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Para Ângela, Beto, Daniela,

Flávia, Simone e Valdo


Apresentação
Juntamente com as imagens de lugares impossíveis, os
registros de animais inexistentes e as cartografias de regiões fa-
bulosas, o imaginário produziu uma flora feita da mesma matéria
que os sonhos.
Creio ser desnecessário revisar aqui a universalidade dos
mitos da natureza, indelével tanto nas culturas tradicionais quan-
to contemporâneas: Mircea Eliade e Jung parecem certos ao crer
na realidade de suas forças na lida dos desejos e medos internos.
Como imaginação do real, são produto da memória pessoal, do
aprendizado, da inserção no mundo, da observação e dos anseios,
ainda que não confessos. Estes fatores formam o adubo de onde
brotam os vegetais fantásticos. Neste sentido, cada exemplar é uma
biografia: imersa em uma cultura, dela se alimenta e nela frutifica.
Sendo um catálogo, é necessariamente aberto e incon-
cluso. Novos espécimes sempre poderão ser incluídos. Alguns
exemplares reais foram acrescentados devido às origens fantasio-
sas ou a atribuição de propriedades fantásticas. Neste grupo estão
tanto os que fizeram – ou ainda fazem – a ligação com diversos
níveis de transcendências quanto as que as ambições da ciência
revestiram de propriedades miraculosamente manipuladas e di-
versas de suas origens.
Como o Livro dos Seres Imaginários de Borges ou ou-
tros similares, este também é, por princípio, caleidoscópico e não
linear. Foram excluídas as ambições categóricas, hierárquicas e
enciclopédicas norteadoras de trabalhos célebres como o Codex
Vindobomensis ou o Herbarum Vivae Eicones.
Desejo que o leitor encontre a mesma sensação de en-
cantamento produzida quando abrimos um portão entreaberto e
adentramos em um jardim desconhecido. Em locais como este as
omissões, os equívocos e os exageros podem ser perdoados.
Apontamentos à
entrada do
Jardim Fantástico
Desde criança tenho especial gosto pelo cultivo de
plantas. Ou pelo convívio com elas. Plantas ornamentais, fru-
tíferas, hortaliças, plantas selvagens, arbustos pequenos, árvores,
trepadeiras, aquáticas, aéreas e subterrâneas, todas exercem en-
cantamentos e, ao mesmo tempo, provocam sustos e receios em
meus pensamentos.
Por que razão elas despertam em mim a forte sensação
de que algo se me escapa, talvez muito, na compreensão de sua
condição, de seu estar no mundo? E, se assim, também estou certa
de que se me escapa muito sobre o meu próprio estar no mundo.
A aparente imobilidade vegetal, sua mudez, sua passi-
vidade e vulnerabilidade à ação da fauna e de outros vetores dos
ecossistemas em que estão inseridas não passam de ilusão resul-
tante de nosso profundo desconhecimento a respeito das subs-
tâncias vivas, todas, o que nos inclui também.
A necessidade de abertura para a compreensão de outros
seres e contextos desde o ponto de vista não humano já era evo-
cada, por exemplo, na Paris do século XVII, por Savinien Cyrano
de Bergerac. Este cidadão francês, imortalizado como persona-
gem na obra de Rostand, escreveu os livros Voyage dans na Lune
et aux états du Soleil (1657) e Histoire comique des états et empires
du Soleil (1662). Em suas aventuras imaginárias à Lua, Cyrano
questiona a natureza da civilização que não admite a existência
de vida inteligente fora dos seus domínios, ou dos domínios de
sua própria espécie. “Sou-venez-vous donc, ô de tous les animaux
le plus superbe!”, homem, de todos os animais, o mais soberbo,
adverte o autor, nas palavras de uma das personagens com quem
estabelece intenso diálogo na Lua, a qual defende a ideia de que
todos os seres vivos sentem e pensam, até mesmo um pé de cou-
ve, ainda que este não disponha dos mesmos recursos humanos
da fala e audição, por exemplo.
Sim, a soberba aliada à ignorância gera profundas mar-
cas de arrogância e pernosticidade. Esse mal que atinge a espécie
humana endemicamente pode ter seus efeitos amenizados com
mergulhos no imaginário.
Aqui, o sentido de imaginário é buscado na obra do
pensador grego naturalizado francês, Cornelius Castoriadis. Para
o autor, não se trata de oposição ao real, ou de seu reflexo, tam-
pouco de mero conjunto ou coleção de imagens. Imaginário é
concebido como uma das dimensões próprias e indissociáveis da
realidade, aquela que trata da imponderabilidade do ser. É ma-
nancial de sentidos, fonte incessante e indeterminada de criação
de tudo aquilo a que costumamos chamar de “real”. O imaginário
é vir-a-ser-sendo em fluxo contínuo, sem o que a vida estagna, se
deteriora, já não é viável.
Foi tendo isso em conta que degustei cada página des-
te livro, Jardim Fantástico, com que fui brindada por Rafael
Alves Pinto Júnior, junto ao convite para prefaciá-lo. Delicioso
e provocador desafio. Ao batente do portão deste jardim, há de
se fazer uma pausa, antes de avançar. Sem mapa, sem circuitos
previamente agendados, pode-se seguir com cuidado por entre
os galhos, raízes, terrenos e territórios que ele vai traçando. É
possível encontrar uma flora extraordinária, que habita o imagi-
nário, imaginários multiplicados em fractais. Ou esporos mági-
cos lançados ao vento.
Trata-se de um jardim aberto, em expansão. Novas es-
pécies podem brotar, eclodir, a cada momento. A paisagem mo-
difica-se do mesmo modo como nos modificamos enquanto
avançamos.
Encantam-me essas plantas, sobretudo, porque não se
subjugam ao disciplinamento geométrico dos jardins de palácios,
ao aprisionamento em pequenos vasos para o deleite humano, ou
ao atrofiamento em sofridos processos que as reduzem a minia-
turas portáteis. Não: este jardim fantástico é formado por plantas
que assumem o protagonismo nos enredos de que tomam par-
te, entre dores, mistérios, alquimias e transformações. Por vezes
comparecem ameaçadoras, noutras acolhedoras e até cúmplices,
sempre surpreendentes.
Está feito o convite. Que a investida pelos territórios
seja degustada com doses de coragem, curiosidade e ventura.
Não é possível assegurar a ninguém que chegará ao outro lado
do Jardim Fantástico nas mesmas condições com que o tenha
adentrado. Afinal, nunca se retorna de uma viagem, qualquer que
seja, do mesmo como com que se tenha partido. Estamos sempre
em transformação. Pois que o contato com este Jardim propicie
doses de mergulho no imaginário, num convite ao redimensio-
namento do nosso estar no mundo, entre as demais substâncias
vivas, e suas possibilidades mágicas.
Maio de 2017
Alice Fátima Martins
Sumário
Apresentação.........................................................................7
Apontamentos à entrada do Jardim Fantástico........................9
A Árvore do Morto.......................................................................... 17
A árvore do Orgulho........................................................................ 19
A árvore dos Dez Braços.................................................................. 21
Acácia Seneh”................................................................................... 23
Acônito............................................................................................. 25
Alquemilla........................................................................................ 27
Alraune ou Alura Unes..................................................................... 29
Ameixa Dirigível.............................................................................. 31
Anahí................................................................................................ 33
Aroeira assombrada.......................................................................... 35
Artemísia.......................................................................................... 37
Árvore Andarilha de Dahomey........................................................ 39
Árvore Balão..................................................................................... 41
Árvore da ciência.............................................................................. 43
Árvore da Vida................................................................................ 45
Árvore das Almas............................................................................. 47
Árvore de Bhodi............................................................................... 49
Árvore de Cimbubon........................................................................ 51
Árvore de Dyson.............................................................................. 53
Árvores de leite e manteiga.............................................................. 55
Árvore dos pomos de ouro................................................................ 57
Árvore Mágica.................................................................................. 59
Árvores oraculares............................................................................ 61
Árvore Soma.................................................................................... 63
Árvore Upa....................................................................................... 65
Árvores antropófagas........................................................................ 67
Árvores cisternas............................................................................... 69
Árvores da Borda.............................................................................. 71
Árvores de Bauci.............................................................................. 73
Árvores de Combate......................................................................... 75
Árvores de Hyperion........................................................................ 77
Árvores do poeta.............................................................................. 79
Árvores integrais............................................................................... 81
Asfódelo........................................................................................... 83
Athelas............................................................................................. 85
Audrey Jr........................................................................................... 87
Bafforr.............................................................................................. 89
Banyan.............................................................................................. 91
Baobás de B 612............................................................................... 93
Barometz.......................................................................................... 95
Bernacle............................................................................................ 99
Biollante......................................................................................... 101
Biomorfos vegetais......................................................................... 103
Boitatá............................................................................................ 105
Bosque de Cavalinhas de Plutônia.................................................. 107
Bosque dos 100 acres...................................................................... 109
Bubotúbera..................................................................................... 111
Cacau.............................................................................................. 113
Castanheiras de Macondo.............................................................. 115
Choupos......................................................................................... 117
Coco do mar................................................................................... 119
Dragoeiro....................................................................................... 121
Dríades e Hamadríades.................................................................. 123
Dulcamara...................................................................................... 125
Ents................................................................................................ 127
Ervas da loucura............................................................................. 129
Flora da Ilha dos Sonhos................................................................ 131
Flora da terra das Fadas.................................................................. 133
Flora grega...................................................................................... 135
Flora Omatikaya............................................................................. 137
Floresta de espinhos....................................................................... 139
Floresta dos Vícios........................................................................ 141
Floresta horizontal......................................................................... 143
Florestas Assombradas................................................................... 145
Florestas submersas........................................................................ 149
Frutíferas de Pentápole................................................................... 153
Galhos magnéticos......................................................................... 155
Gargafia.......................................................................................... 157
Gnarltree........................................................................................ 159
Groot.............................................................................................. 161
Guaraná.......................................................................................... 163
Guelricho....................................................................................... 165
Habitantes de Nazar....................................................................... 167
Haoma............................................................................................ 169
Iroco............................................................................................... 171
Lamparagua.................................................................................... 173
Lignum Crucis............................................................................... 175
Lírio-tigre....................................................................................... 177
Lótus.............................................................................................. 179
Louro.............................................................................................. 181
Macieiras de Oz............................................................................. 183
Mandioca....................................................................................... 185
Mandrágora.................................................................................... 187
O Bambu luminoso........................................................................ 191
O Moly........................................................................................... 193
O pé de Laranja Lima.................................................................... 195
Orquídea Sanguessuga.................................................................... 197
Phallus hollandicus......................................................................... 199
Palmeira do Mar............................................................................. 201
Papoulas do Diabo.......................................................................... 203
Plantas de Cores Impossíveis.......................................................... 205
Plantas de pedras e folhas impressas............................................... 207
Plantas Desconhecidas................................................................... 209
Plantas do Jardim de Armida......................................................... 213
Plantas do Reino do Preste João..................................................... 215
Plantas governadas pelos astros...................................................... 217
Plantas líquidas............................................................................... 219
Plantas lutadoras............................................................................. 221
Plantas Migratórias........................................................................ 223
Plantas Modificadas....................................................................... 225
Plantas Monstruosas....................................................................... 227
Plantas nanoevoluídas..................................................................... 229
Plantas paralelas............................................................................. 231
Plantas Re-anuais........................................................................... 233
Plantas Sulfurosas........................................................................... 235
Plátano........................................................................................... 237
Punhal Espanhol............................................................................ 239
Raskovnik....................................................................................... 241
Sabugueiro...................................................................................... 243
Salgueiro lutador............................................................................ 245
Salgueiros do Danúbio................................................................... 247
Sarlacc............................................................................................ 249
Selva dos suicidas............................................................................ 251
Serpentária..................................................................................... 253
Snargaluff....................................................................................... 255
Tajá................................................................................................. 257
Trepadeira venenosa....................................................................... 259
Trepadeiras marcianas..................................................................... 261
Tulasi.............................................................................................. 263
Umdhlebe....................................................................................... 265
Vegetação da Terra-Média.............................................................. 267
Vegetação subterrânea.................................................................... 269
Vegetais da Nova Atlântida............................................................ 271
Videiras de Escol........................................................................... 273
Visgo do Diabo.............................................................................. 275
Vitória-Régia.................................................................................. 277
Wroshyr.......................................................................................... 279
Yggdrasil......................................................................................... 281
Referências........................................................................ 283
A Árvore do Morto
Não se pode afirmar com precisão se esta forma vegetal
cresceu amaldiçoada ou se recebeu algum tipo de encantamen-
to quando sua madeira já podia produzir serragem. A ausência
de relatos plausíveis e dados críveis impedem qualquer análise.
O que se sabe é que estendia suas ramagens sinistras na região
ocidental do rio Hudson muito antes da chegada dos nativos da
Inglaterra. Sua localização é imprecisa apesar de estar nas ime-
diações de Greenburg, no Condado de Westchester.
Notícias esparsas testemunham a existência de um cava-
leiro germânico decapitado durante a Guerra da Independência
em 1776. Vagando do além, procurava sua cabeça perdida.
Assombrava as estradas da região. Muitas mortes foram credi-
tadas a ele.
A árvore abrigava o cavaleiro e seu cavalo fantasma fei-
to de fumo e escuridão. As sombras da noite e a luz da lua abriam
as raízes e uma fenda libertava a terrível figura. A planta não
possuía folhas. Nenhum broto foi visto entre sua ramagem ári-
da e retorcida. A casca, rugosa, produzia uma resina sanguínea.
Estranha e suspeita neblina tinha o hábito de envolver seu tron-
co ao final das tardes. Pássaros de todas as espécies a evitavam.
Nenhuma erva nascia à sua volta.

Jardim Fantástico 17
A árvore do Orgulho
Apenas um único exemplar desta planta notável foi lo-
calizado na costa da Berbéria, numa região pouco visitada en-
tre o fim do mar Mediterrâneo e o início do Grande Deserto
Vermelho. Uma árvore, entre outras.
As árvores, pacificas, abrigavam um eremita que as tra-
tavam como suas companheiras. Com suas preces, as árvores
podiam caminhar, seguindo-o pela praia em longos solilóquios.
Atentas, ouviam o sermão que narrava a existência de um mundo
melhor que este, sem sofrimento, depois da morte. Somente os
justos e puros de coração alcançariam aquelas paragens. Lá, não
haveria morte e elas jamais virariam lenha ou vigotas. Os viajan-
tes se assombravam com aquele inusitado séquito vegetal.
O monge impunha certa disciplina: os vegetais deviam
voltar sempre aos seus lugares no matagal, de maneira a não per-
turbar a ordem estabelecida, e era vedado qualquer tipo de vio-
lência e predação. Bastavam-lhes as forças do solo, da chuva e do
sol sobre as folhagens.
Certo dia, uma das árvores ouviu um sussurro entre as
folhagens. Um desejo súbito de provar a carne dos passarinhos
aninhados na copa percorreu seu tronco de alto a baixo. Um tre-
mor agitou seus brotos. O humor da seiva mudou. Ninguém viu
o momento em que um desavisado canário foi imobilizado numa
forquilha e engolido por uma fenda na casca. Alguns transeuntes
observaram algum tempo depois, que enquanto as demais árvo-
res vicejavam folhas na estação do brotamento, aquela produzia
penas de canário e plumas amarelas.

Jardim Fantástico 19
A árvore dos Dez
Braços
Cresce em volta do Caminho da Infelicidade numa trilha
que morde os pés dos caminhantes. Possui dez troncos em forma
de braços humanos e cinquenta galhos curvos, como garras. Sua
voz é como vento e possuem ventosas, iguais as dos polvos.
Viceja perto de uma lagoa de lama verde cercada por
extensos laranjais. Ali, alguns frutos são como bolas de borra-
chas e, se caírem no chão, não são facilmente apanhados. Outros
abrem pequenas asas azuis e voam.
Se alguém for agarrado por uma árvore destas, quanto
mais lutar para se libertar, mais fortemente fica preso. É necessá-
rio entregar-se para se soltar. Mantendo-se o corpo languido, o
vegetal perde rapidamente o interesse.
Apesar de raro, um passante desavisado pode ser meta-
morfoseado em árvore comum. Neste caso, o indivíduo vê cha-
gas e feridas abrirem sobre a pele enquanto os outros veem flores
desabrochando. Seu pranto é formado pelas folhas que caem no
chão do caminho. Somente a fumaça liberada pela queima de sua
madeira pode restituir sua forma humana. Ignoram-se quantas
almas caíram vítimas deste castigo.

Jardim Fantástico 21

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