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Transexualidade e a vida vivida: consciência e


transformação
SÁ, Maria de Fátima Freire de; SILLMANN, Marina Carneiro Matos. Transexualidade e a vida vivida: consciência e
transformação. In: CORDEIRO, Carlos Jose; GOMES, Josiane Araújo (Org.). Diálogos entre educação e direitos humanos. São
Paulo: Pilares, 2017. p. 95-114.

Maria de Fátima Freire de Sá e Marina Carneiro Matos Sillmann

Autor: Maria de Fátima Freire de Sá e Marina Carneiro Matos Sillmann

Páginas: 95-114

Id. vLex: VLEX-682702629

Link: http://vlex.com/vid/transexualidade-vida-vivida-consciencia-682702629

Texto

Contenidos
Apresentação.
1 Introdução.
2 A vida vivida: entre a ficção e a realidade.
3 A vida vivida: a dura realidade.
4 A transexualidade na escola: os desafios da educação para trazer consciência e
transformação.
5 A teoria Queer.
6 Referências.

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Apresentação
A transexualidade é uma realidade que não pode ficar alheia à esfera jurídica. O único meio de
se garantir uma sociedade sadia é permitir o convívio das diferenças. Nesse artigo, ficção e
realidade são objetos de reflexão, na busca por soluções que privilegiem o ser humano,
garantindo-lhe a dignidade e o livre desenvolvimento de sua personalidade. Jurisprudências
dos tribunais são destacadas para demonstrar a diversidade de seus fundamentos. Na esfera
legislativa, o Projeto de Lei "João Nery" busca o reconhecimento da autonomia do transexual a
partir da autodefinição de gênero. O debate sobre gênero nas escolas também é objeto de
análise, bem como os projetos de lei sobre o assunto.

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"A faculdade de se pensar que a realidade de hoje é a única verdadeira, se por um lado nos
sustenta, por outro precipita-nos num vazio sem fim, porque a realidade de hoje está destinada a
revelar-se amanhã como ilusão. E a vida não conclui.

Não pode concluir. Se amanhã concluir, acabou."

Luigi Pirandello 1

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1 Introdução
A autonomia privada é pano de fundo para a discussão que ora trazemos. E, na
contemporaneidade, começou-se a trabalhar a ideia de correlação/codependência entre
autonomias pública e privada. Voltar os olhos para o pretérito conferiu a capacidade crítico-
reflexiva necessária à percepção de que uma perspectiva isolada, seja ela pública ou privada, é,
também, uma perspectiva carente, manca, cujos passos capengas não levam além do que a
uma ótica parcial.

Logo, a adoção de uma concepção de autonomia integradora dos espaços público e privado é a
única que, diante de uma pluralidade, propicia a preservação da variável individual dentro de
uma realidade intersubjetivamente compartilhada na qual cada um possa se preservar, mas, ao
mesmo tempo, reconhecer o outro e participar da construção desse universo comungado sem
que, para tal, excluam-se as diferenças.2

E é nesse contexto que trazemos o tema transexualidade. Vamos abordá-lo à luz do Direito
compreendido como sistema de princípios, na busca pelo constante reconhecimento recíproco
de iguais liberdades fundamentais. Isto se explica porque não há mais a possibilidade de
imposição de uma única concepção de "vida boa", a qual nos era imposta por meio da
sacralização do Direito. O Direito moderno assumiu para si o desafio de, por meio dos direitos
fundamentais, "garantir espaços privados e públicos de construção e manifestação de opiniões
e concepções de vida diferenciadas."3.

Se afirmarmos que, na atualidade, toda pessoa tem liberdade para construir sua pessoalidade,
não resta dúvida que a sexualidade é um dos elementos desse processo construtivo. Cabe ao
Direito, portanto, efetivar esse processo que compreende o construir-se pessoa, em uma
constante busca por reconhecimento e pela afirmação do conteúdo da dignidade da pessoa
humana.

O debate está aberto. Muitas barreiras necessitam ser transpostas para a efetivação de direitos
aos transgêneros. Questões corriqueiras como, por exemplo, o uso de banheiros nas escolas e
em outros lugares públicos e a possibilidade de ser chamado pelo nome social precisam de
respostas.

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Negar o debate sobre gênero é inserir a vida em uma caixa que não a comporta.
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2 A vida vivida: entre a ficção e a realidade


Talvez, a melhor maneira de enxergar a realidade seja torná-la ficção. Assim, em uma tela de
cinema, as experiências do mundo-da-vida ganham a distância necessária para se tornar
instigantes, agônicas e reais. E, sendo reais, costumam despertar nossas emoções e nossa
sensibilidade para com o outro.

É com o intuito de despertar emoções e olhares para uma questão de grande importância que é
a transexualidade infantil, dedicaremos as próximas linhas ao longa-metragem belga (Bélgica,
França e Inglaterra) Ma Vie em Rose, lançado em 1997.

Minha vida em cor-de-rosa conta a estória da família Fabre, um núcleo composto por um
homem, uma mulher e três filhos, habitantes de uma pacata vizinhança. O personagem principal
é Ludovic (George DuFresne), um menino de sete anos, filho caçula de Hanna (Michele
Laroque) e Pierre (Jean-Philippe Ecoffey).

Tudo parecia bem na família Fabre até que Ludovic começa a ter atitudes estranhas, a se
comportar fora dos padrões "ditos normais" para um menino. O primeiro incidente ocorre em
uma festa promovida pela família, quando Ludovic aparece na sala da casa maquiado e com um
vestido da irmã. Nesse momento, a atitude do menino é relativizada pelos pais, que fingem não
dar tanta importância. Mas uma sucessão de fatos traz a realidade à tona: Ludovic questiona seu
status de menino.

Em uma cena do filme, Ludo, como era chamado, encontra-se na casa de seu amigo Jerome
(Julien Riviere), filho de um casal amigo de seus pais. Inadvertidamente, Ludo entra em um
quarto proibido - o quarto da irmã morta de Jerome. E o mundo feminino o encanta e o seduz.
Ludo troca sua roupa por um lindo vestido rosa e, tomado pela magia do desenho O Mundo de
Pam, como Pam (uma criação publicitária análoga à Barbie) se identifica e ao seu amigo Ben, o
namorado de Pam. A cena mostra as duas crianças se casando perante um padre imaginário, e
um beijo dado por Ludovic em Jerome, selando a união, provoca um desmaio na mãe de
Jerome, que assiste, estupefata, a cena.

Na ficção, a família Fabre não vê com bons olhos a atitude de Ludo. Perdidos, tal como
acontece com a maioria das famílias que vive essa situação, os pais se questionam onde
"erraram" na criação do menino. E, em dado momento, a solução proposta foi fazer Ludo
acompanhar mais

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o pai, que o incentiva a jogar futebol e a "fazer coisas de menino". Talvez, segundo os pais, se
forçassem uma construção de masculinidades, as expressões femininas em Ludo se calassem.

É comovente o sofrimento de Ludo ao longo da estória. Uma vez aprendido que "meninos não
se casam com meninos", Ludo pede à fada Pam que o transforme em uma menina para que ele
possa se casar com Jerome. E as explicações biológicas de sua irmã acerca das diferenças
entre meninos e meninas não o satisfazem. A conclusão de Ludovic é que Deus pretendia, sim,
que ele nascesse menina, mas um dos seus cromossomos X se perdera pelo caminho, ficando
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o XY. Mas, por certo, Deus resolveria esse problema...

Das telas para a realidade. Uma, dentre muitas histórias, escolhida por nós: Luiza, estudante de
nove anos, antes se chamava Leandro. A primeira criança transexual brasileira a receber
autorização da justiça para a mudança do prenome. Na reportagem consultada, os nomes são
fictícios, a pedido da família.

Segundo a mãe de Luiza, tudo começou quando Leandro tinha dois anos de idade. A mãe relata
que a criança costumava pegar as presilhas das coleguinhas da creche e as ajustava em seus
próprios cabelos. Depois, passou a usar blusas como vestidos e a feminilidade se acentuava.
Os pais decidiram reprimir ao máximo a conduta de Leandro, mas nada mudava. Uma vez
repreendido, Leandro repetia tudo escondido dos pais. De acordo com os pais, o menino
colocava pregadores de roupa nos cabelos para simular longas madeixas, escondia a genitália
ao entrar no banho e chegou até a pegar uma tesoura para cortar o órgão masculino.

Diante do susto, os pais propuseram à criança andar como menina dentro de casa, mas fora dali
ela deveria se comportar como menino. A ideia não teve êxito porque, certa vez, um amigo da
família entrou na residência sem avisar e Luiza, no quintal, escondeu-se atrás da churrasqueira
tremendo de medo.

Esse foi o sinal para que os pais enfrentassem de vez a situação. Ao saberem da existência do
Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das
Clínicas de São Paulo, Beatriz, mãe de Leandro, pediu ajuda. Ali, os pais foram orientados a
não repreender e, tampouco, a estimular o comportamento da criança. O tempo mostrou a
identidade feminina, fato que levou os pais a pedirem, judicialmente, a troca do prenome de
Leandro.

O processo tramitou perante a Terceira Vara da Comarca de Sorriso, no Estado de Mato Grosso
e o pedido foi proposto pela Defensoria Pública. A ação de retificação de assento de registro
civil pugnava pela

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alteração do nome e do gênero, sob o fundamento de que a criança nasceu com anatomia física
contrária à sua identidade sexual psíquica. O juiz Anderson Candiotto, responsável pela
condução do processo, determinou a realização de um estudo psicossocial e a oitiva da criança
na modalidade de depoimento sem dano. Ao final, julgou procedentes os pedidos na sua
totalidade, fundamentando o mérito no princípio da dignidade da pessoa humana:

a personalidade da infante, seu comportamento e aparência remetem, imprescindivelmente, ao


gênero oposto de que biologicamente possui, conforme se pode observar em todas as
avaliações psicológicas e laudos proferidos pelo Ambulatório de Transtorno de Identidade de
Gênero e Orientação Sexual do Núcleo de Psiquiatria e Psicologia Forense (AMTIGOS) do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP/SP, único no Brasil que exerce
estudos nesse aspecto, evidenciando a preocupação dos genitores em buscar as melhores
condições de vida para a criança4.

Luiza encontra-se matriculada em uma escola pública porque, segundo a mãe, a escola
particular "barrou, temendo afugentar a clientela" e só os professores sabem da sua história.
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Cientes das fases que estão por vir, quais sejam, o uso de medicamentos para bloqueio da
puberdade masculina e, no futuro, outros para reforçar os traços femininos, os pais se dizem
tranquilos e felizes com o desfecho da situação. E Luiza assim se manifestou na matéria: "Agora
me sinto uma menina inteira. Meu único medo é minhas amigas deixarem de falar comigo se um
dia descobrirem que eu já fui menino5".

Ficção e realidade nos ensinam que, para essas crianças - Ludovic e Leandro (Luiza) - a
construção de suas pessoalidades depende da aceitação de que eles são meninas. E o desafio
é entender que a repressão não é o caminho, assim como não o é a tentativa de "consertar" a
individualidade de alguém, seja criança ou adulto.

Se existe algum problema, este se encontra na própria sociedade, muitas vezes preconceituosa
e avessa à diversidade, cabendo a ela, portanto,

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resolvê-lo tendo em vista o reconhecimento às diferenças e a garantia de iguais liberdades


fundamentais.

3 A vida vivida: a dura realidade


João W. Nery foi o primeiro transexual masculino a se ter notícia no Brasil. Nasceu Joana, em
1950, e até os vinte e sete anos viveu em um corpo de anatomia feminina. Com coragem e
generosidade, relatou sua vida, suas angústias e sua luta pela cirurgia de transgenitalização, à
época considerada ilegal, no livro Viagem Solitária: memória de um transexual trinta anos
depois.

No livro, João narra sua caminhada existencial. Descreve a sensação de ser estrangeiro em um
mundo marcado por categorias e rótulos: "Você nasce e morre dentro de caixas. Caixa da
família, da escola, do casamento e depois vai para o caixão. Ponha o pé fora disso e você já é
estigmatizado. Tem que ter muita estrutura para segurar a peteca da marginalidade"6.

Foi em Paris que João encontra a solução para o seu labirinto quando, ao folhear algumas
revistas, deparou-se com uma reportagem sobre cirurgias de transgenitalização. De volta ao
Brasil, João conheceu pessoas que faziam parte de uma equipe que estudava a
transexualidade. A peregrinação em busca de um novo corpo foi árdua, mas João conseguiu
construir sua identidade mesmo em uma sociedade preconceituosa, carregada de modelos
ideais preestabelecidos.

À exemplo de João, muitas outras pessoas buscam a autoafirmação de sua pessoalidade,


enfrentando os estigmas, próprios de um modelo de sociedade que fabrica um tipo de cultura
repressora. E não há outra maneira de enfrentar esses problemas senão com a exposição
pessoal, muitas vezes indesejada. Eis a história de Cléo, aluna da PUC do Rio de Janeiro,
nascida Cleber.

Quando criança, ao assistir uma reportagem na televisão sobre a vida da modelo Roberta Close,
Cléo disse encontrar seu lugar no mundo. Sabia ser mulher, percebendo que era possível
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corrigir o erro. Alguns anos se passaram e Cléo começou a usar roupas femininas e a se afirmar
como mulher, o que provocou desentendimentos entre ela e a família. Saiu de casa aos
dezessete anos e a solução foi morar com uma amiga transexual que se prostituía nas ruas.
Certa de que não queria o mesmo destino da amiga, Cléo buscou a reconciliação com seus
pais, mas o preço a pagar seria

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voltar a se vestir como homem. Aceitou, contudo, aos poucos, conquistou o respeito da família,
que acostumou com a sua feminilidade.

Se de um lado a vida melhorou, se autoafirmando como mulher, namorando um rapaz e


trabalhando como assistente social em uma creche do subúrbio, de outro persistia o problema
da exposição a um nome masculino que nada lhe dizia respeito. Era assim na sala de aula e no
balcão de entrega de livros na biblioteca. Depois de várias experiências ruins, Cléo preferiu
recorrer à burocracia da PUC e pagar o preço da exposição. O assunto chegou à reitoria e a
mudança foi procedida. O nome social de Cléo passou a constar de todos os seus documentos
universitários, embora acompanhado pelo nome de registro. O esforço e a exposição de Cléo
tiveram um preço: "Depois que essa história do meu nome foi divulgada, passei a ser Cléo, a
trans. O rótulo sempre vem na frente e isso é um peso para carregar"7. De toda maneira, é Cléo
quem afirma se sentir recompensada todas as vezes que entra em sala e ouve o nome que
escolheu para si ser chamado entre os primeiros da lista. Enfim, ela estava presente.
Atualmente, tramita processo judicial para alteração do seu registro civil.

O tratamento jurídico dado à pessoa transexual vem passando por várias "fases evolutivas".
Foram muitas as decisões judiciais que negaram a mudança do prenome e do gênero sob
diferentes alegações, dentre elas: o estado individual da pessoa é imutável; falta de previsão
legal que excepcione a regra do art. 13 do Código Civil; a Resolução do Conselho Federal de
Medicina que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalização não consubstancia ato de
legalização dessa; o sexo tem função social; o Direito deve proteger os interesses de terceiros
de boa fé; a cirurgia não muda o estado sexual, dentre outros.

Embora superadas muitas das alegações acima mencionadas, as decisões dos tribunais não
são uniformes. Há decisões que deferem a mudança do prenome e não do gênero; outras que
deferem ambos e decisões que vinculam tais mudanças à cirurgia de redesignação sexual. Mais
recentemente, passou-se a discutir a possibilidade da mudança do prenome e do gênero sem a
cirurgia de mudança de sexo não sendo possível, também nesses casos, falar-se em uma
postura uníssona dos tribunais pátrios.8

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Inobstante a diversidade dos julgados, é possível dizer que o século XXI vem sendo palco de
algumas decisões judiciais que, de certa maneira, tornam um pouco menos árdua a vida de
pessoas transexuais.

Em 2012, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe permitiu a retificação de nome e


gênero de transexual, mesmo sem a cirurgia de transgenitalização. Segundo o relator,
Desembargador Ricardo Múcio de Abreu e Lima, "Cabe, pois, ao ordenamento jurídico, o papel

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de garantir ao indivíduo transexual a sua plena inserção na sociedade em que vive por meio do
respeito à sua identidade sexual, como um dos aspectos do direito à saúde, independentemente
da realização da cirurgia"9.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul examinou a questão e concluiu que "constatada e
provada a condição de transgênero da autora, é dispensável a cirurgia de transgenitalização
para efeitos de alteração de seu nome e designativo de gênero no seu registro civil de
nascimento"10.

Outro julgado, também proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é a Apelação
Cível n. 70065099772. O caso cuida de pedido de retificação de registro civil de transgênero
que não se submeteu à cirurgia de transgenitalização dada à dificuldade clínica de se construir
um pênis. Em entendimento compatível com a visão jurídica de respeito à autonomia sobre o
próprio corpo e direito à identidade sexual, o Tribunal julgou procedente os pedidos do autor:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE


NASCIMENTO. MUDANÇA DE SEXO. TRANSGÊNERO. Quando está comprovado que a
retificação do registro de nascimento não trará qualquer prejuízo à sociedade e, sobretudo,
garante a dignidade da pessoa humana daquele que a pleiteia, cumpre a procedência do
pedido. A identificação de gênero não está vinculada aos órgãos genitais, mas, sim, à
identificação psíquica do ser humano. Precedentes desta Câmara. PEDIDO DO MP PARA
INDICAÇÃO DE INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PEDIDO
INDEFERIDO. DERAM PROVIMENTO AO APELO11.

Quanto às manifestações dos tribunais superiores sobre o assunto, também não é possível falar
em uniformidade de entendimento. O Superior

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Tribunal de Justiça12, por duas vezes, já se manifestou sobre a possibilidade de retificação do


registro civil, no tocante ao nome e ao sexo de transexual já operado, divergindo nos dois
julgados apenas quanto à forma de se proceder a alteração.

Já o Supremo Tribunal Federal, apesar de não ter julgado o mérito da questão, reconheceu a
existência de repercussão geral na questão constitucional suscitada no Recurso Extraordinário
nº 670.422/RS em 11 de setembro de 2014. O caso retrata a hipótese de alteração do registro
sem a realização de cirurgia de modificação do fenótipo feminino para masculino. Em primeira
instância foi deferido o pedido de alteração do nome, mas não do sexo. Em segunda instância,
foi confirmada a sentença destacando a necessidade de averbar nos registros do autor sua
condição de transexual13.

Na seara legislativa14, está em tramitação o Projeto de Lei denominado "João Nery", em


homenagem ao primeiro homem transexual brasileiro a realizar a cirurgia de transgenitalização.
O Projeto n. 5002 de 2013 aguarda votação, tendo obtido parecer favorável da Comissão de
Direitos Humanos e Minorias.

A definição de identidade de gênero e o modo de exercício deste direito estão contemplados no


art. 2º:
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Art. 2º Entende-se por identidade de gênero a vivência interna e individual do gênero tal como
cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento,
incluindo a vivência pessoal do corpo. Parágrafo único: O exercício do direito à identidade de
gênero pode envolver a modificação da aparência ou da função corporal através de meios
farmacológicos, cirúrgicos ou de outra índole, desde que isso seja livremente escolhido, e outras
expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de fala e maneirismos15.

O que se busca, nesse Projeto de Lei, é o reconhecimento da autonomia do transexual a partir


da autodefinição de gênero. Nos termos do art. 4º, para que a pessoa altere seu prenome e
gênero no registro civil, basta ser maior de dezoito anos, apresentar o requerimento e o nome
escolhido. O parágrafo único deste artigo dispensa o acompanhamento psicológico, a
submissão à terapia hormonal ou cirurgia de redesignação sexual. O art. 5º

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confere a mesma possibilidade aos menores de dezoito anos, desde que observada a
autonomia progressiva e o melhor interesse da criança, de acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o consentimento de seus representantes e, em
caso de negativa, poderá recorrer a processo judicial para tal alteração. O art. 6º garante sigilo
às alterações de registro.

Poder-se-ia indagar que esta simplificação nas alterações do registro civil, dispensando
expressamente a necessidade de cirurgia ou o acompanhamento psicológico, abriria espaço
para fraudar direitos de terceiros, como eventuais credores ou até mesmo para burlar o sistema
jurídico criminal. Atento a tais possibilidades, o Projeto, em seu art. 7º, traz previsão expressa de
que a alteração no registro civil não altera a titularidade das obrigações e as relações jurídicas
previamente estabelecidas.

Pertinente também ressaltar que o Projeto de Lei assegura o acesso às cirurgias e a tratamentos
de redesignação sexual, bem como o uso do nome social para aqueles que não desejarem
alterar o registro civil.

4 A transexualidade na escola: os desafios


da educação para trazer consciência e
transformação
A escola é um espaço de transformação cultural tendo por base não apenas a educação formal,
mas também as lições aprendidas com a convivência com o outro. Algumas pessoas se
percebem transgênero muito cedo, exatamente na fase escolar:

O aspecto mais significativo destes dados é o aumento claro na idade de 5 anos, representando
a média modal, com uma média de 7,9 anos. A percentagem de pessoas transgênero que
perceberam a variação de gênero na idade de 18 anos, ou mais tarde, é inferior a 4%, com 76%
dos participantes estarem cientes de que eram variantes de gênero ou transgêneros antes de

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saírem da escola primária.

Estes dados são importantes porque puderam, em grande parte, ser previstos com
embasamento nos resultados de Suzanne Kessler e Wendy McKenna (1978, p. 102), sobre as
idades em que as crianças vêm a ter a percepção do gênero. Eles argumentam que as crianças
começam a entender a identidade de gênero entre as idades de 3 e 4, e que isto se desenvolve
ao longo dos dois anos seguintes, como também tornam-se conscientes de interpretações
sociais de gênero como uma categoria de "invariáveis". Além disso, o estudo de Margaret
Intons-Peterson (1988), que sugere que a maioria das crianças está consciente da constância
de gênero com aproximadamente 3 anos e 9 meses, também mostra que as crianças trans

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são suscetíveis de começar a tomar consciência de suas diferenças logo após esta idade16.

O debate acerca da discussão sobre questões de gênero nas escolas foi acentuado no
momento de elaboração do Plano Nacional de Educação de 2014. A proposta inicial trazia
como meta "a superação de desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da
igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual". Contudo, tal proposta foi vetada
pelas bancadas religiosas do Congresso com a justificativa de que as orientações nela contidas
deturpariam as visões tradicionais de gênero e família17.

Nesse sentido, em documento elaborado pela Câmara sobre os debates da tramitação do Plano
Nacional de Educação de 2014:

A mais ruidosa polêmica diz respeito à alteração da diretriz que previa a superação das
desigualdades educacionais (inciso III do art. 2º do substitutivo da Câmara). O Senado alterou
esse dispositivo, retirando a ênfase na promoção da "igualdade racial, regional, de gênero e de
orientação sexual", expressão substituída por "cidadania e na erradicação de todas as formas
de discriminação". A contenda terminou favorável ao Senado, com a aprovação do destaque
para manter seu texto.18

O texto final do Plano Nacional de Educação de 2014 abortou a temática da inclusão dos
debates sobre gênero de forma genérica para ser abordada em conjunto com as demais formas
de discriminação. Assim, enfrentar questões de gênero no âmbito escolar fica a cargo de cada
Estado ou Município, que deve elaborar seu plano de educação, desde que respeite as
diretrizes do Plano Nacional de Educação.

Na esfera Federal19, importante trazer a baila o Projeto de Lei n. 2.731 de 2015, que visava
alterar o Plano Nacional de Educação, ao proibir o

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debate sobre gênero na educação. Referido projeto estava em tramitação no Congresso


Nacional, mas foi retirado, pelo autor, na data de 24 de novembro de 2015.20. Na justificativa do
Projeto, o Deputado Eros Biondini aduz que:

Não cabe à escola doutrinar sexualmente as crianças, desprovidas que são das necessárias

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compreensão e maturidade, ainda mais quando essa doutrina vai contra todo o comportamento
habitual e majoritário da sociedade, pois isso pode causar-lhes danos irreversíveis quanto à
sexualidade e quanto a aspectos psicológicos21.

O argumento acima, por óbvio, não merece prosperar em um Estado Democrático de Direito. É
certo que debates sobre gênero são fundamentais no ambiente escolar, lugar fértil para
aprender que a vida é plural e que há muitas maneiras de viver nas quais as pessoas podem se
desenvolver e prosperar. A educação é fundamental para a transformação social e para a
compreensão das crianças transexuais sobre o que acontece com elas. A escola não pode se
omitir ao debate e, muito menos, ser proibida de realizá-lo.

Convidado pelo Portal G1 a falar sobre o tema, Alexandre Saddeh, médico psiquiatra, afirma
que há muitas crianças que se enxergam como pertencentes ao sexo oposto, geralmente a partir
dos seis anos. Em razão dessa identificação, vestem-se com roupas do sexo oposto, escolhem
o nome que desejam ser chamadas e, nas escolas, manifestam interesse pelas brincadeiras
culturalmente atribuídas ao outro gênero. A recomendação dada pelo profissional é a de que a
escola não reprima essas crianças e chame os pais para uma conversa, aproveitando a
oportunidade para educar com as diferenças22.

Dentre os inúmeros casos que poderiam ser relatados, trazemos a experiência de Brunna, que
se vê como transexual desde os sete anos de idade:

A transexual Brunna Valin, de 38 anos, conta que desde os 7 anos já sabia muito bem que não
gostava de meninas. Aos 11 anos, vieram

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as brigas no colégio, as surras dos meninos, até que ela deixou a escola na 7ª série do ensino
fundamental.

"Eu sofria muito por ser diferente. Com 12 anos, já me apresentava como Brunna e me vestia de
menina, com saia, sapato de salto, batom, brinco. Queria ser igual à Roberta Close, era um
espelho", lembra.

Em casa, dentro de uma família religiosa, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, a
transexual também encontrou rejeição. Após apanhar algumas vezes, deixou os pais aos 14
anos e foi morar com a avó, depois com uma prima, até ficar sozinha.

"Tenho mais sete irmãos - dois homens e cinco mulheres. Só um irmão me aceita muito bem. No
começo, para eles eu era gay, não entendiam essa questão de gênero. Meu pai morreu há três
anos, ainda não aprovando", revela23.

Brunna mostra a realidade de alta evasão do transexual das escolas e do ensino formal em
geral. Possivelmente, se na época de sua infância, as informações referentes às questões de
gênero fossem mais difundidas o seu relato poderia ser outro. Ela, como vários outros
transexuais, enfrentou dificuldades no mercado de trabalho e se tornou profissional do sexo,
somente retornando à escola aos trinta e seis anos, para concluir o ensino fundamental.24

Referente à inclusão do transexual no ambiente escolar, vale ressaltar a Portaria n. 1.612 de


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Referente à inclusão do transexual no ambiente escolar, vale ressaltar a Portaria n. 1.612 de


2011, do Ministério da Educação, que reconhece o uso do nome social nos atos e
procedimentos promovidos no âmbito do Ministério da Educação.

Assim:

Para a coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério das Mulheres, da


Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Symmy Larrat, o uso do nome social garante a
cidadania das pessoas trans durante a prova ao reconhecê-las por sua identidade de gênero, e
cria um ambiente acolhedor para a população T, como são chamados os transexuais e
travestis25.

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Além da questão do uso do nome social, outra situação que causa constrangimento ao
transexual na escola e em espaços públicos em geral, é o uso dos banheiros. Costumeiramente,
banheiros públicos são divididos em dois: um designado para o gênero masculino e outro para o
feminino. Algo que deveria ser banal passa a ser um tormento para o transexual. É comum a
pessoa ver-se impedida, por seguranças e atendentes responsáveis pelos sanitários, de entrar
no banheiro que corresponde ao gênero ao qual se identifica26. A justificativa é que a presença
de alguém de gênero diverso causaria constrangimento aos demais usuários.

Sobre o assunto, no ano de 2015, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do Recurso
Extraordinário n. 845779, em que discute a reparação de danos morais a uma transexual que se
disse constrangida por empregado de shopping center quando tentou fazer uso de banheiro
feminino. Ao escrever sobre o tema, Nelson Rosenvald assim sintetizou o voto do Ministro
Relator:

O Relator, Ministro Roberto Barroso, propôs a seguinte tese para efeito de repercussão geral:
"Os transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de
gênero, inclusive na utilização de banheiro de acesso público". Ressaltou que o princípio da
dignidade da pessoa humana incluiria valor intrínseco de todos os seres humanos. Portanto, o
transexual teria o direito fundamental de ser reconhecido e de ser tratado pelo seu valor
intrínseco, por sua dimensão ontológica. O valor intrínseco geraria um conjunto de direitos entre
os quais se destacaria o direito à igualdade. Portanto, toda pessoa teria o mesmo valor
intrínseco que a outra e consequentemente teria o mesmo direito ao respeito e à consideração.
Sublinhou que a ótica da igualdade, como reconhecimento, visaria justamente combater práticas
culturais enraizadas que inferiorizariam e estigmatizariam grupos sociais. Enfatizou que o papel
do Estado, da sociedade e de um tribunal constitucional, em nome do princípio da igualdade
materializado na Constituição, seria restabelecer ou proporcionar, na maior extensão possível, a
igualdade dessas pessoas, atribuindo o mesmo valor intrínseco que todos teriam dentro da
sociedade. Destacou que outra dimensão da dignidade da pessoa humana seria a dignidade
como autonomia do individuo, o que consubstanciaria no livre arbítrio das pessoas, na
autodeterminação, na capacidade de fazer suas escolhas existenciais essenciais e de
desenvolver sua personalidade. Assim, deixar de reconhecer a um indivíduo a possibilidade de
viver a sua identidade de gênero seria privá-lo de uma das dimensões que dariam sentido a sua
existência. Frisou que a mera presença de transexual femi-nina em áreas comuns de banheiro
feminino poderia gerar algum constrangimento a mulheres, porém não seria comparável àquele
suportado por um tran-sexual que não teria a sua condição respeitada pela sociedade.
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Consignou que

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um Estado democrático teria o dever constitucional de proteger as minorias. Observou que a


democracia não teria apenas a dimensão formal de ser o governo das maiorias, mas também
uma dimensão substantiva que seria a proteção dos direitos fundamentais das pessoas27.

Com razão o Ministro Relator. Não há como negar, hodiernamente, que todos os indivíduos, na
qualidade de seres livres e que coexistem em uma rede de interdependência e interlocução,
possuem uma pessoalidade que não é pressuposta nem imposta, mas, sim, construída
socialmente28.

Portanto, todos têm liberdade para construir sua pessoalidade, edificada a partir das
configurações assumidas individualmente e que decorrem de escolhas (ações e omissões)
enquanto seres livres e agentes da própria vida.

Se a pessoalidade é processo e não expressa uma qualidade imanente à pessoa, inegável que
o direito a uma identidade de gênero e os direitos daí decorrentes, são um desafio para o Direito
contemporâneo29- e deve ser enfrentado, como o faz o STF -, sobretudo quando esta identidade
de gênero é construída pela própria pessoa que reclama por reconhecimento.

Em razão de pedido de vista do Ministro Luiz Fux, o julgamento foi interrompido. O Ministro
Fachin votou com o Relator.

5 A teoria Queer
Questões relacionadas ao gênero estão incutidas na cultura de um modo geral. Desde o
momento em que se descobre a gravidez é comum a ansiedade dos progenitores pela
descoberta do sexo da criança, menino ou menina? Essa resposta leva à possibilidade de
sonhar com o quarto adequado, com os brinquedos certos, as roupas apropriadas. Mas será que
o gênero faz parte da natureza humana ou é uma construção social?

Buck Angel, ícone LGBT, é conhecido por sua coragem em não abdicar de sua vagina em meio
às transformações hormonais que se sujeitou para ter um corpo masculino. Em entrevista à
Carta Capital, disse ter

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passado por um processo doloroso de autoconhecimento. Disse ter visto as transformações da


puberdade como uma traição de seu corpo. Por isso, batia nos seus seios na tentativa de
impedi-los de crescer. Bebeu, usou drogas e tentou suicídio. "Ninguém me falou que eu poderia
ser um homem. As pessoas achavam que eu era doente e deveria ir para o hospital"30.

A primeira pergunta feita a Buck Angel foi, o que é gênero? A resposta foi a seguinte:

Eu estou tentando quebrar essas ideias sobre o que significa ser homossexual, homem, mulher.

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Por que a gente sempre tem de estar dentro de determinadas caixinhas e dizer, por exemplo,
"eu sou um homem gay, que gosta de outros homens gays"? Por que não podemos ser apenas
seres humanos, que gostam de pessoas? É para isso que estou lutando: para que as pessoas
parem de se rotular.

Essa é uma grande questão e agora, mais do que nunca, difícil de se responder. Acredito que
hoje gênero pode ser expresso de muitas maneiras e não apenas nas de homem ou mulher.
Algumas pessoas não sentem que são apenas homens, por exemplo, mas homem e mulher.
Outras não sentem que aquela terminologia representa a maneira como veem seu corpo. Então,
gênero, hoje, para mim, é expresso pelo indivíduo e não por padrões de comunidades. O gênero
não pode ser expresso apenas pelas genitais.31Toda a construção produzida por Buck Angel
nos remete à Teoria Queer. Queer é uma palavra inglesa sem tradução no Brasil. Em Londres, a
Queer street, era local habitado por pervertidos e devassos. O termo era usado como ofensa,
destinando-se a todas as pessoas "desviantes", como homossexuais, travestis e transexuais.
Um possível sinônimo em língua portuguesa é a palavra transviado.

Hoje, devidamente consolidada por estudos de Judith Butler, a Teoria Queer apresenta "gênero"
como algo fluido, socialmente construído. O queer é aquele que se narra fora das normas. Trata-
se de uma teoria de empoderamento dos corpos, buscando se distanciar de um empoderamento

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assimilacionista. Portanto, questiona saberes pressupostos, entendidos como verdades


absolutas, como a noção de uma essência masculina ou feminina. Para a Teoria Queer não há
que se falar em essência ou ontologia, mas de uma relação de mediação cultural de marcadores
biológicos.

A Teoria Queer questiona o aspecto binário do gênero e a ideia de que ele seja natural e
biológico, a partir da conhecida frase de Simone de Beauvoir "Ninguém nasce mulher: torna-se
mulher", no seu livro O Segundo Sexo. O conceito de gênero, portanto, para os defensores da
Teoria Queer, é algo culturalmente fabricado. Trata-se de uma performance repetida de normas
e significados estabelecidos socialmente, só legitimados pela imitação das convenções.

Buck Angel é um caso claro de um trans que contesta o binarismo homem-mulher. Por outro
lado, não há um consenso sobre a discussão. Ativistas intersexuais, por exemplo, têm visões
variadas. Muitos entendem importante uma designação clara de gênero principalmente para
crianças que gostariam de se identificar com seus pares. E há intersexuais que defendem um
terceiro gênero ou uma maneira de marcar seu status. A conclusão é que não há visões únicas
em quaisquer das comunidades.

Em um giro pelo mundo, é recente a decisão do Supremo Tribunal da Índia que reconheceu a
existência de um terceiro gênero. A decisão histórica permite aos cidadãos optar por uma de três
orientações: masculino, feminino ou terceiro gênero em todos os documentos oficiais. A decisão,
para muitos, ajuda no combate à marginalização e aos atos de violência contra as pessoas que
não se identificam com uma visão binária do gênero.

A decisão do Tribunal Supremo da Índia abrange eunucos, pessoas que se submeteram à


cirurgia de transgenitalização e todos os que se apresentem de uma forma diferente da do sexo

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com que nasceram. Não estão abarcados na decisão gays, lésbicas e bissexuais32.

A Alemanha enfrentou o tema em 2013, quando se tornou o primeiro país europeu a autorizar
que os pais não precisam indicar o sexo dos filhos na certidão de nascimento. Tal decisão fez
criar uma categoria indefinida nos registros civis33.

Page 112

Também em 2013, o Tribunal de Recurso de Nova Gales do Sul, o mais antigo Estado da
Oceania, decidiu que os pais das crianças desse Estado podem optar por não identificar o sexo
no registro de nascimento. O Tribunal abriu caminho para o reconhecimento do "sexual neutro"
ao permitir que os pais optem por uma terceira alínea: "sem especificar"34.

É certo que o debate encontra-se aberto. Não obstante, é preciso trazer aqui algumas
preocupações: quem defende os direitos da criança diferente? Os direitos de Ludovic que queria
usar o vestido da irmã morta de seu amigo? Do menino Leandro que dizia ser menina e queria
se chamar Luiza? Os direitos da criança à livre autodeterminação de gênero e de sexualidade?
Quem defende os direitos da criança de crescer em um mundo sem violência, nem sexual nem
de gênero35

Não há como negar que estamos inseridos em um contexto que escolheu manter a criança em
seus gêneros masculino e feminino, a partir de um construto biológico. E, sendo assim, inserir o
menino e a menina em mundos de luzes e cores próprios, a fim de que sejam crianças
heterossexuais, é quase um roteiro cultural. Talvez não seja de todo ruim essa construção, pelo
menos no início da vida. Contudo, com o desenvolvimento, essa "escolha" pode não representar
a pessoalidade daqueles seres em desenvolvimento. E aí, o que é preciso entender é que o
direito da pessoa à identidade de gênero constitui um Direito Humano, de modo que nenhuma
norma, regulamento ou procedimento pode limitar, restringir ou suprimir o exercício desse
direito.

6 Referências
ANACHE, Ana Luíza. Juiz determina mudança de nome e gênero de criança. Assessoria de
Comunicação CGJ-MT. Disponível em: . Acesso em: 18 de maio de 2014.

BRASIL, Projeto de Lei n. 5.002 de 2013.

BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014 - 2024. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014, que
aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. BRASIL. Projeto de Lei
n. 2.731 de 2015.

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COELHO, Thiago. Cléo está presente: estudante consegue que a universidade a reconheça

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mudar de nome e gênero. Veja São Paulo. 1º de fevereiro de 2016. Disponível em: . Acesso em:
18 de maio de 2016.

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agosto de 2015. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2016.

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Acesso em: 18 de maio de 2016.

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Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 16.07.2015. RIO GRANDE DO SUL.
Tribunal de Justiça. Apelação cível no.70057414971. Oitava Câmara Cível. Relator
Desembargador Rui Portanova. Julgado em: 5 jun.2014. ROSENVALD, Nelson. Manual de
sobrevivência em banheiros públicos. Facebook. 20 de abril de 2016. Disponível em: . Acesso
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(coords.). Direito Civil atualidades III: princípios jurídicos no direito privado. Belo Horizonte: Del
Rey, 2009. SERGIPE. Tribunal de Justiça. Apelação cível no.5751/2012, extinta - 6ª Vara
Privativa de Assistência Judiciária de Aracaju, Relator Des. Ricardo Múcio Santama de Abreu e
Lima, julgado em 30.10.2012.

TERRA. Alemanha é o primeiro país europeu a reconhecer o terceiro gênero. Portal de notícias
Terra. 30 de outubro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 18 de maio de 2016.

[1] PIRANDELLO, Luigi. Um, ninguém e cem mil. Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa:
Editorial Presença, 1989. p. 66.

[2] Os dois primeiros parágrafos dessa introdução fazem parte do texto: SÁ, Maria de Fátima
Freire de; PONTES, Maíla Mello Campolina. Autonomia privada e o direito de morrer. In: FIUZA,
César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (coords.). Direito
Civil atualidades III: princípios jurídicos no direito privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

[3] CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Prefácio à segunda edição. In SÁ, Maria de Fátima Freire
de. Direito de morrer. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

[4] ANACHE, Ana Luíza. Juiz determina mudança de nome e gênero de criança. Assessoria de
Comunicação CGJ-MT. Disponível em: . Acesso em: 18 de maio de 2016.

[5] FARIAS, Adriana. Criança de 9 anos é a primeira no Brasil a ser autorizada pela Justiça a
mudar de nome e gênero. Veja São Paulo. 1º de fevereiro de 2016. Disponível em: . Acesso em:
18 de maio de 2016.

[6] NERY, João W. Viagem solitária: memória de um transexual trinta anos depois. São Paulo:
Leya, 2011, p.45.

[7] COELHO, Thiago. Cléo está presente: estudante consegue que a universidade a reconheça
como mulher. Revista Piauí_108, ano 9, setembro/2015, p. 8.

[8] A título exemplificativo menciona-se as posições dos Tribunais de Justiça dos estados de
São Paulo e do Rio Grande do Sul. Enquanto o primeiro tribunal, em diversos julgados,
entendeu que a cirurgia é elemento essencial para o deferimento do pedido de retificação de
registro civil (Conforme Apelações n. 0019307-41.2012.8.26.0576; n. 0004142-
59.2012.8.26.0541; n. 0909159-11.2012.8.26.0037; n. 0023241-58.2011.8.26.0344); no TJRS já

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são comuns decisões aceitando a mudança de prenome e gênero sem cirurgia, com fundamento
no princípio da dignidade da pessoa humana (Conforme Apelações n. 70066488081 e n.
70065099772 e Agravo de Instrumento n. 70060459930).

[9] SERGIPE. Tribunal de Justiça. Apelação cível no.5751/2012, extinta - 6ª Vara Privativa de
Assistência Judiciária de Aracaju, Relator Des. Ricardo Múcio Santama de Abreu e Lima,
julgado em 30.10.2012.

[10] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação cível no. 70057414971. Oitava
Câmara Cível. Relator Desembargador Rui Portanova. Julgado em: 5 jun.2014.

[11] RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível N. 70065099772, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 16.07.2015.

[12] Conforme, REsp n. 737993/MG e REsp n. 1008398/SP.

[13] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 670422 RG / RS. Repercussão geral. Relator(a):


Min. Dias Toffoli. Julgamento: 11/09/2014.

[14] Ressaltamos a existência de outros projetos de lei sobre o tema tramitando no Congresso
Nacional, como o PL n. 4241 de 2012, que dispõe sobre o direito à identidade de gênero.

[15] BRASIL, Projeto de Lei n. 5.002 de 2013.

[16] Conforme dados retirados de: KENNEDY, Natacha. Crianças transgênero: mais do que um
desafio teórico. Trad. Amado, Valéria. In: Revista do programa de pós graduação em ciências da
UFRN. Vol 2. N. 2, 2010, p. 25.

[17] MUNDIN, Izabelle. O que é a ideologia de gênero que foi banida dos planos de educação
afinal? Uol. 11.08.2015. Disponível em: . Acesso em: 1º de maio de 2016.

[18] BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014,
que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências, p. 21.

[19] No âmbito estadual e municipal podemos destacar, dentre outros em sentido similar, o
Projeto de Lei n. 20 de 2016 de Teresina, Piauí, que "veda a distribuição de exposição e
divulgação de material didático contendo manifestações da ideologia de gênero nos
estabelecimentos de ensino da rede pública municipal de Teresina". Esse projeto foi arquivado
em virtude do acolhimento do parecer de inconstitucionalidade da Comissão de Constituição e
Justiça.

[20] Remetemos o leitor à nota técnica n. 24 de 2015 do Ministério da Educação explicitando a


relevância do debate de gênero no âmbito escolar.

[21] BRASIL. Projeto de Lei n. 2.731 de 2015.

[22] D’ALANA, Luna. Transexual pode se descobrir na primeira infância, dizem especialistas.
G1. 03 de março de 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 de maio de 2015.

[23] Idem
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[24] Idem.

[25] PORTAL BRASIL. Uso do nome social no Enem por transexuais cresce 172%. 23 de
outubro de 2015, p. 1. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2016.

[26] No estado da Carolina do Norte, Estados Unidos, por exemplo, há uma lei que exige que as
pessoas utilizem os banheiros designados ao seu sexo de nascimento, proibindo o uso
daqueles que corresponda a sua identidade de gênero. A situação ganhou destaque após
protesto realizado por Sarah McBride, que se fotografou em banheiro correspondente ao gênero
que se identifica.

[27] ROSENVALD, Nelson. Manual de sobrevivência em banheiros públicos. Facebook. 20 de


abril de 2016. Disponível em: . Acesso em: 16 de maio de 2016.

[28] Sobre o tema pessoalidade indicamos a leitura de MOUREIRA, Diogo Luna. Pessoas e
autonomia privada: dimensões reflexivas da racionalidade e dimensões operacionais da pessoa
a partir da Teoria do Direito Privado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

[29] Também sobre o tema: SÁ, Maria de Fátima Freire; MOUREIRA, Diogo Luna. O direito da
pessoa humana à identidade de gênero autoconstruída: mais uma possibilidade de
pessoalidade. In: Direito privado: revisitações. SÁ, Maria de Fátima Freire de Sá, et. al (coords.).
Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013.

[30] GOMBATA, Marsilea. "Minha vagina é poderosa", diz homem trans ativista. Carta Capital.
20 de agosto de 2015. Disponível em: . Acesso em 15 de maio de 2016.

[31] Idem, p. 1.

[32] PÚBLICO PT. Índia torna legal a existência de um terceiro género. Público Pt. Disponível
em: . Acesso em: 18 de maio de 2016.

[33] TERRA. Alemanha é o primeiro país europeu a reconhecer o terceiro gênero. Portal de
notícias Terra. 30 de outubro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 18 de maio de 2016.

[34] KONDER, Carlos Nelson. Austrália reconhece género sexual "neutro" para pessoas. Blog
de direito civil dos professores Carlos Nelson Konder e Cintia Muniz de Souza Konder. 03 de
junho de 2013. Disponível em: . Acesso em: 17 de maio de 2016.

[35] Essas duas últimas perguntas foram levantadas por Beatriz Preciado no texto: PRECIADO,
Beatriz. Quem defende a criança queer? Revista Geni. N. 16, outubro de 2016. Disponível em: .
Acesso em: 15 de maio de 2016.

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