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Há 1 hora
Nos últimos cinco anos, com o crescimento do acesso a internet pelo celular, dezenas de
clínicas de reabilitação surgiram nos arredores de megaempresas como Facebook, Twitter,
Apple e Google no Vale do Silício, oferecendo tratamentos específicos para jovens que
passam até 20 horas diárias encarando telas de cristal líquido.
É o caso da Paradigm, uma mansão cercada por jardins e câmeras de segurança no ponto
mais alto de uma colina em San Francisco, de frente para a ponte Golden Gate, principal
cartão postal da região.
A misteriosa e exclusiva escola criada por Elon Musk para educar seus filhos
Sem placas de identificação e acessível só de carro, a Paradigm hospeda apenas oito jovens
simultaneamente, em internações compulsórias que duram em média 45 dias, podendo
chegar a 60, dependendo do grau de dependência e de fatores associados, como depressão,
ansiedade e agressividade.
Com hora certa para acordar, estudar, fazer refeições e participar de uma bateria de terapias
coletivas e individuais, a promessa da clínica é "reprogramar" os jovens para que eles
possam reconstruir sua relação com a tecnologia e se reaproximar de familiares, estudos,
amigos e tarefas "offline".
"Nós os desconectamos. Essa é a regra", resume Danielle Kovac, diretora da clínica, à BBC
Brasil.
"Eu diria que é um período de ajuste para as crianças. O mais bacana é ouvir muitas dizendo
no final do tratamento: 'Obrigado, obrigado por não permitir que eu ficasse com meu telefone
ou em redes sociais em um computador, eu fui capaz de realmente me concentrar em mim'."
Sintomas e controvérsias
Citado pela primeira vez por um psiquiatra de Nova York durante os primórdios da rede, em
1995, o vício em internet não é uma doença oficialmente reconhecida nos Estados Unidos.
Psicólogos e psiquiatras americanos se dividem: para alguns, o vício seria apenas um
sintoma de outras síndromes, como paranoia e depressão, e não a causa delas. Para outros,
ele seguiria características idênticas às de outras dependências já reconhecidas, como álcool
e drogas.
Mas países como Austrália, China, Itália e Japão reconhecem oficialmente o problema - na
Coreia do Sul, por exemplo, a dependência pela internet foi classificada como "problema de
saúde pública" e é tratada em hospitais públicos.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento integral e gratuito para
transtornos como depressão e vícios em álcool e outras drogas, mas não tem serviços
específicos sobre questões mentais ligadas à tecnologia.
"Muitas vezes, vemos famílias contando que não tiveram nem refeição sequer com os filhos
porque eles estão no Snapchat", diz a diretora da clínica em San Francisco, citando jovens
que passam até 20 horas diárias em redes sociais.
Ela diz que o diagnóstico de dependência de internet repete o padrão de outros vícios.
"(É) quando começa a afetar outras áreas da vida, como sua vida social ou escola. Muitas
vezes, vemos notas caindo porque as crianças estão no Facebook ou no Instagram durante a
noite toda, então eles não conseguem acordar para ir o colégio nem se focar nos trabalhos
escolares", afirma.
Ela conta que parte dos pacientes chega à clínica depois de abandonar a escola por causa
do vício.
"É certamente uma sensação diferente do atendimento sem internação, em que os jovens
são levados ou dirigem até a terapia uma vez por semana, por uma hora. Aqui nós
conseguimos viver o dia deles com eles e perceber quais são seus comportamentos-padrão.
Isso nos traz informações úteis para os tratamentos."
Luxo
Os cômodos na clínica em San Francisco são amplos e extremamente luxuosos -
reproduzindo as características encontradas nas próprias casas da maioria dos jovens
internados.
Em um dos quartos, no entorno de uma lareira, três camas de casal se espalham cercados
por janelões virados para o mar.
"A sensação de 'estou sozinho nessa' é muito assustadora. Então, para eles (pacientes),
saber que 'meu colega de quarto também está aqui, talvez por outra razão, mas podemos
nos ajudar' é muito, muito positivo", diz Kovac.
"Se eles estiverem com dificuldades e não tiverem a melhor estrutura de apoio em casa - não
é sempre este o caso, mas acontece às vezes -, aqui eles estão em uma espécie de família
construída, que poderão acessar quando saírem daqui como apoio contínuo."
A clínica também oferece atividades para ex-pacientes e para familiares, "reforçando laços" e
a continuidade do tratamento.
Em relação ao processo terapêutico, a reportagem não conseguiu conversar com nenhum
dos pacientes. Durante a visita à clínica, no entanto, uma jovem acabava de ser internada - o
que foi percebido por gritos e choro alto se espalhando pelo casarão.
Ao mesmo tempo, um rapaz de 17 anos tocava piano e um pequeno grupo se reunia numa
das varandas para tomar café da manhã.
A diretora diz que a internação funciona como um botão de "reset" (ou reinício,
reconfiguração) nas mentes dos pacientes.
"Depois que eles se desconectarem, vão voltar a acessar Facebook, Instagram, Twitter ou
que seja de novo?", pergunta Kovac, quando questionada sobre os objetivos do tratamento.
"Bem, provavelmente. Mas, se eles estão aqui, um local que afeta as suas vidas, nossa
expectativa é que se desconectem por tempo suficiente para que, quando voltarem para
casa, estejam prontos para estabelecer limites para si mesmos e para suas famílias
também."
Um dia na 'rehab'
Ela conta que a reação dos jovens ao se verem sem os celulares pode surpreender.
"Há pais que dizem que os filhos vão gritar quando os telefones forem tirados. Mas, em
muitos casos, é uma surpresa agradável. Eles dizem "Ok". Muitas vezes os pais querem
mudanças, mas os filhos também querem. Então vejo que nestes casos eles estão prontos
para dizer 'Ok, é estranho, esquisito para mim, mas vou deixar meu telefone com minha mãe
e talvez buscá-lo de novo quando eu sair'."
Antes de deixar o local, entretanto, os jovens são levados a encarar uma rotina que combina
conforto e muito trabalho.
O dia na clínica começa às 7h, quando todos acordam para tomar café da manhã reunidos.
"Isso já pode ser um pouco diferente do que esses jovens estão acostumados em casa", diz
a diretora.
"Se houver medicações (prescritas pelos médicos particulares dos pacientes), nós damos as
medicações neste horário", continua Kovac. "Começamos o dia de maneira positiva,
comendo um café da manhã bom e balanceado, e depois fazemos um trabalho em grupo, de
suporte mútuo, conduzido pela nossa equipe.
Na sequência, os jovens fazem aulas de reforço escolar ("as escolas podem mandar os
conteúdos que querem que sejam trabalhados, para que eles possam continuar estudando
enquanto estão aqui"), depois almoçam e se dividem em diferentes grupos de trabalho.
"Depois quebramos para atividades noturnas mais ligadas ao relaxamento, que podem ser
ioga, acupuntura, meditações. E passamos documentários, às vezes."
Cerco ao Facebook
Para a diretora, empresas como Facebook, Twitter e Snapchat "certamente sabem o que
estão fazendo para que, não apenas crianças, mas pessoas em geral, fiquem presas a certas
coisas, com certos algoritmos para certos propósitos".
Ela pede mais atenção aos CEOs. "Não tenho a resposta de como eles podem fazer isso,
mas é preciso ter atenção com o que está acontecendo com a sociedade em geral. As
pessoas estão conectadas demais a seus telefones e a internet."
O Messenger Kids foi anunciado em dezembro como uma "solução divertida e segura" para
que crianças conversem, via vídeo ou chat, com amigos e familiares. É uma versão
simplificada do Messenger, que no entanto exige consentimento parental antes do uso e
cujos dados gerados não são usados para publicidade dirigida.
Em resposta à carta aberta, o Facebook afirmou que "desde o lançamento, em dezembro,
temos escutado de pais ao redor dos EUA que o Messenger Kids os ajuda a manter contato
com seus filhos e que seus filhos mantenham contato com familiares, perto ou longe.
Soubemos, por exemplo, que pais que trabalham à noite agora podem contar histórias de
ninar para seus filhos; que mães em viagens profissionais estão tendo atualizações diárias
de seus filhos enquanto estão longe".
Mas a carta aberta questiona a necessidade de o Facebook oferecer esse serviço. "As
crianças podem usar as contas dos pais no Facebook ou no Skype. Eles também podem
simplesmente telefonar."
Os autores finalizam a carta apontando que "seria melhor deixar as crianças pequenas em
paz para que se desenvolvam sem as pressões derivadas do uso das redes sociais. A
criação de crianças na era digital já é difícil o bastante. Pedimos que vocês não usem os
enormes alcance e influência do Facebook para tornar esse trabalho ainda mais difícil".
Enquanto a controvérsia não chega a um ponto final, o Facebook mantém suas ferramentas
polêmicas ao alcance de crianças e adolescentes, e a clínica milionária para viciados em
internet continua cheia de clientes em San Francisco - mas só os que têm pais ou
responsáveis que podem pagar caro por isso.
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