%. Segundo instrumento em que os profissionais da equipe
o MS, o Brasil reduziu em 3,54% os casos podem discutir e avaliar suas ações na mi-
de tuberculose no País. Apesar dos avanços, croárea de atenção. A região Norte/Nordeste
a doença ainda preocupa as autoridades de apresenta os menores e maiores percentuais
saúde por representar a quarta causa de nacionais, ficando os municípios de menor
óbitos por doenças infecciosas e a primeira porte com 86,8% e de maior porte com 95,1%.
entre pacientes com Aids no País. O Relatório PMA2 consolida mensalmen-
O Relatório SSA2 consolida informações te a produção de serviços e a ocorrência de
Tabela 3. Frequência absoluta e relativa das atividades desenvolvidas por equipes de saúde segundo grandes regiões e
porte populacional. Brasil, 2012
Região Porte Monitoramento e análise dos A poio da gestão para a discussão dos
populacional* indicadores e informações de saúde dados de monitoramento do Siab
% (n) % (n)
Pequeno 80,9 (1825) 78,5 (1770)
Norte e Nordeste Médio 81,6 (2637) 77,9 (2517)
Grande 84,1 (938) 71,7 (800)
Pequeno 76,2 (2124) 74,7 (2082)
Para os que responderam não realizar O apoio da gestão para a discussão dos
monitoramento e análise dos indicadores dados de monitoramento do Siab é de fun-
e informações de saúde (19,1% em termos damental importância, pois, segundo o
nacionais), estes podem estar em sintonia Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), este sistema
com os achados de pesquisa de Marcolino e disponibiliza indicadores sociais, permitindo
Scochi (2010) sobre o uso do Siab em uma UBS aos gestores municipais a obtenção de dados
de Maringá, em que sugerem que os profis- sociodemográficos das áreas de cobertura da
sionais não valorizam os registros das ativi- ESF, que só estão disponíveis neste nível de
dades de sua competência, visto que grande desagregação. Isso pode conduzir a um pro-
parte deles não faz o registro diário. cesso de gestão municipal com maior articu-
Quanto ao apoio da gestão para a discus- lação intersetorial, promovendo um cuidado
são dos dados de monitoramento do Siab, integral em saúde e maior agilidade no proces-
percebem-se maiores índices de forma geral so de trabalho. Embora os números apontem
e homogênea nos municípios de pequeno para um maior ou menor apoio da gestão, não
e médio porte em todas as regiões com é possível averiguar como se dá esse apoio. O
padrões semelhantes ao nacional (76,6%). que podemos inferir é que investimentos na
A exceção ficou por conta dos municípios capacitação dos profissionais das equipes tor-
de grande porte da região Sul/Sudeste que nam-se fundamentais para que estes possam
tiveram maior percentual 80,9%. Já os não apenas coletar os dados, mas que possam
de grande porte da região Centro/Oeste ser capazes de interpretar, avaliar e atuarem
ficaram com menor percentual entre todos de forma mais resolutiva.
os extratos 50,2%. O funcionamento adequado dos sistemas
Tabela 4. Frequência absoluta e relativa da realização de reunião de equipe e sua periodicidade segundo grandes regiões e porte populacional. Brasil, 2012
Referências
BARBOSA, D.C.M.; FOSTER, A.C. Sistemas de PMAQ e o financiamento. Brasília, DF: Ministério da
informação em saúde: a perspectiva e a avaliação dos Saúde, 2011. Disponível em: <http://www.brasilsus.
profissionais envolvidos na Atenção Primária à Saúde com.br/legislacoes/gm/108814-1654.html>. Acesso em:
de Ribeirão Preto. Cadernos de Saúde Coletiva, São 10 abr. 2014.
Paulo, v. 18, n. 3, 2010, p. 424-33.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
BARROS, A. J. D. São grandes os desafios para o Saúde, Departamento de Atenção Básica. SIAB: manual
Sistema Nacional de Informações em Saúde. Ciência do sistema de Informação de Atenção Básica. Brasília,
& Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, out. /dez. DF: Ministério da Saúde, 2003.
2006, p. 872-874.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de
BENITO, G.A.V.; LICHESKI, A.P. Sistemas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Avaliação
Informação apoiando a gestão do trabalho em saúde. da implementação do Programa Saúde da Família em
Revista Brasileira de Enfermgem, Brasília; v. 62, n. 3, p. dez grandes centros urbanos: síntese dos principais
447-50, maio/jun. 2009. resultados. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2002.
BITTAR, T.O. et al. Sistema de Informação da Atenção ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de
Básica como ferramenta da gestão em saúde. Revista Saúde. Departamento de Atenção Básica. Avaliação
da Faculdade de Odontologia. Fortaleza, v. 14, n. 1, 2009, normativa do Programa Saúde da Família no Brasil:
p. 77-81. monitoramento da implantação e funcionamento das
Equipes de Saúde da Família - 2001/2002. Brasília, DF:
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Ministério da Saúde, 2004.
Atenção Básica. Manual de Implantação do Sistema
e-sus. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. CECCIM, R. B. Educação permanente em saúde: desafio
ambicioso e necessário. Interface: Comunicação, Saúde,
______. Ministério da Saúde. Documento que institui o Educação. Botucatu, v. 9, n. 16, p. 161-167, set. 2004/fev. 2005.
2 Doutor em Psiquiatria
pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) –
Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Coordenador do Curso de
Especialização em Terapia
de Família do Instintito de
Psiquiatria da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
keusen@globo.com
DOI: 10.5935/0103-1104.20140070 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 771-782, OUT-DEZ 2014
772 BEERENWINKEL, A.; KEUSEN, A. L.
potencialidades que este tem a oferecer. Os de saúde e a população” (BRASIL, 2006b, p. 43).
dados epidemiológicos possibilitam a adoção De fato, o trabalho da equipe da saúde da
de estratégias voltadas especificamente à po- família se funda na permanente comunica-
pulação estudada. Por meio da constatação ção e intercâmbio de experiências e conhe-
da vulnerabilidade local, a equipe de saúde cimentos entre os integrantes da equipe e o
pode criar ações de promoção e prevenção saber popular dos ACS, na medida em que
de saúde, a fim de aprimorar a qualidade estes agem na comunidade com saberes da
de vida dos indivíduos e grupos, o que pode equipe e na equipe com informações da co-
ser feito com o auxílio de um diagnóstico munidade. Sendo, aqueles que promovem
situacional. um elo cultural do SUS com a população, seu
A Estratégia Saúde da Família (ESF) apre- contato permanente com as famílias facilita-
senta um potencial de atuação não apenas na ria, assim, o trabalho de vigilância e promo-
unidade, mas também no espaço social onde ção da saúde em todo o País.
a comunidade vive e circula, estabelecendo Neste quesito, vale lembrar que a vigilân-
vínculos de compromisso e corresponsabi- cia da saúde propõe que os agentes sociais
lidade com a população. Para viabilizar tal sejam os responsáveis pelo processo de defi-
objetivo, o trabalho da equipe da ESF deve nição de problemas e pelo encaminhamento
ser norteado por uma perspectiva ampliada das soluções. Campos (2003) aponta que, para
sobre os modos de vida, de saúde e doença, melhorar a qualidade de vida e promover a
e articulada ao contexto familiar e cultural. saúde de um indivíduo, faz-se necessário
Só assim, de acordo com Dimenstein (2009), definir as possibilidades de cada ator social
ela poderá intervir em fatores de risco aos e de todos para a superação das dificuldades,
quais a comunidade esteja exposta, por meio estabelecer compromissos e pactuá-los po-
de parcerias estabelecidas com diferentes liticamente. Como, segundo Campos (2003),
segmentos sociais e institucionais, visando pacto pressupõe um diálogo entre atores
também agir em situações que transcendam que se disponham a reconhecer a força uns
a especificidade do setor saúde, e que gerem dos outros, uma relação em que se busca o
efeitos sobre as condições de vida e saúde dos domínio e a imposição de um ator sobre o
indivíduos, das famílias e da comunidade. outro não pode encontrar espaço nessa nova
Nesta nova proposta de constituição de configuração.
uma rede de caráter substitutivo e abrangen- Isso é muito importante porque, na con-
te de cuidados, os Agentes Comunitários de solidação da Atenção Básica por meio da
Saúde (ACS) são peças fundamentais, espe- ESF, o modelo domiciliar ressurge como
cialmente porque são eles que fazem o ca- estratégia do desenvolvimento de mudanças
dastramento e acompanhamento, por meio capazes de viabilizar um cuidado singular no
de visitas domiciliares, de todas as famílias e espaço social em que esta se insere, exigindo,
indivíduos do território sob sua responsabi- contudo, que a abordagem das pessoas, famí-
lidade. Eles são os profissionais que residem lias e comunidades em seus domicílios e ter-
na área onde atuam, e que devem estar em ritório seja calcada em um posicionamento
contato permanente com as famílias, orien- profissional ético e respeitoso.
tando-as acerca da utilização dos serviços de Passando a considerar o contexto onde
saúde disponíveis. vivem as pessoas e famílias, a atenção domi-
O Ministério da Saúde se refere ao ACS ciliar constitui, como apontam Giacomozzi
como aquele que liga a equipe à comuni- e Lacerda (2006), uma nova ação profissio-
dade, já que este tem, dentre as suas atri- nal com base na inserção dos profissionais
buições específicas, de “desenvolver ações de saúde não só no local onde vivem as
que busquem a integração entre a equipe pessoas, mas também no espaço onde elas se
palavra ou construção linguística, e faz apa- separadamente e com ações voltadas predo-
recer e desaparecer as contradições dialéti- minantemente à recuperação da saúde; e a
cas, dando acesso aos sentidos produzidos da ESF, onde o trabalho pretende-se multi-
pela inscrição tridimensional do discurso disciplinar, desprovido de hierarquia e cuja
(linguagem, história e ideologia) e pela im- ênfase recaia na promoção da saúde. Como a
plicação dos sujeitos envolvidos. ESF tem, no trabalho em equipe, seu grande
Sendo assim, face aos objetivos da pesqui- trunfo, já que, de acordo com o Ministério
sa e buscando um mapeamento das regula- da Saúde (BRASIL, 2007), deve tratar-se de uma
ridades do processo de produção discursiva, equipe multiprofissional habilitada para
foram construídas montagens discursivas desenvolver atividades que substituam as
que, longe de expressarem uma exaustão práticas puramente curativas, é por ela que
temática do discurso dos participantes, ser- vamos começar.
viram apenas para problematizar as con- Dentro da sua equipe, os profissionais têm
cepções dos profissionais no contexto da que lidar com as diferenças e pactuar uma
ESF, relacionadas às dinâmicas familiares. forma de trabalho que funcione para todos:
Tais montagens discursivas foram criadas a “Na equipe é nosso momento de lavar roupa
partir das respostas dos profissionais entre- suja. E também de fazer todo mundo cami-
vistados e da observação de seus trabalhos nhar no mesmo sentido” (MED). Ao profis-
por parte dos pesquisadores. Em conjunto, sional cabe, assim, o desafio de lidar com os
elas serviram como um dispositivo analítico, diversos vínculos e relações que estabelece,
que conecta as concepções dos profissionais sem perder de vista o cuidado em saúde.
e as práticas que aplicam às famílias, seja no Obviamente que a inadequação de uma es-
contexto social, político, histórico e ideoló- trutura física, e a falta de salas de atendimen-
gico apresentado pelo centro de saúde, seja to e de materiais (citados pela enfermeira da
na comunidade onde eles atuam, na casa e no equipe), aliadas a uma grande demanda por
trabalho das pessoas envolvidas na produção serviços, a uma rede de saúde pouco eficien-
de sentidos e cuidados em saúde. te, assim como às cobranças e às exigências
dificultam as práticas dos profissionais e das
equipes na ESF, podendo também auxiliar
Resultados e discussão na disseminação da insatisfação dos traba-
lhadores. Mas parece que são as relações no
Já por ocasião da apresentação da propos- ambiente de trabalho que podem torná-los
ta de pesquisa, os profissionais voluntários tanto mais simples quanto mais complexos.
(os ACS) que, curiosamente, se encontra- Em um lugar cujo objetivo consiste na pro-
vam nos fundos da sala, demonstraram ex- dução do cuidado e da saúde, é interessante
pectativas quanto ao acompanhamento de observar a não produção destes por seus pró-
seus trabalhos, tecendo comentários sobre prios agentes, como aponta a AC1, quando
quais as famílias seria interessante visitar, já disse que ali (no seu trabalho) ninguém se
que, de acordo com um deles, “famílias sem importava (com os problemas dos cuida-
problemas não compensam a visita de um dores): “Não existe cuidado com o cuidador.
especialista”. Várias vezes já vim trabalhar doente” (AC1).
A equipe da ESF estudada se insere em O grau de satisfação no trabalho parece estar,
um Centro Municipal de Saúde (CMS). assim, diretamente ligado às relações estabe-
Assim sendo, este CMS, categorizado como lecidas: “Precisa melhorar a relação do am-
unidade mista, dispõe de duas modalidades biente de trabalho, diminuir a pressão, levar
de atenção: uma ainda centrada na figura do mais em consideração os nossos problemas,
médico, com cada especialidade trabalhando escutar mais a gente” (AC3).
Apesar disso, quando questionados sobre difícil, e ela se incube de solicitar ou não uma
as medidas por eles tomadas para a solução consulta de matriciamento. Desta forma, o
de questões que consideram difíceis, todos ACS acaba sendo excluído do processo que
os profissionais responderam: “levando o poderia fornecer-lhe subsídios para lidar
caso para a equipe”. Assim, é possível supor com as dificuldades em relação às quais ele
que o trabalho em equipe para esses profis- mesmo pede auxílio.
sionais seja uma referência com relação às Para o profissional da categoria médica
demandas e dificuldades que surgem em sua do CMS que participou da pesquisa, os
rotina profissional, mas que eles talvez não ACS não participavam por não se sentirem
considerem viáveis, para a mesma equipe, a à vontade devido ao fato de conhecerem as
promoção de um espaço de diálogo e a co- pessoas atendidas. Já o médico residente da
construção de sentidos para suas próprias ESF, embora entenda a importância dessas
dificuldades. consultas, apontando-as até mesmo como
Sobre a interação dos profissionais na ESF, insuficientes (porque os profissionais do
que também pode repercutir no trabalho que CMS disponibilizam poucas horas por mês),
prestam às famílias, a visão dos profissionais teme pela questão do sigilo, tanto durante
desta equipe é que as próprias equipes da os matriciamentos, quanto durante as VDs
ESF não dialogam entre si e nem com os pro- e reuniões de equipe, porque “os ACS são
fissionais do CMS, tendo sido constatada a da comunidade, mas a gente não sabe quem
existência de uma forma de corporativismo; é quem, nunca. Então, tem que saber o limite
em outras palavras, acreditam que haja uma do que você pode falar sem que você esteja
competitividade entre equipes e pouco espí- expondo os pacientes”. No entanto, quando
rito colaborativo. indagados sobre o funcionamento dos matri-
Como CMS e ESF integram a rede pública ciamentos (havia um informativo na parede
de saúde, são estabelecidos parcerias e ar- sobre o dia, a hora e o profissional responsá-
ranjos entre eles para uma melhor opera- vel, embora as datas estivessem defasadas),
cionalização das ações em saúde. Um desses muitos ACS, assim como outros funcionários
arranjos é o matriciamento, uma forma do CMS não sabiam descrever tais eventos. A
de disseminação e compartilhamento do AC1, que afirmou já ter participado de alguns
conhecimento em que as equipes da ESF com a psiquiatra, destacou que, para ela, os
recebem orientação e ajuda dos especialistas melhores haviam sido aqueles que haviam
do CMS, ou de algum outro serviço da rede contado com o acompanhamento nas VDs,
de saúde, para a resolução de situações para ou seja, os realizados pelos residentes.
as quais estas não disponham de repertório. Contudo, a participação da enfermeira re-
Assim, três situações podem ser problemati- sidente também não pareceu tão crucial, pois
zadas: a forma como o matriciamento é rea- ela se limitou a verificar os casos no sistema
lizado; quem participa e as implicações deste (lançados anteriormente por ACS ou pela
formato para a ESF desse CMS. Sob a forma enfermeira da equipe) e a anotar os encami-
de consulta conjunta, o matriciamento nesta nhamentos da médica durante a consulta.
unidade é realizado por um especialista do Faz parte das atribuições dos profissionais
CMS e por outro profissional da equipe da de saúde alimentar o sistema com os dados
ESF, que pode ser o médico, a enfermeira ou das suas ações. Eles usam uma base de dados
residentes multiprofissionais (que acompa- que limita as informações acessadas pelas
nham as equipes durante dois anos). categorias profissionais. Assim, o acesso dos
A participação dos ACS neste processo gestores é maior que o dos técnicos, e que,
consiste apenas em levar ao conhecimento por sua vez, supera o dos ACS.
da equipe os casos cuja solução considerem Ainda assim, os demais profissionais
das ações, a partir de uma difícil delimitação e tem casos que precisa mesmo de terapia de
entre o que é da ordem do público e o que é família” (MED). Em outra ocasião, durante
da ordem do privado. Assim, tudo deve ser uma consulta conjunta (matriciamento), foi
feito para tentar ajudar, “respeitando a priva- sugerido por outro médico que a paciente
cidade, claro”, pois “não dá para cuidar/tratar fosse encaminhada à Roda Comunitária. No
de quem não quer ser tratado” (MED). entanto, a paciente, que muito falou sobre
Assim, partindo de concepções tradicio- seus problemas e angústias, não compareceu
nalmente aceitas no campo da saúde, onde às Rodas das semanas seguintes e, embora
se privilegia a dimensão biológica do corpo, não seja possível entender o motivo, é possí-
de acordo com Scott (2004), a abordagem fa- vel supor que a participação do ACS poderia
miliar acaba acontecendo por ciclo de vida, ter evitado a descontinuidade no cuidado,
onde os indivíduos são divididos de acordo vez que este, por residir na mesma área,
com sua idade e gênero (crianças até os dois poderia incentivar a paciente à ida à ativida-
anos; gestantes; idosos; hipertensos; dia- de. No entanto, nenhum trabalhador da ESF
béticos...) ou, então, por domicílio, como se ou do CMS sequer compareceu às três Rodas
família estivesse adstrita apenas à unidade acompanhadas durante a pesquisa.
doméstica. Como os registros dos usuários
são feitos por residências, é comum que a
casa se confunda com o alvo da atenção à Conclusão
saúde, como aponta Sarti (2010), e os profis-
sionais acabam não atentando para o fato de Vimos que a ESF parte de uma proposta de
que família pode incluir uma pluralidade de redução na fragmentação e na parcialização
formatos e configurações que transcendem do cuidado, a partir do desenvolvimento de
o núcleo doméstico, tais como redes de vizi- ações inovadoras na busca da promoção da
nhança e parentesco, que lhes permitiriam saúde. Essas novas ferramentas se apoiam
pensar em tais unidades como um mundo de no vínculo, no respeito e na ética, ao eleger
relações. as famílias e a comunidade como focos das
Então, parece que chegamos ao grande ações, além de levar em consideração todos
desafio para os profissionais na Atenção os atores envolvidos.
Básica, o que inclui os profissionais e a equipe Adentrando as concepções dos profis-
aqui estudada: ver a família como um mundo sionais que participaram desta pesquisa,
de relações dinâmicas em cujo âmbito as verificamos que eles manifestam uma ideia
suas ações sejam calcadas no cuidado, não negativa sobre dinâmicas familiares, associa-
como uma intervenção pontual, mas como da apenas aos problemas enfrentados pelas
um processo contínuo. famílias, tais como, por exemplo, as condi-
Quando lhes perguntamos sobre a Roda ções de renda e moradia, ou seja, fatores so-
Comunitária, por exemplo – atividade ofe- cioeconômicos atinentes ao meio onde elas
recida nesse CMS, e que poderia ser con- vivem.
siderada como específica para as famílias A variabilidade nas respostas interven-
e as questões da comunidade, auxiliando a tivas, no entanto, parece estar de acordo,
ESF na diminuição da procura por consultas dentre outros fatores, com o nível de en-
médicas e idas dos usuários ao CMS apenas tendimento desses profissionais sobre suas
com o intuito de serem ouvidos e acolhidos –, ações e sua vinculação, que podem interferir
o médico disse gostar do trabalho e encami- no grau de satisfação que atribuem aos seus
nhar alguns pacientes; porém, segundo ele, a trabalhos.
roda acaba “ficando na superficialidade, pois O trabalho em equipe é o espaço onde
as pessoas não gostam de se abrir em grupo, se aglutinam os desafios da inovação e da
Referências
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção RASERA, E. F.; JAPUR, M. Grupo como construção social:
à Saúde. Departamento de Ações Programáticas aproximações entre construcionismo social e terapia de
Estratégicas. Saúde Mental no SUS: acesso ao tratamento e grupo. São Paulo: Vetor, 2007.
mudança do modelo de atenção: relatório de gestão 2003-
2006. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2007. SARTI, C. O lugar da família no Programa de Saúde da
Família. In: TRAD, L. A. B. (Org) Família contemporânea
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção e saúde: significados, práticas e políticas públicas. Rio de
à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Janeiro: Editora Fiocruz, 2010.
Humanização. Clínica ampliada, equipe de referência e
projeto terapêutico singular. 2. ed. Brasília, DF: Ministério SCOTT, P. R. Gerações, comunidades e o Programa
da Saúde, 2008. Saúde da Família: reprodução, disciplina e simplificação
administrativa. In: LINS, M. (Org.). Família e gerações. Rio
CAMPOS, C. E. A. O desafio da integralidade segundo as de Janeiro: FGV, 2004.
perspectivas da vigilância da saúde e da saúde da família.
Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 569-584, TRAD, L. A. B. (Org) Família contemporânea e saúde:
2003. significados, práticas e políticas públicas. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2010.
CUNHA, G. T. A construção da Clínica Ampliada na
Atenção Básica. São Paulo: Hucitec, 2005.
Recebido para publicação em março de 2014
Versão final em novembro de 2014
Conflito de interesses: inexistente
DIMENSTEIN, M. O Apoio Matricial em unidades de
Suporte financeiro: não houve
saúde da família: experimentando inovações em saúde
Mental. Saúde soc. São Paulo, v. 18, n. 1, p. 63-74, 2009.
Aparecida Rosângela Silveira1, Anne Raissa Souza Dias Brante2, Cornelis Johannes van Stralen3
ABSTRACT This article analyzes the social practices of users, managers and employees regar-
ding the social participation in mental health policy between participants of the II Municipal
Conference of Mental Health – Intersectoral of Montes Claros, Minas Gerais. This is a quali-
1 Doutora em Psicologia tative research, with the realization of semi-structured interviews. The lines were interpreted
pela Universidade Federal by means of the textually oriented discourse analysis. The results point out to heterogeneity of
de Minas Gerais (UFMG)
– Belo Horizonte (MG), conceptions about social participation. This study reveals that only the mere accomplishment of
Brasil. Professora da conferences about mental health does not guarantee the incorporation of several social segments
Universidade Estadual
de Montes Claros in the social control in mental health policies in the municipality.
(Unimontes) – Montes
Claros (MG), Brasil.
silveira.rosangela@uol.com.br KEYWORDS Social participation; Mental health; Qualitative research.
2 Graduada em Psicologia
pela Faculdade de Saúde
Ibituruna (Fasi) – Montes
Claros (MG), Brasil.
Psicóloga da Secretaria
Municipal de Saúde de
Montes Claros – Montes
Claros (MG), Brasil.
anneraissasouzadias@
gmail.com
3 Doutor em Ciências
DOI: 10.5935/0103-1104.20140071 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 783-793, OUT-DEZ 2014
784 SILVEIRA, A. R.; BRANTE, A. R. S. D.; STRALEN, C. J.
refletir sobre a sua realidade e perceber os Considera-se que as formas pelas quais esses
problemas de sua comunidade, começam-se segmentos vivenciam e expressam discursi-
a desvendar possibilidades de enfrentamen- vamente esses fóruns participativos refletem
to desses problemas. Nesse sentido, as con- seu envolvimento social na construção das
ferências são um caminho para aprofundar políticas públicas de saúde locais.
processos democráticos no SUS.
Embora a literatura apresente posições
divergentes com relação ao poder decisó- Saúde mental e participação
rio dessas instâncias colegiadas, elas vêm social
sendo aperfeiçoadas. Conferências gerais e
temáticas na saúde são realizadas periodi- Na década de setenta, num contexto de
camente. Por sua vez, os conselhos de saúde denúncias sobre maus tratos e violação de
receberam importantes reforçadores com a direitos humanos em instituições psiquiátri-
Resolução 453, de 10 de maio de 2012, que cas, surgem as primeiras experiências de re-
estabelece diretrizes para sua instituição, re- modelação dos serviços em saúde mental no
formulação, reestruturação e funcionamen- Brasil, envolvendo a mobilização de traba-
to, aprofundando seu papel na formulação e lhadores, familiares e da imprensa. Na cons-
proposição de estratégias e no controle das tatação de ausência de dignidade humana
políticas de saúde (CNS, 2012). nas instituições de ‘tratamento’ marcadas
Especificamente no campo da política pelo regime do isolamento, foram gestadas
de saúde mental, a participação social no novas modalidades assistenciais de base co-
Brasil é efetivada através da realização de munitária e territorial.
conferências de saúde mental e da partici- Em 1978, tais denúncias – aliadas a uma
pação dos diversos segmentos em comissões postura crítica sobre as políticas de saúde
de saúde mental. Nessa direção, já foram mental e a assistência psiquiátrica – levaram
realizadas quatro Conferências Nacionais ao Movimento dos Trabalhadores em Saúde
de Saúde Mental, precedidas por conferên- Mental, que suscitou importantes mobiliza-
cias estaduais e municipais. Entre elas, este ções sociais em direção ao Movimento de
estudo destaca a Conferência Municipal de Reforma Psiquiátrica Brasileira, em busca de
Saúde Mental – Intersetorial, em 2010, no uma nova maneira de cuidar da pessoa com
município de Montes Claros, Minas Gerais, sofrimento mental, baseada na desinstitu-
Brasil, como objeto de investigação, com o cionalização da loucura e sob o paradigma
objetivo de elucidar as práticas sociais rela- da atenção psicossocial.
tivas aos processos participativos na política No final dessa década, foi fundada a pri-
de saúde mental, na perspectiva de Norman meira associação de familiares de pessoas
Fairclough (2001), para quem o discurso é re- com sofrimento mental registrada no
conhecido como prática social que apresenta Brasil: a Sociedade de Serviços Gerais para
duas dimensões subjacentes: ideologia e re- a Integração pelo Trabalho (Sosintra).
lações de poder. Posteriormente, nas décadas de oitenta e
Considerando a importância desse fórum noventa, ocorreu uma multiplicação de
participativo para tecer um diagnóstico da organizações e associações formadas por
situação da saúde mental nos municípios, usuários, familiares e profissionais dos
bem como para propor melhorias nesse tipo recém-inaugurados serviços de atenção psi-
de cuidado, a pesquisa aqui relatada traz cossocial (ALMEIDA; DIMENSTEIN; SEVERO, 2010).
uma análise das práticas sociais de usuá- Em um contexto de ampliação dos
rios, gestores e trabalhadores de saúde com processos democráticos na saúde, a 8ª
relação à participação em saúde mental. Conferência Nacional de Saúde, realizada
por parte dos segmentos envolvidos. descrédito com relação à sua capacidade de
influenciar a melhoria dos serviços de saúde
prestados à comunidade:
Discursos dos entrevistados
sobre conselho de saúde Eu acho que os conselhos de saúde são bons. Eles
reúnem as propostas que buscam melhorias para
O segmento de usuários de saúde tem o a saúde. Eles estão presentes em cada município
entendimento do conselho de saúde como e são compostos de usuários de saúde, trabalha-
órgão de representação e poder deliberativo. dores, gestores/prestadores de serviço. [...] Eu sei
As falas indicam uma valorização da atuação que o conselho municipal leva as propostas para
do conselho de saúde em direção ao discurso o conselho estadual, que leva para o federal. Eu
hegemônico na política de saúde, no sentido vejo que tem os conselhos, mas não tem melho-
de fortalecimento das instâncias de controle rias. (G3).
social. Contudo, a prática social predomi-
nante é de distanciamento dessa instância O discurso predominante nos três grupos
de participação e de pouca valorização do é de não reconhecimento do conselho de
controle social na saúde. O seguinte trecho saúde como importante instância participa-
ilustra tal achado: tiva e espaço de deliberação sobre a política
de saúde mental. Isso se confirma no distan-
Eu nunca fui em nenhuma reunião do conselho, ciamento que os três segmentos têm desse
mas a política que existe hoje é a de privilegiar a fórum participativo.
participação dos usuários e dos trabalhadores no Tal concepção dos sujeitos entrevistados
sistema. Conselhos, inclusive, vetam, votam e de- reproduz a visão de Martins et al. (2008), de
cidem sobre o repasse de recursos pra cada setor. que, no Brasil, ainda não se experimentou
Mas eu acho a reunião pouco divulgada. Inclu- um progresso sequencial dos direitos civis,
sive, a maioria da população, usuária da saúde, políticos e sociais, uma vez que o conceito
não sabe da existência do Conselho de Saúde, de cidadania ainda se encontra em lento pro-
que ele tem uma função deliberativa, que pode cesso de atribuição de valor e apresenta he-
contribuir na gestão da saúde. (U2). terogeneidade de formas de manifestação. E,
segundo Fairclough (2001), uma mudança es-
Os trabalhadores de saúde adotam uma trutural desse quadro encontrado só poderia
prática de distanciamento do conselho como advir da problematização das práticas dis-
espaço de debate das questões de saúde. A cursivas tradicionais e sua transformação.
seguinte fala aponta para essa direção: “Não
tenho contato nenhum, nunca tive. Na época
da faculdade, tive uma participação como As formações discursivas
ouvinte pra saber o que estava acontecendo sobre conferência de saúde
em saúde no município” (T3). Tal achado
corrobora a incipiente problematização da
no controle social
assistência e da gestão, bem como os indícios
de desvalorização desse fórum em processos Entre os usuários de saúde entrevistados,
de tomada de decisão no campo da saúde a análise indica que esse segmento tem a
mental. conferência como fórum de discussão de
Por sua vez, os gestores de saúde reco- política pública, de capacitação e resolução
nhecem o conselho de saúde como fórum de problemas. Contudo, os seus discursos
de discussão. Entretanto, o discurso desse estão marcados pela descrença com relação
segmento salienta uma prática social de ao potencial de a conferência influenciar os
processos de tomada de decisão, refletin- entrando muita política partidária, que ainda atra-
do uma prática social de desvalorização da palha. Há muito tempo é assim [...] E a política da
participação do usuário: “É igual biscoito de saúde é outra, é participação, é atender melhor a
polvilho, faz muito barulho e não enche nada” população. (G1).
(U3).
Tal achado vai em direção à visão de O discurso da conferência como espaço de
Oliveira e Conciani (2009), para os quais a interesses divergentes e plurais, encontrado
cultura de não participar está relacionada a nesse segmento pesquisado, vem sendo dis-
uma herança histórica advinda do período cutido na literatura atual sobre processos
colonial e da ditadura no Brasil. Os discursos participativos em políticas públicas. Tal
sobre conferências se expressam na seguinte perspectiva tem no horizonte o desafio da
fala: mudança cultural com o consequente alar-
gamento dos processos participativos.
A de saúde mesmo eu não participei, mas parece Os representantes de usuários de saúde
que ela não tem acontecido com uma certa fre- mental entrevistados têm a conferência de
quência. Há um vazio, há uma questão cultural saúde mental como ambiente que possibilita
mesmo que precisa ser trabalhada. Ela preci- avanços no processo democrático, embora
sa ser trabalhada para ver se a gente consegue destaquem o uso da saúde mental para tratar
avançar nesse sentido de estar construindo uma de questões políticas locais. Eles consideram
política pública e criar meios de viabilizar essa esse fórum um processo pouco democrático,
política pública criada pelos conselhos, e não desigual nos critérios de inclusão, com desva-
essa criada nos gabinetes. (U1). lorização da participação dos usuários, o que
culmina numa prática social de descrença nos
Entre os trabalhadores entrevistados, a processos democráticos de mudança: “Eles
conferência de saúde é identificada como usam a saúde mental, fazem aquele reboli-
aperfeiçoamento técnico e reconhecida ço todo, fazem aquele esparramo, e depois as
como valorização do trabalho. Tais achados coisas continuam na mesmice” (U3).
culminam numa prática social de vivenciá- Nesse sentido, Côrtes (2002) afirma que a
-la, exclusivamente, como fórum técnico, mediação entre projetos conflitantes para o
seja para aprendizado, seja para troca de setor de saúde tem sido tratada em outras
experiências, bem como para a melhoria do instâncias, principalmente nos gabinetes
serviço de saúde: dos gestores públicos de saúde, esvaziando o
poder decisório do controle social.
[...] para discutir vários assuntos, discutir os ca- Contudo, é nesse segmento que este
sos atendidos e as vitórias nos atendimentos [...] estudo identifica um potencial crítico com
para passar alguns conhecimentos para pessoas relação à verticalização do processo de
que não conhecem o percurso que foi feito pra se construção da conferência no município e o
chegar ali. (T1). reconhecimento das possibilidades de em-
poderamento de usuários nesse contexto:
Para os representantes dos gestores, essa
instância de controle social é reconhecida Eu continuo achando que a discussão está vindo
como arena da política partidária e de interes- sempre de cima pra baixo. Sempre se discute po-
ses divergentes. Outras concepções, como po- lítica no gabinete. [...] Mas o fundamental disso é
lemização de ideias e resolução de problemas que é preciso que aconteçam as conferências, por-
comunitários, aparecem na análise textual. que é um espaço onde vai estar realmente criando
a possibilidade dessa discussão, da criação das po-
A conferência de saúde, hoje, infelizmente, está líticas públicas, de qual a participação efetiva dos
usuários, servidores, de todo mundo. (U1). de conferências de saúde mental não garante
a participação ativa dos diversos segmentos
Por sua vez, nas formações discursivas sociais no controle social na saúde. A con-
dos representantes dos trabalhadores de cepção de participação social dos três seg-
saúde, destaca-se a valorização da conferên- mentos restringe-se à conferência de saúde,
cia como fórum técnico, confirmando uma ficando evidente o desconhecimento de
prática social distanciada dos processos par- outras formas de participação e de controle
ticipativos na saúde. O seguinte recorte de social. A participação no conselho de saúde
fala ilustra o caráter técnico da conferência é distante da realidade social dos sujeitos
de saúde mental: “Acredito que a conferência entrevistados.
é uma divulgação e é a qualificação dos profis- Há um reconhecimento da importância
sionais” (T2). da conferência de saúde mental entre os
Já os representantes de gestores reconhe- sujeitos entrevistados. Entretanto, atribuem
cem a conferência como espaço de discus- limites à capacidade de as conferências
sões e busca de soluções. Contudo, ressaltam de saúde mental produzirem mudanças e
a sua pouca capacidade de influenciar pro- avanços na realidade de saúde do município.
cessos decisórios: “A partir da conferência, Os trabalhadores de saúde tendem a per-
surgem as soluções. Mas que não fique só no ceber as conferências como um espaço de
papel, que tenha prática” (G3). aprimoramento técnico, reduzindo a função
A realização da etapa municipal como dessa instância na avaliação da situação de
cumprimento de uma agenda nacional fica saúde e na proposição de diretrizes nortea-
evidenciada neste estudo e vai em direção ao doras de políticas de saúde.
que tem sido relatado na literatura (STRALEN, Fica evidente neste estudo que apenas a
2006). É possível afirmar que trabalhadores incorporação desses segmentos na conferên-
e gestores participaram da conferência mu- cia não garante a sua integração no processo
nicipal de saúde mental apenas pela forma- de participação social em políticas de saúde
lidade que suas funções exigem no cenário mental no município.
municipal. A partir da análise dos sujeitos entrevis-
tados, este estudo demonstra que algumas
barreiras precisam ser vencidas para que a
Considerações finais presença desses segmentos signifique uma
participação ativa nos processos decisó-
Na concepção da ADTO, os eventos discur- rios. Faz-se necessária a formação política
sivos tomados neste estudo são reveladores de usuários e trabalhadores em direção ao
da relação dos sujeitos entrevistados com a empoderamento na participação social e
prática de participação social. Há posições qualificação da participação em instâncias
divergentes dos sujeitos entrevistados sobre de controle social. Tal perspectiva encontra
a participação social e dos objetivos das con- ressonância em Fairclough (2001), para quem
ferências de saúde enquanto instâncias de a transformação da prática social passa pela
controle social, apresentando lógicas contra- problematização de seus discursos.
ditórias no tocante ao alargamento dos pro- Algumas ações – como a construção de
cessos democráticos na saúde. O segmento cartilhas informativas sobre a atuação do
dos usuários consegue definir com maior conselho de saúde, com data e local das reu-
clareza a importância da participação social niões, criação de fóruns de debate e comissão
no controle social de políticas públicas e local de saúde mental – poderão estimular
suas formas de inserção. a inclusão desses segmentos em instâncias
Este estudo revela que apenas a realização participativas na saúde.
Referências
ALMEIDA, K. S.; DIMENSTEIN, M.; SEVERO, ______. Relatório final da IV Conferência Nacional de Saúde
A. K. Empoderamento e atenção psicossocial: Mental. Brasília: Conselho Nacional de Saúde: Ministério
notas sobre uma associação de saúde mental. da Saúde, 2010.
Interface (Botucatu), Botucatu, v. 14, n. 34, set. 2010.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE (CMS).
php?script=sci_arttext&pid=S1414-3283201000030 Regimento Interno da II Conferência Municipal de Saúde
0009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 set. 2010. Mental – Intersetorial. Montes Claros: CMS, 2010.
Sistema Único de Saúde. Sociologias, Porto Alegre, n. OLIVEIRA, A. G. B.; CONCIANI, M. E. Participação
7, jun. 2002. Disponível em: <http://www.scielo. social e reforma psiquiátrica: um estudo de caso.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-4522 Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n.
2002000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1, fev. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.
30 mar. 2010. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S1413-
81232009000100038&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:
ESCOREL, S. História das políticas de saúde no Brasil 06 out. 2010.
de 1964 a 1990: do golpe militar à reforma sanitária.
In: GIOVANELA, L. et al. (Org.) Políticas e sistema de STOTZ, E. N. Trajetória, limites e desafios do controle
saúde no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. p. social do SUS. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 30, n.
333-384. 73/74, p. 149-160, mai/dez. 2006.
ESCOREL, S.; MOREIRA, M. R. Participação Social. STRALEN, C. J. et al. Conselhos de Saúde: efetividade
In: GIOVANELA, L. et al. (Org.) Políticas e sistema de do controle social em municípios de Goiás e Mato
saúde no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008. p. Grosso do Sul. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.
979-1010. 11, n. 3, set. 2006. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1413-
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: 81232006000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28
UNB, 2001. mar. 2010.
Ana Carine Arruda Rolim1, Gracyelle Alves Remigio Moreira2, Carlos Roberto Silveira Corrêa3,
Luiza Jane Eyre de Souza Vieira4
4 Doutora em Enfermagem
pela Universidade
Federal do Ceará (UFC)
– Fortaleza, CE, Brasil.
Professora Titular do
Programa de Pós-
Graduação em Saúde
Coletiva da Universidade
de Fortaleza (Unifor) -
Fortaleza, CE, Brasil.
janeeyre@unifor.br
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 794-804, Out-Dez 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140072
Subnotificação de maus-tratos em crianças e adolescentes na Atenção Básica e análise de fatores associados 795
como meta obter o diagnóstico situacional de dados no programa SPSS (SPSS Inc.,
da notificação de maus-tratos no contexto Chicago, Estados Unidos), versão 17.0, com
da Atenção Básica em municípios cearenses. dupla entrada para organização e verificação
Os resultados dessa investigação evidencia- da consistência do material.
ram índices significativos de não notifica- Considerou-se como desfecho a não noti-
ção, o que impulsionou a realização deste ficação de maus-tratos em crianças e adoles-
recorte, tomando como objeto de análise a centes pelos profissionais e como variáveis
subnotificação. preditoras: sexo (masculino/feminino); pro-
Trata-se de um estudo do tipo transversal, fissão (enfermeiro/médico-dentista); idade
realizado em 85 cidades do estado do Ceará, (21 a 34 anos/> 34 anos); estado civil (casado/
correspondendo a 46,2% do total (184). As loca- não casado); tempo de formado (< 5 anos/>=
lidades investigadas se distribuem e represen- 5 anos); pós-graduação (sim/não); tempo de
tam as diferentes regiões do estado. trabalho na ESF (< 5 anos/>= 5 anos); e as
Participaram da pesquisa médicos, enfer- variáveis com respostas dicotômicas (sim/
meiros e cirurgiões-dentistas que trabalhavam não): participou de treinamento sobre a te-
na ESF. A coleta de dados aconteceu, entre os mática; conhece o ECA; conhece a ficha de
anos de 2010 e 2012, por meio do envio de um notificação; ficha de notificação na Unidade
conjunto de cartas-convite, termos de consen- Básica de Saúde; confia nos órgãos de prote-
timento livre e esclarecido e questionários, ção à infância e adolescência; sabe para onde
antecipadamente organizados em envelopes encaminhar os casos; tem medo de envolvi-
lacrados e identificados por município. Esses mento legal; lê sobre a temática; assunto é
formulários foram destinados aos gestores discutido no trabalho; conhece instituição
das Coordenadorias Regionais de Saúde e/ou de assistência à vítima; considera vantagem
às Secretarias Municipais de Saúde, que inter- instituir a notificação na AB.
mediaram a entrega aos profissionais de cada Para análise, o teste qui-quadrado (x2)
cidade. O retorno dos instrumentos preenchi- foi utilizado para verificar a associação
dos seguiu o fluxo inverso. entre o desfecho e as variáveis preditoras.
O número de profissionais do estudo foi Estabeleceu-se p<0,05 para significância es-
obtido a partir dos dados fornecidos pelo tatística. Seguiram-se a essas análises os pro-
Departamento da Atenção Básica, que, na cedimentos de modelagem múltipla por meio
época da pesquisa, contava com 2.640 tra- de regressão logística, incluindo no modelo
balhadores: 963 médicos, 963 enfermeiros e as variáveis preditoras que mostraram asso-
714 cirurgiões-dentistas. Destes, um total de ciação ao desfecho com significância p<0,25.
1.055 — 40,0%: 227 médicos, 616 enfermeiros Permaneceram no modelo múltiplo as variá-
e 212 cirurgiões-dentistas — responderam a veis ao nível de significância p<0,05. A força
este estudo. de associação entre o desfecho e as variáveis
Os dados foram obtidos por meio de um preditoras foi expressa em valores estima-
questionário composto por 32 questões adap- dos de Odds Ratio (OR) bruto e ajustado,
tadas e revisadas em trabalho anterior (LUNA; com Intervalo de Confiança (IC) de 95%. A
FERREIRA; VIEIRA, 2010), contendo como domínios análise estatística foi realizada utilizando-se
analíticos: sociodemográfico, formação pro- do programa Stata (Stata Corp LP, College
fissional, instrumentação e conhecimento Station, TX 77845, USA), versão 11.0.
sobre o tema, identificação e notificação de A pesquisa foi aprovada pelo Comitê
casos de maus-tratos em crianças e adoles- de Ética em Pesquisa da Universidade
centes. A partir das informações obtidas de Fortaleza – Unifor, sob o parecer nº
nos questionários, foi construído um banco 072/2007.
Tabela 1. Análise bivariada entre notificação de maus-tratos, dados sociodemográficos e formação profissional de
enfermeiros, médicos e cirurgiões-dentistas da Atenção Básica à saúde. Municípios cearenses, 2010-2012
Profissão (n=527)
Pós-Graduação (n=521)
Tabela 2. Análise bivariada entre notificação de maus-tratos, instrumentação e conhecimento de enfermeiros, médicos
e cirurgiões-dentistas da Atenção Básica à saúde. Ceará, 2010-2012
Variável Notificou maus-tratos
Sim Não Não ajustada
n % n % OR (IC95%) p
Participou de treinamento (n=523)
Sim 95 44,2 71 23,1
Não 120 55,8 237 76,9 2,64 (1,77–3,92) <0,001
Conhece o ECA* (n=525)
Sim 177 83,1 232 74,4
Não 36 16,9 80 25,6 1,69 (1,07–2,71) 0,018
Conhece a ficha de notificação (n=520)
Sim 150 70,7 129 41,9
Não 62 29,3 179 58,1 3,35 (2,27–4,96) <0,001
Ficha de notificação na UAPS** (n=514)
Sim 108 51,9 79 25,8
Não 100 48,1 227 74,2 3,10 (2,09–4,58) <0,001
Confia nos órgãos de proteção (n=513)
Sim 144 69,2 176 57,7
Não 64 33,8 129 42,3 1,64 (1,11–2,43) 0,008
Sabe para onde encaminhar (n=507)
Sim 179 85,6 187 60,7
Não 30 14,4 121 39,3 3,86 (2,42–6,26) <0,001
Medo de envolvimento legal (n=512)
Sim 78 37,1 146 48,3
Não 132 62,9 156 51,7 1,58 (1,08–2,30) 0,012
Lê sobre a temática (n=526)
Sim 88 40,9 93 29,9
Não 127 59,1 218 70,1 1,62 (1,10–2,37) 0,009
Assunto é discutido no trabalho (n=527)
Sim 112 52,1 57 18,5
Não 103 47,9 187 59,9 1,62 (1,12–2,34) 0,006
Conhece instituição de apoio à vítima (n=519)
Sim 53 25,1 57 18,5
Não 158 74,9 251 81,5 1,47 (0,94–2,31) 0,070
Acha vantagem instituir a notificação na AP*** (n=523)
Sim 197 91,6 261 84,7
Não 18 8,4 47 15,3 1,97 (1,08–3,71) 0,019
Fonte: Elaboração própria
* ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. ** UAPS – Unidade de Atenção Primária à Saúde. *** AP – Atenção Primária
Foram eleitas para a análise múltipla de apoio à vítima e acha vantagem a institui-
(p<0,25) as variáveis: idade, tempo de ção da notificação na AB.
formado, tempo de trabalho na ESF, par- No modelo logístico final, tempo de tra-
ticipou de treinamento, conhece o ECA, balho na ESF, conhece a ficha de notificação,
conhece a ficha de notificação, ficha de noti- ficha de notificação na unidade de saúde,
ficação na unidade, confia nos órgãos de pro- confia nos órgãos de proteção, sabe para
teção, sabe para onde encaminhar, medo de onde encaminhar e medo de envolvimento
envolvimento legal, lê sobre o tema, assunto legal permaneceu associado ao desfecho
é discutido no trabalho, conhece instituição (tabela 3).
Tabela 3. Análise multivariada entre a notificação de maus-tratos e os fatores associados. Atenção Básica à saúde,
Ceará, 2010-2012
Variável Notificou maus-tratos
Sim Não Não ajustada
n % n % OR (IC95%) p
Tempo de trabalho na APS* (n=526)
< 5 anos 75 35,0 138 44,2
≥ 5 anos 139 65,0 174 55,8 1,62 (1,06–2,47) 0,025
Conhece a ficha de notificação (n=520)
Sim 150 70,7 129 41,9
Não 62 29,3 179 58,1 2,19 (1,36–3,51) 0,001
Ficha de notificação na UAPS** (n=514)
Sim 108 51,9 79 25,8
Não 100 48,1 227 74,2 2,14 (1,33–3,43) 0,002
Confia nos órgãos de proteção (n=513)
Sim 144 69,2 176 57,7
Não 64 33,8 129 42,3 1,57 (1,03–2,41) 0,036
Sabe para onde encaminhar (n=507)
Sim 179 85,6 187 60,7
Não 30 14,4 121 39,3 2,71 (1,64–4,48) <0,001
Medo de envolvimento legal (n=512)
Sim 78 37,1 146 48,3
Não 132 62,9 156 51,7 2,15 (1,40–3,28) <0,001
Fonte: Elaboração própria
* ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. ** UAPS – Unidade de Atenção Primária à Saúde
Dessa forma, o fato de ter menos de cinco órgãos de proteção aumentou 1,57 vezes a
anos de trabalho na ESF aumentou 1,62 possibilidade de não ser efetivado o ato no-
vezes a chance de o profissional não notifi- tificatório. Não saber para onde encaminhar
car as situações de maus-tratos. Não conhe- os casos elevou quase o triplo a chance da
cer a ficha de notificação e não ter a ficha na não notificação. Ter medo de envolvimen-
unidade de saúde elevou mais que o dobro a to legal aumentou 2,15 vezes a chance da
chance da subnotificação. Não confiar nos subnotificação.
Referências
ARPINI, D. M. et al. A revelação e a notificação adolescentes atendidos nas entidades do Sistema Único
das situações de violência contra a infância e a de Saúde. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 25 out.
adolescência. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 200b, p. 86. (n. 206, Seção 1).
14, n. 2, p. 95-112, dez. 2008.
_____. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção
ASSIS, S.G. et al. Notificações de violência doméstica, à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde
Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 9, p. integral da criança e redução da mortalidade infantil.
2305-2317, 2012. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005.
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 104, de 25 JOHNSON, C. F. Chid maltreatment 2002: recognition,
de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas reporting and risk. Pediatr. Int., New York, n. 44, p. 554-
em legislação nacional, a relação de doenças, 560, 2002.
agravos e eventos em saúde pública de notificação
compulsória em todo território nacional e estabelece LIMA, M. C. S. et al. Atuação profissional da atenção
fluxos, critérios, responsabilidades e atribuições de saúde face à identificação e notificação da violência
aos profissionais de saúde. Diário Oficial [da] União, infanto-juvenil. Revista Baiana de Saúde Pública,
Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: Salvador, v. 35, supl. 1, p. 118-137, jan./jun. 2011.
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/
prt0104_25_01_2011.html>. Acesso em: 06 nov. 2014. LUNA, G. L. M.; FERREIRA, R.C.; VIEIRA, L.J.E.S.
Notificação de maus-tratos em crianças e adolescentes
_____. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 1.968, por profissionais da Equipe Saúde da Família. Ciência
de 25 de outubro de 2001. Dispõe sobre a notificação, & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 481-491,
às autoridades competentes, de casos de suspeita 2010.
ou de confirmação de maus-tratos contra crianças e
Maria Zeneide Nunes da Silva1, Andréa Batista de Andrade2, Maria Lúcia Magalhães Bosi3
RESUMO O artigo objetiva analisar o acesso e o acolhimento no cuidado pré-natal à luz das
experiências de 13 gestantes. O material empírico foi obtido por meio de entrevistas e ana-
lisado sob a óptica da análise do discurso. Os resultados evidenciam dois eixos temáticos: o
primeiro aborda o acesso aos serviços de assistência pré-natal; e o segundo focaliza questões
relacionadas à interação e à comunicação da gestante com o profissional. Conclui-se que o
acolhimento no pré-natal não se limita à recepção da gestante à porta de entrada dos serviços
de saúde, pois inclui a noção de acesso. Evidencia-se a importância do uso de tecnologias
leves nas relações intersubjetivas processadas no cuidado, assumindo papel de destaque na
reorientação do modelo de atenção à saúde.
3 Doutora em Saúde
DOI: 10.5935/0103-1104.20140073 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 805-816, Out-Dez 2014
806 SILVA, M. Z. N.; ANDRADE, A. B.; BOSI, M. L. M.
piloto, visando testar o instrumento de pes- sociais, ou seja, vincula a produção subjetiva
quisa quanto à sua viabilidade para, então, à materialidade da existência. Nessa pers-
prosseguir com as reformulações neces- pectiva, a AD abrange o contexto de quem
sárias e proceder com o início da obtenção fala, em um dado tempo e lugar. Em pesqui-
do material empírico, nos meses de agosto a sas concretas, como a aqui relatada, importa
outubro de 2011. desvelar processos comunicativos na inter-
Para obtenção das informações, foi utili- face com a base material, observando de que
zada uma entrevista em profundidade com modo tais planos se expressam e se articulam
cada gestante, explorando percepções e ex- no discurso dos participantes do estudo, no
periências das informantes para analisá-las e contexto da intervenção (seja uma política,
apresentá-las de forma sistemática. Entre as programa ou serviço) a que se relaciona.
principais qualidades dessa abordagem está Nesse sentido, a AD é um método especia-
a flexibilidade de permitir ao informante lizado em analisar construções linguísticas e
definir os termos da resposta e ao entrevis- comunicacionais presentes em um contexto,
tador ajustar livremente as perguntas com como um todo organizado de sentidos em um
base nos objetivos propostos pelo estudo. determinado universo de significação. O dis-
Esse tipo de entrevista procura intensidade curso é, portanto, uma produção social cujas
nas respostas e não uma quantificação ou elaborações ideológicas são materializadas
mera representação estatística (BREAKWELL et na linguagem, sendo revelada, mediante
al., 2010). uma análise, a visão de mundo dos sujeitos
Após a gravação das entrevistas, para enunciadores. Isso significa que todo dis-
registro das informações, realizamos a curso é uma construção social, não apenas
transcrição das falas, de modo a garantir a individual, mas expressão de um contexto
fidedignidade das informações em seus as- histórico-social (FIORIN, 2005).
pectos sintáticos e semânticos. Nesta pes- Analisamos, efetivamente, os motes
quisa, o material empírico foi categorizado e acesso e acolhimento, considerando os dis-
analisado à luz da Análise do Discurso (AD), cursos das gestantes e os discursos presentes
sendo um campo de investigação cujas raízes na literatura sobre assistência no pré-natal,
remontam a diversos domínios. para problematizar e confrontar as posições
Existem catalogadas mais de 57 variedades sociais reveladas na pesquisa, ultrapassando
de AD, a exemplo da AD de Mangineau (ins- a mera descrição.
piração foucaultiana) ou da AD de Pecheaux No que tange aos aspectos éticos
(inspiração psicanalítica). Recorta-se aqui desta investigação, o projeto foi aprova-
o que se considera uma vertente de AD do pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
fundada em uma postura crítico-interpre- Universidade Regional do Cariri (CE), sob
tativa, conjugando algumas características: o Parecer nº 46/2011, buscando-se atender
1) postura crítica ao conhecimento dado; 2) às normas contidas na Resolução 196/96 do
toda compreensão de mundo é atravessada Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa
por fatores sociais e não pela natureza do envolvendo seres humanos. Desse modo, foi
mundo; 3) a realidade se constrói com base necessário esclarecer às participantes acerca
em ações e práticas sociais, linguísticas e po- dos objetivos propostos, de forma a torná-las
líticas (GILL, 2002). cientes do sigilo conferido às suas informa-
Na perspectiva de uma análise crítica, ou ções e identidades. A anuência de todas foi
crítico-interpretativa, o discurso — reco- documentada pela assinatura dos Termos
nhecido como prática social (nas dimensões de Consentimento Livre e Esclarecido e
reprodutiva e construtiva) — deriva da in- Pós-Esclarecido.
terface dialética entre estruturas e relações
capaz até da doutora (médica da UBS) chegar mim, como pra ela” (P5).
e a atendente das fichas num tá [...] E a doutora
também ela falta demais. Ela passa oito dias sem Ela atende bem por que ela pergunta, porque ouve
vir. [...] Aí, quando ela vem, de manhã se tiver a gente com atenção. Porque tem médico que num
16 pessoas por conta dos dias que faltou, ela só olha nem na cara da gente. Faz a obrigação deles,
atende 10. [...] E as pessoas que precisam, que assina e pronto. E num é assim. E ela é muito pa-
ficam de fora, não são atendidas. (P3). ciente. Muito boa a Dra. G. A gente sente quem é
carinhoso com a gente e quem num é, né? (P6).
Conforme se observa, o acesso funcional
designa a primeira etapa a ser alcançada
pela gestante, quando parte em busca da sa- O atendimento dela (médica da UBS) é muito di-
tisfação de suas necessidades na assistência ferente dos outros porque ela tem muita atenção.
pré-natal. Sabe-se o quão relevante é o início Totalmente. Pergunta tudo que ela precisa saber.
da assistência pré-natal, bem como sua con- Pergunta se tá sentindo bem, o que é que precisa.
tinuidade, para que o desfecho da gestação Elas (profissionais da UBS) dão mais atenção do
seja favorável, tanto para a mãe quanto para que os outros PSF que eu participei. (P11).
o bebê. Portanto, o acesso é fundamental
para capilarizar a efetivação do SUS como A interação pautada na humanização e no
política pública em defesa da vida nos pro- acolhimento contribui para que a gestante
cessos de produção de saúde (BRASIL, 2006). mantenha vínculo com os serviços de saúde
durante todo o período gestacional, reduzin-
do consideravelmente os riscos de intercor-
Interação e comunicação da rências obstétricas. Além disso, a assistência
gestante com o profissional gestacional, quando mediada por diálogo e
respeito entre profissionais de saúde e ges-
que realiza o pré-natal tantes, representa o primeiro passo para o
parto humanizado (LANDERDAHL et al., 2007).
A consulta de pré-natal envolve poucas tec- Na concepção de Ayres (2004, p. 84), é in-
nologias duras (MERHY, 2002) no manejo do dispensável que o profissional articule a
cuidado, podendo o profissional de saúde intervenção técnica com outros fatores não
dedicar-se à escuta mais atenciosa às de- tecnológicos, visto que
mandas da gestante, transmitindo o apoio e a
confiança necessária para que ela se fortale- nunca, quando assistimos à saúde de outras
ça e possa conduzir a gestação e o parto com pessoas, mesmo estando na condição de pro-
maior segurança (BRASIL, 2000). fissionais, nossa presença na frente do outro
Nas UBS, em decorrência do trabalho se resume ao papel de simples aplicador de
prioritariamente comunitário, os laços tor- conhecimentos (p. 84).
nam-se ainda mais estreitos entre profissio-
nais e usuárias, favorecendo a constituição O autor reitera a ideia de que a prática de
de vínculos e a participação da família. O es- cuidado em saúde deve ultrapassar uma in-
tabelecimento de relações pautadas na con- tervenção meramente técnica, para alcançar
fiança e na escuta faz com que as usuárias se um lugar de dialogicidade, autocompreensão
achem respeitadas e valorizadas, colaboran- e reconstituição contínua dos projetos de
do mais ativamente na assistência pré-natal, vida dos usuários (AYRES, 2004).
conforme o enunciado a seguir: “A médica Os profissionais de saúde devem acolher
recebe bem, recebe alegre, satisfeita e tudo. Aí, a gestante, de modo a conhecê-la pelo nome,
isso aí é pra mim, eu acho bonito. Tanto pra procurando saber os motivos de sua vinda à
unidade. Atitudes simples como sorrir e dar assim não, porque é pra prestar mais atenção no
boas-vindas suscitam mais abertura para a que a gente fala. (P1).
usuária relatar com a devida confiança suas
necessidades de saúde. Uma boa comunica- Sendo assim, a assistência pré-natal torna-
ção e a interação de profissionais e gestantes -se um momento privilegiado para dialogar e
evidenciam satisfação da assistência presta- esclarecer questões pertinentes, singulares
da sob a óptica das entrevistadas, conforme é para cada gestante, mesmo que estas tenham
perceptível no discurso a seguir: tido a experiência em gestações. Ressaltamos
que o diálogo e o vínculo são de importância
Ela já conhece a gente, pelo nome, já conversa. A ímpar, pois minimizam a ansiedade da ges-
gente se tornou amiga. É bom fazer o pré-natal tante e favorecerem um parto mais tranquilo
com uma pessoa assim, que num se torne só um e saudável para a mãe e para o bebê.
médico chato. A gente fica assim, é com vontade Durante este estudo, o vínculo entre pro-
de ir pra consulta, não tem medo. [...] Eu gosto fissional e gestante no pré-natal foi bastan-
assim. Até porque se eu não gostasse eu tenho a te mencionado como algo que deveria ser
minha escolha. (P6). mantido até o momento do parto, conforme
o relato a seguir:
Em todas as minhas consultas ela tem se mostra- Eu acho que pro médico ter qualidade tem que
do muito atenciosa e com isso eu considero ela acompanhar a gestação da gestante até o fim,
uma profissional no qual sei que posso contar, como assim foi com os meus dois cesáreos que o
pois tenho ela não só como médica, mas como Dr. A. me acompanhou. E no dia ele tava lá, quem
amiga. (P13). fez a cirurgia foi ele. Ele me apoiou em tudo. [...]
Se você tá fazendo o pré-natal com aquele mé-
No estabelecimento do diálogo entre o dico é porque você quer tá com aquele médico
profissional de saúde e a gestante, é possível no dia, porque ele quem lhe acompanhou, quem
encontrar soluções conjuntas para os proble- sabe a sua situação. [...] Aí eu só confio nele. Eu
mas de saúde, já que muitas vezes a comu- num vou nem fazer o pré-natal aqui não por que
nicação interativa e reflexiva produz insights a médica não vai fazer o parto, vou pagar parti-
e traz possíveis respostas para determinado cular com o Dr. A. (P3).
problema. Concomitantemente, é factível
integrar o saber popular e o conhecimento
científico, de modo que os aspectos sociocul- Só tô preocupada assim, porque dizem que a
turais possam ser incorporados na produção gente é acompanhada aqui pela médica, mas no
do cuidado. dia do parto, quando a gente chega lá no Hospi-
O diálogo é tão importante e necessário tal, o primeiro que recebe a gente lá no Hospital
que, quando não acontece, se corre o risco é quem faz o parto, não é a médica (da UBS)
de comprometer a avaliação diagnóstica do mesmo, né? Mas aí, ela mim garantiu no caso do
profissional, como se observa na fala de P1: meu, ela vai me acompanhar. Assim eu tô mais
segura. Graças a Deus, mas eu tava preocupada.
Eu falo pra ela (médica da UBS) assim que eu (P10).
tava sentindo umas dores, digo que tô sentindo
uma coisa, ela diz que é normal. Num presta Percebe-se, então, que a produção do
muita atenção, aí pronto, venho pra casa, mas cuidado baseada no acolhimento não deve
eu tenho certeza que num é normal. Eles querem ser de responsabilidade apenas da equipe de
saber de consultar ligeiro, né? Dispensa a gen- um serviço de saúde, no caso, a UBS. Precisa,
te logo, aí fala que é normal. Eu num acho bem no entanto, ser compreendida integralmente,
Referências
AYRES, J. R. Cuidado e reconstrução das práticas de BREAKWELL, G. et al. Métodos de pesquisa em psicologia.
saúde. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 8, n. 14, p. 73-92, Porto Alegre: Artmed, 2010.
2004.
CARVALHO, B. L.; FREIRE J. C.; BOSI, M. L. Alteridade
BOSI, M. L. M.; MERCADO, F. J. (Org.). Avaliação radical: implicações para o cuidado em Saúde. Physis, Rio
qualitativa de programas de saúde: enfoques emergentes. de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 849-865, 2009.
Petrópolis: Vozes, 2006.
CECÍLIO, L. C. O.; MERHY, E. E. A integralidade do
BOSI, M. L.; GASTALDO, D. Construindo pontes entre cuidado como eixo da gestão hospitalar. In: PINHEIRO,
ciência, política e práticas em saúde coletiva. Rev Saude R; MATTOS, R. A. (Org). Construção da integralidade:
Publica, São Paulo, v. 6, n. 45, 2011, p. 1197-1200. cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro:
UERJ: IMS: ABRASCO, 2003. p.197-210.
BRASIL. Ministério da Saúde. Assistência pré-natal:
manual técnico. 3. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, COHN, A. A saúde como direito e como serviço. 2 ed. São
2000. Paulo: Cortez, 1999.
__________. Portaria nº 648 de 28 de março de 2006. Aprova COSTA, A. M. Política de saúde integral da mulher e
a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo direitos sexuais e reprodutivos. In: GIOVANELLA, L. et
a revisão de diretrizes e normas para a organização da al. (Org.) Políticas e sistemas de saúde no Brasil. 2. ed. Rio
Atenção Básica para o Programa Saúde da Família e o de Janeiro: Fiocruz, 2012. p. 979-1010.
Programa Agentes Comunitários de Saúde. Brasília,
2006. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/ COSTA, G. D. et al. Saúde da família: desafios no processo
PORTARIAS/Port2006/GM/GM-648.htm>. Acesso em: de reorientação do modelo assistencial. Rev. bras.
06 nov. 2014. enferm., Brasília, v. 62, n. 1, p. 113-118, fev. 2009.
__________. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção FIGUEIREDO, P. P.; ROSSONI, E. O acesso à assistência
à Saúde. Departamento de Ações Programáticas pré-natal na Atenção Básica à Saúde sob a ótica das
Estratégicas. Pré-natal e puerpério - atenção qualificada e gestantes. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v. 29, n. 2, p.
humanizada: manual técnico. Brasília, DF: Ministério da 292-298, jun., 2008.
Saúde, 2005.
FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. São Paulo:
__________. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Ática, 2005.
à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde GILL, R. Análise de discurso. In: BAUER, M.; GASKELL,
da Mulher: princípios e diretrizes. Brasília, DF: Ministério G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
da Saúde, 2009. manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
__________. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. JESUS, W. L. A.; ASSIS, M. M. A. Revisão sistemática
Programa de Humanização do Parto: humanização no sobre o conceito de acesso nos serviços de saúde:
pré-natal e nascimento. Brasília, DF: Ministério da Saúde, contribuições do planejamento. Ciênc. saúde coletiva, Rio
2002. de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 161-170, jan. 2010.
ABSTRACT This article analyzes the social determination of leprosy, from the recognition of the
social vulnerability of users in irregular treatment, in the Leprosy Control Program of the county
of Campos dos Goytacazes – RJ. In order to do that, it presents a documental research, based on
the social registration forms of the mentioned users, highlighting some aspects such as work, in-
come, family background and access to public policies. Its results register significant presence of
precarious work related to low schooling and income levels, being most of them considered poor
or indigent (51,5%) and non-users of welfare benefits (66,7%).
2 Assistente Social,
formada pela Universidade
Federal Fluminense (UFF)
– Campos dos Goytacazes
(RJ), Brasil.
etuanymartins@hotmail.com
DOI: 10.5935/0103-1104.20140074 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 817-829, OUT-DEZ 2014
818 LOPES, V. A. S.; RANGEL, E. M.
abaixo do valor estabelecido como linha de devem ser analisadas a partir da existência ou
pobreza, incapazes, portanto, de atender ao não, por parte dos indivíduos ou das famílias,
conjunto de necessidades consideradas míni- de ativos disponíveis e capazes de enfren-
mas naquela sociedade. Indigentes, um sub- tar determinadas situações de risco. Logo, a
conjunto dos pobres, são aqueles cuja renda vulnerabilidade de um indivíduo, família ou
é inferior à necessária para atender apenas as grupos sociais refere-se à maior ou menor
necessidades nutricionais. (ROCHA, 2006, p. 13). capacidade de controlar as forças que afetam
seu bem-estar, ou seja, a posse ou controle de
O governo brasileiro assume, como pa- ativos que constituem os recursos requeridos
râmetro para classificação de níveis de para o aproveitamento das oportunidades
pobreza, o salário mínimo, definindo como propiciadas pelo Estado, mercado ou socie-
indigente o grupo populacional com renda dade. Estes ativos estariam assim ordenados:
de até ¼ do salário mínimo domiciliar per (i) ‘físicos’, que envolveriam todos os meios
capita; e como pobres, o grupo com renda de essenciais para a busca de bem-estar. Estes
até ½ salário mínimo domiciliar per capita poderiam ainda ser divididos em [...] (terra,
(IPEA, 2005). animais, máquinas, moradia, bens duráveis
Ao enfoque na renda pode ser acoplado relevantes para a reprodução social); ou [...]
o das necessidades básicas, envolvendo ne- envolvendo poupança e crédito, além de for-
cessidades de educação, assistência social e mas de seguro e proteção; (ii) ‘humanos’, que
saúde, entre outras. Esta visão de pobreza, incluiriam o trabalho como ativo principal e o
que associa renda baixa ao limite de acesso a valor agregado ao mesmo pelos investimen-
políticas públicas, é adotada neste artigo. tos em saúde e educação, os quais implica-
A vulnerabilidade social articula-se com a riam em maior ou menor capacidade física
ideia de risco, que associado a contextos de para o trabalho, qualificação etc.; (iii) ‘sociais’,
pobreza, nos permite refletir sobre o proces- que incluiriam as redes de reciprocidade, con-
so vivenciado pelos segmentos nesta situação fiança, contatos e acesso à informação. As-
social. Por risco, entende-se uma variedade sim, a condição de vulnerabilidade deveria
de situações que englobam os riscos natu- considerar a situação das pessoas a partir dos
rais, os de saúde, os ligados ao ciclo de vida, seguintes elementos: a inserção e estabilida-
os sociais, os econômicos, os ambientais e os de no mercado de trabalho; [...] o grau de re-
políticos (BRONZO, 2009). gularidade e de qualidade de acesso aos ser-
Quanto mais riscos, maior a vulnerabi- viços públicos ou outras formas de proteção
lidade social, promovendo o surgimento social. (KATZAM apud BRASIL, 2007, p. 14-15).
de enfermidades e constituindo possíveis
limites ao processo de tratamento. No caso No debate acerca da hanseníase e sua de-
da hanseníase, tais riscos são ampliados pela terminação social, à presença das desigual-
presença de valores e hábitos que incremen- dades sociais se agrega o acesso aos serviços
tam a possibilidade de infecção e propaga- públicos, pois este poderá reproduzir tais de-
ção, ligados à higiene corporal e ambiental sigualdades ou minimizá-las, diante de sua
e à procura pelos serviços de saúde somente efetivação ou não. Por isso, o acesso público
quando os sintomas estão agravados. a uma escola de qualidade, aos serviços de
No que diz respeito aos aspectos que saúde e de assistência social e a inserção no
devem ser considerados para a configura- mercado de trabalho são essenciais para o
ção de um quadro de vulnerabilidade social, desenvolvimento do combate a doença.
tem-se que: Nesse sentido, um dos principais desafios
dos estudos sobre as relações entre determi-
[...] as situações de vulnerabilidade social nantes sociais e saúde consiste:
[...] em estabelecer uma hierarquia de deter- setor no qual estávamos diretamente rela-
minações entre os fatores mais gerais de na- cionadas, enquanto professora-supervisora
tureza social, econômica, política e as media- e estagiária de serviço social em fase final de
ções através das quais esses fatores incidem curso, tendo sido realizadas visitas domici-
sobre a situação de saúde de grupos e pes- liares a todos os usuários do grupo, momen-
soas, já que a relação de determinação não é tos nos quais os aspectos retratados no perfil
uma simples relação direta de causa-efeito. puderam ser observados diretamente.
[...] O estudo dessa cadeia de mediações per- Por tratamento irregular é entendido o
mite também identificar onde e como devem não comparecimento do usuário, já inseri-
ser feitas as intervenções, com o objetivo de do no processo de tratamento, às consultas
reduzir as iniqüidades de saúde, ou seja, os médicas e/ou aos atendimentos dos demais
pontos mais sensíveis onde tais interven- profissionais e/ou o não comparecimento
ções podem provocar maior impacto. Outro das respectivas famílias para realização do
desafio importante em termos conceituais e exame de contato. Em 2011, nessa situação
metodológicos se refere à distinção entre os encontravam-se 33 usuários.
determinantes de saúde dos indivíduos e os Para elaboração do perfil socioeconômico,
de grupos e populações, pois alguns fatores foi realizada pesquisa documental incidindo
que são importantes para explicar as diferen- especificamente sobre o Cadastro Social
ças no estado de saúde dos indivíduos não Único dos usuários em tratamento irregular,
explicam as diferenças entre grupos de uma que compreende uma ficha-base para entre-
sociedade ou entre sociedades diversas. (BUSS; vista de entrada dos usuários no tratamen-
PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 81). to desenvolvido pelo referido programa. É
composto por dados referentes à identifica-
Desse modo, embora a hanseníase tenha ção, ao nível socioeconômico, à composição
um bacilo causador, sua análise remete à familiar e a informações sobre habitação e
reflexão sobre condições coletivas de vida, acesso a programas assistenciais.
ultrapassando a perspectiva dos hábitos e A partir das informações obtidas por essa
atitudes individuais. É um complexo pro- pesquisa, puderam ser estabelecidas rela-
blema de saúde pública, que tem afetado ções e realizadas análises, que apontam para
um significativo contingente populacional, a presença de nível socioeconômico baixo e
ressaltando a importância do debate e inter- vulnerabilidade social alta, como pode ser
venções – profissionais e públicas – sobre as reconhecido a partir dos dados a seguir.
iniquidades em saúde.
Resultados e discussão
Métodos
Para analisar a relação entre determina- Identificação
ção social e hanseníase junto aos usuários
em tratamento irregular no Programa de A maioria dos usuários em tratamento irre-
Controle da Hanseníase, em 2011, partiu‑se gular é do sexo masculino (69,7%); e, a maior
da elaboração do perfil socioeconômico parte (33,3%) encontra-se na faixa etária entre
desses usuários. 26 e 36 anos. Estes são seguidos, em ordem
A escolha por esse grupo de usuários decrescente, pelas seguintes faixas etárias: 13
ocorreu em virtude de terem sido eles os a 18 anos (18,2%); 37 a 49 anos e de 50 a 59
que mais demandas apresentaram à equipe anos (ambas com 15,1%); de 60 anos ou mais
profissional, em especial ao serviço social, (12,1%); e, por fim, de 19 a 25 anos (6,1%).
Desse modo, embora prepondere a faixa tratamento regular, pois quando o usuário
etária de 26 a 36 anos, a hanseníase está não comparece às consultas agendadas men-
presente em todas as idades. Também não salmente, para a dose supervisionada da me-
houve presença de crianças, pois estas não dicação, é considerado pelo serviço de saúde
se encontravam em tratamento irregular. um paciente faltoso. Esta falta significa a
Ainda referindo-nos às crianças, a incidên- continuidade da transmissão da doença, a
cia da hanseníase entre elas apresenta-se em resistência do bacilo à medicação e o atraso
menores índices, o que pode ser atribuído na cura da hanseníase.
à proteção que a vacina BCG realiza. Nesse
sentido, Trabalho, renda e composição
familiar
O Programa Nacional de Eliminação da Han-
seníase preconiza duas doses da vacina BCG Em relação ao aspecto trabalho, as ocupa-
para que o paciente obtenha um nível ade- ções dos usuários são diversificadas, com
quado de proteção contra a doença. [...] A uma maior concentração na categoria estu-
importância da vacinação BCG para proteção dante (18,2%), sendo composta por usuários
contra a hanseníase está bem documentada que se encontravam com idades entre 13 e 18
em diversos estudos que demonstram que a anos. Para além dos estudantes, são registra-
detecção da doença é menor na clientela que dos: pedreiros e aposentados (12,1% cada);
recebe as duas doses de BCG. (FERREIRA; ALVA- serventes (9,1%); vigilantes, pintores, do lar,
REZ, 2005, p. 47). vendedores e lavradores (6,1% cada); e, por
fim, ajudantes de bufê, decoradores, autô-
Em relação ao estado civil, a maioria é nomos, administradores e professores (3%
solteira (51,5%), seguida de casados (30,3%), cada). Ressalta-se que os usuários que não
dos que mantêm relação estável (15,2%) e de informaram seus trabalhos (3%) apresenta-
viúvos (3%). vam transtornos mentais, não trabalhando
Desse modo, baseado nos dados que ex- em virtude disso.
pressam as maiores proporções, pode-se Em relação ao grau de escolarida-
afirmar que os usuários são adultos (63,5%), de dos usuários, este, em sua maioria,
preponderando a faixa etária entre 26 e 36 apresentou-se referente ao ensino funda-
anos (33,3%). São em maioria homens (69,7%) mental completo (54,5%), sendo seguido
e solteiros (51,5%), embora os casados ou em pelo ensino médio completo (36,4%), pelos
união estável constituam proporção signi- analfabetos (6,1%); e pelos que possuem
ficativa (45,5%). Compreende-se, também, curso superior completo (3%).
que pela faixa etária, são indivíduos que Diante dos dados apresentados, nota-se
estão no ápice do seu período produtivo, que os usuários sem ou com baixa esco-
ou seja, trabalhando ou em condições de laridade ou baixa capacitação profissio-
trabalho. nal ficam com uma participação restrita
Referindo-se a estes últimos, pode-se as- no mercado de trabalho, e a forma que
sociar a possível dependência de sua família encontram de manter-se e sustentar sua
sobre sua renda, o que ressalta a importância família advém do labor em atividades que
da descoberta da hanseníase no início e, prin- não exigem conhecimentos técnicos e/
cipalmente, do tratamento precoce, pois este ou específicos adquiridos com a escola-
reduz o comprometimento da capacidade ridade. Os trabalhos informais tornam-
física dos usuários, ou seja, possibilita a ação -se a alternativa para os desfavorecidos
do trabalho para o sustento da família. Ainda educacionalmente, já que a seleção de
nesta perspectiva, tem-se a importância do trabalhadores para o mercado privilegia
Gráfico 1. Renda familiar mensal dos usuários em tratamento no Programa de Hanseníase, em 2011
24,24%
25,00%
21,21%
20,00% 18,18%
15,00%
12,12%
9,09% 9,09%
10,00%
0,00%
0,00%
oa
s
s
s
oa
oa
oa
oa
oa
oa
oa
oa
ess
ess
ess
ess
ess
ess
ess
ess
ess
1p
7p
2p
3p
4p
5p
6p
8p
9p
Fonte: Elaboração própria
Sozinho: 1 3,00%
Casal: 3 9,10%
Nuclear: 9 27,30%
0%
%
00
00
,00
,00
,00
,00
0,0
5,0
10,
15,
20
25
30
35
não está inserida em nenhum programa de Família (PBF) e 27,3% encontram‑se inse-
assistência/benefício (66,7%). Porém, dos ridos em programas municipais de trans-
usuários que obtiveram acesso a tais pro- ferência de renda, como os de vale-card e
gramas, 72,7% usufruem do Programa Bolsa vale-alimentação.
Gráfico 4. Acesso assistencial dos usuários em tratamento irregular no Programa de Hanseníase, em 2011
70,00% 66,70%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00% 24,20%
20,00%
9,10%
10,00%
0,00%
Nenhum: 22 Bolsa Família: 8 Programa Municipal de
Transferência de Renda: 3
Para análise, vale retomar informações já Família tem dois objetivos básicos: combater a
apresentadas, como o fato de a maioria das fa- miséria e a exclusão social, e promover a eman-
mílias possuir renda mensal per capita condi- cipação das famílias mais pobres. [...] Quais são
zente com a vivência de situação de pobreza as condicionalidades? As famílias devem parti-
e indigência (21,2% e 30,3%, respectivamen- cipar de ações no acompanhamento de saúde
te). Sendo assim, os usuários recorrem aos e do estado nutricional dos filhos, matricular e
Programas de Transferência de Renda (PTR), acompanhar a frequência escolar das crianças
como o PBF, para auxiliar na renda, garantin- no ensino fundamental e participar de ações de
do, muitas das vezes, a satisfação das neces- educação alimentar. Com base nas informações
sidades básicas, embora somente 33,3% dos do Cadastro Único elaborado pelas prefeituras,
usuários usufruam de algum tipo de PTR. o MDS1 seleciona as famílias a serem beneficia-
das. (WEISSHEIRMER, 2006, p. 25-26).
O Bolsa Família é um programa federal de trans-
ferência direta de renda destinado às famílias Em consonância a isso, para Duarte e
em situação de pobreza (renda mensal por Alencar,
pessoa de R$ 60,00 a R$ 120,00) e de extre-
ma pobreza (com renda mensal por pessoa de Quando se trata de famílias pertencentes aos
até R$ 60,00). Uma das características cen- setores sociais pobres, a literatura é unânime em
trais do programa é que ele procura associar a apontar que o núcleo familiar por si só não dispõe
transferência do benefício financeiro ao acesso do básico para promover a inserção social e o de-
1 Ministério do
Desenvolvimento Social e a direitos sociais básicos, como saúde, alimen- senvolvimento pessoal de seus membros, o que
Combate à Fome. tação, educação e assistência social. O Bolsa torna essencial a ação do estado para permitir o
Gráfico 5. Grau de incapacidade física dos usuários em tratamento no Programa de Hanseníase, em 2011
70,00% 66,70%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
18,20%
20,00% 15,10%
10,00%
0,00%
Incapacidade 0: Incapacidade 1: Incapacidade 2:
22 usuários 5 usuários 6 usuários
Referências
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as br/015/15brito.htm>. Acesso em: 20 jan. 2013.
metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho.
11. ed. São Paulo: Cortez, 2006. BRONZO, C. Vulnerabilidade, empoderamento
e metodologias centradas na família: conexões e
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância uma experiência para reflexão. In: CONCEPÇÃO E
em Saúde. Boletim Epidemiológico, Brasília, v. 44, n. 11, GESTÃO DA PROTEÇÃO social não contributiva no
2013. Brasil. Brasília: UNESCO; MDS, 2009.
______. Ministério do Trabalho e Emprego. Aspectos BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus
Conceituais da Vulnerabilidade Social. Brasília: MTE; determinantes sociais. Physis, Rio de Janeiro, v. 1, n. 17,
DIEESE, 2007. p. 77-93, 2007.
Andrea Vázquez1
RESUMEN El objetivo del trabajo es describir las principales políticas en materia de drogas
en Argentina y establecer articulaciones entre las mismas, los procesos de estigma social y la
accesibilidad de drogadependientes a los servicios de salud. Para ello, se realizó una revisión
bibliográfica y documental. Una determinada política, produce operaciones que se entretejen
en las particularidades que adquiere la vida cotidiana de las personas. Por ello, la orienta-
ción que adquieren las políticas, configura un determinante fundamental en la trayectoria
de un sujeto por el sistema de salud. Se plantea que el tema central sobre el cual avanzar se
relaciona con la exclusión en salud y el sufrimiento producido por los procesos de estigmati-
zación y una decena de derechos que suelen ser vulnerados a las personas con problemas de
drogadependencia.
ABSTRACT The aim of this paper is to describe the main drug policies in Argentina, establishing
connections between them, the processes of social stigma and drug dependent patients’ accessi-
* El presente artículo, bility to health services. For this purpose, a bibliographical and documentary review was con-
constituye un avance en ducted. Certain policies produce operations that are interwoven in the particularities of people’s
la construcción de las
categorías teóricas de everyday life. Thus, policies orientations configure a fundamental determinant in patients’ tra-
la tesis doctoral de la jectory in the health system. A central topic on which to advance relates to the exclusion in heal-
autora. Dicho proyecto se
enmarca en un Proyecto th and the suffering produced by the processes of stereotyping, along with the systematic rights
UBACyT. Facultad de violation of drug dependent patients.
Psicología. Directora: Lic.
Alicia Stolkiner. Secretaría
de Ciencia y Técnica. KEYWORDS Policy; Drugs; Stereotyping; Suffering.
Universidad de Buenos
Aires.
1Mestre em Saúde
Mental Comunitária pela
Universidad Nacional de
Lanús – Lanús, Argentina.
Professora adjunta da
Universidad de Buenos
Aires – Buenos Aires,
Argentina. Professora
associada da Universidad
Nacional de Lanús – Lanús,
Argentina.
avazquez@psi.uba.ar
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 830-839, Out-Dez 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140075
Políticas públicas en materia de drogas en Argentina: políticas de estigmatización y sufrimiento 831
Sustancias Psicotrópicas (1988), que conso- resultados del mismo (Art.17 y 18). El artícu-
lida el ideario de lo que se conoce como ‘la lo 17 plantea que la persona puede quedar
ilusión represiva’: una combinación entre eximida de la pena en aquellos casos en los
castigo y tratamiento con eje en los consumi- que pueda acreditarse el resultado satisfac-
dores de drogas (GONZÁLEZ, 2000, p.195) basada en torio del tratamiento realizado. Sin embargo,
el convencimiento de que la represión per- considera que:
mitirá alcanzar un mundo sin drogas. Una
de las novedades que introduce este último Si transcurridos dos años de tratamiento, no
documento, es la ampliación del territorio se ha obtenido un grado aceptable de recu-
de las acciones punibles. Esta Convención, peración por su falta de colaboración, deberá
más conocida como la Convención de Viena, aplicársele la pena y continuar con la medida
fue decisiva para consolidar el modelo de seguridad por el tiempo necesario o sola-
prohibicionista. mente esta última. (ARGENTINA, 1989, Art. 17).
El mismo año de la denominada
Convención de Viena, se realizó la Sesión Constituye una paradoja, el hecho de
Especial de la Asamblea General de las que una persona sea judicializada por la
Naciones Unidas (UNGASS, 1998). Es relevante Ley Penal en posesión de sustancias para
el primer párrafo de la Declaración Política uso propio, y que una alternativa al cumpli-
que se aprobó en ese marco, ya que sinteti- miento de la pena, sea la realización de un
za la lógica que orientará la mayor parte de tratamiento compulsivo para su recupera-
los discursos sobre las drogas durante los ción. Lo cierto es que, quien no colabora,
siguientes veinte años: debe cumplir la pena y puede ser obligado
(además) a continuar con el tratamiento.
Las drogas destruyen vidas y comunidades, Desde nuestra perspectiva, éstas medidas
socavan el desarrollo humano sostenible y ge- configuran un instrumento de control estatal
neran delincuencia Las drogas afectan a todos que limita derechos.
los sectores de la sociedad en todos los países; Al reprimir la tenencia de pequeñas
sobre todo, el uso indebido de drogas afecta a cantidades para consumo personal, carac-
la libertad y al desarrollo de los jóvenes, que teriza como delito la misma conducta que
son el patrimonio más preciado de la humani- será objeto de abordaje terapéutico. Esto
dad. Las drogas constituyen una grave amena- ha tenido como correlato, la habitual de-
za para la salud y el bienestar de todo el género signación de este problema asociado a la
humano, para la independencia de los Estados, delincuencia o a la enfermedad. La oscila-
la democracia, la estabilidad de las naciones, la ción transcurre entre la medicalización y
estructura de todas las sociedades y la digni- la criminalización. Uno de los proyectos de
dad y la esperanza de millones de personas y ley para la transformación de la ley penal,
sus familias […]. (UNGASS, 1988, p. 1). exponía que:
En Argentina, La Ley 23.737 (ARGENTINA, Esta ley, cuyo fin es supuestamente preservar
1989)del Código Penal Argentino (CPA), la salud pública, transforma en delincuentes
sanciona con prisión de un mes a dos años a cientos de miles de personas que no son
y multa, la tenencia de drogas para uso per- delincuentes. En los 15 años de vigencia de la
sonal (Art. 14). Contempla la realización norma hubo 320.000 procesados o deteni-
de un tratamiento - Medida de Seguridad dos por este tema: el 98,5% de ellos no tenía
Curativa - para quienes dependan física o antecedentes penales cuando fue detenido y
psíquicamente de sustancias, dejando en tenía menos de 5 gramos en su poder. (GARCÍA,
suspenso la pena, hasta la evaluación de los 2005, p. 4).
Desde el año 1989, año en que se sancio- volvió a expresarse1 en el sentido de que la
na la Ley Penal vigente, la Corte Suprema incriminación de la tenencia crea una pre-
de Justicia de la Nación (CSJN) ha fallado sunción genérica y absoluta de peligro abs-
reprimiendo la tenencia de pequeñas canti- tracto (ARGENTINA, 2009, p. 1). El Fallo introduce
dades de sustancias (aunque estuvieran des- la jurisprudencia internacional en cuanto
tinadas al consumo personal) a partir de la que la misma se manifiesta en contra del
interpretación de existencia de afectación de ejercicio del poder punitivo del Estado
la salud pública como el bien jurídico prote- basado en la consideración de peligrosidad
gido. Los argumentos de estos fallos se han de las personas. Expone que las razones
basado en la idea de que no existe la intimi- en que se sustentaba la incriminación del
dad ni privacidad si existe la exteriorización. tenedor han fracasado, “y ello a costa de una
Esa exteriorización, fundamentan, puede interpretación restrictiva de los derechos
afectar de alguna manera el orden o la moral individuales”. La propuesta de un cambio
pública o los derechos de un tercero. Por lo jurisprudencial, sigue el Fallo, se justifica en
tanto, al tratarse de una figura de peligro que la doctrina utilizada hasta el momento
abstracto está contenida la trascendencia a se ha elaborado previamente a la reforma
tercero ya que detrás del consumidor, está el constitucional (1994) a partir de la cual el
traficante hormiga y el verdadero traficante. derecho a la salud es reconocido con rango
Por eso se afirma que la conducta reprimida constitucional por los tratados incorporados
queda por fuera del ámbito de privacidad. y el Estado Nacional se ha comprometido
Las políticas represivas actuales, tienen para lograr su efectividad plena. El Fallo fi-
una importante raigambre ideológica en la naliza expresando que,
que prevalecen juicios y temores. La catego-
rización de tema tabú opera como un inhibi- […] se declara la inconstitucionalidad2 de esa
dor del debate público al ser identificado con disposición legal en cuanto incrimina la te-
el crimen. Esta asociación, somete a los con- nencia de estupefacientes para uso personal
sumidores de drogas a espacios cada vez más que se realice en condiciones tales que no
cerrados donde, a su vez, se vuelven cada vez traigan aparejado un peligro concreto o un
más vulnerables (CLDD, 2009). El prohibi- daño a derechos o bienes de terceros. (ARGEN-
cionismo, se sostiene en una división entre TINA, 2009, p. 38).
drogas legales e ilegales – y por ende –, entre
usuarios legales e ilegales, ocultando que el Este Fallo, marca un hito en cuanto a que
mayor riesgo que pueden suponer estos con- es el primero que con posterioridad a la
sumos, se asocia más a las condiciones socia- reforma de 1994 se expresa en contra de la
les en que se encuentran estas personas, que represión de la tenencia de drogas para uso
al consumo mismo. personal que no suponga peligro concreto o
El discurso del crimen relacionado con las daños a terceros.
drogas ilegales, posee un fuerte componente
ideológico Políticas en salud
[…] y produce un efecto explicativo basado en Desde fines de los años 80 el discurso de la 1 ARGENTINA ya se había
expresado en ese sentido
la suposición de peligrosidad de las personas peligrosidad de personas droagadependien- en el año 1986, en el Fallo
drogadependientes pobres, marginales, en tes, en situación de vulnerabilidad social y/o Bazterrica, sin página
una situación de clara subalternidad social y pobreza, ha sido la base para consolidar el 2 La inconstitucionalidad,
cultural. (VÁZQUEZ; ROMANÍ, 2012, p. 161). modelo represivo y prohibicionista. Si bien se refiere al artículo 14,
segundo párrafo de la ley
este paradigma ha delineado las políticas 23.737 (ARGENTINA,
Es recién en el año 2009 que la CSJN en drogas de la Argentina de los últimos 20 2010).
años, desde el año 2008 se introdujeron un humanos, con jerarquía constitucional, sin
conjunto de modificaciones discursivas sig- perjuicio de las regulaciones más beneficio-
nificativas en el escenario de las políticas a sas que para la protección de estos derechos
nivel nacional, que podrían transformar el puedan establecer las provincias y la Ciudad
ideario criminalizador y patologizante vin- Autónoma de Buenos Aires. (ARGENTINA, 2010,
culado a los drogadependientes. Art.1).
Entre los acontecimientos ocurridos
durante el bienio 2008-2010, que podrían En su Artículo 4 establece lineamientos
abonar la hipótesis del potencial surgimien- específicos para las adicciones. Expresa que:
to de un nuevo paradigma de pensamiento,
podemos enumerar los siguientes: cambio Las adicciones deben ser abordadas como
de discurso del Gobierno Nacional en cuanto parte integrante de las políticas de salud
a descriminalizar la tenencia de drogas mental. Las personas con uso problemático
para consumo personal3, Fallo de la Corte de drogas, legales e ilegales, tienen todos los
Suprema de Justicia de la Nación en que se derechos y garantías que se establecen en la
despenaliza la posesión de estupefacientes presente ley en su relación con los servicios
para uso personal si ello no produjera daños a de salud. (ARGENTINA, 2010, Art. 4).
terceros4, creación de la Dirección Nacional
de Salud Mental y Adicciones5, sanción de la Obliga a los servicios y efectores de salud
Ley Nacional de Salud Mental6, adecuación públicos y privados a adecuarse a los princi-
de las provincias a los nuevos lineamien- pios establecidos. Plantea como un derecho
tos nacionales (en algunas jurisdicciones, de las personas el no ser identificado ni
esto supuso comenzar a ampliar la red de discriminado por un padecimiento mental
servicios para la atención de personas dro- actual o pasado (ARGENTINA, 2010, Art. 4 y 7).
gadependientes), adopción del enfoque de No obstante este conjunto de propuestas y
derechos humanos en algunos de los nuevos normativas, es innegable que este potencial
efectores de la red de atención asistencial, ‘nuevo paradigma’, convive aún con el del
surgimiento de nuevos actores (usuarios y estigma, la punición y la exclusión de droga-
familiares de los Servicios de Salud Mental dependientes en situación de pobreza.
en general y de drogadependientes en parti-
4 ARGENTINA
cular, tal como las Madres del PACO7 y las Ciudadanía y padecimiento
, 2009.
agrupaciones de usuarios de marihuana).
5 Mediante el decreto
La Ley Nacional de Salud Mental plantea La cuestión de las drogas y la drogadepen-
457/2010 (ARGENTINA,
2010, sin página), en el que lineamientos específicos en cuanto a las dencia, adquirió relevancia en los últimos
se alude a “la necesidad políticas, los servicios de atención, como al decenios. Las políticas neoliberales articu-
de fortalecer las políticas
públicas de salud mental, enfoque de derechos humanos con eje en la ladas al contexto punitivo que enmarca el
especialmente el cumpli- disminución del estigma y la discriminación consumo de drogas ilegales en Argentina,
miento de los derechos
de las personas con que sufren las personas drogadependien- produjo un discurso hegemónico caracteri-
padecimientos mentales o tes cuando se vinculan con los efectores de zado por la criminalización y estigmatiza-
adicciones”.
salud. Plantea como objeto: ción de drogadependientes en situación de
6 ARGENTINA, 1999. pobreza
7 La abreviatura corres- […] asegurar el derecho a la protección de la El problema de la drogadependencia,
ponde a la sustancia Pasta salud mental de todas las personas, y el ple- ofrece un ejemplo especialmente ilustrativo
base de Cocaína. Esta
agrupación de madres, no goce de los derechos humanos de aquellas para el análisis de los procesos de estigma-
reclama protección social con padecimiento mental que se encuentran tización. Desde la perspectiva teórica con la
y suelen denunciar proble-
mas para la atención en en el territorio nacional, reconocidos en los que trabajamos, el foco de la cuestión no está
salud de sus hijos. instrumentos internacionales de derechos puesto en la definición de la droga, sino en las
definiciones sociales que se producen acerca adicciones a las drogas, alcoholismo, homo-
del vínculo entre los sujetos y las drogas. sexualidad, desempleo, intentos de suicidio
La dimensión del poder, es clave para y conductas políticas extremistas”.
estudiar la estigmatización, ya no desde la El sufrimiento que producen estas cons-
consideración de las categorías de personas trucciones discursivas en la vida cotidiana
estigmatizadas, sino desde el análisis de las de los sujetos, se vincula a formas de vio-
diferentes categorías de personas, según lencias que operan en todas las sociedades:
sea su inserción en las estructuras de poder. “[…] procesos de discriminación, estigmati-
Por ello, algunos autores conceptualizan al zación, falta de expectativas y desesperan-
sufrimiento producido por estos procesos za, marginalización e ilegalidad […]” (EPELE,
como maltrato social, vivencia que ha sido 2002, p. 124). La violencia cotidiana se trata de
denominada como “oppression illness” (EPELE, las prácticas y manifestaciones de agresión
2002, p.127). entre personas, que son útiles para norma-
En este punto cabe introducir una pre- lizar la “violencia en el nivel microsocial tal
cisión con respecto al concepto de enfer- como la pelea doméstica, la delincuencia y la
medad. La sociología médica parsoniana drogadicción” (BOURGOIS, 2002, p. 76).
distingue la enfermedad (disease) entendida Al igual que la drogadependencia, el tema
como conjunto de eventos físicos, biológicos de la violencia suele ser resistido para su in-
y psíquicos con existencia objetiva de mal clusión en la agenda sanitaria de los países,
de dolencia (illness) que refiere al estado ya que tradicionalmente ha sido tratado
subjetivo experimentado por el individuo como un problema del ámbito legal y/o de la
en el papel de enfermo. Posteriormente se seguridad pública. Esta escisión en el trata-
propuso el concepto de sickness, para hacer miento del tema, comienza a desdibujarse en
referencia al encuadre social de la enferme- la medida que va teniendo lugar una transi-
dad y la determinación social del papel de ción por la cual es cada vez más difícil la con-
enfermo (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 87). ceptualización de enfermedades solamente
La experiencia de enfermedad es la forma enmarcadas en el modelo médico positi-
en que las personas se sitúan con respecto a vista. La visión de la complejidad en salud,
la dolencia, esto es, los significados confe- ha surgido ante la necesidad de ampliar
ridos y las formas de lidiar con la situación. los modelos explicativos tradicionales. Los
Las respuestas a los problemas producidos cuadros de muertes y lesiones producidos,
por la dolencia, se construyen socialmente y fundamentalmente, por problemáticas so-
remiten a un mundo compartido de prácti- ciales ha dado relevancia al rol de la violen-
cas, creencias y valores (ALVES; RABELO, 1999). cia en los procesos de enfermar (MINAYO, 2005).
La conceptualización de la estigmatiza- Los discursos estigmatizantes sobre la
ción y la discriminación como procesos so- drogadependencia, cumplen una función de
ciales está ligada, indefectiblemente, a los distorsión, magnificación e invisibilidad de
estudios sobre desigualdad social. (PARKER; algunas dimensiones del problema. El dis-
AGGLETON, 2003). Para el abordaje de este punto, curso del crimen asociado a las drogas ilega-
es de particular interés tomar uno de los tipos les, tiene un fuerte componente ideológico y
de estigma descriptos por Goffman (2006, produce un efecto explicativo basado en la
p.14), aquel que se refiere a “[…] los defectos suposición de peligrosidad de estas perso-
del carácter del individuo que se perciben nas. La situación de quienes han sido alcan-
como falta de voluntad, pasiones tiránicas o zados por la legislación penal, muestra que
antinaturales, creencias rígidas y falsas, des- aún quienes cumplieron su pena, no logran
honestidad”. Que surgen de informes sobre deshacerse de la marca de la judicialización.
“[…] perturbaciones mentales, reclusiones, El problema de la drogadependencia, en
sus diferentes nominaciones (uso, abuso, en salud es “[…] el vínculo que se construye
adicción, alcoholismo, toxicomanía, etc.), se entre los sujetos y los servicios […] y se mani-
encuentra presente en la mayor parte de las fiesta en la modalidad particular que adquie-
caracterizaciones de los autores que estu- re la utilización de los servicios” (BARCALA;
dian las designaciones de anormalidad, des- STOLKINER, 2000, p. 283).
viación y/o estigma (FREIDSON, 1978; CONRAD, 1982; El énfasis del consumo de drogas puesto
CONRAD; SCHNEIDER, 1985; MENÉNDEZ, 1990; GALENDE, en el vínculo con las sustancias ilegales (y
1997; GOFFMAN, 2006). su prohibición), ha relegado a un modesto
Para Conrad (1982), la anormalidad in- segundo plano las cuestiones relativas a la
tencionada, suele definirse como delito. Se salud. La importancia atribuida a las sus-
reserva la definición de no intencionada tancias, ha impedido visualizar que solo
para designar la enfermedad. Por eso a la un “pleno goce de derechos, incluidos los
delincuencia se le responde con castigo - económicos sociales y culturales” (OCAÑA, Sin
respuesta punitiva -, y a la enfermedad con fecha), podría comenzar a operar transforma-
la imposición del tratamiento - respuesta ciones en el escenario del problema.
terapéutica8. Varios juristas, señalan que el acceso de
Entre las anormalidades que integran la drogadependientes a la atención en salud
jurisdicción de la medicina, se encuentran puede obstaculizarse como efecto del con-
el alcoholismo y la dependencia de drogas texto punitivo (CATTANI, 2005, VÁZQUEZ-ACUÑA,
junto a hiperactividad infantil, suicidio, obe- 1997). Otros señalan que se produce por la
sidad, delincuencia, violencia, corrupción de discriminación en las instituciones de salud
menores y problemas de aprendizaje, entre (INCHAURRAGA, 2000; PARKER; AGGLETON, 2003) y los
otros (CONRAD, 1982). procesos de estigmatización en los servicios
Uno de los efectos principales de la es- de salud (PECHENY et al., 2007).
tigmatización, es su capacidad de producir En un trabajo sobre las consecuencias de
grupos específicos de ciudadanos que ven la criminalización del consumo de drogas
limitado su cumplimento de derechos tales en los vínculos entre instituciones de salud
como el derecho a la atención en salud. y usuarios/as de drogas que viven en con-
Estos grupos, ponen en juego una operación diciones de marginación social, se analiza
de encubrimiento en diferentes momentos la sospecha como una lógica que estructura
de la vida cotidiana, tal como puede ser el una barrera entre los usuarios y el sistema
contacto con una institución pública. La de salud. La lógica de la sospecha, se define
particularidad que profundiza la situación como
desigual en la que quedan las personas que
usan drogas ilegales, es que sobre ellos cae, […] aquel conjunto heteróclito de prácticas
no solo la condena social del estigma (sim- simbólicas que definen las propiedades de los
8 Conrad (1982) toma
bólico), sino la posibilidad cierta de ser en- vínculos y las posiciones entre los usuarios/
en ese artículo la
conceptualización de carcelados. Puede conjeturarse entonces, el as de drogas y las Instituciones del Estado,
Parsons sobre el rol del largo camino que deben recorrer aquellos particularmente las de salud. (EPELE, 2007, p. 155).
enfermo que se compone
de 4 instancias: eximición para los cuales el uso de drogas se ha vuelto
de responsabilidades problemático y necesitan tratamiento para Reconocer esta lógica como barrera,
propias de la normalidad,
eximición de la su problema de salud. supone ampliar las nociones tradicionales
responsabilidad por la La salud es un derecho humano funda- sobre problemas económicos, geográficos y
enfermedad, obligación
de reconocer el estado de mental que implica el acceso universal a culturales.
enfermo y cooperación los servicios: oportunos, humanizados y Un estudio en el que se indagaba repre-
a través de la búsqueda
y sometimiento a adecuados culturalmente (BRASIL, 2007). Desde sentaciones y prácticas sobre la drogade-
tratamiento. este enfoque, la accesibilidad a la atención pendencia en profesionales de la salud y su
relación con la accesibilidad a los servicios, de comprender sus efectos, con miras a ser
concluía que: “la reproducción de la estig- parte de intervenciones que tiendan a cues-
matización podría colaborar con la produc- tionarlos y eliminarlos (PARKER; AGGLETON, 2003).
ción de barreras de accesibilidad específicas Un primer camino, es poner en discusión
para estas personas” (VÁZQUEZ, 2006, p. 121). las categorías que habitualmente se relacio-
Cada época define alguna enfermedad nan con el consumo de drogas: enfermedad y
emblemática, la drogadependencia podría delito. En cuanto a la nominación de enfer-
ocupar ese lugar de trípode emblemático: medad, es tiempo de separar a quienes hacen
enfermedad-delito-pobreza, en que ha sido usos recreativos de drogas (principalmente
ubicada en la época actual. Estos procesos ilegales), de aquellos que manifiestan con-
pueden conceptualizarse como formas de sumos problemáticos. Aquellos que sufren
violencia menos visibles que otras tales como sobre sí la carga de la estigmatización, la han
las formas sexuales y/o físicas: “[…] otras sufrido muchas veces antes de relacionarse
formas más silenciosas e invisibles como son con las drogas y ya habían sido categoriza-
las violencias políticas, estructurales y sim- dos con anterioridad como pobres y/o mar-
bólicas […]” (EPELE, 2002, p. 117). ginales. Un planteo de tal magnitud, podría
Desarrollos acerca de la estigmatización, suponer una descategorización de todos los
señalan que la lucha contra el estigma, cons- usos de drogas como enfermedad.
tituye uno de los asuntos más urgentes a En cuanto a la vinculación con el delito,
nivel mundial,9 y que las reacciones sociales el debate muestra mejores perspectivas en
de estigma y discriminación, pueden cons- comparación con lo que ocurre con la cate-
tituir una epidemia más explosiva, que la gorización de enfermedad. A nivel mundial,
producida por la propia enfermedad10: una el régimen de la prohibición produjo un
“epidemia de significados”11 (PARKER; AGGLETON, mercado ilegal que da respuesta a aquellas
2003, p. 14). personas que no han logrado sobrevivir en
la economía legal socialmente establecida
(METAAL, 2008). La evaluación de los efectos de
Conclusión 20 años de políticas de represión y persecu-
ción de los usuarios, ha demostrado en buena
En los últimos años se ha venido propo- parte del mundo, un estrepitoso fracaso en
niendo la inclusión, en la agenda política y cuando a la disminución de la demanda.
sanitaria de los países, de la cuestión de la Un fracaso mucho mayor ha mostrado en
accesibilidad a la atención en salud de per- favorecer la atención en salud de aquellos
sonas con diversas problemáticas de salud que requieren tratamiento por su consumo
mental. problemático.
La ampliación y transformación de la La reducción de la estigmatización y la 9 El comentario
11 La
definición pertenece
a Paula Treichler.
Referências
ALMEIDA FILHO, N. La ciencia Tímida. Ensayo de de Investigaciones. Facultad de Psicología. UBA, VIII,
deconstrucción de la epidemiología. Buenos Aires: 2000, 282-295.
Lugar Editorial, 2000.
BOURGOIS, P. El poder de la violencia en la guerra y la
ALVES, P. C.; RABELO, M. C. Significação e metáforas paz. Apuntes de Investigación del CECyP, año VI, v. 88,
na experiência da enfermidade. En: ______. (Org.). p. 73-98, 2002.
Experiência de doença e Narrativa. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 1999. p. 171-185. BRASIL. CARTA DE BRASILIA. In: Reunión
regional de consulta con la sociedad civil sobre los
ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de la Nación. determinantes sociales de la salud, 2007.
Fallo Bazterrica: Bazterrica, Gustavo M. Buenos Aires,
29 ago. 1986. CATTANI, H. Consumo de drogas: ¿la hora de
despenalizar? Diario La nación, Buenos Aires, 6 nov.
______. Corte Suprema de Justicia de la Nación. Fallo 2005. Enfoques.
A. 891. XLIV: Arriola, Sebastián y otros, Sin causa, nº
9080. Buenos Aires, 25 ago. 2009. COMISIÓN LATINOAMERICANA SOBRE DROGAS
Y DEMOCRACIA (CLDD) Drogas y Democracia: Hacia
______. Decreto n°.457. Modificase el Anexo II al un cambio de paradigma. Informe de la Comisión
artículo 2° del Decreto Nº 357/02 el Apartado XX Latinoamericana sobre Drogas y Democracia. Rio de
correspondiente al Ministerio de Salud. Boletín Janeiro: CLDD, 2009.
Oficial de La República Argentina. Buenos Aires, 5 abr.
2010. Disponible: < http://www.boletinoficial.gov.ar/ CONRAD, P. Sobre la medicalización de la anormalidad
DisplayPdf.aspx?s=BPBCF&f=20100407> Acceso: 30 y el control social. In: INGLEBY, D. (Ed.) Psiquiatría
abr. 2013. Crítica: La política de la salud mental. Barcelona:
Crítica-Grijalbo, 1982. p. 129-159.
______. Ley n°. 26.657. Derecho a la Protección de
la Salud Mental. Disposiciones complementarias. CONRAD, P.; Y SCHNEIDER, J. Deviance and
Derogase la Ley Nº 22.914. Boletín Oficial de medicalization: from badness to sickness. Columbus-
La República Argentina. Buenos Aires, 21 set. Ohio: Merrill Publishing Company, 1985. p. 1-37.
1989. Disponible: <http://www.infoleg.gov.ar/
infolegInternet/anexos/0-4999/138/texact.htm > EPELE, M. La lógica de la sospecha. Sobre la
Acceso: 30 abr. 2013. criminalización del uso de drogas, complots y
barreras de acceso al sistema de salud. Cuadernos de
______. Ley n°.23.737. Su modificación. Incorporase el Antropología Social de la Facultad de Filosofía y Letras,
artículo 18 bis a la Ley N° 10.903. Reemplazando los Buenos Aires, n. 25, p. 153-170, 2007.
artículos 25 y 26 de la Ley N° 20.655 e incorporase a
la misma el artículo 26 bis. Derogase los artículos 1° EPELE, M. Violencias y traumas: Políticas del
al 11 de la Ley N° 20.771 y sus modificatorias. Boletín Sufrimiento Social entre Usuarias de Drogas.
Oficial de La República Argentina. Buenos Aires, 25 Cuadernos de Antropología Social de la Facultad de
nov. 2010. Disponible: <http://infoleg.mecon.gov.ar/ Filosofía y Letras, Buenos Aires, n. 14, p. 117-137, 2002.
infolegInternet/anexos/175000-179999/175977/norma.
htm> Acceso: 30 abr. 2013. FREIDSON, E. La construcción profesional de
conceptos de enfermedad. In: ______. La profesión
AUREANO, G. Uso recreativo de drogas ilícitas: una médica: un estudio de sociología del conocimiento
visión política. En: CACERES, C. et al. (Ed.) La salud aplicado. Barcelona: Península, 1978. p. 247-300.
como derecho ciudadano. Lima: UPCH. 2003. p. 45-48.
GALENDE, E. Subjetividad y cultura: el malestar de
BARCALA, A.; STOLKINER, A. Accesibilidad a la individuación. In: ______. De un horizonte incierto.
servicios de salud de familias con sus necesidades Psicoanálisis y Salud Mental en la sociedad actual.
básicas insatisfechas (NBI): estudio de caso. Anuario Buenos Aires: Paidós, 1997. p. 63-132.
GARCÍA, E. Consumo de drogas: ¿la hora de paliativos. In: LÓPEZ, E.; PANTELIDES, E. (Comp.)
despenalizar? Cuál sería el beneficio de un cambio. Aportes a la investigación social en salud sexual y
Diario La nación, Buenos Aires, 6 nov. 2005. Enfoques. reproductiva. Buenos Aires: CENEP; CEDES; AEPA;
UNFPA, 2007. p. 195-230.
GOFFMAN, E. Estigma. La identidad deteriorada.
Buenos Aires: Amorrortu, 2006. STOLKINER, A. Tiempos posmodernos: ajuste y salud
mental. In SAIDÓN O; TROIANOVSKY, P. (Comp.)
GONZÁLEZ, C. Aspectos Legislativos. In GRUP IGIA Políticas en salud mental. Buenos Aires: Lugar, 1994. p.
y colaboradores. Contextos, sujetos y drogas: un manual 22-53.
sobre drogodependencias. Barcelona: Ajuntament de
Barcelona, 2000. p. 189-240. THE UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY
SPECIAL SESSION (UNGASS). Declaración Política
INCHAURRAGA, S. Sida sobre la transitoriedad del aprobada: Sesión Especial de la Asamblea General de
sujeto y la cultura. In: BARRIONUEVO, J. (Comp.) Naciones Unidas. ONU: Nueva York, 1998.
Clínica psicoanalítica al límite. Buenos Aires: Gabas,
2000. p. 5-72. VÁZQUEZ, A. La Construcción Social del “problema
de las drogas”: Representaciones y Prácticas sobre la
MENÉNDEZ, E. L. El modelo médico hegemónico. In: drogadependencia en profesionales de la Salud. Su
______. Morir de alcohol: saber y Hegemonía Médica. relación con la Accesibilidad y Dignidad en la Atención
México: Ediciones de la Casa Chata, 1990. p. 83-117 de personas que usan drogas en Servicios de Salud
del GCBA. 2006. Tesis (Maestría en Psicología). –
METAAL, P. La dimensión ética de las políticas de Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2006.
drogas: La moralidad frente a un enfoque basado en los
derechos. Amsterdan: Trasnational Institute, 2008, p. VÁZQUEZ, A; ROMANÍ, O. Drogadependencia,
18-25. (Programa Drogas y Democracia). estigma y exclusión en salud. Barreras de accesibilidad
de drogadependientes a Servicios de Salud en las
MINAYO, M. C. S. Relaciones entre Procesos Sociales, ciudades de Barcelona y Buenos Aires. Anuario
Violencia y Calidad de Vida. Salud Colectiva, v. 1, n. 1, p. de Investigaciones, 19. Buenos Aires: Facultad de
69-78, 2005. Psicología, 2012. p. 159-166.
ABSTRACT The productive restructuration of public hospitals in Latin America pretends to make
* El presente artículo
forma parte de la tesis changes in the ways in which attention and care occurs. Current productive restructuration
para obtener el título is ideologically ensured by the displacement of the hegemonic discourses in the sector,
de doctor en Ciencias
en Salud Colectiva de from Normative Planning to the discourses of neoliberal modernization. In this article, the
la UAM-Xochimilco methodology was qualitative, through Critical Discourse Analysis. The analysis approached to
de Alejandro Perdomo
Rubio: ‘La ideología en the main features of both hegemonic paradigms, the relationship between its core technologies
la Reestructuración with economic, social and cultural contexts in which they emerged and how it relates to power
productiva de los
Hospitales Públicos en devices.
Colombia y México’.
KEYWORDS Health care reform; Social change; Capitalism; Social control, Informal.
1 Doctor en Ciencias en
Salud Colectiva. Profesor
Investigador. Instituto de
Salud Pública, Universidad
Veracruzana.
alperdo77@yahoo.com
2 Doctor en Antropología.
Profesor Titular, Facultad
de Estudio Superiores
Iztacala, Universidad
Nacional Autónoma de
México.
zinzun@unam.mx
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 840-852, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140076
La ideología en la planificación normativa y la modernización neoliberal: contextos y dispositivos de poder 841
Contexto de emergencia de los dis- capitalista (SENNET, 2008). Este compromiso del
cursos de la planificación normativa capital, del Estado y de los trabajadores, ex-
presado en la seguridad social y la atención
Las condiciones de posibilidad de los dis- de salud estatal, es la principal característica
cursos sobre la Planificación en Salud para del capitalismo pesado.
América Latina se encuentran en el contexto Para hacer personas dóciles y útiles el
del capitalismo pesado y la guerra fría. Uno Estado requería ser efectivo en todos los
de los textos fundantes de la planificación campos. La ampliación de las coberturas
sanitaria en la región se publica en 1965, sólo implicaba que si algún trabajador o miembro
unos años después de la Revolución Cubana, del ejército industrial de reserva se enferma-
de la Conferencia de Punta del Este y de la ba, el Estado asegurara que su intervención
Alianza para el Progreso. Movimientos so- lo devolviera sano y pronto a su fábrica o a
ciales, partidos comunistas y socialistas y seguir buscando trabajo. Mediante la ins-
agrupaciones guerrilleras, buscaban cambios titucionalización de la salud como función
revolucionarios de la sociedad. social el Estado lograba legitimar su existen-
Mientras, los Estados buscaban asegurar cia (AHUMADA et al., 1965). Estado y eficacia iban
la reproducción del sistema capitalista me- de la mano.
diante la promoción de instituciones que Otra superficie de emergencia de la
contenían dispositivos orientados a hacer Planificación en Salud fue el taylorismo-
dóciles a los individuos. Un ejemplo era la fordismo. Este fue la manera como se orga-
ampliación de coberturas de la atención nizó la fábrica desde inicios del siglo XX,
hospitalaria: le restaba credibilidad a los pero también se constituyó en el modelo de
grupos revolucionarios, para quienes las otras instituciones del capitalismo pesado.
pésimas condiciones de salud de los traba- El taylorismo se caracterizaba por una ra-
jadores era una de las razones para comen- cionalización y una mecanización constante
zar o impulsar su gesta y seguir el ejemplo (BAUMAN, 2002). La interpretación racionalista
cubano. Al mismo tiempo, se buscaba hacer de las organizaciones se basaba en la rigu-
útiles a las personas, especialmente a los rosa separación de la planeación y la ejecu-
trabajadores urbanos, como también al ejér- ción, los aspectos intelectuales y manuales
cito industrial de reserva. Se impulsaba el del trabajo, libertad y obediencia, y con su
modelo de desarrollo de Industrialización apretado entrelazamiento de los opuestos
por Sustitución de Importaciones (ISI), en en cada una de esas oposiciones binarias.
donde la industria se pensó como el nuevo Mientras, la mecanización tayloriana se ex-
motor económico de la región. El capital del presaba en la especialización y el control de
ISI requería fuerza de trabajo urbana y sana la cadena productiva, con una estructura je-
que se empleara en las fábricas y el Estado rárquica que permitía una fluida transmisión
debía asegurárselos. Los trabajadores, por su de órdenes.
parte, pedían en sus reivindicaciones aten- Sin embargo, en los hospitales este
ción hospitalaria. De esta forma se crearon taylorismo debía apoyarse en los dispositi-
y fortalecieron instituciones de seguridad vos disciplinarios de la medicina. El control
social y la conformación de Ministerios y tayloriano sobre el trabajo de los profesio-
Secretarías de Salud. Las primeras atendían nales y la atención y cuidado a los pacien-
a los trabajadores y los segundos al ejército tes se apoyaba en la mirada médica, en esa
industrial de reserva. disposición médica disciplinaria de percibir,
La relación entre capital y trabajo era de explorar, valorar, conocer cada detalle del
dependencia, uno necesitaba al otro y asegu- cuerpo del enfermo a través de la mirada y
raba la reproducción del sistema económico con ello describir, dar sentido y controlar a
las patologías y a los enfermos (FOUCAULT, 1966). donde gobiernos y organismos privados
Esa disposición a la vigilancia detallada y de la región entraron en cesación de pagos
continua a través de la mirada sobre los en- de su deuda externa, para posteriormente
fermos era también empleada en el control encaminarse por estrictas reformas estruc-
de los mismos médicos y enfermeras en turales impuestas por los organismos finan-
su trabajo. La mirada médica en el hospi- cieros internacionales – Banco Mundial,
tal no sólo explora y controla el cuerpo del Banco Interamericano de Desarrollo y
enfermo sino el de sus pares. La disciplina Fondo Monetario Internacional – como
médica parte de una vigilancia estricta e condición para el otorgamiento de nuevos
ininterrumpida de cada movimiento, cada financiamientos.
uso del cuerpo, tanto del paciente como de Además, recordemos que durante los 80
los mismos profesionales. Nada en ellos y 90 finalizaron las dictaduras en el conti-
debía ser inútil, todo debía ser dócil. La dis- nente. Las dictaduras doblegaron y exter-
ciplina tayloriana, la planeación en salud y el minaron a muchos de los grupos sociales y
Estado usaron esta mirada médica sobre pa- políticos quienes podían hacer oposición
cientes y trabajadores de la salud, y con ello a las condiciones de la banca multilateral.
su eficacia, su reproducción. Asimismo, en los procesos de transición de-
Los dispositivos de poder de los hospita- mocrática se establecieron pactos para neu-
les taylorianos eran el apoyo de los disposi- tralizar políticamente esos grupos sociales.
tivos médicos para ejercer su hegemonía en A su vez, muchos políticos y empresarias se
el orden social hospitalario. Mintzberg (1991) plegaron a las reformas propuestas por la
habla entonces de organizaciones del tipo banca internacional.
burocracias profesionales, donde las relacio- El contexto de los años 80 se debe enten-
nes entre directivas y trabajadores estaban der a partir de la finalización, a comienzos
boca abajo, donde a diferencia de las fábricas de los años 70, del sistema construido en
la posición de los médicos era superior al de base a la Conferencia de Bretton Woods.
las directivas. El orden social hospitalario En 1944, año de su creación, la conferencia
hizo de directivos, médicos, enfermeras y buscaba la recuperación económica mundial
pacientes sujetos disciplinados. Con todo, y después de la Segunda Guerra Mundial. Allí
precisamente por esta relación de dispositi- se designó al dólar de EEUU como moneda
vos disciplinarios, los hospitales eran efica- de reserva internacional, y se definió que
ces: garantizaron la institucionalización de todas las demás monedas tuvieran tasas
la salud, la reproducción de los trabajadores fijas de cambio con respecto al mismo. Pero
y de los desempleados y con ello la repro- ninguna de sus cláusulas impedía que la
ducción económica y política del capitalismo Reserva Federal de EEUU incrementara su
pesado. provisión de billetes, lo que eventualmente
hizo. Así, el respaldo en oro de cada dólar
El contexto de emergencia de la disminuyó sin cesar, no habiendo al final
modernización neoliberal suficiente para respaldar todos los dólares
emitidos. Con la guerra en Vietnam, EEUU
Por su parte, el contexto donde emergieron acumuló déficit presupuestario e inundó al
los discursos neoliberales de políticas de mundo con dólares sin respaldo. Nixon en
salud se enmarca en la década de los años 1971 eliminó la convertibilidad del oro, lo que
80 y 90, caracterizada por la presencia de conllevó a que, sin su respaldo, desaparecie-
los gobiernos conservadores de Reagan y ran los límites que impedían la proliferación
Thatcher, y en América Latina con Pinochet. de billetes de dólar.
Tiene como antecedentes la década perdida, Esto tuvo dos efectos de nuestro interés.
hospital. Con ello se definían cuáles eran los estructurándolos a partir de celdas disci-
más adecuados y cuál era el encadenamiento plinarias. Es decir, una división jerarquiza-
óptimo entre ellos para lograr sus objetivos. da de los ámbitos político-administrativos
El modelo óptimo se establecía como norma, en niveles nacionales, regionales y locales,
y ésta en meta. La planificación fijaba los y, del trabajo hospitalario en dirección y
procedimientos de control permanente para atención clínica en los hospitales; una di-
cumplir la meta y distinguía así entre quienes visión del espacio territorial en unidades
serían clasificados como ineptos o capaces, de planificación, y, del interior del hospital
entre lo normal o lo anormal, dependiendo en departamentos y unidades de servicio;
de lo que era capaz o no de ajustarse a la una fragmentación del proceso de la aten-
norma o meta. Lo fundamental era la norma. ción clínica especializando, verticalizando
La Planificación de Cendes-OPS proponía e instrumentalizando los saberes, prácticas
definir metas del proceso de trabajo hospita- y tecnologías; y un fraccionamiento de los
lario. Se fijaban metas en la distribución de la cuerpos de los pacientes siguiendo las ti-
mortalidad o morbilidad de las comunidades pologías patológicas. Esta división permitía
– o sea, del objeto de trabajo: lo que se trans- individualizar la administración mediante la
formaría mediante las tecnologías y acciones vigilancia minuciosa de unidades cada vez
durante el trabajo colectivo en el hospital –; más pequeñas:
metas sobre las tecnologías e infraestructura
hospitalarias, mediante la instrumentaliza- […] se debe procurar que el esfuerzo progra-
ción de recursos, su combinación por factores mático se extienda a todos los aspectos que
técnicos médicos y económicos, y su posterior componen una actividad. En primer lugar, por
cuantificación ‘real y monetaria’, como por la razón muy obvia de que en todos ellos se
ejemplo proporción de ocupación de camas; usan recursos escasos, y en segundo lugar,
y metas sobre los actos de atención, median- porque cada actividad posee una estructura
te su definición precisa y cuantificación en interna que, si bien es flexible, es conveniente
‘tareas y técnicas de prevención o reparación’: mantener. (AHUMADA et al., 1965, p. 8).
por ejemplo, número de cirugías.
Ahora, el control de las normas y metas Como señalan Spinelli y Testa (2005), estas
dependería del nivel de cada una de ellas. A normas de la planificación normativa no
nivel de la planificación nacional o local, para eran confrontadas con ninguna opinión – de
los planificadores y autoridades de salud el peso – en su contra; el plan no tenía oponen-
problema era de información y análisis. Se tes. Eran definidas en un solo sentido, desde
controlaban datos, si indicadores como la las oficinas de la dirección hospitalaria o del
ocupación hospitalaria o la mortalidad se Ministerio, usando la coerción disciplinaria
acercaban o no a la meta y se preguntaban el para desarrollarlas.
por qué y cómo resolverlos desde sus ofici-
nas. Pero a nivel de la administración de los Los dispositivos de poder de la mo-
hospitales, aunque no se dijera en los docu- dernización neoliberal
mentos, se requería de la disciplina médica.
No había instrumentos específicos de la di- En cambio en las reformas de los 90, los
rección, con personal y saberes no médicos sistemas sanitarios al propender la eficien-
para controlar el trabajo médico. El control cia del capital, se disponen a la circulación,
era médico y reposaba en sus dispositivos. la competencia, lo centrífugo, a abrirse a
Esta racionalización requería contro- nuevos campos, la libertad, al auto-equili-
lar la norma en la implementación de los brio y a la normalización. El problema que
planes y en las instituciones hospitalarias, querían resolver las agencias multilaterales
era cómo usar los recursos limitados del de la institución y de la práctica médica: era
sector salud para hacer más, para más pobla- paciente. Pero al convertirse el paciente en
ción, de la manera más veloz. Se requería dar cliente y la sociedad en un mercado, y al vol-
un paso del hospital eficaz al eficiente; a la verlos el centro del sistema, en los discursos
Productividad: se pretende su satisfacción inmediata, sin
dilaciones, sin postergaciones. No se planea
La existencia del hospital se justifica en la me- a largo plazo y satisfacen los deseos inmedia-
dida en que produce los servicios que la socie- tamente; es la nueva cultura del capitalismo
dad necesita y demanda y, para ello, la socie- (SENNET, 2008).
dad entrega recursos y de ellos espera recibir En este sentido la OPS (2001) se pregunta
utilidad. Si el paciente es ciudadano‑cliente, y sobre las preferencias temporales de la so-
la sociedad es el mercado en que se sitúa al ciedad: esto es, la tasa que la sociedad está
hospital, la productividad es el factor crítico dispuesta a pagar por postergar el consumo
de legitimidad social de los hospitales. (OPS, de un bien o servicio. Lo que lleva implíci-
2001, p. 103). to esta pregunta es primero que el tiempo
es costoso, la lentitud es ineficiente, y que
En la planificación normativa uno de sus por tanto, la producción y el consumo debe
problemas centrales era la dimensión tem- acelerarse. Con la modernización neoliberal
poral, donde se buscaba planear el futuro, y su corto plazo, se busca aumentar la velo-
es decir, asignar recursos para un consumo cidad de la producción: productividad; y con
en el presente o una inversión productiva su satisfacción inmediata, incrementar el
posterior, decidir entre objetivos inmediatos consumo: la consumatividad, en términos de
y objetivos futuros establecidos en quinque- Baudrillard (1974).
nios o decenios. Se hacían pronósticos con Los dispositivos de poder para acelerar la
racionalidad, para tomar decisiones sobre productividad se pueden resumir en cuatro
acciones de efecto prolongado. Se plantea- puntos. En el primero, en vez de pretender
ba en términos de que si ‘a’ ocurre, proba- controlar los recursos y los cuerpos me-
blemente resultará ‘b’ como consecuencia diante la norma, desde las direcciones o los
de hipótesis razonables. En cambio, en los Ministerios de Salud, pero especialmente
discursos de la modernización hospitalaria, desde la mirada médica, se deben dejar cir-
no se planea a largo plazo, sólo se estable- cular. Circulación de recursos, especialmen-
cen reglas de juego. Esto en buena medida te el capital en muchas manos, el Pluralismo
debido a lo que llaman deficiencias en la in- (LONDOÑO; FRENK, 1997). Pero también de los
tervención estatal o fallas de estado: recursos de infraestructura, por medio de
privatizaciones, mezclas público-privadas o
Los gobiernos pueden errar en su estimación subrogaciones de áreas o servicios comple-
de los resultados que una intervención ten- tos del hospital; de equipamientos, medica-
drá en la práctica, pues sólo tienen un control mentos e insumos, permitiendo la compra
parcial sobre la forma en que reaccionan los descentralizada y directa de los hospitales
participantes privados, y esa reacción puede o la dosificación exacta por consumidor;
socavar el objetivo que se persigue. (BANCO de los recursos humanos o talento humano,
MUNDIAL, 1993, p. 13). mediante la flexibilización laboral o la ter-
cerización; circulación de los consumidores
Por otra parte, con la planificación nor- entre prestadores, mediante la entrega de
mativa se requería que el consumidor diera subsidios a la demanda.
espera a la satisfacción de sus deseos, su También se requería la circulación de la
gratificación y con esto asegurara la eficacia información. La información inmediata se
obtiene, sale de circulación. Los clientes se cuantificar las tecnologías y su uso, como el
hacen responsables de cuidar su salud, de número, ocupación y el giro de camas, o el
hacer buen uso de los servicios que contra- número de quirófanos y procedimientos reali-
tan, pues cuando se comportan mal, y no zados; el número de trabajadores, de médicos,
tienen unos hábitos de vida saludable o con- especialistas, enfermeras; cuantificar sus inte-
sumen servicios que no necesitan, salen del reses, motivaciones, etcétera. Estos fenómenos
sistema o enferman y mueren. Todos deben al ser clasificados en normales y anormales, in-
rendir cuentas de sus responsabilidades. sertándolos en probabilidades, pueden ser ges-
Además de salir de circulación, la auto- tionados por el management a nivel del sistema
rresponsabilidad requiere subordinar los in- y a nivel hospitalario.
tereses individuales a los de la colectividad, Finalmente, el cuarto elemento de estos
pues los actos irresponsables de los indivi- dispositivos de poder refiere a la eficiencia
duos pueden afectarla. No solo los indivi- de estos dispositivos de control, que radica
duos deben responder por los propios actos tanto en la autorresponsabilidad como en
que los afectan directamente sino también identificar y atacar sólo a los anormales. Esa
por los desequilibrios del sistema pues estos gestión de los fenómenos considera que en
se originan en los actos y disposiciones de los lo anormal se presentan horrendos peligros.
individuos. De esta forma, ya no se requiere Personas, cosas o situaciones que no se com-
un gran aparato burocrático para controlar portan normalmente, son intervenidos. Ya
a todos haciendo hospitales eficaces, pues no es una vigilancia continua de todos en
quienes quieren continuar circulando deben todo momento. Se intervienen los fenóme-
autocontrolarse y así mantienen el equilibrio nos anormales, como por ejemplo, los hospi-
de los hospitales. tales o servicios con una productividad por
Para que el management, o los trabajadores, debajo de lo normal, los gastos anormales
o los pacientes, o los recursos, o las disposicio- prenden las alarmas del gestor del servicio,
nes lleguen al equilibrio deben normalizarse. un número fuera de lo normal de atenciones,
En estos documentos observamos una estrecha el no cumplimiento de metas que normal-
relación entre equilibrio y la media, la normal. mente se lograba. La información sobre lo
La circulación, la libertad y el azar que lleva normal y lo anormal es indispensable en la
a cuestas son domables mediante la normali- gestión del hospital modernizado.
zación. La normalización pasa por establecer Pero además de la normalización esta-
lo que se espera de un fenómeno bajo el lente dística, los discursos de la modernización
de la probabilidad. La distribución normal es hospitalaria proponen la comparación como
una distribución de probabilidades, que al lle- tecnología de gestión. La comparación
varla al plano cartesiano asume la imagen de con otros sirve de patrón sobre lo normal.
una campana, la campana de Gauss. Lo im- Tecnologías de gestión como el benchmarking
portante de la normalidad como dispositivo entre hospitales o rankings de mejores hos-
es que permite señalar lo que es normal y lo pitales en América Latina, entre otras, se
que es anormal. Lo normal sería aquello que basan en dispositivos sinópticos. Es decir, ya
se encuentra en el medio de una distribución no es el Estado o el planificador como gran
de probabilidad y lo anormal aquello que se hermano vigilando desde un panóptico a
encuentra en los extremos. todos, sino donde los controlados, hospitales
Para identificar lo normal y lo anormal estos públicos y trabajadores, se dedican a obser-
discursos hacen un uso extensivo de la pro- var a unos pocos, como señala Bauman (2002),
babilidad estadística: cuantificar los recursos a los que están en la cima de los rankings, a
financieros, cómo se comporta el flujo finan- los hospitales o trabajadores exitosos. La
ciero de un hospital, sus gastos, sus ingresos; obediencia al estándar se da no por coerción
Referências
BAUDRILLARD, J. Crítica de la economía política del ______. Vigilar y castigar: nacimiento de la prisión.
signo. México, D. F.: Siglo XXI, 1974. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2002.
BAUMAN, Z. Modernidad líquida. Buenos Aires: FCE, ______. Seguridad, territorio, población: curso en el
2002. College de France: 1977-1978. Buenos Aires: Fondo de
Cultura Económica, 2006.
BANCO MUNDIAL. Informe sobre el desarrollo
mundial, invertir en salud. Washington, D.C.: Banco GARZA-TOLEDO, E. La formación socioeconómica
Mundial, 1993. neoliberal: debates teóricos acerca de la
reestructuración de la producción y evidencia empírica
DENZIN, L.; LINCOLN, Y. Handbook of qualitative para América Latina. México, D. F.: Plaza y Valdés,
research. London: Sage, 2000. 2001.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasilia: HILLEBOE, H.; BARKHUUS, A.; THOMAS, W.
Universidade de Brasilia, 2001. Métodos de planificación sanitaria nacional. Ginebra:
Organización Mundial de la Salud, 1973.
LONDOÑO, J. L.; FRENK, J. Pluralismo estructurado: América Latina. Salud Colectiva, Lanús, v. 1, n. 3, p.
hacia un modelo innovador para la reforma a los 323-335, 2005.
sistemas de salud en América Latina. Washington, D.
C.: BID, 1997. (Documento de Trabajo, 335). VIANNA, C. M. M. Estruturas do sistema de saúde:
do complexo médico-industrial ao médico-financeiro.
MINTZBERG, H. Diseño de organizaciones eficientes. Physis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 375-390, 2002.
Buenos Aires: El Ateneo, 1991.
ZIZEK, S. Introducción: el espectro de la ideología. In:
ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD ______. (Ed.). Ideología un mapa de la cuestión. Buenos
(OPS). La transformación de la gestión de hospitales en Aires: Fondo de Cultura Económica, 2003.
América Latina y el Caribe. Washington, D. C.: OPS,
2001.
Recebido para publicação em setembro de 2014
Versão final em outubro de 2014
Conflito de interesses: inexistente
SENNET, R. La nueva cultura del capitalismo.
Suporte financeiro: Se obtuvo financiamiento a través de la Beca
Barcelona: Anagrama, 2008. del Concejo Nacional de Ciencia y Tecnología (Conacyt) para
el desarrollo del doctorado en Ciencias en Salud Colectiva en la
UAM Xochimilco 2010-2013
SPINELLI, H.; TESTA, M. Del diagrama de Venn
al nudo Borromeo recorrido de la planificación en
PALABRAS CLAVE Derecho a la salud; Política de salud; Sistemas de salud; América Latina.
ABSTRACT This text uses the perspective of the contradiction between capital accumulation and
legitimation of the social order to examine Latin American health systems. Analyzes, on one
hand, the new areas and strategies of accumulation in health under neoliberal globalization and,
on the other, the recovery of health as a public domain to assure the universal right to health by
progressive governments. It observes how the guarantee of this right has turned it into a field of
political struggle where private economic agents and progressive governments clash and how
the neoliberal offensive has appropriated ideologically the progressive discourse but changing its
content.
1 Doctora en Sociología.
laurell9998@gmail.com
DOI: 10.5935/0103-1104.20140088 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 853-871, OUT-DEZ 2014
854 LAURELL, A. C.
sobrepuestas. Primero se restringen los re- explícitos y costeados, y los servicios exclui-
cursos de las instituciones públicas como dos son pagados por el ‘consumidor’ o pa-
parte del ajuste fiscal lo que lleva a su des- ciente. En este esquema el prestador recibe
financiamiento y deterioro. Este recorte su pago por los servicios prestados y/o por
suele acompañarse de la reducción de los el número de personas bajo su atención. Eso
servicios prestados y de la introducción es, se trasfieren los recursos financieros con
de pagos. Al mismo tiempo se establecen base en la demanda y se retira el ‘subsidio
programas verticales focalizados para los a la oferta’, entendido como el presupuesto
comprobadamente pobres y se redefine la público histórico. Por su parte el adminis-
atención médica como un ‘bien privado’ de trador/comprador de servicios, privado o
mercado cuyo costo debe ser pagado por el público, requiere saber qué padecimientos/
usuario-consumidor (BANCO MUNDIAL, 1994). intervenciones está obligado a pagar y bajo
Con esta política se desgasta el tejido qué protocolo de atención para poder calcu-
público en varios dimensiones. Lo más lar sus costos y ganancias. De allí la impor-
visible es su deterioro físico por falta de tancia de los paquetes de servicios, explícitos
mantenimiento de todo tipo y de sustitución y costeados.
de equipo junto con el desabasto de insumos Este método establece intereses contra-
médicos y medicamentos. Sobreviene dictorios entre el administrador de fondos
además la desmoralización institucional y el prestador de servicios ya que disputan
causado por la desvalorización del trabajo el excedente. El tercero en discordia es el
– disminución salarial, su creciente regla- ‘paciente-consumidor-cliente’ dado que una
mentación con medición cuantitativa del manera de generar el excedente es propor-
desempeño, creciente imposibilidad de una cionarle menos servicios que los necesarios
práctica profesional estimulante, etcétera – y acordados en el contrato de compra-venta
y la creciente brecha entre los prósperos ge- (paquete explícito de servicios) o realizar in-
rentes y el empobrecido personal de salud. tervenciones innecesarias para cobrar más.
A ello se añade, en no pocos casos, prácticas Los intereses contradictorios entre estas tres
corruptas en la cúspide que se filtran en todo partes es el fondo de la dificultad estatal de
el espacio institucional. regular los servicios así como la judicializa-
La segunda etapa, propiamente de cambio ción de la atención (TORRES, 2008).
estructural, se justifica ideológicamente Estas estrategias no se dan sólo cuando
por el deterioro de lo público. Su premisa, los actores tienen un interés directo de lucro.
nunca comprobada, es que la competencia El ‘pago a la demanda’ introducido con la
de mercado en salud mejoraría la calidad Nueva Gerencia Pública2 ha demostrado 2 La Nueva Gerencia
de los servicios y la eficiencia (FUNSALUD, 1994). tener los mismos efectos nocivos para los pa- Pública (GUERRERO,
2009), inspirada en la
La maniobra clave es separar las funciones cientes como muestra por ejemplo el caso de teoría de la elección
de regulación y seguridad sanitaria de la Suecia (DAHLGREN, 2014). Es así porque en este racional, pretende
hacer más eficiente la
administración de fondos/compra de servi- esquema el financiamiento público para los administración pública. Se
cios y de la prestación de los mismos. Es la establecimientos públicos se da únicamente distinguen dos vertientes:
la franca privatización
condición necesaria para la mercantilización en función de la demanda atendida hecho de los bienes y servicios
ya que abre los espacios de mercado donde que los obliga a actuar como empresas pri- públicos o la implantación
en las instituciones
compiten los agentes económicos, privados vadas so pena de quedar sin financiamiento públicas de mecanismos
y públicos. (ZAREMBAS, 2013). Particularmente el sistema de de manejo y control
de la administración
La transferencia de los fondos de salud a los Grupos Relacionados por el Diagnóstico privada, o sea, su
una instancia administradora se ha perpetra- (GRD) ha provocado la manipulación de ‘empresarialización’. No
hay evidencias unívocas
do de distintas maneras y está acompañada diagnósticos (HIMMELSTEIN; ARIELY; WOOLHANDLER, de que haya cumplido su
por la definición de paquetes de servicios, 2014). cometido.
el sistema público desde abajo hacia arriba con 600 Centros Integrales de Diagnóstico,
con alguna modalidad de Atención Primaria 21 Centros de Alta Tecnología y 545 Salas
en Salud Renovada o Medicina Familiar, in- de Rehabilitación Integral (Venezuela, 2010).
tegrando redes de servicios para el acceso Ecuador está haciendo un esfuerzo grande
a servicios de la complejidad requerida de fortalecimiento de la infraestructura
(ALVARADO et al., 2008) e incorporando enfoques pública con la creación de 132 unidades de
de interculturalidad y género. salud y la remodelación y/o equipamiento de
La ampliación del acceso ha sido notable. más de 500 sólo en 2010 (ISAGS, 2012).
En Brasil la cobertura pasó de 30 a 190 mi- Para que la nueva infraestructura y el
llones de personas con el SUS y un 98% de nuevo modelo de atención puedan operar se
la población accedió a los servicios al bus- requiere de personal suficiente y competente
carlos (BRASIL, 2006). En Venezuela la Misión y se han desarrollado varias estrategias para
Barrio Adentro (MBA), operado bajo un lograrlo. La velocidad de construcción de la
convenio con Cuba (OPS, 2006), amplió la MBA hubiera sido imposible sin los interna-
cobertura y acceso a 17 millones de perso- cionalistas cubanos con disposición de tra-
nas (57% de la población) que carecían de bajar en las zonas urbanas y rurales pobres.
ellos (ARMADA et al., 2009). Esto significa que Igualmente, Bolivia recibió unos 1,900 tra-
toda la población tiene acceso gratuito a bajadores de la salud cubanos (TEJERINA, 2014)
los servicios de salud sean estos del MBA, para apoyar el sistema público. Brasil optó
del sistema convencional o de la seguridad por una estrategia semejante en 2013 con el
social. Ecuador ha eliminado la barrera eco- Programa Mais Médicos para garantizar la
nómica al acceso con la gratuidad de ser- atención en zonas alejadas.
vicios y medicamentos (ISAGS, 2012, p. 462). En Para sustentar nacionalmente su sistema
Uruguay los principales favorecidos son la público, Venezuela han graduado 17,000
población rural que anteriormente carecía médicos integrales comunitarios y de ellos
de servicios (BORGIA et al., 2012). miles están haciendo residencias médicas
El éxito de ampliación del acceso des- para cubrir áreas deficitarias de especia-
cansa sobre varios pilares. La primera es listas o posgrados para conducir la salud
la adopción de modelos de atención inte- poblacional (VENEZUELA, 2014a). Bolivia ha
grales basadas en la educación, promoción, mandando a 5,000 jóvenes a la Escuela
prevención, detección oportuna, atención Latinoamericana de Medicina en Cuba
continuada y rehabilitación. La organización (TEJERINA, 2014) y establecido la residencia
institucional que lo permite es la territoria- médica en salud familiar, comunitaria e in-
lización, el seguimiento en el hogar y la cer- tercultural (ISAGS, 2012).
canía al centro de primer contacto. Con este Adicionalmente se han tomado medidas
arreglo institucional se logra una acción co- para abastecer de productos farmacéuticos
herente de salud pública que es incompatible a los servicios de salud. Muchos de estos
con un sistema de competencia de mercado. países tienen legislación sobre el uso de ge-
Un segundo aspecto es la veloz amplia- néricos y la gratuidad de los medicamentos.
ción y fortalecimiento de la infraestructura Se ha incrementado la producción nacional
de salud. El SUS brasileño, con una escasa de medicamentos y vacunas creando meca-
infraestructura pública inicial, tiene ahora nismos de intercambio comercial favorable
64 mil unidades de atención primaria y y de apoyo científico-técnico. Brasil ha des-
5,900 hospitales acreditados (BRASIL, 2012). El empeñado un papel central pero también se
MBA contaba en 2009 con 6,708 consulto- han desarrollado actividades en la Alianza
rios populares y ha incrementado la com- Bolivariana para los Pueblos de Nuestra
plejidad de la atención (ARMADA et al., 2009) América (Alba) (ISAGS, 2012). Al respecto es
notable la acción internacional de Brasil y además la base del nuevo proyecto de desa-
de Universidad Autónoma del Sur (Unasur) rrollo, el Plan de la Patria.
en la lucha contra las patentes en el marco Los movimientos sociales, sustento de
del Agreement on Trade-Related Aspects Evo Morales, participan activamente en la
of Intellectual Property Rights (Trips) y la formulación de la política de salud y en su
Declaración de Doha. Este tipo de posiciona- defensa a nivel nacional, departamental y
miento será muy importante si se concrete el municipal. En Ecuador el gobierno se apoya,
Trade in Services Agreement entre la Unión de la misma manera, en la movilización y
Europea, los EUA y la Alianza del Pacífico participación social para llevar adelante sus
que incluiría a los servicios y seguros de compromisos.
salud. También hay signos que habrá una La participación y control social en estos
contestación fuerte a la extensión de la CUS países no son casuales. Sus gobiernos han
en su forma de aseguramiento (CEBES, 2014). surgido de las movilizaciones de las clases
En el terreno de la participación popular subalternas que les exigen nuevas formas
y el control social en salud los gobiernos de hacer política donde la participación
progresistas tienen políticas muy activas e popular, el control social y la democracia
institucionalizadas. Brasil destaca por su directa son inherentes a los procesos de
estructura institucional de consejos de salud cambio.
en los tres niveles de gobierno, de composi- Un indicador de la decisión política de
ción bipartita entre organizaciones de usua- impulsar la política de salud son los recur-
rios, por un lado, y autoridades, prestadores sos fiscales que la respaldan. Este indicador
de servicios y trabajadores del sector por el es problemático de medir comparativamen-
otro, lo que ha resultado en unos 6,000 con- te entre países y a lo largo del tiempo. La
sejos (LABRA; GIOVANELA, 2007). Aunque el grado medida más utilizada es el gasto público en
de participación sea variable y la propia salud como porcentaje del PIB pero a veces
institucionalización pueda tener inconve- no incluye todo el gasto (CURCIO, 2010). En la
nientes, los consejos tienen una injerencia tabla 1 se observa que los únicos países en
directa e importante en el control social América Latina que reportan un incremento
sobre los servicios. por encima de 30% del gasto público como
En Venezuela, los cerca de 9,000 Comités porcentaje del PIB en el período 2000-2011
de Salud han jugado un papel decisivo en son Brasil con 40%, Costa Rica con 37% y
la planeación, contenido e instrumentación Ecuador con 122%. Otra medida indicativa
de la MBA (LEÓN, 2012) y tuvieron un nuevo es el incremento per cápita del gasto público
impulso en 2014. Han promovido la inclu- en salud expresado en US$ al tipo de cambio
sión de elementos poco comunes como las promedio. Con esta medida los gobiernos
Salas de Rehabilitación Integral que facilitan progresistas tienden a tener incrementos
la integración social y devuelve la dignidad más altos que los gobiernos neoliberales.
a los discapacitados. El Poder Popular es
Tabla 1. Gasto público de salud - países de América Latina, porcentaje del PIB, 2002 y 2011, y per cápita, 2002 y 2013
Fuentes: Cálculos propios con datos de World Health Statistics (2014a) y World Health Statistics (2014b)
1 En US dólares a tasa promedia de cambio
2 Incluyendo todas las fuentes de financiamiento público fue 6.0 (CURCIO, 2010)
presente en todos los sistemas de salud. El media de los países grandes de desarrollo
nuevo ciclo de acumulación, resultado de medio alto como Brasil y México donde las
la crisis de productividad, requiere de la enfermedades crónicas les representa un
innovación tecnológica que también se da mercado emergente con una regulación de-
en salud. Esta innovación cumple un doble ficiente (PRICEWATERHOUSECOOPER, 2007, p. 4).
papel porque la nueva tecnología médica es a Otra estrategia productiva es lanzar masi-
la vez un producto para el mercado y la justi- vamente medicamentos con efectos incier-
ficación para incrementar innecesariamente tos en situaciones de emergencia. Tal es el
el costo de los servicios. caso del inhibidor de neuraminidasa en la
La industria farmacéutica-biotecnológica epidemia de Influenza A/H1N1 cuyo costo
crece y representa por encima del 11% del fue miles de millones de dólares para los go-
producto bruto global. Impulsa un agresi- biernos. Una revisión sistemática (JEFFERSON,
vo desarrollo de sus productos aunque no 2009) posterior demostró que tiene efectos
añadan ventajas médicas (WAITSKIN, 2011, p. 25-26). dudosos. Descubrió además una escanda-
Por ello muchos países han establecido ins- losa manipulación de la información que
tituciones de evaluación tecnológica con el llevó el British Medical Journal a lanzar una
fin de excluir del pago con recursos públicos campaña para tener acceso a las bases de
a nuevos productos sin ventajas comproba- datos completos en poder de Roche (PAYNE,
dos, cuestión retomada por la OMS en su 2012). La aplicación de la vacuna contra el
resolución WHA60.29. Hay una tendencia mismo padecimiento, liberando a las far-
semejante en América Latina pero requiere macéuticas de toda responsabilidad de las
de una institucionalidad compleja y abso- reacciones adversas, ha resultado en casos
luta transparencia en los procedimientos. de narcolepsia en niños en 12 países.
La Gran Pharma4 reconoce esta tendencia Más inescrupulosa aún es la vacunación
como un problema estructural que le obliga masiva en el mundo contra 4 a 6 cepas del
a encontrar nuevas estrategias comerciales y Virus de Papiloma Humano (VPH) que
productivas (PRICEWATERHOUSECOOPER, 2007). también ha redituado miles de millones de
La estrategia más conocida es el manejo dólares en ganancias. Ejemplifica todas las
de las patentes con respaldo en los Trips tácticas antiéticas de las empresas farmacéu-
de la OMC. La lucha contra los precios mo- ticas que van desde la mentira sobre su pro-
nopólicos de los medicamentos y las mani- tección contra el cáncer cérvicouterino, la
pulaciones para prolongar las patentes son colusión con el regulador (el Food and Drug
un terreno donde varios países de América Administration), la información sesgada para
Latina, destacadamente Brasil, han enfrenta- el consentimiento informado, hasta un cabil-
do a la industria con cierto éxito, por ejemplo deo dudoso con parlamentarios y gobiernos
en la Declaración de Doha sobre la salud (HPV INDUSTRY TIMELINE, 2011).
pública (WTO, 2001). El sobreprecio monopóli- Una tercera estrategia de la industria
co se aprecia en que el precio del tratamiento (PRICEWATERHOUSECOOPER, 2007) es apostar a la
con el antiretroviral combinado para el VIH/ llamada ‘medicina personalizada’ que se
Sida cayó de 11,000 a 295 dólares al año al basa en el análisis del perfil genético del in-
romper Brasil y la India la patente. dividuo. Es un área en rápida expansión con
El uso off-label de medicamentos es un es- posibilidades de nuevas patentes y ganan-
trategia comercial fraudulenta que promue- cias. Las principales críticas son que tiene
ve aplicaciones no autorizado de éstos y que una visión monocausal genética e involucra 4Big Pharma es la
ha redituado miles de millones de dólares problemas éticos como la confidencialidad, denominación de las 10-12
empresas farmacéuticas
(KESSELHEIM et al., 2011). Otra estrategia es buscar la privacidad y los derechos de los pacientes más importantes del
nuevos ‘nichos de oportunidad’ en la clase (PERSONALIZED MEDICINE COALITION, 2014). mundo.
Referências
ALVARADO, C. et al. Cambio social y política de salud BRASIL. Ministerio da Saúde. Painel de Indicadores do
en Venezuela. Medicina Social, Montevideo, v. 3, n. 2, p. SUS. 2006. Disponible en: <http://portal.saude.gov.br/
95-109, 2008. portal/arquivos/pdf/painel_%20indicadores_do_SUS.
pdf>. Acceso en: 7 feb. 2013.
ALPONTE, C. El gasto público social: 1999-2009.
Cuadernos del CENDES, New York, v. 27, n. 73, p. 31-70, ______. Ministerio da Saúde. 2012. Disponible en:
2010. <http://www.brasil.gov.br/sobre/salud/atendimento/
que-es-sus-1/br_model1?set_language=es>. Acceso en:
ARDÓN, N. et al. Voces críticas desde la academia sobre 7 feb. 2013.
la emergencia social en salud. Bogotá: Universidad
Nacional de Colombia, 2010. CENTRO BRASILEIRO DE SISTEMA DE SAÚDE
(CEBES). Por que defender o Sistema Único de Saúde?
ARMADA, F. et al. Barrio Adentro and reduction of Rio de Janeiro: CEBES, 2014.
health inequalities in Venezuela: an appraisal of the
first three years. Int J Health Services, Amityville, v. 39, COHN, A. Questionando conceitos: o público e o
n. 1, p. 161–187, 2009. privado na saúde no século 21. In: SANTOS, N. R.;
AMARANTE, P. D. C. (Org.). Gestão pública e relação
BANCO MUNDIAL. Invertir en Salud. Washington, D. público-privado na saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2010.
C.: Banco Mundial, 1993. p. 244-251.
BORGIA, F. et al. De la invisibilidad de la situación de ______. Entre sair da pobreza e ingressar na cidadania.
las policlínicas comunitarias-rurales en Uruguay, a la Nova Classe Média, Utopia de um futuro fugaz? In:
priorización de la salud rural como política pública. Saúde BARTELT, D.D. (Org.). A “Nova Classe Média” no
em Debate, Rio de Janeiro, v. 36, n. 94, p. 421-435, 2012. Brasil como Conceito e Projeto Político. Rio de Janeiro:
Fundação Heinrich Böll, 2013, p. 106-114.
COLIN, L.; PLAYER, S. The plot against the NHS. (Coord.). La medicina social en México II. Ed. Eón.,
London: Merlin Press, 2011. México DF, 2010, p. 163 -175.
DAHLGREN, G. Why public health services? Int J HPV INDUSTRY TIMELINE. 2011. Disponible en:
Health Services, Amityville, v. 44, n. 3, p. 507-524, 2014. <http://sanevax.org/>. Acceso en: 15 sep. 2014.
OCKÉ-REIS, C. O. SUS: o desafio de ser único. Río de SALM, C.; BAHIA, L. Tênis, bermuda, fone no ouvido...
Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012. Vai saúde e educação também? In: BARTELT, D. D.
(Org). A “Nova Classe Média” no Brasil como Conceito
ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD (OMS). e Projeto Político. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich
Evaluación de tecnologías sanitarias aplicada a los Böll, 2013. p. 115-123.
dispositivos médicos. Ginebra: WHO, 2012.
SISMONDO, S. Pharmaceutical company funding
ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD and its consequences: a qualitative systematic review.
(OPS). Barrio Adentro: derecho a la salud e inclusión Contemporary Clinical Trials, New York, v. 29, n. 2,
social en Venezuela. Carácas: OPS, 2006. p.109-113, 2008.
ORTIZ, L.; PÉREZ, D. Chile and Costa Rica: different TEJERINA, H. Mapeo de APS en Bolivia. Rio de
roads to universal health in Latin America, 2014. Janeiro: ISAGS, 2014.
TETELBOIN, C. La transformación Neoliberal del WAITSKIN, H. Medicine and public health at the end of
Sistema de Salud: Chile, 1973-1990. México, DF: UAM, empire. London: Paradigm Publishers, 2011.
2003.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). World
TORRES, M. Modelo de salud colombiano: exportable, Health Statistics. Ginebra: WHO, 2014.
en función de los intereses de mercado. Saúde em
Debate, Rio de Janeiro, v. 32, n. 78/79/80, p. 207-219, ______. WHO Global Health Observatory Data
2008. Repository. Disponible en: <http://apps.who.int/gho/
data/node.country.regionAMR?lang=en>. Acceso en: 15
VENEZUELA. Ministerio del Poder Popular para la ago. 2014.
Salud. Anuario Estadístico 2009. Carácas: Ministerio
del Poder Popular para la Salud, 2010. WORLD TRADE ORGANIZATION (WTO).
Declaración relativa al acuerdo sobre los ADPIC y la
______. Ministerio del Poder Popular para la Salud. salud pública. Ginebra: WTO, 2001.
Plan Nacional de Salud 2014-2019. Documento para el
debate público Carácas: Ministerio del Poder Popular ZAREMBAS, M. Patientens pris: ett reportage om
para la Salud. 2014a. Disponible en <www.mpps.gob. den svenska sjukvården och marknaden. Estocolmo:
ve/images/stories/pdf/salud2014.pdf>. Acceso en: 16 Wylers förlag, 2013.
sept. 2014.
Catalina Eibenschutz1, Alexandro Saco Valdivia2, Silvia Tamez González3, Xareni Zafra Gatica4,
Raquel Maria Ramírez Villegas5
RESUMEN El proceso de reforma sanitaria que el Estado peruano emprendió entre 1993
y 2013 ha privilegiado el aspecto financiero respecto a los temas de salud y se ha enfocado
fundamentalmente a contener costos, restringir la calidad y el acceso a los servicios. La respuesta
del movimiento sanitario que encabeza el Foro de la Sociedad Civil en Salud (Forosalud)
frente a estas políticas y lo que esta experiencia puede significar para los movimientos sociales
emprendidos en América Latina es motivo de nuestro análisis. El propósito del estudio es
analizar los alcances de la participación social en oposición a las reformas contemporáneas de
1 M. en C. Profesora
titular del Departamento los sistemas de salud en Perú.
de Atención a la Salud,
CBS, UAM-Xochimilco.
Profesora distinguida de PALABRAS CLAVE Reforma de la atención de salud; Movimiento social; Derecho a la salud;
la UAM.
Perú.
ceibenschutz@yahoo.com.mx
2 Representante de la
ABSTRACT The sanitary reform process undertaken by the Peruvian government (1993-2013)
sociedad civil (2012
- 2013) en el proceso has favored the financial aspect over the health issues and has focused primarily on constraining
de elaboración de
the costs. This has lead to a restriction in the quality and access to the services. It is important
lineamientos de reforma
sanitaria en Perú. to analyze the Peruvian case especially the health movement led by Foro de la Sociedad Civil en
Coordinador Nacional de
Salud (Forosalud) and what this experience can mean for social movements undertaken in our
Forosalud.
alexandro09538@gmail.com Latin American continent. In this study the purpose is to analyze the extent of social participation
3 M. en C. Profesora titular
as opposed to contemporary reforms of health systems in Peru.
del Departamento de
Atención a la Salud, CBS,
KEYWORDS Health care reform; Social movement; Right to health; Peru.
UAM-Xochimilco.
stamez2@yahoo.com
4 Lic. Ayudante de
Investigación del
Departamento de Atención
a la Salud, CBS, UAM-X.
xarenizafra@gmail.com
5 Dra. en C. Profesora
titular del Departamento
de Atención a la Salud,
CBS, UAM-Xochimilco.
raqueluamxoc@gmail.com
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 872-885, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140077
Reflexiones sobre el proceso de reforma sanitaria (1993-2013) y participación social en Perú 873
y a la protección social1: en Invertir en Salud, social para todos. Así, el principal objeti-
texto publicado en 1993, reconoció que el vo consiste en legitimar el ‘nuevo orden
Estado debía tener un papel importante en social’, o sea, “la profunda reorganización
la implementación de reformas administra- de la sociedad sobre la base del proyecto
tivas para conducir al “buen gobierno” y la neoliberal” (LAURELL, 2010, p. 80).
gobernabilidad2, de modo que la brecha de la Con los lineamientos del BM la discu-
pobreza se estrechara (LAURELL; HERRERA, 2009, p. 2). sión de la política en salud se desplazó
Al inicio del siglo XXI se manifestaron estratégicamente a los temas de finan-
“los efectos negativos de la reforma social ciamiento y particularmente al llamado
conducente al Estado Mínimo, con una ‘aseguramiento universal’, pues con la
rápida redistribución regresiva del ingreso justificación de extender la afiliación a
y un alarmante crecimiento de la pobreza” toda la población, el BM recomendó a los
(LAURELL, 2010, p. 79). gobiernos aceptar dentro de su esquema
En una segunda reforma a la política de salud la protección privada a través
de salud el BM y el Banco Interamericano del mercado de seguros que se articula
(HOLZMANN; JORGENSEN, 1999; HOLZMANN; SHERBURNE con mecanismos públicos, con lo cual
BENZ; TESLIUC, 2003),modificaron la estrategia la atención a la salud se comercializa y
de protección social mediante el concepto abre como mercado para los intereses
de Manejo Social del Riesgo (MSR). De esta privados (LÓPEZ ARELLANO et al., 2013). Por
manera cambiaron la noción de ‘pobreza’ otro lado, esta nueva política sanitaria
por la de ‘vulnerabilidad’. La premisa para desaparece el derecho a la salud como
adoptar estos términos es que todas las garantía de los ciudadanos y responsa-
1 Elconcepto tradicional de personas, hogares y comunidades son vul- bilidad estatal, pues el papel del Estado
protección social refiere
a las medidas del sector nerables a distintas modalidades de riesgo, sólo se limita a las
público para proveer tanto naturales (terremotos, inundaciones
seguridad de ingresos a
las personas. (LAURELL; y enfermedades) como sociales (desempleo, funciones de regulación, a la constitución de
HERRERA, 2009, p. 2). guerras, deterioro ambiental). Para evitar un fondo público que posibilite la compra de
2 La gobernabilidad tiene el riesgo y la vulnerabilidad propusieron servicios al sector privado y la prestación pro-
una relación estrecha brindar instrumentos que contribuyan a pia para la población más pobre a través de
con el ‘buen gobierno’,
y se entiende como el evitar que la población caiga debajo de cierto paquetes limitados. (LÓPEZ ARELLANO et al., 2013,
gobierno que es capaz de umbral de pobreza o se vuelva incapaz de p. 265).
buscar soluciones políticas,
consensuadas y efectivas salir de ella (LAURELL, 2010).
entre la población. Con esta segunda reforma, el con- En la formulación del BM, el asegura-
3 “Losgastos catastróficos cepto de protección social, originado en miento universal se entiende como algo
por motivos de salud el contexto de los derechos humanos, mixto, privado y público, y se ubica gene-
ocurren cuando los gastos
de bolsillo en salud de un quedó anulado. Así fue posible cambiar ralmente dentro de la noción de ‘protección
hogar representan 40% el modelo de protección social y abando- social’ (LAURELL, 2010, p. 80). Según el BM, al
o más de su capacidad
de pago. El nivel de 40% nar la lucha contra la pobreza. Además, incluir múltiples prestadores, el asegura-
puede ser modificado esta nueva estrategia menoscaba el valor miento promueve la calidad y la reducción
según la situación.
específica de cada país.” de la salud como derecho y sólo se ocupa de costos mediante la competencia entre
(XU, 2005, p. 5). del aspecto financiero, donde cuentan ellos, supuesto que hasta el momento no se
4 La cobertura universal los gastos catastróficos 3, concepción que ha visto confirmado.
significa que todas las merma cualquier preocupación por la El BM recomienda a las compañías de
personas tienen acceso a
la atención adecuada de capacidad real de los sistemas de salud seguros que presenten su oferta de servicios
promoción, prevención, y deja de lado los planteamientos que de salud con paquetes de intervenciones de-
rehabilitación y cura.
(LAURELL; HERRERA, abogaban por la cobertura universal 4, el terminadas, estableciendo copagos, coasegu-
2009, p. 4). servicio público y gratuito, y la seguridad ros y cuotas proporcionales a la prestación
que brinden. De tal forma se genera una ten- Perú con especial atención en las caracterís-
dencia a la privatización y se promueve la ticas del proceso de la Reforma (1993-2013) y
mercantilización de la atención a la salud. Lo la participación del Forosalud.
que da como resultado un modelo fundado
en la injusticia social, al condicionar la aten-
ción a la cobertura particularizada de los Proceso de reforma
costos económicos. sanitaria en Perú
La política que el BM definió en el
sector salud impulsó a varios países de A partir del siglo XXI el desarrollo econó-
Latinoamérica, entre ellos Perú, a hacer mico de Perú experimentó un gran avance.
reformas sanitarias que se caracterizan (BUSTAMANTE; YGLESIAS, 2013), como lo demuestra
por ‘crear’ un Sistema Nacional de Salud la siguiente gráfica (gráfico 1). Sin embargo,
que implica varios tipos de financiamien- el gasto en salud aún sigue siendo menor que
to y la atención diferenciada a varios el avance del PIB y bajo, en comparación con
sectores de la población, con una fuerte otros países del mundo. En 2011 Perú destina-
intervención de las empresas de asegu- ba sólo 4.5% de su PBI al sector salud, mientras
radoras privadas, que definen rangos de que el promedio mundial era de 10.1% del PIB.
cobertura y subrogan el servicio público En cuanto al gasto per capita, Perú destinó 286
al privado. dólares mientras que el promedio en el mundo
A continuación se describe el proceso de era de 951.6 dólares (BANCO MUNDIAL, 2013).
2.500.000 7.000
6.000
2.000.000
5.000
1.500.000
4.000
US$
US$
3.000
1.000.000
2.000
500.000
1.000
0 0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
PIB (US$)
Estas mejoras económicas han generado (BUSTAMANTE; YGLESIAS, 2013). Sin embargo, hasta 2013,
expectativas en los peruanos sobre la atención la descentralización no había concluido ya que
a la salud. Han aumentado demandas y exigen- Lima Metropolitana, el ámbito de decisiones
cias, pero al no haber incremento de la infraes- más importante del País, no había entrado en este
tructura de la oferta, se produjo malestar y proceso de cambio, no asumió la conducción de
desconfianza en la población. En ese contexto la salud, no cuenta con una autoridad sanitaria
organizaciones y personas se organizaron alre- metropolitana y, por ende, los hospitales en la
dedor del Forosalud para incidir políticamente capital del País continúan a cargo del Ministerio,
por la garantía del derecho a la salud. mientras que paralelamente la Municipalidad,
con mecanismos de alianza público-privado, ha
creado una Red de Centros de Diagnósticos y
Sistema Nacional de Salud Atención Especializada (que además ahora brin-
Peruano dará servicios de ambulancias), cuyo nombre es
Sistema Metropolitano de Solidaridad (Sisol).
De acuerdo con la normatividad nacional del Este sistema tiene convenio con la Seguridad
Ministerio de Salud (Minsa), una ley creó Social (Essalud) y con el Seguro Integral de Salud
en Perú el Sistema Nacional Coordinado y (SIS) (BUSTAMANTE; YGLESIAS, 2013).
Descentralizado de Salud. La descentralización El Sistema Nacional de Salud del Perú
del sector salud ocurrió en 2004 y mediante (imagen 1) es un sistema segmentado y frag-
ésta se otorgó amplia autonomía a los gobier- mentado (similar a la mayoría de países de
nos regionales para tomar decisiones locales al América Latina), que se divide en dos secto-
margen de una dirección y estrategia nacional res, el público y el privado.
Sistema de
salud de Perú
Público Privado
Contribución Cooperación
Gobierno Hogares gubernamenta Gobierno Hogares Empleadores no gubernamental
Institutos especializados,
hospitales y establecimientos de Hospitales,
Hospitales, centros médicos institutos especializados, Hospitales, clínicas,
primer nivel de atención del de las Fuerzas Armadas consultorios y farmacias Prestadores sin fines de lucro
Minsa y las Direcciones policlínicos y puestos de salud
y Policiales de Essalud con fines de lucro
Regionales de Salud
Trabajadores del
Población pobre Militares y polícias sector formal Población con Población sin
y/o no asegurada y sus dependientes y sus dependientes capacidad de pago capacidad de pago
El sector público se divide en régimen y azucareras; así como el Sisol, que recibe
subsidiado o contributivo indirecto y 70% de sus ingresos de los usuarios en una
régimen contributivo directo. Este último es Asociación Pública Privada5 (APP). Como
el que corresponde a la seguridad social. El prestadores informales están los proveedores
gobierno ofrece servicios de salud a la pobla- de medicina tradicional. El sector privado no
ción no asegurada a cambio del pago de una lucrativo, que es muy pequeño, está clásica-
cuota de recuperación de montos variables, mente representado por un conjunto variado
sujetos a la discrecionalidad de las organi- de asociaciones civiles sin fines de lucro. La
zaciones o a través del SIS. La prestación de mayor parte presta servicios de primer nivel
servicios tanto para el régimen subsidiado y frecuentemente recibe recursos financie-
de población abierta como para la población ros de cooperantes externos, donantes inter-
afiliada al SIS se realiza a través de la red nos, gobierno y hogares (ALCALDE RABANAL; LAZO
de establecimientos del Minsa, hospitales e GONZÁLEZ; NIGENDA, 2011).
institutos especializados que están ubicados El Minsa, cuenta con el SIS como asegu-
en las regiones y en la capital de la república rador público focalizado, mientras que la
(ALCALDE RABANAL; LAZO GONZÁLEZ; NIGENDA, 2011). sanidad de cada instituto armado (Marina de
El sistema de seguridad social en salud Guerra, Ejército y Fuerza Aérea) pertenecen
tiene dos subsistemas: el seguro social con al Ministerio de Defensa, y la sanidad de la
provisión tradicional (Essalud) y la provi- PNP depende del Ministerio del Interior.
sión privada (EPS). Essalud ofrece servicios El Seguro Social de Salud, Essalud, se en-
de salud a la población asalariada y sus fami- cuentra adscrito al Ministerio de Trabajo y
lias en sus propias instalaciones, pero desde Promoción del Empleo (BUSTAMANTE; YGLESIAS,
la promulgación de la Ley de Modernización 2013).
de la Seguridad Social en 1997, el sector
privado le ha vendido servicios personales a Reformas sanitarias (1993-2013)
Essalud a través de las Entidades Prestadoras
de Salud (EPS). Los militares, policías y sus La organización del Sistema Nacional de
familias tienen sus propios subsistemas de Salud de Perú y su política sanitaria res-
salud, las Sanidades de las Fuerzas Armadas ponden a un largo proceso de ajuste estruc-
(FFAA) y la de la Policía Nacional del Perú tural que se viene gestando desde el año de
(PNP). Hasta antes de la reforma, las FFAA y 1993, ya que luego de la guerra interna en
las PNP tenían cobertura integral; reciente- el Perú, el fujimorismo logró aprobar, en
mente incorporarán planes de seguro. Tanto un proceso hasta la fecha cuestionado por
los planes de Essalud y las EPS demuestran posible fraude, una constitución neoliberal,
la intervención del sector privado en el que es actualmente la base del ordenamiento
llamado sistema público del Perú, de forma jurídico del país. Sobre este ordenamiento
similar a otros países latinoamericanos. reposan los pilares que controlan, regulan y
En el sector privado se distinguen el definen los derechos y libertades de los pe-
privado lucrativo y el privado no lucrati- ruanos. En esa constitución, el derecho a la
vo. Forman parte del privado lucrativo las salud no se reconoce como tal; se expresa de
EPS, las aseguradoras privadas, las clínicas la siguiente manera:
5 La forma jurídica de
privadas especializadas y no especializa- asociación público-privada
das, los centros médicos y policlínicos, los Artículo 7. Todos tienen derecho a la protec- aparece en varios países
latinoamericanos como
consultorios médicos y odontológicos, los ción de su salud, la del medio familiar y la de
México, Chile, Colombia
laboratorios, los servicios de diagnóstico por la comunidad así como el deber de contribuir y otros, ha permitido la
entrada de capital privado
imágenes y los establecimientos de salud a su promoción y defensa. La persona inca-
en la producción de
de algunas empresas mineras, petroleras pacitada para velar por sí misma a causa de servicios.
social como responsabilidad pública estatal; 1. Universalidad. Los alcances del sistema
una nueva estrategia de desarrollo que pro- público son para todos por condición de
mueva la salud y el abordaje de los determi- ciudadanía; no de adscripción a un seguro.
nantes sociales; una nueva agenda sanitaria,
reforma participativa, democrática y des- 2. Integralidad. Todas las personas deben
centralizada con el concurso de la sociedad recibir toda la gama de atenciones necesa-
civil; un sistema universal de salud desde el rias para recuperar su salud
sistema público integrado, descentralizado
y participativo, basado en la igualdad en el 3. Solidaridad. Cada persona aporta en la
acceso y la calidad de los servicios. medida de sus posibilidades y recibe en la
La declaración de política y los diversos medida de sus necesidades.
documentos que Forosalud ha elaborado en
la actual disputa, constituyen un modelo to- Para Forosalud estos principios son la
talmente diferente a la propuesta de reforma única garantía para conducir al derecho a
del Estado peruano. Sus concepciones con la salud y son la base para emprender una
relación a la salud y el servicio médico son nueva reforma estructural del sistema de
distintas e incluso contrapuestas. salud del Perú.
Por principio, Forosalud defiende y sostiene En su discurso el Estado ha utilizado
que la salud es un derecho, es decir, que todos esos mismo principios, sin embargo ha
los ciudadanos deben de tener acceso a una reinterpretado la cobertura como afilia-
atención a la salud de calidad; derecho que no ción, la integralidad como ‘paquetes razo-
debe verse afectado por falta de recursos eco- nables’ de atención y la solidaridad como
nómicos. A partir de este argumento, plantea riesgo financiero. La diferencia entre las
que para el desarrollo de los sistemas de salud propuestas se muestra en la siguiente tabla
son imprescindibles tres premisas básicas: (imagen 2).
Se tergiversa la integralidad. La
Integralidad: Se debe acceder a todas las integralidad en la atención de salud es
atenciones necesarias que se requieran Cobertura prestacional: Que población única y total, pero el AUS la define como
para restablecer o mantener la salud. No cuente con acceso a un conjunto razonable paquetes básicos de atención no
planes diferenciados de seguros, paquetes de prestaciones de salud; no hay integrales. Los sistemas públicos SIS y
o similares. Plan único de salud en el SIS y integralidad. Essalud diferencian y discriminan entre
Essalud. peruanos, ya que uno exige demostración
de pobreza y otro planilla laboral.
salud del Estado peruano. Frente a lo cual las reformas neoliberales en la mayoría de
nos permitimos avanzar la hipótesis de que los gobiernos latinoamericanos.
son necesarios organismos de coordinación ¿Un reto para la Asociación
de todos los países de la región para conse- Latinoamericana de Medicina Social y Salud
guir que retrocedan algunos elementos de Colectiva (Alames)? s
Referências
ALCALDE RABANAL, J. E.; LAZO GONZÁLEZ O.; ______. Acerca de nosotros. Disponible en: <http://www.
NIGENDA, G. Sistema de salud de Perú. Salud Publica forosalud.org.pe/nosotros.html>. Acceso en: 1 ene.
de México, Morelos, v. 53, supl. 2, México, 2011. 2014.
BANCO MUNDIAL (BM). Datos: PIB per cápita (US$ HERNÁNDEZ, M. El derecho a la salud en Colombia:
a precios actuales). Disponible en: <http://datos. obstáculos estructurales para su realización. Rev. Salud
bancomundial.org/indicador/NY.GDP.PCAP.CD>. Pública, Bogotá, v. 2, n. 2, p. 121-141, 2000.
Acceso en: 10 dic. 2013.
HOLZMANN, R.; JORGENSEN, S. Social protection as
BUSTAMANTE, M.; YGLESIAS, A. Perú: social risk management: conceptual underpinnings for
Aseguramiento universal en salud. In: the social protection sector strategy. Washington, D.
ORGANIZACIÓN PANAMERICA DE SALUD (OPS). C.: Banco Mundial, 1999. (Documento de trabajo del SP
Cobertura Universal en Salud: lecciones internacionales 9904).
aprendidas y elementos para su consolidación en
México. OPS/OMS, México, 2013. p. 70-78. HOLZMANN, R.; SHERBURNE-BENZ, L.; TESLIUC,
E. Social risk management: the World Bank’s approach
EIBENSCHUTZ, C. Atención médica, neoliberalismo y to social protection in a globalizing world. Washington,
reforma sanitaria en México. In: MOLINA, R. (Coord.). D. C.: Banco Mundial, 2003.
La seguridad social: retos de hoy. Iztapalapa: UAM-I,
México, 2007. LAURELL, A. C.; HERRERA, J. Aseguramiento
universal en los sistemas de salud de América latina.
FRANCO, S. Entre los negocios y los derechos: lecciones Washington, D. C.: Organización Panamericana de
ético-políticas de 20 años de confrontación por la salud Salud, 2009.
en Colombia. Montevideo: ALAMES, 2012.
LAURELL, A. C. Revisando las políticas y discursos
FOROSALUD. Hacia una reforma sanitaria por el en salud en América Latina. Revista Medicina Social
derecho a la salud. Lima: Forosalud, 2005. [internet], Montevideo, v. 5, n. 1, 2010. Disponible
RESUMEN La crisis económica y los gobiernos conservadores en España han producido una
contrarreforma sanitaria con cambios del modelo sanitario, vinculando el derecho a la atención
sanitaria al aseguramiento privado, en la cartera de servicios, copagos generalizados, recortes
presupuestarios y privatizaciones, produciendo un deterioro del sistema sanitario y un
empeoramiento de la valoración de la población. Ha habido un aumento de las movilizaciones
sociales y profesionales, siendo la más conocida la ‘marea blanca’ de Madrid, pero también
en el resto del País. Han demostrado que cuando las movilizaciones son unitarias, masivas y
mantenidas, se puede conseguir paralizar los procesos privatizadores.
ABSTRACT The economic crisis and the conservative governments in Spain have led to a sanitary
counter reform, resulting in major changes in the health system, linking the right to healthcare
with private insurance, changes in the services portfolio, establishment of copayments, budget
cuts and privatizations, resulting in a deterioration in health system and a worsening in
people’s assessment. Social and professional mobilizations have taken place, being the ‘white
tide’ of Madrid the most well-known, although there have been mobilizations throughout the
country. The characteristics of these mobilizations are analyzed; they have shown that when
the mobilization is unitary, massive and persistent, it is possible to paralyze the privatization
process.
1 Portavoz de la Federación
de Asociaciones para la
Defensa de la Sanidad
Pública.
fadspu@gmail.com
2Vicepresidente de la
Asociación para la Defensa
de la Sanidad Pública de
Madrid.
nenevk@gmail.com
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 886-899, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140078
Movilizaciones sociales y profesionales en España frente a la contrarreforma sanitaria 887
de que la justificación del mismo fue un su- vez más que el Ministerio de Sanidad recorta
puesto exceso de gasto sanitario ‘insosteni- a los indefensos, pero no a los más poderosos.
ble’. No obstante, se han producido drásticos
recortes presupuestarios coincidiendo con Privatizaciones
su aplicación. El gasto sanitario público pasó
de 70.464 millones ¤ en 2009 (liquidación) a Paralelamente han continuado las privatiza-
67.626 millones en 2011 (liquidado) y en 2014 ciones de los servicios sanitarios públicos.
los presupuesto sanitarios públicos de las Privatizaciones que han sido distintas en
diferentes administraciones suman 57.632 intensidad según las CCAA: más intensas
millones ¤, es decir 12.832 millones ¤ menos en Cataluña, Madrid, Valencia, Baleares,
que el año 2009. Galicia, La Rioja y Castilla y León, pero que
Los resultados de estos recortes han sido han existido en menor medida en todas las
cierre de camas hospitalarias, reducciones autonomías.
de personal (55.000 trabajadores menos en Cinco hechos relevantes caracterizan este
la sanidad pública en España en 2014 res- proceso. El primero refiere a la utilización de
pecto a 2009), aumento de las demoras en una multitud de formulas concretas, como
atención primaria, incremento de las listas las concesiones administrativas, Iniciativas
de espera quirúrgicas y de consultas de es- de Financiación Privada (PFI), Entidades
pecialistas y pruebas diagnósticas, satura- de Base Asociativas (EBAs), conciertos, sub-
ciones en las urgencias con incremento de contrataciones, etc., sin que se haya produ-
las personas que esperan varios días para su cido ninguna evaluación de las mismas; el
ingreso, cierres de puntos de atención con- segundo es el sobrecoste que significa este
tinuada, de horarios de tarde en centros de proceso privatizador, (en torno a 6-8 veces
salud, de actividad de tarde en los hospitales, más de coste, y con sistemas de actualiza-
y un larguísimo etcétera. ciones automáticas de los mismos, lo que
los hace cada vez más gravosos); el tercero
Agencia de compras es la opacidad de todos los procesos y de los
datos de la actividad de los centros priva-
La puesta en funcionamiento de un sistema tizados; el cuarto es la inexistencia de evi-
centralizado de compras fue uno de los ‘ar- dencia que demuestre que la privatización
gumentos’ utilizados para el marketing del mejora la eficiencia del sistema sanitario
RDL, pero al final quedó recogido en el texto (ver el último Informe del grupo de exper-
oficial bajo la forma ‘Se fomentará la compra tos de la Comisión Europea, EXPH, 2014);
conjunta y centralizada’ (Adicional cuarta) finalmente, el quinto hecho refiere al gran
lo cual, como ya señalamos en su momento, rechazo social y profesional que se ha pro-
no garantizaba su aplicación. Por supuesto, ducido contra las privatizaciones, ralenti-
la compra centralizada del SNS permitiría zando el proceso privatizador y provocando
gozar de los beneficios de las economías la búsqueda de fórmulas menos visibles ante
de escala y ha sido una reivindicación de la la opinión pública (derivaciones de activida-
Federación de Asociaciones para la Defensa des concretas, implantación de ‘unidades de
de la Sanidad Pública (FADSP) desde hace gestión clínica’, etc.) (SÁNCHEZ BAYLE, 2013).
tiempo. Hasta ahora, tanto ruido se ha
quedado limitado a la compra conjunta de
vacunas por parte de algunas CCAA (lo que Algunos resultados
ya se había hecho antes del RDL) y poco más,
de manera que los supuestos ahorros se han Aunque, como ya se ha señalado, la opacidad
quedado en casi nada, demostrándose una es la norma y no se ha realizado ninguna
evaluación seria por parte del Ministerio de diagnósticas y en citas en atención primaria;
Sanidad, tenemos algunos datos que son re-
levantes y que merece la pena resaltar: La opinión de la ciudadanía sobre el SNS
ha empeorado de manera que ha bajado
El cambio de modelo sanitario ha tenido la puntuación que le dan los ciudadanos,
una repercusión muy negativa sobre la incrementándose el número de personas
salud del colectivo de inmigrantes no re- que piensa que ha empeorado la aten-
gularizados, produciendo algunas muertes ción primaria, la atención especializada y
y muchos casos de desatención y empeo- las listas de espera (datos del Barómetro
ramiento de la salud de miembros de este Sanitario de 2013). La sanidad ha pasado
colectivo. Aparte de las consideraciones a ser el 5º problema del País y el 4º que
humanitarias y de la posible vulneración más afecta personalmente a los ciudada-
de derechos humanos básicos, no se ha nos (11,7%) según la última encuesta del
logrado un ahorro significativo y sí se han Centro de Investigaciones Sciológicas
producido serios riesgos para la salud (CIS) de junio de 2014 (España 2014; CIS 2014).
de este colectivo en concreto y de toda la La última encuesta conocida (TOHARIA, 2014)
población; señala que el porcentaje de ciudadanos
que evalúan de forma positiva la contri-
Todavía están por verse las repercusiones bución que el funcionamiento del sistema
que tendrá alguna otra exclusión, como por sanitario (organización) hace al bienestar
ejemplo la de las personas con estancias público bajó del 73 al 49% desde julio de
superiores a 90 días en el extranjero. Sin 2013 a julio de 2014, mientras que en el
embargo, tampoco existe ningún mecanis- mismo periodo las evaluaciones positivas
mo en marcha para evaluar este fenómeno; sobre los médicos de la sanidad pública
pasaron del 92 al 85% (los segundos más
Las modificaciones en la cartera de servi- valorados en la encuesta), evidenciando
cios tiene un impacto económico irrelevan- que el suspenso se da a las administracio-
te y, en cambio, plantea serios problemas de nes sanitarias y sus políticas de recortes, y
discriminación por motivos ideológicos; no a los profesionales;
han intentado vertebrar, con éxito variable, La diversidad de Centros de Salud (CS),
la respuesta social y profesional. su dispersión y tamaño, son factores que in-
Una de las novedades de este conflicto ha fluyen y dificultan a la hora de que sus ac-
sido, con mucho, la amplia movilización de ciones y propuestas alcancen la repercusión
los profesionales sanitarios, especialmente mediática y el impacto en la población en la
de los médicos, inédita en la sanidad españo- medida que lo hicieron las acciones hospita-
la de los últimos 30 años. ¿Por qué ha sido larias. Sin embargo, la repercusión en la zona
posible? En primer lugar, ya se ha señalado básica en la que cada centro está ubicado ha
que la Afem ha conseguido movilizar a los sido muy importante, emotiva, solidaria y
sectores más conservadores, pero además, ha ido creciendo junto con la extensión del
tal y como estaba planteado el conflicto, los conflicto. Es un hito sin precedentes ver a
sectores progresistas han evitado el enfren- los pacientes conocidos de años por los pro-
tamiento ideológico en aras al mantenimien- fesionales, firmar, manifestarse, encerrarse
to de la movilización. De ahí su éxito, ya que junto con sus médicos, sus enfermeras y los
en el sector profesional no ha habido ninguna administrativos, aquellas personas que los
voz discordante y todo el mundo ha entendi- atienden todos los días desde hace años. La
do, con razón o sin ella - y esto solo lo sabre- fidelidad al CS y a la sanidad pública se ha
mos cuando pase un tiempo suficiente -, que puesto de manifiesto en este contexto.
era más importante la fuerza de las movili- El tratamiento que los diversos medios
zaciones que su claridad ideológica, que en han dado al conflicto ha sido y es importan-
todo caso se solventaría una vez finalizado el te. Dependiendo de los medios, sean estos la
mismo. Luego, hay un rechazo profesional al prensa escrita, radio o televisión, la informa-
modelo empresarial de sanidad que preten- ción ha sido muy distinta. A medida que el
de imponer el PP, debido a que este supone, conflicto se extendía y la Marea Blanca se
también, el fin definitivo del ejercicio pro- acercaba a la capital, la presencia en y de los
fesional autónomo e independiente, uno de medios ha ido en aumento.
los mitos más arraigados en el imaginario Nunca la sanidad pública había concitado
colectivo de los médicos españoles, a lo que tanto interés social, y tal hecho ha permitido
se une la conciencia de que la privatización, escuchar entrevistas, debates, opiniones, no
especialmente en un momento de crisis eco- sólo de expertos sanitarios, sino también de
nómica profunda, significaba una pérdida de escritores, científicos, profesores, que han
empleo y de autonomía profesional. Por su- ahondado en el problema, poniendo de ma-
puesto, contaba también el rechazo a la pri- nifiesto las consecuencias negativas que para
vatización y la defensa de la sanidad pública todos puede tener el desmantelamiento del
y del modelo sanitario actual, aunque con Estado de Bienestar, conseguido con tanto
muchas contradicciones. esfuerzo.
La desaparición de las áreas sanitarias, Por todo ello, es llamativo, incomprensi-
en octubre del 2010, y la creación del Área ble y demuestra una gran ignorancia, limitar
Única, fueron elementos claves, decisivos, de forma exclusiva y excluyente, la atención
en el proceso privatizador de los centros de sanitaria y el buen nombre de la sanidad
salud que ahora se anuncia. Los intentos de pública de este País en los médicos.
denuncia, de advertencia, de lucha, no con- No deberíamos olvidar que la calidad
siguieron desvelar los objetivos ocultos de de sanidad pública, tan ensalzada en estos
esa decisión y que hoy conocemos. En este meses, está sustentada por una mayoría
sentido, podría afirmarse que el debate y el silenciosa de trabajadores sanitarios y
conflicto tuvieron poca repercusión social, no sanitarios, que hacen posible que el
profesional y mediática (SÁNCHEZ BAYLE, 2006). sistema funcione, aceptablemente, aunque
Referências
______. Real Decreto 1192/2012, de 3 de agosto de ______. El copago en el transporte sanitario, un serio
2012, por el que se regula la condición de asegurado problema para la accesibilidad. Nueva Tribuna
y de beneficiario a efectos de la asistencia sanitaria 16/5/2012 Disponible en: <http://www.nuevatribuna.
en España, con cargo a fondos públicos, a través del es/opinion/sergio-fernandez-ruiz/el-copago-en-el-
Sistema Nacional de Salud. Boletín Oficial del Estado, transporte-sanitario-un-serio-problema-para-la-acces
Madrid, 2012b. Disponible en: <http://www.boe.es/ ibilidad/20120516094614075327.html>. Acceso en: 02
boe/dias/2012/08/04/pdfs/BOE-A-2012-10477.pdf>. dic. 2014.
Acceso en: 02 dic. 2014.
______. Un año de movilizaciones en la sanidad
______. Resolución de 2 de agosto de 2012, de la madrileña. Nueva Tribuna, 2013. Disponible en:
Dirección General de Cartera Básica de Servicios del <http://www.nuevatribuna.es/opinion/sergio-
Sistema Nacional de Salud y Farmacia, por la que se fernandez-ruiz/ano-movilizaciones-sanidad-
procede a la actualización de la lista de medicamentos madrilena/20131030133400097866.html>. Acceso en:
que quedan excluidos de la prestación farmacéutica en 02 dic. 2014.
el Sistema Nacional de Salud. Boletín Oficial del Estado,
Madrid, 2012c. Disponible en: <https://www.boe.es/ OBSERVATORIO MADRILEÑO DE SALUD. Informe
RESUMO Analisa-se o financiamento do nível da Atenção Básica à saúde, com ênfase na ex-
pansão dos recursos alocados para a Estratégia Saúde da Família. A primeira parte detalha o
crescimento dos recursos do Ministério da Saúde para a Atenção Básica, particularmente os
transferidos mediante o Piso de Atenção Básica Variável, que incorpora os diferentes incen-
tivos financeiros destinados aos municípios que desenvolvem os programas neste nível de
atenção. A segunda parte analisa as dificuldades do financiamento tendo em vista a instabili-
dade dos recursos próprios municipais e também discute algumas sugestões de modificações
nos critérios de repasse dos recursos federais transferidos aos municípios.
ABSTRACT It analyzes the financing of the Primary Health Care level, with emphasis on the ex-
pansion of the allocated resources to the Family Health Strategy. The first part details the growth
of the Ministry of Health resources to the primary care, particularly the ones transferred through
1Doutor em Ciências
Econômicas pela the Variable Primary Care Wage, which incorporates the different financial incentives headed
Universidade Estadual for municipalities that develop programs in this level of care. The second part analyzes the diffi-
de Campinas (Unicamp)
– Campinas (SP), Brasil. culties of financing bearing in mind the instability of the municipal own resources and it is also
Professor da Universidade discusses some suggestions of changes in the criteria of federal transfer of funds transferred to
de São Paulo (USP) – São
Paulo (SP), Brasil. Professor municipalities.
da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
(PUC-SP) – São Paulo (SP), KEYWORDS Healthcare financing; Primary Health Care; Family Health Strategy.
Brasil.
aquilasn@uol.com.br
2 Doutora em Economia de
Empresas pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV)
– São Paulo (SP), Brasil.
Professora da Pontifícia
Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP)
– São Paulo (SP), Brasil.
Presidente da Associação
Brasileira de Economia da
Saúde (2013-2014).
rosamkmarques@gmail.com
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 900-916, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140079
O financiamento da Atenção Básica e da Estratégia Saúde da Família no Sistema Único de Saúde 901
Gráfico 1. Participação relativa dos blocos de financiamento dos recursos federais do Ministério da Saúde - Fundo a
fundo, 2000 a 2011
120%
100%
10% 12% 11% 10% 10% 10% 11% 11% 12% 12% 13% 10%
80%
60% 57% 61% 63% 64% 67% 69% 68% 68% 67% 66% 66% 67%
40%
20%
32% 28% 26% 25% 23% 31% 22% 21% 21% 22% 22% 23%
0%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Atenção Básica Média e Alta Complexidade Outros
Fonte: Sala de Apoio à Gestão Estratégica, Ministério da Saúde. Disponível em: <http://189.28.128.178/sage/>. Acesso em: 03 dez. 2013
Tabela 1. Gasto do Ministério da Saúde com MAC e com o PAB fixo, 1995 a 2012, em R$ bilhões
Especificidades Regionais (CER). Este global para a saúde de forma integral – a NOB
último item foi incorporado ao PAB Fixo em 93 –, criou as condições para o surgimento
julho de 2013 (CARVALHO, 2014b). Todos esses das políticas de incentivos financeiros que
itens são incentivos financeiros, conhecidos se seguiram posteriormente. E, na prática, o
como recursos condicionados à implan- que se observou nesses últimos anos foi que a
tação de estratégias e programas prioritá- política de incentivos teve pleno sucesso, de
rios. Além disso, ressalte-se o Programa de modo que os municípios concentraram suas
Requalificação das Unidades Básicas de ações no nível de Atenção Básica (MENDES,
Saúde e recursos de estruturação na implan- 2005).
tação. Estes últimos recursos, para projetos Vale notar que, já em 1997, Bueno e Merhy
específicos, estão contemplados no bloco afirmavam, de forma contundente, que a
de investimento, ainda que digam respeito à NOB 96 iria inibir a autonomia do município,
Atenção Básica (BRASIL, 2012a). induzindo-o a adotar programas não defini-
Entre os componentes do PAB Variável, dos localmente (Bueno; Merhy, 1997).
a ESF, incluindo o componente referente
às EqSB, foi um dos grandes destaques em
termos de transferência federal, ao longo O financiamento da ESF e
dos anos 1990 e 2000. Seus recursos cor- suas contradições
respondem à maior parte dos recursos do
PAB Variável, quando se analisam as transfe- Sob o ponto de vista dos recursos próprios
rências federais do SUS para os municípios municipais, pode-se dizer que o financia-
(Fundo Nacional de Saúde, 2014). mento da ESF é problemático e instável,
A introdução de incentivos, a partir de principalmente, sob dois aspectos: em pri-
1998, estimulando os municípios a incor- meiro lugar, sabe-se que os anos, principal-
porarem programas que lhes acrescentam mente, a partir da segunda metade da década
receita financeira, significou, sem sombra de 1990, foram marcados pela contenção das
de dúvida, aumento de poder do governo finanças públicas atingindo todos os níveis
federal na indução da política nacional de de governo, inclusive os municípios. Ainda
saúde, especialmente no campo da Atenção neste contexto, e nem sempre lembrado, está
Básica. Esse aumento de poder da instância o fato de que os anos de implantação da ESF
federal na determinação da política de saúde, correspondem justamente àqueles onde a
embora tenha como foco as ações e serviços restrição do gasto público foi buscada como
de Atenção Básica e, por isso, seja veículo da principal diretriz política na determinação
transformação do modelo assistencial, não é e/ou diminuição do déficit público, uma das
isento de problemas e contradições (Marques; metas prioritárias da política do governo
Mendes, 2003; ALMEIDA; CUNHA; SOUZA, 2011). federal, por ele monitorada nos níveis das
Em primeiro lugar, é preciso observar que demais instâncias de governo. Não é de se
a NOB 96, em que pese ser um importante estranhar, portanto, que o volume relativo
instrumento na operacionalização da des- de recursos de origem municipal, passível
centralização do sistema, ao incrementar de ser destinado a ESF, tenha ficado mais
as transferências diretas, fundo a fundo, no escasso. Para se ter uma ideia dessa situação,
campo da Atenção Básica, pode impedir ou entre 1996 e 2011, a participação dos municí-
obstaculizar a construção de uma política pios no gasto público total com saúde prati-
de saúde fundada nas necessidades do nível camente se manteve, passando de 27,8% para
local. Isto porque, ao introduzir o mecanis- 28,8% (Brasil, 2013a).
mo de transferência para a Atenção Básica – Uma análise da evolução da receita dispo-
o PAB –, rompendo com a lógica de repasse nível dos municípios, quando comparada às
Tabela 2. Evolução da receita disponível das três esferas de governo (1995 a 1999/2000/2012) - em porcentagem
A realidade da receita disponível dos mu- 14 anos em vigor, procura privilegiar situa-
nicípios brasileiros, na segunda metade dos ções onde os municípios não gastem mais do
anos 1990, e a sua estabilidade, nos anos 2000, que arrecadam. Segundo a lei, vários limites
acaba por constranger sua capacidade de são determinados ao poder Executivo, es-
gasto. Quando é levado em consideração que, pecificamente, às despesas de pessoal, que
a partir de 1995, em virtude da implantação não podem ultrapassar 54% da receita cor-
do processo de descentralização das políticas rente líquida do município. Caso isto venha
sociais – em particular, a da saúde –, os mu- a ocorrer, as penalidades são significativas.
nicípios passaram a efetuar gastos crescen- Tal exigência legal vem afetando o compro-
tes nessas áreas, a baixa capacidade de suas metimento da instância municipal com a
finanças torna-se ainda mais problemática. ESF. Isso porque os tribunais de contas têm
Com relação ao segundo aspecto, da ins- considerado a despesa com este programa
tabilidade do financiamento municipal, vale como gasto com pessoal. Nos últimos anos,
lembrar que a Lei de Responsabilidade Fiscal é possível verificar a tramitação de diver-
(LRF), aprovada em maio de 2000 e há quase sos projetos de lei no Congresso Nacional
que excluem esse limite para as despesas a diferente situação socioeconômica das
da saúde, porém não há sucesso nas suas diversas regiões do País. Tudo isso, é claro,
aprovações (Carvalho, 2014a). Parece que essa mediante ampla discussão entre os gestores
temática ainda não é priorizada pelos parla- do SUS, e tendo como premissa o aumento
mentares e pelo próprio setor saúde, que não do financiamento deste, principalmente por
vem demonstrando mobilização contrária parte da aplicação dos recursos do Governo
intensa frente a este descaso. Federal (Mendes, 2012).
Para a contratação do pessoal da ESF, os Não é demais lembrar que, atualmente,
municípios contam com os recursos trans- os valores dos incentivos financeiros para
feridos pelo governo federal. Devido a isso, as EqSF implantadas são transferidos a cada
há quem entenda que as despesas com esse mês, com base no número de ESF registra-
‘pessoal’, por serem pagas com recursos de do no sistema de cadastro nacional do MS.
transferência, não devem ser incluídas no São estabelecidas duas modalidades de fi-
limite da LRF. O limite deveria ser respei- nanciamento para as EqSF: Modalidade 1: I
tado somente no caso de o pagamento da – implantadas em municípios com popula-
cobertura dos profissionais ser proveniente ção de até 50 mil habitantes nos estados da
de seus recursos próprios, sendo contabili- Amazônia Legal, e até 30 mil habitantes nos
zado, então, como despesa de pessoal (Mendes; demais estados do País; e II – implantadas em
Moreira, 2001). municípios não incluídos no estabelecido na
Outra posição considera essa formulação alínea I, e que atendam a população remanes-
inadequada. Segundo seu entendimento, o cente de quilombos ou residentes em assenta-
problema estaria no fato de as transferên- mentos de, no mínimo, 70 pessoas, respeitado
cias integrarem a receita corrente e o gasto o número máximo de equipes por município.
delas derivado não compor a despesa com Modalidade 2: implantadas em todo o territó-
pessoal, o que resultaria na ampliação inde- rio nacional, que não se enquadram nos crité-
vida do limite de gastos com pessoal definida rios da Modalidade 1 (BRASIL, 2012).
pela LRF. Considerando o pessoal da ESF De acordo com a PNAB de 2011, quando
nos limites da LRF, o ajuste deveria ser feito as EqSF forem compostas também por
em outras áreas da gestão pública (Carvalho, profissionais de saúde bucal, o incentivo fi-
2014a). nanceiro será transferido a cada mês, tendo
Em que pese essa questão estar sendo alvo como base: I – a modalidade específica dos
de intensa polêmica entre os municípios e os profissionais de saúde bucal que compõem
tribunais de contas, há 14 anos, e não estando a ESF e estão registrados no cadastro do
ainda resolvido, em várias municipalidades, MS no mês anterior ao da respectiva com-
o Executivo tem colocado resistências à con- petência financeira; e II – a modalidade de
tinuidade da ESF, pensando duas vezes antes toda a EqSF, conforme indicado acima e re-
de habilitar novas equipes e/ou cancelando lacionado às características dos municípios
o programa, mesmo que temporariamente e da população atendida. Dessa forma, se
(Carvalho, 2014a). Por essa razão é que o finan- ela faz parte de uma ESF Modalidade 1, tem
ciamento da ESF, através dos recursos muni- 50% de acréscimo no incentivo financeiro
cipais, torna-se problemático e até instável. específico.
Para atenuar essa situação, um dos ca- Como a ESF incorpora os agentes comu-
minhos poderia ser o de elevar a escala de nitários de saúde (ACS), o repasse do MS a
valores dos incentivos financeiros do MS esse programa conta com valores adicionais
que ‘premiam’ os municípios que implantam de R$ 950 por agente/mês (quadro 1). Além
a ESF, bem como o de alterar os critérios disso, outras formas de repasses foram inse-
de sua distribuição, em consonância com ridas no financiamento da Atenção Básica,
tais como o Programa Saúde na Escola, a transferências federais (PAB Fixo e Variável),
Unidade Odontológica Móvel e o Núcleo de no âmbito do custeio e da implantação da
Apoio à Saúde da Família (BRASIL, 2012). ESF, com respectivos valores destinados aos
Para uma visualização sintética das municípios, apresenta-se a seguir o quadro 1.
Custeio
Per capita/ano
PAB Fixo*
entre R$23,00 a R$ 28,00
ESF Modalidade I** ESF Modalidade II**
R$ 10.670,00/mês R$ 7.130,00/mês
ESB Modalidade I vinculada à ESF I ESB Modalidade II vinculada à ESF I
R$ 3.000,00/mês R$ 2.000,00/mês
ESB Modalidade II vinculada à ESF I ESB Modalidade II vinculada à ESF II
R$ 3.900,00/mês R$ 2.600,00/mês
UOM – unidades odontológicas móveis***
PAB VARIÁVEL R$ 4.680,00/mês
Agente Comunitário de Saúde****
R$ 950,00/mês
Nasf I***** Nasf II*****
R$ 20.000,00 R$ 6.000,00
Programa Saúde na Escola – PSE
Uma parcela extra do incentivo mensal às equipes de Saúde da Família que atuam nesse
programa
Implantação
ESF R$ 20.000,00/ESF implantada
ESB R$ 7.000,00/ESB implantada
UOM R$ 3.500,00/UOM implantada
NasfI R$ 20.000,00/implantada
NasfII R$ 6.000,00/implantada
Fonte: Vasconcellos (2013) e elaboração própria, a partir das Portarias relacionadas
Referências
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 648/2006, de ______. Ministério da Saúde. Financiamento público de
28 de março de 2006c. Aprova a Política Nacional de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2013a.
Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes
e normas para a organização da Atenção Básica para o ______. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM, nº 1409,
Programa Saúde da Família e o Programa de Agentes de 10 de julho de 2013. Define o valor mínimo da parte
Comunitários de Saúde. Brasília, DF: Ministério da fixa do Piso de Atenção Básica (PAB) para efeito do
Saúde, 2006c. Disponível em: <http://dtr2001.saude. cálculo do montante de recursos a ser transferido
do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos de Saúde ______. Força trabalho e LRF. Campinas: IDISA,
dos Municípios e do Distrito Federal, e divulga os 2014a. Disponível em: <http://www.idisa.org.br/site/
valores anuais e mensais da parte fixa do PAB. 2013b. documento_10724_0__2014---35---707---domingueira--
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ -forCa-trabalho-e-lrf---12-1-2014.html>. Acesso: 22 jan.
saudelegis/gm/2013/prt1409_10_07_2013.html>. 2014. (Domingueira, 707).
Acesso em: 07 set. 2014.
______. Financiamento da Saúde no Brasil. In:
______. Presidência da República. Lei Complementar CONGRESSO DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE
nº 141, de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3o do SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO, 28., 2014b,
art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os Ubatuba.
valores mínimos a serem aplicados anualmente pela
União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações CONSELHO NACIONAL DAS SECRETARIAS
e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios MUNICIPAIS DE SAÚDE (CONASEMS). A Atenção
de rateio dos recursos de transferências para a saúde Básica que queremos. Brasília: Conasems, 2011.
e as normas de fiscalização, avaliação e controle das
despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo. CONSELHO NACIONAL DOS SECRETÁRIOS
2012b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ DE SAÚDE (CONASS). Análise do Projeto de Lei
ccivil_03/leis/lcp/Lcp141.htm>. Acesso em: 07 dez. Orçamentária Anual PLOA 2014 e os Recursos
2013. destinados ao Ministério da Saúde. Brasília: Conass,
2013.
BUENO, W. S.; MERHY, E. E. Os equívocos da
NOB 96: uma proposta em sintonia com os projetos FUNDO NACIONAL DE SAÚDE. Consulta para
neoliberalizantes? 1997. Mimeo. Disponível em: <http:// pagamentos. Disponível em: <http://www.fns.saude.
www.eeaac.uff.br/professores/merhy/artigos-14.pdf>. gov.br/indexExterno.jsf>. Acesso em: 14 fev. 2014.
Acesso em: 18 nov. 2014.
GIOVANELLA, L. et al. Potencialidades e obstáculos
CARVALHO, G. Apontamentos sobre o PLOA 2011 para a consolidação da Estratégia Saúde da Família
do Ministério da Saúde. Campinas: IDISA, 2011. em grandes centros urbanos. Saúde em Debate, Rio de
Disponível em: <http://www.idisa.org.br/site/ Janeiro, v. 34, n. 85, p. 248-264, 2010.
documento_3726_0__2010---27---538---domingueira-
--mais-financiamento-da-saUde.html>. Acesso em: GIOVANELLA, L. et al. Saúde da família: limites e
07 nov. 2013. (Domingueira – Mais Financiamento da possibilidades para uma abordagem integral de atenção
Saúde, 538). primária à saúde no Brasil. Cienc. saúde coletiva, Rio de
Janeiro, v. 14, n. 3, p. 783-794, 2009.
______. LOA FEDERAL – 2012: apontamentos sobre os
recursos federais destinados à saúde. Campinas: IDISA, GUANAIS, F.; MACINKO, J. Primary care and
2012. Disponível em: <http://www.idisa.org.br/site/ avoidable hospitalizations: evidence from Brazil. J
documento_7791_0__2012---27---633---domingueira- Ambul Care Manage, Germanatown, v. 32, n. 2, p. 114-
--financiamento-213.html>. Acesso em: 07 nov. 2013. 121, 2009.
(Domingueira – Financiamento 213, 633).
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
______. Orçamento do Ministério da Saúde para 2014. APLICADA (IPEA). Boletim de Políticas Sociais –
Campinas: IDISA, 2013. Disponível em: <http:// acompanhamento e análise, Brasília, DF, n. 21, 2013.
darcisioperondi.com.br/financiamento-da-saude-
gilson-carvalho-2/>. Acesso em: 18 nov. 2014. MARQUES, R. M.; MENDES, A. Atenção Básica e
(Domingueira, 704). Programa de Saúde da Família (PSF): novos rumos
para a política de saúde e seu financiamento? Ciência
& Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 403-415, SERVO, L. et al. Financiamento e gasto público de
2003. saúde: histórico e tendências. In: MELAMED, C.;
PIOLA, S. F. (Org.). Políticas públicas e financiamento
MENDES, A. Tempos turbulentos na saúde pública federal do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ipea, 2011.
brasileira: os impasses do financiamento no capitalismo p. 85-108.
financeirizado. São Paulo: Hucitec, 2012.
SOUSA, M. F. et al. Gestão da Atenção Básica:
MENDES, A. Financiamento, gasto e gestão do Sistema redefinindo contexto e possilidades. Divulgação em
Único de Saúde (SUS): a gestão descentralizada Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 21, dez. 2000. p.
semiplena e plena do sistema municipal no Estado de 7-14.
São Paulo (1995–2001). 2005. 422 f. Tese [Doutorado
em Ciências Econômicas]. – Instituto de Economia, ______. A Reconstrução da Saúde da Família no
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Brasil: diversidade e incompletude In: SOUSA, M.
F.; FRANCO, M. S.; MENDONÇA, A. V. (Org.) Saúde
MENDES, A; MARQUES, R. M. A dimensão do da Famíla nos municípios brasileiros: os reflexos dos
financiamento da Atenção Básica e do PSF no contexto 20 Anos no Espelho do Futuro. Campinas: Saberes
da saúde. In: SOUSA, M. F. (Org.). Sinais Vermelhos do Editora, 2014.
PSF. São Paulo: Hucitec, 2002, p. 71-101.
SOUSA, M. F.; MENDONÇA, A. V. M. Atenção Básica
MENDES, A; MOREIRA, M. (Org.). Comentários à à saúde no SUS: uma herança com testamento. Ciênc.
Lei de Responsabilidade na Gestão Fiscal. São Paulo: saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 330-331,
Cepam, 2001. 2014.
RESUMO Este ensaio tem por objetivo maior revisitar alguns dos fundamentos sociopolíticos
das tecnologias em saúde como uma construção sociohistórica e como um bem público virtu-
oso potencializado, contribuindo assim reflexivamente para uma gestão sociopolítica e demo-
crática das inovações em saúde em termos éticos, regulatórios e jurídicos sob uma perspectiva
normativa dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde real e possível.
ABSTRACT This essay has as main aim to revisit some of the sociopolitical fundamentals of the
technologies in health as a socio-historical construction and as strengthened virtuous public
good, thus reflexively contributing to a sociopolitical and democratic management of innova-
tions in health in juridical, regulatory and ethical terms, from a normative perspective of the
principles and guidelines of real and possible Unified Health System.
1 Mestre em Saúde
Coletiva pela
Coordenadoria de Controle
de Doenças da Secretaria
de Estado da Saúde de
São Paulo (CCD/SES/
SP) – São Paulo (SP), Brasil.
Pesquisador Científico
do Centro de Laboratório
Regional de Santos do
Instituto Adolfo Lutz (CLR-
Santos/IAL/CCD/SES/SP)
- Santos (SP), Brasil.
arreaza@ial.sp.gov.br
DOI: 10.5935/0103-1104.20140080 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 1103, p. 917-937, OUT-DEZ 2014
918 ARREAZA, A. L. V.
Já a dignidade da vida humana, por si só, A inclusão da saúde como uma dimensão
já exigiria a garantia do direito à saúde ao da qualidade de vida e do bem-estar social
lado do direito à vida, a saúde é corolário do aponta para uma visão abrangente dos deter-
direito à vida e da dignidade humana, cons- minantes sociais da saúde-doença, como para
tituindo uma tríade que garante o exercício uma orientação sistêmica das prioridades em
dos demais direitos e liberdades positivas, e pesquisas e do desenvolvimento tecnológico
por gozarem de uma dimensão ética e moral, e de suas inovações em saúde, destacando a
espraiam-se por todos os setores da socieda- necessidade de critérios políticos, econômi-
de sob a forma de deveres sociais e comuni- cos, epidemiológicos e estratégicos da gestão
tários. Em que a saúde é uma das condições em saúde. O setor da saúde é conformado
essenciais da liberdade e da igualdade de por sistemas que incluem as atividades de
todos perante a lei, e o devir do seu direito, saúde pública no seu plano coletivo, e os ser-
sendo inerente ao viver humano, constitui-se viços de atenção médico-hospitalar no plano
em um direito subjetivo e coletivo ao mesmo individual, em que os aspectos técnicos e
tempo. Diz-se que a saúde tem uma dimen- de gestão do setor são condicionados pelas
são que transcende a sua própria positiva- políticas sociais, econômicas e sanitárias de
ção no ordenamento jurídico, por ser uma Estado, como pelo desenvolvimento cientí-
das condições relevantes para o exercício fico e tecnológico existente e incorporado
emancipatório dos sujeitos, além de nossa ao setor; onde o acesso ao sistema como um
Constituição ter positivado amplamente o todo e aos serviços específicos em particular,
direito à saúde (Santos, 2010). como aos processos e produtos tecnológicos
Logo, a saúde é um direito fundamental da disponíveis, derivam de interações comple-
vida garantida mediante políticas públicas xas e dinâmicas entre todas essas dimensões
que visam à redução de riscos e danos, como nucleares do campo da saúde pública (Novaes;
o acesso universal e igualitário aos serviços Goldbaum; Carvalheiro, 2001).
para a sua promoção, proteção e recupera- O campo da ciência e tecnologia em saúde
ção, onde o dever do Estado não exclui o das pode ser apreendido articulando-se o núcleo
famílias, das empresas e sociedade em geral; central do setor saúde com as inúmeras redes
onde os níveis de saúde de uma população que se estabeleceram entre este e as instân-
expressam a organização política, social e cias do saber científico-tecnológico, e destes
econômica do seu país. A saúde é um estado com os segmentos produtivos das indústrias
dinâmico com seus determinantes sociais, de saúde. As pesquisas científico-tecnoló-
políticos, econômicos, históricos e culturais, gicas se constituem em atividades altamen-
desdobrando-se em corporeidade biopsíqui- te competitivas, estruturadas e reguladas
ca e subjetiva, tendo moderada quantidade por parâmetros e normas próprias, além de
de limitações com vivências de bem-estar, e estarem inseridas em contextos políticos e so-
sendo tanto objeto de desejo como uma con- cioeconômicos, isso é singular para a área de
cretude da vida social. Frente ao bem-estar inovações em saúde, de grande importância
social é pensada em termos de aquisições político-econômica em países desenvolvidos.
positivas de meios para o enfrentamento de Porém, essa área vem enfrentando questiona-
infortúnios e privações pelos sujeitos da vida mentos que se caracterizam, de modo geral,
coletiva, em que a ampliação de bens desti- pela busca de uma melhor articulação entre
nados a promover uma boa qualidade de vida os processos de produção do conhecimento e
sob o ponto de vista biopsicossocial, é uma das suas condições de utilização, como do seu
tarefa ao mesmo tempo individual e coletiva, impacto sobre a saúde dos sujeitos e de coleti-
tanto de promoção quanto de prevenção e vos em geral. A insuficiência das políticas tec-
assistência (Arreaza, 2014). nológicas para dar conta das necessidades da
sujeitos e da qualidade da atenção prestada num grande desafio aos sistemas sanitários
aos mesmos, que depende em boa parte da atuais, suscitando debates éticos e políticos
eficiência de alocação de recursos frente à sobre as escolhas a serem feitas, em face das
demanda em potencial da saúde pública. prioridades de saúde pública das coletivi-
Essa questão diz respeito, num primeiro dades em geral. Já a avaliação tecnológica,
momento, à diretriz pragmática da melhor que diz respeito à análise das consequências
relação entre os custos, meios e fins, mas dos cuidados em saúde e de suas políticas
refere-se também aos princípios morais de públicas, vem apresentando interfaces com
não maleficência e de beneficência, visto a bioética da proteção que possibilita uma
que uma relação não eficaz entre os custos, abordagem mais compreensiva da efetivi-
meios, fins e benefícios acaba impactan- dade das tecnologias inovadoras no âmbito
do de modo negativo a saúde dos sujeitos da saúde pública, inclusive, porque visa
e das suas coletividades como um todo. De integrar o problema, moral e politicamen-
maneira geral, boa parte das tecnologias te relevante, da equidade na alocação e na
médicas tem sido útil para a saúde pública, distribuição dos recursos disponíveis, que,
estando os imunobiológicos e as vacinas sem dúvida, constitui um dos dilemas mais
entre os melhores exemplos de efetividade complexos enfrentados tanto pela bioética
e de alcance das metas traçadas, porém, os pública quanto pela saúde das coletividades
interesses das indústrias de fármacos e equi- nos meios biotecnocientíficos e da cultura
pamentos direcionam, todavia, os rumos da de gestão tecnocrata com seu poder hegemô-
inovação tecnológica, como a prática médica nico reducionista.
especializada (ESCOSTEGUY; SCHRAMM, 2000). As implicações éticas da avaliação tecno-
Outro aspecto moralmente relevante diz lógica são reconhecidas e legitimadas pelos
respeito à avaliação da prática de introdu- atores sociais da saúde coletiva, incluindo
zir inovações tecnológicas antes de serem aquelas relativas aos ensaios clínicos para
efetivamente avaliadas, pois a incorpora- aferir a sua eficácia, à avaliação da boa ou da
ção de novas tecnologias sem a prudência duvidosa prática médica, à forma de incorpo-
necessária, além de não relevar os riscos rar as novas tecnologias e à sua efetividade,
em potencial para a saúde individual e co- como ao acesso e à alocação equitativa dos
letiva, ao sobrecarregar o setor saúde de recursos disponíveis; logo a incorporação da
custos moralmente contestáveis, torna mais bioética da proteção na avaliação tecnológi-
difícil a retirada a posteriori daquelas que ca possibilita uma melhor compreensão das
não se mostrarem efetivas ou sem a relação práticas de saúde e um progresso em direção
meios‑custos-fins de forma otimizada; isto é, ao seu aprimoramento frente às prioridades
incorporação inapropriada das tecnologias e às necessidades reais dos sujeitos e de suas
inovadoras, sem a devida precaução com os coletividades (ESCOSTEGUY; SCHRAMM, 2000).
critérios de eficácia, eficiência, segurança Hoje em dia no contexto da gestão do
sanitária e alocação equitativa de recursos, SUS, vem se tornando cada vez mais neces-
como com os impactos indesejáveis gerados sário regular a incorporação tecnológica nos
na saúde dos sujeitos e em suas coletividades serviços de saúde, tanto no que diz respeito
ao longo do tempo (ESCOSTEGUY; SCHRAMM, 2000). aos produtos e tecnologias médicas em geral,
Esses mesmos autores ressaltam ainda como em relação aos protocolos, processos
que a hegemonia do paradigma tecnobio- de trabalho e às esferas de gestão; seja para
científico que induz à incorporação tec- reduzir os efeitos negativos do mercado
nológica e da cultura dos limites da gestão quanto à oferta para atenção à saúde dos su-
tecnocrata, que seleciona e direciona as jeitos, ou seja, para orientar as prioridades
tecnologias em saúde, vem se constituindo tecnológicas de inovação e seus impactos
interesses dos sujeitos com os das coletivi- social da gestão de saúde, sem um meio co-
dades, formalizados mediante políticas pú- municativo capaz de escutar e processar as
blicas de Estado. Como o Poder Judiciário diferentes demandas dos sujeitos e das suas
atua sob a perspectiva da justiça comutativa coletividades, e também sem as informações
e sob o âmbito da microjustiça do caso con- claras a todos que necessitam de um medi-
creto, julgando direitos e deveres mútuos camento ou tratamento; este é um cenário
entre ambas as partes, o desafio de incor- que frequentemente não confere ao cidadão
porar a política pública de saúde em suas alternativas senão buscar a tutela jurisdicio-
decisões, revela-se proeminente compati- nal para ver garantido o seu direito à saúde
bilizar a justiça comutativa com a justiça (Marques, 2008).
distributiva equitativa, representada pela Por sua vez, Machado (2008) contribui
decisão colegiada, formalizada por meio de para o debate a partir de uma reflexão sobre
atos normativos compondo as políticas de a atuação da sociedade, buscando na justiça
assistência integral à saúde, emanados dos a concretização do seu direito à saúde até
poderes Legislativo e Executivo do Estado. então não garantido na prática, e o que se
Revela-se assim premente, como res- entende exatamente por judicialização da
salta Marques (2008), que os juízes, promo- saúde; o autor parte da constatação de que o
tores, gestores, sanitaristas, acadêmicos e direito à saúde, embora garantido de forma
a sociedade civil organizada, entre outros universal e integral pela CF-1988 em seu
envolvidos nessa problemática, continuem Artigo 196, não é assegurado plenamente no
debatendo de forma abrangente o problema cotidiano dos serviços de saúde pública do
em questão e proponham soluções pactuadas País, apontando que o SUS, apesar de ser uma
para minimizar o conflito sociopolítico evi- política consistente, com inegáveis avanços,
denciado. Porém, é dentro de cada instrução não consegue ofertar a todos os cidadãos
processual que devem ser traçados os rumos que necessitam de assistência à saúde, o
da atuação judicial por parte dos atores que a acesso igualitário e os cuidados integrais e
compõe, como é no âmbito de cada processo equitativos preconizados na Constituição.
que devem ser postos os meios à disposição Após discorrer sobre as várias concepções
dos juízes, capazes de balizar a sua decisão, de judicialização da saúde, o autor destaca
e também, é em cada lócus do processo judi- duas tendências conceituais: uma que vê
cial que o direito subjetivo à saúde deve ser no ativismo político do Judiciário um viés
confrontado com o direto coletivo e com as emancipatório para o exercício pleno da ci-
políticas de saúde, por meio dos autos pro- dadania, e outra que atribui a este fenômeno
cessuais e dos saberes técnico-sanitários uma forma de ampliação e aprimoramento
necessários para discutir cada caso concreto. da própria cidadania.
Sendo necessário, pois, que o Poder O que se observa no campo da saúde
Judiciário avance em relação à incorpora- pública brasileira é a coexistência dessas
ção da dimensão sociopolítica que compõe duas tendências para subsidiar ambos os ar-
o direito à saúde, é necessário também que gumentos. O que está em jogo é justamente o
os gestores públicos avancem em direção efeito dual da diversidade epistêmica do fe-
à implementação de políticas da saúde no nômeno de judicialização da saúde, como um
contexto do País como um todo, e em relação modo de emancipação dos sujeitos e de suas
à organização gerencial e tecnológica na coletividades tanto no âmbito institucional
prestação de serviços da saúde, que em boa do Estado Democrático de Direitos, quanto
parte das vezes deixam os cidadãos sem a no contexto do cotidiano sociopolítico dos
devida assistência integral à saúde, como sujeitos por meio do devir de sua cidadania
sem os espaços adequados para o controle plena e coletiva, de tal modo que, nas relações
democráticas de poder como uma práxis do para pesquisa e assistência, de uso das ino-
saber agir intersubjetivo, todos tenham o vações de saúde, e aos problemas relativos
mesmo direito de ver as suas necessidades à propriedade intelectual e às patentes em
representadas, como de emanciparem-se no C&T, além da necessidade de um padrão de
contexto do Estado Democrático de Direitos assistência para a incorporação tecnológica
(machado, 2008; Arreaza, 2014). na atenção à saúde, que conduzam à equida-
Todavia, como salienta Machado (2008), de e à integralidade das ações e dos serviços,
o aporte teórico tem o mérito de lançar luz tornando a assistência farmacêutica mais
sobre essas duas tendências reais e possíveis efetiva e articulada (Ventura et al., 2010).
do fenômeno de judicialização da saúde, Tem-se assinalado que o objeto da ação
nesse sentido, as teorias sobre a expansão judicial por vezes inclui medicamentos de
do Poder Judiciário se mostram bastantes competência obrigatória do Estado e regis-
frutíferas na geração de questões relevan- trados pelo Ministério da Saúde, como os
tes ao debate sobre a necessidade de uma de assistência farmacêutica básica, os es-
cidadania plena e coletiva no contexto do tratégicos no controle de doenças e agravos,
Estado Democrático de Direitos. Lembra- os de uso raro e de indicação terapêutica
se ainda que somente estudos empíricos em excepcional. Mostrando que a ampliação da
saúde coletiva seriam capazes de descortinar atuação judiciária em demandas de saúde,
os rumos concretos que a judicialização da ao menos em parte, decorre das insuficiên-
saúde tem tomado, uma vez que ela é con- cias da própria gestão pública, podendo até
dicionada por fatores extrajudiciais, como o ter um desfecho benéfico na responsabili-
grau de desigualdades sociais e de iniquida- zação do Estado em desenvolver práticas
des em saúde, o nível de escolaridade e de re- mais adequadas de incorporação, aquisição
cursos econômicos, e de mobilização política e alocação de tecnologias terapêuticas pela
dos sujeitos demandantes de ações judiciais; rede pública. Porém, corre-se o risco de a
e do seu patamar de emancipação sociopo- via judicial tornar-se o principal meio para
lítica em contextos de violações e injustiças garantir o acesso ao medicamento deman-
sociais de forças neoliberais do capitalismo dado, e assim causar prejuízos à efetividade
tardio, que obstruem o alcance de novos do direito à saúde, com a violação dos prin-
patamares de reconhecimento ético-moral cípios ético-morais já legitimados, como o
entre os sujeitos da vida coletiva, democrá- acesso igualitário e cuidados equitativos, e
tica e equitativa (Arreaza, 2014). também a integridade biopsicossocial dos
Uma temática importante refere-se ao sujeitos, o que é contraditório já que a saúde
marketing comercial e/ou lobby exercido é um direito social de cidadania (Baptista;
pelas indústrias farmacêuticas junto a setores MACHADO; LIMA, 2009).
sociais e de governo na incorporação dos A intervenção judicial sem a devida e
seus produtos tecnológicos, podendo induzir cuidadosa compreensão crítica das deman-
a demanda judicial para a incorporação de das de saúde tem-se limitado a determinar
novas tecnologias, como pela intensiva de- o cumprimento à prestação requerida por
pendência externa das indústrias farmacêu- parte dos sujeitos de direito, respaldados
ticas nacionais, tanto no desenvolvimento de por prescrição médica e conduta terapêutica
pesquisas científico-tecnológicas, quanto em descrita conforme os saberes médicos para
relação aos custos da incorporação de tecno- os casos em particular; porém, o insumo
logias inovadoras no setor da saúde do País. ou procedimento requerido nem sempre é
Logo, o acesso equitativo à saúde e os efeitos preconizado nos protocolos clínicos e dire-
de judicialização da saúde se relacionam às trizes terapêuticas estabelecidas pelo SUS,
questões de alocação de recursos públicos ou tampouco está incluído nas listas de
tanto teóricos como práticos, no devir de parcela mais vulnerável da população brasi-
novas instrumentalidades, para a sua con- leira frente ao sistema de reprodução social
cretização no cotidiano dos sujeitos da vida capitalista (CHIEFFI; BARATA, 2009).
coletiva (Ayres, 2007). Compreender como vêm Por fim, para efetivar progressivamente
se dando os debates dentre essas interfaces o direito social à saúde, nosso Estado deve
na geração da base normativa que orienta aumentar os subsídios para medicamentos
leis, demandas, políticas e práticas de saúde essenciais e intensificar a transparência e a
é um passo relevante em prol da efetivida- eficiência do processo de adesão de novas
de do direito social à saúde ou, pelo menos, condutas terapêuticas, já as secretarias de
para a ampliação do acesso à justiça e à saúde saúde devem procurar compreender as
(Ventura et al., 2010); ou de toda sorte, para al- causas e os efeitos das demandas judiciais
cançar novos patamares de reconhecimento para remediar eventuais falhas técnico-ge-
ético-moral entre esses cidadãos, e então renciais. Ao invés de meramente responder a
emanciparem‑se no âmbito do nosso Estado casos particulares, o Judiciário e o Executivo
Democrático de Direitos (Arreaza, 2014). devem promover a saúde como um direito
Já a despeito das intenções de arbitra- coletivo e assegurar o acesso universal a me-
gem de problemas coletivos e da defesa dos dicamentos que o Estado tem a competência
interesses de sujeitos de direitos em face do legal de registrar, incorporar e fornecer com
poder de Estado, a intervenção do Judiciário base nas melhores evidências disponíveis
no âmbito do direito subjetivo acaba por sobre a sua segurança e efetividade. Além
atender aos sujeitos que têm em média as disso, deve continuar inovando no acesso
melhores condições socioeconômicas de à atenção integral da saúde como direito
vida, residindo em áreas urbanas com baixa de cidadania, consolidando um direito à
ou sem nenhuma vulnerabilidade social; saúde mais abrangente, que transcenda a
e que por sua inclusão social, já se encon- medicamentos e demandas interpostas pelo
tram em posição privilegiada, reforçando Judiciário (Biehl et al., 2009).
ainda mais as iniquidades e as desigualda- Enfim, o aporte sociopolítico das tecnolo-
des no campo da saúde pública nacional. A gias em saúde, como uma construção socio-
interpretação do direito à saúde apenas na histórica e cultural e como um bem público
esfera individual, não se atendo à dimensão virtuoso potencializado, contribui reflexiva-
coletiva, não permite reconsiderar o proble- mente para uma gestão democrática e socio-
ma em toda a sua complexidade, resultando política das inovações tecnológicas de saúde
em medidas que, em vez de promoverem a em termos éticos, regulatórios e jurídicos,
justiça social e o bem-estar comum, acabam sob uma perspectiva normativa dos princí-
por prolongar a enorme dívida social com a pios e diretrizes do SUS real e possível. s
Referências
Biehl, J. et al. Judicialização do direito à saúde no ______. Desenvolvimento, complexo industrial da saú-
Brasil. In: Keinert, M. M. M.; Paula, S. H. B.; de e política industrial. Revista de Saúde Pública, São
Bonfim, J. R. A. (Org.). As ações judiciais no SUS e Paulo, v. 40, n. esp., p. 11-23, ago. 2006.
a promoção do direito à saúde. São Paulo: Instituto de
Saúde, 2009, p. 157-160. Gadelha, C. A. G.; Quental, C.; Fialho, B.C.
Saúde e inovação: uma abordagem sistêmica das in-
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. dústrias da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
São Paulo: Saraiva, 2008, 41ª ed. Janeiro, v. 19, n. 1, p. 47-59, jan./fev. 2003.
Braz, M. Bioética, proteção e diversidade moral: quem Homma, A. et al. Atualização em vacinas, imuniza-
protege quem e contra o quê na ausência de um refe- ções e inovação tecnológica. Ciência e Saúde Coletiva,
rencial moral comum? In: Schramm, F. R.; Rego, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 445-458, jan./fev. 2011.
S.; Braz, M.; Palácios, M. (Org.). Bioética, riscos e
proteção. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Editora Fiocruz, Ianni, A. M. Z. Biotecnologia e saúde pública: univer-
2005, p. 45-61. salidade, eqüidade e autonomia. Boletim do Instituto de
Saúde, São Paulo, n. 42, p. 22-24, ago. 2007.
Chieffi, A. L.; Barata, R. B. Judicialização da po-
lítica pública de assistência farmacêutica e equidade. Lévy, P. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 2009.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 8, p.
1839-1849, ago. 2009. Machado, F. R. S. Contribuições ao debate da ju-
dicialização da saúde no Brasil. Revista de Direito
Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 73-91, jul./out. 2008. L, (Org.). Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Saberes
Editora, 2010, p. 15-62.
Marques, M. B. Gestão, planejamento e avaliação de polí-
ticas de ciência e tecnologia: hora de rever? Ciência e Saúde Scheffer, M. Judicialização e incorporação de tec-
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 383-392, jan. 1999. nologias: o caso dos medicamentos para tratamento da
AIDS no sistema único de saúde. In: Keinert, M. M.
Marques, S. B.; Dallari, S. G. Garantia do direito M.; Paula, S. H. B.; Bonfim, J. R. A. (Org.). As ações
social à assistência farmacêutica no Estado de São judiciais no SUS e a promoção do direito à saúde. São
Paulo. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 41, n. 1, p. Paulo: Instituto de Saúde, 2009, p. 129-38.
101-107, fev. 2007.
Schramm, F. R. A moralidade da biotecnociência: a
Marques, S. B. Judicialização do direito à saúde. bioética da proteção pode dar conta do impacto real e
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 65- potencial das biotecnologias sobre a vida e/ou a quali-
72, jul./out. 2008. dade de vida das pessoas humanas? In: Schramm, F.
R.; REGO, S.; BRAZ, M.; PALÁCIOS, M. (Org.). Bioética,
Monteiro, P. H. N. et al. A gestão da incorporação riscos e proteção. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Editora
tecnológica no SUS: desafios para a formação de ges- Fiocruz, 2005, p. 15-28.
tores. Boletim do Instituto de Saúde, São Paulo, n. 42, p.
29-31, ago. 2007. Schramm, F. R. Bioética da proteção e incorporação
de C&T em saúde. Boletim do Instituto de Saúde, São
Novaes, H. M. D.; Goldbaum, M.; Carvalheiro, Paulo, n. 42, p. 8-10, ago. 2007.
J. R. Políticas científicas e tecnológicas e saúde. Revista
USP, São Paulo, n. 51, p. 28-37, set./nov. 2001. Vázquez, A. S. Ética e marxismo. In: Bordon, A. A.;
Amadeo, J.; González, S. (Org.). A teoria marxista
Novaes, H. M. D.; Carvalheiro, J.R. Ciência, tecno- hoje: problemas e perspectivas. Buenos Aires: Clacso
logia e inovação em saúde e desenvolvimento social e qua- Livros, 2006, p. 287-296.
lidade de vida: teses para debate. Ciência e Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 12, supl. 1, p. 1841-1849, nov. 2007. Ventura, M. et al. Judicialização da saúde, acesso à
justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis: Revista de
Pellegrini-Filho, A. Pesquisa em saúde, política Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 77-100. 2010.
de saúde e eqüidade na América Latina. Ciência e Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 339-350, abr./jun. 2004. Viana, A. L. A.; Silva, H. P.; Elias, P. E. M.
Incorporação tecnológica de alta complexidade no
Pepe, V. L. E. et al. A judicialização da saúde e os SUS: a necessidade de regulação. Boletim do Instituto
novos desafios da gestão da assistência farmacêutica. de Saúde, São Paulo, n. 42, p. 18-21, ago. 2007.
Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 5, p.
2405-2414, ago. 2010. Viana, A. L. A.; Nunes, A.A.; Silva, H.P. Complexo
produtivo da saúde, desenvolvimento e incorpora-
Santos, L. SUS: contornos jurídicos da integralidade ção de tecnologias. In: Ibañes, N.; Elias, P. E. M.;
da atenção à saúde. In: Keinert, M. M. M.; Paula, Seixas, P. H. A. (Org.) Política e gestão pública em
S. H. B.; Bonfim, J. R. A. (Org.). As ações judiciais saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 2011, p. 75-101.
no SUS e a promoção do direito à saúde. São Paulo:
Instituto de Saúde, 2009, p. 63-72. Recebido para publicação em janeiro de 2014
Versão final em outubro de 2014
Conflito de interesses: inexistente
Santos, L. Direito à saúde e qualidade de vida: um Suporte financeiro: não houve
mundo de corresponsabilidades e fazeres. In: Santos,
RESUMO Este texto examina o que se entende ser a principal contradição das Redes de Atenção
à Saúde do SUS: a contradição entre sua Organização Necessária, integral e integrada em todo
o território nacional, e a essência federativa e municipalista de sua Organização Atual, estru-
turalmente fragmentada e desintegrada. Indica porque as redes do SUS devem ser planeja-
das e construídas como uma organização, integral e integrada em todo o território nacional.
Descreve a Estrutura Societária, a Organização Necessária e a Organização Atual dessas redes,
e o porquê da contradição apontada. Delineia alguns dos graves prejuízos para essas redes
decorrentes desta contradição e sugere, para o debate, uma alternativa a esta realidade.
ABSTRACT This paper examines what is considered to be the principal contradiction of Health
Care Networks of Brazilian Unified Health System: the contradiction between its Required
Organization integral and integrated throughout the national territory, and the federative and
municipal essence of its Current Organization, structurally fragmented and disintegrated. It in-
dicates why these Networks must be designed and built as an organization, integral and inte-
grated throughout the national territory. It describes the Structure of Institutional Partners, the
Required Organization and the Current Organization of these networks, and why the referred
contradiction. It outlines some of the serious damage to these networks arising from this contra-
diction and suggests, to the debate, an alternative to this reality.
1 Mestre em Políticas
Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento pela KEYWORDS Health public policy; Unified Health System; Delivery of health Care; Organization
Universidade Federal do and administration.
Rio de Janeiro (UFRJ) – Rio
de Janeiro (RJ), Brasil.
Especialista em Gestão
de Saúde da Secretaria de
Estado de Saúde do Rio
de Janeiro – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil.
ronaldomgomes@hotmail.com
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 938-952, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140081
Redes de Atenção à Saúde do SUS: 25 anos de uma contradição fundamental entre a Organização Necessária 939
e a Organização Atual
[...] o devir do SUS nem sempre aponta para Este texto se alinha com os que defendem a
seu fortalecimento; há evidências da existência funcionalidade originalmente proposta para as
de impasses na sua implantação [...]. Mais gra- RAS do SUS — oferecer uma atenção à saúde
ve do que tudo isso, contudo, é a impressão de efetivamente universal, equânime, integral,
que há um desencantamento com o SUS [...] integrada, tempestiva e de qualidade, em todo
a baixa capacidade de gestão, a politicagem, o território nacional —, seu caráter público e a
tudo depõe contra o SUS, independente do importância do papel do Estado em sua cons-
potencial sanitário contido em suas promessas trução e operação, tal como preconizados pelo
[...]. As forças interessadas no avanço do SUS Movimento da Reforma Sanitária e definidos
estão, pois, obrigadas a enfrentar estes obstá- na Constituição Federal de 1988 (CF/88), na
culos políticos, de gestão e de reorganização Lei 8.080 de 1990 e em toda a sua normatiza-
do modelo de atenção [...]. (CAMPOS 2007, p. 302). ção posterior.
Em defesa da abordagem e da proposição
aqui oferecidas, é importante lembrar que o
Outro ponto essencial na reforma da reforma é melhor regulador do setor privado de saúde
a revisão do modelo de gestão ainda empregado pode ser, ou não, o setor público de saúde.
no SUS [...] é importante complementar-se a Lei Isso significa que um SUS sem qualidade, efi-
Orgânica da Saúde, criando novas modalidades ciência e eficácia, um SUS ‘para os pobres’, do
de organização para os serviços próprios do Es- qual fogem as classes média e média-alta, faz
tado e nova forma de relação entre entes fede- com que o setor privado de saúde ganhe, polí-
rados e prestadores privados ou filantrópicos. tica e economicamente, um imenso incentivo
Acumulam-se evidências sobre a inadequação para seu desenvolvimento. Ao contrário, um
do modelo atualmente vigente na administração SUS efetivamente universal, com qualidade,
eficiência e eficácia, um SUS ‘para todos’, pelo permite sugerir que tais redes devem ser en-
qual se sintam atraídas as classes média e mé- tendidas como uma organização, integral e
dia-alta, fará com que, por seu efeito-demons- integrada em todo o território nacional, e que
tração, e pela migração daquelas classes para o existem quatro ‘ambientes’ principais que,
SUS, este se torne naturalmente um forte com- em um alto nível de abstração, compõem o
petidor do setor privado no mercado de saúde. quadro sociopolítico no qual se desenvolvem
Nessa perspectiva, os diferentes aspec- essas redes, ambientes esses a partir de cujas
tos abordados no presente texto parecem dinâmicas e relacionamentos se pode avaliar
evidenciar que, em defesa desses ideais, é o projeto, a implantação e a evolução dessas1.
necessário que se avalie em profundidade a São eles:
contradição e a alternativa aqui apontadas.
(I) Estrutura Societária;
A contradição principal das Redes de
Atenção à Saúde do SUS (II) Organização Necessária;
atenção à saúde que seja pública, univer- condição sine qua non de sistemas públicos relativo aos itens (I), (II) e
(III), é aqui utilizado com o
sal, equânime, integral e de qualidade em nacionais que se pretendam universais e objetivo exclusivo de, num
todo o território nacional. Essa Organização equânimes como o SUS e, por isso, é funda- alto nível de abstração,
designar e distinguir
Necessária é uma imagem-objetivo a ser per- mental para que o SUS possa oferecer uma minimamente os diferentes
seguida na implantação das RAS. atenção à saúde efetivamente universal, e principais conjuntos
de atores, assuntos,
Como imagem-objetivo, essa Organização equânime, integral, integrada, tempestiva e atividades, métodos e
Necessária não é um conjunto estático. Ao de qualidade, em todo o território nacional. recursos, que integram a
Organização Necessária
contrário, sua especificação, em cada país, Por sua vez, a Organização Atual3 das RAS das RAS.
evolui com o passar do tempo devido à e é uma construção sociopolítica que resulta,
3A opção pelo termo
própria evolução dos diferentes aspectos em cada ‘momento’ do tempo, dos processos ‘Atual’, ao invés de, por
técnicos, sociais, econômicos e políticos sociopolíticos específicos de modelagem, exemplo, ‘Real’, deveu-se
ao fato de que ‘Atual’
que definem os contornos e o conteúdo das normatização e implantação dessas redes traduz melhor a noção de
ciências biomédicas, da saúde coletiva, da em cada país. Assim, a Organização Atual sua reversibilidade, como
construção sociopolítica
política pública de saúde e as demandas da expressa, em cada ‘momento’ do tempo, as que é esta organização.
de saúde no mercado nacional, o que reforça pela saúde dessa população como coletiva. redigido quando tomou-se
conhecimento da proposta
a fragilidade congênita do sistema. Ou seja, para o planejamento e a implemen- formulada por Campos,
Já são 25 anos de evidências e tação de redes regionais ‘é fundamental que como consequência desta
sua análise, na importante
consequências da contradição fundamen- inicialmente apaguemos as fronteiras inter- entrevista de 17.06.2014
tal aqui apontada, entre a essência federa- municipais e que elaboremos o plano de for- em Campos (2014). Vale
notar que a proposta ali
tiva e municipalista da Organização Atual ma conjunta’, com a participação de todos os esboçada é convergente
das redes do SUS e os requisitos de sua gestores dos diversos distritos e municípios com a sugestão de Paim
e Teixeira (2007) aqui
Organização Necessária. da região [...]. (grifos meus). mencionada em seguida.
Além disso, a Estrutura Societária fede- integração e qualidade dessas redes e seus
rativa e municipalista das redes do SUS não serviços em todos esses níveis.
parece obrigar que uma Nova Organização Desse modo, a nova governança integral-
Nacional dessas redes tenha que ter, necessa- mente colegiada atuaria, por meio do novo
riamente, as mesmas feições da Organização ente jurídico, nos níveis nacional, estadual,
Atual — desde que, tal como definido por sua regional e local sobre os rumos, caracterís-
atual Estrutura Societária, aquele Colégio ticas principais (incluindo sua modelagem,
de Gestores Federativos, juntamente com os normatização, bem como a definição e a ga-
Conselhos de Saúde, assim o decida, o que, rantia de padrões nacionais para a atenção à
aparentemente, também seria uma ação legí- saúde) e garantia de recursos globais (polí-
tima de governança, da qual estão constitu- ticos, financeiros, humanos, tecnológicos e
cionalmente incumbidos. organizacionais) das redes do SUS. Nesses
Para a segunda questão, é possível dizer diversos temas, o novo colégio de gestores
que, diante da falência da base federativa federativos seria assessorado pelo novo ente
e municipalista da Organização Atual das jurídico.
redes do SUS, frente aos requisitos de inte- Para viabilizar nos níveis nacional, estadu-
gralidade e integração de sua Organização al e regional essa nova governança integral-
Necessária, caberia àquele Colégio de mente colegiada desse novo ente jurídico,
Gestores Federativos dessas redes, sempre não apenas a representação de estados e
em conjunto com os respectivos Conselhos municípios na Comissão Intergestores
de Saúde, enfrentar a necessidade de avaliar Tripartite (CIT), deveria ser aperfeiçoada,
a hipótese de proposição e criação, em nível mas também a União deveria se fazer repre-
federal e com atuação nacional, de “um Novo sentar em todas as Comissões Intergestores
Ente Jurídico da organização do Estado Estaduais e Regionais, passando a atuar
[Nacional] exclusivamente voltado para [a ombro a ombro com estados e municípios,
construção, provisão de recursos, gestão, e o que significaria criar um novo colégio de
operação das redes de] o SUS” (PAIM; TEIXEIRA, gestores federativos.
2007, p. 1821), ente jurídico este que incorpora- Os conselhos e conferências de saúde
ria os atuais recursos financeiros, humanos continuariam a ter, frente ao novo colégio
e tecnológicos (sistemas, redes, métodos, de gestores federativos, o papel que hoje
equipamentos, instalações etc.) próprios do possuem.
SUS, hoje totalmente fragmentados porque O novo ente jurídico, o novo colégio de
subordinados aos milhares de entes dos três gestores federativos e sua nova governan-
níveis da federação. Esse Novo Ente Jurídico ça integralmente colegiada deveriam, no
seria estruturado com base na Organização mínimo, ser objeto de normatização no nível
Necessária das redes do SUS. legal, com todas as regras necessárias para
Nessa hipótese, aquele colégio de gestores que sejam definitivamente banidos dois dos
federativos (União, estados, Distrito Federal mais graves problemas hoje enfrentados
e municípios), juntamente com os conselhos pelos que lutam pela integralidade e inte-
de saúde, passaria, de modo inteiramente gração das RAS do SUS: (I) a possibilidade
novo, a se responsabilizar diretamente, con- de ações autônomas da União, estados e
juntamente, igualmente e solidariamente municípios na governança, modelagem, nor-
por esse novo ente jurídico, exercendo assim matização, projeto, construção, provisão de
uma nova governança integralmente colegia- recursos, operação e prestação de serviços
da desse ente e, por meio deste, das RAS do de saúde dessas redes; (II) a autopropaganda
SUS, em nível nacional, estadual, regional e massiva, de caráter notoriamente político-
local, bem como zelando pela integralidade, -eleitoral, desses entes federativos em torno
Referências
ABRÚCIO, F. L. Reforma política e federalismo. In: providências. Diário Oficial [da] República Federativa
BENEVIDES, M. V.; KERCHE, F.; VANNUCHI, P. do Brasil. Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em:
(Org) Reforma Política e Cidadania. São Paulo: Editora <https://www.sjc.sp.gov.br/media/116799/microsoft_
Fundação Perseu Abramo, 2003. word_-_lei_n_8142.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2013.
ARRETCHE, M. Políticas Sociais no Brasil: _____. Lei nº 12.401 de 28 de abril de 2011. Altera a Lei
Descentralização em um Estado federativo. In: Revista 8.080, de 19 de setembro de 1990 para dispor sobre a
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 40, assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia
1999. em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
2011a. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
BAHIA, L. O sistema de saúde brasileiro entre normas Brasília, DF, 28 abr. 2011. Disponível em: <http://www.
e fatos: universalização mitigada e estratificação subsi- planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/
diada. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.14, n. L12401.htm>. Acesso em: 20 dez. 2013.
3, p. 753-762, 2009.
_____. Lei nº 12.466 de 24 de agosto de 2011. Acrescenta
______. PORTELA, L. E. E SCHEFFER, M. Dilma vai arts. 14-A e 14-B à Lei no 8.080, de 19 de setembro de
acabar com o SUS? Folha de São Paulo, 05 mar. 2013. 1990, que “dispõe sobre as condições para a promo-
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ ção, proteção e recuperação da saúde, a organização
opiniao/96924-dilma-vai-acabar-com-o-sus.shtml>. e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
Acesso em: 12 abr. 2013. outras providências”, para dispor sobre as comissões
intergestores do Sistema Único de Saúde (SUS), o
BANTING, K.; CORBETT, S. Capítulo uno: Federalismo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass),
y política de atención a la salud: Introducción. [in- o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
ternet]. In: Forum of Federations / Forum Saúde (Conasems) e suas respectivas composições, e
des fédérations. Disponível em: <http://www. dar outras providências. Diário Oficial [da] República
forumfed.org/libdocs/Health01/120-HPFE0110-int- Federativa do Brasil. Brasília, DF, 24 ago. 2011c.
banting-corbett-s.pdf> Acesso em: 17 nov. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12466.htm>. Acesso
BRASIL. Constituição da República Federativa do em: 20 dez. 2013.
Brasil, 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso ______. Lei Complementar nº 141, de 13 de Janeiro de
em: 21 dez. 2013. 2012. Regulamenta o § 3o do art. 198 da Constituição
Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem
_____. Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011. aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito
Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, Federal e Municípios em ações e serviços públicos de
para dispor sobre a organização do Sistema Único de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de
Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência transferências para a saúde e as normas de fiscaliza-
à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras ção, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3
providências. Diário Oficial [da] República Federativa (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis
do Brasil. Brasília, DF, 28 jun. 2011b. Disponível em: nos 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de
<http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/ julho de 1993; e dá outras providências. Diário Oficial
ef034f00489ab23ba9bebbe2d0c98834/Decreto_7.50_ [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 jan.
de_28_de_junho_de_2011.pdf?MOD=AJPERES>. 2012a.
Acesso em: 21 dez. 2013.
_____. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 4.279, de
_____. Ministério da Saúde. Lei nº 8.142 de 28 de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a
dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde Sistema Único de Saúde (SUS). 2010. Diário Oficial
(SUS) e sobre as transferências intergovernamentais [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 30
de recursos financeiros na área da saúde e dá outras dez. 2010. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/
_____. Ministério da Saúde. Resolução CIT/MS 01 de COSTA, A. M.; BAHIA, L.; SCHEFFER, M. Onde foi
29. set. de 2011. Estabelece diretrizes gerais para a parar o sonho do SUS? [internet]. Plataforma Política
instituição de Regiões de Saúde no âmbito do Sistema Social. Disponível em: <http://www.politicasocial.net.
Único de Saúde (SUS), nos termos do Decreto Nº br/index.php/105-caderno/caderno-saude/207-cad-
7.508, de 28 de junho de 2011. 2011d. Disponível em: -saude-analigiamario.html>. Acesso em: 30 maio 2013.
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2011/
res0001_29_09_2011.html>. Acesso em: 20 dez. 2013. DAWSON, B. Informe Dawson sobre el futuro de los ser-
vicios médicos y afines, 1920: informe provisional pre-
_____. Ministério da Saúde. Resolução CIT/MS 02 sentado al Ministerio de Salud de la Gran Bretaña en
de 17 de janeiro de 2012. Dispõe sobre as diretrizes 1920 por el consejo consultivo de Sservicios Médicos y
nacionais para a elaboração da Relação Nacional de Afines. Washington, Organización Panamericana de la
Ações e Serviços de Saúde (RENASES) no âmbito do Salud. (Publicacion Científica nº 93, 1964.)
Sistema Único de Saúde (SUS). 2012b. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2012/ FRANCE, G. Federalismo fiscal: experiências interna-
res0002_17_01_2012.html>. Acesso em 20 dez. 2013. cionais e modelo para a Itália. In: NEGRI, B.; VIANA,
A. L. D. (Org). O SUS em dez anos de desafio. São Paulo,
_____. Ministério da Saúde. Resolução CIT/MS 01 de 17 Sobravime/Cealag, 2002a, p. 65-83.
de janeiro de 2012. Estabelece as diretrizes nacionais
da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais ______. Estilo nacional e saúde regional. In: ______. O
(RENAME) no âmbito do Sistema Único de Saúde SUS em dez anos de desafio. São Paulo, Sobravime/
(SUS). 2012c. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov. Cealag, 2002b, p. 65-83.
br/bvs/saudelegis/cit/2012/res0001_17_01_2012.html>.
Acesso em: 20 dez. 2013. IDEC; USP. Ato Público “Os planos de saúde vão acabar
com o SUS?” [internet]. Disponível em: <https://www.
_____. Ministério da Saúde. Resolução CIT/MS 03 de 30 idec.org.br/mobilize-se/evento/ato-publico-os-planos-
de janeiro de 2012. Dispõe sobre normas gerais e fluxos -de-saude-vo-acabar-com-o-sus>. Acesso em: 12 abr.
do Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde 2013.
(COAP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
2012d. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/ KUSCHNIR, R. C.; CHORNY, A. H. Redes de atenção
bvs/saudelegis/cit/2012/res0003_30_01_2012.html>. à saúde: contextualizando o debate. Ciência & Saúde
Acesso em: 20 dez. 2013. Coletiva, Rio de Janeiro, v.15, n.5, p. 2307-2316, 2010.
_____. Programa Mais Médicos para o Brasil. Ministério KUSCHNIR, R. C.; CHORNY, A. H.; LIRA, A. M.
da Saúde. 2013. Disponível em: <http://portalsaude. L. Gestão dos sistemas e serviços de saúde. [inter-
saude.gov.br/index.php/cidadao/acoes-e-programas/ net]. Departamento de Ciências da Administração,
mais-medicos>. Acesso em: 21 maio 2014. UFSC, Florianópolis, SC; CAPES/UAB, Brasília,
2010. Disponível em: <www.uft.edu.br/dte/index.
CAMPOS, G.W.S. Reforma política e sanitária: a sus- php?option=com_docman&task=doc_download&a
tentabilidade do SUS em questão? Ciência & Saúde mp;gid=338&Itemid=51>. Acesso em: 27 set. 2013.
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 301-306, 2007.
LEGA, F. Organisational design for health integrated
______. Regionalização é o futuro do SUS [internet]. delivery systems: theory and practice. Health policy,
Região e redes. Disponível em <http://www.resbr.net. Nova York, v. 81, n.2, p. 258-279, 2007. Disponível em:
RESUMO Seres vivos são considerados saudáveis quando em condições de realizar suas pos-
sibilidades, e, para os seres humanos, essas possibilidades são produzidas historicamente. O
objetivo deste trabalho é superar a lógica dos fatores determinantes, compreendendo a saúde
a partir da produção social do humano nas pessoas e das condições de sua máxima realização.
Para a humanidade, as possibilidades são produzidas historicamente pela transformação da
natureza, de forma social, afastando os limites que esta impõe ao humano. A compreensão da
determinação da saúde humana se faz pela análise do modo de produção, do grau de desen-
volvimento das forças produtivas e das relações sociais estabelecidas.
ABSTRACT Living beings are considered healthy when able to accomplish their possibilities, and,
for human beings, such possibilities are produced historically. This paper aims to overcome the
logic of the determining factors, understanding health by the social production of the human on
people and the conditions of its full realization. For mankind, the possibilities are historically
produced by the transformation of nature, performed socially, pushing the limits it imposes on
their existence. The understanding of the determination of human health is reached through the
analysis of the mode of production, the degree of development of productive forces and of social
relations.
DOI: 10.5935/0103-1104.20140082 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 953-965, Out-Dez 2014
954 ALBUQUERQUE, G. S. C.; SILVA, M. J. S.
natureza, obedecendo aos seus instintos. existência. Assim, cria novas necessidades e
As diversas espécies animais retiram da na- torna mais complexas essas condições.
tureza sua sobrevivência adaptando-se às Para prover sua sobrevivência, os seres
circunstâncias impostas. Se a natureza não humanos, em conjunto, produzem coisas,
oferece as condições necessárias, os indi- como roupas, alimentos, moradias, meios de
víduos fenecem. Se a espécie não se adapta transporte, meios de comunicação, conhe-
ao meio natural, extingue-se. Ao longo de cimentos, ferramentas, máquinas, fábricas,
muitas gerações (em geral, em milênios), as entre outras. A produção disso tudo só é pos-
diferentes espécies vão-se adaptando às di- sível pela divisão social do trabalho — alguns
versas circunstâncias que a natureza oferece, produzem alimentos, outros produzem cui-
vivendo dentro de certos limites de tempe- dados médicos, automóveis, computadores,
ratura, pressão, luminosidade, entre outros. máquinas, moradias e assim por diante —,
Porém, é importante destacar que em uma e, com isso, criam-se as condições para que
mesma geração não ocorre adaptação evolu- todos tenham à sua disposição tudo o que
tiva da vida animal. Embora, por outro lado, uma pessoa isoladamente não conseguiria.
os seres vivos em geral apresentem, como Cria-se, portanto, com essa divisão, uma
mecanismos evolutivos, não somente a trans- relação de interdependência entre os di-
missão de “melhores genes para um ambien- versos setores da produção, relação na qual
te futuro” (FOLADORI, 2011, p. 50), mas também a é dada a condição humana. Portanto, uma
transmissão de um ambiente modificado pessoa, isoladamente, não conseguiria viver
(pela sua existência e relação com o meio na condição alcançada pela humanidade,
biótico e abiótico) para os genes vindouros. pois não conseguiria produzir tudo o que em
No caso dos humanos, porém, essa modi- sociedade torna-se possível e desenvolver
ficação ocorre de modo especial. Estes, para em si todas as potencialidades humanas.
realizar seu potencial, necessitam dispor A sobrevivência humana, como dis-
dos recursos naturais, mas, se todo ser vivo semos, diferentemente da dos outros
atua modificando o meio, os seres humanos animais, não se dá através de uma relação
têm por característica particular atuar sobre instintiva de subordinação à natureza. É
a natureza de forma teleológica, buscando desta, também, que o humano retira sua
transformá-la intencionalmente. Através do sobrevivência, mas, através de sua ação
trabalho, ação previamente pensada, dirigi- intencional modifica a mesma, subordi-
da a um determinado fim (MARX, 1965), os seres nando-a a seus desígnios e, assim, pro-
humanos afastam aqueles limites que a natu- duzindo seus meios de sobrevivência.
reza impõe à plena realização de suas poten- Não apenas extraindo diretamente da
cialidades, ampliando, permanentemente, natureza o que necessita, mas produzindo
essas próprias potencialidades. objetos que nela não existiam através da
sua modificação.
Se a humanidade só retirasse o que a na-
A produção social do tureza oferece, como no caso dos outros
humano e a determinação animais, em tempos de frio extremo, de seca,
de ‘entressafras’, morreríamos de hipoter-
da saúde e da doença mia, sede ou fome e não conseguiríamos
jamais voar, explorar o espaço, ou armazenar
Ao atuar sobre a natureza para a produção da informações em um computador. Ao modifi-
sua existência, o gênero humano não só cria car a natureza, a humanidade acaba por con-
novas condições de existência como também trolar seus processos de forma a adequá-la a
novos meios de produzir novas condições de suas necessidades.
que o objetivam, diferentemente dos demais vida humana depende, portanto, do grau de
animais. desenvolvimento e da forma como a própria
sociedade se organiza.
As formas de objetividade do ser social se de-
senvolvem, à medida que surge e se explicita
a práxis social, a partir do ser natural, tornan- Saúde e seus determinantes
do-se cada vez mais claramente sociais. Esse
desenvolvimento, porém, é um processo dia- Tomemos a definição de Juan César García,
lético, que começa com um salto, com o pôr segundo a qual saúde constitui condição de
teleológico do trabalho, não podendo ter ne- “máximo desenvolvimento das potenciali-
nhuma analogia na natureza. (LUKÁCS, 1979, p. 17). dades do homem, de acordo com o grau de
avanço obtido pela sociedade em um período
É um ser, agora, que precisa utilizar os histórico determinado” (GARCIA, 1989, p. 103).
objetos humanos produzidos para adquirir Se entendermos, assim, que saúde signi-
o grau de humanidade que a humanidade fica ‘estar vivo e em condição de nos objeti-
atingiu. Precisa ser educado, precisa apren- varmos como humanos, de realizarmos em
der a utilizar o garfo, a faca, a leitura, o cada um de nós o máximo dentro do que a
computador, os automóveis, os antibióticos, humanidade já estabeleceu como possibili-
enfim, tudo aquilo que a sociedade produ- dade’, torna-se muito claro que essa objeti-
ziu e que é necessário para poder viver o vação depende não somente da regularidade
quanto tornou possível e realizar aquilo que anatomofuncional do corpo, mas também
o gênero humano realiza. da possibilidade de apropriação daquilo
que a humanidade produziu. Os produtos
Desde o momento em que nasce, a criança for- humanos aos quais estamos nos referindo
ma o seu comportamento sob a influência das e dos quais necessitamos para nos objeti-
coisas que se formaram na história: senta-se à varmos incluem: alimentos, moradia, edu-
mesa, come com colher, bebe em xícara e mais cação, meio ambiente, transporte, serviços
tarde corta o pão com a faca. Ele assimila aque- de saúde, hábitos ou estilos de vida, entre
las habilidades que foram criadas pela história outros, denominados de ‘determinantes
social ao longo de milênios. Por meio da fala sociais de saúde’.
transmitem-lhe os conhecimentos mais ele- Segundo a Comissão Nacional sobre os
mentares e posteriormente, por meio da lingua- Determinantes Sociais da Saúde (2008), tais
gem, ele assimila na escola as mais importantes determinantes estariam vinculados aos com-
aquisições da humanidade. A grande maioria de portamentos individuais e às condições de
conhecimentos, habilidades e procedimentos vida e trabalho, bem como à macroestrutu-
do comportamento de que dispõe o homem ra econômica, social e cultural. Seriam os
não são o resultado de sua experiência própria “fatores sociais, econômicos, culturais, étni-
mas adquiridos pela assimilação da experiência co-raciais, psicológicos e comportamentais
histórico-social de gerações. (LURIA, 1979, p. 73). que influenciam a ocorrência de problemas
de saúde e seus fatores de risco na popula-
Assim, a vida humana se produz confor- ção” (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 78).
me se organiza, em sociedade, a produção Questões como o grau de autonomia,
e distribuição dos meios de sobrevivência, segurança, reconhecimento, recompensa
dos produtos humanos. Realiza-se, portanto, ou frustração diante do esforço, frequente-
dentro dos limites e possibilidades que o de- mente denominadas de determinantes psi-
senvolvimento das forças produtivas e as re- cossociais da saúde (FLEURY-TEIXEIRA, 2009), são
lações de produção estabelecem (MARX, 1965). A também produtos das diversas formações
sociais e desempenham papel importante comportamentais. Sob essa óptica, uma ação
como determinantes da saúde. consistente de saúde deveria atacar a má
Apesar do vínculo reconhecido pela distribuição de renda. Os processos sociais
Comissão Nacional de Determinantes que determinam essa má distribuição, no
Sociais, exposto acima, há um forte risco de entanto, não são colocados em questão,
‘culpabilização’ dos sujeitos na adoção dos expondo uma fragilidade fundamental neste
fatores determinantes como categoria expli- tipo de explicação.
cativa da saúde, diante do que alguns estudos Mesmo os modelos como os de Dahlgren
advertem para o fato de que e Whitehead e o de Diderichsen, que buscam
ampliar o olhar sobre os determinantes, no
A determinação social da saúde está muito sentido de superar tal fragilidade explica-
além de determinantes isolados e fragmen- tiva e produzir indicações para a ação po-
tados que, sob uma perspectiva reducionis- lítica voltada a minimizar os diferenciais
ta, são associados com fatores clássicos de dos diversos grupos sociais, indicam que a
riscos e estilos de vida individuais. Não de- condição de saúde e doença dos indivíduos
vemos permitir que o conceito de determi- é influenciada pelo contexto social, pelas
nantes sociais seja banalizado, ou reduzido, condições de vida e trabalho, ambos rela-
simplificando-o ao tabagismo, ao sedentaris- cionados às condições macrodeterminantes
mo, ou a uma inadequada alimentação. O que (econômicas, culturais e ambientais), mas
precisamos reconhecer é que por trás dessas não demonstram as relações dialéticas exis-
práticas, existe uma construção social basea- tentes entre as diversas instâncias, ocultan-
da na lógica de uma cultura hegemônica [...]. do seus nexos de determinação (SOUZA; SILVA;
(CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE, 2011, p. 1). SILVA, 2013).
Todas as questões apresentadas como
Alguns estudos buscam solucionar tal determinantes das condições de saúde e
questão ressaltando a importância da distin- doença dos indivíduos e dos grupos popula-
ção entre os determinantes de saúde dos in- cionais são analisadas em uma perspectiva
divíduos e os de coletivos de indivíduos, uma positivista, fragmentadas, não conexas, sem
vez que fatores que explicariam as diferen- uma base unificadora que as organize racio-
ças individuais não explicariam as diferen- nalmente e explique sua ocorrência.
ças entre grupos sociais ou entre sociedades No exemplo citado, a iniquidade na distri-
(BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). buição de renda é tomada como característi-
ca inerente às formações sociais estudadas,
As importantes diferenças de mortalidade cuja origem ou determinação não se explica.
constatadas entre classes sociais ou grupos As produções mais recentes têm supe-
ocupacionais não podem ser explicadas pe- rado a instância de análise singular, de-
los mesmos fatores aos quais se atribuem as monstrando que os comportamentos (de
diferenças entre indivíduos, pois se contro- risco) ocorrem subordinados às condições
lamos esses fatores (hábito de fumar, dieta, particulares de existência, nos limites que
sedentarismo etc.), as diferenças entre estes o modo de vida dos diversos grupos sociais
estratos sociais permanecem quase inaltera- impõe. Em decorrência disso, as propostas
das. (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 81). de intervenção voltadas à melhoria da saúde
incluem: a preocupação com mudanças em
Segundo os autores citados, as diferen- normas culturais, ações educativas de massa,
ças seriam marcadas muito mais pelo grau melhoria de acesso a alimentos saudáveis,
de ‘equidade’ na distribuição de renda que melhor acesso à água limpa, esgoto, habita-
pelos fatores individuais biológicos ou ção adequada, emprego seguro e realizador,
de correspondência entre fatores determi- constituiria uma raça à parte, que se repro-
nantes, tomados como elementos que geram duz em excesso e morre em excesso e que
desiguais condições de saúde e doença, pres- a solução para tal situação seria civilizá-los
supõe a possibilidade de intervir sobre eles, com a ajuda da religião, por meio do rigor
desconsiderando os limites e possibilidades moral e da cidadania responsável.
impostos pelo modo de produção dominante.
limites que a natureza nos impõe, ampliando em meio a uma crise de dimensões globais.
as possibilidades de realização da vida. Vivemos o agravamento da contradição
A condição de máxima realização de cada entre a abundância de condições de produ-
indivíduo exige a superação do modo de ção da base material da vida e a restrição do
produção capitalista que aliena dos sujeitos acesso a parcelas crescentes da população
singulares as conquistas do gênero humano. mundial a essa mesma base, acompanhada
Tal alienação ocorre apesar dos avanços pro- da rarefação de respostas satisfatórias das
porcionados pelo capitalismo, pelos limites forças políticas dominantes. Configura-se,
impostos pela propriedade privada dos ao mesmo tempo, uma situação de insol-
meios de produção, que promovem o distan- vência do modo de produção capitalista, ao
ciamento entre as possibilidades de realiza- lado da possibilidade de sua superação por
ção do indivíduo diante das possibilidades uma ordem social mais favorável à vida. O
alcançadas pelo gênero humano. Isso se evi- excedente socialmente produzido é cada
dencia, por exemplo, nas recorrentes crises vez maior e não dirigido à satisfação das ne-
de superprodução ao lado da manutenção cessidades da vida, mas às necessidades de
de imensos contingentes populacionais em expansão do capital.
condições de carestia, no desemprego estru- Parcela cada vez maior da força de tra-
tural produzido pela redução da necessidade balho passa a ser desnecessária para a pro-
de trabalho vivo, ao lado do aumento da ex- dução do capital, tendo sua sobrevivência
ploração dos trabalhadores em atividade. ameaçada justamente quando poderia ter
Segundo Mészáros (2006), a atualidade sua vida potencializada. A humanidade já
é marcada por uma condição inédita de tem condições de produzir o necessário para
possibilidade de superação do modo de todos viverem uma vida que proporcione
produção capitalista, mesmo diante da ca- o desenvolvimento das potencialidades de
pacidade de criação de medidas de sobrevi- todos os humanos, com muito menos traba-
vência e de expansão do capitalismo, com as lho vivo. (POCHMANN, 2013; MÉSZÁROS, 2006). Resta,
manobras manipulatórias de muitos de seus como tarefa, produzir uma teoria da transi-
problemas. Não há como negar que estamos ção para a nova ordem social. s
Referências
ALMEIDA FILHO, N. O que é saúde? Rio de Janeiro: GRANDA, E.; BREILH, J. Investigação da saúde na
Editora Fiocruz, 2011. sociedade: guia pedagógico sobre um novo enfoque
epidemiológico. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro:
ARELLANO, O. L.; ESCUDERO, J. C.; MORENO, ABRASCO, 1989.
L. D. C. Los determinantes sociales de la salud: una
perspectiva desde el Taller Latinoamericano de LAURELL, A. C. A saúde-doença como processo social.
Determinantes Sociales sobre la Salud, ALAMES. In: NUNES, E.D. (Org.). Medicina social: aspectos
Medicina Social, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 323-335, 2008. históricos e teóricos. São Paulo: Global, 1983. p.
1333-1358.
BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus
determinantes sociais. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, LUCCA, S. R.; MENDES, R. Epidemiologia dos
p. 77-93, 2007. acidentes do trabalho fatais em área metropolitana da
região sudeste do Brasil, 1979-1989. Rev. Saúde Pública,
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY OF THE São Paulo, v. 27, n. 3, 1993, p. 168-176.
UNITED STATES OF AMERICA. Country comparison
of infant mortality rate. 2014. Disponível em: <https:// LUKÁCS, G. Ontologia do ser social: os princípios
www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/ ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Livraria
rankorder/2091rank.html>. Acesso em: 11 abr. 2014. Editora Ciências Humanas, 1979.
Leandro Martin Totaro Garcia1, Iadya Gama Maio2, Taynã Ishii dos Santos3, Catarina Bourlinova
de Jesus Cunha Folha4, Helena Akemi Wada Watanabe5
5Doutora em Saúde
Pública pela Universidade
de São Paulo (USP) –
São Paulo (SP), Brasil.
Professora da Universidade
de São Paulo (USP) – São
Paulo (SP), Brasil.
hwatanab@usp.br
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 966-980, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140083
Intersetorialidade na saúde no Brasil no início do século XXI: um retrato das experiências 967
Quadro 1. Características das ações intersetoriais com foco em problemas de saúde pública no Brasil, realizadas e publicadas de 2001 a 2013
Becker et al., 2004. Iniciativa de Vila Paciência, Rio de Janeiro (RJ), de 2001 a 2003.
Carneiro e Gomes, 2004. Fórum de Combate à violência, Juazeiro (BA), de 2002 a 2004.
Dobashi et al., 2005. Projeto Viva Seu Bairro!, Campo Grande (MS), de 2001 a 2005.
Quadro 1. (cont.)
Sperandio et al., 2006. Saúde ocular de crianças de 0 a 7 anos, Campinas (SP), 2003.
Quadro 1. (cont.)
Magalhães Junior e Oliveira, 2006. Ações de combate à violência, Belo Horizonte (MG), de 2002 a 2006.
Quadro 1. (cont.)
Padula et al., 2006. Intoxicação por chumbo em crianças, Bauru (SP), 2002 e 2003.
Parreira et al., 2007. Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS), São Paulo (SP), de 2005 a 2007.
Quadro 1. (cont.)
Mori e Ogata, 2010. Projeto Produção de Cuidado Intersetorial, São Carlos (SP), 2008.
Freitas et al., 2011. Grupo Executivo para o controle de dengue, Belo Horizonte (MG), 2007 e 2008.
Quadro 1. (cont.)
Palácios et al., 2012. Projeto Hortas Comunitárias, Maringá (PR), de 2005 a 2011.
direcionaram sua atenção. Essa é uma reali- é necessário lembrar que somente uma base
dade para a maioria dos projetos sociais no de referências foi utilizada para a busca.
Brasil, atualmente (LOPES; MALFITANO, 2006). Apesar da atual abrangência da base Lilacs -
Por fim, vale apontar duas característi- mais de 850 periódicos e de 650 mil registros,
cas das publicações em si. Dos onze artigos, em março de 2013 - é possível que alguns
oito se referem a ações ocorridas na região artigos disponíveis somente em outras bases
Sudeste (BECKER et al., 2004; LOPES; MALFITANO, 2006; não tenham sido avaliados quanto à sua ele-
MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006; PADULA et al., gibilidade para esta revisão. Por outro lado,
2006; SPERANDIO et al., 2006; PARREIRA; SOUSA; NEVES, não é do conhecimento dos autores trabalho
2007; MORI; OGATA, 2010; FREITAS; RODRIGUES, ALMEIDA, similar sobre o tema, e acredita-se que os
2011)e um nas regiões Sul (PALÁCIOS et al., 2012), resultados aqui apresentados oferecem um
Nordeste (CARNEIRO; GOMES, 2004) e Centro- bom panorama sobre as ações intersetoriais
Oeste (DOBASHI et al., 2005). Isso pode indicar recentes.
que a intersetorialidade ainda é uma prática
ou pouco desenvolvida nas demais regiões ou
pouco compartilhada no meio acadêmico. A Considerações finais
segunda hipótese parece mais plausível aos
autores deste manuscrito, uma vez que tais O escopo deste estudo foi a identificação de
práticas normalmente nascem e se desenvol- artigos nacionais sobre programas interseto-
vem nos serviços à população, setor em que a riais que envolvessem o setor saúde. Todos
publicação acadêmica das experiências e dos consideraram a intersetorialidade como
resultados não é um produto tão importante. fundamental para a promoção da saúde, mas
Talvez tal escassez indique que a academia nenhum deles explicitou a definição de inter-
precise ir mais a campo conhecer as experi- setorialidade em que se embasaram. Assim, a
ências e que os operadores de políticas pú- partir desta revisão se pode concluir que as
blicas sejam incentivados a publicizar suas ações intersetoriais realizadas nos primeiros
experiências intersetoriais. anos do século atual ainda parecem incipien-
A segunda característica das publicações tes no Brasil, se considerarmos os trabalhos
que merece destaque é o fato de que cinco publicados em periódicos científicos, no
manuscritos (CARNEIRO; GOMES, 2004; DOBASHI et que diz respeito à sua descrição, execução e
al., 2005; MAGALHÃES JUNIOR; OLIVEIRA, 2006; PARREIRA; avaliação. As experiências relatadas indicam
foram
SOUSA; NEVES, 2007; PALÁCIOS et al., 2012) a grande potencialidade desse tipo de ação
publicados no periódico Divulgação em para o enfrentamento de problemas em
Saúde para Debate, editado e distribuído saúde pública, tendo como partida a visão
pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde ampliada do processo saúde‑doença, bem
(Cebes). Talvez isso tenha ocorrido por como para a promoção da saúde em nosso
conta de sua política editorial e seu escopo, País. Em todas as iniciativas, pelo menos
uma vez que pretende difundir o conheci- quatro serviços ou setores foram envolvi-
mento produzido na experiência cotidiana dos. O setor educação foi um grande parcei-
dos sistemas municipais de saúde, divul- ro nessas ações, e as Instituições de Ensino
gando documentos resultantes de eventos Superior participaram de sete delas.
promovidos por instituições ou entidades Todos os estudos apresentam o potencial
do setor saúde (CEBES, 2014). Isso pode indicar das ações intersetoriais para a transforma-
a necessidade de mais espaço nos periódi- ção da realidade local e dos serviços, mas as
cos científicos da área para o relato de tais experiências analisadas carecem de infor-
experiências. mações sobre sua continuidade e, portanto,
Ao considerar os resultados desta revisão, da sustentabilidade dos programas.
Referências
INOJOSA, R. M. Sinergia em políticas e serviços pú- Família e uma creche. Revista de APS: Atenção Primária
blicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. à Saúde, Juiz de Fora, v. 13, n. 4, p. 518-522, 2010.
Cadernos Fundap, São Paulo, n. 22, p. 102-110, 2001.
NARVAI, P. C.; FRAZÃO, P. Práticas de saúde pública.
JUNQUEIRA, L. A. P. Intersetorialidade, In: ROCHA, A. A.; CESAR, C. L. G. (Ed.). Saúde pública:
transetorialidade e redes sociais na saúde. Revista de bases conceituais. São Paulo: Atheneu, 2008. p. 269-295.
Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p.
35-45, 2000. NASCIMENTO, S. Reflexões sobre a intersetorialidade
entre as políticas públicas. Serviço Social & Sociedade,
______. Novas formas de gestão na saúde: São Paulo, n. 101, p. 95-120, 2010.
descentralização e intersetorialidade. Saúde e
Sociedade, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 31-46, 1997. PADULA, N. A. M. et al. Intoxicação por chumbo
e saúde infantil: ações intersetoriais para o
LILACS. Disponível em: <http://lilacs.bvsalud.org>. enfrentamento da questão. Cadernos de Saúde Pública,
Acesso em: 05 nov. 2014. Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 163-171, 2006.
Vanessa Cruz Santos1, Jamile Guerra Fonseca2, Rita Narriman Silva de Oliveira Boery3, Edite Lago
da Silva Sena4, Sérgio Donha Yarid5, Eduardo Nagib Boery6
1Mestranda em Saúde
Pública pela Universidade
Estadual do Sudoeste da
Bahia (Uesb)– Jequié (BA), RESUMO O objetivo do estudo é analisar o que versam as produções científicas sobre eugenia,
Brasil.
vanessacrus@hotmail.com vinculando-as com aspectos bioéticos. Trata-se de uma revisão integrativa de literatura. Os
dados foram coletados nas bases de dados Lilacs e SciELO, por meio dos descritores: eugenia,
2 Mestranda em Saúde
Pública pela Universidade etnia e saúde, ética e bioética. Para a análise e posterior síntese dos artigos foi utilizada figura
Estadual do Sudoeste da sinóptica. Verificou-se que a eugenia viola os direitos humanos, contradiz com o princípio da
Bahia (Uesb) – Jequié
(BA), Brasil. solidariedade e coloca em risco a diversidade humana. Conclui-se que houve déficit de artigos
jam_fonseca@hotmail.com que abordem aspectos bioéticos vinculados à eugenia, assim, este estudo poderá contribuir
3 Doutora em Enfermagem para a reflexão sobre essa articulação.
pela Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp)
– São Paulo (SP), Brasil. PALAVRAS-CHAVE Eugenia (Ciência); Etnia e saúde; Ética; Bioética.
Professora da Universidade
Estadual do Sudoeste da
Bahia (Uesb) – Jequié ABSTRACT The objective of the study is analyzing the scientific productions that deal about bin-
(BA), Brasil. ding-the eugenics with the bioethical issues. This is an integrative literature review. The data
rboery@gmail.com
were collected in Lilacs and SciELO, through descriptors: eugenics, ethnicity and health, ethics
4 Doutora em Enfermagem and bioethics. For later analysis and synthesis of the synoptic articles a figure was used. It was
pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) found that eugenics violates human rights, contradicts with the principle of solidarity and en-
– Florianópolis (SC), Brasil. dangers human diversity. It was concluded that there were articles addressing bioethical issues
Professora da Universidade
Estadual do Sudoeste da related to eugenics, thus, this study may contribute to the reflection on this articulation deficit.
Bahia (Uesb) – Jequié
(BA), Brasil.
editelago@gmail.com KEYWORDS Eugenics; Ethnicity and health; Ethics; Bioethics.
5 Doutor em Odontologia
Preventiva e Social pela
Universidade Estadual
Paulista (Unesp) –
Araçatuba (SP), Brasil.
Professor da Universidade
Estadual do Sudoeste da
Bahia (Uesb) – Jequié
(BA), Brasil.
syarid@hotmail.com
6 Doutor em Enfermagem
DOI: 10.5935/0103-1104.20140084 Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 981-995, OUT-DEZ 2014
982 SANTOS, V. C.; FONSECA, J. G.; BOERY, R. N. S. O.; SENA, E. L. S.; YARID, S. D.; BOERY, E. N.
Quadro 1. Apresentação da síntese dos artigos selecionados e utilizados na revisão, segundo autor, ano, título, base de dados, periódico, intervenções
estudadas, resultados e conclusões. Jequié, Bahia, Brasil, 2013
Valdeir Del Cont Francis Galton: Abordar a proposta galto- Ao selecionar, por intermédio de Possibilidade de controle da heredi-
2008 eugenia e niana, procurando apresen- um controle social dos cruzamentos tariedade daquelas características
hereditariedade tá-la como a tentativa de e determinados traços compor- que pudessem contribuir para o
elaboração de uma teoria tamentais, o eugenista estaria desenvolvimento de um tipo idea-
SciELO preocupada não somente contribuindo para que os elementos lizado, destituído de traços consi-
Sci. stud em oferecer os fundamen- degenerativos fossem eliminados derados degenerativos, viciosos e
tos para a compreensão da e os elementos benéficos fossem doentios
hereditariedade, bemcomo conservados
indicar os procedimentos
selecionadores das melho-
res características popula-
cionais
Lilian Denise A inserção do Analisar a inserção do termo A enfermagem tem acompanhado o A enfermagem vem sendo pautada
Mai; Emília termo eugenia na ‘eugenia’ e correlatos na movimento mais amplo em torno da nos conhecimentos científicos já
Luigia Saporiti revista brasileira REBEn no período de 1932 eugenia nos dois primeiros momen- construídos, os quais vêm sendo
Angerami de enfermagem a 2002 tos, ou seja, de defesa e estímulo a gradativamente superados, e em um
2006 – REBEn, 1932 a sua prática e seu posterior declínio, conceito de eugenia essencialmente
2002 quando predominam conflitos voltado ao controle reprodutivo,
éticos, legais e morais não sinalizando para as mudanças
Lilacs de conceitos e as novas formas de
Ciência, cuidado e intervenção da atualidade
saúde
Lilian Denise Eugenia negativa Analisar os significados A eugenia positiva implicava em Implementando ações, produziram-
Mai; Emília e positiva: e contradições das ações ações para estimular a boa reprodu- se contradições, como a
Luigia Saporiti significados e eugenistas negativas e ção, e a eugenia negativa em ações discriminação e eliminação de
Angerami contradições positivas construídos conco- para limitar a má reprodução. Por muitas pessoas frente a um ideal de
2006 mitantemente aos avanços outro lado, no início do século XXI, homem, à biologização de fatores
SciELO técnico-científicos do século eugenética negativa implica em eminentemente sociais à defesa da
Rev Latino-am XX ações para prevenir doenças gené- pretensa neutralidade científica e
Enfermagem ticas; eugenética positiva especula ao uso indiscriminado do direito de
sobre criar ou melhorar característi- escolha reprodutiva
cas físicas e mentais do futuro ser
Ivana de Oliveira Neoeugenia: o Estabelecer paralelo entre as Neoeugenia designa as práticas se- Aponta a necessidade de fixar
Fraga; Mônica limite entre a técnicas biomédicas adota- letivas da espécie humana mediante critérios para determinar o início
Neves Aguiar manipulação das nas terapias gênicas e manipulação gênica. Discute as da existência dos direitos individu-
2010 gênica terapêutica nas práticas de reprodução repercussões da medicina preditiva, ais, garantindo sua observância e
ou reprodutiva assistida a discriminação genética, as conse- viabilizando o respeito à liberdade,
e as práticas quências dos possíveis erros ocasio- identidade e intimidadesgenéticas,
biotecnólogicas nados pela adoção dessas práticas, de forma que o genótipo humano
seletivas da espécie bem como o reflexo das práticas não venha a ser fator impeditivo ao
humana biotecnológicas na esfera dos direi- gozo dos direitos fundamentais já
tos fundamentais dos indivíduos assegurados
Lilacs
Revista Bioética
Márcio Andrei Raciocínio moral Entender como estudantes Houve divisão de opiniões em As variações nas opiniões em rela-
Guimarães; na tomada de do ensino médio percebem relação à eugenia negativa, que ção ao assunto tratado podem ser,
Washington decisões em e interpretam questões se destina a remover caracterís- em grande medida, devidas às re-
Luiz Pacheco relação a questões relacionadas à manipulação ticas desfavoráveis das pessoas; presentações sociais dos estudantes
sociocientíficas: genética em seres humanos mas a eugenia positiva, que busca
de Carvalho;
o exemplo do melhoramento de características
Mônica Santos
melhoramento estéticas, foi rejeitada por todos os
Oliveira genético humano estudantes
2010
SciELO
Ciênc. educ. (Bauru)
Quadro 1. (cont.)
Josué Laguardia Raça, genética & Apontar os pressupostos Existência de doenças étnicas com Quando a genética e a doença ge-
2005 hipertensão: nova etiológicos que embasam os base na análise de agregados e des- nética estão entrelaçadas com raça
genética ou velha argumentos racializadores crição de diferenças físicas repre- e os estereótipos a ela associados,
eugenia? da hipertensão, as hipóte- senta uma intervenção no domínio as minorias étnicas e raciais são
ses alternativas presentes da saúde pública que não se justifi- os alvos preferenciais de práticas
Lilacs e SciELO na literatura científica e os ca diante dos achados genômicos e estigmatizantes, coercitivas e discri-
Hist. cienc. saude- aspectos éticos implicados das limitações metodológicas dos minatórias
Manguinhos nesses estudos estudos epidemiológicos
André Luís A psicologia racial Demonstrar como teorias Foram analisados os anais da Socie- Esta aproximação gerou uma ‘psico-
Masiero no Brasil (1918- raciais chegaram ao Brasil. dade Eugênica de São Paulo (1919) logia racial’ no Brasil, a qual preten-
2005 1929) Por volta de 1869, entraram e os trabalhos apresentados no 1º dia reduzir os saberes psicológicos a
no âmbito das ciências Congresso Brasileiro de Eugenia uma suposta problemática racial
Lilacs e SciELO psicológicas e direcionaram (1929), que tiveram como meta
Estud. psicol. (Natal) conceitos e práticas ‘melhorar a raça nacional’. Participa-
ram psicólogos, psiquiatras e an-
tropólogos que se aproximaram do
racismo científico, muito difundido
pelo mundo no início do século XX
Robert Wegner; Eugenia ‘negativa’, Analisa o diálogo do eu- Entusiasmados com as pesquisas e De acordo com o que tem sido
Vanderlei psiquiatria e genista Renato Kehl com a aplicação de medidas eugênicas apontado pela historiografia, a euge-
Sebastião de catolicismo: um grupo de psiquiatras em países como os EUA e a Ale- nia mais radical teve poucos adep-
Souza embates em torno brasileiros que, no início da manha, autores elegeram a religião tos no Brasil ou, ao menos, perdeu
da esterilização década de 1930, aproxima- católica como empecilho para que sua força exatamente no momento
2013
eugênica no Brasil ram-se da chamada eugenia o Brasil pudesse seguir caminho em que se discutia a lei de esteriliza-
negativa semelhante, especialmente quanto ção alemã
Lilacs e SciELO à resistência à implantação da es-
Hist. cienc. saude- terilização dos ditos ‘degenerados’
Manguinhos que passara a vigorar na Alemanha
em 1934
Elisabete Eugenia e Construir como foi o cenário A eugenia brasileira, nas duas As ações da Fundação Rockefeller,
Kobayashi; Lina Fundação no qual a eugenia, de manei- primeiras décadas do século XX, naquilo que se refere à eugenia,
Faria; Maria Rockefeller no ra geral, e a brasileira, espe- possuía características particulares. na Alemanha, ou ao sanitarismo/
Conceição da Brasil: a saúde cificamente, se desenrolou Em primeiro lugar: a crença de que eugenia no Brasil, não eram ações
como proposta trazendo à tona as posturas as condições do meio ambiente isoladas, mas parte de uma política
Costa
de regeneração de alguns eugenistas bra- incidiriam diretamente na constitui- de cooperação internacional. Nova-
2009
nacional sileiros ção do povo brasileiro. Segundo: a mente, ao contrário do que alguns
busca por soluções que tendessem autores querem nos levar a crer, não
SciELO às peculiaridades do país e não foi um ato isolado, mas sim uma
Sociologias simplesmente reproduzissem o que política de incentivo à ciência em
os eugenistas estrangeiros acre- escala mundial
ditavam. Terceiro: a defesa de um
ideal de regeneração de uma raça,
ao contrário da tese de degeneração
defendida em outros países
Cristiane Eugenizar a alma: Analisa a constituição da Análise de saberes médicos e psico- Com efeito, aspirava-se interferir na
Oliveira a constituição ‘euphrenia’ como um novo lógicos acerca do psiquismo infantil antropologia vindoura: fabricar um
2011 da euphrenia no domínio para a psiquiatria no Brasil, das décadas de 1920 e indivíduo que, se não podia ser sele-
projeto de higiene brasileira na sua abordagem 1930, descortina a intensa circula- cionado rigorosamente pela eugenia,
mental voltado eugênica e higiênica da ção afetiva intrafamiliar como ponto deveria receber da medicina uma
à infância da infância de ancoragem para um projeto de profilaxia mental (leia-se sexual)
Liga Brasileira de normalização social, ainda centrado para ser hiperajustado à norma
Hygiene Mental na eugenia, mas já atravessado por
uma psicologia da adaptação
Lilacs e SciELO
Rev. Latinoam.
Psicopat. Fund.
Quadro 1. (cont.)
Flavia Miranda Saúde pública Contextualizar o campo da O Projeto Genoma Humano gerou Uma discussão de todos esses
Gomes de e ética na era saúde pública diante dos várias expectativas, dentre elas: a pos- tópicos é essencial para que a saú-
Constantino da medicina grandes avanços da biotec- sibilidade de rastrear genes associados de pública seja beneficiada com
Bandeira; Yara genômica: nologia e genética aplicada, a doenças e comportamentos, e mais as informações obtidas através da
rastreamentos destacando elementos para ainda, de intervir geneticamente no ser análise genômica das populações
de Miranda
genéticos. a problematização do tema, humano, levantando preocupações re-
Gomes;
tais como: benefícios e lativas ao renascimento da eugenia, ao
Frederico Lilacs e SciELO questões éticas relacionados aconselhamento genético, e ao uso da
Guilherme Rev. Bras. Saúde aos rastreamentos genéticos informação genética como critério de
Coutinho Abath Matern. Infant acesso aos planos de saúde e postos
2006 de trabalho
dispostos na Declaração, ou para limitar seu os conflitos passavam a ser explicitados, uma
escopo (UNESCO, 2005). vez que para alcançá-lo discutia-se pela limi-
Neste contexto, fica perceptível, a partir tação ou eliminação daqueles que viessem a
da abordagem desta categoria, que a criação diferir do mesmo (MAI; ANGERAMI,2006).
de práticas eugenistas provocou diversos De acordo com a Declaração Universal dos
malefícios, principalmente para aqueles Direitos Humanos, de 1948, todos os cidadãos
indivíduos da sociedade que foram aco- são livres e iguais perante e lei e deve ser assegu-
metidos de forma direta ou indiretamente. rado o direito da não discriminação em qualquer
Estes indivíduos foram vítimas de precon- situação de sua vida. Todo e qualquer indivíduo
ceito por apresentar diferenças, que para o possui dignidade e direitos perante aos outros
governo alemão daquela época, comandado e ao Estado (ONU, 1948). Logo, espera-se que a so-
por Hitler inferiorizavam uma camada da ciedade haja entre si com espírito fraterno, com
população em detrimento de outra, conside- pessoas dotadas de razão e livre consciência.
rada sem imperfeições. Entretanto, após su- Em se referindo ao tema da eugenia na le-
cessivas mudanças ocorridas com a maneira gislação nacional, o Código de Ética Médica
de fazer pesquisa com seres humanos, prin- foi o primeiro instrumento normativo, que
cipalmente a partir da inserção da bioética, além da vedação expressa de práticas eugê-
notou-se que a segregação, extinção e/ou nicas relacionadas a técnicas de reprodução
extermínio de determinada raça, como as assistida, também é interdito ao médico
advindas das práticas eugênicas, prejudicava participar em qualquer tipo de pesquisa
o desenvolvimento da diversidade humana. com fins eugênicos, considerados como vio-
ladores da dignidade humana (art. 99), bem
Violação dos direitos humanos como, proíbe qualquer intervenção que vise
à modificação do genoma humano, salvo
Além de proporcionar incentivo e impulso se realizada com fins terapêuticos (art. 16)
aos cuidados reprodutivos, a configuração do (CONSELHO NACIONAL DE MEDICINA, 2009).
movimento eugenista baseou-se em um con- Para Bandeira, Gomes e Abath (2006) o
ceito biológico de raça superior ou inferior, Projeto Genoma Humano provocou diversas
discriminou determinados indivíduos a partir expectativas, dentre elas, a possibilidade de ras-
da configuração de um ideal de homem, utili- trear genes associados a doenças e comporta-
zando-se de argumentos tidos como científi- mentos, e mais ainda, de intervir geneticamente
cos para tal, e interpretou condições de vida, no ser humano, propiciando benefícios sociais.
resultantes da forma de organização social, Entretanto, haja vista a novidade, complexidade
como sendo consequência da hereditariedade e amplitude do assunto, é natural que existam
dos indivíduos (MAI; ANGERAMI, 2006). opiniões controversas e questões ainda abertas,
A partir de estudo sobre a inserção do termo com relação a como isto deve ocorrer. Logo,
eugenia na Revista Brasileira de Enfermagem deve-se evitar o radicalismo intransigente, além
(REBEn), verificou-se que no período de 1954 das inaceitáveis flexibilizações motivadas por
a 1976, de modo geral, ocorreu declínio do interesses pessoais ou grupais.
entusiasmo visto nos anos de 1930 em torno Com o objetivo de proteger a integri-
das ideias eugenistas. Os textos da REBEn dade genética do ser humano a Unesco
denotam tal declínio, revelando um conteú- adotou as Diretrizes para a Implementação
do demarcado por conflitos éticos, legais e da Declaração Universal sobre o Genoma
morais, referentes à prática da eugenia. Tais Humano e os Direitos Humanos, elabora-
conflitos não escondem a configuração de um das pelo Comitê Internacional de Bioética e
ideal eugênico de perfeição do ser humano, aprovadas pelo Comitê Intergovernamental
pelo contrário, tendo em vista esse ideal é que de Bioética. Este diploma internacional
confere ao genoma o caráter de unidade fun- de sua exteriorização na história, tendo por
damental da espécie humana e reconhece finalidade a seleção de características ditas
sua dignidade intrínseca e sua diversidade favoráveis da espécie humana (mesmo que
e, ainda, acrescenta sua condição de “patri- à custa do sacrifício de outros bens muito
mônio da humanidade” (art. 1º). Reconhece, valiosos, como os direitos fundamentais),
também, que independentemente de suas chega ao cotidiano com uma ‘roupagem’
características genéticas, todos os indivídu- preocupante e poderosa: a da manipulação
os têm direito à proteção da sua dignidade, gênica (FRAGA; AGUIAR, 2010).
respeitando desse modo, suas peculiaridades As práticas eugênicas, geralmente, camu-
humanas, bem como as sociais estabelecidas fladas pela promessa de cura ou resolução de
por meio do interacionismo com outros seres problemas orgânicos da espécie, mas, muitas
humanos (art. 2º) (UNESCO, 1999). vezes, atendendo a interesses econômicos e
Na Declaração Universal dos Direitos políticos, possuem uma face deletéria, prin-
Humanos, em seu artigo VI, está expresso cipalmente, no que diz respeito à afronta aos
que “todo homem tem direito a ser, em todos direitos da personalidade. Sabe-se ainda, que
os lugares, reconhecido como pessoa perante alterações genéticas frequentes podem oca-
a lei”, garantindo a todo e qualquer indivíduo sionar a modificação no genoma humano,
o respeito a sua condição de integrante da o que reflexamente propiciará desvios no
humanidade, sendo incompatível qualquer desenvolvimento natural da espécie e dese-
dispositivo que importe em discriminação de quilíbrio nos diversos sistemas biológicos
pessoas ou grupos de pessoas (ONU, 1948). terrestres (FRAGA; AGUIAR, 2010).
O art. 11º da Declaração Universal sobre Seguindo esta perspectiva, pode-se reco-
Bioética e Direitos Humanos de 2005, des- nhecer a respeito do princípio da solidarie-
creve que nenhum indivíduo ou grupo deve dade que enfatiza a aceitação da diversidade
ser discriminado ou estigmatizado por social, bem como, de sua pluralidade e, que
qualquer razão, o que constitui violação à deste modo, a democracia pode ser realmen-
dignidade humana, aos direitos humanos e te estabelecida entre os povos (CASALI, 2006).
liberdades fundamentais (UNESCO, 2005). O princípio da solidariedade, portan-
Concernente a esta categoria, os indiví- to, vem desconstruir a face da segregação
duos que mais tiveram seus direitos violados baseada em características raciais dentre
foram os negros e aqueles que se encontravam outros com o intuito de melhoramento da
com um ou mais tipo de necessidades espe- espécie, já que propõe em suas linhas que a
ciais, haja vista que estes eram culpabilizados base da sociedade é seu sentido plural para
devido a um conceito meramente biogeneti- que haja a fraternidade entre seus membros
cista de raça superior ou inferior. Porém, essa independente de quaisquer aspectos obser-
realidade foi modificada no decorrer dos anos váveis ou não observáveis.
e, isto se deve também aos avanços legislativos Com a Constituição Federal ficou estabe-
que proíbe as práticas eugenistas, por consi- lecido, a segurança da prática dos direitos
derar que qualquer ser humano, independen- sociais e individuais, liberdade, segurança,
te de suas características biológicas, sociais, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e
econômicas, entre outras, tem o direito de ser a justiça, como bases para uma sociedade
respeitado e de fazer parte de uma sociedade solidária, plural e livre de qualquer tipo de
que é diversificada. preconceitos. O fundamento incontestável
do Estado Democrático de Direito é a digni-
Princípio da solidariedade dade da pessoa humana, como expresso no
art. 1º, capítulo III da Constituição Federal
A eugenia, a despeito das diversas maneiras e, o direito à vida e a integridade física do ser
consideram-se estas como expressões racia- preocupação para as maiorias que sofrem
lizadas da biologia que consistem em men- limitações em sua própria liberdade, sem
surações que comprovariam doenças inatas a contar com o déficit de empoderamento e
determinadas raças e as expressões biológicas predisposição a um estado de maior vulnera-
do racismo, as quais se formam por disparida- bilidade social (SCHRAMM; KOTTOW, 2001). Quando
des em saúde, explicadas por diferenças gené- se associa questões étnicas ou raciais a uma
ticas expostas ao racismo, de forma ideológica suposta susceptibilidade genética, acontece
e proposital, a fim de tratar os negros como a racialização dos agravos a saúde e, neste
grupo geneticamente desigual, mutilado, pri- contexto, renega as demais alternativas de
mitivo e inferior aos demais (LAGUARDIA, 2005). causalidade dos mesmos, por excluir outros
A exclusão social é um problema que aspectos responsáveis por tais, como os de
demanda como resposta seu equacionamen- caráter social, cultural e econômico.
to por parte do governo e da sociedade. Pois, Impor sobre as raças a causalidade de
nestes casos é a exclusão, e não a pobreza, doenças fortifica a estigmatização sobre de-
que ameaça a organização social, a autorida- terminadas raças, que passam a ser inseridas
de política e o projeto econômico. A exclusão erroneamente em grupos de riscos. Não se
se refere à não incorporação de uma parte quer com esta afirmação o desmerecimento
significativa da população à comunidade de questões epidemiológicas ou raciais na
social e política, negando sistematicamente ciência, contudo pretende-se a não gene-
seus direitos de cidadania (FLEURY, 2007). E, isto ralização da situação (LAGUARDIA, 2005). Com
é o que ocorre a partir de práticas eugênicas, referência à teoria da existência de uma
uma vez que essas, por meio de mensurações raça predominantemente superior à outra,
de superioridade-inferioridade, excluem esta foi vencida por meio de experiências
aqueles que são vulnerados socialmente. que comprovam a não existência de genes
Em estudo sobre o raciocínio moral na exclusivos de uma determinada população,
tomada de decisões em relação a questões so- havendo possibilidade comprobatória de
ciocientíficas, o exemplo do melhoramento ge- que o gene de um cidadão nascido na África,
nético humano, realizado com dois grupos de por exemplo, possa se assemelhar mais ao de
estudantes, foi verificado que todos discordam um cidadão nascido na Noruega do que de
da eugenia positiva, indagando que a mesma outro africano (MAI; ANGERAMI, 2006).
não deveria ser realizada em seres humanos, O desvelar desta categoria mostra a vulne-
pois o uso de técnicas de melhoramento ge- rabilidade social como um dos argumentos
nético em seres humanos pode desencadear utilizados para aqueles que realizam práti-
discriminação (GUIMARÃES; CARVALHO; OLIVEIRA, 2010). cas eugênicas, o que acontece também com
Por isso, em prol de proteger o ser humano crianças. Por esta e outras razões, pode-se
de inferências negativas provindas de pesqui- mencionar que a bioética do risco e da pro-
sas que envolvam melhoramento genético foi teção se transformou em uma ferramenta es-
criada a Lei de Biossegurança, nº 11.105, que sencial contra a eugenia, isto porque ela tem
proíbe a manipulação genética, e também o intuito de proteger qualquer ser humano
considera como crime a utilização de embrião contra os que tentem violar seus direitos.
humano em desacordo com seus dispositivos
(art. 24), assim como a prática de engenha-
ria genética em células, germinal, zigoto ou Argumentos favoráveis às
embrião humano (art. 25) (BRASIL, 2005). práticas eugênicas
A bioética do risco e da proteção ainda
reconhece as desigualdades que violam a Mesmo diante da existência de fatos que
integridade da estrutura social, voltando sua denotem como as práticas eugênicas são
identificação de lacunas que apontam a ne- tratar da temática eugenia, que possam con-
cessidade de investigações com delineamen- tribuir para a produção de pesquisas e conhe-
tos que desenvolvam evidências referentes cimentos, capazes de proporcionar subsídios
à inserção de ferramentas bioéticas, ao se para a reflexão acerca desse tema. s
Referências
KOBAYASHI, E.; FARIA, L.;COSTA M. C. Eugenia e ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 15 abr. 2013.
Fundação Rockefeller no Brasil: a saúde como proposta
de regeneração nacional. Sociologias, Porto Alegre, v.11, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A
n. 22, p. 314-351, 2009. EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA (UNESCO). A
Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos
KOTTOW, M. Vulnerabilidad, susceptibilidades y Humanos: da teoria à prática.1999. Disponível em: <http://
bioética. Lexix Nesis-Jurisprudência, Argentina, v. 4, p. unesdoc.unesco.org/images/0012/001229/122990por.
23-29, 2003. pdf>. Acesso em: 15 abr. 2013.
LAGUARDIA, J. Raça, genética & hipertensão: nova ______. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos
genética ou velha eugenia? História, Ciências, Saúde – Humanos. 2005. Disponível em: <http://unesdoc.
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 371-93, 2005. unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>.
Acesso em: 11 mar. 2013.
LONCARICA, A. G. K.; OUTOMURO, D.; SÁNCHEZ, J.
B. N. I. Terapia génica: ¿tratamiento médico, eugenesia ______. A bioética de proteção é pertinente e
o higiene de la herencia? Acta bioeth, Santiago, v. 10, n. legítima? Revista Bioética, Brasília, DF, v. 19, 3, p. 713-
2. p. 143-153, 2004. 724, 2011.
______. Eugenia negativa e positiva: significados e SCHRAMM, F. R.; KOTTOW, M. Principios bioéticos
contradições. Rev Latinoam Enfermagem, Rio de en salud pública: limitaciones y propuestas. Cad. Saúde
Janeiro,v. 14, n. 2, p. 251-8, 2006. Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 949-956, 2001.
MENDES, K. D.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. WEGNER, R.; SOUZA, V. S. Eugenia ‘negativa’, psiquiatria
Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação e catolicismo: embates em torno da esterilização eugênica
de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto- no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de
enferm, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008. Janeiro, v. 20, n. 1, p. 263-288, 2013.
OLIVEIRA, C. Eugenizar a alma: a constituição da WERNECK, J.; BATISTA, L. E.; LOPES, F. (Org.).
euphrenia no projeto de higiene mental voltado à infância Saúde da população negra. Petrópolis, RJ: DP et Alii;
da Liga Brasileira de Hygiene Mental. Rev. latinoam. Brasília, DF: ABPN. 2012. Disponível em: <http://
psicopatol. fundam, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 627-641, 2011. ennufba.files.wordpress.com/2012/11/saude-
populacao-negra.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2013.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e
Recebido para publicação em dezembro de 2013
proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral Versão final em julho de 2014
Conflito de interesses: inexistente
das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível
Suporte financeiro: não houve
em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/
Sara Cordeiro Eloia1, Eliany Nazaré Oliveira2, Suzana Mara Cordeiro Eloia3, Roselane da
Conceição Lomeo4, José Reginaldo Feijão Parente5
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 996-1007, OUT-DEZ 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140085
Sobrecarga do cuidador familiar de pessoas com transtorno mental: uma revisão integrativa 997
mental na família, como acúmulo de tarefas, cuidadores, para que se compreenda a dinâ-
aumento de custos financeiros, limitação das mica da convivência entre cuidador e fami-
atividades cotidianas e fragilização dos rela- liar com transtorno mental?
cionamentos entre os familiares, entre outros.
A sobrecarga subjetiva diz respeito à percep-
ção pessoal do familiar sobre a experiência Método
de conviver com o doente, seus sentimentos
quanto à responsabilidade e às preocupações Para o alcance do objetivo proposto, selecio-
que envolvem o cuidado à saúde (CARDOSO; nou-se como método de pesquisa a revisão
GALERA; VIEIRA, 2012). integrativa, considerada estratégia relevante
Acredita-se que são necessárias reflexões para investigação ampla e crítica da produção
para que se compreenda a importância da científica sobre qualquer fenômeno, de modo
aproximação do cuidador em relação ao fa- a evidenciar abordagens e evidências a serem
miliar com transtorno mental no contexto exploradas (GALVÃO; SAWADA; TREVISAN, 2004).
em que se inserem, e as necessidades de Para execução deste método, é necessário
intervenções de serviços de apoio, como os seguir padrões de rigor metodológico (POMPEO;
Centros de Atenção Psicossocial (Caps). ROSSI; GALVÃO, 2009). Com base em estudos inter-
Essa discussão fomenta o desafio de de- nacionais, Mendes, Silveira e Galvão (2008) di-
senvolver ações educativas em saúde, partin- recionam este tipo de revisão em seis etapas:
do das instituições e diversificados espaços identificação do tema e seleção da hipótese,
sociais, para que se tenha articulação dos para posteriormente estabelecer critérios
serviços e respostas positivas ao tratamento para inclusão e exclusão de estudos; amos-
sociável dos envolvidos. tragem ou busca na literatura; definição das
Para profissionais e pesquisadores em informações a serem extraídas dos estudos
saúde, é relevante a problematização da so- selecionados; avaliação dos estudos incluídos
brecarga familiar para avanços na promoção na revisão; interpretação dos resultados; e
da saúde, a fim de que ela possa, adequada- apresentação da revisão.
mente, ser identificada e trabalhada pela Realizou-se busca de estudos junto à
equipe de saúde nos diferentes momentos em Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), aces-
que se apresenta (CARDOSO; GALERA; VIEIRA, 2012). sando as bases de dados Literatura Latino-
Com o objetivo de identificar as evidên- Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
cias científicas da literatura acerca da sobre- (Lilacs), Medical Literature Analysis and
carga do cuidador familiar de pessoas com Retrieval System On-Line (Medline) e Bases
transtorno mental, optou-se pelo método de de Dados de Enfermagem (BDENF). A seleção
revisão integrativa, compreendendo a rele- dos artigos ocorreu a partir dos descritores
vância da temática, e também por considerar família, transtornos mentais e saúde mental,
que, nas últimas décadas, tem sido pesqui- associados pelo operador booleano and.
sada a reforma psiquiátrica e os avanços na Os critérios de inclusão estabelecidos
política de saúde mental, entretanto, poucos foram: artigos que abordassem a temática
artigos foram publicados em nível nacional proposta, apresentados na íntegra na língua
referentes à sobrecarga familiar. portuguesa e publicados entre os anos de
A partir dessas considerações, construiu-se 2002 e 2012. A delimitação do período de
pesquisa que respondesse às indagações: tempo foi considerada pelos autores como
como a literatura apresenta a sobrecarga do adequada para conhecimento e reflexão da
cuidador familiar de pessoas com transtorno temática proposta.
mental? Há discussões, na literatura, sobre Uma primeira seleção dos artigos foi reali-
atividades de educação em saúde com esses zada a partir da leitura dos títulos e resumos.
Aqueles que indicavam relação com o objetivo e resultados. Na segunda etapa, ocorreram a
da pesquisa eram selecionados e procedia-se análise e a interpretação dos resultados destes
à leitura completa do texto, a fim de se confir- artigos, dos quais emergiram duas categorias
mar a presença da temática determinada. temáticas: do processo de cuidar ao impacto do
Nesta seleção, foram identificados 37 cuidado e importância da abordagem familiar
artigos. Porém, verificou-se que 14 se encon- quando há presença do transtorno mental.
travam publicados repetidamente em mais de Houve o cuidado de buscar os aspectos im-
uma base de dados e, desta forma, a amostra portantes dos artigos para enriquecimento deste
final consistiu em 23 artigos. Decidiu-se estudo e transmissão à comunidade científica.
pela inclusão de estudos que relacionaram o
impacto do cuidado e não somente aqueles
que traziam o termo sobrecarga. Incluíram- Apresentação e discussão
se, também, os estudos que apresentaram os dos resultados
cuidadores somados ao familiar com trans-
torno mental como sujeitos da pesquisa.
Excluíram-se aqueles em forma de editorial, Caracterização da amostra
atualização, relato de caso, revisão de litera-
tura e trabalhos na forma de tese. Tendo em vista o percurso metodológico
Na sequência, realizou-se análise dos artigos adotado neste estudo, e compreendendo que
em duas etapas. Na primeira, para coleta de a sobrecarga do cuidador familiar deve ser
dados, foi elaborado um instrumento, subme- discutida em espaços de cultura e centros de
tendo-o, primeiramente, a um pré-teste para saúde e psicossociais como resposta ao ama-
verificar o alcance do objetivo proposto. Esse durecimento das políticas de saúde mental,
instrumento permitiu a obtenção de informa- pôde-se identificar que 23 publicações en-
ções sobre a identificação do estudo: título, contradas nesta revisão integrativa eram
nome do periódico, autor(es), ano de publica- artigos científicos, os quais estão apresenta-
ção, objetivos, características metodológicas dos no quadro 1.
Quadro 1. Descrição dos estudos incluídos na revisão integrativa, segundo periódicos, títulos, autor(es) e ano de publicação
Revista da Escola de Família e doença mental: a difícil COLVERO, L. A.; IDE, C. A. C.; 2004
Enfermagem da USP convivência com a diferença ROLIM, M. A.
Estudos de Psicologia O cuidado de pessoas com transtornos VECCHIA, M. D.; MARTINS, S. 2006
mentais no cotidiano de seus familiares: T. F.
investigando o papel da internação
psiquiátrica
Acta Paulista de A sobrecarga da família que convive BORBA, L. O.; SCHWARTZ, E.; 2008
Enfermagem com a realidade do transtorno mental KANTORSKI, L. P.
Quadro 1. (cont.)
Revista Brasileira de Representações sociais sobre o cuidar SILVA, M. B. C.; SADIGURSKY, D. 2008
Enfermagem do doente mental no domicílio
Escola Anna Nery Revista Percepções de familiares sobre o AZEVEDO, D. M.; MIRANDA, F. 2009
de Enfermagem portador de sofrimento psíquico A. N.; GAUDÊNCIO, M. M. P.
institucionalizado
Cadernos de Saúde Fatores preditores da sobrecarga BARROSO, S. M.; BANDEIRA, M.; 2009
Pública subjetiva de familiares de pacientes NASCIMENTO, E.
psiquiátricos atendidos na rede pública
de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Revista Enfermagem UFRJ Dificuldades enfrentadas pela OLIVEIRA, E. B.; MENDONÇA, 2011
família no acolhimento do paciente J. L. S.
com transtorno mental após a alta
hospitalar
Ciência, Cuidado e Saúde Convivência e rotina da família GRANDI, A. L.; WAIDMAN, M. 2011
atendida em CAPS A. P.
Escola Anna Nery Revista O portador de transtorno mental e a BRISCHILIARI, A.; WAIDMAN, 2012
de Enfermagem vida em família M. A. P.
Quanto ao ano de publicação dos estudos e atenção às pessoas com transtorno mental;
selecionados, destacam-se as publicações a os principais cuidadores e suas característi-
partir de 2008, o que revela a maturidade e cas sociodemográficas; e a ideia de sobrecar-
a consolidação da política de saúde mental ga e impacto do cuidado.
no contexto de melhoria da assistência psi- A reforma psiquiátrica permite a modifi-
cossocial e maior investimento nesta política. cação do modelo de assistência psiquiátrica,
Outros fatores que se acredita diretamente motivando a inclusão da família no cuidado
relacionados ao avanço de estudos referem-se aos familiares com transtorno mental
ao fato de estarem as redes de atenção mais (CARDOSO; GALERA, 2011; CARDOSO; GALERA; VIEIRA, 2012).
estruturadas, os centros de apoio com infra- Deste modo, a família passa a ser núcleo es-
estrutura mais organizados, bem como às tratégico e privilegiado das intervenções
melhorias nos serviços, retratando profissio- de reabilitação e reinserção psicossocial de
nais que buscam a capacitação e que sejam pessoas com transtorno mental (JORGE et al.,
sensíveis à realidade das pessoas com trans- 2008), e tem sido vista como aliada no tra-
torno mental em tratamento e seus cuidado- tamento realizado, dando continuidade ao
res. Vale considerar que é necessária maior trabalho de profissionais de saúde (CARDOSO;
divulgação para que se compreenda melhor GALERA, 2011).
este fenômeno. Nesse sentido, conhecer as características
Entre os artigos apresentados, 16 são de sociodemográficas dos cuidadores familiares
autoria de enfermeiros e os demais foram foi recurso importante para o planejamento
identificados pelas instituições de ensino mais humanizado, compartilhado e coleti-
pertencentes. Ao analisar o tipo de estudo vo da assistência oferecida ao cuidado em
mais frequente nesta amostra, identificou-se saúde mental (CARDOSO; GALERA, 2011). Percebeu-
que 16 artigos se caracterizaram como qua- se contexto social de maior predominância
litativos, os quais foram realizados por meio de mulher cuidadora (CARDOSO; GALERA; VIEIRA,
de entrevistas, história oral e pela técnica de 2012; QUADROS et al., 2012; MARCON et al., 2012; TEIXEIRA,
discussão em grupo. Seis artigos adotaram a 2005; SILVA; PASSOS; BARRETO, 2012; ESTEVAM et al., 2011;
abordagem quantitativa e utilizaram ques- CARDOSO; GALERA, 2011; BANDEIRA; CALZAVARA; CASTRO,
tionários e escalas, como instrumentos de 2008), destacando-a como presença impor-
coleta de dados, a fim de identificar os domí- tante e indispensável na consolidação da
nios de vida mais afetados e os fatores asso- reforma psiquiátrica no País.
ciados à sobrecarga, dentre elas a Escala de Dentre os artigos que caracterizavam o
Sobrecarga dos Familiares (FBIS-BR), adap- grau de parentesco entre o principal cuida-
tada para o Brasil por Bandeira, Calzavara e dor e o familiar com transtorno mental, a mãe
Varella (2005) e a Escala Burden Interview (BI), (CARDOSO; GALERA, 2011; TEIXEIRA, 2005) se destacou.
validada para o Brasil por Taub, Andreoli e No entanto, o estudo de Bandeira, Calzavara
Bertolucci (2004). Em apenas um artigo foi e Castro (2008) citou o pai e a mãe como
utilizada a abordagem quantiqualitativa. membros da família nuclear de importante
A seguir, apresentam-se as categorias te- contribuição no cuidado.
máticas resultantes da análise e interpreta- Ainda no contexto de perfil socioeconômi-
ção dos resultados desses artigos. co, a variante atividade profissional do cui-
dador foi destacada. Verificou-se relevante
Do processo de cuidar ao impacto porcentagem de cuidadores sem atividade
desse cuidado profissional ou que desempenhavam ativi-
dades eventuais (QUADROS et al., 2012; CARDOSO;
Pretendeu-se, nesta temática, discutir os GALERA, 2011; CARDOSO; GALERA; VIEIRA, 2012; TEIXEIRA,
artigos que abordaram a família no cuidado 2005), porém sem salário fixo, trazendo a
pessoas com transtorno mental na família mental (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2009);
ocorrem entre o cuidador, a família, os ser- como também a realização de trabalhos em
viços de saúde mental e a comunidade, e por grupos com cuidadores, visando à troca de
esse motivo o destaque nesta pesquisa. experiências, à discussão das dificuldades e
Caps, Serviço de Atendimento possibilidades da convivência com o proble-
Ambulatorial, Centros de Referência em ma, bem como às atividades comunitárias
Saúde Mental, Serviços de Psicologia de que busquem a integração entre os cuida-
Hospital Escola, Hospital Dia e Atenção dores e familiares com transtorno mental
Básica foram cenários de saúde mental en- (MARCON et al., 2012).
volvidos nas publicações estudadas. Estes A terapia familiar em ambiente hospitalar
serviços oportunizam o acompanhamento com cuidadores e pessoas com transtorno
do tratamento de pessoas com transtorno mental foi abordada como estratégia de in-
mental e se refletem como apoio ao acompa- tervenção individual e grupal de importante
nhamento dos cuidadores. papel no bem-estar familiar, pois reduziu
Dentre as publicações que relacionaram o isolamento e a ansiedade pelas desinfor-
os cuidadores aos serviços de saúde mental, mações do cuidador, e diminuiu as chances
o estudo de Barroso, Bandeira e Nascimento de recaída do quadro clínico e melhorou a
(2009) discutiu a necessidade de obter in- adesão à terapêutica da pessoa em acompa-
formações sobre a definição de transtorno nhamento. A abordagem às famílias no am-
mental, pois havia cuidadores que indica- biente hospitalar foi considerada importante,
ram que o mais difícil, ao cuidar do familiar pois determina o momento e o planejamento
com transtorno mental, era não saber como da alta hospitalar, já que a discussão proposta
agir durante as crises nem como lidar com está baseada na continuidade do tratamento
os comportamentos problemáticos. Esses no domicílio (FELÍCIO; ALMEIDA, 2008).
resultados apontam para a necessidade de Segundo Cardoso e Galera (2011), os ser-
os profissionais de saúde mental fornecerem viços de saúde mental precisam oferecer
informações e orientações mais específicas e assistência à saúde que contemple cuidados
adequadas aos familiares. para identificar e aliviar a sobrecarga dos
Diante desse contexto, para que se tenha cuidadores, além de promover treinamento
convívio harmonioso entre as pessoas com de habilidades que estimulem a autonomia
transtorno mental e seus cuidadores, é e a reabilitação psicossocial de pessoas com
preciso reflexão sobre a seguinte questão: transtorno mental. É importante acolher o
como o cuidador, no ambiente domiciliar, sofrimento do cuidador e minimizar sua so-
entende o transtorno mental e o seu familiar brecarga emocional por meio da oferta de
com transtorno mental ligado aos fatores espaços acolhedores e facilitadores de ações
sociais, econômicos, políticos e culturais, e trocas de experiências entre os cuidadores,
para que não se dê um convívio de exclusão? para compartilharem dúvidas, angústias e
Na leitura realizada, muitas publicações alegrias, em movimento de proximidade com
partiram dessa questão para demonstrar que o tratamento e em direção à autonomia das
a família precisa de orientação e suporte dos pessoas com transtorno mental e à diminui-
serviços de saúde, porém pouco foi publicado ção do sofrimento das famílias (SOARES; MUNARI,
sobre os mecanismos para estas estratégias. 2007).
Foram discutidas e necessárias intervenções Os próprios cuidadores percebem a neces-
educativas junto aos familiares, visando in- sidade dessas intervenções em suas relações
tensificar o conhecimento sobre os trans- de vida para minimizar a sobrecarga. No
tornos mentais, seu tratamento e as formas estudo de Barroso, Bandeira e Nascimento
de lidar com o familiar com transtorno (2009), os cuidadores foram à busca de
Referências
BANDEIRA, M.; CALZAVARA, M. G. P.; CASTRO, da USP, São Paulo, v. 45, n. 3, p. 687-691, jun. 2011.
I. Estudo de validade da escala de sobrecarga de Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/
familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos. Jornal v45n3/v45n3a20.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2013.
Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 57, n. 2, p. 98-
104, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ CARDOSO, L.; GALERA, S. A. F.; VIEIRA, M. V.
jbpsiq/v57n2/a03v57n2.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2013. O cuidador e a sobrecarga do cuidado à saúde de
pacientes egressos de internação psiquiátrica. Acta
BANDEIRA, M.; CALZAVARA, M. G. P.; VARELLA, A. Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 25, n. 4, p. 517-
A. B. Escala de sobrecarga dos familiares de pacientes 523, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
psiquiátricos: adaptação transcultural para o Brasil ape/v25n4/06.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2013.
(FBIS-BR). Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de
Janeiro, v. 54, n. 3, p. 206-214, jul./set. 2005. COLVERO, L. A.; IDE, C. A. C.; ROLIM, M. A. Família
e doença mental: a difícil convivência com a diferença.
BARROS, M. M. M.; JORGE, M. S. B.; PINTO, A. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v.
G. A. Prática de saúde mental na Rede de Atenção 38, n. 2, p. 197-205. Disponível em: <http://www.scielo.
Psicossocial: a produção do cuidado e as tecnologias br/pdf/reeusp/v38n2/11.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2014.
das relações no discurso do sujeito coletivo. Revista de
APS, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 72-83, jan./mar. 2010. ESTEVAM, M. M. et al. Convivendo com transtorno
mental: perspectiva de familiares sobre atenção básica.
BARROSO, S. M.; BANDEIRA, M.; NASCIMENTO, Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v.
E. Fatores preditores da sobrecarga subjetiva de 45, n. 3, p. 679-686, 2011. Disponível em: <http://www.
familiares de pacientes psiquiátricos atendidos na scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/v45n3a19.pdf>. Acesso em:
rede pública de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. 18 fev. 2014.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 9,
p. 1957-1968, set. 2009. Disponível em: <http://www. FELÍCIO, J. L.; ALMEIDA, D. V. Abordagem
scielosp.org/pdf/csp/v25n9/10.pdf>. Acesso em: 20 fev. terapêutica às famílias na reabilitação de pacientes
2013. internados em hospitais psiquiátricos: relato de
experiência. Mundo da Saúde, São Paulo, v. 32, n. 2, p.
BORBA, L. O.; SCHWARTZ, E.; KANTORSKI, L. P. 248-253, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www.
A sobrecarga da família que convive com a realidade saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/59/248a253.pdf>.
do transtorno mental. Acta Paulista de Enfermagem, Acesso em: 02 mar. 2013.
São Paulo, v. 21, n. 4, p. 588-594, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n4/a09v21n4.pdf>. GALVÃO, C. M.; SAWADA, N. O.; TREVISAN, M.
Acesso em: 19 fev. 2014. A. Revisão sistemática: recurso que proporciona a
incorporação das evidências na prática da enfermagem.
BRASIL. Ministério da Saúde Brasil. Secretaria de Revista Latino-Americana de Enfermagem, São Paulo,
Atenção à Saúde, Coordenação Geral de Saúde Mental. v. 12, n. 3, p. 549-556, maio/jun. 2004. Disponível em:
Reforma Psiquiátrica e política de saúde mental no <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v12n3/v12n3a14.pdf>.
Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional Acesso em: 05 fev. 2013.
de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos
depois de Caracas. Brasília, DF: Ministério da Saúde; GONÇALVES, A. M.; SENA, R. R. A reforma
2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ psiquiátrica no Brasil: contextualização e reflexos
publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf>. Acesso sobre o cuidado com o doente mental na família.
em: 18 jan. 2013. Revista Latino-Americano de Enfermagem, São Paulo,
v. 9, n. 2, p. 48-55, mar. 2001. Disponível em: <http://
CARDOSO, L.; GALERA, S. A. F. O cuidado em saúde www.scielo.br/pdf/rlae/v9n2/11514.pdf>. Acesso em:
mental na atualidade. Revista da Escola de Enfermagem 20 jan. 2013.
MELMAN, J. Família e doença mental: repensando a SILVA, C. F.; PASSOS, V. M. A.; BARRETO, S. M.
relação entre profissionais de saúde e familiares. São Frequência e repercussão da sobrecarga de cuidadoras
Paulo: Escrituras, 2002. familiares de idosos com demência. Revista Brasileira
de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p.
MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, 707-731, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/
C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a pdf/rbgg/v15n4/11.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2014.
incorporação de evidências na saúde e na enfermagem.
Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. SILVA, M. B. C.; SADIGURSKY, D. Representações
4, p. 758-764, out./dez. 2008. Disponível em: <http:// sociais sobre o cuidar do doente mental no domicílio.
www.scielo.br/pdf/tce/v17n4/18.pdf>. Acesso em: 05 Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 61, n.
fev. 2013. 4, p. 428-434, jul./ago. 2008. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/reben/v61n4/05.pdf>. Acesso em:
NAGAOKA, A. P.; FUREGATO, A. R. F.; SANTOS, J. 20 jan. 2013.
L. F. Usuários de um centro de atenção psicossocial e
sua vivência com a doença mental. Revista da Escola SOARES, C. B.; MUNARI, D. B. Considerações
de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 45, n. 4, p. 912- acerca da sobrecarga em familiares de pessoas com
917, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ transtornos mentais. Ciência, Cuidado e Saúde,
Ao romper com a lacuna de estudos voltados ações que reduzem os efeitos da pobreza
ao conhecimento do cotidiano, da subjetivi- por meio da caridade, em ‘favor’ daqueles
dade e dos hábitos das mães beneficiárias do que, desprovidos dos bens essenciais, encon-
Programa Bolsa Família (PBF) — programa tram-se alijados dos meios de provimento
de transferência direta de renda que bene- da própria subsistência. Por fim, silenciou
ficia famílias em situação de pobreza e de os pobres, que internalizaram uma imagem
extrema pobreza no Brasil — o livro Vozes depreciativa, impossibilitando a percepção
do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e destes enquanto sujeitos de direitos, o que se
cidadania, de Walquiria Domingues Leão reflete na internalização da humilhação e na
Rego, da Unicamp, e Alessandro Pinzani, da retroalimentação da reprodução da pobreza.
Universidade Federal de Santa Catarina, traz O PBF, como sinalizam os autores, trans-
como contribuição inicial a consideração de fere a responsabilidade de atenuação da
que as recorrentes análises macroeconômi- pobreza à esfera governamental, saindo do
cas referentes ao PBF não foram acompa- campo da caridade pessoal para a esfera
nhadas pela desmitificação dos estereótipos da responsabilidade institucional. Conduz
atribuídos aos seus usuários. à cidadania substantiva ao reconhecer a
A hipótese norteadora do estudo analisa dívida social para com os beneficiários do
o predomínio da visão liberal na sociedade Programa. Difere do assistencialismo tradi-
brasileira, que conduziu à histórica culpa- cional ao assegurar regularmente o atendi-
bilização dos pobres pelo seu insucesso em mento de necessidades básicas, sem as quais
adquirir os bens produzidos socialmente, qualquer direito à cidadania não pode ser
atribuindo-lhes estereótipos pejorativos, consolidado. Exige, ainda, condicionalidades
desaguando em um contexto de resignação a serem cumpridas, a exemplo da contrapar-
ou violência. Tal estigmatização produziu tida da frequência escolar, incentivando a
várias consequências políticas, como o veto redução do trabalho infantil, a repetência e
1 Doutoranda em Serviço ou limitação das políticas voltadas à reforma a baixa escolaridade nas famílias beneficia-
Social pela Universidade dos arranjos estruturais que ratificam a das, fatores que repercutem na pobreza ge-
do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) – Rio de Janeiro pobreza, arranjos esses que resultam da pri- racional. Os autores sinalizam, ainda, que a
(RJ), Brasil. Assistente vação histórica do acesso à terra, à moradia, transferência de dinheiro aumenta a respon-
social no Instituto Nacional
de Câncer José Alencar às possibilidades de capacitação educacional sabilidade individual e confere uma autono-
Gomes da Silva (Inca) – Rio e de participação política da grande maioria mia mínima, antes desconhecida pelas mães
de Janeiro (RJ), Brasil.
lalcantara@inca.gov.br da população brasileira. Legitimou, ainda, beneficiárias.
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 1008-1009, Out-Dez 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140086
Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania 1009
Rego e Pinzani utilizam como referência autores destacam no estudo que a preocupa-
a teoria de Georg Simmel ao referirem-se ção das entrevistadas com o planejamento
ao poder liberatório do controle do dinhei- do gasto está voltada à garantia da alimenta-
ro, no que tange às relações de dependência ção dos filhos, roupas e material escolar, cujo
pessoal, por natureza opressora. Estimulam, valor é muitas vezes complementado por
assim, a construção de subjetividades autô- outras fontes de renda, que com o decorrer
nomas. Os autores rejeitam, sobremaneira, a do tempo, permitem a compra de móveis e
concepção liberal, que defende a transferên- eletrodomésticos básicos.
cia de renda monetária sem a contrapartida Rego e Pinzani afirmam ainda que a am-
da complementaridade de outras políticas pliação dos direitos de cidadania seria re-
sociais voltadas ao desenvolvimento regio- forçada se as prefeituras não limitassem sua
nal, sem as quais o processo de reversão das atuação ao cadastro das beneficiárias: ao
situações reprodutoras da pobreza não avan- contrário, deveriam criar canais de interlo-
çará. De forma coerente, os autores debru- cução e controle social do Programa. Afinal,
çam-se sobre a reflexão de que, sem escolas a proposta do PBF não assegura a solução do
de qualidade, sem estratégias públicas que problema da pobreza, nem tem por enfoque
aumentem o acesso a serviços públicos e direto a formação de uma cultura de cida-
o apoio a atividades econômicas locais, as dania ativa, embora atue como pressuposto
condicionalidades impostas pelo Programa indispensável para ambas. Nesse sentido,
não lograrão efeitos inclusivos, ao contrário, cabe salientar que uma grande contribui-
verificar-se-á a reprodução em larga escala ção da obra em análise é a reflexão sobre
da manutenção da situação de extrema o efeito possibilitado, ainda que indireta-
precariedade monetária e social. Como res- mente, pelo PBF: não ocorre a superação
saltam os autores, qualquer solução diferen- do círculo vicioso da pobreza, mas inicia‑se
te da distribuição de uma renda monetária um círculo virtuoso de direitos, em que a ra-
poderia ser classificada como assistencialis- tificação de um direito dá margem a outras
ta e até paternalista. reivindicações de direitos. Aborda-se, com
As entrevistas realizadas com 150 benefi- propriedade, que existe um caminho para
ciárias, cuja vida foi acompanhada no inter- o reconhecimento da legitimidade das
valo de cinco anos em algumas das regiões reivindicações.
mais pobres do Brasil e, tradicionalmente, A renda monetária, recebida através do
mais desassistidas pelo Estado brasilei- PBF, pode criar e ampliar espaços pessoais
ro, revelaram que a renda proveniente do de liberdade dos sujeitos, trazendo-lhes,
Programa é a primeira experiência de renda consequentemente, mais possibilidades de
regular para muitas delas. Tais relatos per- autonomia da vida em geral. O fato de ser
mitem inferir que a experiência altera a sub- insuficiente para intervir na totalidade dos
jetividade e inicia a superação da resignação dilemas enfrentados pelos beneficiários não
para com as dificuldades historicamente vi- nos permite ignorar, como enfatizam Rego
venciadas e reproduzidas, em cuja esperan- e Pinzani, suas possibilidades de se tornar
ça de reversão concentra-se a ampliação da uma consistente política de formação de ci-
escolaridade dos filhos e que estes tenham, dadãos, se complementada por um conjunto
consequentemente, uma vida mais estrutu- mais amplo de políticas públicas que tenham
rada. Isso significa que, para muitas dessas por escopo a formação da cidadania demo-
famílias, há a possibilidade de planejamento crática no Brasil. Esperança dos usuários,
do uso do dinheiro e de formação de econo- expressa na contribuição valiosa dos autores
mias para gastos maiores a partir do PBF. Os da obra. s
Saúde Debate | rio de Janeiro, v. 38, n. 103, p. 1010-1013, Out-Dez 2014 DOI: 10.5935/0103-1104.20140087
Novos andarilhos do bem: caminhos do Acompanhamento Terapêutico 1011
investigação; prepara terreno para contem- positivo diante de possíveis invasões a que
plar o modo de dizer dos ATs, o discurso estava submetido, de modo que sua ação de
do corpo e do silêncio que esse capítulo não isolamento era, no fundo, um sinal de prote-
revela. Luciana elabora um trabalho baseado ção. O perigo é o AT reproduzir tais invasões.
em roteiro de entrevista que indica seus inte- Assim, esse livro mostra que o trabalho do
resses e sua intencionalidade. Para compre- AT é de uma complexidade impressionante,
ender o que faz um AT em um dia, e como muito além de um simples trabalho de apoio,
o faz, bem como as marcas deixadas pelos suporte ou retaguarda em saúde mental. Tal
encontros, o percurso profissional, as teorias trabalho tem que estar no trânsito entre o
que fundamentam o AT, com quem dialoga acompanhado e a sua família, entre os acom-
e como entende sua profissão, a autora ela- panhados e a equipe de saúde mental.
borou questões que mostram a abertura e a Uma terapeuta ocupacional acompanhou
curiosidade diante daqueles que agem nesse um paciente que queria cortar o cabelo, mas
campo social, questões muito próximas tinha medo que lhe cortassem a cabeça. Ao
àqueles que necessitam partilhar o pão (cum ser acompanhado, não entrou mais em de-
Panis). sespero. Há formas de estar só, uma é aquela
Após esse caminho inicial entramos no da solidão essencial e absoluta a que todos
“quarto do AT” no capítulo 4: o objetivo, o estamos sujeitos, mas, no campo do AT, estar
subjetivo e o AT. Aqui encontramos a essên- só e bem acompanhado transforma a relação
cia do livro, o aposento mais belo do AT. O consigo e com o mundo.
leitor visitará como o paciente é objetivado A vulnerabilidade do AT não está apenas
no discurso de alguns ATs, as influências das na indeterminação de técnicas que orientam
ideologias psiquiátricas e, para além delas, a o fazer e a tomada de decisão, mas na própria
demanda familiar, a resistência do paciente, vulnerabilidade humana, da qual muitos não
como ele é subjetivado no discurso dos ATs: querem sequer se aproximar – face precária
os lugares, os fazeres, os riscos, as potên- da vida em si, que o AT põe em cena para
cias, as dificuldades, as facilidades, o corpo, olharmos para nós mesmos revisitando o
as diversas formações de origem dos ATs, nosso modo de cuidar de alguém. Alguns se
o campo do AT nas falas dos próprios ATs, apoiarão excessivamente em teorias, outros
os encontros, as dificuldades, as vivências, o em condutas irrefletidas, mas, mesmo nesses
caráter terapêutico, o AT e a reforma psiqui- sustentos, a precariedade e vulnerabilida-
átrica, as propostas e as metas. de humanas palpitam nas profundezas do
Verificamos nesse livro que o AT precisa sentido da existência da pessoa humana e
ter flexibilidade para transitar ao lado do são assim companhias da vida comunitária.
outro – nem à frente, nem atrás, mas ao lado. É comum o relato de que o AT está fora
Aonde o outro o levar, não só nas andanças do campo das certezas absolutas, mas não é
pelas concretas ruas de nossa cidade, ou pela isso o que ocorre na vida mesma, tal como
natureza de um parque, mas também nas an- ela é? O AT facilita aproximações, passagens
danças pelas ruas de nossa vida, de nossa na- da solidão do desamparo e desespero para a
tureza humana, no campo entre o si mesmo solidão acompanhada e amparada. O AT nos
e o não-eu. convida a refletir o encontro com o inespera-
No livro, uma enfermeira conta uma expe- do, com as dificuldades, com a abertura para
riência interessante. Trata-se do ato que um o inédito, com os dados de realidade e os
paciente tinha de se trancar em seu quarto. fantasiosos, com a hesitação que paralisa por
Para sua família isso era entendido como instantes ou de modo passageiro o seu fazer,
isolamento, mas para o paciente era um sinal pensar e sentir. Na pessoa acompanhada
não raras vezes encontramos um tempo sem reconhecer e acompanhar o outro em sua
devir, um espaço sem contorno. dor, sentimos que ali está também a nossa
Não podemos negar que muitos ATs são dor; não sinto a dor que o paciente sente,
jovens que se lançam na experiência, com ou mas sei o que é dor em seu aspecto univer-
sem medo de se confundir com o outro. Há sal. Assim posso como AT me aproximar do
aí uma diferenciação, podem não saber o que aspecto humano de alguém, talvez perdido,
o outro sente, mas não podemos duvidar do poucas vezes ou nunca encontrado.
que nós sentimos como AT no encontro com A importância desse livro para o campo
alguém. Sentimos com o paciente, pensamos do AT é imensa, é difícil precisar ou mensu-
com o paciente, porque acompanhamos um rar o quão frutífero é àquele que tem humil-
não-eu. O AT apreende a semelhança do dade e sabedoria para se abrir ao diferente,
outro, ao mesmo tempo em que percebe que ao outro, ao estranho. Luciana afirma que
são dois. O AT sabe dos riscos que existem o AT não é apenas uma intervenção, mas é
em qualquer relação de acompanhamento, uma vivência cuja particularidade é viver
já que viver é correr riscos e, se há AT para com o outro, o que é do outro em si. Assim,
viver os riscos da vida juntos, há uma pos- é nosso esse vivenciar, o AT é uma forma de
sibilidade que se vislumbra na vida alheia e intervenção e hospitalidade.
na do próprio AT. Seu projeto de realizar uma tese de dou-
Luciana afirma que os discursos nos toramento dando vozes aos atores principais
apresentam o corpo como mediador contra desse campo, teatro da vida real, discursos
o sofrimento psíquico. Por outro lado, se baseados em histórias reais, ampliou as
pensarmos que a vida é sofrimento, que possibilidades da produção de conheci-
sofrimento é vida, os seres humanos são a mento em Ciências Humanas para além da
revelação da vida que nenhuma linguagem Universidade – o livro alça voos imprevistos.
chegará a exprimir como de fato se vive o A tese cresceu, se desenvolveu, se transfor-
sentimento. Os ATs deflagram isso. A cada mou em livro para ser lido, usado, grifado e
acompanhar o que nos transcende (a visita citado. Que seja nossa companhia, que seja
do inédito, do mistério, do inesperado e do rabiscado, criticado, comentado e dialogado.
incompreensível da vida), ocorre um auxílio Luciana dá voz aos ATs, sejam eles terapeu-
e alimenta-se a tolerância necessária para tas ocupacionais, enfermeiros, psicólogos ou
encontros significativos. É inevitável que – profissionais da saúde. Ela investiu muito, ao
mais cedo ou mais tarde – o potencial ador- iluminar a riqueza da interdisciplinaridade,
mecido em cada pessoa comece a despertar, a riqueza e a complexidade do acompanhar
à espera de um segundo nascimento. humano.
O trabalho de Luciana nos possibilita ir Mas o que Luciana propõe não são apenas
ao encontro dos ATs, acompanhá-los no que reflexões críticas e clínicas, mas reflexões
eles têm a nos dizer e a nos ensinar. Uma políticas no campo da saúde mental. Bem
acompanhante terapêutica afirma que o AT amparada teoricamente na Psicanálise e
consegue abrir um espaço dentro de nós, na Filosofia, no campo psicopatológico e
para proporcionar um encontro, encontro no campo psiquiátrico, na realidade do AT
com a dor do paciente. Eu diria, encontro em nosso País, Luciana fomenta e estimu-
com a nossa própria dor. Só acompanha la discussões que muitos não querem ter,
quem pode se encontrar consigo mesmo; não querem ver, talvez não queiram ouvir,
quem não pode, ou ainda não se encontrou, mas quem sabe possam ler e reconhecer o
poderá atender alguém, mas não o encon- valor humano e rigoroso que tais discussões
trará, seja em seu consultório seja na rua. Ao trazem em sua essência. Seu trabalho resiste
aos domínios ideológicos que procuram sair da biblioteca universitária para chegar,
aviltar a dignidade humana, a criatividade e a de forma mais palpável e numa linguagem
reflexão crítica. Está mais próximo da comu- viva, à sociedade e à comunidade. É um dos
nidade humana do que de grupos movidos cuidados que Luciana Chaui-Berlinck tem
por narcisismos inseguros. com os cuidadores e com aqueles que são
O capítulo 5 indica uma reflexão do cuidados, para além das fronteiras das regras
caminho trilhado até este momento e toca e das normas institucionalizadas. Ela se pre-
nas transformações que o campo teve nas ocupa com uma possível perda de liberdade
últimas décadas. Em seguida, mostra em suas neste campo, desde o privado ao público.
conclusões a necessidade de uma rede social Só quem foi e é muito bem acompanhada
na dimensão subjetiva do AT e os contornos pela família e pela vida em si, como Luciana
possíveis ou não da profissão ou da área. Chauí-Berlinck, pode nos oferecer um livro
Este livro é a prova de que as teses têm que andarilho do bem na trilha do cuidado. s
Agradecemos a todos, em especial a nossos Consultores Ad Hoc listados abaixo, que colabora-
ram no processo editorial do volume 38 da revista Saúde em Debate
Revista Saúde em Debate Editor Científico, com tamanho entre 10 e 15 laudas. Neste for-
mato não são exigidos resumo e abstract.
Instruções aos autores para preparação
e submissão de artigos
5. Relato de experiência: descrição de experiências acadêmi-
Atualizada em dezembro de 2013 cas, assistenciais ou de extensão, com tamanho entre 10 e 12
laudas.
A Revista Saúde em Debate (RSD), criada em 1976, é uma publica- 6. Resenha: resenhas de livros de interesse para a área de políti-
ção do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que tem como cas públicas de saúde, a critério do Conselho Editorial. Os textos
objetivo divulgar estudos, pesquisas e reflexões que contribuam para deverão apresentar uma visão geral do conteúdo da obra, de seus
o debate no campo das políticas de saúde nacionais e internacionais. pressupostos teóricos e do público a que se dirige em até três
laudas.
Política editorial
7. Documento e depoimento: trabalhos referentes a temas de
Publicada trimestralmente desde 2010, nos meses de março, junho, interesse histórico ou conjuntural, a critério do Conselho Editorial.
setembro e dezembro, é distribuída a todos os associados em situa-
ção regular com o Cebes. Além dos números regulares, a RSD publica O número máximo de laudas não inclui a folha de apresentação e
números especiais que seguem o mesmo processo de avaliação e pu- referências.
blicação dos números regulares.
Direitos autorais
A RSD aceita trabalhos inéditos sob a forma de artigos originais, en-
saios, revisão sistemática, relato de experiência, artigos de opinião, Os direitos autorais são de propriedade exclusiva da Revista, transfe-
resenhas de livros de interesse acadêmico, político e social, além de ridos por meio de Declaração de Transferência de Direitos Autorais
depoimentos e documentos. Os trabalhos devem contribuir com o assinada por todos os autores, conforme modelo disponível na página
conhecimento científico já acumulado na área. da Revista. É permitida a reprodução total ou parcial dos trabalhos
desde que identificada a fonte e a autoria.
Os trabalhos submetidos à Revista não podem ser apresentados si-
multaneamente a outro periódico, na íntegra ou parcialmente. Submissão e processo de julgamento
O Cebes não cobra taxas dos autores que submetem trabalhos à RSD. Os trabalhos devem ser submetidos exclusivamente pelo site: www.
A produção editorial da entidade é resultado de trabalho coletivo e saudeemdebate.org.br.
de apoios institucionais e individuais. A sua colaboração para que
a Revista continue sendo um espaço democrático de divulgação de Após seu cadastramento, o autor responsável pela submissão rece-
conhecimentos críticos no campo da saúde pode se dar por meio da berá login e senha. Ao submeter o texto, todos os campos obrigató-
associação ao Centro no site http://www.cebes.org.br. rios da página devem ser preenchidos com conteúdo idêntico ao do
arquivo a ser anexado.
Modalidades de trabalhos aceitos para avaliação
Fluxo dos originais submetidos à publicação
1. Artigo original: resultado final de pesquisa científica que pos-
sa ser generalizado ou replicado. O texto deve conter entre 10 e Todo original recebido pela secretaria do Cebes é submetido à análise
15 laudas. prévia. Os trabalhos não selecionados nessa etapa são recusados, e
os autores, informados por mensagem do sistema. Os trabalhos não
2. Ensaio: análise crítica sobre tema específico de relevância e conformes às normas de publicação da Revista são devolvidos aos
interesse para a conjuntura das políticas de saúde brasileira e in- autores para adequação. Antes de se enviar aos pareceristas, enca-
ternacional. O texto deve conter entre 10 e 15 laudas. minha-se o trabalho ao Conselho Editorial para avaliação de sua per-
tinência temática aos objetivos e linha editorial da Revista.
3. Revisão sistemática: revisão crítica da literatura sobre tema
atual, utilizando método de pesquisa. Objetiva responder a uma Uma vez aceitos para apreciação, os originais são encaminhados a
pergunta de relevância para a saúde, detalhando a metodologia dois membros do quadro de pareceristas da Revista, que são escolhi-
adotada. O texto deve conter entre 12 e 17 laudas. dos de acordo com o tema do trabalho e sua expertise, priorizando-se
os de estados da federação diferentes daquele dos autores. A avalia-
4. Artigo de opinião: exclusivo para autores convidados pelo ção dos trabalhos é feita pelo método duplo-cego, isto é, os nomes
Saúde Debate
Instruções aos autores para preparação e submissão de artigos
Saúde Debate
Instruções aos autores para preparação e submissão de artigos
– Para as palavras ou trechos do texto destacados, a critério do autor, social da saúde (nota breve sobre desigualdades em saúde como
utilizar aspas simples. Exemplo: ‘porta de entrada’. objeto de conhecimento). Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33,
n. 83, p. 349-370, set./dez. 2010.
– Utilizar revisor de texto para identificar erros de ortografia e de
digitação antes de submeter à Revista. Material da internet:
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE. Normas para pu-
– F iguras, gráficos e quadros devem ser enviados em arquivo de alta blicação da Revista Saúde em Debate. Disponível em: <http://www.
resolução, em preto e branco ou escala de cinza, em folhas separa- saudeemdebate.org.br/artigos/normas_publicacoes.pdf>. Aces-
das do texto, numerados e titulados corretamente, com indicações so em: 9 jun. 2010.
das unidades em que se expressam os valores e as fontes corres-
pondentes. O número de figuras, gráficos e quadros deverá ser, no Documentação obrigatória
máximo, de cinco por texto. Os arquivos devem ser submetidos
um a um, ou seja, um arquivo para cada imagem, sem identificação Os documentos relacionados a seguir deverão ser assinados e posta-
dos autores, citando apenas o titulo e a fonte do gráfico, quadro dos nos correios ou digitalizados e anexados como arquivo:
ou figura. Devem ser numerados sequencialmente, respeitando
a ordem em que aparecem no texto. Em caso de uso de fotos, os 1. Declaração de autoria e responsabilidade.
sujeitos não podem ser identificados, a menos que autorizem, por Segundo o critério de autoria do International Committee of Me-
escrito, para fins de divulgação científica. dical Journal Editors, os autores devem contemplar as seguintes
condições: a) contribuir substancialmente para a concepção e o
Exemplos de citações planejamento do trabalho ou para a análise e a interpretação dos
dados; b) contribuir significativamente na elaboração do manus-
Para as citações utilizar as normas da ABNT (NBR 10520) crito ou revisão crítica do conteúdo; c) participar da aprovação
da versão final do manuscrito. Para tal, é necessário que todos os
Citação direta autores e coautores assinem a Declaração de Autoria e de Res-
Já o grupo focal é uma “técnica de pesquisa que utiliza as sessões ponsabilidade, conforme modelo disponível em: <http://www.
grupais como um dos foros facilitadores de expressão de carac- saudeemdebate.org.br/artigos/index.php.>
terísticas psicossociológicas e culturais”. (WESTPHAL; BÓGUS;
FARIA, 1996, p. 473). 2. Conflitos de interesse
Os trabalhos encaminhados para publicação deverão conter in-
Citação indireta formação sobre a existência ou não de conflitos de interesse. Os
Segundo Foucault (2008), o neoliberalismo surge como modelo conflitos de interesse financeiros, por exemplo, não estão relacio-
de governo na Alemanha pós-nazismo, numa radicalização do nados apenas ao financiamento direto da pesquisa, mas também
liberalismo que pretende recuperar o Estado alemão a partir de ao próprio vínculo empregatício. Caso não haja conflito, inserir
nova relação Estado-mercado. a informação “Declaro que não houve conflito de interesses na
concepção deste trabalho” na folha de apresentação do artigo
Exemplos de referências será suficiente.
Saúde Debate
Instructions to authors for preparation and submission of articles
Revista Saúde em Debate Editor. The text must contain between 10 and 15 pages. This for-
mat does not require Abstract.
Instructions to authors for preparation
and submission of articles
5. Case study: description of academic, care or extension experi-
updated on december 2013 ments. The text must contain between 10 and 12 pages.
Published quarterly since 2010, in March, June, September and De- The maximum number of pages does not include the coversheet and
cember, a hard copy of RSD is delivered to all members up to date references.
with their fees. In addition to regular issues, RSD also publishes spe-
cial issues following the same process of assessment and publication. Copyright
RSD accepts unpublished works in the form of original articles, es- Copyrights are of exclusive property of the Review and must be trans-
says, systematized review, case studies, opinion articles, reviews of ferred through the ‘Copyright Transfer Statement’ signed by all the au-
books of academic, political and social interest, as well as testimonies thors, as model available at the Review page. The total or partial repro-
and documents. The works must contribute to the scientific knowled- duction of works is allowed since source and authorship be identified.
ge of the field.
Submission and assessment process
Works submitted to the RSD cannot be simultaneously submitted to
other journals, partially or in full. Works must be submitted exclusively through the website www.sau-
deemdebate.org.br.
Cebes does not charge fees for the submission of works to RSD. The
Center publishing output is the result of collective work and institutio- After its registration, the author responsible for submission will recei-
nal and individual supports. Contributions for allowing the Review to ve a login and password. By submitting the text, all mandatory fields
remain as a democratic forum for the dissemination of critical know- of the page must be filled in with identical content to the file to be
ledge in the health field can be made by means of joining the Center, attached.
at http://cebes.org.br.
Flow of originals submitted for publication
Modalities of work accepted for evaluation
Every original received by Cebes is subjected to prior analysis. The
work not selected in this step is refused, being the authors infor-
1. Original paper: final results of scientific research that can be med by the system message. The work that does not conform to
generalized or replicated. The text must contain between 10 and the Review publication norms are returned to the authors for ade-
15 pages. quateness. Before forwarding to reviewers, the work is sent to the
Editorial Board for assessment of its relevance to the Review goals
2. Essay: critical analysis on a particular topic of relevance and and editorial policy.
interest to the Brazilian and international health policies. The text
must contain between 10 and 15 pages. Once accepted for appraisal, the originals are forwarded to two re-
viewers, who are chosen according to their expertise on the work to-
3. Systematized review: critical review of literature on current pic, prioritizing those reviewers outside the authors’ federation states.
topic by applying a research method. It aims to answer a question The work assessment applies the blind review method, i.e., the au-
of relevance to health. The work must detail the adopted metho- thors’ names remain confidential until the work final approval.
dology. The text must contain between 12 and 17 pages. In case of divergence between reviewers, the work will be forwarded
to a third reviewer for decision. Similarly, the Editorial Board may, at
4. Opinion piece: exclusively upon invitation of the Scientific its discretion, issue a third opinion.
Saúde Debate
Instructions to authors for preparation and submission of articles
The assessment form is available at the Review website. The asses- – The style and creativity of authors as for the text composition are
sment output necessarily presents one of the following conclusions: respected, however, it must include elements such as:
(1) accepted for publication; (2) accepted for publication with ‘non-
-restrictive suggestions’; (3) resubmit for further assessment after • I ntroduction with clear definition of the problem investigated
modifications suggested; (4) rejected for publication. and its groundings.
• Objective description of the methods.
When the reviewer’s assessment concludes for ‘non-restrictive sug- •R esults and comments can be approached in a same item or
gestions’, the opinion must be forwarded to the authors for correction separately.
of the work, which must be returned within twenty days. Upon return, • Conclusion.
the work is reassessed by the same reviewer within a period of fifteen •T he repetition of data or information in different parts of the
days, extendable for a further fifteen days, to issuance of the final as- text must be avoided.
sessment. The Scientific Editor has full authority to decide also on the
final acceptance of the work as on the changes. – The full text must contain:
In the case of request to ‘resubmit for further assessment after modi- •C oversheet with the title, which must express clearly and
fications suggested’, the work must be forwarded by the author within briefly the content of the text, within no more than fifteen
two months. At the end of this term, and in the absence of any mani- words.
festation by the authors, the work shall be deleted from the system. •T exts in Portuguese and Spanish must be titled in the original
language and in English. Texts in English must be titled in En-
Any suggestions for modifications of structure or content by the Edi- glish and Portuguese.
torship will be previously agreed with the authors by means of com- •A uthor(s) full name. The information about institutional affi-
munication via website or email. No additions or modifications will be liation and title, address, telephone number and e-mail must
received after the work final approval. be added in a footnote.
• I n the case of funding research, inform the funder.
The opinion form used by the Scientific Council is available at http:// •A bstract in Portuguese and English, or in Spanish and English,
www.saudeemdebate.org.br. containing a maximum of 700 characters, spaces included;
the goals, method employed and main conclusions must be
The works submitted for publication are the authors’ exclusive res- clearly stated.
ponsibility and must not exceed five authors per work. •Q uotes or acronyms are not allowed in the Abstract, with the
exception of worldwide recognized abbreviations.
Clinical trial registry •A t the end of the Abstract, three to five keywords must be in-
serted using the terms contained in the structured vocabulary
RSD supports the policies for registration of clinical trials of the World (DeCS), available at http://decs.bvs.br. Then follows the text.
Health Organization (WHO) and the International Committee of
Medical Journal Editors (ICMJE), so recognizing their importance to – Footnotes are not allowed in the text. Footnote markings, if absolu-
the registry and international dissemination of knowledge on clinical tely necessary, must be overwritten and sequential. Example: Sani-
trials. Accordingly, clinical researches must bear the identification tary Reform1.
number in one of the Clinical Trial registries validated by WHO and
ICMJE, whose addresses are available at http://www.icmje.org. The – Testimonials must be italicized and follow the body of the text, wi-
identification number must appear at the end of the Abstract. thout indentation.
Format of work – Highlighted words or text excerpts, at the discretion of the author,
must use single quotation mark. Example: ‘gateway’.
– The text must be forwarded in Microsoft® Word or compatible sof-
tware, saved in doc or docx formats. – Spellchecking is strongly suggested so to identify misspellings and
typing mistakes before submitting the work to the Review.
– Standard A4 (210X297mm), 2.5cm margin on each side, font Times
New Roman size 12, 1.5 line spacing. – Pictures and tables must be sent in a high resolution file, black and
white or grayscale, apart from the text, numbered and titled proper-
– The text must not contain any information that identifies the au- ly, with indication of the units in which values are expressed, adding
thors or institutions. the respective sources.
– The text can be written in Portuguese, Spanish or English. – A maximum of five pictures and tables are allowed, in total, per article.
Saúde Debate
Instructions to authors for preparation and submission of articles
– Files must be submitted one by one, i.e., a file for each image, wi- Internet source
thout the identification of authors, containing just the title and the CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE. Norms for submis-
source of the picture or table. sion of papers to Health in Debate Review. Available at: <http://www.
– They must be numbered sequentially in the same order they appear saudeemdebate.org.br/artigos/normas_publicacoes.pdf>. Access
in the text. on: 9 jun. 2010.
– In the case of photos, persons cannot be identified unless they autho- Mandatory documents
rize, in writing, for the purposes of scientific dissemination.
The documents listed below must be signed and posted or digitalized
Examples of quotation and attached as a file:
For guidelines on quotations, please address to the norm NBR 10520 1. Statement of authorship and responsibility
of ‘Brazilian Association of Technical Norms’ (Associação Brasileira According to the International Committee of Medical Journal Edi-
de Normas Técnicas – ABNT). tors’ authorship criteria, authors must fulfil the following condi-
tions: a) make a substantial contribution to the work design and
Direct quotation planning or to the analysis and interpretation of data; b) make a
The ‘Healthcare Operational Norm’ (Norma Operacional da Assistên- substantial contribution to the manuscripts or to the critical re-
cia à Saúde - NOAS) asserts that the ‘Regionalization Plan’ (Plano view; c) participate in the approval of the manuscript final version.
Diretor de Regionalização – PDR) “is based on the form of functio- To this end, it is necessary that the author and co-authors sign the
nal and resolving healthcare systems by means of the organization ‘Statement of Authorship and Responsibility’, as the model avai-
of state territories in regions/micro-regions and assistance modules” lable at http://www.saudeemdebate.org.br/artigos/index.php.
(BRAZIL, 2002, p.9).
2. Conflict of interests
Indirect quotation The work submitted for publication must contain information on
Breihl and Grenda (1986) noted that the health-disease process re- conflict of interests. Financial conflicts of interests, for example,
sults from a set of ascertainments that operate in a particular society, are not only strictly related to the research financing but also to
propitiating in different social groups the occurrence of perils that ari- the very nature of the employment. If there is no conflict, the in-
se in the form of profiles or patterns of illness. formation “I declare that there was no conflict of interests in the
fulfilment of this work” suffices and must appear on the cover-
Examples of references sheet.
References must be inserted at the end of the article and follow ABNT 3. Ethics in research
(NBR 6023) norms. The number of references must not exceed 20, In the case of research involving humans under the subsection II
except for the case of systematized review. Only the last name of the of Resolution 196/96 of the National Health Council – research
author is written in full, being the name and middle names abbrevia- that involves the human being, individually or collectively, directly
ted by the first letter. or indirectly, in its entirety or in part, including the handling of
information or materials –, a research approval document must
Book be forwarded by the ‘Committee of Ethics in Research’ (CEP) res-
CALFEE, R.C.; VALENCIA, R.R. APA guide to preparing manuscripts ponsible for the approval.
for journal publication. Washington: American Psychological Asso-
ciation, 1991. Mailing address
Journal
PETITTI D.B. et al. Blood pressure levels before dementia. American
Neurological Association, Chicago, v. 62, n. 1, p. 112-116, jan 2005.
Saúde Debate
Diagramação e editoração eletrônica
Layout and desktop publishing
Rita Loureiro
ALM Apoio à Cultura - www.apoioacultura.com.br
Capa
Cover
Imagem de capa
Cover image
Priscila Manzini
Impressão
Printing
Tiragem
Number of Copies
800 exemplares/copies
CDD 362.1
www.cebes.org.br | www.saudeemdebate.org.br