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Jardim Fantástico 17
A árvore do Orgulho
Apenas um único exemplar desta planta notável foi lo-
calizado na costa da Berbéria, numa região pouco visitada en-
tre o fim do mar Mediterrâneo e o início do Grande Deserto
Vermelho. Uma árvore, entre outras.
As árvores, pacificas, abrigavam um eremita que as tra-
tavam como suas companheiras. Com suas preces, as árvores
podiam caminhar, seguindo-o pela praia em longos solilóquios.
Atentas, ouviam o sermão que narrava a existência de um mundo
melhor que este, sem sofrimento, depois da morte. Somente os
justos e puros de coração alcançariam aquelas paragens. Lá, não
haveria morte e elas jamais virariam lenha ou vigotas. Os viajan-
tes se assombravam com aquele inusitado séquito vegetal.
O monge impunha certa disciplina: os vegetais deviam
voltar sempre aos seus lugares no matagal, de maneira a não per-
turbar a ordem estabelecida, e era vedado qualquer tipo de vio-
lência e predação. Bastavam-lhes as forças do solo, da chuva e do
sol sobre as folhagens.
Certo dia, uma das árvores ouviu um sussurro entre as
folhagens. Um desejo súbito de provar a carne dos passarinhos
aninhados na copa percorreu seu tronco de alto a baixo. Um tre-
mor agitou seus brotos. O humor da seiva mudou. Ninguém viu
o momento em que um desavisado canário foi imobilizado numa
forquilha e engolido por uma fenda na casca. Alguns transeuntes
observaram algum tempo depois, que enquanto as demais árvo-
res vicejavam folhas na estação do brotamento, aquela produzia
penas de canário e plumas amarelas.
Jardim Fantástico 19
A árvore dos Dez
Braços
Cresce em volta do Caminho da Infelicidade numa trilha
que morde os pés dos caminhantes. Possui dez troncos em forma
de braços humanos e cinquenta galhos curvos, como garras. Sua
voz é como vento e possuem ventosas, iguais as dos polvos.
Viceja perto de uma lagoa de lama verde cercada por
extensos laranjais. Ali, alguns frutos são como bolas de borra-
chas e, se caírem no chão, não são facilmente apanhados. Outros
abrem pequenas asas azuis e voam.
Se alguém for agarrado por uma árvore destas, quanto
mais lutar para se libertar, mais fortemente fica preso. É necessá-
rio entregar-se para se soltar. Mantendo-se o corpo languido, o
vegetal perde rapidamente o interesse.
Apesar de raro, um passante desavisado pode ser meta-
morfoseado em árvore comum. Neste caso, o indivíduo vê cha-
gas e feridas abrirem sobre a pele enquanto os outros veem flores
desabrochando. Seu pranto é formado pelas folhas que caem no
chão do caminho. Somente a fumaça liberada pela queima de sua
madeira pode restituir sua forma humana. Ignoram-se quantas
almas caíram vítimas deste castigo.
Jardim Fantástico 21