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JOGOS AFRICANOS E AFRO-BRASILEIROS NA EDUCAÇÃO FÍSICA


ESCOLAR: PROCESSOS EDUCATIVOS INTER-ÉTNICOS

Fabiano Maranhão (SESC/Araraquara)


Luiz Gonçalves Junior (DEFMH e PPGE/UFSCar)

RESUMO
O presente artigo é resultado de um trabalho cujo objetivo foi realizar um levantamento e
vivenciar práticas corporais de matriz africana que contribuam para o desenvolvimento de
processos educativos inter-étnicos . Assim, a partir de literaturas sobre as desiguais relações
inter-étnicas no Brasil e a Lei 10.639/2003 que institui a obrigatoriedade do Ensino de
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, intervenção foram realizadas em uma escola
estadual localizada na cidade de São Carlos com jogos de origem africana, vivenciados com
crianças do 3º ano. Construímos inspirados na metodologia fenomenológica, os seguintes
resultados: fortalecimento da auto-estima, mudança na percepção de África e
consequentemente de seus descendentes auxiliando na construção dos processos
identitários.

Palavras chave: Processos Educativos; Jogos Africanos; Educação Física Escolar.

Introdução

Primeiro se estigmatiza o grupo que se quer discriminar e depois tira-se proveito


dessa estigmatização, ou seja, constitui-se primeiramente a ideologia da
inferioridade natural dos negros e depois se legitimou a instituição escravocrata
(BERND, apud ABRAMOWICZ et al, 2006, p.57)

Diante tamanhas desigualdades sociais e discriminações raciais existentes no


Brasil e, em particular, do reflexo destas no contexto da escola e das aulas de educação
física resolvemos realizar este estudo.
A pesquisa se desenvolve no sentido de apoiar práticas anti-racistas que
auxiliem o trabalho de educadores e educadoras no seu dia-a-dia escolar, em específico
professores(as) de Educação Física. Salientamos que tal esforço é recomendado pelo
parecer CNE/CP 003/2004 (BRASIL, 2004).
Entendemos haver, no âmbito da Educação Física e da cultura corporal,
poucas produções que reconhecem, enaltecem, valorizam e, de certa forma, contribuam
para uma educação anti-racista. Mesmo a prática corporal (de raiz africana) mais conhecida
como a capoeira, raramente é desenvolvida como conteúdo da Educação Física Escolar e,
mesmo quando isto ocorre, dificilmente vai além da repetição de movimentos
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descontextualizados, ou seja, apresentando e valorizando sua relação com a cultura em que


foi gerada.
Desse modo, nosso objetivo constituiu em realizar um levantamento sobre
práticas corporais de origem ou descendência africana (sobretudo jogos e brincadeiras) e
vivenciassem de maneira que contribuíssem para o desenvolvimento positivo de processos
educativos inter-étnicos
Os elementos e/ou conteúdos levantados foram trabalhados e vivenciados
com um grupo de crianças da 3ª série do ensino fundamental através de jogos, brincadeiras,
danças, cantos e contos africanos e afro-brasileiros.

Negro e Educação no Brasil


Atualmente os negros (compostos por pardos e pretos) representam 45% da
população brasileira, e este índice torna o Brasil o país não-africano com a maior população
negra do mundo e o segundo maior se considerando todo o globo terrestre, possuindo um
número menor somente em relação a Nigéria (BRASIL, 2004). No entanto, segundo
Oliveira (2004) a maior parte desses indivíduos permanece ocupando a base da pirâmide
social, sobrevivendo nas condições mais adversas, com poucas chances de realizar seus
projetos de ascensão social, escolarização, moradia, trabalho.
Durante muitas décadas perpetuando até hoje, tem-se a idéia de que as profundas
desigualdades entre negros e brancos no período pós-abolicionista são resquícios de uma
nova ordem social que se configura numa sociedade competitiva e de classes. Essa corrente
influenciou marcadamente o pensamento educacional brasileiro que, ao reconhecer a
concentração maciça do alunado negro nas camadas mais pobres da população, tende a
identificar as dificuldades interpostas à escolaridade da população negra com os problemas
enfrentados pela pobreza, não considerando a especificidade do pertencimento racial.
Desde os primórdios da educação formal brasileira no período pós-abolicionista, há
uma educação diferenciada entre ricos e pobres e/ou brancos e negros. Segundo Cavalleiro
(2000) o aprofundamento das desigualdades socioeconômicas dos negros em relação aos
brancos (diferença de classe) contribui para abalar o consenso sobre o caráter democrático
das relações étnicas e sobre a inexistência de racismo em nossa sociedade. Devido ao
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holocausto, a questão racial ganha espaço para discussão, na década de 1950 ampliou-se
então a discussão em solo brasileiro.
Neste período Florestan Fernandes, Roger Bastide entre outros pesquisadores da
área de Ciências Sociais desenvolveram projetos de estudo, financiado pela Unesco
(Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura), propiciando uma
guinada nas discussões sobre relações raciais.

É obvio que o preconceito racial constituiu uma das modalidades do fenômeno


considerado, aquele em que as diferenças raciais reais ou imaginárias,
representadas etnocêntricamente, se tornam as fontes ou os canais de seleção dos
atributos imputativos estereotipáveis. Ele já foi definido solciológicamente como
“um mecanismo de consciência grupal, que atua reflexiva e automaticamente a
resposta a seus próprios estímulos”.
Nesse sentido, parece que o preconceito racial tende a desenvolver-se como
conseqüência natural do contato intermitente ou contínuo de pessoas ou grupos
pertencentes a “raças” diversas. (FERNANDES; BASTIDE, 1951, p. 326 e 327).

Ainda na década de 1950, Florestan Fernandes e Roger Bastide em seus estudos,


trazem apontamentos das desigualdades entre brancos e pretos.

Em conseqüência, os ressentimentos criados em algumas esferas da população


branca pela abolição não chegaram a intensificar as manifestações do preconceito
racial, que continua a ser exteriorizado socialmente de forma discreta e branda. E
os negros não conseguiram condições sociais de vida que favorecessem a
transferência dessas manifestações do preconceito racial do plano da consciência
social para o da critica ideológica. Sob o manto da igualdade jurídica e política,
mantinha-se não só a desigualdade econômica e social entre brancos e pretos, mas
ainda a antiga ideologia racial, com todas as ilusões que ela encobria.
(FERNANDES; BASTIDE, 1951, p. 332).

Em meio estes intempéries, foi (e ainda é) muito difícil para sociedade brasileira
admitir que é uma sociedade racista. Assumir isto implicaria em criação de políticas
afirmativas voltadas a esta população, mas, após o regime militar (dec. 80), houve grandes
publicações e denúncias de diversos grupos identitários como, por exemplo: homossexuais,
mulheres, negros, classes populares, etc.
Segundo Gomes citada em Silva (1997), em seu artigo no livro “O Pensamento
Negro em Educação no Brasil”, nos indica cinco contribuições importantíssimas para um
pensar negro na sociedade brasileira:
1ª. Denúncia de que a escola reproduz e repete o racismo presente na sociedade;
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2ª. Contribuição dos negros para o pensamento educacional brasileiro com ênfase no
processo de resistência negra;
3ª. Centralidade da cultura;
4ª. Consideração de que existem diferentes identidades;
5ª. Repensar a estrutura excludente da escola e a denuncia de que tal estrutura precisa ser
reconstruída para garantir não só o direito de acesso à educação, como também a
permanência e o êxito dos alunos de diferentes pertencimentos étnicos-raciais e níveis
socioeconômicos.
As contribuições citadas foram pensadas como indicativos de ações efetivas e não
meros adendos, e vem sendo significativa no processo de um novo pensar em educação na
sociedade brasileira.
Para uma compreensão contextualizada do termo raça segue destaque:

se entende por raça construção social forjada nas tensas relações entre brancos e
negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas nada tendo a ver com o
conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente
superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com freqüência nas
relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características
físicas como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e
até mesmo determina o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da
sociedade brasileira. (BRASIL, 2004, p 12).

O jogo, elemento utilizado como meio neste trabalho para o auxílio nos processos
educativos para desenvolvimento das relações inter-étnica, é apontado por Prista, Tembe e
Edmundo (1992) como uma manifestação tão antiga quanto o próprio ser humano. A
humanidade sempre jogou, e uma análise cuidadosa permite constatar que são muitas as
funções do jogo, o que lhe atribui um estatuto privilegiado nos aspectos de preparação para
a vida.
O jogo possui múltiplas funções, ele pode ser comunicação e interiorização de
norma e conveniência, diversificação dialética de tensões e distensões comportamentais,
pode ser usado para libertação ou adestramento do corpo (PRISTA; TEMBE; EDMUNDO,
1992).
Para a utilização deste recurso (jogo), foi realizado um levantamento, análise e
seleção de práticas corporais africanas e afro-brasileiras, as mesmas foram desenvolvidas e
vivenciadas através de jogos, brincadeiras, danças, cantos e contos africanos e afro-
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brasileiros com crianças do 3º. ano do ensino fundamental de uma escola estadual da cidade
de São Carlos, interior de São Paulo.
Realizar o levantamento não foi uma tarefa fácil, pois no âmbito da Educação Física
e da cultura corporal, existem poucas produções que enaltecem, valorizam e de certa forma
contribuem para uma educação anti-racista que fuja a capoeira e dança afro. E mesmo estas
duas possibilidades de trabalhos, pouco são desenvolvidas como conteúdo disciplinar nos
cursos de Licenciatura em Educação Física do Brasil e consequentemente dificilmente são
desenvolvidas de modo contextualizado no âmbito no componente curricular Educação
Física na Educação Básica.

O(a) negro(a) na Educação Física brasileira


A Educação Física brasileira viveu vários momentos históricos e para compreender
o contexto atual, é necessário considerar sua origem e principais influências. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) no século passado, a Educação Física esteve
estritamente ligada a instituições militares e à classe médica que influenciou e determinou
caminhos a serem seguidos dentro da área.

Visando melhorar a condição de vida, muitos médicos assumiram uma função


higienista e buscaram modificar os hábitos de saúde e higiene da população. A
Educação Física, então, favorecia a educação do corpo, tendo como meta a
constituição de um físico saudável e equilibrado organicamente, menos
susceptível às doenças. Além disso, havia no pensamento político e intelectual
brasileiro da época uma forte preocupação com a eugenia 1 . Como o contingente
de escravos negros era muito grande, havia um temor de uma “mistura” que
“desqualificasse” a raça branca. Dessa forma, a educação sexual associada à
Educação Física deveria incutir nos homens e mulheres a responsabilidade de
manter a “pureza” e a “qualidade” da raça branca. (BRASIL, 1997, p. 19)

Tal concepção de Educação Física do século XIX, reafirmada durante os séculos,


influenciou impetuosamente o modo como ela é tratada e trabalhada hoje nas escolas
brasileiras.
Segundo Kolyniak Filho (1998), no Brasil a Educação Física apresentou
predominância de diferentes vertentes metodológicas, mas sempre em consonância com os

1
A eugenia é uma ação que visa o melhoramento genético da raça humana, utilizando-se para tanto de
esterilização de deficientes, exames pré-nupciais e proibição de casamento consangüíneos. (BRASIL, 1997,
p.19)
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interesses políticos-econômicos e a respectiva ideológica dominante em cada momento


histórico, e nos primórdios da Educação Física brasileira, os objetivos fundamentais
relacionados com a ginástica escolar, entre 1837 e 1930, centrava-se em duas preocupações
básicas: saúde e eugenia. A questão da saúde relevante pela conquista da categoria médica
no período e a eugenia pelo momento histórico e político que o Brasil se encontrava, pois
havia se tornado politicamente independente de Portugal, mas precisava superar problemas
econômicos e raciais, visto que grande parte da população era constituída de negros, índios
e mestiços.
Para corroborar com o pensamento citado acima, na década de 30 do séc. XX, no
Brasil dentro de um contexto histórico e político mundial, com a ascensão da ideologia
nazistas e fascistas, ganham força novamente as idéias que associam a eugenização 2 da raça
à Educação Física. O Exército com objetivos patrióticos de preparação pré-militar e de
eugenia, logo ganhou lugar das concepções de objetivos higiênicos e de prevenção de
doenças.
A Educação Física brasileira sofreu várias tendências e passou por vários momentos
atendendo determinados interesses, os da classe dominante onde sua maioria e/ou toda era
branca. Passando pela tecnicista na década de 60, “onde o ensino era visto como uma
maneira de se formar mão de obra qualificada” (Brasil,1997); militarista para manutenção
da ordem e do progresso década de 30/40; esportitivista década de 1970, pois as “atividades
esportivas também foram consideradas como fatores que poderiam colaborar na melhoria
da força de trabalho para o milagre econômico brasileiro” entre outras correntes.
Mas o que se percebe, é que a questão racial presente no surgimento e evolução da
profissão pouco e/ou praticamente nada foi discutida na evolução das correntes
metodológicas que a cerca. Já, nas obras que sucedem o regime militar, apresentam
perspectivas mais críticas e humanistas, porém ainda não conseguem ultrapassar a barreira
das classes sociais, embora tal discussão indiretamente atinja o segmento racial.
De acordo com Fernandes e Bastide (1951) existe um “pacto”, um “acordo”
simbólico que antepara a discussão.

2
Ciência que se ocupa com o estudo e cultivo de condições que tendem a melhorar as qualidades físicas e
morais de gerações futuras. Que visa ao melhoramento da raça. Fonte: dicionário Michaelis UOL.
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Atrás da cordialidade, da intimidade e mesmo da afetividade transparente nas


relações sociais dos brancos com pretos se ocultavam regras sociais, cujo
reconhecimento, ainda hoje é possível. As duas regras básicas presumìvelmente,
estipulavam que não seria de bom tom nem a exteriorização dos sentimentos dos
brancos com relação aos pretos na presença destes; nem se isto acontecesse, que
os pretos revidassem...

No entanto, o objetivo proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de


Educação Física de:

Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sócio cultural brasileiro, bem


como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra
qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de
crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais ou sociais.
(BRASIL, 1997, p. 6)

Discussão esta que no âmbito das relações raciais já estão sobejamente superadas
com a lei 10.639, mais uma conquista do movimento negro brasileiro. Em março de 2003, a
lei 10.639/03 – MEC que altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) estabelece as Diretrizes
Curriculares para a implementação da mesma que institui a obrigatoriedade do ensino da
História da África e dos africanos no currículo escolar de ensino fundamental e médio. Essa
decisão resgata historicamente a contribuição dos negros na construção e formação da
sociedade brasileira. (BRASIL, 2004).

Jogos Africanos e Afro-brasileiros


A primeira fase do projeto foi o período de pesquisa sobre práticas corporais
africanas ou afro-descendentes (em específicos jogos e brincadeiras) para seleção e
estruturação das aulas. Este período foi um período difícil, pois tive muitas dificuldades em
encontrar produções que explicitassem jogos e brincadeiras africanas e/ou afro brasileiras.
Essa dificuldade certamente se deu pela forma ou concepção de “educação” que os
africanos possuem: a oralidade.

A tradição oral é uma manifestação da tradição cultural, e como ela encerra


conjunto de significados, que se apresentam com continuidade e Constancia entre
membros de um mesmo grupo étnico-racial. Encontram-se tais significados
inscritos em intenções, articulados no agir e intervir no ambiente, trata-se de
patrimônio ancestral intangível que sobrevive, com renovados contornos, como
que ocultado, mas sempre compartilhado.(BORHEIM, 1987; BRABHA, 2001
citado em SILVA, 2003)
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Mesmo com escassez de registros escritos, através de contatos, consegui adquirir


um livro denominado “Jogos de Moçambique” de Prista, Tembe e Edmundo (1992), um
material produzido em Portugal, porém contemplado com jogos de Moçambique (país
africano). Este livro foi o que subsidiou grande parte do trabalho, dos seis jogos realizados
neste trabalho, cinco foram apoiados em jogos deste livro (Jogos de Moçambique), e um foi
uma adaptação minha sob um jogo popular existente no Brasil. Foi utilizado também um
conto do folclore africano e brincadeiras de expressão corporal.
Os jogos na cultura africana como também em outras culturas, possuem algumas
particularidades em relação a gênero, idade e numero de participantes. Para esta pesquisa,
os jogos (quando necessário) foram adaptados para o nosso contexto social e histórico.
Alguns jogos que na cultura africana são praticados somente por meninas foram re-
significados e vivenciados por meninos e meninas.

Procedimentos Metodológicos
Depois de pré-estruturado, o projeto foi apresentado à direção, coordenação e
professores(as) da escola onde foi desenvolvido e vivenciado o projeto. Juntamente ao
projeto, foi apresentada a Lei 10.639/2003, que institui a obrigatoriedade do ensino da
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no currículo escolar de ensino fundamental, e
médio e do Parecer 003/2004 que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
africana.
A direção, coordenação e professora de Educação Física da escola autorizaram a
realização da intervenção e pesquisa, bem como as crianças do 3º. Ano e seus responsáveis,
através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinados, com o compromisso de
não divulgação dos nomes dos participantes e da escola, seguindo também demais preceitos
éticos.
Foram utilizadas dez aulas durante um trimestre letivo em aulas regulares do
componente curricular Educação Física de uma turma do 3º. ano, cedidas pela Professora
de Educação Física e pela Diretora de Escola Estadual da cidade de São Carlos, interior do
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estado de São Paulo, para apresentação, vivência e observação sistemática do cotidiano


dos(as) aluno(as). Os recursos utilizados foram: lousa, vídeo, televisão, mapa mundi, mapa
do continente africano, sala de aula, pátio da escola e quadras poli esportivas.
Para facilitar a pesquisa, criamos um caderno de registro que foi entregue um para
cada criança. Nesse caderno de registro há um mapa do continente africano, questões a
serem respondidas durante o andamento do trabalho, espaço para desenhos como forma de
registro das lendas ou contos africanos apresentados, espaço para registro das práticas
corporais de origem ou descendência africana (especialmente jogos) e espaço para
avaliação da intervenção pelas crianças participantes.
O caderno de registro, além de um recurso pedagógico para auxiliar na construção
de processos educativos inter-étnicos, foi um recurso para captação e interpretação de
dados, pois o mesmo foi devolvido para o pesquisador no último dia de aula/projeto e como
troca eles receberam um certificado como gratificação pela participação no projeto.
Os contatos e observações foram registrados em diário de campo (BOGDAN e
BIKLEN, 1994) e os dados levantados foram analisados a partir de inspiração na
metodologia fenomenológica, modalidade fenômeno situado (MARTINS e BICUDO,
1989; BICUDO e ESPÓSITO, 1997; GONÇALVES JUNIOR, 2008).

Construção dos Resultados


A construção dos resultados se deu por intermédio das analises dos Cadernos de
Registros e Diários de Campo (instrumentos utilizados na coleta de dados). Para iniciar este
tópico, evidencio o primeiro encontro do projeto de pesquisa, em uma das primeiras
atividades, foi perguntado as crianças qual sua(s) descendência(s).
“Francês”, ”Italiano”, Francês”, “Português”, “Alemão”. Mas nenhuma criança
disse ser descendente de africano. Ressalto que essa pesquisa foi realizada em uma escola
estadual, a representação do alunado negro nessa turma era grande. Com isso, pode-se
observar que há uma supervalorização do lado branco da família, todas as crianças
inclusive as mestiças (filhas de negros e brancos), evidenciaram somente o lado branco, e
em muitos casos, quando elas verbalizavam sua descendência européia, as crianças falavam
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“que chique!”. Nesta simples atividade, foi reafirmado a necessidade de se fazer um


trabalho diferenciado que contemplasse de fato a diversidade dentro escola.
Nos Cadernos de Registros, pudemos observar a representação de África no
imaginário das crianças envolvidas no projeto, tais como:
É um lugar enorme cheio de árvores e flores e uma grande quantidade de animais
que em alguns lugares estão extintos. Eu não sei direito se existem moradores lá e pessoas,
mas deve ter algumas moradias. Marcio

Pra mim é um tipo de uma floresta onde ficam os animais. É um lugar legal e um
pouco grande e um pouco deserto com uns animais tipo, canguru, onça, etc. também é um
lugar bacana que fica livre pela natureza. Marcio B.

Lá é muito legal e tem bastantes brincadeiras legais, é um país, lá tem bastantes


animais como girafa, leão, tigre, os animais de lá são curiosos eu adoro os animais, eu
queria ir pra lá algum dia. Felício.
Pra mim África é um lugar onde as pessoas que não tem condições para comprar só
um remédio e precisamos ajudá-los”. Amarília
Podemos observar, além da associação ao exótica, animalesco ou selvagem, nota-se
também a recorrência de África associada a “lugar”, país e cidade.
Já ao final do projeto, a mesma questão foi levantada - O que é África pra você?
E obtivemos as seguintes respostas:
Eu achava que áfrica era um continente com muita pobreza e agora eu pensei não
tem só pobreza. Tem muitas coisas bonitas e legais que a gente se diverte muito. Como as
brincadeiras da África. Gabriel Nerano
É um continente com 54 países, tem pessoas animais, shoping, avião, barco,
rios,balões. Onde tem brincadeiras africanas e é um país que contribuiu para a
formação do Brasil. Leteca

É um lugar lindo maravilhoso, tem bastante cultura beleza, danças, animais,


lugares interessantes casas restaurantes, bares, shoping. Eu aprendi algumas brincadeiras
de lá. É um continente, tem bastante coisas lá. Lá tem lenda, o meu professor contou uma
para a gente se chama assim, maura a menina que trabalhava muito. Eu aprendi bastante
brincadeiras como a matacuzana e tem um instrumento bem legal o caxixi. Lá na África
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não existem só negros, existe também brancos, o meu professor falava quando a gente
terminava as brincadeiras ele falava de onde vem a brincadeira e como chama, eu adorei
todas. (FELÍCIO, 2006).

Analisando a fala dessas crianças, percebemos uma quebra de paradigma


importante, essas falas são de extrema relevância em uma sociedade que não consegue
ver em África beleza, e consequentemente beleza em seus descendentes, que não
consegue ver no negro: capacidade, cultura, desenvolvimento, tecnologias, etc.

Para uma nova ressignificação nas relações inter-étnicas, utilizamos diversos


jogos de matriz africana, e com eles, possibilitamos momentos de aprendizagens acerca
do continente africano, da cultura africana e afro-brasileira e seus descendentes.

Quando questionadas(crianças) sobre a importância de vivenciar diferentes


manifestações culturais, todas as crianças sem exceção, disseram ser importante. algumas
crianças escreveram que era importante vivenciar diferentes manifestações culturais para
conhecer novas brincadeiras, outras disseram que era para conhecer novas culturas, mas
todas disseram ser importante conhecer, vivenciar e discutir a cultura africana na escola.
Considerações das crianças a respeito das atividades:
Eu aprendi que devemos respeitar as culturas brincadeiras africanas , jogos,
culinária, e vi que trabalhar com outras culturas é legal é divertido mesmo. Bárbareli
Eu acho muito importante conhecer a cultura africana, porque é muito legal você
conhecer e também você aprende com eles. Gustavo Herndes.
Pra mim é uma cultura especial o professor Fabiano nos ensinou a respeitar as
culturas africanas e os negros. Nayla.
Percebe-se nas falas das crianças que o projeto não foi somente uma brincadeira,
com estas posições a respeito de África acredito que neste caso a Lei 10.639/2003 que
institui a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos Africanos no currículo
escolar de ensino fundamental e médio e do parecer 003/2004 que institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e africana, foram iniciadas.

Considerações Finais
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De acordo com Cavalleiro (2000) “O silêncio que atravessa os conflitos étnicos na


sociedade é o mesmo que sustenta o preconceito e a discriminação no interior da escola”.
Pudemos perceber no trabalho, que o desconhecimento sobre África e os
pensamentos racistas e discriminatórios, são oriundos de omissões seculares na história que
ainda hoje, reflete no imaginário coletivo da sociedade brasileira.

Precisamos no nosso trabalho cotidiano, incorporar o discurso da diferença não


como um desvio, mas como algo que enriquece nossas práticas e as relações entre
as crianças, possibilitando, desde cedo, o enfrentamento de praticas de racismo, a
construção de posturas mais abertas às diferenças e, conseqüentemente, a
construção de uma sociedade mais plural. (ABRAMOWICZ et al, 2006, p. 74)

Com base nos dados, consideramos que as crianças tiveram outra percepção de
África e conseqüentemente outra percepção de negro(a) e cultura negra. Esta mudança de
percepção reflete na formação da identidade da criança, neste projeto não posso afirmar que
em dez aulas modifiquei a identidade das pessoas envolvidas, mas certamente, contribui
para um despertar, com um novo olhar de si e do outro.
Consideramos também que a lei 10.639/2003, que institui a obrigatoriedade do
ensino da História da África e dos Africanos no currículo escolar de ensino fundamental e
médio e do parecer 003/2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana, foram compreendidas e iniciadas, uma vez que as discussões e
atividades desenvolvidas nessa pesquisa propiciaram abordar, ainda que de forma inicial, o
que a citada lei e parecer preconizam.
Esperamos, no sentido Freireano indicado no neologismo esperançar, ou seja, do
verbo, da ação de homens e mulheres, de ir ao encontro e lutar pela transformação
(FREIRE, 1994) das atuais relações inter-étnicas.

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