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Psicologia em Estudo

ISSN: 1413-7372
revpsi@uem.br
Universidade Estadual de Maringá
Brasil

Schmitz Wortmeyer, Daniela; Nunes Henrique Silva, Daniele; Uchoa Branco, Angela
EXPLORANDO O TERRITÓRIO DOS AFETOS A PARTIR DE LEV SEMENOVICH VIGOTSKI
Psicologia em Estudo, vol. 19, núm. 2, abril-junio, 2014, pp. 285-296
Universidade Estadual de Maringá
Maringá, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=287132426011

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http://dx.doi.org/10.1590/1413-737223446011

EXPLORANDO O TERRITÓRIO DOS AFETOS A PARTIR


DE LEV SEMENOVICH VIGOTSKI

Daniela Schmitz Wortmeyer1


Daniele Nunes Henrique Silva
Angela Uchoa Branco
Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

RESUMO. O território dos afetos, denominação genérica sob a qual abarcamos emoções, paixões e sentimentos
em suas diversas nuanças, tem sido abordado sob diferentes enfoques epistemológicos ao longo do tempo.
Partindo de uma perspectiva fisiológica, passou depois por enfoques metafísicos, indo até o surgimento de
olhares mais atentos ao papel das interações sociais no desenvolvimento humano, que compreendem o campo
dos afetos no contexto dos processos semiótico-culturais nos quais se constitui o sujeito. No presente artigo
buscaremos resgatar as contribuições da abordagem histórico-cultural esboçada por Lev Semenovich Vigotski
para o estudo das emoções, a qual estabeleceu marcos importantes em meio aos debates das correntes vigentes
no século XX. Situaremos, em seguida, algumas abordagens contemporâneas de orientação sociocultural que se
propõem a dar prosseguimento à proposta do autor russo, analisando avanços trazidos por novas pesquisas
sobre o tema. Por fim, discutiremos desafios e implicações de uma perspectiva histórica e sociocultural para o
estudo dos afetos que atente para a complexidade e a dinamicidade dos fenômenos psicológicos.
Palavras-chave: Emoções; Vigotski; Psicologia Histórico-Cultural.

EXPLORING THE TERRITORY OF AFFECTS


BASED ON VYGOTSKY’S LEGACY

ABSTRACT. The territory of affectivity, the generic category that embraces emotions, passions and feelings in their various
nuances, has been approached from different epistemological perspectives over time. From physiological to metaphysical
approaches based on the role of social interactions in human development, comprising the field of affect within the context of
the semiotic-cultural processes in which the subject constitutes itself. In this article, we present and discuss the contributions
of the cultural-historical approach outlined by Lev Semenovich Vygotsky for the study of emotions, which established a
milestone amid the explicative tendencies found in debates over the subject in the 20th century. We also discuss some
sociocultural contemporary approaches as they build upon the Russian author’s proposal, analyzing advances brought by
new researches about the topic. Finally, we discuss challenges and implications of a sociocultural and historical perspective
to the study of affectivity that takes seriously the complex and dynamic nature of psychological phenomena.
Keywords: Emotions; Vygotsky; historic-cultural psychology.

EXPLORANDO EL TERRITORIO DE LOS AFECTOS A


PARTIR DE LEV SEMENOVICH VIGOTSKI

RESUMEN. El territorio de los afectos, denominación genérica bajo la cual abarcamos emociones, pasiones y
sentimientos en sus diversos matices, ha sido tratado desde diferentes enfoques epistemológicos a lo largo del tiempo.
Desde una perspectiva fisiológica, pasando por enfoques metafísicos, hasta el surgimiento de miradas más atentas a la
función de las interacciones sociales en el desarrollo humano, que comprenden el campo de los afectos en el contexto
de los procesos semiótico-culturales los cuales el sujeto se constituye. En este artículo, buscaremos retomar las
contribuciones del enfoque histórico-cultural que fue esbozado por Lev Semenovich Vigotski para el estudio de las
emociones, que estableció hitos importantes en medio al debate de las corrientes vigentes en el siglo XX. Traeremos,
enseguida, algunos enfoques contemporáneos de orientación sociocultural que se proponen llevar a cabo la propuesta
del autor ruso, analizando los avances traídos por las nuevas investigaciones sobre el tema. Finalmente, discutiremos

1 Endereço para correspondência: SQS 115, Bloco I, ap. 101, Asa Sul, CEP 70.385-090 - Brasília-DF, Brasil. E-mail:
daniela77@uol.com.br.

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los retos y las implicaciones de una perspectiva histórica y sociocultural para el estudio de los afectos, que involucra la
complejidad y la dinámica de los fenómenos psicológicos.
Palabras-clave: Emociones; Vigotski; psicología histórico-cultural.

O território dos afetos, denominação mais difícil descrever, classificar e vincular esse
genérica sob a qual abarcamos emoções, campo do comportamento humano a certas leis
paixões e sentimentos em suas diversas que fazer isso com todos os restantes” (Vigotski,
nuanças, tem sido historicamente tratado como o 1924/2003, p. 113).
campo da imprecisão, da imprevisibilidade, da Em seguida, destacaremos algumas
irracionalidade e, por vezes, da herança atávica abordagens que se propõem a dar
ligada à animalidade. Afetos, por outro lado, prosseguimento à proposta do autor russo,
também são decantados como o que confere cor mediante pesquisas teóricas e empíricas. Para
e sabor às experiências e como o cenário dos discutir as implicações de um olhar histórico-
dramas existenciais propriamente humanos, em cultural no estudo dos afetos, faremos
que se embatem sentimentos sórdidos e referência, dentre outros, aos trabalhos de Fleer
sublimes no percurso do desenvolvimento (2013), Fleer e Hammer (2013), González Rey
ontogenético. (2000, 2007), Magiolino (2010, 2013), Magiolino
As tentativas de estudo científico desse e Smolka (2013), Valsiner (2012, no prelo) e
objeto fluido e desafiador adotaram diferentes Branco e Valsiner (2010). Por fim, indicaremos
enfoques epistemológicos ao longo dos tempos, algumas trilhas a serem abertas e consolidadas
que vão desde uma perspectiva fisiológica, que nas pesquisas sobre o tema.
abordava as emoções como processos
fundamentalmente orgânicos e geneticamente
determinados, passam por enfoques metafísicos, VIGOTSKI E AS EMOÇÕES: UMA
que intentaram pesquisar os sentimentos ditos ESTRADA INCONCLUSA
superiores, que diferenciariam os seres
humanos dos animais, e chegam até o Embora Vigotski não tenha chegado a
surgimento de olhares mais atentos à sistematizar uma teoria das emoções ou afetos,
constituição social do desenvolvimento, que conforme mencionado anteriormente, essa
compreendem o campo dos afetos no contexto temática perpassa diferentes momentos de sua
do processo semiótico e cultural no qual se produção, em que é sinalizada a importância
constitui o sujeito. fundamental do tópico para os estudos em
No presente artigo, buscaremos resgatar as Psicologia. O psicólogo russo dialoga com
contribuições da abordagem histórico-cultural diversos autores, criticando as abordagens de
esboçada por Lev Semenovich Vigotski para o cunho organicista e metafísico dominantes em
estudo das emoções, a qual se desenvolveu em sua época (e, em certa medida, ainda
meio ao debate das perspectivas fisiológicas e atualmente), ensaia uma discussão sobre as
metafísicas sobre os afetos, no início do século aplicações pedagógicas de uma nova
XX. É preciso esclarecer que a grafia do perspectiva sobre as emoções e delineia,
sobrenome do teórico russo tem variado, gradualmente, marcos do caminho para a
conforme o padrão de transliteração do alfabeto
investigação do campo.
cirílico adotado, entre Vigotski, Vygotsky,
A seguir, apresentaremos brevemente o
Vigotsky ou ainda Vygotski. No presente artigo,
percurso de desenvolvimento das reflexões do
optamos por utilizar a forma atualmente mais
corrente nos trabalhos redigidos em português, teórico, procurando destacar contribuições
no Brasil. relevantes e, por fim, aspectos que
Embora não tenha desenvolvido permaneceram em aberto, considerando o
propriamente uma teoria das emoções, Vigotski contexto mais amplo de sua obra. Cabe frisar
estabeleceu marcos importantes, que ajudam a que esta é apenas uma das possibilidades
balizar o caminho investigativo nesse território interpretativas com base no trabalho do autor,
desafiador. Como definiu o próprio autor, “A que guarda muitas questões pontuadas de forma
teoria dos sentimentos ou das emoções é o introdutória ou implícita, ainda não
capítulo menos elaborado da velha psicologia. É suficientemente exploradas.

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Em Psicologia da Arte, particularmente no livro Psicologia Pedagógica, Vigotski (1924-


capítulo intitulado A Arte como Catarse, Vigotski 2003) prossegue em suas tentativas de
(1925/1971) discute a relação entre emoção e equacionamento do tema, agora segundo o lugar
imaginação na experiência estética, procurando de psicólogo educacional. Nesse capítulo
compreender os processos psicológicos Vigotski parte de uma discussão sobre a
subjacentes à catarse vivenciada por meio da natureza biológica das emoções, que estariam
arte. Como ponto de partida, toma a noção de próximas do comportamento instintivo. Nessa
que a emoção representa uma descarga de visão, emoções elementares como a ira e o
energia nervosa que vai de encontro à lógica de temor, que suscitam respectivamente reações
economia energética do organismo. Afirma o fisiológicas ligadas ao ataque e à defesa, teriam
autor: sido configuradas no processo evolutivo da
espécie. Escreve o autor:
No que se refere à arte, aqui domina
exatamente a lei inversa do dispêndio e Existem muitos motivos para supor que,
gasto de descarga de energia nervosa, e em certo momento, todas as reações
nós sabemos que quanto maiores são motoras, somáticas e secretoras que
esse dispêndio e essa descarga tanto entram na composição de uma emoção
maior é a comoção causada pela arte. como forma integral de comportamento
Se lembrarmos o fato elementar de que foram uma espécie de reações
todo sentimento é um dispêndio de adaptativas úteis de caráter biológico.
energia espiritual e a arte está Sem dúvida, o medo foi a forma superior
forçosamente ligada à excitação do da fuga instantânea e impetuosa do
complexo jogo de sentimentos, veremos perigo e, nos animais e por vezes
imediatamente que a arte viola a lei do também no ser humano, ainda conserva
menor esforço e em seu efeito mais as marcas evidentes de sua origem.
imediato e na construção da forma (Vigotski, 1924/2003, p. 115)
artística subordina-se exatamente a uma
lei oposta. (Vigotski, 1925/1971, p. 257). Por outro lado, o autor observa que tais
reações se mostram extremamente atenuadas
Nesse trabalho Vigotski (1925/1971) defende no ser humano em relação à sua origem atávica,
que as emoções provocadas pela arte não se de modo que, “sem querer, surge a ideia de que,
resumem a uma mera soma de percepções no decorrer da transformação do animal em ser
suscitadas por estímulos específicos, mas humano, as emoções vão diminuindo de
implicam uma intensa atividade psíquica, em que intensidade e se atrofiando” (p. 116); ou seja, a
interatuam complexas operações intelectuais, concepção puramente biológica conduziria à
incluindo a imaginação. O autor considera que a conclusão de que as emoções, no ser humano,
exploração do campo imaginativo-criador (termo “devido à modificação das condições de vida,
nosso) representa o diferencial entre as estão condenadas a se extinguir e representam
emoções provocadas pela arte e as emoções um elemento desnecessário, e por vezes nocivo,
ordinárias. dentro do sistema de comportamento” (p. 116).
Nessa perspectiva, a força de uma obra Como consequência dessa visão, surgiria o ideal
artística seria derivada da possibilidade de pedagógico de atuar na direção da repressão e
transformação dos afetos por meio da do enfraquecimento das emoções. Vigotski
justaposição de valores conflitivos: “... toda obra (1924/2003) contrapõe-se a essa concepção
de arte – fábula, novela, tragédia – encerra biológica, a qual defende a tese da inutilidade
forçosamente uma contradição emocional, das emoções no processo evolutivo da espécie,
suscita séries de sentimentos opostos entre si e e passa a analisar o fenômeno sob uma
provoca seu curto-circuito e destruição” (Vigotski, perspectiva psicológica. O autor argumenta que
1925/1971, p. 269). Afirma o autor: “É nessa “os sentimentos tornam o comportamento mais
transformação das emoções, nessa sua complexo e diverso” (p. 117). Dessa maneira, “A
autocombustão, nessa reação explosiva que mesma conduta, dotada de um aspecto
acarreta a descarga das emoções emocional, adquire um caráter totalmente
imediatamente suscitadas, que consiste a diferente da incolor. As mesmas palavras,
catarse da reação estética” (p. 272). pronunciadas com sentimento, agem sobre nós
Na introdução do capítulo intitulado A de maneira diferente das pronunciadas sem
Educação do Comportamento Emocional, do vida” (p. 117).

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Na tentativa de compreender como as linhas gerais, o mesmo que para todas as outras
emoções modificam o comportamento, Vigotski reações” (p. 119), e que “o mecanismo mais
(1924/2003) não deixa de tomar como premissa simples é a educação de um reflexo
a origem biológica das emoções: “... tudo nos condicionado, isto é, desse mecanismo de
permite afirmar que é verdade que a emoção é transferência da reação para um novo estímulo,
um sistema de reações vinculado de modo que se efetua cada vez que este coincide com o
reflexo aos estímulos” (p. 115) – considerando- estímulo incondicionado de uma reação inata”
as como resultantes de uma avaliação do (p. 119).
organismo em relação a determinados estímulos Vemos que Vigotski (1924/2003), nessa
internos ou externos. Nesse ponto, o autor etapa de sua reflexão, está atrelado a uma
identifica que a reação emocional é “um concepção de educação por condicionamento,
poderoso organizador do comportamento” (p. em que os sentimentos primários e egoístas,
118), uma vez que: geneticamente determinados, seriam
transformados em sentimentos sociais. Muito
... a função interna de organizadora de embora o autor, ao final do texto, destaque que a
todo o comportamento, que foi seu papel emoção é uma ferramenta tão importante quanto
primário, continua existindo até hoje. o pensamento e que sua supressão representa
Esse aspecto de atividade na emoção é
um empobrecimento da experiência humana, a
que constitui a característica mais
importante no estudo de sua natureza proposta educacional que explicita sugere um
psicológica. Quem pensa que a emoção domínio das emoções, uma orientação racional
representa uma vivência puramente do sentimento por meio do controle de suas
passiva do organismo e que ela não expressões externas.
provoca nenhuma atividade está Posteriormente, no Manuscrito de 1929,
concebendo a questão de forma publicado com o título Psicologia Concreta do
equivocada. (Vigotski, 1924/2003, p.
Homem, Vigotski (1929/2000) retoma a noção do
118)
drama vivenciado na arte e a estende para a
Assim, Vigotski (1924/2003) localiza a compreensão da dinâmica da própria
origem da psique nas reações do organismo aos personalidade na vida (“a dinâmica da
sentimentos primários de satisfação e personalidade é o drama” (p. 35), o que trará
insatisfação, os quais passam a orientar as consequências importantes para o estudo das
ações. Ele destaca o “caráter ativo do emoções. Nesse trabalho, constituído por
sentimento”, considerando que “Toda emoção é apontamentos autorreflexivos, o autor aborda a
um chamado à ação ou à rejeição da ação” (p. internalização das relações sociais,
119). Não obstante, nesse momento de sua obra concretamente vividas, como processo
o autor parece apontar para uma supremacia constituinte do sujeito. Ele argumenta que é por
das emoções na regulação da conduta, sem intermédio das condutas voltadas para o outro
analisar suas inter-relações com outros que se constrói o em si e, em seguida, o para si,
processos psicológicos, como o pensamento, a em um processo contextualizado em uma
linguagem e a vontade. estrutura social e mediado pela palavra.
Embora o teórico faça uma tentativa de Inspirado em Politzer, Vigotski (1929/2000)
complexificar a análise do papel das emoções na explora a Psicologia do Drama. Nessa
conduta, sinalizando aspectos importantes das perspectiva, no processo de internalização das
modificações introduzidas pelo componente relações sociais que constitui a pessoa social, o
emocional, a solução proposta nos parece ainda outro atua como “porta-voz das tradições e
demasiadamente vinculada ao paradigma contradições de uma cultura”, conforme sintetiza
reflexológico russo. Tal constatação se confirma Delari Junior (2000, p. 139). Desse modo, são
na última seção do capítulo A Educação do internalizados os papéis presentes nas diversas
Comportamento Emocional, em que Vigotski esferas da vida social, por vezes orientados por
(1924/2003) aborda propriamente as implicações valores e crenças conflitivos. Ocorre, na visão de
pedagógicas de sua proposta, afirmando que “... Vigotski, um choque de sistemas, uma vez que
todo sentimento não passa do mecanismo da esses diferentes papéis entram em conflito e
reação, isto é, de certa resposta do organismo a contradição nas situações concretas da vida.
qualquer estímulo do meio. Portanto, o Nesse contexto, cada papel carrega também
mecanismo da educação dos sentimentos é, em experiências emocionais que definem “o papel

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da paixão, da avareza, dos ciúmes, em uma Ele rejeita, dessa forma, a antiga divisão entre
dada estrutura da personalidade” (Vigotski, sentimentos ou emoções inferiores e superiores,
1929/2000, p. 34). tradicionalmente adotada pelos teóricos que
Para Vigotski (1929/2000), a personalidade separavam os aspectos tidos como animais e
se constitui nos contínuos reposicionamentos do espirituais do ser humano – os primeiros,
sujeito diante dos conflitos que caracterizam o estudados pelas teorias fisiológicas, e os
drama da existência, os quais resultam em uma segundos, como complementação necessária,
configuração dinâmica e singular. Nesse cenário, pelos enfoques metafísicos que abordavam o
o afeto, os sentimentos e as emoções são homem como um espírito desencarnado.
compreendidos como constitutivos da Defende, ainda, que não existiriam emoções
personalidade e das funções psicológicas independentes do corpo.
superiores. Vemos, assim, que nessas reflexões Em sua análise da obra Teoria das
o autor abre uma possibilidade de radical Emoções, Van der Veer e Valsiner (2009)
superação da concepção das emoções como identificam que Vigotski buscava uma solução
meras respostas fisiológicas reflexas a estímulos para tais enfoques dicotômicos no estudo das
ambientais, ressaltando a importância das emoções, por meio de uma “abordagem causal
relações sociais com seus contornos ideológicos monista em psicologia” (p. 385). Isto é, ele
na constituição dos afetos. buscava a superação da cisão entre a mente e o
Posteriormente, em 1931, Vigotski começou corpo, vigente nos enfoques mecanicistas
a trabalhar em uma monografia sobre as causais, e ao mesmo tempo defendia a
emoções, que redigiu até 1933. Esse trabalho existência de uma causalidade nos fenômenos
inacabado foi publicado em espanhol sob o título
psicológicos (contrapondo-se ao entendimento
Teoría de las Emociones: Estudio Histórico-
hermenêutico de que haveria uma completa
Psicológico (1931-33/2004). Nessa obra o autor
liberdade nos domínios da alma). Assim, o
dialoga com diversos autores, submetendo à
teórico russo teria vislumbrado um caminho para
crítica a teoria das emoções de Descartes e as
posições dualistas vigentes em sua época, como a psicologia no estudo da obra do filósofo
as teorias fisiológicas, de autores como James e Baruch Spinoza. Não obstante, Van der Veer e
Lange, e as abordagens metafísicas ou Valsiner concluem que “o discurso construtivo
teleológicas do psiquismo, nas quais enquadra sobre Spinoza nunca foi escrito” (2009, p. 385),
autores como Freud e Scheler. uma vez que Teoria das Emoções é um trabalho
Aqui Vigotski (1931-33/2004) robustece sua incompleto.
oposição ao que denomina teoria zoopsicológica Van der Veer e Valsiner (2009) consideram
das emoções (de James e Lange), que aborda o que, embora “a crença de Spinoza na unidade
ser humano sob uma perspectiva puramente de corpo e alma e sua defesa do determinismo”
biológica, atribuindo às emoções uma natureza (p. 387) tenham sido “ecoadas na busca por
“inata, reflexa e animal” (p. 211). Filiando-se à Vigotski de uma nova psicologia das emoções”
visão de Chabrier sobre o tema, o qual se (p. 387), “é duvidoso que uma teoria
contrapõe à visão de que as emoções desenvolvimentista das emoções pudesse se
corresponderiam a reações automáticas do beneficiar dos escritos de Spinoza” (p. 387),
organismo a excitações específicas, o autor pois, segundo os autores, essa visão
afirma que tal concepção mecanicista é incapaz desenvolvimentista estaria totalmente ausente
de explicar as emoções especificamente nos escritos spinozanos, que teriam um toque
humanas. Vigotski conclui que “Os sentimentos reducionista. Eles levantam, então, a hipótese de
mais inferiores apareceram a partir de tradições, que Vigotski teria abandonado o projeto de
crenças ou preconceitos religiosos. Sua natureza seguir o pensamento de Spinoza.
não permite considerá-los reações instintivas a Em contraposição, autores como Sawaia
excitações que não dependam de um sistema (2000, 2009) e Magiolino (2010, 2013) têm
ideologicamente estabelecido” (1931-33/2004, p. procurado aplicar conceitos spinozanos ao
212). estudo das emoções, em interlocução com a
O autor afirma que “Toda emoção é uma obra de Vigotski. Essas pesquisadoras
função da personalidade” (Vigotski, 1931- consideram que retomar as elaborações do
33/2004, p. 214), o que teria escapado aos filósofo sobre os afetos contribui para o
adeptos de uma teoria periférica das emoções. enriquecimento das compreensões sobre o

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tema, ressaltando o caráter dinâmico e unificado pelo próprio autor, tendo em vista seu
dos processos emocionais. falecimento em 1934. Diante desse quadro,
Ultrapassa os objetivos do presente artigo outros pesquisadores têm realizado um esforço
um aprofundamento nessa discussão. O fato é de integração e desenvolvimento teórico com
que, ao final de Teoria das Emoções, Vigotski base em Vigotski, produzindo novos olhares no
não chegou a formular propriamente uma contexto da psicologia de base histórico-cultural.
solução para o problema teórico das emoções. A O campo de estudo recentemente explorado
respeito dessa obra, Delari Junior (2009) por Silva e Magiolino (2013), por exemplo,
observa que Vigotski perfaz o diálogo com sugere uma esfera fértil de investigação. As
diversos autores “como lhe é habitual, sem ao autoras têm trabalhado as relações entre
final apresentar exatamente uma proposta emoção e imaginação e a dimensão política dos
completa de superação do que é criticado” (p. 1). afetos, apontando para a abertura de um campo
Desse modo, permaneceria “ainda por se de pesquisa que busca problematizar os
construir uma teoria dos sentimentos humanos processos criativos e (est)éticos e seus
que tenha como algumas de suas categorias desdobramentos no desenvolvimento humano. A
principais: a consciência, a cultura, a ideologia, a seguir, veremos outros diálogos teóricos e
história e a personalidade humana, em suas proposições interessantes de pesquisadores que
relações interconstitutivas” (Delari Jr., 2009, p. 7; se dedicam a problematizar as questões
itálicos do autor). debatidas até aqui.
Magiolino (2010), em sua tese sobre a
temática das emoções na obra de Vigotski,
destaca passagens de outros textos em que o NOVAS CONTRIBUIÇÕES SOBRE O AFETO: A
autor se remete, pontualmente, à temática dos CONFIGURAÇÃO DE INTERFACES
afetos e emoções, sinalizando conexões com TEÓRICAS PROPOSITIVAS
outras dimensões do fenômeno psicológico.
Assim, a pesquisadora faz referência à relação Atualmente, inspirados e instigados pelas
entre pensamento e afeto, que constituiriam o proposições vigotskianas, diversos autores têm
todo da consciência humana. Vigotski entenderia procurado integrar a temática dos afetos em
que “existe um sistema dinâmico que representa articulações teóricas fundamentadas em uma
a unidade dos processos afetivos e intelectuais, perspectiva histórica e sociocultural que atente
... em toda ideia existe, em forma elaborada, para a complexidade e a dinamicidade do
uma relação afetiva do homem com a realidade sujeito. Nesta seção do artigo, discutiremos
representada nessa ideia” (Vigotski, 1934/2001, alguns trabalhos de pesquisadores que
citado por Magiolino, 2010, p. 93). representam diferentes orientações
Em uma apreciação sintética dos estudos do socioculturais, no intuito de demonstrar
teórico sobre as emoções, Magiolino e Smolka desenvolvimentos teóricos realizados com base
(2013) afirmam: em Vigotski, sem a pretensão de esgotar os
estudos em andamento nesse campo.
Vigotski vislumbrou que as emoções Abordaremos sinteticamente as contribuições de
implicam estados contraditórios na González Rey (2000, 2007), Fleer (2013), Fleer e
técnica social dos sentimentos (itálicos Hammer (2013), Magiolino (2010, 2013),
dos autores) (1925/1971); emergem Magiolino e Smolka (2013), Branco e Valsiner
historicamente sem perder suas raízes (2010) e Valsiner (2012, no prelo), para em
biológicas (1930/1997b); tornam-se
isoladas dos instintos (1932/1998);
seguida discutirmos os principais avanços e
consistem em fortes motivações, que desafios para a pesquisa nesse território.
influenciam nosso comportamento González Rey (2000) considera que as
(1933/1998); e desenvolvem-se e emoções têm sido tradicionalmente estudadas
adquirem sentido e significado pela psicologia como epifenômenos de outros
(1934/1987b). (p. 104). processos, sempre associadas ao biológico ou
ao social, porém sem um status próprio. O autor
A temática das emoções liga-se procura compreender as emoções de forma
potencialmente a diversos marcos teóricos integrada à dinâmica da personalidade,
estabelecidos por Vigotski no contexto mais trabalhando também com o aporte de Vigotski.
amplo de sua obra, mas tais contraposições e González Rey (2000) afirma que “... a
conexões não foram suficientemente costuradas integração do cognitivo e do afetivo é uma ideia

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Afetividade e Vigotski 291

presente, de uma ou outra forma, em muitos A necessidade sexual, por exemplo,


trabalhos de Vigotski” (p. 136), destacando que o torna-se motivo no processo de
autor russo outorga à emoção um lugar integração de outros sentidos subjetivos
provenientes de outras esferas da vida
equivalente ao dos processos cognitivos na
psíquica, que passam a ser constituintes
formação das unidades constitutivas da psique. do motivo sexual, como a moral, a
Assim, afeto e cognição atuariam de forma constituição de gênero, a qualidade das
interdependente, constituindo um todo complexo. diferentes relações emocionais da
Para ele, “Vigotski vê a emoção comprometida pessoa ao longo da vida, o sentido e a
com o processo cambiante de necessidades que significação do corpo etc. Todas essas
acompanha o desenvolvimento psicológico, uma dimensões de sentido se organizam no
elaboração de grande complexidade, que teria motivo sexual e caracterizam o tipo de
de ser retomada e desenvolvida com base em emoções associadas a ele. (González
Rey, 2000, p. 145).
sua obra” (p. 138).
Em uma análise das contribuições de
Nesse contexto, a personalidade é
psicólogos soviéticos como Vigotski e Rubinstein
compreendida como um sistema que representa
para a reconstrução da psicologia por meio da
a subjetividade individual e no qual as
compreensão do caráter cultural do psiquismo, o
necessidades manifestam suas formas
autor destaca duas ideias que, em sua leitura,
subjetivas de expressão diferenciadas em
tiveram forte impacto nesse processo: a) o
motivos. O autor argumenta que “Vigotski tinha
desenvolvimento das funções psíquicas na
uma representação clara do caráter social e
atividade; e b) a mediação das funções
histórico da personalidade humana, e a
psicológicas superiores pelos signos (González
representava como um momento importante de
Rey, 2000).
sentido subjetivo, para opor-se às concepções
A partir dessa visão, González Rey (2000)
fatalistas em relação ao impacto das deficiências
busca relacionar a temática das emoções com psicológicas na definição da personalidade
outras categorias propostas por Vigotski. O autor humana” (González Rey, 2000, p. 146).
associa os processos de comunicação voltados Para González Rey (2007), a categoria
à satisfação de necessidades, considerados por sentido – que em sua visão representou um giro
Vigotski como fundamentais para o qualitativo nos últimos trabalhos de Vigotski –
desenvolvimento psicológico, ao surgimento de torna-se central para a teorização da
emoções específicas e diferenciadas. Nessa subjetividade na perspectiva histórico-cultural. O
perspectiva, as necessidades não são vistas autor desenvolve o conceito de sentido subjetivo,
como biologicamente condicionadas, mas como no qual “fica enfatizada a relação do simbólico
construções culturais que desencadeiam com o emocional, e não apenas entre o
processos dinâmicos no organismo, integrando intelectual e o afetivo, que tinha sido o foco de
emoções preexistentes e gerando novas Vygotsky” (p. 170). Ele entende que, com a
emoções, novos estados qualitativos do categoria sentido, Vigotski reconhece de forma
organismo e novas necessidades. As implícita o caráter gerador da psique. Desse
necessidades participam, desse modo, do modo, a internalização (ou interiorização) não
sentido subjetivo que perpassa as diferentes seria a única via para a formação de conteúdos
atividades, estados e experiências. psicológicos, superando-se uma visão linear da
González Rey (2000) considera que o afeto é relação entre processos inter e intrapsicológicos.
construído por meio das categorias de Para o autor, “O sentido subjetivo não representa
necessidades e emoções, assim como dos uma expressão linear de nenhum evento da vida
sentimentos, constituindo um componente social, pelo contrário, ele é o resultado de uma
essencial do sistema psíquico em seu rede de eventos e de suas consequências
funcionamento dinâmico e integrado. O autor colaterais, que se expressam em complexas
prossegue nesse raciocínio integrando também produções psíquicas” (p. 172).
os processos de significação. Segundo ele, para González Rey (2000, 2007) propõe, assim, a
cada necessidade culturalmente constituída centralidade da emocionalidade e dos processos
seriam produzidos sentidos subjetivos no simbólicos na constituição da subjetividade,
contexto das diversas áreas de atividade enfatizando a unicidade do psiquismo e a
humana. Dessa forma, as necessidades se capacidade de produção humana. Esse autor
organizariam em motivos. Esclarece o autor: contrapõe-se à visão determinista de que as

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292 Wortmeyer et al.

práticas sociais, em seu caráter objetivo, contos de fada ao imaginarem os estados


condicionam os estados subjetivos, salientando emocionais das personagens. Ao ouvir várias
o poder transformador humano. vezes a mesma história e revivê-la em atividades
Fleer e Hammer (2013), por sua vez, de dramatização e representação plástica, as
estudam o desenvolvimento emocional na crianças desenvolvem a capacidade de
primeira infância sob a perspectiva vigotskiana. antecipação emocional e exploram
As autoras enfatizam a importância da coletivamente diferentes modos de expressão
emocionalidade para a aprendizagem e para a das emoções.
convivência em coletividade, argumentando: “A Segundo a perspectiva de Fleer e Hammer
competência emocional, conceitualizada sob (2013), na vivência dessas experiências em
uma perspectiva histórico-cultural, examina as grupo é desenvolvida uma forma de consciência
relações entre o contexto social como prática social. Nessas atividades, as emoções não são
cultural e o desenvolvimento emocional do apenas expressas, mas também transformadas
indivíduo” (2013, p. 242). e desenvolvidas. Isto se deve à relação dialética
Inspiradas nos estudos de Vigotski, as entre os mundos real e imaginativo, provocada
pesquisadoras focalizaram especificamente a pela tensão rítmica resultante da alternância de
regulação emocional, analisando a dinâmica estados emocionais ao longo da história.
inter e intrapsicológica nesse processo, em que Em outro estudo, Fleer (2013) explora as
se relacionam emoções, cognição e imaginação relações entre emoções e cognição em
em contextos coletivos de atividade. Na atividades de grupo na Educação Infantil. Ela
compreensão das autoras, trata-se não apenas parte da premissa de que a abordagem de
da regulação da ação pelas emoções, mas temas científicos não apenas permite alcançar
também de se conduzir o processo inverso, em compreensões em nível conceitual, mas abre
que as emoções são reguladas pelas ações. possibilidades para o engajamento e o
Essa autorregulação torna-se uma forma de comprometimento das emoções. A autora
consciência emocional que emerge a partir de considera, ainda, que eventos carregados
práticas sociais, com base na relação dialética emocionalmente são representados nos dramas
entre as regulações interpessoal e intrapessoal. dos contos de fada e que, por meio desses
Segundo essa perspectiva, no caso da dramas, conceitos relevantes podem se tornar
educação infantil, as crianças desenvolvem a conscientemente reais para as crianças. Afirma
consciência de suas emoções e a capacidade de a autora:
nomeá-las, passando de um estado bruto de
As emoções não atuam apenas como o
expressão biológica para o nível chamado de prisma através do qual o ambiente é
sentimentos. Esse processo é sempre mediado experimentado, mas as experiências são
por outros, assumindo as características de uma emocionalmente carregadas. Essa
comunidade cultural particular. “É por meio do emocionalidade é transportada com a
processo de relações sociais entre as pessoas experiência para o nível intrapsicológico,
que as emoções são expressas, nomeadas e onde o conceito ou palavra adquire um
interpretadas como sentimentos” (Fleer & resíduo emocional, que se articula
novamente ao ambiente e determina o
Hammer, 2013, p. 246). relacionamento que a criança tem com
Fleer e Hammer (2013) baseiam-se nas uma dada situação. (Fleer, 2013, p.
postulações de Vigotski, contidas na Psicologia 2090)
da Arte, a respeito da dupla expressão dos
sentimentos, destacando o caráter conflitivo e Nos trabalhos de Fleer e Hammer (2013) e
contraditório das emoções emergente na Fleer (2013) ressaltam-se o papel da imaginação
experiência estética e na brincadeira infantil. e sua estreita vinculação com processos afetivos
“Nós acreditamos que essa duplicidade da e cognitivos. As autoras destacam a importância,
expressão emocional no jogo imaginário e no para o desenvolvimento emocional, dos
drama está teoricamente conectada, quando contextos coletivos de experiência, nos quais
eles são conscientemente considerados como são compartilhadas práticas culturalmente
estados sentimentais” (Fleer & Hammer, 2013 p. significativas, por meio de processos
248). comunicativos. Diversamente do postulado por
As autoras destacam o papel da imaginação González Rey (2000, 2007), nesse enfoque os
afetiva na experiência das crianças com os processos idiossincráticos ou subjetivos não são

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Afetividade e Vigotski 293

colocados em relevo, pois a ênfase é dada às Nós não simplesmente “sentimos”, mas
dinâmicas e trocas sociais que constituem a nós “sentimos” como sentido e
pessoa. significado. Nós ficamos emocionados
dentro de uma rede de relações
Magiolino e Smolka (2013), por seu turno,
interpessoais – imersas em uma história
têm explorado as relações entre a emoção e os de relações sociais-individuais, em que
processos de significação baseando-se na obra uma pessoa afeta cada uma das outras.
de Vigotski. Abordando o desenvolvimento na O signo (a palavra é um signo por
perspectiva vigotskiana, as autoras entendem excelência) é um produto e um produtor
que no ser humano as emoções deixam de ser de corpos humanos em interação, e
um movimento restrito à regulação de estados transforma (o status das) emoções
internos do organismo e assumem uma função humanas em produções culturais e
de orientação do comportamento e de históricas. (Magiolino & Smolka, 2013, p.
106; itálico dos autores).
(trans)formação da personalidade. Desse modo,
defendem que o estudo das emoções necessita
As pesquisadoras argumentam que a
transcender os campos biológico e mental e
consciência das emoções é possibilitada pela
abranger a dimensão semiótica, considerando “a
linguagem. As emoções da criança, por
função dos signos, palavras, significados e
exemplo, são significadas pelo adulto, que as
produção de sentido na constituição e
traduz em palavras, constituindo sua forma de
organização da psique humana” (Magiolino &
pensar e sentir, transformando ações e
Smolka, 2013, p. 104). Em outro trabalho,
sentimentos (Pino, 2005). Assim, a linguagem
Magiolino afirma que “A emoção está no âmago
permite entender a si mesmo e elaborar as
do processo de significação, de tudo o que tem
emoções. Nessa visão, “as emoções não são
sentido e significado na vida e na arte” (2010, p.
ensinadas ou internalizadas; elas significam e
166).
adquirem significado em um sistema de relações
As pesquisadoras resgatam a proposta de
sociais” (Magiolino & Smolka, 2013, p. 108;
Vigotski de que as emoções se desenvolvem, itálico dos autores).
isto é, não são fixas ou estáticas, e que esse Por outro lado, esse sistema de relações
processo ocorre interconectado com o sociais que constitui a personalidade não se
desenvolvimento de outras funções psicológicas. configura de modo harmônico e convergente - ao
Tendo em vista que a conversão das relações contrário, o interjogo das relações sociais e
sociais em funções psicológicas ocorre mediada posições ocupadas pelos sujeitos é
pela linguagem, os signos e as palavras caracterizado por tensão, dinamismo e,
assumem uma fundamental importância no frequentemente, por contradição. Dessa
desenvolvimento emocional. maneira, Magiolino e Smolka (2013), assim
Há um ponto de convergência de Magiolino e como Silva e Magiolino (2013), retomam a noção
Smolka (2013) com a proposição de González do drama na constituição da personalidade,
Rey (2000), ao sublinharem que as relações alinhavada por Vigotski, argumentando que os
sociais produzem um efeito singular e assumem modos de se emocionar e de ser movido a agir
uma significação única para cada sujeito, a qual em certas direções emergem de uma história de
será internalizada (e não as relações sociais relações interpessoais, uma história marcada por
propriamente, em sua materialidade). Por outro ideologia e poder, como afirma Magiolino (2010)
lado, as autoras pontuam que os processos de em sua tese. Assim, essa visão ressalta o
significação são produzidos em condições caráter conflitivo das relações sociais,
concretas de existência, resultantes de relações significações e emoções, o qual seria
sociais de produção, alinhando-se a uma internalizado no processo de desenvolvimento,
abordagem marxista, ponto em que elas constituindo a dinâmica interna do sujeito.
divergem radicalmente das ideias de González Valsiner (2012, no prelo) e Branco (Branco &
Rey. Valsiner, 2010), em uma vertente da Psicologia
Assim, o organismo humano é visto como Cultural, propõem que o desenvolvimento
lugar de emoções, sentimentos e humano consiste em um processo dinâmico e
relacionamentos, que, embora singulares no dialético de coconstrução de sentidos e
processo de interpretação da realidade vivida, significados no bojo de uma dada cultura, e
carregam a marca de práticas sociais concebem os afetos como campos semióticos
historicamente construídas. Explicam as autoras: hierarquicamente organizados. O

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294 Wortmeyer et al.

desenvolvimento ocorre e é nutrido em contextos uma ofensa, a depender dos valores da pessoa
simbólicos em que interatuam práticas e valores em questão.
socioculturais e a reflexividade crítica dos Em tal perspectiva, “... não há nada
sujeitos (Branco & Valsiner, 2010). permanente na experiência fluida da pessoa”
Para os autores, os fenômenos afetivos são (Branco & Valsiner, 2010, p. 247), e a nomeação
centrais no psiquismo: as emoções referem-se a das emoções é apenas uma forma de capturar
categorias pontuais como tristeza e alegria, temporariamente um processo dinâmico,
enquanto os sentimentos correspondem a tornando-o estático no campo reflexivo. Os
campos afetivos mais difusos, decorrentes de autores defendem que o papel da linguagem não
processos abstrativos de generalização e deve ser superestimado no desenvolvimento
hipergeneralização. Branco e Valsiner (2010) humano, sendo necessário adotar uma
afirmam: concepção ampliada sobre os processos
semióticos, que não se reduzem à dimensão
A experiência humana, e, portanto, seu verbal: “Valores são tão básicos –
estudo, envolve a análise de processos ontogeneticamente internalizados – que não são
de generalização e hipergeneralização mais facilmente acessíveis por meio de
(Valsiner, 2005, 2007). O último pode ser processos verbalmente mediados” (p. 248),
exemplificado por categorias
porque se tornaram generalizações deslocadas
polissêmicas e difíceis de descrever
como amor, justiça, etc. Categorias de seu contexto original, que passaram a matizar
como essas são muito complexas e as novas experiências.
heterogêneas, exatamente devido aos Branco e Valsiner (2010) destacam que a
processos de hipergeneralização, e elas hierarquia dos campos afetivos está em contínua
resistem a definições precisas, mesmo reconstrução, de modo que pode ocorrer
quando relacionadas a culturas pessoais reorganização, emergência de novos signos,
específicas – o indivíduo – em um declínio ou bloqueio de signos existentes ao
contexto sociocultural muito particular.
longo do desenvolvimento humano.
(p. 245)

Tais processos de hipergeneralização


CONSIDERAÇÕES FINAIS
semiótica são possibilitados pela contínua
criação e uso de signos pelos seres humanos
Nesse breve artigo exploratório sobre a
em interação (Branco & Valsiner, 2010), o que
temática dos afetos, iniciamos destacando
dá origem a hierarquias de regulação semiótica
alguns aspectos da obra de Vigotski, situando o
dos processos afetivos. No nível inferior da
hierarquia se situam os processos fisiológicos gradual avanço de suas especulações sobre o
imediatos (generalizações pré-verbais, como tema, as quais não chegaram à elaboração de
uma sensação de bem-estar), acima dos quais um sistema teórico sobre as emoções. Ainda
se encontram emoções específicas que podem assim, identificamos que o teórico sublinhou a
ser nomeadas verbalmente (como alegria ou importância do desenvolvimento emocional na
raiva), e nos níveis mais altos de generalização constituição da personalidade, sendo este
os estados afetivos são sentidos pela pessoa de considerado inseparável do desenvolvimento
forma muito poderosa, mas dificilmente expressa das funções psicológicas superiores, incluindo a
em palavras (nível pós-linguístico). imaginação e a linguagem. Movido por sua
No último nível situam-se, assim, valores e fascinação pelo teatro, Vigotski vislumbrou o
profundas convicções, configurando modelos drama das relações humanas, retratado nos
interpretativos que conferem sentido às palcos e na vida cotidiana, traçando um paralelo
mensagens sociais e experiências vividas, entre a experiência estética e os choques de
guiando as ações individuais e direcionando os valores, crenças e emoções que perpassam o
processos comunicativos; ou seja, são os desenvolvimento (Vigotski, 1924/2003,
campos afetivo-semióticos hipergeneralizados 1925/1999, 1929/2000, 1931-33/2004).
que conferem o tom afetivo subjetivo que conduz Em seguida, destacamos as contribuições de
a pessoa a interpretar os eventos sob uma alguns autores contemporâneos para o estudo
determinada ótica. Por exemplo, a oferta de psicológico dos afetos e das emoções, mas sem
ajuda por parte de um colega pode ser a pretensão de esgotar as análises. Em um olhar
interpretada como um ato de amizade ou como panorâmico sobre as diferentes perspectivas

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Afetividade e Vigotski 295

apresentadas, observamos a emergência de dinâmicos, desafiadores de uma lógica científica


uma relativa polarização entre dois aspectos: que intenta pesquisar fenômenos psicológicos
práticas sociais (atividade) e processos de como se fossem entidades estáticas, bem-
significação (subjetividade). Assim, por exemplo, delimitadas e independentes. Descobrimos que
a visão de Fleer e Hammer (2013) destaca a os afetos não podem ser separados da
importância das práticas culturais, socialmente experiência humana como um todo, interatuando
compartilhadas, para o desenvolvimento com dimensões costumeiramente nomeadas de
emocional, enquanto González Rey (2000, 2007) cognição, imaginação, linguagem, atividade –
enfatiza os processos subjetivos de produção de palavras que também não esgotam a
novos sentidos e necessidades, em que as complexidade dos processos que pretendem
emoções ocupam posição central. Por outro rotular. Complexidade que inclui a conexão entre
lado, Valsiner e Branco (Branco & Valsiner, sistemas biológicos e culturais, na contínua
2010; Valsiner, 2012, no prelo) procuram integrar (trans)formação da individualidade e das práticas
as duas dimensões (práticas e valores), coletivas.
considerando as relações entre os processos de Diante dessas constatações, pesquisar o
internalização e externalização dos signos e campo dos afetos implica evitar tentativas
significados produzidos na cultura em um ingênuas de acesso direto ao fenômeno, por
movimento bidirecional e coconstrutivo entre o meio de abordagens lineares de pesquisa.
individual e o coletivo. Implica, portanto, explorar novos caminhos,
Verificamos, ainda, a existência de quiçá inspirados pela arte, que permitam um
diferentes concepções sobre o papel da aprofundamento qualitativo sobre a inesgotável
linguagem no desenvolvimento emocional. Para complexidade humana.
Magiolino e Smolka (2013), como também para
Fleer e Hammer (2013), as emoções são
reconhecidas e nomeadas nas relações sociais, REFERÊNCIAS
e sua expressão e significação, constituídas a
partir dessas relações em contextos culturais Branco, A. U., & Valsiner, J. (2010). Towards cultural
psychology of affective processes: Semiotic regulation of
específicos. Destarte, nessa visão, a linguagem,
dynamic fields. Estudios de Psicología, 31, 243-251.
relacionada ao campo da significação (não
Delari Junior, A. (2000). Consciência e linguagem em Vigotski:
restrita à comunicação verbal), possui uma Aproximações ao diálogo sobre subjetividade. Dissertação
função central na organização, controle e de Mestrado, Faculdade de Educação, Universidade
manifestação das emoções. Estadual de Campinas, Campinas, SP.
Em contrapartida, Valsiner e Branco Delari Junior, A. (2009). Discípulos involuntários de Descartes:
(Valsiner, 2012, no prelo; Branco & Valsiner, Síntese do capítulo 18 da Teoria das Emoções de L.S.
2010) propõem uma hierarquia de campos Vigotski. Material didático. Umuarama, PR: Grupo de
afetivos baseada em uma compreensão mais Estudos em Teoria Histórico-Cultural.
abrangente da mediação semiótica. Para esses Fleer, M. (2013). Affective imagination in science education:
autores, a comunicação verbal é importante, Determining the emotional nature of scientific and
technological learning of young children. Research in
porém não esgota a complexidade dos Science Education, 43(5), 2085-2106.
processos abstrativos que conduzem o
Fleer, M., & Hammer, M. (2013). Emotions in imaginative
desenvolvimento de campos afetivo-semióticos situations: The valued place of fairy tales for support in
poderosos, pós-verbais, como é o caso dos emotion regulation. Mind, Culture, and Activity, 20(3), 240-
valores. Experiências profundamente 259.
significativas para o ser humano, ligadas à arte, González Rey, F. (2000). El lugar de las emociones em la
à religiosidade, ao sofrimento, entre outras, constitución social de lo psíquico: El aporte de Vigotski.
ancoradas em valores e crenças orientadores da Educação & Sociedade, 70, 132-148.
conduta, não podem ser satisfatoriamente González Rey, F. (2007). As categorias de sentido, sentido
traduzidas em palavras. Tal constatação indica a pessoal e sentido subjetivo: Sua evolução e diferenciação
na teoria histórico-cultural. Psicologia da Educação, 24,
complexidade e o dinamismo desse objeto de 155-179.
investigação, que convida à busca de métodos
Magiolino, L. L. S. (2010). Emoções humanas e significação
de pesquisa inovadores e criativos. numa perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento
Em suma, partimos com a proposta de humano: Um estudo teórico da obra de Vigotski. Tese de
explorar um território que terminou por se revelar Doutorado, Faculdade de Educação, Universidade
como um lugar de processos fluidos e Estadual de Campinas, Campinas, SP.

Psicologia em Estudo, Maringá, v. 19, n. 2, p. 285-296, abr./jun. 2014


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Daniela Schmitz Wortmeyer: mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, doutoranda
no Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília, Brasil.
Daniele Nunes Henrique Silva: mestre e doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, professora do
Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Processos de
Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, Brasil.
Angela Uchoa Branco: mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília, doutora em Psicologia pela Universidade
de São Paulo, realizou pós-doutorados plenos (University of North Carolina e Duke Universityu) e de menor período
(Clark University e Universidad Autónoma de Madrid), professora do Programa de Pós-Graduação em Processos de
Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, Brasil.

Psicologia em Estudo, Maringá, v. 19, n. 2, p. 285-296, abr./jun. 2014

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