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Com quantos escravos se constrói um país?

Portugueses e holandeses sabiam: o Brasil não era viável sem Angola. A riqueza
daqui se fez à custa da destruição de lá
Luiz Felipe de Alencastro

No Atlântico português formou-se uma matriz espacial colonial específica. De um


lado, no litoral da América do Sul, desenvolveram-se uma economia e uma sociedade
fundadas no trabalho escravo africano. Do outro, principalmente em Angola, mas
também no Golfo de Guiné, situavam-se as redes de reprodução dessa mão-de-obra
escrava. As duas margens do Atlântico Sul se completavam em um só sistema de
exploração colonial, cuja singularidade ainda marca profundamente o Brasil
contemporâneo.
No início do século XVII, a circulação de homens e mercadorias entre Brasil e Angola
já era considerável. Uma das mais claras demonstrações da ligação entre as duas
colônias aparece no encadeamento das invasões holandesas. Na estratégia holandesa,
os portos comerciais dos dois lados do Atlântico Sul eram alvos conjugados.
Quando tomaram a Bahia, em 1624-5, os holandeses promoveram também o
bloqueio naval de Benguela e Luanda. A segunda campanha atingiu o alvo em 1630,
com a captura de Olinda e Recife. Cinco anos depois, a Zona da Mata pernambucana
tinha caído sob o controle de Maurício de Nassau. No primeiro relatório que envia a
Amsterdã, ele enuncia as regras do jogo colonial no Atlântico Sul. Adverte que não era
qualquer um que servia para ser colono na Nova Holanda: os candidatos deveriam
dispor de capital “para mandar fazer a fábrica de que precisam, pois não podem ser
trazidas da Holanda como são aqui necessárias, e para comprar alguns negros, sem os
quais nada de proveitoso se pode fazer no Brasil”. E insiste: “Necessariamente deve
haver escravos no Brasil (...) é muito preciso que todos os meios apropriados se
empreguem no respectivo tráfico na Costa da África”.
Admitida a necessidade do tráfico negreiro, faltava ainda montar o circuito
transatlântico de compra, transporte e venda dos africanos. Em 1637, Nassau envia
uma frota do Recife para capturar São Jorge da Mina, entreposto português de
comércio de ouro e de escravos no litoral africano (atual Gana). Sem saberem ainda
negociar escravos na África, os holandeses levam dois intermediários para tratar com
os traficantes africanos. Mas, ao constatar que a região não era suficiente para dar
conta do fornecimento de escravos a Pernambuco, Nassau lança seus navios sobre o
maior mercado atlântico de cativos: Angola.
Luanda, Benguela e São Tomé caem nas mãos dos holandeses entre agosto e
novembro de 1641. A captura dos dois polos da economia de plantações – as zonas
produtoras escravistas americanas e as zonas africanas reprodutoras de escravos –
mostrava-se indispensável para o implemento da atividade açucareira. Nassau é
enfático: sem o trato negreiro e os portos angolanos, o Brasil holandês seria “inútil e
sem frutos para a Compagnie”.
Pelos mesmos motivos, Portugal se preocupava com a situação na América. Chegou
a tentar um acordo com os holandeses para que as duas partes tivessem acesso ao
comércio de escravos. Não teve sucesso, e em meados de 1643, Telles da Silva,
governador-geral do Brasil, prevenia el-rei: “Angola, senhor, está de todo perdida, e
sem ela não tem Vossa Majestade o Brasil, porque desanimados os moradores de não
terem escravos para os engenhos, os desfabricarão e virão a perder as alfândegas de
Vossa Majestade os direitos que tinham em seus açúcares”. Ou seja: sem o trato de
Luanda, a colônia americana estava condenada. Diferentemente do que tem sido dito
e escrito em boa parte da historiografia brasileira, o tráfico de escravos no Atlântico
Sul era predominantemente bilateral, e não triangular.
Tropas, navios e munição em quantidades suficientes para o socorro da África
Central não poderiam sair de Portugal, que continuava em guerra de fronteira com a
Espanha e guerra marítima com a Holanda. Coube então ao Rio de Janeiro e às
capitanias adjacentes – principais interessadas no restabelecimento do tráfico negreiro
– a tarefa de fornecer gente e petrechos, “pois todo o Brasil necessita de escravos para
seu remédio”. Por força das circunstâncias que coibiam a ação da metrópole, abriu-se
espaço para uma cogestão lusitana e “brasílica” (nome genérico para os colonos do
Brasil) no Atlântico Sul.
É Salvador Correia de Sá e Benevides (1602-1688) quem conduz, em maio de 1648,
a frota luso-brasílica que reconquistará Angola. Composta de onze naus e quatro
patachos, com quase dois mil homens, a expedição é financiada em 70% por fundos
coletados junto aos negreiros e fazendeiros fluminenses. Dispondo de um estado-
maior experimentado no Atlântico Sul e de “boa gente e infantaria exercitada nas
fronteiras nas guerras de Portugal e na campanha de Pernambuco”, o corpo
expedicionário desembarca e, após combates em Luanda, vence os holandeses em
agosto de 1648.
Num memorial enviado à Corte, a Câmara de Luanda reconhece explicitamente que
os sucessos da reconquista de Angola “mal se lograriam se os moradores daquela
ilustre cidade [o Rio de Janeiro] se não fintaram [tributassem] com uma muito grande
soma de dinheiro com que a armada se forneceu e obrou o fim desejado”. Cinco anos
mais tarde, a Câmara do Rio de Janeiro reivindicou orgulhosamente o mérito da
expedição: “Quem pode negar a esta cidade a glória da restauração de Angola?” A
história da expulsão dos holandeses deixou evidente que o Brasil tinha continuidade
fora das fronteiras americanas.
A partir daí, a presença brasílica afirma-se na África Central. Depois da
independência, Angola continua sob influência brasileira, e desde 1823 fala-se da
presença em Luanda, e sobretudo em Benguela, de um “partido brasileiro”, que joga
as cartas dos interesses negreiros dos escravistas do Império do Brasil contra a política
colonial portuguesa. Do lado brasileiro também havia um “partido angolano”, que
almejava anexar Angola ao Brasil. Esta estratégia anexionista foi claramente enunciada
por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778-1859), pai da pátria, senador, regente
do Trono e ministro, na Constituinte de 1823.
Nenhuma região escravista das Américas teve na África um peso similar ao do
Brasil. A intervenção brasileira em Angola, como também no Golfo de Guiné,
sobretudo no antigo reino do Daomé, só declina após 1850, com o fim do tráfico
negreiro no Atlântico Sul. Concretamente, o ciclo mais longo da economia brasileira é
o ciclo negreiro que vai de 1550 a 1850. Todos os outros – do açúcar, do tabaco, do
ouro e do café – são, na realidade, subciclos dependentes do ciclo negreiro. Neste
sentido, pode-se dizer que a construção do Brasil se fez à custa da destruição de
Angola.
A dependência do tráfico negreiro e da escravidão também deixou efeitos perversos
entre nós. O fato de pilhar durante três séculos a mão de obra das aldeias africanas
facilitou o extermínio das aldeias indígenas, tornadas desnecessárias, e gerou entre os
senhores de engenho, os fazendeiros e o próprio governo, uma brutalidade e um
descompromisso social e político que até hoje caracterizam as classes dominantes
brasileiras.

Luiz Felipe de Alencastro é professor titular da cátedra de História do Brasil da


Universidade de Paris IV Sorbonne e autor de O trato dos viventes – formação do
Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII (São Paulo: Companhia das Letras, 2000).

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