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Espírito Conservador – I
Conservadores do Brasil
Brasil, dezembro de 2016
Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o
fogo do Vosso Amor.
Enviai, Senhor, o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da
terra.
Ó Deus, que instruístes os corações dos Vossos fiéis com a luz do Espírito
Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas segundo este mesmo
Espírito e gozemos sempre de Sua consolação.
Por Cristo, Senhor nosso
Amém
EDITORIAL

Crescemos num ambiente majoritariamente de esquerda, ensinados que


o estado permanente de insatisfação e a loucura do espírito revolucionário são
os motores que movem o mundo.
A militância ativa pela Revolução e a aceitação passiva de que ela
ocorra, seja lá de que modo for, ocupou nossas almas e embotou nossas
mentes.
Esquecemos da necessária estabilidade de muitas coisas para que outras
mudem com segurança. Esquecemos que corromper aquilo que já funciona
pode gerar resultados extraordinariamente piores. Esquecemos que a
sobrevivência de uma sociedade é tão árdua e difícil que é nada menos do
que um milagre ainda estarmos aqui.
A esquerda – baseada em utopias forjadas por meia dúzia de artífices
sentados sobre seus furúnculos – proclama uma reengenharia da natureza
humana capaz de trazer o paraíso à Terra. Porém, erigir novas regras sociais
do nada é tão insano quanto esperar que o dinheiro caia como fruto das
árvores. Estabelecer uma fórmula cultural que funcione para a humanidade
inteira é tão irresponsável quanto pretender um manejo agrícola que se
aplique perfeitamente a todos os solos do globo.
A maioria de nós brasileiros jamais foi apresentada a pensamentos
conservadores estruturados, portanto, somos privados do contraponto racional
às devastadoras e assassinas ideias de esquerda impostas por nossos
professores, desde a mais tenra idade; às vezes por pura falta de competência
deles, às vezes por excessiva malícia.
Os ensaios reunidos neste primeiro volume da Coleção Espírito
Conservador são obras inéditas que refletem a descoberta dos autores do
mundo real, complexo, generoso e maravilhoso do conservadorismo. A
temática é livre como o conservadorismo é livre da angústia e do ódio
revolucionários. Não são propostas para discussão, apesar de os autores não
se recusarem a debatê-las. São ensaios de pessoas adultas, arrebatadas pela
certeza de que o mundo real funciona a despeito de as suas imperfeições e,
justamente por isso, desde sempre, a humanidade persiste contra todas as
possibilidades.
ÍNDICE

1. Contra o direito à felicidade. A barbárie revolucionária multiplica


direitos desprovidos de obrigações e de responsabilidades individuais,
solapando a paz social em prol de uma agenda extremista, centrada na
implantação do Estado totalitário. Por Marcelo Hipólito.

2. Orfandade Monarquista e Comportamento Eleitoral no Brasil. O


povo brasileiro vive numa república, mas sua psicologia o leva a constante
busca pela eleição de “monarcas”. Enquanto isso não for devidamente
compreendido e assimilado, nossas eleições presidenciais tenderão ao
desastre. Por Reno Martins.

3. Simbolismo e tradição nos contos de fadas. Uma reflexão baseada nas


obras de G. K. Chesterton e J. R. R. Tolkien. A importância do mito para a
formação ética e cognitiva do indivíduo; uma proposição sobre o resgate do
conteúdo moral dos mitos nacionais da sociedade brasileira, esquecidos nas
névoas do tempo. Por Marcelo Hipólito.

4. Como se apoderar de um mercado livre. Um Estado totalitário


externo pode facilmente dominar uma economia desprotegida pela ausência
de uma coordenação política central. Saiba como. Por Reno Martins.

5. Os autores. Breves biografias: Marcelo Hipólito e Reno Martins.


I
Contra o direito à felicidade
Marcelo Hipólito

Primeiramente, convém ressaltar que este ensaio não se opõe à


felicidade conforme compreendida por nossos antepassados, um sentimento e
uma aspiração indissociáveis da própria condição humana: fugaz, escapadiça,
etérea, momentânea, sublime. Uma felicidade experimentada somente por
breves momentos em nossas curtas vidas. Sua essência oriunda da nossa
família, trabalho, amigos, vizinhança, incluindo a felicidade suprema,
transcendental e completa, aquela encontrada unicamente no amor de Deus.
Não é essa a felicidade tratada aqui.
Desafia-se, isso sim, a noção da felicidade como um direito.
O pensamento revolucionário contamina a sociedade com a expectativa
insensata da multiplicação de direitos desconectados de obrigações. A
mentalidade radical propõe um mundo inviável, no qual os direitos surgem
do nada, como se brotassem por si mesmos.
Isso é falso, ilusório, destrutivo.
A condição natural do ser humano é a da luta pela sobrevivência. Nesse
estado primordial, não existe direito à vida, à alimentação, à liberdade, à
felicidade, mas somente o esforço para permanecer vivo e procriar.
As sociedades humanas derivam dessa verdade inexorável, erguem-se
do conjunto de obrigações atribuídas mutuamente a cada um dos seus
membros em prol de uma convivência possível que permita ao grupo como
um todo sobreviver. Dos mais elevados nobres aos mais reles súditos, todos
desempenham papeis previamente designados em nome do funcionamento de
uma sociedade viável. Aquele despojado do exercício de ao menos um desses
papeis acha-se excluído do autêntico convívio social.
Com a disseminação da mentalidade revolucionária, a partir da Reforma
dos hereges e do Terror dos jacobinos, a ênfase nas obrigações esmaeceu sob
o peso indevido dos direitos. Temas abstratos como Liberdade, Igualdade e
Fraternidade começaram a deslocar o ideário ocidental para o campo do
relativismo moral e da proliferação indiscriminada de incessantes demandas
sociais.
Liberdade para quê? Para matar indiscriminadamente na guilhotina?
Igualdade em quê? Na anarquia e na barbárie, reduzindo-nos a meros
recursos (não mais compreendidos como pessoas), consumidos conforme as
demandas de um Estado totalitário e mistificador?
Fraternidade com quem? Com o movimento revolucionário, engajado
na erradicação dos valores morais, costumes e tradições dos nossos pais?
Ora, são justamente as obrigações que sustentam uma sociedade de
instituições estáveis e com reais possibilidades de prosperar num futuro de
paz, responsabilidades e segurança capazes de abarcar as futuras gerações.
Direitos esvaziados de obrigações levam à degeneração das tradições
herdadas dos nossos ancestrais (deveres para com nós mesmos e nossos
semelhantes) e à subsequente derrocada da própria sociedade diante do
enfraquecimento das convenções que organizam as relações de autoridade e
de convivência humanas.
Destaca-se, por exemplo, a regra do incesto: um dos mais importantes
deveres constitutivos a uma ordem social durável. Ao se definir os
parâmetros de formação dos casais possíveis numa sociedade, estabelecem-se
os fundamentos do conceito de família: quem pode iniciá-la e sob quais
condições. A família se assume então como o principal núcleo interessado e,
portanto, promotor da defesa e propagação das tradições, da religião e dos
costumes comuns, repassados a cada nova geração.
Esse movimento virtuoso extrapola às demais obrigações indispensáveis
à preservação de um tecido social sadio e duradouro.
De fato, nossos deveres constituem-se no alicerce duradouro das
lealdades e expectativas compartilhadas entre os membros da comunidade,
garantindo a paz social do presente e as oportunidades para um futuro
melhor, possibilitando, inclusive, algum nível de proteção moral direcionada
ao amparo dos mais fracos, pobres e desvalidos.
O rei, por exemplo, possui a obrigação de defender seus súditos, assim
como estes devem servir e proteger o reino. Esse tipo de arranjo garante a
liberdade, segurança e prosperidade de toda a sociedade.
Destarte, uma mera declaração de direitos, desconectada dessa teia de
deveres, jamais substituirá a força agregadora de obrigações reconhecidas e
aceitas pelo povo, pois este é óleo que faz girar as engrenagens internas de
uma nação.
A prosperidade e a riqueza proporcionadas, nos últimos séculos, pela
democracia e o capitalismo, numa escala histórica antes impensável,
gestaram em contraposição forças reativas determinadas a pilhar esses
mesmos ganhos de produtividade, valendo-se da violência, da farsa e do
autoritarismo como meios de concentrá-los em suas mãos traiçoeiras,
almejando financiar um modelo de Estado gigantesco, policialesco e tirânico
que lhes garanta a perpetuação no poder.
Essa redistribuição forçada da riqueza pressupõe a disseminação de uma
mentira colossal: de que a prosperidade brota em árvores, como por geração
espontânea, e não devido ao suor, ao engenho e às múltiplas e livres
interações existentes na sociedade, irremediavelmente prejudicadas por
quaisquer mecanismos de intervencionismo arbitrário, ideológico, estatal.
Essa é a grande ilusão revolucionária: a propalada falácia de que a
riqueza está à disposição de todos, em quantidades ilimitadas, durante todo o
tempo, sendo negada aos incapazes ou indolentes somente pela avareza e a
opressão dos mais afortunados. Uma mentira obscena, mãe de todos os
direitos irresponsáveis, irreais e absurdos, arma suprema dos jacobinos e
bolcheviques da nossa era para justificarem seu extermínio maciço de seres
humanos.
Mas, enfim, não há direitos legítimos?
Claro que existem direitos sadios e funcionais! São aqueles claramente
precedidos por obrigações. O direito à propriedade, por exemplo, brota do
uso responsável do bem.
Numa comunidade respeitável, um cidadão é impedido de converter seu
lar num prostíbulo, boca de fumo ou berçário de parasitas e doenças. Em
outras palavras, o proprietário tem responsabilidades para com sua
vizinhança, as leis e o Estado. Desrespeitá-las implica em sanções por parte
do poder público legítimo, inclusive, em caso extremo, levando à perda da
sua propriedade.
Substrato da mentalidade revolucionária, o direito à felicidade é apenas
um indicativo do fracasso intelectual e cognitivo causado pelo radicalismo
ideológico no Brasil. Nossa atual constituição, de inspiração claramente
socialista, descamba, entre tantos absurdos, à perversão dos “direitos
adquiridos”: dispositivos ungidos como incontestáveis e perpétuos, ainda que
danosos à prosperidade presente ou futura da nação.
Alguns direitos previdenciários, por exemplo, são encarados como
“direitos adquiridos” no Brasil, forçando o restante da sociedade a financiá-
los, mesmo quando lesivos à própria sobrevivência do sistema ou a despeito
de se provarem antiéticos ou imorais. Nesse instante, esse tipo de direito
releva sua face cruel: de mero privilégio adquirido por um grupo de pressão
ou corporação, em detrimento dos interesses ou do bem maior do resto da
sociedade.
As distorções promovidas pelo flagelo da multiplicação de direitos se
desnudam também no caso estapafúrdio do voto obrigatório, tratado como
um direito de cidadania pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ao confundir
um dever com um direito, o Brasil exibe uma degeneração mental e cognitiva
avançada, digna da novilíngua orwelliana.[1]
Tragicamente, esse não é um fenômeno isolado, e sequer restrito à
nossa nação.
Na Venezuela bolivariana, a novilíngua do mundo real se materializou,
em 2013, na criação do grotesco Vice-Ministério da Suprema Felicidade
Social.[2]
Já, anteriormente, em 1972, o rei do Butão propusera um exotismo
chamado Felicidade Interna Bruta (FIB) ou, em inglês, Gross National
Happiness (GNH), um índice etéreo e maleável criado para substituir o
Produto Interno Bruto (PIB) como medidor racional do desenvolvimento de
uma nação.[3]
A FIB é uma criação compreensível do ponto de vista desse tresloucado
soberano, considerando a miséria econômica do seu reino, refletida num PIB
inexpressivo. A FIB serve como cortina de fumaça a uma mensuração real e
consequente que exporia o fracasso das políticas governamentais do Butão.
Contudo, desafortunadamente, tal bizarrice não permaneceria confinada
a esse remoto reino, pois a FIB ganharia tração internacional nos anos
seguintes, comprovando, uma vez mais, a capacidade da estupidez coletiva
mais delirante se espalhar pelo globo a serviço de uma agenda política
revolucionária.
De fato, as mais pavorosas ideologias invocam a felicidade
irresponsável como desculpa para solapar valores morais incômodos ao
avanço da Revolução, célebre algoz das relações familiares, cujas bases
sólidas e tradicionalistas brotam dos deveres originados do amor.
Amor aos nossos avós, pais, cônjuges, filhos, tios, primos, entre tantos
outros. Amor pela comunidade, a nação e o resto da humanidade. Sem perder
de vista o amor máximo, em seu estado mais puro e sublime, o amor a Deus.
Afinal, quem ama só mata aquele que ameaça o que lhe é caro e
louvado, jamais em prol das promessas delirantes de utopias revolucionárias
ou em nome de líderes ungidos pela mística radical.
Já estes demandam nada menos que o extermínio pelo ódio aos que
divergem da Revolução ou recusam a submissão aos dogmas sangrentos e
tirânicos do Partido.
Radicais abominam as obrigações fundadas no amor; nem poderia ser
diferente às suas almas podres e caprichosas, pois nestas habita unicamente o
desprezo assassino pelos inimigos do momento, sejam homens, mulheres ou
crianças. Seu niilismo move-os à devastação das tradições e dos costumes
populares. Afinal, para a Revolução, a propalada felicidade do oprimido é a
meta final da sua narrativa política hegemônica. Contudo, em seu contexto
impiedoso, o “povo” nunca estará plenamente satisfeito (de fato, como é
próprio da natureza humana), então os radicais proporão sempre um novo
direito, capaz de “libertá-lo” um pouco mais do jugo das suas próprias
obrigações, justamente aquelas que conservavam de pé as fundações da
sociedade até então conhecida. O incauto cavará a própria sepultura ao se
render, preguiçosamente, à visão imediatista de um direito sedutor oferecido
pelos radicais – como uma cenoura estendida a um jegue para conduzi-lo em
direção ao precipício fatal –, alheio à sua participação na aniquilação da sua
própria comunidade e do seu modo de vida original, aquele erguido e
estimado por seus antepassados.
Assim, se o cuidado com os pais idosos se torna um estorvo à felicidade
dos filhos, encerrem os velhinhos num asilo! Se não encontra mais satisfação
na companhia do seu cônjuge, danem-se os filhos! Para que tentar o penoso
resgate do seu casamento, se é mais cômodo e rápido o divórcio redentor.
Gravidez antes da hora? Mate o inocente em seu ventre e retome sua vidinha
“feliz”, livre de culpa e despojada de obrigações indesejadas!
Não é à toa que o mal do século XXI é a depressão. Essa é a era dos
antidepressivos, das terapias, da psicanálise e da psiquiatria. A busca
incansável pela felicidade permanente transformou-nos numa espécie doente,
egoísta, relativista, imoral, pornográfica, insatisfeita e raivosa. Ao trocarmos
o Paraíso Celeste dos cristãos pelas mentiras dos revolucionários sobre um
paraíso terrestre e materialista, abrimos as portas a uma realidade infernal,
povoada de infelizes, neuróticos, narcisistas, mimados, drogados e
depravados.
Afastados da religião e das suas âncoras morais, o mal se infiltrou por
cada fresta da nossa sociedade, tomando os corações e as mentes dos tolos e
incautos, sob a desculpa de fazê-lo – como só o mal é capaz de afirmar – a
serviço do bem, elegendo o direito à felicidade como uma inconteste
prerrogativa comum.
Degradações antes odiosas e abjetas subitamente encontram defensores:
os autoproclamados palatinos das “boas causas” em que os vícios
enlouquecidos se revestiram, arrastando a sociedade, cada vez mais, em
direção ao abismo sombrio onde jorra o sangue de milhões de inocentes,
ceifados pela autoindulgência dos radicais.
Essa mentalidade desumana, severa e cruel, chamada “progressista” no
mundo ocidental, desconhece limites, uma vez que a agenda revolucionária é
irrefreável caso não confrontada com determinação, coragem e inteligência
pelos cristãos e tradicionalistas, a derradeira reserva moral da humanidade.
Quando o movimento abortista propôs, em nome da felicidade dos pais,
o direito de estes matarem seus filhos recém-nascidos, reduzidos então a
meros empecilhos ao seu bem-estar imediato, sob a fraudulenta bandeira da
ética médica[4], os autênticos cristãos enxergaram, claramente, a aproximação
ainda maior do abjeto abismo diante de si; em cujo interior inumano, rastejam
também os apologistas da pedofilia, da liberação das drogas, da eugenia, do
sexo livre e de tantas outras abominações.
Essa é a verdade inegável, escondida sob a infâmia do direito à
felicidade, na qual viceja a defesa do direito de destruição da moralidade
humana, buscando escusas ao cometimento dos piores e mais reprováveis
crimes; embuste monumental voltado a propagar os apetites niilistas da
mentalidade revolucionária por todas as camadas da sociedade, objetivando,
por fim, aniquilá-la de dentro para fora, sob seu apocalipse utópico.
II
Orfandade Monarquista e Comportamento Eleitoral no
Brasil
Reno Martins

Quando o golpe militar republicano ocorreu em 1889, a monarquia no


Brasil gozava de extremo apoio popular. Isso é visível culturalmente ainda
hoje, nas festividades da Independência, no dia sete de setembro, cujo apelo
popular prossegue muito superior ao da proclamação da República, em seu
mal celebrado quinze de novembro.
A deposição da simbólica figura paternal do Imperador foi
profundamente traumática para o povo, e até mesmo aos seus algozes, com
desdobramentos não desprezíveis à psicologia nacional. Essa tese foi
apresentada por Luís Martins em “O patriarca e o bacharel”[5] e apontada por
Tiago Amorim no site Mídia Sem Máscara[6], onde o professor acrescenta,
com propriedade, que “Getúlio, Juscelino ou Lula só foram possíveis porque
os filhos do Brasil querem um novo pai”. O apelo popular do discurso do “pai
dos pobres” ou o fenômeno do “messianismo político” que tantos difundem
podem ser melhor compreendidos como expressões efetivas desse desvio
psicológico.
De fato, este se expressa de modo mais notável não nas eleições
legislativas ou municipais – familiares desde antes do golpe –, mas no
certame presidencial da República. De modo geral, nas monarquias
constitucionais, o soberano representa a reserva moral da nação, com
capacidade de intervir sempre que a própria moralidade pública é ameaçada,
seja na esfera política ou administrativa.
Já a estrutura republicana é diferente. A convivência harmônica dos três
poderes outorga ao Executivo primordialmente o papel implementador e
administrativo. Até hoje, temos, no Brasil, dificuldade para compreender essa
diferença.
Votamos em austeridade de valores, não em capacidade administrativa.
Nas eleições presidenciais, o que procuramos eleger não é um executivo
sensato e capaz, detentor de propostas exequíveis a solucionar os problemas
de turno, porém, uma presença paterna, uma referência moral que julgamos
capaz de fiscalizar e controlar a máquina pública, impondo a ela princípios
inabaláveis.
Isso explica nossa tolerância para com reeleições, dispositivo
universalmente reconhecido, entre os analistas isentos, como prejudicial à
democracia brasileira: afinal, somos um povo que ama a estabilidade moral.
Isso também explica nossa tolerância para com o desequilíbrio de forças em
favor do poder Executivo, capaz de contornar o Legislativo, por exemplo,
com expedientes como as medidas provisórias, ou o Judiciário, com
manobras como o foro privilegiado. Um pai precisa de meios para exercer
sua autoridade, e é isso que nós elegemos.
Nas manifestações de 13/03/2016, mais de 6 milhões de brasileiros
foram às ruas, levando como mote a saída da Presidente da República, a
punição do Partido dos Trabalhadores e o combate irrestrito à corrupção[7]. A
própria aclamação geral das qualidades redentoras do juiz federal Sérgio
Moro[8] como, noutra ocasião, também havia sido as do ministro do Supremo
Tribunal Federal Joaquim Barbosa[9], são eloquentes. Repelir a classe política
e eleger a corrupção como mote de protesto se provaram a amálgama possível
de nossa sociedade heterogênea para expressar sua carência de um referencial
estável de valores.
Alçar à categoria de presidenciável uma pessoa simplesmente pelas suas
presumidas aptidões morais, sem considerar qualquer outra capacitação, é
uma marcante característica brasileira.
O povo brasileiro vive numa república, mas sua psicologia o leva a
eleger candidatos que considera como bons monarcas. Nunca faltaram
oportunistas a explorar esse fato.
Lamentavelmente, o caráter de alguém não pode ser reconhecido apenas
por sua vida voluntariamente divulgada. É preciso conhecer-lhe o berço, e do
berço, sua família, trajetória, anseios, receios e, até, defeitos de
personalidade. Enquanto isso não for devidamente assimilado pela sociedade,
nossas eleições presidenciais republicanas tenderão sempre ao desastre.
Isso já resta claro como evidência histórica irrefutável.
Em qualquer sistema constitucional, a obediência universal às leis é um
princípio basilar. O fato de 6 milhões de brasileiros irem às ruas para forçar a
classe política ao cumprimento dos dispositivos legais é, por si só, o atestado
mais cristalino do colapso do nosso sistema. Resta como a evidência mais
recente do fracasso já consagrado, inexorável e irreversível da República.
III
Simbolismo e tradição nos contos de fadas
Marcelo Hipólito
“Os contos de fadas são assim: certa manhã, acordamos e dizemos: ‘era só
um conto de fadas...’ E rimos de nós mesmos. Mas, no fundo, não estamos
rindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da
vida”.
— Antoine de Saint-Exupéry

Como autor de romances do gênero fantástico, deparo-me com os


mesmos desafios e armadilhas enfrentadas por todo escritor que se aventura
pelo Reino Encantado, conforme conceituado por J. R. R. Tolkien,
acadêmico, linguista e romancista celebrado internacionalmente, cuja obra-
prima permanece a trilogia O Senhor dos Anéis.
A fascinação de Tolkien por mitos e lendas reflete-se nos seus estudos
acadêmicos sobre simbolismo, iconografia e línguas antigas.
Tolkien defendia que a representação de diversos elementos do folclore
anglo-saxão – como, por exemplo, os elfos – havia se modificado, no curso
dos séculos, através da contribuição acumulada de inúmeros artistas e
contadores de história. Essas alterações promovidas por dramaturgos, poetas,
pintores e compositores musicais reformularam o próprio imaginário popular
com a passagem do tempo. Afinal, é inerente ao trabalho do artista atualizar o
objeto de seu ofício à audiência do seu tempo, refletindo seus preconceitos,
expectativas e ansiedades. Contudo, somente a produção cultural de
qualidade ou dotada de sólido potencial ressonante sobrevive à própria
obsolescência potencial para alcançar as gerações seguintes, influenciando,
no decorrer do tempo, a compreensão do objeto original, preferencialmente
sem lhe desfigurar o significado primário, cuja corrupção ou esquecimento
torna o mito vazio de significado e, portanto, irrelevante ao imaginário social.
Esse diálogo permanente entre arte e realidade é explicitado por Tolkien
em sua abordagem do impacto das Grandes Navegações na evolução da
fantasia europeia. De fato, não se deve subestimar o momento histórico em
que o mundo conhecido deixou de ser plano e suas bordas amparadas no
infinito tornaram-se uma esfera de dimensões reais e delimitadas. Um mundo
demasiado concreto para abrigar o Reino Encantado com todas as suas
emoções e cores fortes.
Nesse instante, a narrativa fantástica dos artistas – atenta às
sensibilidades da sua época – migrou o Reino Encantado do nosso mundo
para uma dimensão própria, apartada e distante. Era fazê-lo ou condenar os
mitos à inanição.
Exemplos desse fenômeno, os substantivos fada e elfo passaram a
designar basicamente o mesmo mito a partir do século XV. Sua primeira
citação no Oxford Dictionary se origina do trabalho poético de Gower: as he
were a faierie (como se ele fosse uma fada). Segundo Tolkien, porém, a
interpretação apropriada de Gower seria: as he were of faierie (como se ele
fosse de Faërie, ou do Reino Encantado). Essa distinção é importante, pois
Tolkien compreendia os contos de fadas produzidos na Grã-Bretanha como
narrativas não sobre os habitantes do Reino Encantado – elfos, anãos, bruxas,
gigantes, dragões – mas sim, sobre o próprio Reino Encantado. Um lugar o
qual, a despeito de revestido pela mágica, obedece a regras pré-definidas
sobre a sua própria criação e existência: em que há terras a explorar, ar a
respirar, água a beber e fogo com o qual se aquecer ou cozinhar. No Reino
Encantado, mesmo seres humanos podem conviver com criaturas de fantasia,
assombro ou terror.
A maioria dos bons contos de fadas não são verdadeiramente a respeito
de fadas ou elfos, mas sobre as aventuras dos humanos no Reino Encantado
(também conhecido como Reino Perigoso). É desse encontro da humanidade
com o fantástico que o mito se prova relevante.

Redescoberta
O brilhante escritor, ensaísta e jornalista britânico G. K. Chesterton
considerava a literatura fantástica não como uma forma de escapismo da
realidade mundana, mas sim, o resgate emocional das nossas primeiras
impressões infantis do mundo real e da forma como nos relacionamos com
esse sentimento.
Chesterton celebrava esses momentos primordiais plenos de
humanidade – quando para uma criança se maravilhar bastava o fato de ter
um pai e uma mãe –; momentos poderosos, inseridos num mundo onde tudo é
novo e inesperado, no qual a criança se sente acolhida e amada por sua
família, seu guia e referência durante essas descobertas iniciais. Um mundo
de deslumbramento e amparo, de maravilhas e amor.
“Uma coisa é descrever uma entrevista com uma górgona ou um grifo,
uma criatura que não existe; outra coisa é descobrir que o rinoceronte existe e
depois sentir prazer pelo fato de que ele parece um animal que não existe”[10].
O conto de fadas é um meio para recuperarmos centelhas desses
momentos perdidos de deslumbramento diante de um mundo inédito, quando,
em nossa inocência, deparamo-nos pela primeira vez com o céu, o mar, as
árvores, os pássaros.
Meu filho mais velho, ainda pequeno, tem fascínio por carros. Sua
expressão admirada diante de qualquer veículo – não importa se barato ou
caro, feio ou bonito, novo ou velho, sujo ou limpo – resgata minhas próprias
lembranças desse sentimento há muito esquecido, quando eu mesmo avistei
meu primeiro carro, na minha tenra infância.
Os contos de fadas carregam o potencial para causarem esse efeito. Suas
narrativas sobre um mundo mágico – o Reino Encantado – relembram-nos do
que já nos encantou um dia no mundo real, o assombroso que se tornou
mundano aos adultos que somos hoje.
A redescoberta de que o simples e o trivial podem ser mágicos é a maior
dádiva da literatura fantástica.
É do resgate dessas memórias e emoções esquecidas pelo leitor que
despontam a força simbólica e narrativa dos contos de fadas, recuperando a
criança que já fomos e as surpresas experimentadas no passado.
“Esses contos dizem que as maçãs eram douradas apenas para relembrar
o momento esquecido em que descobrimos que elas eram verdes. Fazem os
rios correr cheios de vinho só para que nos lembremos, por um momento
irrefletido, de que eles correm cheios de água”.[11]
Chesterton corretamente extrapola essa transcendência artística da
literatura a outras formas de expressão humana.
“Tudo o que chamamos de espírito, arte e êxtase significa apenas que
por um terrível instante nos lembramos de que esquecemos”.[12]
Nesse ponto, as teorias de Chesterton e Tolkien se encontram: os contos
de fadas falam de pessoas comuns diante de situações e cenários
surpreendentes, restaurando a dimensão humana em relação ao novo e ao
inesperado.
“(...) as pessoas comuns têm uma vida muito mais instigante; enquanto
as pessoas esquisitas sempre estão se queixando da chatice da vida. É por isso
também que os novos romances desaparecem tão rapidamente, ao passo que
os velhos contos de fada duram para sempre. Os velhos contos de fada fazem
do herói um ser humano normal; suas aventuras é que são surpreendentes”.[13]
Mais do que isso, Chesterton e Tolkien viam o homem comum como a
razão de ser da narrativa fantástica.
“Pode-se criar uma história a partir de um herói entre dragões, mas não
a partir de um dragão entre dragões. O conto de fadas discute o que o homem
sensato fará num mundo de loucura. O romance realista sóbrio de hoje
discute o que um completo lunático fará num mundo sem graça”.[14]
Tolkien, por exemplo, projetava nos seus diminutos hobbits,
personagens centrais de seus romances O Senhor dos Anéis e O Hobbit, as
ansiedades do campesinato britânico diante do avanço da industrialização e
dos subúrbios modernos. A degradação do modo de vida rural pelo avanço
irrefreável das cidades. Para ele, o Bem se traduzia nos pacatos e simplórios
hobbits, amantes da natureza e de um modo de vida antigo e comunal,
enquanto o Mal transparece na face nervosa e medonha dos orcs,
especialistas em engenhos e construções, implacáveis devastadores do meio
ambiente.
A defesa das tradições populares estava no cerne das preocupações
intelectuais de Chesterton e Tolkien.
“(...) as coisas comuns a todos os homens são mais importantes que as
coisas peculiares a qualquer homem. As coisas ordinárias são mais valiosas
que as extraordinárias; ou melhor, são mais extraordinárias”.[15]
A estima pelas tradições, valores morais, costumes e bom senso da
família cristã reverbera no cerne da atitude conservadora e tradicionalista e,
consequentemente, na prosa de ambos esses festejados autores.
“(...) as coisas mais tremendamente importantes devem ser deixadas
para os próprios homens ordinários — a união dos sexos, a criação dos filhos,
as leis do estado”.[16]
Os contos de fadas derivam dos valores morais compartilhados pela
maioria da sociedade. Eles educam nossas crianças sobre as recompensas do
bom senso e as punições esperadas pelos comportamentos reprováveis. Eles
valorizam a coragem, a prudência, o altruísmo, a amizade, a família, a
compaixão; ao mesmo tempo em que condenam o egoísmo, a raiva, a
covardia, a impiedade, a selvageria, a voracidade.
“É muito fácil ver por que uma lenda é tratada, e assim deve ser, mais
respeitosamente do que um livro de história. A lenda geralmente é criada pela
maioria do povo da aldeia, gente equilibrada. O livro geralmente é escrito
pelo único homem da aldeia que é louco”. [17]
Os contos de fadas são uma ferramenta social premente à formação
moral dos cidadãos responsáveis, em conjunto com a família, religião, escola.
O fantástico integra o arsenal das boas armas da sociedade para tornar
crianças em adultos íntegros, capazes de diferenciar o certo do errado e atuar
com prudência e sabedoria na preservação das instituições e da paz social.
“O país das fadas nada mais é do que o país ensolarado
do bom senso. Não é a terra que julga o céu, mas o céu que
julga a terra; assim, para mim pelo menos, não era a terra que
criticava a Elfolândia, mas a Elfolândia que criticava a terra.
Conheci o pé de feijão mágico antes de provar feijão; tive
certeza sobre o homem na Lua antes de ter certeza sobre a
Lua. Isso está em harmonia com a tradição popular. Os
obscuros poetas modernos são naturalistas e falam de arbustos
e riachos; mas os cantores dos poemas épicos e fábulas da
antiguidade eram sobrenaturalistas e falavam dos deuses dos
riachos e arbustos. E isso que os modernos querem dizer
quando afirmam que os antigos não "apreciavam a natureza",
porque diziam que ela era divina. As antigas babás não
falavam às crianças sobre a relva, mas sobre fadas que
dançam sobre a relva; e os antigos gregos não conseguiam ver
as árvores devido às dríades.
Mas aqui trato da ética e da filosofia que resultam de
uma dieta de contos de fadas. Se as estivesse descrevendo em
detalhes, poderia anotar muitos princípios nobres e sadios que
deles derivam. Há a lição cavalheiresca de "Jack, o matador
de gigantes", dizendo que os gigantes deveriam ser mortos
por serem gigantescos. E uma revolta viril contra o orgulho
como tal. Pois o rebelde é mais antigo do que todos os reinos,
e os jacobinos têm mais tradição que os jacobitas.
Há a grande lição de “A Bela e a Fera”, dizendo que
uma criatura precisa ser amada ANTES de ser amável. Há a
terrível alegoria de “A Bela Adormecida”, dizendo como a
criatura humana foi abençoada com todos os seus dons
recebidos ao nascer, e, no entanto, amaldiçoada com a morte;
e como a morte pode ser suavizada em sono”.[18]

O fantástico no Brasil
“Vive dentro de mim, como num rio,
Uma linda mulher, esquiva e rara,
Num borbulhar de argênteos flocos, Iara
De cabeleira de ouro e corpo frio”.
(Trecho do poema A Iara,
de Olavo Bilac).
O folclore brasileiro conserva seus vínculos históricos com a sociedade
brasileira contemporânea, porém, seus vínculos morais se acham
enfraquecidos.
A filosofia e a ética contidas nos “contos de fadas brasileiros” não
ressoam mais na nossa sociedade, afinal o mito, por si só, não é literatura. A
literatura atualiza o mito, mas jamais o substitui.
O tratamento artístico responsável dos mitos – atualizados pelo artífice
para o seu tempo – permanece como uma tarefa indispensável da literatura
nacional. Uma tarefa tristemente adiada.
Ainda assim, maior do que a tarefa é o desafio.
Os folcloristas fizeram o seu trabalho, estudaram e registraram os mitos;
agora, cabe aos artistas contribuírem com seu ofício. Para tanto, devem
atentar aos valores morais existentes nos mitos brasileiros. Vide abaixo
alguns exemplos, ressalvadas suas variações regionais:
1. Saci – pregador de peças, cujas ações geram contratempos. Insistente
com quem demonstra desagrado em relação às suas traquinagens. Sua
temática nos ensina a rir dos pequenos infortúnios, e a não se
incomodar diante de dificuldades menores.
2. Iara – alerta aos jovens luxuriosos e imprudentes. Incentiva o
relacionamento masculino apenas com “moças direitas”.
3. Boto – advertência a meninas “oferecidas”, com pretenso cunho
antiabortista.
4. Corpo-seco – condenação a quem humilha ou maltrata os pais. Ensina,
pelo medo, a necessidade de respeito aos progenitores.
Raros artistas se dedicaram com a devida seriedade e competência à
tarefa de contextualizar e explicitar as lições de moral contidas no nosso
folclore a uma audiência brasileira contemporânea.
Seu maior expoente talvez seja Monteiro Lobato, criador de um Reino
Encantado próprio (O Sítio do Pica-Pau Amarelo), o qual se revelou
extremamente habilidoso na atualização de mitos do folclore nacional para o
seu tempo, chegando mesmo a combiná-los com narrativas internacionais,
adaptadas por seu excepcional talento.
Lobato enfrentou a fragilidade dos vínculos morais dos mitos
brasileiros, empregando uma ética própria capaz de se conectar com o leitor
comum. Esses pontos de identificação entre o artista e o público da sua época
se expressaram na sua valorização do ato de brincar, no incentivo à
imaginação infantil, na promoção da liberdade, na nostalgia da vida simples
do campo (em oposição à da cidade), em um período no qual o Brasil se
tornava uma sociedade urbana.
Numa análise mais abrangente, um mito pode ser compreendido pela
coesão do seu conteúdo original (significado) com a sua forma original
(aparência).
Cabe ao artista a ousadia de combinar os elementos originais com sua
sensibilidade para atualizá-los à sociedade de seu tempo sem descaracterizá-
lo a ponto de perder sua ressonância popular.
Um mito despojado do seu conteúdo original, ainda que preserve a sua
forma, arrisca-se a perder sua identificação com a cultura que o originou ou
restar somente como mera farsa ou efeito satírico.
O estabelecimento de uma literatura de fantasia dedicada aos mitos do
folclore brasileiro – mesmo que combinados às influências de outros povos –
representa um desafio urgente ao escritor de fantasia nacional.
Um movimento forte e robusto inexiste neste sentido, porém, é passível
de despontar com o amadurecimento e a multiplicação de uma literatura
duradoura de qualidade no Brasil, capaz de se valer do boom do gênero
fantástico ocorrido mundialmente nas últimas décadas.

Bibliografia complementar
TOLKIEN, J. R. R. (1947). Sobre Contos de Fadas: Ensaios Apresentados a
Charles Williams. Oxford: Oxford University Press.
IV
Como se apoderar de um mercado livre
Reno Martins

Sendo você o supremo comandante de um estado totalitário com


diversas empresas estatais disponíveis, seguem instruções objetivas de como
obter hegemonia num livre mercado, em qualquer parte do mundo.
Antes, contudo, é preciso ter clara a necessidade de que sejam
produzidas mercadorias em que a percepção de qualidade seja equivalente, ou
quase, daquelas oferecidas pela concorrência no mercado em questão. A
eficiência na produção – veja bem – não é essencial, apesar de desejável. O
seu produto pode ter custos de produção bem mais altos, o que é facilmente
contornável pelo subsidio cruzado – use os ganhos obtidos na produção de
outras coisas, como grãos e tecidos, por exemplo, para baixar artificialmente
os custos na produção de automóveis, aviões, ou outro produto que desejar. O
fundamental é a qualidade da mercadoria final não ser demasiadamente
inferior àquela esperada pelos consumidores no mercado almejado. Dito isso,
vamos, sem mais delongas, às instruções.
Selecione uma indústria qualquer e, à custa da felicidade e do conforto
do seu povo, derrube seus custos por meio dos subsídios cruzados, como dito
anteriormente. Desvalorize artificialmente seu câmbio de modo a estimular as
exportações para o mercado externo do qual deseja se apoderar. Se você tiver
sabedoria, dará preferência às indústrias de base, ou àquelas com grande
efeito multiplicador, como a automotiva. Fuja dos serviços ou áreas onde a
concorrência local possui vantagem, exceto se preciso usar esses setores
como porta de entrada para iniciar as transações comerciais com o país alvo.
Quando as empresas locais não puderem mais suportar a disputa
concorrencial com seus produtos subsidiados, entrando em falência, compre-
as. As vantagens políticas e econômicas, uma vez consolidada a expansão,
compensarão no futuro qualquer esforço despendido com os subsídios.
Trabalhe para que sejam derrubadas as regras aduaneiras, especialmente
aquelas destinadas a promover defesas contra dupping, usando ao seu favor o
discurso liberalizante. Cuide para a concorrência ser celebrada, sem ressalvas,
como a mais eficiente maneira de melhorar serviços e baixar preços.
É importante que o discurso liberal jamais ressalte a existência de
empresas distintas atuando no cenário mundial – privadas, estatais e mistas.
A população deve crer na saída do Estado do gerenciamento do comércio e
na falácia de quanto mais ofertantes de um produto melhor,
independentemente desses ofertantes seguirem regras heterogêneas nos seus
países de origem, tais como: regimes de trabalho análogos à escravidão ou
subsídios cruzados. Essas diferenças, que deve gerenciar com cuidado e
sigilo, evitando divulgação na imprensa, tornam suas empresas capazes de
suportar, sem embaraço, grandes períodos de prejuízo, uma vez que têm sua
sobrevivência garantida pelo sofrimento do seu próprio povo. Esse discurso
não deve ser difícil de estabelecer entre as populações menos nacionalistas do
ocidente, uma vez que estas tendem a ver apenas os benefícios de curto
prazo, tratando indistintamente todas as empresas internacionais. Aproveite o
momento.
Se o governo do país em questão apresentar afinidade ideológica com
você e se coadunar com o princípio geral de dominação econômica, tanto
melhor. Continue alimentando o discurso liberal sem freios, enquanto
prossegue na estratégia de esfacelamento do parque produtivo local.
Simultaneamente, apoie o governo, para que este, sob a égide do liberalismo,
retire os entraves legais à sua entrada nos nichos estratégicos pretendidos.
Assim, em poucos anos, o parque produtivo estará em suas mãos e a
liberdade de mercado, restrita apenas à esfera do discurso.
Com a dominação econômica, a dominação total se torna relativamente
fácil. Incapaz de financiar seus próprios interesses, a sociedade do mercado
alvo se verá refém do setor produtivo, tanto do ponto de vista político quanto
do econômico, e, destarte, também do cultural. Em alguns anos, sem
financiamento para manifestações culturais voltadas aos valores locais, a
reengenharia, com exposição contínua de nossos valores específicos,
especialmente direcionada à doutrinação das crianças, fará da sociedade do
mercado alvo uma extensão de seu próprio país. Assim, numa risível ironia,
usando a bandeira libertária do fim dos estados, é possível erigir o estado
universal, cujo braço, com o tempo, poderá alcançar todo o mundo.
Com o uso do discurso liberal desenfreado e a desconstrução cultural
implementada com eficiência, a única limitação a essa estratégia é a sua
capacidade de absorver os recursos econômicos do seu povo sem que seu
próprio país entre em colapso. Isso, na realidade, comprometeria qualquer
plano de longo prazo, portanto gerencie com cuidado a exploração das
pessoas, de modo a tomar deles o máximo possível sem comprometer sua
capacidade produtiva. Quanto mais amplo for o seu Estado, mais fácil será a
consecução do seu intento.
V
Autores

Marcelo Hipólito é um escritor brasileiro,


nascido em São Paulo. Residente em Brasília, casado, pai de dois filhos,
autor de três romances e coautor de diversos contos publicados em língua
inglesa, nos EUA, Reino Unido e Espanha, dentre os quais se destaca a
indicação a melhor conto nos EUA, em 2003, pelo Preditors & Editors
Readers Poll. Hipólito ministra palestras em importantes eventos, tais como:
o Festival Literário de Poços de Caldas – Flipoços 2015, a Feira do Livro de
Joinville de 2015 e o 1º Congresso Nacional de Escrita Criativa, de 2016.
Hipólito é filiado ao Movimento Viva Brasil e ao Instituto Conservador de
Brasília. É, ainda, diretor de três filmes de curta-metragem de ficção,
roteirista de cinema e produtor de teatro.
Reno Martins, nascido no Rio Grande do
Norte, é católico, mestre em economia e professor. Casado, pai de dois filhos
e chefe escoteiro, desenvolve estudos nas áreas de filosofia política e religião,
com atenção especial à guerra cultural e à tradição cristã no Brasil.
Adicionalmente, dedica-se à prosa poética e a assuntos pouco usuais, dentre
os quais ufologia e alquimia.
[1]
Orwell, G. (2009). 1984. São Paulo: Companhia das Letras.
[2]
G1. (2013). Venezuela cria 'vice-ministério da suprema felicidade social'. Fonte: G1:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/10/venezuela-cria-vice-ministerio-da-suprema-felicidade-social.html
[3]
GNH Movement Project. (2007). 3RD International Conference on Gross National Happiness. Fonte: GNH
Movement Project: http://www.gnh-movement.org/
[4]
Azevedo, R. (2012). Eles chegaram lá: dupla de especialistas defende o direito de assassinar também os recém-
nascidos. Fonte: Blog do Reinaldo, Veja.com: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/eles-chegaram-la-dupla-de-
especialistas-defende-o-direito-de-assassinar-tambem-os-recem-nascidos/
[5]
O Patriarca e o Bacharel. Luis Martins. São Paulo: Martins, 1953.
[6]
Povo neurótico. Tiago Amorim. Em Mídia Sem Máscara, 19/12/2015.
[7]
Vem Pra Rua diz que movimento é contra a corrupção. BOL, 23/03/2015.
[8]
KOTSCHO: “ESTÁ SURGINDO UM NOVO PRESIDENCIÁVEL?”. Brasil247, 03/2016.
[9]
Joaquim Barbosa diz que não tem vontade de ser presidente. Terra, 01/06/2015.
[10]
Chesterton, G. K. (2008). Ortodoxia. São Paulo: Editora Mundo Cristão. p.11.
[11]
Ibid. p 56.
[12]
Ibid.
[13]
Ibid. p. 16.
[14]
Ibid.
[15]
Ibid. p. 48.
[16]
Ibid. p 49.
[17]
Idem.
[18]
Ibid. p. 51.

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