Sei sulla pagina 1di 404

ENFRENTAMENTO À

VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL


Expansão do PAIR em Minas Gerais

Distribuição gratuita - venda proibida

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 1 12/11/2008 10:29:25


UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor Ronaldo Tadêu Pena
Vice-Reitora Heloisa Maria Murgel Starling
Pró-Reitora de Extensão Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben
Pró-Reitora Adjunta de Extensão Paula Cambraia de Mendonça Vianna

EDITORA UFMG
Diretor Wander Melo Miranda
Vice-Diretora Silvana Cóser

CONSELHO EDITORIAL
Wander Melo Miranda (presidente)
Carlos Antônio Leite Brandão
Juarez Rocha Guimarães
Márcio Gomes Soares
Maria das Graças Santa Bárbara
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Paulo Sérgio Lacerda Beirão
Silvana Cóser

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 2 12/11/2008 10:29:25


Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Secretário Especial dos Direitos Humanos


da Presidência da República
Paulo de Tarso Vannuchi

Subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança


e do Adolescente
Carmen Silveira de Oliveira

Coordenadora do Programa Nacional de Enfrentamento


da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes
Leila Paiva

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 3 14/11/2008 09:07:19


INSTITUIÇÕES E ÓRGÃOS COLABORADORES
Associação Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte (AMAS)

Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça


da Infância e da Juventude (CAOIJ-MG)

Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente


de Minas Gerais

Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente


de Minas Gerais (FDDCA/MG)

Fundo Cristão para Crianças

Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança


e do Adolescente de Minas Gerais

Polícia Militar de Minas Gerais

Promotoria da Infância e da Juventude de Belo Horizonte

Prefeituras Municipais de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba

Secretarias de Estado de Saúde, de Educação,


e de Desenvolvimento Social e Esportes de Minas Gerais

Visão Mundial

Oficina de Imagens

Salesianos

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 4 12/11/2008 10:29:25


Edite da Penha Cunha
Eduardo Moreira da Silva
Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti
Organizadores

ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL
Expansão do PAIR em Minas Gerais

1ª reimpressão

Belo Horizonte
Editora UFMG
2008

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 5 12/11/2008 10:29:25


Editoração de textos Maria do Carmo Leite Ribeiro
Revisão e normalização Ana Maria de Moraes
Revisão de provas Alexandre Vasconcelos de Melo,
Maria do Rosário Alves Pereira e
Renata Passos
Produção gráfica Warren Marilac
Projeto gráfico, formatação
e montagem de capa Cássio Ribeiro

© 2008, Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República


© 2008, Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa
© 2008, PROEx/UFMG
© 2008, os autores
© 2008 - 1ª reimpressão
A reprodução do todo ou parte deste livro é permitida somente para fins não lucrativos
e com a autorização prévia e formal da SEDH/PR, desde que citada a fonte.
_______________________________________________________________________

Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil: expansão do PAIR


V795 em Minas Gerais / Edite da Penha Cunha, Eduardo Moreira da
Silva e Maria Amélia de Castro Giovanetti. - Belo Horizonte :
Editora UFMG, 2008.
402 p. il. (Coleção Origem)

Inclui referências.
ISBN: 978-85-7041-691-9

1. Sociologia. 2. Crime sexual. 3. Crime contra a criança.


4. Crime contra o adolescente. I. Cunha, Edite da Penha.
II. Silva, Eduardo Moreira da. III. Giovanetti, Maria Amélia
de Castro.

CDD: 362.76
CDU: 364
_______________________________________________________________________
Elaborada pela Central de Controle de Qualidade da Catalogação da Biblioteca
Universitária da UFMG

EDITORA UFMG
Av. Antônio Carlos, 6627 | Ala direita da Biblioteca Central | Térreo
Campus Pampulha | CEP 31270-901 | Belo Horizonte/MG
Tel. (31)3409-4650 | Fax (31)3409-4768
www.editora.ufmg.br | editora@ufmg.br

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 6 12/11/2008 10:29:25


Este livro é uma publicação da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República e da Pró-Reitoria de
Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais e apresenta
uma sistematização das ações e resultados da implementação do
Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento
à Violência Sexual Infanto-Juvenil nos municípios mineiros de
Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, no ano de 2007/2008.

Disponível no Portal
http://pair.ledes.net – link Estados/Produtos
Belo Horizonte, março de 2008

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 7 12/11/2008 10:29:25


Nada é impossível de mudar

Desconfiai do mais trivial,


na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural

nada deve parecer impossível de mudar.

Bertold Brecht (1898-1956)

Dedicamos este livro a todos


os que sonham e que lutam, junto a nós,
por uma sociedade cada dia mais justa
e mais humana.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 8 12/11/2008 10:29:25


Sumário

PREFÁCIOS

Carmen Oliveira 12

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben


Paula Cambraia de Mendonça Vianna 14

INTRODUÇÃO 18

Parte I
FUNDAMENTOS

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL


E CONSTRUÇÃO DE REDES SOCIAIS
Produção de Indicadores e Possibilidades de Intervenção
Walter Ude 30

MOBILIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO NO PAIR


Limites e Possibilidades do Programa em Minas Gerais
Rennan Mafra 61

AÇÃO EDUCATIVA
Princípios Norteadores do Processo de Capacitação/Formação
Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti 87

JUVENTUDE, DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL


Desafios e Prioridades para o Protagonismo
Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira | Geovânia Lúcia dos Santos 102

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 9 12/11/2008 10:29:25


Parte II
ANÁLISE DA SITUAÇÃO

DIAGNÓSTICO DE UBERABA, TEÓFILO OTONI E ITAOBIM


Caracterização, Visibilidade e Localização do Fenômeno
Joana Domingues Vargas 124

DIAGNÓSTICO DE UBERABA, TEÓFILO OTONI E ITAOBIM


A Rede de Proteção
Joana Domingues Vargas | Klarissa Almeida Silva 154

A PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E


ADOLESCENTES NO VALE DO MUCURI
Iniciando o Debate
Ricardo Silvestre da Silva 181

Parte III
INTERVENÇÃO

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO


Os Desafios Inerentes ao Processo de Planejar
Geovânia Lúcia dos Santos | Tânia Aretuza 204

A SAÚDE E AS AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA


CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Paula Cambraia de Mendonça Vianna | Mara Vasconcelos
Vanessa Henriques Pinto | Miguir Teresinha V. Donoso | Janete Ricas 235

A EDUCAÇÃO E O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL


Ângulos de um Problema
Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben | José Joesso Alves Pereira
Rosemary Alves dos Santos Nascimento 259

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 10 12/11/2008 10:29:25


A EDUCAÇÃO NA EXPANSÃO PAIR/MG
Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim
Geovânia Lúcia dos Santos 275

AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA


E DO ADOLESCENTE NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Geralda Luiza de Miranda | Edite da Penha Cunha 294

CONTRIBUIÇÃO DO DIREITO PARA O ENFRENTAMENTO À


VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL
Kleber Queiroz 318

PLANEJANDO A AÇÃO EM REDE


Eleonora Schettini M. Cunha 346

ASSESSORIA TÉCNICA E EXPANSÃO DO PAIR/MG


Uma Relação Dialógica
Eduardo Moreira da Silva | Edite da Penha Cunha
Helena Hemiko Iwamoto | Sybelle de Souza Castro Miranzi 376

PALAVRAS FINAIS 396

SOBRE OS AUTORES 398

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 11 12/11/2008 10:29:25


O Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfren-
tamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no
Território Brasileiro (PAIR) é uma das ações fundamentais no
enfrentamento da violência sexual coordenado pela Subsecretaria
de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA/
SEDH/PR. O PAIR constitui-se em uma metodologia de articu-
lação de políticas, orientada pela Doutrina da Proteção Integral
da Criança e do Adolescente, tendo por base os eixos do Plano
Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.
Tem por finalidade a criação e/ou o fortalecimento das redes locais
por meio de ações integradas de mobilização, diagnóstico e capa-
citação, possibilitando a articulação e a integração dos serviços e
programas, associada à participação social.
Esta publicação é um dos produtos do PAIR/Minas Gerais
desenvolvido em parceria com as Universidades Federais de Minas
Gerais (UFMG), do Triângulo Mineiro (UFTM) e dos Vales do Jequi-
tinhonha e Mucuri (UFVJM) por meio da celebração de convênio
com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República – SEDH/PR. A UFMG e os parceiros, durante a execução

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 12 12/11/2008 10:29:25


Prefácios 13

das ações no período de dezembro de 2006 a abril de 2008, buscaram


desenvolver estratégias de fomento ao desenvolvimento da inter-
setorialidade de programas, organizações e serviços na perspectiva
de garantir a proteção integral de crianças e adolescentes vítimas
de violência sexual.
A obra reúne textos que abordam questões centrais sobre
o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, do referencial
teórico-metodológico adotado pelo PAIR, bem como os resul-
tados alcançados. A experiência sistematizada constitui-se em
uma ferramenta fundamental para a publicização, potencialização
e articulação das ações de proteção e promoção dos direitos das
crianças e dos adolescentes. A disseminação da experiência está
pautada no entendimento de que o enfrentamento da violência
sexual contra crianças e adolescentes demanda esforços conjuntos
do Estado e da sociedade civil organizada. Com a certeza de que
as peculiaridades locais devem ser respeitadas, a sistematização e
a disseminação de experiências são ferramentas fundamentais para
fomento de políticas públicas.
Destaca-se ainda a particularidade do momento histórico do
lançamento da publicação: o ano de 2008 é um marco histórico na
luta pelos direitos humanos, visto que comemoramos os 60 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e também os 18 anos
do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, fruto de muita luta
e mobilização da sociedade brasileira e instrumento fundamental
para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes em nosso
país. Cuidar da infância e adolescência brasileira é dever de todos
os brasileiros e esperamos que a experiência apresentada indique
possibilidades nesse caminho.

Carmen Oliveira
Subsecretaria de Promoção dos Direitos
da Criança e do Adolescente

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 13 12/11/2008 10:29:25


A educação formal, como uma prática social, está sempre compro-
metida com a realidade do país onde se realiza, porque encontra-se
vinculada às instituições, ao sistema de poder e ideologias que a
legitima e a justifica.
Boaventura de Souza Santos, em sua obra A universidade do século
XXI – para uma reforma democrática e emancipatória, discute o fato de
a última década apresentar “exigentes” desafios à universidade,
especialmente a pública, pela alteração significativa das relações
entre conhecimento e sociedade, alterações essas capazes de trans-
formar as próprias concepções de conhecimento e de sociedade
(São Paulo: Cortez, 2004: 30). Contrapondo-se ao “conhecimento
universitário”, predominantemente disciplinar, descontextuali-
zado das preemências do cotidiano e das suas possibilidades de
dialogar com as demandas e urgências sociais, o autor apresenta
as possibilidades de um conhecimento “pluriuniversitário”, con-
textual, que o obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos
de conhecimento. Nesse campo, a sociedade deixa de ser um
objeto das interpelações da ciência para ser ela própria sujeito de
interpelações à ciência.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 14 12/11/2008 10:29:26


Prefácios 15

É a partir dessa perspectiva que esta obra se inscreve, acredi-


tando nas possibilidades da universidade pública em dialogar
com a sociedade e suas tensões. A sociedade não é uma abstração
e demanda por respostas efetivas às instituições que têm compe-
tência e excelência por produzir conhecimentos. É nessa direção
que as políticas de extensão na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) se realizam e que a expansão do PAIR/MG estará
sendo discutida e apresentada.
O apoio da UFMG no desenvolvimento de políticas públicas
voltadas para o enfrentamento à violência infanto-juvenil tem se
pautado no respeito às especificidades de cada comunidade, assim
como a sua formatação enquanto grupo social, na medida em que a
nossa participação busca amalgamar de forma sistemática os conhe-
cimentos construídos e as experiências e reflexões estabelecidas ao
longo dos últimos anos. Entendemos que a atuação nestes projetos é
uma decisão política da instituição, em função de seu compromisso
social como universidade pública, comprometida com o exercício
pleno da cidadania e a superação de formas de exclusão social e
marginalização.
Participar de ações que visem coibir a violência, em qualquer
de suas manifestações, tornando nossa vida em comunidade mais
humana e produtiva é responsabilidade tanto do poder público
quanto da sociedade como um todo. No campo da investigação
sobre o fenômeno, a rede de proteção integral à criança e ao
adolescente e a intervenção junto às comunidades, os projetos de
extensão universitária são, por excelência, os que mais concretizam
a relevância da ação universitária nesta questão.
A UFMG tem-se primado na busca do cumprimento de sua
responsabilidade nessa tarefa. Nossa principal estratégia tem sido
a promoção de constante interação e integração entre ensino e

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 15 12/11/2008 10:29:26


16 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL

pesquisa; entre teoria e prática; entre o saber construído nos labora-


tórios e nas salas de aula e o saber produzido na vivência cotidiana
das comunidades, dos grupos e dos indivíduos nas diversas regiões
de nosso Estado.
A universidade, ao ter um olhar que reconhece a realidade
na sua dinamicidade, provoca-nos a reconhecer que propostas
integradoras apresentam mais pertinência com trabalhos que
valorizam e defendem a vida. Nesse aspecto, foi de fundamental
importância identificar fatores de risco e de proteção no contexto
em que atuamos. Uma rede social articulada e participativa que
procura integrar as diversas áreas do conhecimento, como também
as experiências e saberes da comunidade, apresenta maior possi-
bilidade de encontrar alternativas para superar suas dificuldades.
O mapeamento dos serviços sociais existentes, dos recursos, das
informações, da qualidade das relações entre os atores sociais e
institucionais constituiu fator representativo para produzirmos
indicativos para a construção de uma política de enfrentamento
à violência sexual infanto-juvenil mais efetiva.
Neste sentido, o PAIR implementou ações de mobilização social
que estimularam a articulação dos atores em rede por meio da
estratégia metodológica de realização do diagnóstico do fenômeno,
a capacitação/formação, a mobilização e articulação dos atores em
redes comprometidas com essa grave problemática. Isto fomentou
ações intersetoriais em rede nos municípios de Itaobim, Teófilo
Otoni e Uberaba, possibilitando identificar os programas, as
organizações e as instituições dos municípios que, num processo de
interação cotidiana, têm condições de enfrentar a complexidade e a
gravidade das situações de abuso e exploração sexual das crianças
e dos adolescentes em nossa sociedade.
Este trabalho está se tornando realidade com o comprometi-
mento de todos nós. Universidades, promotores de justiça, juízes e

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 16 12/11/2008 10:29:26


Prefácios 17

técnicos das varas criminais e do juizado da infância e juventude,


conselheiros tutelares e de políticas públicas, polícias, equipes téc-
nicas de diversos programas, gerentes, coordenadores e secretários
da Assistência Social, da Educação, da Saúde, da Cultura e Esportes,
representantes da sociedade, dirigentes e funcionários de organi-
zações da sociedade civil são atores essenciais para a formulação
e implementação das ações de enfrentamento à violência sexual
infanto-juvenil.
É muito importante que a Universidade mantenha este diálogo
permanente com o poder público local, com as redes sociais, os
diferentes ministérios, seus programas e projetos, resultando na
melhoria da qualidade de vida e proteção das crianças e adoles-
centes de nosso Estado. É necessário avançar na estruturação de
novos mecanismos de trocas de experiências e compartilhamento
de metodologias, entre os diversos programas da UFMG, visando à
potencialização dos resultados e a relevância da nossa intervenção
junto à sociedade.

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben


Pró-Reitora de Extensão da UFMG

Paula Cambraia de Mendonça Vianna


Pró-Reitora Adjunta de Extensão da UFMG

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 17 12/11/2008 10:29:26


INTRODUÇÃO

Com grande satisfação, apresentamos a presente obra, que


reúne textos que abordam questões centrais sobre o fenômeno da
violência sexual infanto-juvenil, o referencial teórico-metodológico
adotado pelo Programa de Ações Integradas e Referenciais de
Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Território
Brasileiro (PAIR), bem como os resultados alcançados. Trata-se do
resultado do trabalho de uma equipe numerosa. Isto porque os
agentes e atores envolvidos abarcam desde o nível institucional até
os sujeitos, razão última de todo o nosso compromisso, ou seja, a
criança, o adolescente, o jovem e suas famílias, vítimas do abuso e/
ou de exploração sexual.
Nosso desejo é que este livro signifique uma referência indica-
tiva de que algo muito positivo é possível de ser realizado, quando
um grupo de pessoas opta por um engajamento efetivo. Que seja
instrumento para continuar suscitando nos leitores o interesse
pela compreensão do fenômeno em toda sua complexidade e que
venha subsidiar a elaboração e a implantação de políticas públicas
de proteção às crianças e aos adolescentes.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 18 12/11/2008 10:29:26


Introdução 19

Ressaltamos nossa clara intenção de reafirmar nossa consciência


da impossibilidade de alcançar uma completude ou esgotamento
da discussão. Porém, dentro dos limites de cada grupo de pessoas,
envolvendo formadores e educadores, acreditamos que o conteúdo
apresentado poderá auxiliar a prática e reflexão sobre as ações de
enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, contribuindo para
nortear ações futuras tanto no campo específico do enfrentamento
do fenômeno da violência como no campo geral das Ciências
Humanas e Sociais.
O trabalho que culminou na presente publicação evidencia os
princípios da Extensão de interação da universidade com outros se-
tores da sociedade por meio da parceria entre instituições federais,
estaduais, municipais, da sociedade civil bem como a comunidade
em geral, e o princípio de integração entre a Extensão, a Pesquisa
e o Ensino. A Pesquisa, ao propiciar o aprofundamento do conhe-
cimento e compreensão do fenômeno da violência sexual infanto-
juvenil e da rede de proteção integral à criança e ao adolescente
via diagnósticos, contribuiu decisivamente para a orientação de
ações de Ensino por meio da capacitação de formadores e educa-
dores e na elaboração dos Planos Operativos Locais e Pactos que
expressam as possíveis ações interventivas de enfrentamento ao
fenômeno em Rede.
Os autores desta coletânea são profissionais que apresentam
uma bagagem de experiências e produzem conhecimento vinculado
aos campos aos quais pertencem, ou seja, o campo da Saúde, da
Educação, da Psicologia, do Serviço Social, das Ciências Políticas
e Sociais e do Direito. Dessa forma, o livro expressa um trabalho
interdisciplinar em torno do foco central que é a compreensão do
fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e o seu enfrentamento.
Isso revela a complexidade da temática central, exigindo a inter-
locução de várias áreas do conhecimento.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 19 12/11/2008 10:29:26


20 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL

Os textos são frutos das reflexões elaboradas pelos autores a


partir de referenciais teóricos e dos processos de articulação e mobi-
lização, análise da situação e de formação/capacitação dos forma-
dores e dos educadores.1 A fonte de motivação para a organização
desta coletânea é a possibilidade de socializar os conhecimentos e
os resultados da experiência vivenciada na expansão do PAIR/MG.
Apresentam em comum o referencial teórico-metodológico ado-
tado pela expansão do PAIR/MG, entretanto, buscamos preservar o
estilo pessoal de cada autor(a), procurando respeitar os respectivos
processos de produção de conhecimento.
Cabe ressaltar um elemento que reforça nossa esperança na
possibilidade de superação do fenômeno, ou seja, a adesão
manifestada dos agentes locais. Desde as instâncias diretoras até
as instâncias das bases das respectivas instituições, passando pelas
Prefeituras, Secretarias Estaduais e Municipais, Órgãos Governa-
mentais e Não-Governamentais, Escolas, dentre outras, observamos
a expressão de um compromisso que ficou registrado nos Planos
Operativos Locais e nos Pactos assinados pelos responsáveis de
uma ação articulada em rede.
Segundo a estrutura expressa na Matriz Curricular, a qual
norteou todo o processo de capacitação/formação dos formadores
e educadores da expansão PAIR/MG, o livro está organizado em
quatorze capítulos agrupados em três partes.
A Parte I - Fundamentos, composta por quatro textos, apresenta
os referenciais teórico-metodológicos da proposta de capacitação/
formação da expansão do PAIR/MG.
A Parte II - Análise da Situação apresenta em dois textos os
resultados de diagnósticos locais e o da região do Vale do Mucuri,
relativos ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, bem como
da rede de proteção dos municípios mineiros pesquisados.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 20 12/11/2008 10:29:26


Introdução 21

A Parte III - Intervenção, ao longo de oito textos, trata do pro-


cesso de capacitação/formação o qual ressaltou a importância das
contribuições da Saúde, da Educação, da Assistência Social e do
Direito para o enfrentamento do fenômeno. Além disso, essa última
parte aborda a importância do planejamento da ação em rede e da
assessoria técnica.
O texto de autoria de Walter Ude, “Enfrentamento da violência
sexual infanto-juvenil e construção de redes sociais: produção de
indicadores e possibilidades de intervenção”, trata do fenômeno
da violência sexual infanto-juvenil, abordando aspectos histórico-
culturais e psicossociais do problema, no que refere à construção
das relações de gênero desenvolvida a partir do modelo patriarcal
burguês, o qual contribui marcadamente para a produção de inte-
rações despóticas entre homens, mulheres e homo-orientados, tanto
no âmbito intra como extrafamiliar. Apresenta ainda a proposta de
trabalhos em redes sociais como alternativa viável para o enfrenta-
mento deste tipo de violência. Nesse sentido, propõe a construção do
mapeamento das redes institucionais externas e internas, no intuito
de levantar indicadores sobre as conexões e lacunas existentes nas
redes de intervenção, para fortalecê-las e otimizá-las por meio da
mobilização e articulação dos projetos, programas, instituições e
grupos organizados identificados no município ou região onde o
trabalho pretende se desenvolver.
O texto de Rennan Mafra, “Mobilização e articulação no PAIR:
limites e possibilidades do Programa em Minas Gerais”, toma como
referência a “Mobilização e Articulação” da expansão do PAIR em
Minas Gerais. Aborda uma compreensão teórica da importância
da mobilização em torno da questão da violência sexual infanto-
juvenil, junto aos desafios das democracias contemporâneas, em
que processos de deliberação pública e participação coletiva dos
sujeitos mostram-se como desenhos possíveis essenciais na luta por

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 21 12/11/2008 10:29:26


22 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL

direitos e na busca pela (re)definição de normas e questões coletivas.


A partir do entendimento da mobilização social como um processo
comunicativo, em que a visibilidade, a vinculação co-responsável
e a transversalidade apresentam-se como demandas proeminentes
para a decorrência do processo mobilizador, busca-se compreender
em que medida o PAIR, em relação ao eixo “Mobilização e Arti-
culação”, pode ser analisado, em meio aos seus limites e às suas
possibilidades de ação, diante dos desafios e dilemas presentes na
concretização das ações do Programa, em Minas.
O ensaio “Ação educativa – princípios norteadores do processo
de capacitação/formação”, de Maria Amélia Gomes de Castro
Giovanetti, apresenta alguns princípios que nortearam o processo
de capacitação/formação da expansão do PAIR/MG, explicitando
a concepção de educação subjacente à proposta de capacitação/
formação bem como as três dimensões do processo de formação de
educadores, ou seja, a dimensão teórico-prática, a dimensão ética e
a dimensão metodológica. Finalizando o capítulo, a autora destaca
a importância do papel do educador frente ao desafio da denúncia
e da ação de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.
No texto relativo ao protagonismo de autoria de Rodrigo Francisco
Corrêa de Oliveira e Geovânia Lúcia dos Santos, “Juventude,
democracia e participação social: desafios e prioridades para o
protagonismo”, apresenta-se uma síntese das discussões realizadas
em torno do eixo Protagonismo Juvenil na capacitação/formação
dos agentes/educadores que atuam junto às crianças, adolescentes
e famílias nos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim. Ao
longo do texto, discute-se o significado do protagonismo juvenil em
geral e enfatiza-se a importância de se garantir a participação ativa
de crianças, adolescentes e jovens, no âmbito de todas as ações de
enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, trazendo, ainda,

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 22 12/11/2008 10:29:26


Introdução 23

o resultado do trabalho realizado em torno deste eixo, trabalho que


contou com a participação ativa e protagônica de jovens, desde seu
planejamento até este momento final de sistematização.
Na segunda parte do livro, o texto “Diagnóstico de Uberaba,
Teófilo Otoni e Itaobim: caracterização, visibilidade e localização
do fenômeno”, de Joana Domingues Vargas, aborda a caracteri-
zação da violência sexual (abuso e exploração) infanto-juvenil nos
municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. Nele são apresen-
tados os principais resultados obtidos na etapa do Diagnóstico
da expansão do PAIR no estado de Minas Gerais. Em um primeiro
momento, são selecionadas informações de natureza secundária
acerca dos aspectos físicos, sociais, econômicos, demográficos e de
criminalidade nos três municípios que auxiliam na compreensão
do fenômeno. Posteriormente, com base em dados coletados nos
Conselhos Tutelares, trabalho de campo e entrevistas com os atores
da rede de proteção dos direitos das crianças e adolescentes, discute-
se o problema da visibilidade do fenômeno e identifica-se, a partir
do georeferenciamento das informações, a sua localização, bem
como a localização dos fatores que sobre ele incidem. Os resultados
indicam que apesar da enorme variação no tamanho, nos índices
econômicos e na qualidade de vida dos três municípios, há seme-
lhanças naqueles aspectos que predispõem a ocorrência do abuso
e exploração sexual. Quanto à visibilidade do fenômeno ressalta-se
que os parcos registros existentes, decorrentes em boa medida da
dificuldade de caracterizá-lo, representam grande empecilho para
o seu enfrentamento.
O texto “Diagnóstico de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim: a
rede de proteção”, de autoria de Joana Domingues Vargas e Klarissa
Almeida Silva, objetiva caracterizar as redes de proteção dos direitos
das crianças e adolescentes e de enfrentamento da violência sexual
(abuso e exploração comercial) nos municípios de Uberaba, Teófilo

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 23 12/11/2008 10:29:26


24 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL

Otoni e Itaobim, foco da expansão do PAIR, no estado de Minas


Gerais. A análise empreendida buscou comparar o funcionamento
ideal de encaminhamento civil e criminal no fluxo de redes (pre-
vistos na legislação), bem como a percepção ideal de ação da rede
(presente no discurso dos agentes) com o seu real funcionamento e
articulação. A identificação feita pelos atores dos principais problemas
e desafios do trabalho em rede para enfrentar de forma articulada
e integrada o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil foi
privilegiada. Finalmente, foram sugeridas algumas recomendações
visando à maior articulação interinstitucional e fortalecimento das
ações de enfrentamento do fenômeno. Cabe ressaltar que os dados
descritos nos dois capítulos relativos ao diagnóstico orientaram e
subsidiaram toda a ação interventiva desenvolvida pelo PAIR nos
três municípios.
O texto de Ricardo Silvestre da Silva, “A problemática da vio-
lência sexual contra crianças e adolescentes no Vale do Mucuri:
iniciando o debate”, integra o conjunto de esforços realizados por
sujeitos inseridos na UFMG, Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri e Universidade Federal do Triângulo
Mineiro em relação ao combate da violência infanto-juvenil. O autor
parte do referencial legal conceitual que sustenta o compromisso
político e ético de garantir condições dignas de vida às crianças e
adolescentes brasileiras, o que inclui o combate a todo o tipo de
violência e condições degradantes de vida deste segmento popula-
cional. A reflexão elaborada contextualiza a realidade do conhecido
Vale do Mucuri, que, como várias outras regiões do Brasil, padece
com o acirramento das expressões da questão social, particulari-
zando a problemática da violência sexual infanto-juvenil.
No texto “Organização do trabalho pedagógico – os desafios
inerentes ao processo de planejar”, que abre a terceira parte do livro,
as autoras Geovânia Lúcia dos Santos e Tânia Aretuza se detêm na

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 24 12/11/2008 10:29:26


Introdução 25

reflexão sobre o processo de planejamento e execução das ações de


capacitação/formação da equipe de multiplicadores e dos educa-
dores da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil,
realizadas por meio do curso, de oficinas temáticas e de planeja-
mento. O trabalho apresenta, inicialmente, uma reflexão acerca do
processo de planejamento de ações formativas desta natureza, bem
como as opções feitas no sentido de tornar exeqüíveis os princípios
que orientaram as ações e, em seguida, faz uma síntese avaliativa
acerca da execução das ações de formação, apontando os limites e
possibilidades identificadas ao longo deste processo de trabalho.
“A saúde e as ações de enfrentamento à violência contra crianças
e adolescentes”, de autoria de Paula Cambraia de Mendonça Vianna,
Mara Vasconcelos, Vanessa Henriques Pinto, Miguir Teresinha V.
Donoso e Janete Ricas tem como objetivo propor uma reflexão das
ações da área da saúde na abordagem da violência contra crianças e
adolescentes. Foram abordados o conceito de saúde em sua dimensão
mais ampla, o significado da violência, o referencial conceitual e
legal e, finalmente, os desafios das ações interventivas da saúde.
Considera-se que a prevenção e o enfrentamento demandam, para
além das questões normativas, a construção de uma rede de proteção
com efetiva integração dos setores governamentais e da sociedade
civil organizada. Para tanto, torna-se necessária a implementação
de propostas cidadãs de inclusão e responsabilização; a capacitação
dos profissionais; e o avanço em direção a uma prática que supere
ações pontuais, fragmentadas e desarticuladas, produzindo ações
incompatíveis com os marcos legais.
O texto de Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben, José
Joesso Alves Pereira e Rosemary Alves dos Santos Nascimento, “A
educação e o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil:
ângulos de um problema”, discute a relação entre educação,
sociedade e violência presentes no fenômeno da exploração sexual

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 25 12/11/2008 10:29:26


26 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL

infanto-juvenil. Destaca esse problema como um fato recorrente


e que tem sua expressão política na década de 1990, fruto da
desigualdade social de gênero, de raça e de etnia. Essa situação
requer políticas públicas e mobilização urgente da sociedade
brasileira, na perspectiva de humanização do cidadão brasileiro
e de proteção à vida. Envolve, também, uma ação intensiva e
massiva nos âmbitos sociais, econômicos e educacionais, com a
criação de dispositivos legais adequados e a participação de todos,
na construção de um novo conceito de educação.
O texto de autoria de Geovânia Lúcia dos Santos, “A educação
na expansão PAIR/MG – Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim”, consiste
em uma síntese das discussões realizadas na expansão do PAIR/
MG nos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, relativas
à política setorial de educação e às atribuições dos educadores no
que se refere ao enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil.
Realizadas no processo de capacitação/formação dos profissionais
que atuam junto às crianças e adolescentes e às famílias, em espaços
não-escolares e, de modo mais específico, nos espaços escolares
e socioeducativos, as discussões contemplaram, por um lado, a
especificidade do fazer educativo-pedagógico destes profissionais
e, de outro, os desafios que se lhes apresentam para atuarem preven-
tiva e protetivamente no enfrentamento ao fenômeno, conforme
apresentamos a seguir.
“Ações de enfrentamento à violação de direitos da criança e do
adolescente na política de assistência social”, redigido por Geralda
Luiza de Miranda e Edite da Penha Cunha, trata da natureza e do
formato das ações de intervenção da política de Assistência Social
para a promoção e proteção dos direitos de crianças e adolescentes
em situação de violência sexual (abuso e exploração), violência física
e psicológica, negligência, trabalho infantil, mendicância e trajetória
de vida nas ruas. No primeiro tópico, são discutidos os fatores

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 26 12/11/2008 10:29:26


Introdução 27

relacionados à pobreza que, ao incidirem sobre as famílias, fornecem


um terreno favorável à emergência e à reincidência das situações
de violência e dificultam sua superação. Dadas a complexidade e
gravidade das situações de violação de direitos, seu enfrentamento,
como determinado pela legislação, requer um tipo específico de
intervenção nas famílias, a “intervenção psicossocial”. São sugeridas
ainda diretrizes gerais para as ações de intervenção nas famílias em
situação de violação dos direitos da criança e do adolescente.
O texto “Contribuição do direito para o enfrentamento à vio-
lência sexual infanto-juvenil”, de autoria de Kleber Queiroz, é uma
reflexão acerca dos instrumentos jurídicos que podem ser utilizados
para assegurar a proteção da criança e do adolescente, vitimizados
pela violência sexual, e dos procedimentos para a responsabilização
criminal do agressor. Sinaliza-se inicialmente que o marco legal da
proteção da Criança e do Adolescente é o Estatuto da Criança e do
Adolescente e as medidas de proteção que podem ser buscadas para
afastar a ameaça ou para interromper a violência contra a criança e
o adolescente. Outro ponto abordado é a responsabilização crimi-
nal do agressor. Busca-se neste tema evidenciar os procedimentos
para se responsabilizar o agressor pelo cometimento do crime. Por
último, tem-se uma abordagem geral sobre os tipos de crimes de
violência sexual, visando uma compreensão geral desse tipo de
violência praticada contra a criança e o adolescente.
O texto de autoria de Eleonora Schettini M. Cunha, “Planejando
a ação em rede”, apresenta conceitos e elementos do processo de
planejamento especificamente relacionados à elaboração de planos,
uma vez que serviu como subsídio para que os atores sociais e
políticos que integraram as oficinas pudessem elaborar os Planos
Operativos Locais para o enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes em seu âmbito. Também aborda mais deta-
lhadamente os aspectos relacionados ao monitoramento, avaliação e

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 27 12/11/2008 10:29:27


28 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL

construção de indicadores, dimensões consideradas essenciais para


a averiguação dos resultados pretendidos com a intervenção social.
Considerando a importância de se pensarem ações estratégias para
o enfrentamento desta realidade e a necessidade de se avaliar o
resultado das ações, o texto pode ser estímulo ao aprofundamento
deste conhecimento por todos aqueles que se vêem frente a essas
tarefas.
Encerrando o volume, o texto “Assessoria técnica e expansão
do PAIR/MG: uma relação dialógica”, de Edite da Penha Cunha,
Eduardo Moreira da Silva, Helena Hemiko Iwamoto e Sybelle
de Souza Castro Miranzi, apresenta a contribuição da Assessoria
Técnica para a continuidade do processo de formação e apoio à
implementação dos Planos Operativos Locais de enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil.
E, finalmente, em “Últimas palavras”, destaca-se a importância
da tomada de consciência coletiva da gravidade e da complexidade do
fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, bem como da urgência
de uma ação de enfrentamento à questão integrada e em rede.
Esperamos que o leitor, ao visitar as páginas deste livro, se
sinta instigado à busca e ao aprofundamento na compreensão do
fenômeno e na elaboração de novas propostas de enfrentamento,
tarefas imprescindíveis e urgentes.

Nota
1
Ao mencionarmos “educadores”, nos referimos aos agentes os quais, ao atuarem
em sua realidade local, seja nos Conselhos Tutelares, nos Conselhos Municipais
dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos Postos de Saúde, nas escolas, nas
Unidades de Assistência Social, no Judiciário, no Ministério Público, no Legisla-
tivo, dentre outros órgãos governamentais, desenvolveram uma ação educativa
ao abordarem junto à comunidade local o tema do enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 28 12/11/2008 10:29:27


Parte I

FUNDAMENTOS

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 29 12/11/2008 10:29:27


W a l t e r Ude

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL


INFANTO -JUVENIL E CONSTRUÇÃO DE REDES SOCIAIS
Produção de indicadores e
possibilidades de intervenção

O fenômeno da violência sexual infanto-juvenil representa uma


realidade complexa constituída por aspectos histórico-culturais,
sociais e econômicos que necessitam ser descritos e compreendidos
em sua trama, no intuito de se tentar construir intervenções mais
pertinentes e efetivas frente a um quadro que permanece durante
séculos na nossa história ocidental moderna. A desnaturalização
desse grave problema de saúde pública significa uma bandeira a
ser assumida por todos os trabalhadores sociais que estão envol-
vidos na luta contra este tipo de sofrimento provocado por relações
de dominação e humilhação de infantes e jovens vulneráveis às
condições biopsicossociais que se encontram. Nesse sentido, pre-
cisamos indagar: por que a criança, ainda hoje, não é reconhecida
como um ser que vive um ciclo de vida distinto das necessidades e
capacidades de um adulto? Por que as meninas estão mais expostas
a este tipo de violência? Por que as meninas negras e mestiças das
classes de baixa renda estão mais expostas à exploração sexual
infanto-juvenil? Como se entremeiam as relações de classe, etnia e
gênero neste contexto?

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 30 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 31

Essas indagações nos indicam que a construção social desta


problemática necessita ser questionada e (re)significada por meio
da desconstrução de visões deterministas e simplificadas que
procuram naturalizar a violência como algo dado pela natureza
humana, já que desprezam níveis materiais, econômicos e simbó-
licos presentes no fenômeno (Bourdieu, 2003). A situação chega a
ser tão reducionista que uma menina ou uma jovem explorada por
esse tipo de violência se vê julgada e culpabilizada pela exploração
sexual da qual foi vitimizada. As próprias famílias, muitas vezes,
reproduzem narrativas que atribuem ao feminino o lugar do “pecado
original”. Nesse enredo, a maçã representa aquela fruta proibida
extremamente sedutora. Todavia, as metáforas bíblicas ultrapassam
esse olhar naturalizante. Na verdade, o perigo está na possibilidade
do ser humano se alimentar da árvore do conhecimento. Por isso,
estamos comprometidos, aqui, no entendimento desta questão que
nos deixa indignados.
No que se refere à masculinidade, o homem frente às prescrições
androcêntricas, as quais estabelecem o uso do poder e da dominação
masculina, age em nome da defesa da sua honra viril, abrindo
uma ferida sexual que acomete a si e a quem violenta (Keen, 1999).
Aliás, tanto o abusador quanto o agressor sexual utilizam retóricas
machistas para tentar justificar seus atos. Como se nota, estão
emaranhados em visões mecânicas e lineares que necessitam ser
desconstruídas com urgência, mediante relações de gênero que se
tornaram excessivamente hostis, aviltantes e desumanas.
Para isso, este texto propõe, num primeiro momento, levantar
algumas questões relativas ao fenômeno da violência sexual infanto-
juvenil e, num segundo momento, apresentar a metodologia do
trabalho em redes sociais como possibilidade de mapeamento da
qualidade dos vínculos institucionais das organizações e demais
grupos reconhecidos que estão envolvidos com a luta contra este

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 31 12/11/2008 10:29:27


32 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

grave problema social, com vistas a construir articulações que forta-


leçam as iniciativas comunitárias. Obviamente que este pequeno
capítulo não pretende esgotar a complexidade do problema, porém
cabe-nos suscitar alguns indicadores e propostas de intervenção.
Sendo assim, passo à discussão da exploração sexual infanto-juvenil,
nas suas dimensões intra e extrafamiliares, considerando o contexto
histórico-cultural e econômico envolvido na questão.

Violência sexual infanto-juvenil: alguns aspectos


histórico-culturais e psicossociais do problema

A violência sexual infanto-juvenil se constitui de variadas formas,


perpassando por questões que envolvem desde o abuso sexual intra
e extrafamiliar, o fenômeno da pedofilia, a mídia pornográfica, indo
até a exploração sexual. Junto a isso, a Era da Internet ampliou a
complexidade do mundo atual (Castells, 2003) ao intensificar as
relações por meio de comunidades virtuais que realizam negócios
eletrônicos clandestinos que, por sua vez, também alimentam uma
rede de pedófilos e de exploradores do turismo sexual infantil. Diante
dessas redes perversas – aquelas que não apresentam compromisso
com a vida –, necessitamos organizar redes solidárias em defesa da
vida (Ude, 2002). Contudo, tendo o Programa de Ações Integradas
e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil
(PAIR), que possui como objetivo integrar políticas para a construção
de uma agenda comum de trabalho, entre Governos e Sociedade
Civil, como referência para o debate aqui proposto, enfatizaremos
a temática da exploração sexual infantil dando destaque à proposta
do programa no que tange à mobilização, articulação e organização
de redes de intervenção, nessa realidade.
Sendo assim, torna-se inevitável discutir as relações de gênero
construídas na nossa história cultural, no intuito de romper com

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 32 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 33

visões essencialistas que reduzem essa temática ao âmbito biológico,


como se fosse possível localizar um gen masculino agressivo ador-
mecido, por exemplo, que, a qualquer momento, pode ser ativado e
produzir ações violentas. Tentativas de definir papéis sexuais fixos
para homens, mulheres e outras orientações da sexualidade humana,
tanto no mundo acadêmico como no senso comum, produziram
rivalidades e dicotomias entre as distintas identidades de gênero.
Nesse contexto, a dominação masculina gerou um olhar hegemô-
nico sobre as demais diferenças sexuais, ao instituir que homem é
somente aquele indivíduo branco, rico e heterossexual (Oliveira,
2004). Aqueles que estão fora dessa definição prescrita se vêem no
convívio social com uma identidade fragilizada e marginalizada.
Nesse sentido, compartilho da concepção apresentada por Jaeger:

Gênero é um termo ou uma categoria, que se refere às relações sociais


entre os sexos, que rejeita as explicações biológicas sobre as desi-
gualdades de poder entre homens e mulheres. (...) Diferentemente
de sexo, que está relacionado a diferenças físicas, gênero refere-se
às diferenças socialmente construídas. (2004: 307)

Vários estudos apontam que a violência nas relações de gênero


incide muito mais sobre as mulheres do que em relação aos homens,
embora homens também possam sofrer violência nas suas interações
de gênero (Strey, 2004; Jaeger, 2004; Machado, 2004). Nessa cons-
trução social, na qual a mulher é colocada no lugar da passividade
e da submissão e o homem, como dominante e possuidor da vida e
da morte das pessoas – conforme os ditames patriarcais coloniais –,
a menina, em situação de vulnerabilidade pessoal e social, se depara
com cenas em que são possuídas como objeto dessa violência física
e simbólica. Nesse contexto, o homem, ao acreditar que é o único
detentor da lei, tanto na visão do senso comum como na perspec-
tiva de algumas correntes teóricas, não percebe que também está

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 33 12/11/2008 10:29:27


34 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

submetido a essa mesma lei que produz sofrimento mútuo; apesar


de vangloriar-se dos seus feitos heróicos (Wacquant, 1998).
Frente a esse quadro social, o enfrentamento da violência sexual
infanto-juvenil representa uma luta contra essas concepções avil-
tantes em relação ao ser mulher e ao ser homem, dentre outras
orientações sexuais, as quais têm configurado no sacrifício da vida
de milhares de pequenos seres diante de um capital viril (Carreteiro;
Ude, 2007). Todavia, esse compromisso não deve ser visto como um
combate que desencadeará uma verdadeira guerra contra agressores
e abusadores. Não podemos confundir luta com guerra. A guerra
é viril. Nesse sentido, a responsabilização jurídica e penal de cada
caso deve ser acionada com veemência, porém acompanhada de um
amplo debate com a sociedade sobre a produção desses cenários
de violência. No atendimento individual e familiar, as questões de
gênero também necessitam ser refletidas com vistas a desconstruir
premissas falocêntricas que geram posições de dominação e subal-
ternidade entre o masculino e o feminino.
Em termos das relações familiares, a história dos sujeitos deve
ser pesquisada com o grupo familiar e seus membros para se
tentar identificar elementos históricos dessa trama cultural e social.
Sabemos que existe uma pedagogia da violência praticada nas
famílias com o fim de controlar crianças. Os pais se sentem mais
autorizados a cometer atos violentos do que as mães devido ao
imaginário construído a partir dessa divisão de papéis de gênero.
Nesse sentido, várias pesquisas demonstram que o abuso e a
violência sexual são reedições de fatos acontecidos em gerações
anteriores, tornando-se um fenômeno transgeracional no contexto
sociofamiliar (Jaeger, 2004; Narvaz; Koller, 2004). De abusados
passam a abusadores e de agredidos a agressores. Um círculo
vicioso que precisa ser interrompido por meio de intervenções que,
na maioria dos casos, são carregadas de emoção e sofrimento, mas

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 34 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 35

que podem culminar na conquista de um novo sentido construtivo


para a vida dos sujeitos. Segundo Strey, as conseqüências dessas
violações, no âmbito familiar, podem gerar histórias terríveis na
trajetória das pessoas:

Muitas das conseqüências negativas do abuso na infância estão


presentes nas mulheres vítimas de violência, o que pode nos levar a
pensar num círculo vicioso que integra violência sofrida na infância
com violência sofrida na vida adulta. No caso dos homens, os trans-
formaria de vítimas em algozes, pois têm a experiência prática de
que ninguém iria intervir para proteger sua vítima e tomar alguma
medida contra ele. (2004: 21)

Realmente, a prática e a produção bibliográfica sobre o assunto


têm nos mostrado que os homens abusadores e agressores apresentam
grande dificuldade em aceitar a interdição da lei ou a intervenção
de profissionais da área psicossocial. Como já fora ressaltado, se
colocam no lugar da lei. Nessas circunstâncias, não aceitam a lei
vinda de outra instância social, seja das instituições públicas ou da
própria comunidade a que pertencem. Em busca da sustentação da
impunidade, ameaçam de morte a menina ou a jovem abusada e
violentada, como também familiares, vizinhos, conselheiros tutelares
e até policiais. Querem se mostrar intocáveis na sua honra viril por
meio da valentia e da força que ostentam.
Diante disso, os trabalhadores sociais e demais cidadãos e
cidadãs devem recorrer ao recurso da Denúncia Anônima. Nesses
casos, a articulação de todos os setores sociais envolvidos torna-se
imprescindível para deter a fúria de um guerreiro que abusa da sua
hostilidade. O trabalho de um terapeuta familiar jamais será bem-
sucedido sem a participação do delegado, e este não conseguirá
interromper a reincidência do fato sem a contribuição dos demais
profissionais que pertencem à área jurídica, educacional, assistência

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 35 12/11/2008 10:29:27


36 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

social e saúde. Esse é o novo paradigma proposto neste trabalho a


ser construído em redes de cooperação.
É importante salientar ainda que, nos casos do abuso sexual
intrafamiliar, as fronteiras entre os subsistemas – parental, conjugal,
fraternal e filial – estão mal definidas. Ou seja, a definição das
responsabilidades, atribuições e tarefas de cada membro não estão
bem delimitadas e configuradas. A figura da mãe se confunde com
a filha abusada. O “pai”1 ou “padrasto” não se reconhece no lugar
de uma paternidade protetora. Por sua vez, não reconhecem a filha
como filha. A menina se torna amante; e a esposa, a responsável
pelos afazeres domésticos. Nesse contexto, a idéia patriarcal do
homem visto como único provedor e chefe da família, dentre outros
elementos identitários, faz com que o grupo fique subjugado ao
drama da violência intrafamiliar. Na maioria dos casos, todos os
membros familiares sabem do abuso sofrido pela menina ou pela
jovem. Aliás, muitos deles já passaram por este constrangimento
durante as suas infâncias. O mito da sagrada família dificulta a
denúncia, já que se torna um lugar intocável mesmo que violento.
A experiência terapêutica de Machado quanto à indiscriminação de
fronteiras nessas famílias é a seguinte:

Muitas vezes, sinto-me perdida, não conseguindo entender quem


é casado com quem, quem é pai ou mãe de quem, mergulhada na
indiscriminação trazida por essa família. Passei a entender o abuso
sexual dessas crianças como mais um sintoma presente na dinâmica
familiar. (...) As crianças parecem estar reproduzindo essa indiscri-
minação de papéis, não identificando limites claros que não devam
ser ultrapassados. (2002: 88)

Na verdade, a violência sexual infanto-juvenil representa também


a consecução de um ato incestuoso, no qual adultos não são capazes
de reconhecer suas funções sociais de proteção integral às crianças

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 36 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 37

e jovens da nossa sociedade, tal como está evidenciado no artigo


227 da nossa Constituição. Nesse sentido, o papel do terapeuta e
dos trabalhadores sociais é procurar ajudar as famílias a definirem
quem é quem no espaço familiar de convivência. Devemos fazer
perguntas que remetem para a constituição da identidade: quem é
pai aqui? Quem é mãe? Quem é filho? Quem é filha? Quem é adulto?
Quem é criança? Quem é jovem? Ou seja, essas indagações podem
contribuir para a delimitação de fronteiras materiais e simbólicas
que configuram o contexto sociofamiliar.
Por outro lado, este tipo de violência se constitui por uma relação
de dominação que se realiza por meio da força física, do poder eco-
nômico ou do status social. Nesse aspecto, a condição de uma criança
ou jovem em situação de extremo risco social e pessoal se torna
mais vulnerável ao abuso e à exploração sexual. Muitas meninas e
meninos se refugiam nas ruas para tentarem escapar dos constantes
assédios e constrangimentos vividos no âmbito doméstico (Narvaz;
Koller, 2004). Não se trata de um problema que se reduz à dimensão
material e econômica. Nesse enredo, observa-se que outras questões
relativas às interações de gênero perpassam a dinâmica familiar
dessa realidade. Todavia, o fenômeno do abuso sexual ocorre em
todas as classes sociais.
Outro ponto importante a ser destacado, neste debate, se re-
fere aos possíveis sintomas que as crianças e jovens submetidos
a este tipo de violência podem apresentar nas suas distintas
relações sociais. Nesse aspecto, torna-se fundamental que os(as)
educadores(as) fiquem atentos a determinados sinais verificados
no contexto escolar e social mais amplo. Entretanto, pesquisas e
experiências têm demonstrado que a maioria das instituições esco-
lares desenvolve seus trabalhos educativos de maneira isolada em
relação à comunidade onde atua e aos serviços sociais existentes.
Um diagnóstico realizado pela Expansão do PAIR,2 numa cidade

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 37 12/11/2008 10:29:27


38 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

do Triângulo Mineiro e em duas cidades dos Vales do Jequiti-


nhonha e do Mucuri, demonstra que as escolas são as instâncias
institucionais que menos participam da rede de enfrentamento a
este tipo de problema. Sabemos que um trabalho em redes sociais
constitui uma possibilidade fundamental para o fortalecimento
dos vínculos interpessoais e institucionais para a construção de
uma vida mais solidária, ecossistêmica e humana, já que isolados
somos frágeis (Ude, 2002).
Sendo assim, a escola representa um espaço importantíssimo
na identificação e encaminhamento dos casos que evidenciam vio-
lência sexual infanto-juvenil. A instituição escolar compõe a vida
social dos estudantes de uma maneira preciosa, tendo em vista que
ali estabelecem contatos com o conhecimento sistematizado e com
uma rede de vínculos pessoais e grupais que podem reconfigurar
suas maneiras de compreender o mundo. Essa é a escola que, ao
meu ver, devemos sonhar e lutar para que se consolide. Trata-se
de um lugar onde se efetua a socialização secundária da criança,
além do âmbito familiar, possibilitando expressar dimensões da
subjetividade nas atividades realizadas. Qual a professora que nunca
se surpreendeu com o conteúdo de uma redação ou de um desenho de um(a)
estudante? Numa experiência vivida pelo Programa Sentinela3 da
Prefeitura de Belo Horizonte, no período de 2002/2004, uma menina
de 4 anos que sofria abuso sexual intrafamiliar desenhou um pênis
numa folha de papel em branco, quando a educadora solicitou um
desenho livre na sala de aula de uma creche.
Esse tipo de situação e outros cenários que são observados no
contexto escolar demonstram que alguns indícios de violência
sexual podem ser identificados na prática cotidiana dos(as)
educadores(as). Nesse sentido, algumas crianças e jovens podem
apresentar comportamentos extremamente erotizados, como
curiosidade sexual acentuada e manipulação da própria genitália

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 38 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 39

ou de colegas. Além disso, algumas se colocam de maneira mais


isolada diante das demais, com postura depressiva ou agressiva,
indicando guardar algum segredo doloroso. Nesses casos, podem
estar sofrendo violências intra ou extrafamiliares. Frente a esses
e outros sintomas, o(a) professor(a) necessita buscar maneiras
éticas e profissionais para aproximar desse sujeito em situação de
sofrimento e providenciar intervenções sociofamiliares.
Para isso, a escola deve estar conectada e articulada a uma rede
intersetorial e interorganizacional mais ampla constituída por Con-
selho Tutelar, Delegacia de Polícia, Promotoria, Juizado da Infância
e da Juventude, Posto de Saúde, Núcleo de Atendimento Socio-
familiar, Programa Sentinela, PAIR, dentre outros. Entretanto, nem
sempre a denúncia pode ser feita diretamente, tendo em vista que
muitos abusadores e agressores, na crença de que a lei não pode ser
capaz de interditá-los, ameaçam a vida dos seus delatores. Nessas
situações, recorre-se aos serviços de Denúncia Anônima, como já
foi mencionado.
Junto a esses sintomas que podem ser manifestados no âmbito
escolar, pode-se identificar outros sinais relativos à dinâmica familiar
em que ocorre violência. Um indicador comum é o isolamento do
grupo familiar em relação à sua vizinhança. Isso ocorre porque o
segredo daquela família é um crime e, por isso, traz sofrimento para
os seus membros. Num caso atendido pelo Programa Sentinela de
Belo Horizonte, observou-se que o “padrasto” de uma jovem sempre
espreitava com quem ela estava conversando na escola, seja no pátio
ou na saída das aulas. Esse temor se devia ao medo da denúncia
do abuso sexual que ela sofria do referido abusador. Sendo assim,
ele sempre ia buscá-la de motocicleta após as aulas. Diante desse
sinalizador, as professoras desconfiaram daquele vínculo obsessivo
e aditivo, dentre outros sintomas, e encaminharam o caso com a
devida cautela, conforme já mencionado anteriormente.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 39 12/11/2008 10:29:27


40 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

É curioso verificar que esse segredo familiar se estende para


outras redes, como instituições e vizinhança. A falta de conheci-
mento sobre o fenômeno e a desinformação quanto aos meios de
encaminhamento e denúncia frente a essas situações impede que
as pessoas enfrentem esse tipo de violência. Junto a isso, temem
ser ameaçadas pelos exploradores ou abusadores. Entretanto, a
divulgação dos programas de proteção e a devida orientação podem
romper com esse silêncio que causa certa agonia a todos. A culpa
que assola quem se torna cúmplice de fatos violentos passa a gerar
sofrimento nos demais relacionamentos dos indivíduos. A relação
de amor e ódio que marca a interação entre a criança vitimizada e o
abusador passa também a contaminar as pessoas que estão próximas
ao problema. Por isso, o enfrentamento representa a melhor saída
para superar a questão.
A equipe de trabalho deve conversar sobre os sentimentos
provocados por essas circunstâncias para ter consciência de como
proceder de uma maneira mais coerente e protegida. A identifi-
cação dos profissionais com os membros familiares e indivíduos
envolvidos com violência sexual infanto-juvenil é inevitável. Aliás,
esse espelhamento no outro que comparece diante de si pode ser
a grande ferramenta para trabalhar o fenômeno com maior perti-
nência e adequação. Alguns profissionais tomam as dores da filha,
outros da mãe e outros do agressor. Esse tipo de configuração pode
fragmentar a equipe de trabalhadores sociais se o assunto não for
bem discutido e elaborado. Quanto a isso, Furniss nos alerta:

Diferentes profissionais se identificam com diferentes membros da


família e diferentes aspectos do processo familiar. Em casos com-
plexos de grave abuso sexual da criança não existe maneira de não
ocorrerem diferentes identificações, pois cada profissional é apre-
sentado a diferentes aspectos da família e dos seus membros. Existe
apenas a maneira de negar a identificação, com o perigo de atuar

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 40 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 41

por procuração. O pulo qualitativo que precisamos dar é confessar


explicitamente nossas inevitáveis identificações. (2002: 83)

Frente a isso, os profissionais necessitam observar os vínculos


estabelecidos entre as dimensões intra e interpessoais dos membros
da equipe e do grupo familiar atendido. Como se nota, a realidade
da violência sexual infanto-juvenil representa um fenômeno com-
plexo que necessita ser discutido nos seus aspectos culturais, sociais,
históricos e institucionais, no intuito de abranger sua complexidade.
A criação de grupos de estudos, reuniões de equipe, seminários,
fóruns e debates sobre o assunto podem contribuir para uma
maior compreensão e intervenção diante deste grave problema.
Sendo assim, no próximo item, guardados os devidos limites que
este texto permite, passaremos a discutir a importância de se tecer
redes cooperativas de enfrentamento a essas formas de violência
no âmbito comunitário e municipal.

Construção de redes sociais: por uma tessitura


de ações solidárias em defesa da vida

A proposta de trabalhos em redes sociais tem representado


um novo paradigma que se contrapõe às tradicionais políticas
públicas marcadas por ações fragmentadas que, historicamente,
apenas contribuíram para intervenções localizadas, segmentadas,
centralizadas e simplificadas frente a fenômenos complexos e
contextuais. A obsessão de isolar fragmentos da realidade num
laboratório pretensamente asséptico das influências externas e
internas do sistema observado, no afã de controlá-los e dominá-los
para prescrever medidas preditivas e lineares, tornou-se o modelo
predominante da ciência clássica. Nesse contexto, a certeza pro-
duzida por uma visão que acredita num mundo que funciona de

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 41 12/11/2008 10:29:27


42 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

forma homogênea e mecânica por meio de um equilíbrio estático


gerou análises deterministas, considerando-se que não enfrenta a
diversidade, a incerteza, a instabilidade, os conflitos, as crises, e,
enfim, a dinâmica da vida.
Entretanto, a realidade é relativamente estável, caracterizada
por um processo constante de conservação e transformação que
procura estabelecer uma identidade do sistema diante de momentos
de instabilidade (Maturana, 1998). Nesse sentido, o grande desafio
de qualquer ser vivo é permanecer existindo perante situações
inesperadas (Rey, 1997; Capra, 1999). Não existe vida sem con-
flitos. Contudo, quando as crises não geram novas organizações
identitárias e maneiras mais criativas de permanecer no mundo,
o adoecimento se instala. Esse é o caso das famílias onde ocorre o
abuso sexual intrafamiliar, das crianças e jovens vitimizadas pela
violência sexual, dos abusadores, dos agressores e demais membros
que se fixam nesse tipo de sofrimento.
Sabemos que são histórias que se repetem e que perpassam por
gerações familiares e sociais, as quais não conseguem superar uma
circularidade que se tornou mórbida. Diante da dificuldade de
construir espaços de diálogo para se tentar compreender as relações
interpessoais produtoras de violência, não são capazes de construir
novas formas de relacionamento grupal e social mais amplo. Porém,
tudo aquilo que procura se fixar se aproxima da morte. De acordo
com Silva (2000), a necessidade de fixação é uma necessidade e uma
impossibilidade. Em suma, o sujeito necessita continuar sendo si
mesmo de uma maneira inovada frente ao inusitado. Essas pre-
missas nos ajudam a entender o paradigma das redes sociais, pelo
caráter dialético, sistêmico e complexo que o constitui (Rey, 2003;
Morin, 1996; Sluzki, 1997).
Outro aspecto importante a ser ressaltado, no que se refere a
essa perspectiva teórico-metodológica, é a percepção de que tudo

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 42 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 43

interage com tudo de uma maneira simultânea e complexa. O todo


está na parte, a parte está no todo e as partes interagem entre si;
ora se complementando e ora entrando em conflitos. Dentro dessa
compreensão da realidade, torna-se impossível discutir o fenômeno
da violência sexual infanto-juvenil sem considerar os diversos níveis
que participam da teia que produz este tipo de problema. Por isso,
no item anterior procuramos apontar as interseções existentes entre
elementos macro e microssociais que engendram relações de gênero
tão desiguais que, na maioria dos casos, culminam na exploração
sexual de crianças e jovens do sexo feminino. Aqui, evidencia-se a
relevância dos aspectos histórico-culturais presentes nessa trama.
Baseando-se em alguns desses princípios teóricos, determi-
nados autores têm desenvolvido metodologias de grande valor
comunitário na construção de políticas e ações coletivas mais inte-
gradas e cooperativas. Na verdade, a defesa da metáfora de redes
sociais se preocupa com a qualidade dos vínculos estabelecidos
e as possibilidades de bem-estar do sujeito e da sua comunidade
(Najmanovich, 1995). Nesse sentido, representa uma proposta que
tem um compromisso ético com a proteção da vida das pessoas
e do ecossistema.
Foi inspirado nesses pressupostos teórico-conceituais que o
psiquiatra argentino Carlos Sluzki (1997) criou o Mapa Mínimo
da Rede Pessoal Social para tentar avaliar a saúde de indivíduos
portadores do HIV/AIDS e a densidade dos seus vínculos no
âmbito da família, das relações comunitárias, das amizades, do
trabalho, da escola, dos agentes de saúde e do serviço social. No
decorrer da sua pesquisa ficou evidenciado que aqueles indi-
víduos que se viam isolados, sem acolhimento familiar e vida
comunitária, ficavam mais vulneráveis ao adoecimento psíquico
e orgânico, devido ao sofrimento crônico produzido por esta si-
tuação. Diante disso, suas sobrevidas se tornavam mais ameaçadas
e precocemente interrompidas. Por outro lado, aqueles sujeitos

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 43 12/11/2008 10:29:27


44 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

que encontravam apoio familiar, freqüentavam espaços de lazer,


estabeleciam boas relações de amizade e mantinham vínculos no
trabalho, se mostravam mais saudáveis e felizes, apresentando um
período de sobrevida maior.
Nesse aspecto, os estudos de Sluzki se transformaram numa
referência para vários estudiosos e trabalhadores sociais que
atuam no campo de políticas públicas e de terapias comunitárias
e familiares. No campo da terapia familiar, encontramos trabalhos
que atuam nessa perspectiva, sendo que o trabalho de Both (1976)
foi um dos precursores nessa temática. Em termos de trabalhos
comunitários, a pesquisadora Elina Dabas (1995) evidenciou-se
como importante divulgadora desta proposta fundamentada na
construção de redes sociais, em defesa de uma vida mais solidária.
No Brasil, temos pesquisadores, terapeutas e educadores sociais
que têm desenvolvido trabalhos comunitários e socioeducativos
baseados nessa concepção sistêmica e complexa (Sudbrack, 2006;
Vasconcelos, 2002; 2005; Ude, 2002).
Retomando Sluzki (1997), a sua proposição de mapeamento das
redes sociais tornou-se instrumento precioso para se tentar verificar
como estão constituídos os vínculos do sujeito e sua qualidade de
vida. Nesse sentido, passou a constituir um diagnóstico que produz
uma visibilidade gráfica que mostra os níveis de relacionamento
construídos nos diferentes campos interacionais (família, relações
comunitárias, amizades, trabalho, escola, agências de saúde e
serviço social). Na configuração produzida pelo mapa é possível
identificar fatores de proteção e fatores de risco apontados pelo
desenho construído. Frente a isso, abre-se um diálogo com o sujeito,
seus familiares e sua rede mais ampla, no intuito de verificar os
pontos mais frágeis identificados no mapa e, em seguida, construir
alternativas que possam resgatar e fortalecer vínculos significativos
para o grupo envolvido, no sentido de gerar dispositivos de proteção
perante os quadros de vulnerabilidade constatados.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 44 12/11/2008 10:29:27


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 45

No caso da exploração sexual infanto-juvenil, a exposição de


uma criança ou jovem a condições de miserabilidade, associada a
uma organização familiar precarizada pela falta de trabalho para as
figuras parentais, situações de violência intrafamiliar e ausência de
oportunidades de lazer, podem gerar vulnerabilidade a esta forma
de trabalho infantil, dentre outras, principalmente quando se trata
de meninas. Por isso, os programas e instituições sociais não podem
trabalhar isoladamente. O mapeamento da vida pessoal social do
sujeito irá indicar lacunas que necessitam ser trabalhadas por meio
da articulação e construção de políticas públicas, seja no Município,
no Estado ou na Federação.
Ao pensar nestas questões, resolvemos apresentar a idéia básica
do mapa desenvolvido por Sluzki, por meio do seu traçado metodoló-
gico e avaliação de indicadores. Além disso, pretendemos introduzir
a proposta de construção de um Mapa Mínimo da Rede Institucional
Interna, tendo como referência o modelo sluzkiano, aqui referido.
Trata-se de um esforço que tem a intenção de instrumentalizar
pesquisadores e trabalhadores sociais que atuam no campo das
políticas voltadas para questões de interesse coletivo, sem perder
de vista as dimensões da individualidade dos sujeitos constitutivos
da teia comunitária que estão enredados, como se segue abaixo.

Mapeamento das redes pessoais e institucionais:


identificação de vínculos e lacunas
para o trabalho de intervenção

Quando se fala de redes que se traçam numa comunidade, seja


na vida de um sujeito ou de uma instituição (inclusive a familiar),
evidencia-se que estas relações acontecem em territórios relativa-
mente delimitados. A demarcação desses espaços se dá por meio
de fronteiras simbólicas e materiais que possibilitam a constituição

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 45 12/11/2008 10:29:28


46 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

da identidade das pessoas e da sua coletividade. Quando mencio-


namos que alguém é morador do Vale do Jequitinhonha, estamos
caracterizando um sujeito que pertence a uma região do estado
de Minas Gerais, a qual se distingue, por exemplo, do Triângulo
Mineiro, por suas características geográficas, econômicas, culturais
e sociais. Todavia, apesar das diferenças regionais, denotam pro-
blemas comuns, guardadas as devidas proporções, como é o caso do
enfrentamento da exploração sexual infanto-juvenil, nessas regiões,
já que se situam na margem de uma malha rodoviária com tráfego
interestadual intenso.
Diante desse quadro, faz-se necessário mapear os vínculos
daquelas meninas e jovens que estão submetidos a esta forma de
violência sexual, tanto no âmbito das suas redes pessoais sociais
quanto na dimensão das instituições que poderiam e deveriam
protegê-las de situações comprometedoras para a sua integridade
física, psíquica e moral. Para isso, a sugestão do desenho dos mapas
representa um elemento gerador de intervenções que podem
apontar caminhos para um trabalho em redes mais fortalecidas,
solidárias e cooperativas frente a essas situações degradantes.
O Mapa Mínimo da Rede Pessoal Social, proposto por Sluzki, se
constitui de um desenho representado por um círculo que é dividido
por quatro quadrantes principais: família, amizades, escola/trabalho
e relações comunitárias (religião, esporte, cinema, teatro, clubes,
bares, restaurantes, praças etc.). Além destes, acresce-se um pequeno
quadrante marcado por uma linha pontilhada que representa os
vínculos com sistemas de saúde e serviços sociais. Esses quadrantes
são permeados por dois círculos internos que indicarão as relações
mais próximas, as intermediárias e as mais distantes, estabelecidas
pelo sujeito. Essa configuração possibilitará identificar níveis de
relação que variam da maior confiabilidade e intimidade, entre
amigos; relações com menor grau de comprometimento, constituídas

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 46 12/11/2008 10:29:28


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 47

de colegas; e pessoas conhecidas, que se situam mais distanciadas ou


que surgem de maneira ocasional.
É interessante observar que, quando o sujeito apresenta uma
rede reduzida, ou seja, com poucos vínculos de amizade, escassez
ou falta de acesso a experiências de lazer, desempregado, sem
acesso à escola ou com dificuldades escolares e, ainda, precários
vínculos familiares, sua vulnerabilidade pessoal e social se torna
evidenciada no mapa. Nesses casos, fica notório que, diante de um
sentimento de pertença tão fragilizado, o sujeito procura buscar
recursos nos sistemas de saúde e serviços sociais. Em síntese, os
programas sociais atuam quando as redes sociais estão esgarçadas
ou praticamente inexistentes. Aqui mora o perigo das políticas
compensatórias.
Nesse sentido, os profissionais do serviço social necessitam ficar
atentos para não lidar apenas com sintomas, mas, pelo contrário,
procurar avaliar como os vínculos foram se esgarçando na trajetória
pessoal e social dos indivíduos. Esse diagnóstico permitirá construir
alternativas que podem possibilitar o resgate de algumas relações
nas redes primárias e secundárias dos sujeitos, por meio de um
trabalho em redes. Por outro lado, sabemos também que, quando
as políticas públicas estão ausentes ou mostram-se ineficazes, os
indivíduos são emaranhados por redes perversas, seja no narco-
tráfico ou na exploração sexual.
Outra atividade a ser desenvolvida junto ao desenho produzido
com o sujeito será o estabelecimento de um diálogo que deverá
envolver os segmentos implicados na sua tessitura. Um roteiro de
entrevista deve ser construído para que se problematizem questões
relativas aos vínculos estabelecidos na família, escola, amizades,
trabalho e relações comunitárias. Esses questionamentos poderão
apontar fatores de risco e de proteção a serem trabalhados. Sendo
assim, a seguir apresentamos o mapa produzido por Sluzki, no

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 47 12/11/2008 10:29:28


48 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

intuito de provocar os trabalhadores sociais a recorrerem a este


tipo de instrumento, a fim de oferecer uma visibilidade gráfica da
qualidade e da quantidade de vínculos que caracterizam a rede dos
sujeitos atendidos.

Mapa mínimo da rede pessoal social


Elaborado por Carlos Sluzki (1997) e desenhado por Gustavo Souza Marques

Além do Mapa Mínimo da Rede Pessoal Social, sugerimos a


construção do Mapa Mínimo da Rede Social Institucional. Essa
idéia foi inspirada a partir do mapa sluzkiano, tendo em vista sua
perspectiva sistêmica, a qual nos mostra que um sujeito isolado se
torna frágil e, por sua vez, uma instituição dissociada e fragmentada
em relação às demais se torna vulnerável. Esse mapa institucional
pode avaliar tanto a rede interna da instituição, ou seja, as relações
existentes entre os seus diversos setores, departamentos e secretarias,

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 48 12/11/2008 10:29:28


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 49

como a rede externa, aquela referente aos vínculos estabelecidos


entre a instituição avaliada e as que se situam em torno do território
onde atua.
Para avaliar o Mapa da Rede Institucional Interna, faz-se neces-
sário criar quadrantes que representem os diversos setores que
compõem a instituição, de acordo com a especificidade de cada
situação. Em seguida, adotar-se-á linhas que indicarão a qualidade
dos vínculos existentes entre cada setor, departamento ou secre-
taria. Ou seja, procura-se visualizar os vínculos significativos, os
fragilizados e os rompidos ou inexistentes. A representação gráfica
para o desenho desses níveis pode ser realizada por meio de linhas
com cores diferenciadas ou por uma única cor, conforme indicado
a seguir:
• Vínculos significativos - são relações de confiança e amizade,
caracterizadas por vínculos de solidariedade, reciprocidade e
intimidade. No caso das relações institucionais, tanto internas
como externas, representam parcerias extremamente coopera-
tivas. No que se refere à rede pessoal social, são aquelas pessoas
a quem podemos confidenciar nossas angústias, dúvidas,
incertezas, sofrimentos e alegrias, convictos de que não seremos
traídos. Nesse contexto, encontraremos apoio e acolhimento. Por
sua vez, retribuiremos com dedicação e disponibilidade. “São
ombros em que podemos chorar e desabafar.” O traço utilizado
é uma linha contínua, a qual pode ser desenhada com uma cor
específica ou preta, como demonstrado a seguir:
Vínculos significativos : _______________ (linha contínua)
• Vínculos fragilizados - são vínculos que se encontram tênues
devido a diversos fatores, como distância afetiva, pouca
intimidade, afastamento geográfico ou alguma tensão que
ocorreu entre as pessoas, decorrente de atritos, desconfiança ou

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 49 12/11/2008 10:29:28


50 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

desentendimentos que não foram superados. A representação


gráfica se dá por meio do desenho de uma linha com cor distinta
e/ou entrecortada, conforme a seguir:
Vínculos fragilizados: __________/_____________
(linha entrecortada)
• Vínculos rompidos ou inexistentes - são relações que se romperam
devido a alguma decepção séria, traição, incompatibilidade ou
alguma situação de violência que gerou afastamento entre as
pessoas a ponto de quebrar seus vínculos sociais e institucionais.
Por outro lado, também representa indivíduos que pertencem
à rede pessoal e social do sujeito, porém, devido à falta de
oportunidades de contatos, ainda não estabelecem relações.
No caso da rede institucional, os critérios são semelhantes. Ou
seja, procura-se mapear grupos e instituições que pertencem
à comunidade e, em seguida, se avaliam aqueles vínculos que
foram rompidos e os inexistentes. Nesses casos, simboliza-se o
vínculo utilizando uma linha quebrada ou uma cor diferenciada,
como se vê a seguir:
Vínculos rompidos ou inexistentes: _____________⁄ ⁄___________
(linha quebrada)

A representação gráfica do mapa, tanto no nível pessoal quanto


no institucional, visa identificar a qualidade dos vínculos e sua
distribuição entre os quadrantes. Nesse aspecto, tenta-se avaliar se
a rede está reduzida, mediana ou ampliada. De acordo com Sluzki,
uma rede mediana e bem distribuída entre os quadrantes tende a
gerar fatores de proteção. Uma rede muito ampliada pode difi-
cultar a articulação de apoios mais consistentes no cotidiano da vida
dos sujeitos e das instituições. Entretanto, uma rede que apresenta
lacunas na sua constituição aponta aspectos preocupantes que neces-
sitam ser trabalhados. Nesse sentido, uma comunidade na qual se

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 50 12/11/2008 10:29:29


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 51

identifica falta ou ausência de projetos na área de lazer e de cursos


profissionalizantes demonstra vulnerabilidades que necessitam ser
debatidas com vistas a estabelecer reivindicações coletivas para se
procurar atenuar ou eliminar fatores de risco para a população como
um todo. Todavia, uma rede jamais será completa, considerando
que somos seres marcados pela incompletude (Morin, 1996). Sendo
assim, logo a seguir apresentaremos o Mapa da Rede Institucional
Interna e, em seguida, o Mapa da Rede Institucional Externa.

Mapa mínimo da rede instucional interna


Elaborado por Walter Ude e desenhado por Gustavo Souza Marques

Por sua vez, o Mapa da Rede Institucional Externa propõe


evidenciar como estão constituídos os vínculos entre a instituição
avaliada e os grupos organizados na comunidade, como também as

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 51 12/11/2008 10:29:30


52 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

distintas instituições governamentais e não-governamentais, com o


objetivo de procurar identificar recursos e lacunas existentes, com
vistas a integrar, fortalecer e otimizar a rede comunitária existente.
O trabalhador social que atua numa perspectiva de redes necessita
desenvolver a habilidade de articular as instâncias verificadas no
local onde trabalha. A experiência tem demonstrado que fóruns,
conselhos, seminários, assembléias, grupos de trabalho e núcleos
de estudo, dentre outros espaços, constituem instâncias fomen-
tadoras para trabalhos em redes sociais. A constante avaliação e
discussão sobre os problemas verificados no âmbito comunitário
e os encaminhamentos a serem adotados para enfrentá-los repre-
sentam metodologia essencial para a manutenção de um trabalho
comunitário baseado em parcerias.
Dessa forma, o primeiro movimento do desenho, no mapa, se
caracteriza pelo traçado da construção de indicadores quanto aos
vínculos da instituição avaliada em relação às demais, nos seguintes
campos: educação, saúde, área jurídica, segurança, religião, meio
ambiente, trabalho, lazer, cultura, assistência social, famílias, órgão
diretor etc. Nesse sentido, coloca-se o nome da instituição estudada
no centro do mapa e vai se verificando os vínculos próximos,
intermediários e distantes, nos distintos campos mencionados. Para
indicar as diversas instituições, programas e grupos identificados,
utiliza-se o nome abreviado conforme exemplo: CT – Conselho
Tutelar; IE – Igreja Evangélica; IC – Igreja Católica; PS – Posto de
Saúde; BF – Bolsa Família. A qualidade dos vínculos é sinalizada
pelas mesmas linhas sugeridas anteriormente para se referir aos
vínculos significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes.
O segundo movimento se evidencia pela tentativa de verificar
como estão os vínculos entre as instituições e grupos mapeados
nos distintos quadrantes. Nesse aspecto, observa-se como estão os
relacionamentos entre o Conselho Tutelar (CT), a escola, a delegacia,

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 52 12/11/2008 10:29:31


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 53

o posto de saúde, dentre outros. Simultaneamente, avaliam-se as


inter-relações estabelecidas entre estes órgãos e os demais indicados
no mapa. Nesse momento, constata-se que uma verdadeira teia
(Capra, 1997) vai se configurando. É preciso lembrar que os traços
devem ser qualificados, seguindo o parâmetro indicado acima, ou
seja, vínculos significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes.
Ao terminar essa parte, inicia-se a avaliação do desenho por meio
dos seguintes critérios mencionados a seguir.
• Tamanho: no caso do Mapa da Rede Pessoal Social, avalia-se o
número de pessoas na rede. No que se refere à rede institucional,
verifica-se a quantidade de vínculos institucionais e grupais
estabelecidos. Sendo assim, a rede pode ser classificada como
reduzida, mediana ou ampliada.
• Densidade: avalia a qualidade dos vínculos observados, tanto
no nível pessoal quanto institucional, no que tange às linhas do
traçado: significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes.
Obviamente que uma rede com boa densidade apresenta mais
vínculos significativos nos seus quadrantes.
• Distribuição/composição: refere-se ao número de pessoas ou
instituições situadas em cada quadrante. Aqui, denotam-se
lacunas e recursos existentes na rede.
• Dispersão: trata-se da distância geográfica entre membros e
instituições. Esse fator pode dificultar contatos e apoios mútuos
no cotidiano dos sujeitos.
• Homogênea ou heterogênea: avalia as características dos membros
e das instituições, no intuito de verificar a diversidade e as seme-
lhanças que compõem a rede. Uma rede homogênea torna-se
fechada e frágil por não permitir diálogos com as diferentes
organizações e individualidades que constituem a vida social
em comunidade.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 53 12/11/2008 10:29:31


54 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

Entre esses fatores, acrescem-se outros componentes impor-


tantes para se buscar o fortalecimento de um trabalho comunitário
pautado por parcerias solidárias. Nesse aspecto, torna-se funda-
mental conhecer as funções da rede, ou seja, suas potencialidades
e vantagens para a implicação de uma sociedade mais articulada
e comprometida com as coletividades. O compartilhamento de
recursos e saberes constitui noção básica para a consolidação desse
propósito. Diante disso, apresentamos algumas características de
suas atribuições:
• companhia social: parte do princípio que isolados somos frágeis,
tanto como pessoa como instituição. Nesse sentido, refere-se às
necessidades e possibilidades de atividades coletivas e compar-
tilhadas, as quais propiciam inúmeras alternativas e estratégias
para se enfrentar problemas diários;
• apoio emocional: trata-se da presença compreensiva frente às
adversidades da vida, por meio do acolhimento, da escuta, do
estímulo e da simpatia. Nesse contexto, um apoio amigo traz
segurança e bem-estar;
• guia cognitivo e de conselhos: representa a referência que cada um
pode representar para o outro, no que diz respeito a informações
e esclarecimentos sobre determinadas decisões que necessitam
ser adotadas frente a desafios cotidianos;
• regulação e controle social: o diálogo e a convivência permanentes
estabelecem princípios, critérios e valores que constituem normas
e responsabilidades que se tornam parâmetros para regular pos-
turas pessoais e grupais, principalmente daquelas que destoam
das expectativas que foram acordadas coletivamente. Contudo,
os consensos são sempre negociados durante a construção do
trabalho realizado;

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 54 12/11/2008 10:29:31


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 55

• ajuda material e de serviços: o compartilhamento de recursos


materiais (veículos, alimentos, salas, quadras etc.) e de conheci-
mentos constitui a materialização de uma proposta em redes.
• acesso a novos contatos: o envolvimento junto a redes coope-
rativas e solidárias possibilita a construção de novos vínculos
com pessoas e grupos, ampliando a rede social dos indivíduos
e das instituições.
Frente a isso, apresentamos, em seguida, o Mapa Mínimo da
Rede Institucional Externa para tentar ilustrar como os traçados
se configuram quando o mapa é construído. Obviamente que cada
realidade social e comunitária produz desenhos próprios, conforme a
peculiaridade de cada lugar. Todavia, essa diversidade não impede
a identificação de fatores de proteção e fatores de risco, diante de
recursos e lacunas identificadas na comunidade avaliada ou na
própria vida dos sujeitos. Dessa forma, destacamos, a seguir, o
desenho proposto e um exemplo do seu preenchimento.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 55 12/11/2008 10:29:31


56 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

Mapa mínimo das redes sociais institucionais


Elaborado por Walter Ude e desenhado por Gustavo Souza Marques

Mapa mínimo da rede institucional externa


Elaborado por Walter Ude e desenhado por Gustavo Souza Marques

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 56 12/11/2008 10:29:33


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 57

Considerações finais

Toda essa proposição não se realiza sem as perspectivas trans


e interdisciplinares, as quais constituem patamares fundamentais
para se construir trabalhos intersetoriais, interorganizacionais e
interinstitucionais. Junto a isso, os demais saberes presentes na
teia social comunitária devem ser considerados por meio de uma
metodologia que possibilita diálogos assentados na prática do
intersaberes, ou seja, estabelecidos entre os saberes: científico,
popular, prático, comunitário, religioso etc. Devemos lembrar que
o paradigma de redes sociais reconhece o inacabamento do conhe-
cimento. Por isso, defende relações mais horizontais e cooperativas
para tentar construir descrições, explicações e intervenções mais
pertinentes com a realidade com que se trabalha.
Podemos concluir que o enfrentamento da violência infanto-
juvenil envolve fatores complexos que perpassam por aspectos
histórico-culturais, econômicos e sociofamiliares. Essa constatação
nos convoca a realizar um trabalho em redes sociais, frente à comple-
xidade do problema. Foi pensando nisso que criamos e desenhamos
os mapas institucionais propostos anteriormente. Esperamos que
os instrumentos sinalizados, neste texto, possam fomentar práticas
solidárias e participativas, por meio da identificação de recursos e
lacunas verificadas nas políticas desenvolvidas, com o intuito de
ampliar fatores de proteção para as crianças e jovens que estejam
expostas a situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social.
Almejamos uma teia de relações que realmente ofereça proteção
integral às crianças e aos jovens do nosso país, como estabelece o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/90. Não se
rompe com situações violentas sem rupturas na maneira de ser
diante do mundo. A nossa mudança está entrelaçada na mudança
do próximo. O desafio está colocado para todos – nós – dessa

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 57 12/11/2008 10:29:33


58 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

rede social. Cada um tem sua parcela de responsabilidade e cada


sociedade humana deve se responsabilizar por cada um de seus
cidadãos e cidadãs.

Notas
1
“Pai” ou “Padrasto” – Os termos estão entre aspas devido ao fato de estes
personagens familiares não conseguirem se reconhecer, ainda, no lugar de uma
paternidade protetora e responsável, confundindo-se na indiscriminação de
funções e atributos que devem ser delimitados para se constituir uma identidade
familiar.
2
Diagnóstico realizado pelo Centro de Estudos sobre Criminalidade e Segurança
Pública - CRISP/UFMG, no período de janeiro a maio de 2007, nos municípios
de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba.
3
Programa Sentinela – Programa Nacional de Enfrentamento à Exploração e ao
Abuso Sexual Infanto-Juvenil, desenvolvido em vários municípios brasileiros.

Referências

BOTH, Elizabeth. Família e rede social. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand


Brasil, 2003.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1997.

CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Cultrix, 1999.

CARRETEIRO, Teresa Cristina; UDE, Walter. Juventude e virilidade: a cons-


trução social de um etos guerreiro. Pulsional. Revista de Psicanálise, ano XX,
n. 191, set. 2007.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

DABAS, Elina; NAJMANOVICH, Denise (Comp.). Redes: el lenguaje de los


vínculos. Buenos Aires/Barcelona/México: Piados, 1995.

FURNISS, Tilman. Abuso sexual da criança. 2. impres. Porto Alegre: Artes


Médicas, 2002.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 58 12/11/2008 10:29:33


Enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil... 59

JAEGER, Fernanda Pires. Infância, violência e relações de gênero. In: STREY,


Marlene N. et al. (Org.). Violência, gênero e políticas públicas. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2004.

KEEN, Sam. Ser hombre. Madri: Gaia, 1999.

MACHADO, Andréa. Novas configurações familiares, abuso sexual e indis-


criminação de papéis na família. In: ____. Família: conflitos, reflexões e inter-
venções. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidades e violências. In: SCHPIN, Mônica


Raisa (Org.). Masculinidades. São Paulo: Bontempo; Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2004.

MATURANA, Humberto R. Da biologia à psicologia. Porto Alegre: Artes Médicas,


1998.

MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, Dora Fried


(Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas,
1996.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand, 1996.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo:
[s.n.], 2000.

NAJMANOVICH, Denise. El lenguaje de los vínculos. In: DABAS, Elina;


NAJMANOVICH, Denise (Comp.). Redes: el lenguaje de los vínculos. Buenos
Aires/Barcelona/México: Piados, 1995.

NARVAZ, Martha Giudice; KOLLER, Silvia Helena. Famílias, gêneros e


violências: desvelando as tramas da transmissão transgeracional da violência
de gênero. In: STREY, Marlene N. et al. (Org.). Violência, gênero e políticas
públicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.

OLIVEIRA, Pedro Paulo. A construção social da masculinidade. Belo Horizonte:


Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2004.

REY, Fernando Gonzalez. Sujeito e subjetividade. São Paulo: Thomson, 2003.

REY, Fernando Gonzales. Epistemologia cualitativa y subjetividad. Havana: Edi-


torial Pueblo y Educación, 1997.

SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, 2000.

SLUZKI, Carlos E. A rede social na prática sistêmica. São Paulo: Casa do Psicó-
logo, 1997.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 59 12/11/2008 10:29:33


60 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte I

STREY, Marlene N. Violência de gênero: uma questão complexa e interminável.


In: STREY, Marlene N. et al. (Org.). Violência, gênero e políticas públicas. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2004.

SUDBRACK, Maria Fátima Olivier. O trabalho comunitário e a construção de


redes sociais. In: ____. Curso de prevenção do uso de drogas para educadores de escolas
públicas. Brasília: Ed. UnB, 2006.

UDE, Walter. Redes sociais: possibilidades metodológicas para uma prática


inclusiva. In: CARVALHO, Alisson et al. (Org.). Políticas públicas. Belo Horizonte:
PROEX/UFMG, 2002.

VASCONCELOS, Maria José Esteves. Pensamento sistêmico: o novo paradigma


da ciência. 4. ed. Campinas: Papirus, 2002.

VASCONCELOS, Maria José Esteves. Epistemologia sistêmica: pensamento


sistêmico-novo paradigmático. In: AUN, Juliana et al. (Org.). Atendimento sistê-
mico de famílias e redes sociais. Belo Horizonte: Ophicina de Arte & Prosa, 2005.

WACQUANT, Loic. Os três corpos do lutador profissional. In: LINS, Daniel


(Org.). A dominação masculina revisitada. Campinas: Papirus, 1998.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 60 12/11/2008 10:29:33


R e n n a n Mafr a

MOBILIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO NO PAIR


Limites e possibilidades do programa
em Minas Gerais

Introdução

Como grande parte dos problemas sociais enfrentados no Brasil,


a violência sexual contra crianças e adolescentes é, certamente,
uma questão determinada por inúmeros fatores. Complexa, nesse
sentido, merece o envolvimento de possíveis atores que, de alguma
forma, relacionam-se direta ou indiretamente ao problema, uma
vez que delegar apenas ao poder público o papel de combatê-la
seria ineficaz, ou mesmo fruto de um pensamento paternalista e
ingênuo.
Ao perceber esse multifacetado e desafiador cenário, o Plano
Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes, de 2001, destaca como um de seus eixos estratégicos1
a Mobilização e Articulação, assim descrito no documento que
sistematiza o Plano:

Fortalecer as articulações nacionais, regionais e locais de combate e


pela eliminação da violência sexual; comprometer a sociedade civil
no enfrentamento dessa problemática; divulgar o posicionamento
do Brasil em relação ao sexo turismo e ao tráfico para fins sexuais e

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 61 12/11/2008 10:29:33


62 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

avaliar os impactos e resultados das ações de mobilização. (Plano


nacional de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, 2000, p. 7)

Nesse sentido, há um desejo explícito de fortalecimento dos mais


diversos atores sociais, governamentais e não-governamentais, na
busca pelo enfrentamento de uma questão urgente, uma vez que o
desenvolvimento de um aparato técnico de denúncia e investigação,
ou mesmo o conhecimento científico dos fatores que compõem o
quadro da violência e exploração sexual infanto-juvenil no país
não seriam suficientes para combater, de maneira cotidiana, o
problema. É assim que, não somente nos eixos estratégicos, mas
também em diversos momentos do Plano, ressalta-se a importância
fundamental da mobilização e da articulação social para a luta
contra tal exploração.
Imbuído também desse espírito e tomando como base o Plano
Nacional, foi concebido o Programa de Ações Integradas e Refe-
renciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no
Território Brasileiro – o PAIR, como uma das mais variadas estra-
tégias criadas para dar materialidade ao enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil. A partir de uma referência metodológica
composta pelos eixos estratégicos do Plano, o PAIR, especialmente
disseminado para os Estados da Federação a partir das universidades
públicas, carregou, portanto, o especial desafio de possibilitar a
operacionalização dos grandes eixos do Plano, a partir do qual a
mobilização social apresenta-se como uma demanda essencial para
o enfrentamento à violência sexual contra crianças e jovens.
Assim, tendo como referência primordial do PAIR sua demanda
por Mobilização e Articulação dos diversos setores e atores que se
referem, de algum modo, ao problema da exploração infanto-juvenil,
este texto carrega dois principais propósitos: 1 - compreender,
teoricamente, a necessidade de mobilização social pela questão

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 62 12/11/2008 10:29:33


Mobilização e articulação no PAIR 63

da violência sexual infanto-juvenil, junto aos desafios das demo-


cracias contemporâneas, em que processos de deliberação pública
e participação coletiva dos sujeitos mostram-se como desenhos
possíveis essenciais na luta por direitos e na busca pela (re)defi-
nição de normas e questões coletivas; e 2 - partir do entendimento
da mobilização social como um processo comunicativo, em que
a visibilidade, a vinculação co-responsável e a transversalidade
apresentam-se como demandas proeminentes para a decorrência
do processo mobilizador; compreender em que medida o PAIR,
em relação ao eixo Mobilização e Articulação, pode ser analisado
em meio aos seus limites e às suas possibilidades de ação, diante
dos desafios e dilemas presentes na concretização das ações do
Programa, em Minas.

A luta contra a exploração e a violência sexual


infanto-juvenil: uma questão de direito e
de deliberação pública

O entendimento da luta contra a exploração e da violência sexual


contra crianças e adolescentes, como uma questão de direito, insere o
PAIR num quadro social contemporâneo em que a própria definição
de direitos como garantias vinculadas a uma auto-organização jurí-
dica de cidadãos iguais e livres (Estado Democrático de Direito) deve
ser compreendida de modo novo sob as condições das sociedades
complexas (Habermas, 1997), como aponta Telles:

...colocados na ótica da sociedade, os direitos não dizem respeito


apenas às garantias formais inscritas nas leis e instituições. Não
se trata, longe disso, de negar a importância da ordem legal e da
armadura institucional garantidora da cidadania e democracia. (...)
Para colocar em outros termos, os direitos operam como princípios

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 63 12/11/2008 10:29:33


64 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

reguladores de práticas sociais, definindo as regras das reciproci-


dades esperadas na vida em sociedade através da atribuição mutua-
mente acordada (e negociada) das obrigações e responsabilidades,
garantias e prerrogativas de cada um. (1999: 138)

Dessa maneira, Telles (1999) propõe o entendimento do direito


pelo ângulo das práticas sociais e formas de sociabilidade. Esse
entendimento, portanto, explica o direito como resultado de processos
de negociação, fundados em práticas relacionais, mutuamente acor-
dadas entre os indivíduos, inseridos em contextos democráticos.
Habermas (1997) conforma e amplia essa perspectiva, quando
compreende o direito como resultado de um processo discursivo,
fruto de relações comunicativas entre cidadãos. Assim, tais cidadãos
seriam capazes de debater publicamente questões que os afetam, de
modo que, deste debate, possam surgir arranjos e entendimentos
mutuamente negociados – capazes de regular e organizar a vida em
sociedade. Nesse processo, os participantes do debate, orientados
para o entendimento mútuo (a noção de “agir comunicativo”2),
“unem-se em torno da pretensa validade de suas ações de fala,
ou constatam dissensos, os quais eles, de comum acordo, levarão
em conta no decorrer da ação” (Habermas, 1997: 36). Os direitos,
vindos desse processo, como forma de sociabilidade e regra de
reciprocidade, seriam essenciais para construírem vínculos civis
entre indivíduos, grupos e classes (Telles, 1999).
Destarte, a própria concepção de um “Estado de Direito” impli-
caria a participação ativa de uma sociedade civil mobilizada, em
que os sujeitos, na qualidade de participantes de um debate público,
buscariam balizar as regras que regulam a vida coletiva por meio de
uma prática efetiva de comunicação, voltada para o entendimento.
Não se trataria de negar o papel do Estado, mas buscar entender
as possibilidades da construção de determinadas arenas públicas
entre Estado e Sociedade,

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 64 12/11/2008 10:29:33


Mobilização e articulação no PAIR 65

responsáveis por dar visibilidade aos conflitos e ressonância às


demandas sociais, permitindo, no cruzamento das razões e valores
que conferem validade aos interesses envolvidos, a construção de
parâmetros públicos que reinventem a política do reconhecimento
dos direitos como medida de negociação e deliberação de políticas
que afetam a vida de todos. (Telles, 1999: 163)

Por meio desse prisma, o Estado, norteado por princípios demo-


cráticos, garantiria os direitos por meio de decisões e deliberações
públicas, em que tais cidadãos tenham oportunidade de debaterem
coletivamente as regras responsáveis por conduzir a vida em socie-
dade. Sendo assim, a partir de alguns autores, tais como Bohman
(2000), Habermas (1997), Cohen (1997) e Avritzer (2000), podemos
compreender a idéia de deliberação pública em, basicamente, dois
sentidos: primeiro, como tomada de decisão; segundo, como troca
de argumentos/visões em público. De qualquer maneira, a idéia
de tomada de decisão não está desvinculada da idéia de debate,
através do qual argumentos são trocados em público e justificados
por razões. Os processos de discussão coletiva na esfera pública
(sendo esta o locus privilegiado da argumentação) são funda-
mentais para processar os entendimentos e chegar a formulações
reguladoras da vida social.
É dessa forma que a idéia de uma democracia deliberativa3 seria
capaz de expressar tanto o envolvimento coletivo dos cidadãos na
vida pública, em democracias complexas, quanto a definição de
direitos por meio de um processo dialógico de “dar” e “receber”
razões em público (Bohman, 2000). Assim, momentos de debate e
diálogo públicos são compostos por uma pluralidade de agentes
que, juntos, tentam convencer uns aos outros e coordenar suas
ações. Nesse sentido, na esfera pública, o processo de diálogo
público e a definição de direitos não acontecem necessariamente
orientados por um conhecimento específico de especialistas e são

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 65 12/11/2008 10:29:34


66 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

abertos para todos os cidadãos que desejam tomar parte nos obje-
tivos da deliberação.
Isso justifica, inclusive, o entendimento do enfrentamento à
exploração e violência sexual contra crianças e adolescentes como
uma questão de direito: neste caso, crianças e adolescentes, não mais
como objetos de tutela ou elementos pertencentes a sujeitos que
atingiram uma determinada maioridade civil acordada, passam a
ser sujeitos de direitos; tal questão, reposicionada a partir da noção
dos direitos humanos, torna o combate a essa exploração e a essa
violência como uma questão não restrita apenas a uma esfera espe-
cífica de sujeitos e/ou seleta de especialistas, mas também a todos
os cidadãos que, como participantes de argumentações públicas,
tomam o combate contra a violência e a exploração sexual infanto-
juvenil como um problema público, e compartilham, portanto,
a responsabilidade de acordar e garantir o exercício dos direitos
humanos das crianças e adolescentes.
Nesse sentido, estudos já realizados (Henriques; Braga; Mafra,
2004; Mafra, 2006; Toro; Werneck, 2004) apontam que, na comple-
xidade da sociedade contemporânea, tanto os embates coletivos
pela garantia ao direito quanto a busca pelo exercício do direito
conquistado interligam-se com um esforço convocatório, no sentido
de chamar os cidadãos para atuarem em deliberações públicas. Tal
processo pode ser compreendido como mobilização social.

Mobilização social: processo comunicativo


fundamental à deliberação
A mobilização social pode ser entendida como um processo de
convocação de vontades para uma mudança de realidade (Toro;
Werneck, 2004). Tal convocação não significa, portanto, apenas a

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 66 12/11/2008 10:29:34


Mobilização e articulação no PAIR 67

junção de indivíduos em torno de uma ação específica, mas, acima


de tudo, deve pressupor:

... a reunião de sujeitos que definem objetivos e compartilham


sentimentos, conhecimentos e responsabilidades para a transfor-
mação de uma dada realidade, movidos por um acordo em relação
a determinada causa de interesse público. (Henriques; Braga;
Mafra, 2004: 36)

Para que seja “social”, a mobilização pressupõe algum tipo de


acordo em relação a determinada causa e deve envolver indivíduos
que visem atuar sobre a realidade. Para que haja este acordo e,
principalmente, para que o interesse coletivo seja definido, é neces-
sário que entendimentos sejam negociados e trocados a partir de
um processo comunicativo. Isso significa dizer que a mobilização,
como prática social, constitui-se, eminentemente, pela comunicação.
Convocar vontades e compartilhar sentimentos, conhecimentos e
responsabilidades pressupõe conversa, troca, partilha intersubjetiva,
relação (Mafra, 2006).
Sendo assim, entender processos comunicativos como relações
significa considerar que, ao contrário de uma lógica transmissiva,
em que mensagens são enviadas de um emissor a um receptor,
provocando determinados efeitos, a comunicação se constitui por
interlocutores (em âmbitos de produção ou recepção) como institui-
dores de sentido, que “partem de lugares e papéis sociais especí-
ficos” (França, 2002: 27). Em outras palavras, a comunicação, por
uma perspectiva relacional, pode ser entendida como um processo que
cunha relações entre sujeitos inseridos em determinados contextos,
por meio de códigos e linguagens específicas, organizando e empre-
gando sentido ao estar-junto, à interação. Destarte, a ocorrência do
processo mobilizador, compreendida pelo ângulo da comunicação,
envolve o estabelecimento de relações, compartilhadas e moldadas
intersubjetivamente.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 67 12/11/2008 10:29:34


68 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

É possível considerar a mobilização social como fundamental no


estímulo aos sujeitos para o processo de deliberação, numa esfera
pública ativa. É relevante notar que essa visão do processo de mobi-
lização não exclui a existência do embate entre diversas posições e
entendimentos. O conflito e as contradições são inerentes ao próprio
processo. Mobilizar sujeitos se mostra necessário justamente porque
existem determinados sentidos coletivos naturalizados que, por
meio de processos comunicativos de ordem pública, podem ser
questionados, problematizados e (re)negociados (Mafra, 2006).
Como o processo de mobilização social se liga com as maneiras
pelas quais os sujeitos estabelecem suas trocas comunicativas, é pos-
sível notar, em sociedades complexas, um grande desenvolvimento
de meios e instrumentos de comunicação altamente especializados,
os quais certamente são utilizados para gerar visibilidade às causas
sociais. Como apontado por Habermas (1997), a visibilidade aos
argumentos e propostas é fundamental para a existência de um
debate público e, nesse sentido, tornar um tema visível, acima de
tudo, representa o primeiro passo para o estabelecimento de um
processo comunicativo entre os sujeitos. De tal sorte, no sentido
de gerar visibilidade, tanto recursos da mídia de massa quanto
recursos da comunicação estratégica são acionados em processos
de mobilização social.
É dessa maneira que um processo de mobilização social cum-
priria um papel essencial no sentido de estabelecer vínculos civis e
sociais entre os cidadãos, de modo a torná-los participantes ativos
num processo de deliberação e debate públicos, para a garantia,
normativa e cotidiana, ao exercício de direitos. Este parece ser o
caso do PAIR, ao privilegiar a mobilização social como um de seus
eixos estratégicos: a geração de esforços convocatórios dos sujeitos
para a participação no enfrentamento da questão da exploração
e violência sexual contra crianças e adolescentes representa um

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 68 12/11/2008 10:29:34


Mobilização e articulação no PAIR 69

movimento essencial, que se direciona, em última análise, a um


processo de geração e fortalecimento de vínculos dos mais variados
atores com a causa proposta. Nesse sentido, a comunicação, nesses
momentos, cumpriria determinadas funções essenciais para que
uma causa possa tornar-se coletiva, e um problema publicamente
relevante, passível de debate e deliberação – já que a mobilização
social é, por si mesma, um processo comunicativo. Dentre as
funções, destacamos, a seguir, a vinculação como uma função da
comunicação para a mobilização social.

Entendendo a vinculação em processos


de mobilização social

Em linhas gerais, segundo Henriques, Braga e Mafra (2004: 21),


a comunicação para a mobilização social tem como principal função
“gerar e manter vínculos entre o projeto e seus públicos, por meio do
reconhecimento da existência e da importância de cada um e do
compartilhamento de sentidos e valores”. Aprofundando mais o
entendimento do processo de vinculação, ainda segundo os autores,
o vínculo mais forte e que todo processo de mobilização deve buscar
é o da co-responsabilidade. Esta pode ser, portanto, alcançada “quando
todos se sentem realmente envolvidos no problema, compartilhando
a responsabilidade pela sua solução, entendendo sua participação
como uma parte essencial do todo” (Idem).
Isso significa dizer que os públicos mobilizados devem compar-
tilhar informações e responsabilidades, atuando com a certeza de
que outros estão realizando ações semelhantes ou complementares
no mesmo sentido, e cujo resultado advirá da soma destas ações.
Para se chegar, portanto, à co-responsabilidade, os autores propõem
que os públicos podem possuir outros vínculos, que podem ser
visualizados numa escala progressiva, sendo que os objetivos das

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 69 12/11/2008 10:29:34


70 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

estratégias de comunicação seriam possibilitar o fortalecimento


dos vínculos de tais públicos, até se atingir o nível ideal, que é o da
co-responsabilidade. Tal escala, chamada de Escala de Níveis de
Vinculação, é assim representada:

Escala de níveis de vinculação


Fonte - Henriques; Braga; Mafra, 2004: 44.

Da esquerda para a direita, caminham, do mais fraco ao mais


forte, os níveis de vinculação, aos quais os sujeitos podem se
posicionar. Tais níveis não são estanques; muito menos não há uma
regra temporal para o processo de vinculação. Em alguns casos,
sujeitos podem, em instantes, alcançar o nível ideal de vinculação;
em outros, a permanência pode ser maior em algum dos níveis
(mesmo que seja nos mais fracos).
O primeiro dos níveis, Localização espacial, apresenta o vínculo
mais fraco e se situam nele todas as pessoas e instituições localizadas
na área de abrangência do projeto de mobilização, mesmo que não
tenham conhecimento sobre sua existência. Contudo, os públicos
que se encontram neste nível têm uma relação ainda frágil com a
causa. O entendimento de tal nível representa, portanto, um passo
primordial para o projeto: conhecendo a localização de seu público,

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 70 12/11/2008 10:29:34


Mobilização e articulação no PAIR 71

podem-se orientar estratégias de forma a contemplar os outros níveis


da escala. O segundo nível de vinculação, a Informação, indica que as
pessoas que estão neste nível, além de se localizarem espacialmente
no espectro de atuação do projeto, possuem informação sobre a causa
e têm um vínculo mais forte em relação aos públicos que apenas se
encontram no nível anterior. Todavia, informações, por si mesmas,
não seriam ainda suficientes para gerar, nos públicos, uma opinião,
de preferência favorável, formada sobre o assunto.
Dessa forma, o terceiro nível de vinculação, o Julgamento, indica
que os públicos que aí se encontram, além de terem informações
detalhadas sobre o projeto, expressam julgamento positivo sobre
a causa e passam a defendê-la e a legitimá-la, fortalecendo seu
vínculo. Em seguida, o quarto nível, a Ação, indica que os públicos
que se encontram neste nível já agem de alguma forma para
contribuir com a causa, embora estas ações possam ser pontuais,
sem ligação com a de outros públicos. O ideal é que as ações não
se esgotem nelas mesmas, mas que possam ser coesas e contínuas.
A Coesão, o quinto nível de vinculação, indica que os públicos
que nele se encontram realizam ações organizadas, sistematizadas
e interligadas. Em seguida, o sexto nível, Continuidade, indica que
os que aí se encontram, além de ações coesas, realizam também
ações permanentes, num processo contínuo de participação. Por
fim, a Co-responsabilidade, que é o nível de vinculação ideal, indica
que os públicos, neste nível da escala, realizam ações coesas e con-
tínuas – parâmetro da co-responsabilidade – compreendendo que
são responsáveis e essenciais, assim como os demais atores, para o
sucesso do projeto mobilizador.
Mesmo sendo a co-responsabilidade um nível de vinculação
ideal, é possível que sujeitos participem de um projeto mobilizador
num nível ainda mais forte, assim denominado de Participação
Institucional, que representa participação institucionalizada por

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 71 12/11/2008 10:29:35


72 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

vínculo contratual. Dirigentes, parceiros, prestadores de serviço,


funcionários etc. são públicos de um projeto mobilizador e se
encontram nesse nível. Contudo, mesmo que este seja um nível de
vinculação forte, ele diz respeito apenas a alguns agentes da rede
mobilizadora, representando um vínculo estratégico, mas não um
ideal a ser almejado por todos os públicos da mobilização social.
Ainda nessa escala, uma outra forma de entender os vínculos
seria a partir de uma visão dos públicos, que, no caso da mobili-
zação, podem ser classificados em três categorias, representados, na
figura, pelas letras B, L e G: Beneficiados, Legitimadores e Geradores.
Beneficiados são aqueles públicos que estão dentro da área
atingida pelo projeto (nível de localização espacial) e podem
ter informações (nível informação) sobre ele, porém, ainda não
possuem um julgamento formado sobre a causa. Legitimadores
representam o público que possui julgamento positivo em relação
à causa e ao projeto, entretanto não tomam parte em suas ações.
Já os Geradores são os que realizam qualquer tipo de ação num
processo mobilizador: desde as ações pontuais até àquelas que
vão da coesão à co-responsabilidade e à Participação Institucional.
Essa forma de segmentação de públicos não os separa em grupos
totalmente distintos. Na verdade, há uma progressão, de forma que,
de início, todos os públicos são Beneficiados; dentre eles, haverá
indivíduos e instituições que se caracterizam como Legitimadores;
e, desta legitimação, surgirão os Geradores. Assim, um público
está contido no outro.
Assim, a proposta metodológica da Escala de Níveis de Vincu-
lação pode voltar-se, sobretudo, à análise de diversos projetos e
programas de mobilização social, que buscam o compartilhamento
de suas causas junto aos sujeitos, como também pode servir, aos
mesmos projetos, como um instrumental metodológico capaz de

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 72 12/11/2008 10:29:35


Mobilização e articulação no PAIR 73

orientar a composição de estratégias de comunicação para a mobi-


lização social, para seus mais diversos públicos.
Nesse sentido, sendo o PAIR um Programa Mobilizador, cuja
proposta caminha em direção ao enfrentamento à violência sexual
contra crianças e adolescentes, a partir da mobilização social e da
articulação com os diversos atores que se relacionam, direta ou
indiretamente, ao problema, as referências da Escala de Níveis de
Vinculação podem servir de base a uma análise de seu processo
mobilizador. Além disso, sem perder de vista que o PAIR se insere
numa proposta mais ampla apresentada pelo Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, bem como se
posiciona como um estimulador de um processo de deliberação
pública acerca desta questão controversa, buscaremos, a seguir,
propor uma breve análise da Articulação e Mobilização Social no
PAIR, em Minas Gerais, a partir das ações empreendidas para tal,
em 2007.

Proposta analítica da mobilização do PAIR


em Minas Gerais
Como postulado na introdução deste texto, é possível observar
que, já no Plano Nacional, a questão da mobilização apresenta-se
como proeminente para o enfrentamento da violência sexual
infanto-juvenil. Em linhas gerais, podemos fazer uma leitura de
que os esforços de mobilização social apresentam-se em duas
grandes frentes:
a) dar visibilidade - deve haver um esforço, por parte dos atores
envolvidos, para tornar o problema publicamente conhecido, e a
questão controversa explicitada, para que a mesma se configure
como objeto de debate e de deliberação pública (entendendo
deliberação a partir de um processo discursivo e comunicativo

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 73 12/11/2008 10:29:35


74 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

mais amplo, estabelecido entre sujeitos, numa esfera pública


ativa);
b) fortalecer a ação coletiva - deve também haver um esforço para o
fortalecimento de vínculos civis entre os sujeitos, de modo que
possam vir a se tornar co-responsáveis com o enfrentamento, em
seus âmbitos de atuação; nesse sentido, destaca-se a necessidade
de trabalho em rede, uma vez que uma questão tão complexa
merece o envolvimento de atores e setores diversos.
Além disso, é válido destacar um ponto extremamente rele-
vante, que incide significativamente na compreensão da mobili-
zação no enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil: além
de se constituir como um eixo metodológico independente, que
necessita de investimentos, estratégias e indicadores, a articulação
e a mobilização social apresentam-se como uma espécie de eixo
metodológico transversal, uma vez que são entendidas como estra-
tégias permanentes, entre todos os operadores de ação pertinentes
ao Plano Nacional. Ou seja: para que esta questão seja enfrentada
por todos, a mobilização dos atores é condição que deve perpassar
todos os outros eixos metodológicos (análise da situação; defesa
e responsabilização; atendimento; prevenção; e protagonismo
infanto-juvenil).
Nesse sentido, como a concepção do PAIR é formulada a partir
do Plano Nacional, propomos identificar como a Articulação e a
Mobilização, enquanto partes de um eixo metodológico indepen-
dente e transversal, operaram em sua expansão no estado de Minas
Gerais e, especialmente, se houve uma preocupação em se gerar:
a) um potencial de visibilidade à questão da violência sexual
infanto-juvenil, essencial à deliberação pública;
b) um potencial de envolvimento e vinculação dos diversos atores
implicados, examinado a partir da escala de níveis de vinculação;

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 74 12/11/2008 10:29:35


Mobilização e articulação no PAIR 75

c) um potencial de transversalidade das ações de mobilização em


Minas, entendendo-a como uma ação estratégica permanente
do Programa.
Assim, nossa proposta, neste texto, não seria, propriamente,
avaliar os resultados da mobilização, mas, um pouco antes, analisar
em que medida o Programa se investiu tecnicamente para articular
o processo mobilizador junto aos seus públicos. Para isso, utilizamos,
particularmente, como referências de análise, os documentos:
Relatório Parcial – Expansão do Programa de Ações Integradas e
Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil
– PAIR/MG, do período de dezembro de 2006 a julho de 2007,
bem como o documento “Ações de articulação e mobilização nos
municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba – período: janeiro e
fevereiro de 2007”, ambos elaborados pela equipe de coordenação
do PAIR, em Minas Gerais.

Ações e estratégias de mobilização


e articulação do PAIR em Minas
Como vimos anteriormente, a proposta de expansão e disse-
minação do PAIR aos Estados da Federação ficou a cargo das uni-
versidades, de maneira a buscar a operacionalização dos grandes
eixos do Plano Nacional e, como conseqüência, a procurar garantir
sustentabilidade ao Programa. De maneira mais específica, a
inserção das universidades caminhou sob dois grandes desafios:
1 - sensibilizar grupos no âmbito acadêmico para a produção e a
formação de operadores técnico-científicos, tanto para a expansão
do PAIR, a partir de seus eixos metodológicos, quanto para ava-
liação e monitoramento das ações futuras; e 2 - mobilizar gestores
estaduais e locais, responsáveis pela execução de políticas públicas,
de maneira a sensibilizá-los a se sentirem co-responsáveis pelo

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 75 12/11/2008 10:29:35


76 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

enfrentamento da violência e exploração sexual infanto-juvenil, a


partir da proposição de ações coletivas, em rede.
Nesse sentido, após a constituição das equipes executoras da
Universidade Federal de Minas Gerais (que atuou em parceria
com equipes da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha
e Mucuri (UFVJM) e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM), os esforços de mobilização do PAIR se direcionaram à
definição dos públicos que poderiam, potencialmente, constituir
uma ação em rede, na busca pelo enfrentamento da questão
proposta, em contextos locais.
Como grandes articuladoras e sensibilizadoras da questão, as
equipes de coordenação e executoras das universidades optaram por
identificar e categorizar públicos que pudessem se tornar futuros
geradores – para utilizar a proposição terminológica da “Escala de
Níveis de Vinculação”. Dito por outras palavras, como os objetivos
das universidades voltavam-se a ações de multiplicação e capaci-
tação/formação de grupos, as ações do PAIR não se pautaram por
disseminar massivamente a causa do enfrentamento à sociedade
como um todo; ao contrário, dirigiram-se a pequenos públicos que
pudessem tomar a questão para si mesmos, de forma que estes, num
momento posterior, pudessem ser capazes de dar materialidade e
capilaridade à causa, em seus contextos de atuação. É como se as
universidades, “colocando em ligação” os atores de uma possível
rede, pudessem lançar o problema como uma questão de relevância
pública, de modo a garantir uma determinada sustentabilidade à
mesma, fortalecendo e capacitando tecnicamente os atores envol-
vidos para lidar autonomamente com a mobilização.
Em linhas gerais, pode-se compreender que a escolha destes
públicos se baseou no artigo 86, do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, que preconiza a ação integrada dos poderes e da sociedade no
desenvolvimento de ações em prol das crianças e adolescentes. Foram,
portanto, definidos como públicos do PAIR, em Minas:

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 76 12/11/2008 10:29:35


Mobilização e articulação no PAIR 77

a) Instituições do Poder Executivo - prefeituras, secretarias municipais,


escolas, postos de saúde, centros de referência da assistência
social (Programa Sentinela), bem como programas de governo
que possuíssem afinidade com a causa do PAIR;
b) Instituições do Poder Legislativo - essencialmente câmaras de
vereadores das cidades envolvidas;
c) Instituições do Poder Judiciário - Juizados da infância e juventude,
varas cíveis especializadas e comuns;
d) Ministério Público - promotorias municipais e regionais;
e) Polícias - polícia civil, rodoviária e militar;
f) Organizações da Sociedade Civil - organizações e sujeitos da socie-
dade civil que lutam por causas afins ou semelhantes à causa do
PAIR (exemplos: Abrigo Ninho e Casa das Meninas, em Teófilo
Otoni; Casa da Juventude, em Itaobim etc.);
g) Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Con-
selhos de Políticas Públicas e Conselhos Tutelares - organizações
essenciais como potencializadoras do enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil nas cidades;
h) Outros - foram colocados nesta categoria os públicos como
professores e funcionários de universidades e profissionais da
mídia etc.
No período de janeiro a fevereiro de 2007, foram realizadas ações
de mobilização e articulação junto a estes públicos. Tais ações, que
visavam iniciar o processo de vinculação, ganharam, em linhas
gerais, o formato de reuniões. A partir de um cronograma previa-
mente elaborado, a coordenação da expansão do PAIR, em Minas
Gerais, realizou reuniões com todos estes públicos, de forma a
torná-los legitimadores da causa proposta, para que, num segundo
momento, pudessem os mesmos tomá-la para si, e se imbuírem do
espírito de geradores.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 77 12/11/2008 10:29:35


78 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

Além das reuniões, foram também, em menor escala, realizadas


visitas às cidades nos locais onde, perceptivelmente, verificou-se
a existência da exploração e da violência sexual infanto-juvenil,
visitas estas voltadas ao conhecimento e à visibilidade do problema
in loco. E, ainda, na cidade de Uberaba, a coordenação do PAIR
esteve presente numa emissora local de televisão (afiliada à Rede
Globo de Televisão), numa entrevista ao telejornal diário, sobre a
expansão do Programa em Minas.
Nas ações de mobilização, é possível observar que, em cada
encontro, após a apresentação da proposta do Programa, questões
específicas de cada cidade eram levantadas pelos participantes: como
a violência e a exploração sexual infanto-juvenil ganhavam contornos
naquele local; quais os principais entraves à mobilização; quais as
iniciativas passadas que geraram visibilidade à questão e estímulo a
um processo de envolvimento coletivo dos cidadãos etc... . É curioso
observar que, de forma quase unânime, todos os públicos mobili-
zados apontaram a necessidade de um diagnóstico do problema
– uma vez que compõem o mesmo inúmeras razões –, bem como a
necessidade de fortalecimento de uma rede para o enfrentamento
de tal questão. De modo geral, estas foram as principais estratégias
de mobilização e articulação realizadas pela equipe executora,
responsável pela expansão do PAIR, em Minas Gerais.

Limites e possibilidades da mobilização em Minas


Sobre as ações de mobilização e articulação do PAIR, em Minas
Gerais, é possível fazer algumas ponderações, tendo como referên-
cia os operadores elencados anteriormente, a saber: potencial de
visibilidade; potencial de vinculação dos sujeitos; e potencial de
transversalidade da mobilização. Nesse sentido, nossas conside-
rações, a seguir, girarão em torno dessas questões.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 78 12/11/2008 10:29:35


Mobilização e articulação no PAIR 79

Inicialmente, é possível ponderar sobre a escolha das univer-


sidades públicas como responsáveis pela expansão do PAIR aos
municípios de cada Estado (e, neste caso, da Universidade Federal
de Minas Gerais para expansão do PAIR em Minas). Como locus
supremo de produção de saberes, a universidade guarda, espe-
cialmente em suas ações de extensão, um sabor conformado pelo
diálogo entre estes saberes e a sociedade. Nesse sentido, a escolha
da universidade como articuladora e sensibilizadora do PAIR
mostra-se como uma estratégia relevante, uma vez que pousa sobre
a universidade o papel de conhecer e de dialogar com a realidade,
sobre a qual nasce o próprio sentido da investigação científica. Esse
ponto positivo se evidencia também nas parcerias da Universidade
Federal de Minas Gerais com a Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e com a Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM), fato que mostra um considerável esforço
para conhecimento do problema com atores que estejam próximos,
bem como de, no contexto local, gerar referências para uma ação
em rede, essencial ao processo mobilizador do PAIR.
Com essas características, já de antemão, pode-se refletir sobre
o potencial de transversalidade dado à mobilização social na
expansão do PAIR, em Minas. A participação da coordenação
geral do PAIR e, em especial, da equipe de diagnóstico e análise da
situação, desde o início do processo de mobilização e articulação,
indica a potencialidade de transversalidade da mobilização. Uma
vez participando das ações de mobilização (reuniões, visitas e
entrevista), e sendo os outros eixos metodológicos investidos, por
excelência, após iniciado o processo mobilizador, pode-se presumir
que a coordenação geral teve, potencialmente, condições de arti-
cular a mobilização social em todos os outros eixos do programa
(capacitação, análise da situação etc.).
Quanto a isso, é válido observar que a opção por iniciar o pro-
cesso de expansão do PAIR pela articulação e mobilização pareceu

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 79 12/11/2008 10:29:35


80 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

ter dado uma razoável materialidade à causa junto aos públicos – os


essenciais participantes de uma ação em rede para o enfrentamento
da violência sexual infanto-juvenil, em seus contextos de ação. O
interessante disso é que o risco do academicismo (de pesquisadores
que olhariam para os públicos do PAIR como objetos de estudo)
foi combatido desde o primeiro momento, quando a mobilização
e a articulação abriram, de modo mais efetivo, o processo de
expansão do PAIR em Minas. Isso evidencia a louvável preocu-
pação de diálogo: em torno da causa social do PAIR, encontram-se
sujeitos de conhecimento, e não objetos distantes. Além disso, por
buscar garantir o envolvimento dos públicos desde o início da
expansão, a mobilização social do PAIR, em Minas, parece ter sido
conformada por um grande potencial de transversalidade, como
estratégia permanente, presente nos outros eixos subseqüentes.
Em relação ao potencial de vinculação dos diversos atores
implicados, é possível também tecer alguns comentários. A opção
pela escolha dos públicos geradores, no primeiro momento de
expansão do Programa, é de extrema pertinência, tendo em vista
o papel investido pela universidade de articulação e sensibilização
da causa (e não de única propositora e geradora desta causa). De
modo mais específico, utilizando os referenciais da Escala de Níveis
de Vinculação, podemos observar que:
a) a escolha dos públicos e da localização espacial foi relevante e
coerente com todos os eixos metodológicos posteriores;
b) o esforço de interlocução gerado foi considerável; buscou-se
não apenas apresentar a causa do PAIR, mas, em diálogo com
os públicos, perceber nuances da realidade local. Nesse sentido,
de acordo com a escolha dos públicos, o potencial de informação
foi grande, evidenciando forte tendência para a ocorrência de
julgamento positivo por parte dos públicos;

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 80 12/11/2008 10:29:35


Mobilização e articulação no PAIR 81

c) a escolha da universidade como articuladora e sensibilizadora,


contudo, trouxe algumas limitações, em relação ao processo
mobilizador, em especial com relação à coesão e à continuidade do
processo. Em relação à coesão, algumas dificuldades encontradas
no deslocamento das equipes da Universidade Federal de Minas
Gerais às cidades escolhidas apresentaram-se como questão
destacada pelos próprios integrantes do trabalho, em relatório
parcial das atividades. Além disso, nos contextos das cidades, é
essencial que a coesão seja alcançada por atores executores locais,
que atuem como estimuladores da rede, e sejam capazes de
planejar estratégias de mobilização social junto aos públicos do
local. Nesse sentido, para a continuidade do processo, é essencial
que outros atores locais também assumam o papel de articula-
dores dessa grande rede, de modo a estimular a participação de
outros públicos no processo, bem como de gerenciar o processo
mobilizador de modo estratégico, nas realidades mesmas em
que a violência sexual infanto-juvenil sejam verificadas. Nesse
sentido, é válido lembrar que a condição para a indicação da
co-responsabilidade é a presença de ações coesas e contínuas.
Por fim, em relação ao potencial de visibilidade, é válido
observar que, neste primeiro momento, os esforços para geração
de comunicação interpessoal foram bastante observados; com isso,
o potencial de visibilidade da causa junto aos públicos elencados,
nesse primeiro momento, tendeu a ser elevado. Contudo, para a
continuidade do Programa, e estímulo a um processo deliberativo
ampliado, é essencial que sejam investidas em estratégias mais
amplas de visibilidade, assumidas por outros atores, nos contextos
locais, utilizando os recursos da comunicação estratégica (eventos,
jornais, peças publicitárias, palestras, reuniões) e da própria mídia
local (a busca por um relacionamento cotidiano com a mídia para a
inserção da causa em espaços de cobertura midiáticos massivos).

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 81 12/11/2008 10:29:35


82 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

Considerações finais

Ao longo deste texto, uma questão presente se mostrou explí-


cita, em algumas seções, ou como pano de fundo, em outras: o
entendimento do enfrentamento à violência sexual contra crianças e
adolescentes como uma questão de direito. As crianças e os adoles-
centes, não mais compreendidos como objetos de tutela ou elementos
pertencentes a sujeitos que atingiram uma determinada maioridade
civil, passam a ser compreendidos como sujeitos de direitos. E, tal
compreensão, repensada a partir da noção dos direitos humanos,
torna o combate a tal exploração e violência como uma luta empre-
endida numa esfera pública ativa, em sociedades pautadas pela
concepção de uma democracia deliberativa. Nessas sociedades,
a noção de deliberação pública, como um processo enraizado na
própria possibilidade de debate público entre cidadãos, acaba sendo
essencial por entender que, muito além de uma definição normativa,
os direitos se efetivam como formas de sociabilidade e regras de
reciprocidade, a partir da possibilidade de constituição de vínculos
civis entre indivíduos, grupos e classes.
É em meio a esse cenário que o PAIR, como um programa de
enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, busca posicionar
tal questão como um problema público, que deve ser compartilhado
pelos cidadãos e suas instituições. Os esforços, portanto, são inú-
meros: da mesma forma que o Plano Nacional de Enfrentamento à
Violência e Exploração Sexual Infanto-Juvenil, “a ação coordenada
entre antigos e novos atores oriundos de universos sociais diferentes
e portadores de cultura institucional e visões programáticas espe-
cíficas” (Relatório parcial: 18) representa um desafio fundamental
aos propósitos e eixos metodológicos do PAIR, dada a natureza
multidisciplinar e complexa do problema da violência e exploração
sexual infanto-juvenil.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 82 12/11/2008 10:29:35


Mobilização e articulação no PAIR 83

A articulação e a mobilização social, como partes de um eixo


metodológico do PAIR, se mostram, dessa forma, essenciais para a
efetividade do Programa. É assim que os esforços de mobilização
social do PAIR foram aqui analisados sob o prisma de três operadores:
o potencial de visibilidade estimulado para a questão central do
Programa; o potencial de fortalecimento e vinculação dos públicos;
e potencial de transversalidade do eixo “mobilização” junto aos
outros eixos metodológicos.
Nesse sentido, nossa proposta, aqui executada, foi analisar em
que medida o PAIR, em Minas Gerais, se investiu tecnicamente para
articular o processo mobilizador junto aos seus públicos. Certamente,
uma outra análise de grande relevância (aqui não trabalhada) seria
obtida por uma avaliação dos resultados da mobilização, junto aos
públicos escolhidos. Em meio a isso, uma questão seria particular-
mente interessante: em que medida os públicos escolhidos num
primeiro momento de expansão do PAIR, vislumbrados enquanto
potenciais geradores, foram capazes de se apropriar da causa, e,
de forma co-responsável, estimular a mobilização social em seus
contextos de atuação? Esta avaliação da mobilização nos muni-
cípios certamente demandaria um novo tratamento metodológico,
e contribuiria, de forma considerável, para o entendimento da
mobilização da causa do PAIR, numa dimensão local – inclusive
para buscar compreender em que medida o sucesso ou insucesso
da mobilização, em cada local, se deveu a fatores ligados aos eixos
metodológicos de expansão, ou a outros fatores, muito mais amplos,
ligados ao próprio contexto local das interações.
E, finalmente, vale a pena ponderar que, sendo o PAIR um parti-
cular programa congregador de atores discursivos, estimuladores
de um processo deliberativo, é essencial que sejam investidas em
ações de visibilidade e mobilização, de maneira a conformar uma

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 83 12/11/2008 10:29:35


84 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

esfera pública ativa, acionada pelos proferimentos diversos em


torno de uma questão tão controversa. E, neste caso, para a confor-
mação de um processo de debate público, não se trata apenas de
explicitar proferimentos dos públicos favoráveis ao enfrentamento
dessa questão, mas também dos inúmeros outros sujeitos que
representam atores contrários à causa do PAIR, por estimularem
a violência e a exploração sexual infanto-juvenil. A visibilidade de
todos os públicos, bem como o conhecimento das razões que os
levam a exercerem ou a combaterem tal ato, representa questão
chave para: 1 - o fortalecimento cívico de tal questão; 2 - a busca
pela desnaturalização da exploração e violência sexual infanto-
juvenil; e 3 - a conformação de um debate público ampliado, que
se direcione tanto a esferas formais de regulamentação, quanto a
esferas cotidianas de negociação de entendimentos.

Notas
1
Além do eixo Mobilização e Articulação, há ainda outros cinco eixos que compõem
o Plano: 1) Análise da Situação; 2) Defesa e Responsabilização; 3) Atendimento;
4) Prevenção; e 5) Protagonismo Infanto-Juvenil.
2
Segundo Habermas, “os que agem comunicativamente encontram-se numa
situação que eles mesmos ajudam a constituir através de suas interpretações
negociadas cooperativamente, distinguindo-se dos atores que visam o sucesso
e que se observam mutuamente como algo que aparece no mundo objetivo”
(1997: 92).
3
A partir de Cohen (1997) entendemos que a noção de uma democracia deliberativa
está enraizada no ideal intuitivo de uma associação democrática, na qual a justifi-
cação dos termos e das condições de associação efetua-se através da argumentação
pública e do intercâmbio racional entre cidadãos iguais.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 84 12/11/2008 10:29:35


Mobilização e articulação no PAIR 85

Referências

AVRITZER, L. Teoria democrática e deliberação pública. Lua Nova, Belo


Horizonte, n. 50, 2000.

BOHMAN, J. Public Deliberation: Pluralism, Complexity and Democracy.


Cambridge: MIT Press, 2000.

BRASIL. Ministério da Justiça. Plano nacional de enfrentamento da violência sexual


infanto-juventil. Brasília, 2000. (Mimeo.)

COHEN, J. Deliberation and Democractic Legitimacy. In: BOHMAN, J.; REIGH,


W. (Org.). Deliberative Democracy. Cambridge-Mass: MIT Press, 1997.

DISSEMINAÇÃO DA METODOLOGIA DO PAIR ATRAVÉS DAS UNIVERSI-


DADES. Campo Grande, mar. 2006. (Mimeo.)

FRANçA, Vera R. V. Paradigmas da comunicação: conhecer o quê? In: MOTTA,


L. G. et al. (Org.). Estratégias e culturas da comunicação. Brasília: Ed. UnB, 2002.

FRANCO, Augusto de. Ação local – a nova política da contemporaneidade.


Brasília: áGORA; Rio de Janeiro: Fase, 1995.

HABERMAS, J. O direito como categoria da mediação social entre a facticidade


e a validade. In: ____. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HABERMAS, J. O papel da sociedade civil e da esfera pública política. In:


____. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997.

HABERMAS, J. Política deliberativa: um conceito procedimental de democracia.


In: ____. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997.

HENRIQUES, Márcio Simeone; BRAGA, Clara; MAFRA, Rennan. O planejamento


da comunicação para a mobilização social: em busca da co-responsabilidade. In:
HENRIQUES, Márcio Simeone (Org.). Comunicação e estratégias de mobilização
social. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MAFRA, Rennan. Entre o espetáculo, a festa e a argumentação. Belo Horizonte:


Autêntica, 2006.

TELLES, Vera da S. Direitos sociais – afinal do que se trata? Belo Horizonte:


Editora UFMG, 1999.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 85 12/11/2008 10:29:35


86 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

TORO, J. B.; WERNECK, N. Mobilização social: um modo de construir a demo-


cracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Ações de articulação e mobi-


lização nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba. Belo Horizonte, 2006.
(Mimeo.)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Relatório parcial. Expansão


do programa de ações integradas e referenciais de enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil – PAIR/MG. Belo Horizonte, 2007. (Mimeo.)

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 86 12/11/2008 10:29:35


Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti

AÇÃO EDUCATIVA
Princípios norteadores do
processo de capacitação/formação

O objetivo deste texto é apresentar uma reflexão a respeito dos


princípios que nortearam o processo de capacitação/formação rea-
lizado pela expansão do PAIR/MG. Está estruturado em três partes:
na primeira, apresentamos a concepção de educação subjacente à
proposta de capacitação/formação e alguns princípios, tais como:
a busca de superação da banalização, da acomodação, do assisten-
cialismo e do ativismo; a implementação de uma ação extensionista
marcada pela ação conjunta, pela conquista da autonomia e por um
trabalho articulado em rede.
Na segunda parte do texto, refletimos em torno da concepção
do processo de capacitação/formação concebendo-o composto por
três dimensões: a dimensão teórico-prática, a dimensão ética e a
dimensão metodológica.
E, finalmente, nas “Considerações finais”, apresentamos nossas
reflexões a respeito da ação educativa e do papel do educador
a partir da experiência vivenciada no processo da capacitação/
formação dos educadores da expansão/PAIR-MG que atuaram,
no decorrer do ano de 2007, nos três municípios: Itaobim, Teófilo
Otoni e Uberaba.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 87 12/11/2008 10:29:36


88 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

Concepção de educação subjacente à proposta


de capacitação/formação: alguns princípios

Capacitação/formação é entendida em nossa proposta como


processo de formação humana visando ao aprendizado de “mão
dupla”, isto é, uma construção conjunta entre todos os participantes
do processo. Portanto, a experiência de vida pessoal, grupal e de
trabalho de cada participante da capacitação/formação – vivências
decisivas na construção da experiência humana – é considerada ao
longo do processo de formação.
A concepção de Educação subjacente ao processo de capaci-
tação/formação da expansão do PAIR/MG encontra sua fonte teórica
nas reflexões de autores do campo da Educação Popular, tendo
no pensamento de Paulo Freire sua expressão mais significativa.
Educação é, portanto, concebida aqui como processo de formação
humana, visando a transformação dos educandos e da sociedade na
qual se encontram inseridos. Concepção que está ancorada em uma
visão de mundo marcada pela ótica do movimento; em uma visão
de homem concebido como sujeito; portanto, um ser que se afirma
no mundo a partir de sua autonomia, de seus pensamentos, de sua
ação e de seus gestos. Enfim, a partir de sua voz, de seu “ser”. E, por
fim, educação concebida como um processo de formação humana
que se desenvolve no bojo de uma sociedade marcada por relações
de conflito e pela construção de novos consensos.
Esta proposta de capacitação/formação se orienta pela intenção
de superar aquela visão tradicional de educação restrita ao processo
de transmissão de saber, visão nomeada por Paulo Freire como
“educação bancária”. Concepção segundo a qual o educador
simplesmente “deposita” conteúdos na mente do educando. Este,
por sua vez, permanece passivo; um mero receptáculo do “depósito”
de conhecimentos efetivado pelo educador.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 88 12/11/2008 10:29:36


Ação educativa 89

Nossa proposta de capacitação/formação, entendida como um


processo de formação humana, está fundamentada na convicção
de que cada participante, inserido em sua realidade local – como
Conselheiro(a) Tutelar, Promotor(a), Juiz(a), profissionais da Edu-
cação, da Saúde, da Assistência Social, da Cultura e Esportes, da
Segurança Pública e das instituições da sociedade civil e represen-
tantes do Legislativo –, realiza uma ação educativa em seu sentido
amplo. Cada um é concebido, portanto, como EDUCADOR.
O objetivo central de nossa proposta de capacitação/formação é
propiciar um espaço e um tempo de reflexão para que os educadores
possam problematizar sua prática e acrescentar novos elementos,
oriundos das diversas áreas do conhecimento; ou seja, das Ciências
Sociais, do Direito, da Psicologia, da Educação, da Saúde, dentre
outras.
Nossa intenção é contribuir no processo de formação humana
de cada participante da capacitação/formação.

Alguns princípios: a busca de superação da banalização,


a busca de superação da acomodação, oposição ao
assistencialismo e ao ativismo

Um trabalho como o implementado pela expansão do PAIR/


MG, fundamentado na concepção freiriana de educação, precisa
ser filosoficamente profundo e eticamente comprometido.
Conscientes deste duplo compromisso, buscamos explicitar para
os multiplicadores/formadores e agentes/educadores os princípios
norteadores de nossa proposta pedagógica. Ou seja, a expansão
PAIR/MG fundamenta-se em uma concepção de educação que se
traduz em um convite permanente à reflexão, ao diálogo e à busca
de compressão do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil,
movidos pelo compromisso ético de seu enfrentamento. “A educação

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 89 12/11/2008 10:29:36


90 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o


debate e a análise da realidade. Não é fugir à discussão criadora,
sob pena de ser uma farsa” (Freire, 2000a: 104).
Portanto, os eixos centrais do PAIR, traduzidos na compreensão
do fenômeno e na identificação e fortalecimento das ações da rede
de proteção, são estudados e debatidos à luz do repúdio ao confor-
mismo que agrava a banalização da injusta realidade da violência
sexual infanto-juvenil.

A busca de superação da banalização


Banalização – risco corrente em situações nas quais, de tanto ver,
“o olhar se acostuma”, naturalizando a existência do fenômeno.
A ótica por meio da qual todo o processo de capacitação/formação
foi planejado e executado pautou-se pela indagação, desconstrução
de preconceitos e conformismos. Além de aguçar a indignação por
parte de todos os envolvidos, o processo de capacitação/formação
de educadores e formadores insistiu na construção de propostas
de intervenção concretas e diretas em cada realidade local. Nossa
meta foi aprofundar nossa compreensão do fenômeno por meio de
leituras, estudos e debates, aprofundamento acompanhado pelo
compromisso em traduzir nossos incômodos e nossas preocupações
em um reforço às propostas concretas já existentes de intervenção
ou mesmo estimular a criação de novas frentes de ação.
Cabe ressaltar nossa preocupação em realizar uma ação educa-
tiva com os formadores e com os educadores, e não uma ação para.
Esta linha de intervenção expressa um dos princípios norteadores
do pensamento freiriano, ou seja, uma ação educativa marcada
pela dialogicidade.
Diálogo não significa ausência de conflitos, divergências e opo-
sições. Pelo contrário, uma ação educativa dialógica prima em abrir
espaços para “enfretamentos” diversos.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 90 12/11/2008 10:29:36


Ação educativa 91

É pelo diálogo que os homens se aproximam uns dos outros, desar-


mados de qualquer preconceito ou atitude de ostentação. Ninguém
pode, querendo dialogar, estabelecer uma relação em que um dite as
normas e o outro, simplesmente, as observe. (...) o diálogo não é um
bate-papo desobrigado, mas sim a oportunidade, “não-isolamento”,
com a possibilidade de compreensão do pensamento do outro.
(Vasconcelos; Brito, 2006: 73)

O texto intitulado “Organização do trabalho pedagógico – os


desafios inerentes ao processo de planejar”, de autoria de Tânia
Aretuza e Geovânia Lúcia dos Santos, expressa a dinâmica vivenciada
tanto no processo de capacitação/formação dos formadores como
na capacitação dos educadores nos três municípios. A metodologia
empregada na capacitação/formação por meio das exposições
dialogadas, grupos de trabalho (GTs) e plenárias, ao final da
discussão de cada eixo, expressa a opção por uma ação educativa
marcada pela participação coletiva permeada por reflexões ora
individuais, ora em pequenos grupos e ora no grande coletivo.

A busca de superação da acomodação


A “não-acomodação” constituiu outro referencial que mobi-
lizou nossa equipe de formadores/educadores a atuar, junto aos
agentes/educadores, concebidos como agentes de mudança, com
o objetivo de resgatar sua capacidade de reflexão, bem como de
fazer escolhas e de tomar decisões. O fato de todo o processo de
mobilização/articulação/capacitação/formação ter culminado no
Plano Operativo Local (POL) e no PACTO (momento solene de
assinatura do termo de compromisso por parte das instâncias
institucionais responsáveis pela promoção e defesa das crianças e
dos adolescentes) comprovou a existência do princípio da “não-
acomodação”.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 91 12/11/2008 10:29:36


92 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

A acomodação e o imobilismo gerados pela descrença e desânimo,


frutos de uma ideologia fatalista, caracteriza-se pelo deixar-se levar
pelo conformismo, pela passividade. “A ideologia fatalista é imobi-
lizante; anima o discurso neoliberal; tem ares de pós-modernidade;
insiste em convercer-nos de que nada podemos contra a realidade
social” (Freire, 2000b: 22).

Oposição ao assistencialismo e ao ativismo


Uma vez acordada na dialogicidade, a ação educativa proposta
pela expansão do PAIR/MG pautou-se pela oposição ao assisten-
cialismo, o qual

consiste na modalidade de ação em que apenas se transferem dados


e conhecimentos, mostrando-se desinteresse em dialogar e descon-
siderando o outro pelo que é e sabe. Deste modo, o assistencialismo
é mutilador, cerceador de iniciativa, deixando a pessoa à mercê de
uma situação de eterna dependência. (Vasconcelos; Brito, 2006: 46)

Desde o início de todo o planejamento do processo de implantação


da expansão PAIR/MG a equipe coordenadora teve o cuidado de
identificar as ações de enfrentamento já existentes nos municípios.
Outro princípio norteador de nossa proposta de capacitação/
formação foi o convite aos formadores e educadores à construção da
relação contínua entre ação e reflexão, buscando a articulação entre
teoria e prática. Caso contrário, correríamos o risco do ativismo.
Ou seja, a tendência de mergulharmos na prática, descuidando do
“distanciamento crítico”, necessário a toda ação educativa.

Extensão: sinônimo de ação conjunta


Um dos princípios que nortearam nossa proposta de capacita-
ção/formação é aquele que concebe a ação educativa extensionista

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 92 12/11/2008 10:29:36


Ação educativa 93

em uma ótica oposta à que, infelizmente, ainda impera em nosso


contexto educacional, ou seja, aquela ação extensionista marcada,
segundo Paulo Freire, por uma “invasão” do opressor, ainda que
acredite ser uma ação messiânica, buscando organizar o mundo
“caótico” do outro, fazendo-o semelhante ao seu. (Vasconcelos;
Brito, 2006: 34)
Nossa ótica a respeito da atividade de extensão é oposta, à me-
dida que toda metodologia vivenciada no processo de capacitação/
formação pautou-se por superar a falsa imagem de inferioridade
construída a respeito das classes populares e superar também a
equivocada tendência de querer normalizar a realidade a partir
de um referencial externo pertencente ao educador.
Neste sentido, a ação educativa extensionista do PAIR/MG
pautou-se pela vigilância constante no tocante à postura do
formador, mantendo-se alerta para observar e escutar os agentes
locais, para juntos buscarmos as “saídas”, via ações coletivas,
sem pretender extender, levar o conhecimento acumulado pela
universidade aos educandos no sentido de mão única.

Estímulo à autonomia

Desde o início de todo o processo da implantação da expansão


PAIR/MG, ou seja, desde a fase de sensibilização, mobilização/arti-
culação nos três municípios, a equipe coordenadora buscou nortear
suas ações estimulando a autonomia dos agentes e atores locais.
Ao reconhecer as ações de enfretamento à violência sexual
infanto-juvenil existentes nos municípios, buscou-se imprimir
a marca do respeito e do incentivo à autonomia, endossando a
responsabilização de cada agente e cada ator no enfretamento do
fenômeno.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 93 12/11/2008 10:29:36


94 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

A importância do processo de conquista da autonomia, ainda


que gradativo, expressa-se na capacidade crescente das pessoas de
decidir e, ao mesmo tempo, de arcar com as conseqüências dessa
decisão, assumindo, portanto, responsabilidades.

Trabalho articulado em rede

O núcleo central da proposta metodológica do PAIR expresso em


seu objetivo central, “desenvolver um trabalho articulado em rede”,
pressupõe a existência de um “ato comprometido” que, segundo
Paulo Freire, liga-se “à capacidade de o homem agir e refletir sobre
os seus atos. Para que isso ocorra, é necessário que o indivíduo esteja
no mundo de maneira participante, crítica e atuante.”
Ao planejar as dinâmicas do processo de capacitação/formação
de educadores e de formadores a partir de exposições dialogadas,
pequenos grupos de discussão e plenárias, estivemos cuidando
para que o clima criado fosse favorável à participação e à crítica.
No decorrer de todo o processo de capacitação/formação foi possível
identificar uma “linha” que perpassou tanto os cursos como os
seminários, oficinas temáticas e de planejamento: o convite perma-
nente à indagação; à revisão dos preconceitos e pré-julgamentos;
ao estranhamento, ao não conformismo, a uma inserção crítica
na busca de alternativas coletivas de enfretamento do fenômeno.
“...o mero reconhecimento de uma realidade que não leve a [uma]
inserção crítica não conduz a nenhuma transformação da realidade
objetiva, precisamente porque não é reconhecimento verdadeiro”
(Freire, 1987: 38).
Cabe ressaltar que o fato de pautarmos nossa proposta de
capacitação/formação nos princípios apresentados até então não
significa que alcançamos sua presença absoluta. Pelo contrário, os
princípios desempenham a função de referenciais aos quais estamos

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 94 12/11/2008 10:29:36


Ação educativa 95

constantemente nos remetendo. Trata-se de um processo contínuo


de construção. Uma vez humano, trata-se de um processo limitado,
portador de lacunas e deficiências. Longe de nós a pretensão de
esgotá-lo.

Dimensões do processo de capacitação/formação

Ao conceber o processo de capacitação/formação como processo


de formação humana e, portanto, processo educativo, destacamos
três dimensões fundantes: a dimensão teórico-prática, a dimensão
ética e a dimensão metodológica. Acreditamos, portanto, que um
processo de formação de educadores exige que várias dimensões
da vida humana sejam contempladas.
No decorrer do processo de capacitação/formação para os
Formadores1 e no Curso e Oficinas para os Educadores2 centramos
nossa proposta em três eixos, correspondentes às três dimensões
do processo de formação mencionadas anteriormente: eixo da
dimensão teórico-prática, eixo da dimensão ética e eixo da dimensão
metodológica.
No eixo da dimensão teórico-prática oferecemos aos formadores
e educadores um referencial bibliográfico para aprofundarem na
“Análise da situação e no conhecimento e compreensão do funciona-
mento da Rede de Atendimento e Proteção Integral Infanto-Juvenil”.
Além de referenciais teóricos, os seminários, cursos e oficinas
proporcionam aos Formadores e Educadores a oportunidade de
debaterem a partir da análise de experiências concretas, projetos
em andamento no campo do enfrentamento à violência sexual
infanto-juvenil.
O eixo da dimensão ética justifica sua presença em nossa proposta
de capacitação/formação, por acreditarmos que a formação de
Educadores pressupõe, também, a vivência de um processo que

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 95 12/11/2008 10:29:36


96 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

proporcione a tomada de consciência relacionada a valores, a


princípios que conferem um sentido à ação educativa.
A equipe de coordenação do trabalho de capacitação/formação
junto aos Educadores participantes do PAIR parte da convicção
de que todo ser humano se humaniza, ou seja, se realiza pessoal
e socialmente, ao imprimir um sentido em sua ação no mundo. O
sentido que imprimimos em nossas ações se constrói a partir de
alguns valores, princípios norteadores, referenciais, a partir dos
quais elaboramos nossas propostas de intervenção.
A dimensão ética é responsável por dar o “tom” da ação ao
expressar a “postura de vida” do educador.
A partir de nossa experiência no campo da formação de Edu-
cadores, acreditamos que, no conjunto infinito de valores e princí-
pios, podemos destacar um que consideramos central: a crença no
processo de mudança. E para viabilizar tal processo, outros valores
e princípios tornam-se fundamentais: a abertura e disponibilidade
para a mudança, o respeito, a esperança e a solidariedade.

Abertura e disponibilidade para mudança


Ao concebermos a educação como um processo de formação
humana, tendo por objetivo a contribuição para o processo de
transformação pessoal e social, está subjacente o princípio da crença
no processo de mudança.
Portanto, as atitudes de abertura e disponibilidade, cultivadas
pelo educador, cumprem o papel de catalizadoras de um princípio
ao criar condições propícias para a mudança ser efetivada. É a não
desistência, é o acreditar que, mesmo de forma latente, o processo
de mudança pessoal e social dá seus sinais.
Esta crença é a expressão da concepção do mundo pela ótica
do movimento e do homem como sujeito. Concepções estas que
fundamentam nossa concepção de educação.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 96 12/11/2008 10:29:36


Ação educativa 97

Respeito
O princípio do respeito confere um sentido à ação educativa, na
medida em que ele se torna um “sinal de alerta” para compreender
as diferenças de ritmos e de intensidade da participação de cada
pessoa, grupo e/ou comunidade.
Transmitimos informações, proporcionamos tempo e espaço
para a participação de cada cidadão, de cada comunidade. Porém,
não detemos o poder de imprimir, no outro, o nosso próprio ritmo,
a nossa intensidade de envolvimento no processo participativo.
O princípio do respeito é um referencial claro para a convivência
humana, marcada por relações de conflito.

Esperança
O princípio da esperança é aquele que está sempre nos lembrando
da importância de se conceber a “história como possibilidade”.
Segundo Paulo Freire, “mudar é difícil, mas é possível!”
Conceber a história como possibilidade nos ajuda a superar
a postura fatalista, determinista, marcada pela desistência. Além
disso, desperta a nossa memória e nossa imaginação para buscarmos
soluções para as questões pessoais e sociais que nos rodeiam.
Ao longo do processo de capacitação/formação, convidamos
os Educadores a cultivarem esses princípios que, aliados a outros
tantos infinitos princípios humanos, possam conferir sentido a uma
prática educativa que se delineia no contexto da Educação Popular.
Uma prática que nos motiva a viver a condição humana.
Finalmente, o eixo da dimensão metodológica tem por objetivo
assegurar ao processo de capacitação/formação o seu tom prático e
de coerência entre teoria e prática. Portanto, se em nossos referenciais
teóricos explicitamos que nossa concepção de capacitação/formação
é entendida como “processo de formação humana, visando ao

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 97 12/11/2008 10:29:36


98 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFAN TO -JU VENIL | Parte I

mesmo aprendizado de ‘mão dupla’, isto é, uma construção conjunta


entre todos os participantes do processo”. O caminho o qual nos
propomos a percorrer em nossos seminários, cursos e oficinas de
capacitação/formação é aquele norteado pelo Método Dialógico
anunciado por Paulo Freire. Método que objetiva a construção da
relação humana, passando pela vivência do Acolher, do Observar
e do Escutar.
Formadores e Educadores são incentivados a cultivar essas três
habilidades básicas ao atuarem no atendimento às famílias e às suas
crianças, seus adolescentes e aos seus jovens.

Considerações finais

Temos consciência de que as crianças, os adolescentes, os jovens


e suas famílias, pertencentes aos setores populares, estão inseridos
em um contexto marcado pelo complexo processo de desigualdade
social, enraizado em nossa sociedade brasileira, ao longo de sua
história.
A existência do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil nos
setores populares é mais um indicador, a “ponta de um iceberg”,
da perversa realidade de exclusão social na qual se encontram
mergulhados. Portanto, o enfrentamento ao fenômeno de violência
sexual infanto-juvenil pressupõe um enfrentamento ao fenômeno
da desigualdade social.
A importância do trabalho articulado em rede, proposto pelo
PAIR, reforça a urgência do enfrentamento do fenômeno, supe-
rando a fragmentação das ações ainda presentes na rede de proteção
integral à criança e ao adolescente. A realidade da desigualdade
social deixa de ser concebida como realidade incontornável e
naturalizada. Ao contrário, ela se apresenta como um desafio,

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 98 12/11/2008 10:29:36


Ação educativa 99

gerando espanto, indignação e inconformismo. Todos nós, educa-


dores, somos convocados e desafiados a denunciar e a agir. Ação
marcada pelo processo educativo o qual visa a transformação dos
sujeitos e da sociedade. Todos nós, autores e leitores, formadores
e educadores, agentes locais e familiares das vítimas da violência
sexual infanto-juvenil, somos desafiados a desconstruir nossos pré-
conceitos, nossos pré-jugamentos, nossas imagens pré-concebidas,
a rever nossa prática.
Acreditamos na potencialidade da ação educativa, norteada
pelos princípios aqui apresentados, como um elo desencadeador de
mudanças, à medida que, por meio dela, se cria um vínculo entre
educadores e educandos. Vínculo construído permanentemente, o
qual propiciará a vivência do sentimento de reconhecimento e de
confiança. À medida que o ser humano se sente reconhecido pelo
outro ele é atingido por algo que lhe é fundamental (Buber apud
Von Zuben, 2003).
Somos convocados também a superarmos o risco da desespe-
rança que gera imobilismo. Jurandir Freire Costa nos alerta:

A mudança exige que pensemos que o que todos fazemos no dia-a-


dia, em qualquer atividade profissional ou cultural, é importante. O
que cada um de nós faz ou diz importa, e importa muito! O mundo
se faz de pequenos gestos cotidianos e das grandes crenças que os
sustentam. (2004: 88)

Notas
1
Equipe de Formadores responsável pela capacitação/formação dos Educadores
nos três municípios (Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim). Composição da equipe:
professores e técnicos das três Universidades (UFMG, UFTM e UFVJM),
profissionais da área da Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura e Esportes
e representantes da sociedade civil, indicados pelos três municípios. São eles:
Andréa Francisca dos Passos, Bethânia Ferreira Goulart Cunha, Carla Oliveira

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 99 12/11/2008 10:29:36


100 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

Cardoso, Cibele A. Chapadeiro C. Sales, Cláudia Gomes da Silva, Cristina Pinto


Cunha, Eduardo Moreira da Silva, Eliana Baracho A. Reis, Fabiana Silva Almeida,
Fabiana Silva de Oliveira, Geovânia Lúcia dos Santos, Glaziane Aparecida Silva,
Helena Hemiko Iwamoto, Helga Yuri Silva Okano Andrade, Jacira de Moura
Sander, José Joesso Alves Pereira, Jozeli Rosa de Souza, Marcos Genari Mariano,
Mário Alfredo S. Miranzi, Miriam de F. Amorim Corrêa, Nádia Maria Carvalho
O. Martins, Pedro Paulo V. de Macedo, Ricardo Silvestre da Silva, Rita Lúcia de
C. Oliveira, Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira, Sandra Ottoni Bamberg, Tânia
Aretuza, Wallysson Mardem V. Macedo, Zélia de Oliveira Barbosa.
2
Agentes locais os quais, inseridos em sua realidade municipal, desenvolvem uma
ação educativa em sua comunidade: Conselheiro(a) Tutelar, Promotor(a), Juiz(a),
profissionais da Educação, da Saúde, da Assistência Social, da Cultura e Esportes,
da Segurança Pública e das instituições da sociedade civil e representantes do
Legislativo.

Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular 40 anos depois. In: ____. A


educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002.

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional


de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos
Humanos/Ministério da Educação/Ministério da Justiça/Unesco, 2007.

COSTA, Jurandir Freire. Perspectivas da juventude na sociedade de mercado.


In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (Org.). Juventude e sociedade. Tra-
balho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2004.

FREIRE, Ana Maria Araújo. Notas. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um
reencontro com a Pedagogia dos oprimidos. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a Pedagogia do opri-


mido. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000a.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa.


15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000b.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 100 12/11/2008 10:29:36


Ação educativa 101

LIBANIO, João Batista. Abordagem filosófica. In: ____. A práxis impregnada de


amor. Por uma educação católica inédita e viável. Atividades Pré-Congresso.
19 CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAçÃO CATÓLICA, Belo Horizonte,
Chevrolet Hall, 22 a 25 jul. 2007.

GIOVANETTI, Maria Amélia G. C. A relação educativa na EJA: suas repercus-


sões no enfrentamento das ressonâncias da condição de exclusão social. In: REU-
NIÃO ANUAL DA ANPEd (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Educação), Poços de Caldas, 26 out. 2003. Anais... Poços de Caldas, out. 2003.
Disponível em: <http://www.anped.org.br>.

GIOVANETTI, Maria Amélia G. C. A formação de educadores de EJA: o legado


da Educação Popular. In: SOARES et al. (Org.). Diálogos na educação de jovens e
adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis:


Vozes, 1999.

VASCONCELOS, Maria Lúcia M. C.; BRITO, Regina Helena Pires. Conceitos de


educação em Paulo Freire. Petrópolis: Vozes, 2006.

VON ZUBEN, Newton Aquiles. Martin Buber. Cumplicidade e diálogo. Bauru:


EDUSC, 2003.

VON ZUBEN, Newton Aquiles. Introdução. In: BUBER, Martin. Eu e tu.


Tradução de Newton Aquiles Von Zuben. 2. ed. São Paulo: Cortez e Moraes,
1979.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 101 12/11/2008 10:29:36


R o d r igo Fra n c i s c o C o rrê a de Oli v ei ra
G e o vâ n i a L ú c i a d o s S an to s

JUVENTUDE, DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL


Desafios e prioridades para o protagonismo

Primeiras palavras

Não gostaria de começar essa nossa conversa sobre o protago-


nismo sem antes conceituar apresentando quem sou e explicando
as razões por eu estar escrevendo sobre este assunto aqui, neste
livro. Chamo-me Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira, sou negro,
filho de Rosilda e Geraldo, e tenho o ensino médio concluído. Nas-
cido em Belo Horizonte (MG), tenho vinte e dois anos de vida dos
quais sete foram dedicados à participação social. Nesses sete anos
sei que caminhei bastante, mas ainda é preciso caminhar. Nesse
sentido afirmo a visão de Paulo Freire, acerca da relação do sujeito
consigo mesmo:

Gosto de ser homem, de ser gente porque, como tal, percebo afinal
que a construção de minha presença no mundo, que não se faz
no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se
compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o
que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo
mesmo. (1996: 53)

Pois é o que herdo, é o que me faz ser quem sou, participar


do jeito que participo e defender os Direitos Humanos como um

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 102 12/11/2008 10:29:36


J uventude , democracia e participação social 103

instrumento de igualdade que, para mim, apesar de já terem sido


declarados há muito, ainda representam um avanço tão grande que
causa espanto o fato de alguns – os resistentes – ainda não terem
se dado conta.
Minha formação ética e a favor dos direitos inerentes aos homens
vem dos grupos de discussão e dos processos de formação de que
participo. Acredito no potencial formativo que há nas rodas de
conversas e nas instituições de ensino tradicional formais, e também
nos espaços onde informalmente a educação se faz. O trânsito nestes
espaços é o me que possibilita ocupar esse lugar e compartilhar os
saberes adquiridos e construídos nessa minha rica caminhada de
formação, lutas e conquista.
Dentre os espaços nos quais tenho atuado e me (in)formado,
destaco o Projeto Jovens Interagindo – JITE,1 onde pude amadu-
recer minha participação no movimento social. A equipe da Ofi-
cina de Imagens,2 organização não-governamental que coordena
este projeto, é uma das responsáveis pela minha formação e de
outros(as) jovens que, tendo participado do Projeto JITE, foram
co-responsáveis por esse amadurecimento.3
O texto que se segue é uma sistematização sobre o trabalho rea-
lizado em torno do Protagonismo Juvenil na expansão do PAIR/MG
nas cidades de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, em articulação com
outras vivências em projetos que tinham/têm por objetivo estimular
e/ou fortalecer a participação de crianças, adolescentes e jovens no
enfrentamento à violência sexual.

O direito à participação juvenil

Quem nunca ouviu dizer que “os jovens são o futuro do país?”
Quase todo mundo, não é verdade? Porém a afirmativa merece
uma reflexão: se os jovens são o futuro do país, qual é o seu papel

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 103 12/11/2008 10:29:36


104 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

sociopolítico no presente? O que podemos considerar em relação


a esta afirmativa? Parece-me que ela projeta para o jovem uma
responsabilidade para o futuro e o trata como um “parasita” na
sua realidade juvenil.
Entender o jovem como futuro é, sobretudo, dar visibilidade
à sua realidade no presente – momento no qual ele constrói as
bases para o tão falado futuro que, diferentemente do que muitos
acreditam, não o aguarda pronto, mas será resultado de um trabalho
de construção; construção esta na qual tanto o jovem quanto a
sociedade devem participar ativamente. Por isso, é importante
ter a participação de crianças, adolescentes e jovens em todos os
espaços da cidade, inclusive naqueles onde ocorrem as tomadas
de decisão.
Nesse sentido,

podemos definir o protagonismo juvenil como atuação cidadã dos


jovens na luta por suas posições, crenças e valores. Trata-se de um
tipo de intervenção no contexto social para responder a problemas
reais onde o jovem é sempre o ator principal (Costa, 2000).

Portanto, o protagonismo juvenil está diretamente ligado à


participação de crianças, adolescentes e jovens na vida/mundo
social. Trata-se de um processo educativo que viabiliza o exercício
da cidadania entre as crianças, adolescentes e jovens. Na perspec-
tiva do protagonismo, a participação social deste segmento se dá
de forma democrática e, por esta via, eles são reconhecidos como
sujeitos de direito.
Mas tomemos cuidado com esse processo educativo, pois é pre-
ciso lembrar uma das reflexões de Paulo Freire em que ele alerta
para o fato de que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si
mesmo, os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo
em que vivem” (1996: 68).

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 104 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 105

Trabalhar com jovens na perspectiva da educação e participação


social exige um conhecimento prévio deste segmento; é preciso
saber quem é este jovem, de onde vem e o que gosta ou não de
fazer, quais são os laços que ele estabelece na família, na escola, na
comunidade e no trabalho (independentemente de ele estar inserido
ou não neste mercado).
Educar para o protagonismo é enfatizar a capacidade dos jovens
de sonhar, sentir e de saber se expressar com maior liberdade e
criatividade. Entretanto, essa é uma tarefa árdua para educadores
populares e sociais que atuam na área dos direitos e da cidadania.
Isto porque é um desafio que propõe aos educadores pensar suas
práticas diárias e, indo mais além, despedir-se da visão estereoti-
pada da cultura do jovem, entendendo-os como seres singulares
que trabalham a educação de forma horizontal e coletiva, e não
hierárquica, como tradicionalmente se faz.
Vale, ainda, ressaltar que protagonismo não é empreendedo-
rismo. O empreendedorismo está ligado ao trabalho, emprego e
renda, e embora saibamos que o trabalho é um direito inerente
aos seres humanos, defendemos a idéia de que o protagonismo
está ligado diretamente aos direitos e à cidadania fugindo, assim,
à lógica do mundo capitalista que tende a converter tudo em mer-
cadoria/valor de troca.
A promoção do protagonismo e garantia de espaço para a atuação
protagônica de crianças, adolescentes e jovens na vida social não é
uma discussão recente, mas vem ganhando cada vez mais espaço.
Deste modo, é importante que a sociedade em geral e os educadores
de modo mais específico fiquem alertas para este fenômeno no Brasil,
pois esse é um movimento que veio para ficar.
Não se trata de modismo, mas da adoção de uma postura aberta
e reconhecedora do potencial que as novas gerações possuem de
contribuir na discussão, definição e deliberação acerca de questões

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 105 12/11/2008 10:29:37


106 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

que lhes dizem respeito direta e/ou indiretamente. O educador que


não perceber isso, além de sair perdendo, será atropelado pelo curso
da história. Portanto, é mais que urgente uma mudança, tanto nas
práticas de educação quanto na concepção de uma nova mentali-
dade acerca da cultura infanto-juvenil do século XXI.
Uma das preocupações pertinentes ao educador na tarefa de
fomento à atuação protagônica é observar se a sua presença inibe
ou incentiva a participação do jovem. Quando inibir, é importante
ao educador se perguntar as possíveis razões para tanto e observar
que laços as crianças, jovens e/ou adolescentes do grupo estabe-
lecem consigo, a fim de avaliar as possibilidades e desenvolver
mecanismos a partir dos quais consiga, de fato, ser reconhecido
como um mediador do processo por todos os participantes, ele-
mento fundamental para que sua atuação fomente o protagonismo
de modo efetivo.
Preparar o jovem para uma Participação Protagônica significa
formá-lo chamando sua atenção para a necessidade de definir, com
clareza, as bases de sua ação por meio do exercício de responder a
algumas questões: qual a situação problema? o que pretendemos
fazer? quando começará e terminará a ação? onde acontecerá (local
e área)? quem ficará responsável pelo quê? como as atividades serão
organizadas? quanto de recursos físicos, materiais, financeiros e
humanos serão utilizados para execução da atividade em foco?
(Costa, 2000).
A formação para o planejamento de ações a serem protagonizadas
pelos jovens é um dos elementos necessários para que se atinja o
objetivo da promoção de sua participação ativa na vida social. Nesse
sentido, as perguntas elaboradas pelo autor Antonio Carlos Gomes da
Costa, que apresentamos acima, constituem uma das possibilidades
de organização da ação protagônica infanto-juvenil e não uma regra,
pois é preciso pensar principalmente os recursos financeiros e físicos

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 106 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 107

para que a ação possa sair da esfera do planejamento, passado ao


campo da execução.
É possível que as ações protagônicas sejam executadas sem a pre-
sença do educador, e quando isso acontece é fundamental planejar
todos os recursos e passos a serem dados pelos agentes para que
a ação não seja comprometida e nem ocorra a sua desmobilização.
Ou seja, no processo de promoção do protagonismo, é necessário
pensar a sustentabilidade do público infanto-juvenil, pois muitas
vezes as crianças, adolescentes e jovens deixam de priorizar fazeres
importantes em suas vidas para se entregarem à participação. Assim,
é fundamental que sua ação protagônica seja objetiva e efetiva, sem
gerar frustrações tanto nos agentes que irão executá-las, quanto nos
educadores que irão mediar o processo.
Quando o educador acompanha essas mobilizações em torno
do protagonismo, é importante que se posicione diante da situação
problema e, sempre que necessário, motive os agentes para
avaliarem as ações. Seu papel também é importante no sentido
de dar visibilidade às ações executadas. Para isto, existem várias
estratégias possíveis, dentre as quais sugerimos a construção da
“linha do tempo”.4 Trata-se de um mecanismo que possibilita a
visualização ampla da ação como um todo, quando a mesma se
apresenta confusa: o percurso da ação é desenhado em uma linha
horizontal e ali se coloca todo o planejamento que antecede a ação.
Deste modo, torna-se possível a todos os participantes visualizar o
que está sendo feito, bem com as opções/decisões tomadas, o que
lhes permitirá compreender as ações em cuja execução eles estão
participando/contribuindo ativamente.
Para o exercício da participação social é preciso que o jovem
se reconheça como sujeito de direitos, principalmente do direito à
expressão e opinião. Ele também precisa compreender a importância
dos princípios básicos da cidadania para, a partir daí, perceber seu

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 107 12/11/2008 10:29:37


108 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

potencial de transformação social; tais princípios são referentes ao


conhecimento em direitos humanos.
Vale ressaltar, nesse contexto, a necessidade de os envolvidos
desenvolverem o senso de responsabilidade pessoal e compromis-
so social no que se refere ao destino coletivo. Assim, reforçamos
a visão de Costa (2000), para quem o exercício da cidadania vem
antes da participação social, ou seja, é necessário um trabalho de
esclarecimento e (re)conhecimento dos direitos e dos deveres a eles
correspondentes para que o jovem possa exercer sua participação,
percebendo a importância de suas intervenções na elaboração e/
ou implementação de políticas públicas.
Por fim, é importante lembrar que o protagonismo é um con-
ceito em construção e não uma forma engessada de estímulo à
participação de crianças, adolescentes e jovens na vida social.
Contrariamente, trata-se de uma postura que, como tal, deve ser
construída coletivamente, considerando-se as especificidades do
público envolvido, do contexto no qual as ações serão executadas,
bem como a natureza da ação propriamente dita.

Protagonismo juvenil no PAIR: panorama nacional5

Muito se tem refletido e debatido sobre a violência em nosso


país, e as crianças, adolescentes e jovens ainda permanecem como
as maiores vítimas deste fenômeno. Em alguns casos, a negligência
e a violência física, psicológica e sexual de que são vítimas chegam
a comprometer o seu processo de desenvolvimento, deixando
seqüelas para o resto de suas vidas.
Entre os muitos desafios de nossa época está o de compreen-
dermos as questões relacionadas à violência sexual infanto-juvenil
que se configura como um fenômeno multidimensional e de extrema
gravidade no campo da violação dos direitos humanos.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 108 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 109

Vários estudos apontam a complexidade da violência sexual,


cuja ocorrência se dá em todos os tipos de organização familiar, e
o desafio de seu enfrentamento se torna maior quando este tipo de
violência está vinculado a outras formas de violação dos direitos, tais
como a pobreza, a desigualdade, as questões culturais, de gênero,
etnia, raça, conflito de gerações, orientações sexuais, entre outras.
É preciso compreender que cada fenômeno social possui aspectos
históricos, culturais, políticos e econômicos, que necessitam de uma
leitura global para que seja possível pensar em ações com alcance
global.
A ciranda perversa na qual um adulto utiliza-se de uma criança
ou de um adolescente para sua satisfação sexual tem exigido do
governo e da sociedade civil ações articuladas e integradas na
busca da superação desse problema, e o marco para a mudança da
nossa realidade de injustiça social e de violação dos direitos das
crianças e adolescentes é a implantação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), instituído pela Lei 8.069 de 13 de julho de
1990. Este instrumento de garantia e promoção dos direitos, que
neste ano completou 18 anos, contrapõe-se historicamente a um
passado de controle e de exclusão social e sustenta-se na Doutrina
da Proteção Integral.
A partir da instituição do ECA começamos a construir um novo
olhar e uma nova prática onde crianças e adolescentes são sujeitos
de direito, pessoas em situação peculiar de desenvolvimento. Diante
desta nova compreensão, redefinimos a construção e gestão das
políticas públicas, bem como também dos papéis, responsabilidades,
atribuições e competências de todos, sejam eles nos âmbitos federal,
estadual, municipal, familiar e social.
O grande passo para reverter o quadro de violação dos diretos
infanto-juvenis foi, primeiramente, criar uma rede integrada e assim
garantir de forma efetiva o cumprimento do ECA e a implantação

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 109 12/11/2008 10:29:37


110 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-


Juvenil – PAIR, cabendo lembrar que este último é produto e
testemunho da mobilização articulada da sociedade civil com as
três esferas de governo e organismos internacionais, com atuação
e experiência na área.
Esses atores e agentes se uniram em torno do objetivo de esta-
belecer um Estado de Direitos para a proteção integral de crianças
e adolescentes em situação de violência sexual, o que implica a
interrupção do ciclo de violência no caso das situações já instauradas,
bem como na prevenção junto a todas as crianças e adolescentes e,
em especial, junto àquelas que se encontram sob risco de virem a
ter sua integridade física e seu desenvolvimento sexual saudável
violados.
Deliberado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CONANDA), esse Plano consiste em uma diretriz
nacional e tem por objetivo desenvolver ações articuladas a partir
de seis eixos, a saber: análise da situação, articulação e mobilização,
prevenção, atendimento, defesa e responsabilização e protagonismo
infanto-juvenil.
O Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-
Juvenil tem, portanto, como objetivo, o estabelecimento de um
conjunto de ações articuladas que permitam a intervenção técnica,
política e financeira para o enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes. Considerando esta premissa, ressaltaremos,
a partir deste ponto, a importância do protagonismo infanto-juvenil
na construção e fortalecimento da rede social e no enfrentamento
a este fenômeno.
O protagonismo infanto-juvenil tem como fundamento o fato
de as crianças, adolescentes e jovens terem sua participação social
legitimada pelo capítulo II do ECA, no qual há a defesa da garantia
“Do Direito à liberdade” (artigo 16) traduzido, em seu texto, por

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 110 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 111

meio da garantia do direito a “Opinião de expressão” (§ II); “Parti-


cipar da vida familiar e comunitária, sem discriminação” (§ V) e
“Participar da vida política na forma da lei” (§ VI).
Assegurar essa participação nos espaços de decisão é, portanto,
um dever nosso enquanto educadores conscientes do protagonismo
infanto-juvenil, e um direito de crianças e adolescentes, tal como
definido no ECA. Ao ocupar esses espaços, crianças e adolescentes
– e aqui estendemos a reflexão aos jovens –, estão exercendo o que
está preconizado nos artigos do Estatuto, tarefa fundamental, uma
vez que são eles os agentes que mais sofrem com a violência sexual
e outras formas de privação/violação de diretos.
Deste modo, trata-se de viabilizar que eles, juntamente com
todos os setores sociais comprometidos com a doutrina da proteção
integral, lutem por seus próprios direitos ocupando o lugar que lhes
cabe. Nesse sentido, é importante lembrar que todos têm algo com
que contribuir, embora de maneiras diferentes, em ritmos diferentes.
Por isso, é importante que o adulto saiba ouvir, respeitar e valorizar
os diversos saberes e formas de expressão de crianças, adolescentes,
jovens e que, partindo desse respeito, se lembre que a participação
dos outros não acontece no ritmo/forma que queremos, pois cada
um tem seu jeito de dizer sobre as coisas do mundo.
Segundo Antonio Carlos Gomes da Costa, devemos procurar
promover uma “participação autêntica”, ou seja, o protagonismo,
para este autor, é a criação de espaços e mecanismos de escuta
e participação. Trata-se, portanto, de “reconhecer o jovem não
como um problema, mas como parte da solução”. A adoção desta
postura, ainda segundo ele, “é meio caminho andado” no sentido
da promoção do protagonismo.
O protagonismo juvenil é a atuação dos jovens com questões
relacionadas com a sua subjetividade, no convívio com seus pares,
com a escola, família, comunidade, sociedade e com o mundo.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 111 12/11/2008 10:29:37


112 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

Conforme Roger Hart (1993),

a participação é um importante antídoto às práticas educativas


tradicionais, que correm o risco de deixar a adolescência alienada e
exposta à manipulação. Por meio de uma participação genuína em
projetos que levem à solução de problemas verdadeiros, os jovens
desenvolvem capacidades que são essenciais para a autodetermi-
nação de suas opções políticas. O benefício é duplo: a autodeter-
minação do jovem e a democratização da sociedade.

O protagonismo juvenil é, assim, um tipo de ação de intervenção


no contexto social para responder a problemas reais dos quais
adolescentes e jovens são sempre os atores principais.
Isto posto, podemos dizer que o protagonismo juvenil é a
atuação cidadã dos adolescentes e jovens na luta por suas posições,
crenças e valores. Daí a responsabilidade de todas as instituições e
dos educadores que fazem parte da rede de defesa e garantia dos
direitos das crianças, adolescentes e jovens no que diz respeito ao
protagonismo: esse não pode ser visto e nem trabalhado como um
modismo, e sim como uma prática educativa.

Protagonismo juvenil no PAIR/MG


Expansão Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim

Um importante setor das políticas públicas em que o prota-


gonismo juvenil tem ganhado legitimidade é no Plano Nacional
de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil. Neste caso,
objetiva-se promover a participação ativa de crianças e adoles-
centes (e aqui incluímos os jovens) para a defesa de seus direitos,
comprometendo-os com a concepção, planejamento e execução
de ações de prevenção pró-ativa e de enfretamento ao fenômeno.
Para tanto, foram instituídas, no âmbito da coordenação colegiada

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 112 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 113

do Comitê Nacional do PAIR, representações juvenis para as cinco


regiões brasileiras. Estas têm a função de fazer o monitoramento e
avaliação das ações executadas no âmbito do Plano Nacional.
No caso da expansão do PAIR/MG nos municípios mineiros de
Teófilo Otoni, Itaobim e Uberaba, a estratégia nacional de promoção
da participação ativa dos jovens no enfrentamento ao fenômeno
se desdobrou em ações específicas. Dentre elas, destacamos a par-
ceria firmada entre os atores responsáveis pela execução do Plano
(Pró-Reitoria de Extensão da UFMG, UFTM e UFVJM) e a ONG
Oficina de Imagens. Por meio desta parceria, foi possível efetivar
a presença e atuação do segmento juvenil em todas as ações de
concepção, planejamento e execução da expansão do PAIR, nos
municípios em questão.
Tratou-se, conforme mostraremos adiante, de uma estratégia
de fundamental importância, pois, através da presença efetiva dos
jovens, junto ao grupo de formadores – atuando, também eles, como
formadores –, pôde-se ampliar as possibilidades de sensibilização
do público participante em relação à importância de programar
situações e criar as condições necessárias para se efetivar esta
participação no enfrentamento ao fenômeno em nível local.
A participação do segmento juvenil nesta etapa da expansão
do PAIR/MG se deu de diferentes formas, tendo gerado resultados
positivos em todas elas. No que se refere à concepção e planeja-
mento das ações, a presença deste segmento sensibilizou o grupo
de formadores no sentido de atentar para a necessidade de fugir ao
formato adultocêntrico e teórico-acadêmico característico de ações
da capacitação/formação, imprimindo mais movimento e leveza
nas dinâmicas e atividades propostas.
A necessidade de construção de uma forma de diálogo que
possibilitasse a compreensão e o acompanhamento dos conteúdos
da capacitação/formação por parte do segmento infanto-juvenil

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 113 12/11/2008 10:29:37


114 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

também foi um aspecto para o qual se atentou, sobretudo no


processo de execução das ações de capacitação/formação, a partir da
sinalização feita pelos representantes do eixo protagonismo juvenil
presentes na equipe de capacitadores/formadores.
A satisfação do objetivo de articular uma rede de proteção à
infância e adolescência, que contemplasse todos os segmentos
atuantes na área e, dentre eles, o público-alvo destas ações, foi
outra realização tornada possível graças à presença e atuação
protagônica dos jovens na equipe dos capacitadores/formadores.
Isto porque o diálogo promovido entre estes e os representantes
do segmento infanto-juvenil nas ações realizadas foi construído
por jovens lideranças que colocavam em reflexão questões do
universo juvenil, problematizando-as com uma linguagem própria
a este segmento.6
A partir das contribuições dadas pelos agentes do protagonismo
que compuseram a equipe de capacitadores/formadores, o entendi-
mento que orientou todo o trabalho foi a necessidade de deixar os
adolescentes e jovens partícipes da capacitação/formação o mais à
vontade possível para participarem da forma que sabiam. A adoção
desta postura e orientação para o trabalho se fez por considerarmos
que encontraríamos nos municípios agentes inseridos em seu próprio
contexto e realidade local, sendo inadequado, de nossa parte, tentar
imprimir ali um modelo de participação alheio a seu universo.
Interessava-nos, pelo contrário, propiciar-lhes acesso ao conhe-
cimento de um panorama mais ampliado da participação social
infanto-juvenil para que, de posse deste panorama, eles avançassem
no sentido de compreender e se apropriar de outras formas/meca-
nismos de ação adequados à realidade e potencialidades locais.
Tais estratégias possibilitaram que os representantes do eixo
protagonismo juvenil, presentes nas ações de capacitação/formação,
melhor compreendessem o sentido e a importância da participação

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 114 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 115

ativa das novas gerações na vida social, o que significou a sensibili-


zação e o compromisso para que também eles, atuando protagoni-
camente como multiplicadores desta postura, promovessem ações
voltadas à sua disseminação junto à juventude local.
No que se refere aos representantes deste eixo nas ações de capa-
citação/formação, é importante ressaltar que o que encontramos nos
municípios em questão foi uma adolescência e juventude prontas
e dispostas a participar da rede constituída para o enfrentamento
ao fenômeno. Também encontramos ações de mobilização do
enfrentamento à violência sexual e grupos já organizados, dispostos
a incorporar as ações de enfrentamento em ações que já estavam
em curso.
Assim, tratou-se do encontro de um público jovem que, dife-
rentemente do que tende a ocorrer em ações desta natureza, não
“caíram de pára-quedas” nas discussões. Sua participação revelou
a experiência e o amadurecimento dos adolescentes e jovens com
os quais trabalhamos. Esta experiência e amadurecimento, por sua
vez, possibilitaram que eles avançassem na qualificação de sua
participação, por meio da proposição de ações ligadas ao eixo do
Protagonismo Infanto-Juvenil nos Planos Operativos Locais, das três
localidades aqui consideradas – Teófilo Otoni, Itaobim e Uberaba.
A presença deste segmento entre os participantes da capacitação
e, também, no interior da equipe de capacitadores/formadores
gerou impactos significativos no que se refere à sensibilização do
público adulto na compreensão do significado do protagonismo, de
suas implicações e da necessidade, por conseguinte, de criação de
mecanismos que fomentem/favoreçam a atuação protagônica das
jovens lideranças municipais.
Esta presença, portanto, representou uma rica oportunidade de
os agentes que atuam junto a crianças e adolescentes e famílias dos
municípios compreenderem esta nova forma de estar com/e em

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 115 12/11/2008 10:29:37


116 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

relação às crianças, adolescentes e jovens, por meio do acompanha-


mento/participação de atividades nas quais nossas jovens lideranças
tiveram participação ativa. Neste sentido, vale, ainda, lembrar que,
sempre que acionadas, essas lideranças se mostraram prontas e
aptas a sugerir e participar, conforme dissemos anteriormente.

Considerações finais
Antagonistas ou protagonistas?
“Tu me dizes, eu esqueço.
Tu me ensinas, eu lembro.
Tu me envolves, eu aprendo.”
Benjamim Franklin

Esse pequeno poema de Benjamim Franklin nos diz em poucas


palavras sobre como deve ser o processo de participação dos
jovens: se ele não estiver efetivamente envolvido no processo, a
participação não surte efeitos desejados. Por isso, há que se pensar
os processos formativos, para que a participação infanto-juvenil
seja cada vez mais qualificada. Não adianta só abrir os espaços para
que se participe, tem que haver também uma formação para que
adolescentes e jovens não “caiam de pára-quedas” nas discussões
das redes sociais, sobretudo nas que se realizam na rede de
enfrentamento à violência sexual. Isto porque, conforme já tivemos
a oportunidade de ressaltar aqui, trata-se de uma realidade da qual
crianças, jovens e adolescente são as principais vítimas.
Segundo Costa (2000), existe uma escala de tipificação da
participação de crianças, adolescentes e jovens que varia entre as
seguintes formas: Participação manipulada; Participação deco-
rativa; Participação simbólica; Participação utilitária (execução);
Participação no planejamento e execução; Participação na decisão,
planejamento e execução; Participação na decisão, planejamento,
execução, avaliação e apropriação dos resultados; Participação de

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 116 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 117

todas as etapas, atuando sob a orientação de adultos; e Participação


em todas as etapas sem a participação dos educadores.
Diante desta variação de formas/modelos é importante saber
como a participação protagônica de crianças, adolescentes e jovens
na vida social tem se dado, a fim de se criar meios de estimular
a adoção daqueles modelos que propiciem a efetivação de uma
participação ativa, autônoma, e que expresse, de fato, os interesses,
demandas, realidades e potencialidades dos agentes envolvidos.
O mesmo autor destaca que, para que a participação juvenil
protagônica ocorra, é importante apostar na autonomia ou, bem
mais que isso, nas experiências vivenciadas pelos adolescentes e
jovens que não se apresentam como um papel em branco ou apenas
uma promessa de futuro, como infelizmente é comum se pensar.
Propomos um exercício para ilustrar nosso raciocínio: gosta-
ríamos que você, nosso leitor, pensasse em jovens. Mas pense como
ele é, considerando tipo físico e todas as especificidades que o com-
põem. Pense em um jovem médico. Pensou? Agora pense em um
jovem físico nuclear. Pensou? Agora pense em um jovem do hip-hop,
um jovem pagodeiro e um jovem líder comunitário. Pensou?
Bom, parece-nos que a resposta é óbvia. Geralmente, quando
propomos este tipo de reflexão, ao pensar no jovem que é físico
nuclear e/ou médico, as pessoas pensam, de imediato, em pessoas
brancas, com um bom poder aquisitivo. Por outro lado, ao pensar em
jovens pagodeiros, do hip-hop e líderes comunitários, normalmente
pensam em jovens negros, moradores de periferia, com baixo poder
aquisitivo. Foi assim com você?
Este exercício é um importante termômetro que nos ajuda a iden-
tificar e refletir sobre o quanto alguns estereótipos e preconceitos
referentes às competências, potencialidades e formas de partici-
pação dos jovens estão internalizados em nós. E, ainda, nos ajuda
a compreender por que, socialmente, há a tendência de se tutelar

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 117 12/11/2008 10:29:37


118 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

as ações de adolescentes e jovens, de preferir sua participação


manipulada e decorativa. Ou seja, o que está internalizado em nós
nos impede de construir uma percepção mais adequada e real da
cultura juvenil. Assim, quem deseja, realmente, promover e/ou esti-
mular o protagonismo infanto-juvenil deve começar identificando e
refletindo sobre todas as percepções que tem internalizadas acerca
deste público.
No que se refere ao Protagonismo Juvenil no PAIR, fez-se
um grande investimento no sentido de incorporar, na rede de
proteção de crianças e adolescentes, a participação protagônica
dos mesmos como tentamos mostrar ao longo deste texto. Porém,
ainda temos muito a caminhar. Os adolescentes e jovens estão sendo
“bombardeados” com uma avalanche de informações por meio
dos meios de comunicação. E estas informações, na maioria das
vezes, além de não acrescentar muita coisa no que se refere ao seu
preparo para a vida social, tendem a reforçar a competitividade,
o individualismo, o consumismo e a alienação, não estimulando a
participação cidadã.
Uma experiência nossa7 também referida ao fenômeno da vio-
lência sexual infanto-juvenil foi bastante significativa no sentido de
revelar o quanto alguns agentes e atores sociais têm dificultado a ação
dos jovens, no que diz respeito a esta participação protagônica.
Surgido a partir de uma das metas do Plano Nacional de Enfren-
tamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, o Projeto Juventude
em Ação consistiu em um mecanismo por meio do qual se buscou
formar/sensibilizar jovens para agirem protagonicamente neste
enfrentamento. A experiência foi realizada em sete cidades brasi-
leiras (Olinda/PE; Fortaleza/CE; Belo Horizonte/MG; Manaus/AM;
Foz do Iguaçu/PR; Belém/PA e Corumbá/MT). O trabalho consistiu
na aplicação de questionários e realização de oficinas em torno

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 118 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 119

das seguintes temáticas: Direitos Sexuais são direitos Humanos;


Violência Sexual; e Protagonismo Juvenil.
Nesse processo, foi feito um levantamento sobre as percepções
de adolescentes, jovens e educadores sociais sobre o protagonismo
juvenil, e a conclusão apontou para a fragilidade no comprometi-
mento das redes sociais com este eixo. Para nós, jovens protago-
nistas, pareceu-nos um tanto assustador que as redes sociais se
comprometam com a promoção do protagonismo e, ao mesmo
tempo, não construam as condições necessárias para trabalhar as
temáticas relativas a esse eixo.
Conforme consta do relatório final do projeto:

Não se trata, logicamente, de repetir formas de enfrentamento que


bem ou malsucedidas cumpriram seu papel em diferentes contex-
tos históricos: as lutas estudantis dos anos 60 e 70, os processos
de afirmação de identidade dos jovens das periferias das cidades
(gangues, galeras) nos anos 80 e 90 ou ainda a aparente “apatia
política” da juventude neste início de século. (RELATÓRIO FINAL
JUVENTUDE-AçÃO, 2007)

Assim, no contexto atual, torna-se importante repensarmos a


forma de estar com o segmento infanto-juvenil, pois, se de fato
o objetivo da rede de proteção integral é articular e promover os
agentes e atores que atuam no atendimento, promoção e proteção
de crianças e famílias, é fundamental avançar no sentido de criar
estratégias que possibilitem a efetiva integração de todos no
processo, em reconhecimento à importância que cada um tem no
enfrentamento a este fenômeno. Os adolescentes e jovens querem,
sim, participar, e nossa atuação nos municípios de Teófilo Otoni,
Itaobim e Uberaba reforçou a percepção de que o desejo por eles
alimentado e convertido em demanda é de que esta participação se
dê para além das manifestações artísticas e culturais que estamos

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 119 12/11/2008 10:29:37


120 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

acostumados a ver em seminários e cursos de formação. Isto porque


a disposição que vimos nos participantes das ações ali executadas é
de atuar efetivamente em todas as etapas/ações de enfrentamento,
indo da concepção e planejamento até a avaliação final das ações
executadas neste âmbito.
Deste modo, nos sentimos impelidos a enfatizar a lembrança
do dever que a rede de proteção integral de crianças e adolescentes
tem de garantir-lhes assento e voz ativa nas discussões, tomadas
de decisão e execução de ação, de modo que eles efetivamente
compreendam, participem e contribuam em todo o processo;
afinal, é disto que se trata quando falamos em promover a inte-
gração dos agentes locais para que atuem de forma articulada.
É importante que nesse processo os educadores estabeleçam
canais efetivos de diálogo com o segmento infanto-juvenil e firmem
com estes agentes parcerias, dando-lhes os subsídios necessários
para atuarem de forma protagônica. Uma sugestão que julgamos
procedente, neste sentido, é a garantia de participação dos agentes
infanto-juvenis do enfrentamento em todas as ações formativas rea-
lizadas neste âmbito, reconhecendo e resguardando seu espaço de
escuta, mas também de fala.
Conforme tentamos demonstrar, os adolescentes e jovens tam-
bém têm muito que dizer, e sua fala, muitas vezes, é reveladora
daquilo que nós, adultos, não damos conta de captar, visto estarmos
imersos em nosso universo de questões e preocupações. Trata-se,
portanto, de abandonarmos o velho hábito de fazermos “por/para
eles” e incorporarmos, de uma vez por todas, a postura educativa
de fazer “com/por meio deles”, que são as principais vítimas e
importantes interessados na eliminação do fenômeno da violência
sexual infanto-juvenil, bem como de todas as formas de violação
de direitos a que estão cotidianamente expostas as nossas novas
gerações.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 120 12/11/2008 10:29:37


J uventude , democracia e participação social 121

Com a efetivação da participação infanto-juvenil protagônica na


execução desta política de diretriz nacional, acreditamos que fica-
remos um pouco mais próximos de, juntos e articulados em rede,
construirmos um país no qual o respeito às crianças, aos adolescentes
e aos jovens se torne realidade e onde eles possam crescer e se fazer
adultos com a liberdade, a responsabilidade e o compromisso ético
tão fundamentais para a consolidação dos princípios da cidadania,
em uma sociedade democrática.

Notas
1
Coordenado pela ONG Oficina de Imagens Comunicação e Educação, o projeto
JITE – Jovens Interagindo – formou, entre os anos de 2003 e 2006, 45 jovens de
Belo Horizonte e região Metropolitana em direitos e cidadania para a utilização
dos mecanismos de comunicação no trabalho de mobilização social.
2
A Oficina de Imagens é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 1998
por um grupo de comunicadores e educadores. A ONG desenvolve, a partir das
técnicas e linguagens da comunicação, métodos pedagógicos escolares e não-
escolares, para a formação de jovens, educadores e líderes sociais como sujeitos
críticos, cidadãos conscientes e atuantes em suas comunidades por meio do uso
dos meios de comunicação.
3
Aqui fica o agradecimento a todos que colaboraram para qualificar a nossa par-
ticipação.
4
A linha do tempo é um mecanismo criado pela ONG Oficina de Imagens com o
objetivo de fazer com que os jovens do JITE se situassem no projeto, em relação
à metodologia e aos objetivos do trabalho.
5
Agradecemos as contribuições de Elizabeth Gomes Vieira, membro da Oficina de
Imagens e representante da região sudeste no Comitê Nacional de Enfrentamento
à Violência Sexual Infanto-Juvenil na construção deste tópico do texto.
6
Nos encontros de adesão e sensibilização, por exemplo, utilizamos a técnica
da videocabine, por meio da qual adolescentes e jovens deram depoimentos e
nos apresentaram o contexto e a realidade local, a partir de sua perspectiva. A
videocabine é uma técnica de entrevista livre e direta por meio da qual é possível
mapear posições pessoais sobre temas diversos. Neste caso específico, os temas
postos em diálogo foram protagonismo, sexualidade e participação.
7
Trata-se do Projeto Juventude em Ação.

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 121 12/11/2008 10:29:37


122 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFANTO -JU VENIL | Parte I

Referências

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil: adolescência, educação


e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 20. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
(Coleção Literária)

HART, Roger. A. La participación de los niños: de la participación simbólica a la


participación auténtica. Firenze: Instituto Innocenti, 1993.

KIMO, Paula; ZENHA, Leonardo. Sistematização do Projeto JITE. Oficina de


Imagens. In: INSTITUTO CEDICAR. Educadores e jovens em ação. São Paulo: Via
Impressa Edições de Arte, 2006.

PLANO NACIONAL DE ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SExUAL


INFANTO-JUVENIL. Uma política em movimento. Comitê Nacional de Enfren-
tamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, 2006. Disponível em:
<http://www.comitenacional.org.br>.
RELATÓRIO FINAL JUVENTUDE-AçÃO. Disponível em: <http://www.
comitenacional.org.br>. Último acesso em: 27de dezembro de 2007.

Para saber mais:


COQUITO, Antônio. Protagonismo infanto-juvenil: crianças e adolescentes na con-
dução dos rumos da sociedade. <http://www.cidadania.org.br/imprimir.asp>
DOHME, Vania D’Angela. O protagonismo juvenil e os grandes educadores.
<http://www.projeto.org.br/emapbook>

GOMES, Elizabeth Vieira. Rede de proteção à criança e ao adolescente: protago-


nismo juvenil. Disponível em: <http://www.comitenacional.org.br> e <http://
www.comitenacional.org.br/index.php>

1_VIOLENCIA_SEXUAL_pretextos_parte_1.indd 122 12/11/2008 10:29:38


Parte II

ANÁLISE DA SITUAÇÃO

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 123 12/11/2008 10:30:24


J o a n a Do m i n gu e s Vargas

DIAGNÓSTICO DE
UBERABA, TEÓFILO OTONI E ITAOBIM
Caracterização, visibilidade
e localização do fenômeno1

Introdução

O problema da violência sexual (abuso e exploração comercial)


contra crianças e adolescentes tornou-se questão pública assumindo
relevância política no início da década de 1990 com a instalação da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), realizada pelo Congresso
Nacional em 1993. Como resposta à emergência pública do fenô-
meno, também objeto de investigação em comissões estaduais,2 o
Governo Federal formulou o primeiro projeto de âmbito nacional,
o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra
Crianças e Adolescentes, definindo diretrizes, ações prioritárias e
estratégias de enfrentamento do problema. Um dos princípios
estratégicos do plano é a realização de investigação científica,
visando compreender, analisar, subsidiar e monitorar o plane-
jamento e a execução das ações de enfrentamento do fenômeno.
A expansão do Programa de Ações Integradas e Referenciais de
Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR), em
Minas Gerais, orientou sua ação pelos princípios estratégicos do

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 124 12/11/2008 10:30:24


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 125

Plano Nacional e, nesse sentido, buscou diagnosticar e caracterizar


o fenômeno, bem como a rede de enfrentamento da violência e
exploração sexual contra crianças e adolescentes existente nos
municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. A Pró-Reitoria
de Extensão da UFMG, responsável pela execução da expansão
do PAIR/MG, convidou o Centro de Estudos de Criminalidade e
Segurança Pública (CRISP/UFMG),3 o Programa Pólos de Cidadania
(Programa Pólos de Cidadania/UFMG) e a Universidade Federal
do Triângulo Mineiro (UFTM) para a realização do diagnóstico.4
O diagnóstico visou à adequada descrição do problema e da
rede de proteção nos municípios selecionados para informar e
embasar as discussões do Seminário de Sensibilização e Adesão,
bem como as Oficinas de Planejamento, etapas da implantação do
PAIR/MG que lhe seguiram, estabelecidas em consonância com o
Plano Nacional.
A concepção geral do diagnóstico tomou por referência várias
iniciativas pioneiras no país (apesar da escassa produção científica
sobre violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil) que
fundaram um marco teórico e metodológico sobre o tema da vio-
lência sexual e revelaram um panorama da sua incidência e preva-
lência nas distintas regiões do Brasil (Leal, 1999; Faleiros; Campos,
2000; Faleiros; Faleiros, 2002; Faleiros, 1998; Vargas, 2000; Senna;
Kassar, 2005; Leal; Leal, 2002; Nappo, 2004; Matos, 2005; Programa
Pólos de Cidadania, 2006; Pagano, 2006). As variáveis utilizadas
neste diagnóstico foram selecionadas com base na revisão destes
e de outros estudos teóricos e de pesquisas sobre o fenômeno da
violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Apesar
da heterogeneidade destes estudos, há neles um consenso quanto
à complexidade das causas do fenômeno. Conseqüentemente,
explicações também multidimensionais têm sido utilizadas para
lhe fazer face. São apontados aspectos de natureza estrutural,

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 125 12/11/2008 10:30:24


126 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

como pobreza, desigualdade social, exclusão do mercado de tra-


balho, falta de acesso a serviços básicos, aumento da criminalidade
violenta, uso e tráfico de drogas, bem como aqueles de natureza
cultural: dominação masculina historicamente determinada e sua
influência no imaginário social; pressões sociais caracterizadas pelo
predomínio de valores econômicos, dentre outros. Também são
discutidos aspectos para o seu enfrentamento, tais como mobi-
lização da rede, participação da sociedade civil, responsabilização
legal, desenvolvimento da cidadania (direitos civis, políticos e
sociais) e elaboração das políticas públicas.
Os instrumentos metodológicos empregados para realização
do diagnóstico foram combinados às referências teóricas para
dar conta de uma realidade complexa que não se desvela à
primeira vista. Para cada município foram realizadas consultas a
fontes secundárias e coletadas informações de natureza variada
(demográfica, econômica, de sáude, educação, assistência social,
criminalidade e segurança pública) que auxiliassem na compreensão
do fenômeno e da atuação da rede. Aos representantes das redes
de defesa, atendimento e responsabilização foram aplicados
questionários institucionais, realizados entrevistas e grupos focais.
Foram coletadas informações e tratados e analisados os dados sobre
o abuso e a exploração sexual registrados nos Conselhos Tutelares.
Foram feitas observações em campo e as informações obtidas foram
geoprocessadas.5 Partiu-se da premissa de que o fenômeno tem
abrangência regional e, assim, foram obtidas informações sobre
distribuição e deslocamento do fenômeno, bem como a extensão da
influência da rede na região. Informações pertinentes à discussão
do fenômeno (número de denúncias, taxa de evasão escolar, dentre
outras) de abrangência nacional e também estadual foram cotejadas
e comparadas àquelas encontradas nos municípios. Finalmente,
foi elaborado um indicador de vulnerabilidade social, que oferece

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 126 12/11/2008 10:30:24


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 127

uma visão detalhada das condições de vida do município, com


a identificação e a localização espacial das áreas que abrigam os
segmentos populacionais mais vulneráveis à pobreza.6
Este texto apresenta uma análise dos resultados referentes à
caracterização dos municípios e do fenômeno em Uberaba, Teófilo
Otoni e Itaobim, em Minas Gerais.

Caracterização dos municípios de


Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim/MG

Esta seção apresenta a caracterização dos municípios feita a


partir da obtenção e tratamento de dados secundários pertinentes
à discussão do problema do abuso e da exploração sexuais.

Uberaba
O município de Uberaba, juntamente com o de Uberlândia,
destaca-se como um dos pólos econômicos principais da região do
Triângulo Mineiro e do Estado e conta, segundo estimativa do IBGE
de 2005, com uma população de 280.060 habitantes.
Uberaba possui uma economia bastante diversificada. Os setores
de atividade mais importantes são o agropecuário, o industrial e
de comércio, bem como o de serviço. Este dinamismo econômico
propiciou o desenvolvimento do turismo de negócio na cidade,
que ganha visibilidade e expressão na festa anual agropecuária,
reunindo os maiores criadores e comerciantes de gado do Brasil.
Tal acontecimento, entretanto, é fator de risco do ponto de vista
da exploração sexual. Também fator de risco permanente, porém
sazonal, é o plantio e colheita de cana-de-açúcar que vêm sofrendo
um forte crescimento no município e em seu entorno, em razão do
movimento migratório de homens solteiros para a região.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 127 12/11/2008 10:30:24


128 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

O município é entrecortado pelas rodovias federais – BR-050,


BR-262 e BR-464 –, entroncamento rodoviário que o conecta com
vários estados, como São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Além das
rodovias federais, importantes rodovias estaduais cortam o muni-
cípio, como a MG-190/LMG-798, que interliga Uberaba ao norte de
Minas e noroeste do país; a MG-427 e a MG-255, que interligam
Uberaba ao centro-oeste do Brasil. Economicamente favorável ao
município, uma vez que facilita o escoamento da produção agrícola,
pecuária e industrial, tal concentração de malha rodoviária também
pode ser considerada fator de risco do fenômeno da violência sexual
infanto-juvenil, já que propicia a exploração e o tráfico de crianças
e adolescentes.
A cidade de Uberaba conta com unidades de educação federais,
estaduais, municipais e particulares. Tais entidades de ensino atuam
em todos os níveis educacionais: fundamental, médio, educação
especial e ensino superior. No período compreendido entre 1991 e
2000, observa-se uma melhora nos indicadores educacionais para a
população infanto-juvenil do município, em todas as faixas etárias.7
Contudo, em 2004, verifica-se uma porcentagem de evasão escolar
no ensino fundamental (7,4%) mais alta do que a taxa do Estado
(6,4%) e do que a da Região Sudeste (4%). Sabe-se que o fato de a
criança e o adolescente freqüentarem a escola é um fator protetivo
à vitimização dessa coorte populacional, principalmente em relação
à vitimização sexual. Quando fora da escola, encontram-se mais
facilmente expostos ao trabalho infantil e/ou à exploração sexual
infanto-juvenil.
Uberaba é o maior e principal centro de atendimento médico-
hospitalar-odontológico do Triângulo Mineiro. Isto concorre para
que o setor de saúde do município atenda pacientes de toda a
região, fato que se expressa também nos dados de saúde registrados.
As unidades de Saúde da Família são responsáveis por 35,3% do

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 128 12/11/2008 10:30:24


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 129

total das unidades, evidenciando a expressividade do modelo de


atendimento de saúde local, agente fundamental no enfrentamento
do abuso e exploração da criança e do adolescente.8 O indicador do
SUS de “Internações por grupo de causa e faixa etária do paciente
– 2005” mostra que 57,6% das pacientes internadas entre 15 e 19
anos em Uberaba o foram por “gravidez, parto e puerpério”. Esse
tipo de atendimento corresponde a 13,8% do total de atendimentos
realizados em 2005, na rede de saúde de Uberaba, e corrobora outras
informações sobre a forte incidência de gravidez na adolescência
na região. Dentre as diversas instituições voltadas para a saúde no
município, destaca-se o Centro de Atendimento Integral à Saúde
da Mulher (CAISM), que foi fundado em Uberaba em 2001 para
oferecer assistência à saúde da mulher, da criança e do adolescente,
e atender aquelas que são vitimadas por violência sexual.
O mapa da área urbana da cidade, representado pelos distintos
graus de vulnerabilidade social, permite identificar que é ao longo
das rodovias MG-217 e BR-418, que cortam a cidade de Uberaba,
que está a região mais carente sob o ponto de vista de vulnerabi-
lidade social.9
Em Uberaba, as taxas por 100 mil habitantes de roubo e roubo a
mão armada vêm sofrendo forte crescimento a partir de meados da
década de 1990. A maior taxa, em ambos os casos, ocorreu no ano
de 2005, quando o roubo apresentou taxa de 305,41 ocorrências e
o roubo a mão armada, de 361,49. Em contraposição ao homicídio,
que apresentou certa regularidade neste período, as taxas desses
dois tipos de crimes evoluíram muito rapidamente ao longo desses
anos chegando a apresentar, em 2005, aumento de mais de dez vezes
em relação à taxa observada em 1987.10 As ocorrências de estupro e
outros crimes contra os costumes também apresentaram aumento
entre 2002 e 2005.11 O crime de estupro teve o maior número de
registros em 2004 (26) e os demais crimes dessa natureza, em 2005

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 129 12/11/2008 10:30:24


130 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

(45). Cabe ressaltar que o crescimento desses crimes teve evolução


rápida e significativa, visto o curto período analisado. Em 2002, os
outros crimes contra os costumes tiveram 16 ocorrências registradas
passando, em 2005, a 45 casos. Esse aumento pode ser decorrente
de um maior estímulo a registrar as ocorrências, seja mediante
incentivo dos programas de proteção ou o atendimento especiali-
zado nas delegacias.

Teófilo Otoni
O município de Teófilo Otoni, junto com Malacacheta e Nanuque,
destacam-se como os principais pólos econômicos da região do Vale
do Mucuri. Conta, segundo estimativa do IBGE de 2005, com uma
população de 127.818 habitantes.
Em razão do baixo índice de desenvolvimento do Vale do Jequi-
tinhonha e do Vale do Mucuri, a cidade acabou se tornando uma
referência no comércio regional, atraindo moradores das cidades
vizinhas. Em 2000, 39,8% da população residente em Teófilo Otoni
era considerada pobre. Em 2001, a grande maioria da população de
Teófilo Otoni recebia até 3 salários mínimos (cerca de 78%).
Teófilo Otoni situa-se na BR-116, a Rio-Bahia, e também na con-
fluência com outras rodovias estaduais e federais. Este fato constitui
fator de risco permanente com relação à violência sexual, sobretudo
exploração sexual e tráfico comercial de pessoas, principalmente
de meninas adolescentes. Outros fatores de risco são as feiras de
negócio de pedras e os garimpos situados nas proximidades do
município concentrando homens e dinheiro.
Houve notável mudança no nível educacional da população
jovem de Teófilo Otoni entre os anos de 1991 e 2000. Destacam-se
principalmente a redução da taxa de analfabetismo e o grande
aumento da porcentagem de jovens com freqüência escolar, prin-
cipalmente entre 15 e 17 anos.12 Em 2006, segundo estimativa do

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 130 12/11/2008 10:30:24


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 131

IBGE, o município registrou 2.445 matrículas no ensino pré-escolar,


26.867 matrículas no ensino fundamental e 7.112 matrículas no ensino
médio.13 Mas as taxas de abandono escolar de Teófilo Otoni são
mais elevadas do que as taxas nacionais, regionais e estaduais tanto
para o ensino médio quanto para o fundamental. Como observado
anteriormente, a freqüência de crianças e adolescentes no sistema
de ensino formal deve ser percebida como fator protetivo contra o
problema de violência sexual e de vitimização de modo geral.
Teófilo Otoni é referência regional de atendimento à saúde
pública. Em 2005, 47.560 pessoas foram atendidas pelos PSF
(Programa Saúde da Família). O indicador do SUS (Sistema Único
de Saúde) de “Internações por grupo de causa e faixa etária do
paciente – 2005” mostra que 73,1% das causas de internações entre
adolescentes de 15 a 19 anos referem-se à “gravidez, parto e puer-
pério” e representa 22% (entre as causas é a de maior proporção) do
total de atendimento em 2005, indicando índice bastante elevado
de adolescentes grávidas no município.
O mapa da área urbana da cidade, representado pelos distintos
graus de vulnerabilidade social, permite identificar que, ao longo
das rodovias MG-217 e BR-418 (que cortam a cidade de Teófilo
Otoni), situa-se a região mais carente sob o ponto de vista deste
indicador.
As taxas de homicídios por 100 mil habitantes, que de 1986 até
2000 mantiveram uma certa regularidade, vêm crescendo em Teófilo
Otoni. Essa taxa, que correspondia a 13,7 em 1986, passou para 51,92
em 2005. Já a taxa de crimes contra o patrimônio, que correspondia
a 52,04 para cada 100 mil habitantes em 1986, passou para 450,69
em 2005. Em 2002, foram registrados 6 estupros de acordo com
dados da Polícia Civil, e nenhum em 2005. O tipo “outro crime
contra os costumes” passou de 37 ocorrências, em 2002, para 27

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 131 12/11/2008 10:30:24


132 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

em 2005.14 Esse fato pode sugerir que, em Teófilo Otoni, as vítimas


desses crimes não estão sendo motivadas a registrar ocorrências e
este pode ser um indicador de uma atuação ainda tímida da rede
de proteção. Tanto em relação ao tráfico como ao uso indevido de
droga, a maior ocorrência é em relação à maconha. Porém, o tráfico
e consumo de crack na cidade aumentaram. Em 2002, foram regis-
tradas 2 ocorrências de tráfico de crack, passando para 6 em 2005,
e seu uso indevido saltou de 13 em 2002 para 22 em 2005. Deve-se
levar em conta que estes dados não representam apenas a incidência
do fenômeno, mas também o trabalho policial de repressão.

Itaobim
Itaobim localiza-se na microrregião de Pedra Azul e na mesor-
região do Vale do Jequitinhonha. A sua população, segundo esti-
mativa do IBGE em 2005, é de 21.843 habitantes. A BR-116 corta
o município. Como vimos, isto constitui fator de risco permanente
quanto ao fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil, uma vez
que os agentes exploradores, em sua maioria, são caminhoneiros e
é nos postos de gasolina e suas imediações, localizados ao longo
da rodovia, que se concentram as prostitutas e os prostíbulos camu-
flados em restaurantes e hotéis. Cidades próximas a Itaobim, como
Ponto dos Volantes, Medina e Comercinho, também são “conhecidas”
pelo problema. A dimensão da regionalização do fenômeno da
exploração contra crianças e adolescentes na mesorregião do Vale
do Jequitinhonha foi identificada no estudo “Projeto 18 de Maio”,
do Programa Pólos de Cidadania (2006).
De acordo com o Atlas de desenvolvimento humano no Brasil, em
2000, 64,4% da população residente em Itaobim era considerada
pobre. Um dos maiores problemas de Itaobim é a carência de fonte
de renda no município, o que implica a falta de emprego para a
população em geral. Boa parte desta população vive de recursos

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 132 12/11/2008 10:30:24


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 133

que provêm de programas de renda mínima, empregos no setor


público, aposentadorias e pensões, bem como de um comércio e
serviços pouco desenvolvidos. Na agricultura, destacam-se a cultura
de manga e de cana-de-açúcar e, na atividade extrativa, a lenha para
produção de carvão vegetal.
Baixos índices de renda e de educação são considerados os
fatores que mais predispõem as famílias ao fenômeno do abuso
e da exploração sexual infanto-juvenil, visto que estas são mais
vulneráveis a situações de violência e de violação de direitos. O
município de Itaobim conta com uma rede de ensino composta por
duas escolas pré-escolares municipais, 17 escolas que oferecem o
curso fundamental (5 estaduais e 12 municipais), duas escolas de
ensino médio (sendo uma delas estadual e a outra, a única escola
particular registrada no município) e nenhuma instituição de ensino
superior ou profissionalizante.15 Quando se comparam as taxas de
abandono escolar de Itaobim às taxas de Minas Gerais, da Região
Sudeste e do Brasil, em 2004, observa-se que essas são bem mais
elevadas do que as taxas nacionais, regionais e estaduais tanto para
o ensino médio como para o fundamental. Salta aos olhos a marca
de 30% de abandono no ensino médio. Uma das explicações a este
fato, observado a partir de trabalho de campo, deve-se à divisão
territorial imposta pelo tráfico de drogas na cidade. Em Itaobim,
há apenas uma escola pública que possui ensino médio e muitos
jovens abandonam os estudos nesta fase porque são impedidos ou
temem “passar para o outro lado”.
De acordo com informações do IBGE, em 2005, havia 15 estabe-
lecimentos de saúde no município de Itaobim, dos quais 13 eram
públicos municipais, sendo que apenas um deles (privado com
atendimento pelo SUS) apresentava local para internação com 61
leitos. Quanto aos indicadores para causas de internações regis-
tradas em Itaobim, em 2005, por faixa etária, 66% das internações

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 133 12/11/2008 10:30:24


134 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

entre adolescentes de 15 a 19 anos se devem à “gravidez, parto e


puerpério”, indicando o alto índice de adolescentes grávidas no
município. Sabe-se que, além de maiores riscos de saúde para mãe
e filho, as adolescentes grávidas tendem a abandonar a escola mais
cedo e têm menores chances de inserir-se em atividades profissionais
qualificadas, o que as predispõe, neste município em que estas
chances já são baixíssimas, ao fenômeno da exploração sexual.
Não foi possível elaborar mapa da área urbana da cidade, repre-
sentado pelos distintos graus de vulnerabilidade social, tendo em
vista não haver informações detalhadas por setor censitário para
municípios de sua dimensão populacional. Contudo, foi apurado o
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).16 Em 2000,
o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Itaobim era
de 0,689, enquanto o IDH de Minas Gerais era de 0,773. Apesar do
IDH relativamente baixo quando se compara com o Estado, Itaobim,
ainda assim, é o município da região de Pedra Azul com o melhor
IDH-M, indicando a existência de baixa qualidade de vida não só
nele, mas também em toda a sua região.
As taxas de crimes violentos, em Itaobim, aumentaram em mais
de quatro vezes no espaço de menos de 10 anos (1997-2005). As taxas
de crimes contra o patrimônio sofreram aumento contínuo a partir
de 1986 e um súbito aumento de 2004 a 2005, quando a taxa alcança
a marca de 303,65 ocorrências por 100 mil habitantes. Não foi pos-
sível obter dados oficiais sobre o tráfico e uso de drogas, mas estes
estão recorrentemente presentes no discurso da rede e, na percepção
desta, constitui hoje um dos problemas do município.
Na próxima seção, será abordada a visibilidade do fenômeno
do abuso e da exploração e, para tanto, serão analisados os dados
coletados nos Conselhos Tutelares de cada município.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 134 12/11/2008 10:30:24


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 135

Visibilidade do fenômeno em
Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim/MG

A publicização do fenômeno e a disposição de lhe fazer frente


resultaram na criação em 1997 de um canal nacional de denúncias
por meio do telefone 0800-99-0500 a serem feitas de forma anô-
nima.17 O número de denúncias feitas pelos cidadãos entre janeiro
de 1997 e janeiro de 2003 foi de 4.076 casos de abuso e exploração
sexual no Brasil. A maior proporção de denúncias, 26%, é referente
ao Rio de Janeiro, seguida de São Paulo (14%), Ceará (8%) e Minas
Gerais (6,45%). O aumento do número de denúncias a partir de
2000, para todas as unidades da federação, pode estar indicando
mais um incremento na divulgação da política de enfrentamento
do que propriamente o crescimento deste tipo de violência. Neste
sentido, vislumbra-se uma tendência de um maior reconhecimento
e uma maior visibilidade do fenômeno perante a população brasi-
leira em geral.
Dados da mesma fonte mostram, para Minas Gerais, que entre
janeiro de 2001 e dezembro de 2002 houve um aumento de cerca de
50% no número de denúncias telefônicas de exploração sexual e um
aumento de 500% para as denúncias de abuso sexual. Isto indica
que, também em Minas Gerais, o fenômeno vem se tornando mais
visível com o passar do tempo, certamente em virtude de campanhas
publicitárias de conscientização e de trabalhos de divulgação do
problema realizado por algumas instituições componentes da rede
de enfrentamento ao fenômeno.18
Para o levantamento dos dados sobre o fenômeno, visando
verificar a visibilidade deste nos municípios em estudo, foi eleito
o Conselho Tutelar (CT). Tal escolha pautou-se nas disposições do
ECA, sobre ser a notificação dos casos de responsabilidade desta
instituição, como também em informações dos entrevistados, que

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 135 12/11/2008 10:30:24


136 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

a apontaram como centralizadora das notificações. Além disso,


considerou-se a existência do Sistema de Informação para Infância
e Adolescência (SIPIA) que coleta informações no interior dos CTs e
é responsável por padronizar e garantir a compilação dos registros
em âmbito nacional, de maneira a subsidiar políticas públicas no
setor.
Em Uberaba, coletamos informações referentes à violência
sexual e drogaditos19 computados pelo CT e também pelo CREAS
(Centro de Referência Especializada de Assistência Social).20 Nos
outros dois municípios, as informações foram coletadas nos CTs e,
em todos eles, o ano de referência foi 2006. Os resultados devem
ser avaliados levando-se em conta a postura mais comum frente ao
fenômeno do abuso e da exploração. No primeiro, privilegia-se o
silêncio ficando o caso, não poucas vezes, restrito ao âmbito privado
(as razões disto se devem, dentre outras, ao medo ou à proteção do
agressor provedor) (Vargas, 2000). No caso da exploração sexual,
há falta de interesse dos envolvidos em denunciar. Um tipo especí-
fico de exploração que envolve adolescentes inseridas em rede de
exploração raramente chega ao conhecimento da rede de proteção
(a não ser por quebra de acordo entre as partes envolvidas) e é
particularmente difícil de detectar.

Uberaba
Foram identificados 55 casos de violência sexual contra crianças
e adolescentes registrados em Uberaba em 2006, por estas duas
instituições, dos quais 41 de abuso sexual e 14 de exploração sexual
e drogadição feminina.

Abuso sexual
A imensa maioria das vítimas de abuso sexual (83%) é do sexo
feminino. A maioria das vítimas (59%) tinha menos de 10 anos
na época dos fatos. A imensa maioria (95%) dos seus agressores

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 136 12/11/2008 10:30:24


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 137

são do sexo masculino e boa parte (63%) tem 28 anos ou menos


de idade. Há de se considerar a ausência de informação sobre o
agressor em vários registros.
Em relação ao local da ocorrência, foi investigada a coincidência
do mesmo com o local de residência da vítima. Os dados coletados
mostraram que 54% dos abusos sexuais ocorreram dentro da casa
das vítimas, sendo que apenas 10% não coincidiram. Chama a
atenção, entretanto, os 37% de registros coletados que não possuíam
esta informação.
O cruzamento das informações referentes à faixa etária da vítima
com a relação social existente entre ela e o agressor mostra que
vítimas com até 12 anos de idade foram abusadas por agressores
conhecidos e próximos. Os principais abusadores são os pais ou
padrastos (54%), seguidos dos amigos e conhecidos (29%) e outro
familiar (17%). Já as vítimas entre 13 e 18 anos são abusadas com
mais freqüência pelos amigos e conhecidos (54%) do que pelos pais
ou padrastos (38%). Estas foram abusadas por desconhecidos em
8% dos casos.
A denúncia foi feita pela rede de atendimento (37%), pela comu-
nidade (familiar ou vizinho) (34%), rede de responsabilização (16%),
rede de defesa (11%), sem informação (2%). O encaminhamento
dado foi à saúde (32%), à assistência social (15%), à rede de defesa
(22%), à rede de responsabilização (10%), à educação (5%) e em 16%
dos casos não há informação sobre o desfecho dado.

Exploração sexual
Em relação ao perfil das vítimas de exploração sexual, conside-
ramos a hipótese de que as crianças e adolescentes, principalmente
do sexo feminino que possuem algum envolvimento com drogas,
podem estar também sendo exploradas sexualmente. Neste sentido,
coletamos dados referentes a meninas envolvidas em drogadição.
Verificamos que as vítimas de exploração encontram-se igualmente

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 137 12/11/2008 10:30:25


138 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

distribuídas nas três faixas etárias, 5 a 9 anos, 10 a 14 anos e 15 a 18


anos, o que pode estar indicando uma certa dificuldade dos atores
da rede em diferenciar as ocorrências de abuso e exploração. Por
outro lado, a maioria daquelas envolvidas em drogadição (63%),
que suspeitamos também estar envolvida em exploração, contava
na data do fato com idade de 15 a 18 anos.

Teófilo Otoni
Abuso sexual
Foram identificados, a partir de coleta de informação nos Con-
selhos Tutelares Norte e Sul de Teófilo Otoni, 9 casos de abuso sexual
em 2006, a maioria (7) com vítima de sexo feminino. A maioria das
vítimas (6) tinham, à epoca do fato, até 11 anos de idade. Em todos
os casos em que foi possível obter a informação, o agressor era do
sexo masculino. Quanto à relação entre vítima e agressor, a maioria
era de pessoas próximas da vítima: padrastos (3), vizinhos (2) e tio
(1), ou não foi possível obter a informação (3). Os denunciantes
identificados nos registros foram: família, Polícia Militar, Polícia
Rodoviária Federal, escola estadual, Sentinela, Emater, Delegacia de
Polícia Civil. Os encaminhamentos realizados e registrados foram:
Creche Ninho, Promotoria, Sentinela, Delegacia de Polícia.

Exploração sexual
Foram identificados apenas três casos de exploração sexual. As
vítimas, do sexo feminino, tinham 13 e 15 anos respectivamente, e
em um caso não foi possível obter a informação. Em dois casos o
agressor era do sexo masculino e o terceiro sem informação. Em
apenas um caso foi possível saber a relação entre vítima e agressor,
de apadrinhamento. Os denunciantes foram o Disque Direitos
Humanos, tio e um caso sem informação. Quanto ao encaminha-
mento dado, em apenas um caso este ficou registrado: Delegacia
de Polícia.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 138 12/11/2008 10:30:25


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 139

Itaobim
A partir da coleta realizada no Conselho Tutelar foram identi-
ficados um caso de exploração sexual e 8 de abuso sexual em que
todas as vítimas eram do sexo feminino e a maioria tinha entre 11
e 13 anos. Todos os agressores eram do sexo masculino, e a relação
entre estes e as vítimas era de proximidade. Daqueles em que foi
possível saber o grau da relação, metade deles eram familares
(pai, padrasto e irmão) e metade de conhecidos. Em todos os casos
também em que foi possível obter a informação, o denunciante era
da família. Não há registro sobre que encaminhamentos foram
dados aos casos.

Localização do fenômeno

Para proceder à localização do fenômeno buscaram-se infor-


mações nos registros dos Conselhos Tutelares e nos registros da
Polícia Militar (endereços das ocorrências e das vítimas), nas entre-
vistas realizadas com os integrantes da rede, bem como aquelas
obtidas em campo. Neste caso, elegeu-se um informante-chave
que indicou os pontos de exploração sexual captando, juntamente
com os pesquisadores, suas coordenadas espaciais com o GPS,21
o que permitiu posteriormente situá-los no mapa. Foram elabo-
rados mapas temáticos com a sobreposição destas informações
às informações situadas espacialmente de vulnerabilidade social.
É importante salientar que o tratamento e mapeamento destas
informações só foi possível, em toda a sua extensão, para o muni-
cípio de Uberaba. Para Téofilo Otoni não se conseguiu o acesso
aos dados da Polícia Militar e as informações coletadas nos CTs,
como vimos, são bastante precárias. Quanto a Itaobim, aos parcos
registros soma-se a inexistência de informações desagregadas por
setor censitário (impossibilitando gerar mapa de vulnerabilidade).

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 139 12/11/2008 10:30:25


140 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Contudo, foi possível georeferenciar, com o auxílio da Polícia


Rodoviária Federal, os pontos de exploração no trecho da BR-116
de Teófilo Otoni a Itaobim.

Uberaba

Abuso sexual
Os dados obtidos no Conselho Tutelar e no CREAS indicaram
que as ocorrências de abuso se dão, em sua maioria, nas próprias
residências das vítimas. Esta também é a percepção da rede que
afirma que tais residências, na maior parte das vezes, localizam-se
em bairros periféricos de baixa renda. A sobreposição dos locais
de moradia (obtidos nos registros) das vítimas de abuso sexual no
mapa de vulnerabilidade social revela que boa parte delas reside
na região leste da cidade, que pode ser caracterizada por vulnera-
bilidade social média, alta e muito alta. A localização desses pontos
vem ao encontro da percepção dos atores da rede. Os bairros mais
citados pelos integrantes da rede como um todo foram: Gameleira,
Vila Esperança, Abadia, Boa Vista, Santa Maria, Jardim Planalto,
Ponte Alta e Residencial 2000. A zona rural apareceu como local
de incidência, contudo, sem especificação dos distritos, lugarejos
ou fazendas.

Exploração sexual
As informações obtidas nos registros do CT e do CREAS, na
Polícia Militar, em campo e em entrevistas indicam que a exploração
sexual em Uberaba concentra-se nos locais próximos às BRs 050 e
262, nas avenidas Fernando Costa, São Lourenço e, principalmente,
na avenida Marcos Xerém.
Os pontos de prostituição seguem ao longo da região sudeste
do território, coincidindo com as áreas de alta e muito alta vulne-
rabilidade social (ver Mapa 1 em anexo). Tais pontos coincidem

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 140 12/11/2008 10:30:25


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 141

com os locais de exploração, uma vez que muitos aliciadores são


prostitutas ou estas fazem “a ponte” com o aliciador. Esta afirmação
foi corroborada com os dados da Polícia Militar sobre corrupção
de menores e estupros tentados que coincidem sobremaneira com
os pontos de prostituição.
Com o auxílio do informante-chave marcaram-se também, in
loco, as “bocas de fumo” existentes em Uberaba, que foram plotadas
no mapa. Posteriormente, foram georeferenciados os registros da
Polícia Militar de aquisição ou posse de entorpecente, bem como
os de tráfico de entorpecente, todos se concentrando nesta região:
bairro São Benedito, cruzamento da avenida Marcos Xerém, com
rua Sacramento e Ipiranga. Foi possível verificar a proximidade
destes pontos com os de prostituição/exploração. Assim, a partir
da sobreposição destes dados, foi possível demonstrar a associação
entre exploração sexual, prostituição e uso e tráfico de drogas.
Outra forma e local de exploração sexual em Uberaba ainda
mais invisível (que não aparece nos registros do CT e do CREAS)
é aquela que ocorre em chácaras e propriedades particulares. De
acordo com um dos entrevistados, as adolescentes e as prostitutas
que freqüentam a avenida Marcos Xerém estariam em fim de carreira.
A iniciação na carreira para muitas destas meninas se daria nas casas
de prostituição e chácaras existentes nas redondezas da cidade.
Foi recorrente nas falas de integrantes da rede de atendimento e
de responsabilização a alusão a festas com a presença de pessoas
importantes da cidade e de adolescentes, bem como da atuação de
uma possível rede de exploração (em uma destas festas a polícia
foi acionada e adolescentes foram encontradas com documentação
falsa). Na visão da rede, estes locais, por serem propriedades
particulares, tornam-se “adequados” para abrigarem o fenômeno,
uma vez que as boites e os prostíbulos da cidade são freqüentemente
fiscalizados.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 141 12/11/2008 10:30:25


142 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Finalmente, o fenômeno da exploração tem ocorrido no entorno


do município, principalmente nos municípios de Delta e Conquista.
Nos meses de colheita da cana-de-açúcar, há grande movimento imi-
gratório de homens – em sua maioria, jovens e solteiros – de várias
partes do Brasil. Tal evento tem acarretado, além da exploração, a
gravidez precoce e incentivado o tráfico de pessoas, sobretudo de
meninas adolescentes.

Teófilo Otoni
Abuso sexual
Também em Teófilo Otoni, os locais de moradia (obtidos nos
poucos registros) das vítimas de abuso sexual foram plotados no
mapa situando-se em locais de média e alta vulnerabilidade social.
No mesmo sentido, a rede em Teófilo Otoni identificou os bairros
pobres e a zona rural do município como aqueles que concentram
o maior número de ocorrências do abuso sexual.

Exploração sexual
Os pontos de exploração sexual concentram-se na região Central
da cidade e nas proximidades do cruzamento da BR-116 com a
MG-217 (naturalmente, regiões de baixa vulnerabilidade social: ver
Mapa 2 em anexo). No centro, estes pontos seguem ao longo da rua
Francisco Sá, avenida Alfredo Sá, Praça da CEMIG (região conhecida
historicamente como ponto boêmio e de prostituição da cidade),
Praça Tiradentes e imediações, em alguns bares, lanchonetes
(algumas com casas ao fundo, cujos quartos são alugados para
fins de prostituição). A praça próxima ao Batalhão da PMMG e da
BR-418 também foi indicada como local onde as “meninas fazem
ponto”.22
Na percepção da rede, o local de procedência de meninas explo-
radas sexualmente concentra a população mais carente da cidade,

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 142 12/11/2008 10:30:25


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 143

em especial os bairros Pindorama e Boiadeiros. Foi identificada


como foco de exploração pela rede como um todo a região do Vale
do Mucuri. Também apontaram a exploração ocorrida nas rodovias,
em particular na BR-116, postos de gasolina e restaurantes ao longo
desta. Foram mencionadas cidades como Cruzeiro, Campanário,
águas Formosas, Novo Oriente, Mucuri e Mucurizinho (distrito de
Teófilo Otoni), não em toda BR-116, mas nos perímetros urbanos
onde há iluminação e o tráfego circula em menor velocidade. As
redes de atendimento e de defesa fizeram menção às regiões das
favelas (Pindorama, Boiadeiros), bairro São Jacinto, Palmeiras e
Eucaliptos e apontaram a existência, nestes locais, da exploração
sexual associada ao tráfico de drogas.
Por fim, foram georeferenciados os principais pontos de explo-
ração na BR-116, no trecho entre Teófilo Otoni e Itaobim, em viagem
realizada com a Polícia Rodoviária Federal. Postos de gasolina, hotéis
e restaurantes, que funcionam como “ponto de encontro” entre as
prostitutas adultas ou adolescentes e os viajantes, em sua grande
maioria caminhoneiros, foram identificados em Mucurizinho (dis-
trito de Teófilo Otoni), Padre Paraíso, Mucaia, Mucuri, Rio Pretinho,
Catuji, Ponto dos Volantes, Itaobim, Medina, Comercinho até Divisa
Alegre, já na fronteira com a Bahia. (Mapa 3 em anexo)

Itaobim

Abuso e exploração sexual


A identificação da localização do fenômeno do abuso e da
exploração sexual em Itaobim só foi possível a partir da percepção
da rede. A ocorrência do abuso foi relacionada à zona rural, e São
Jorge foi apontado como o local de maior procedência dos casos.
Quanto à exploração sexual, a Rio-Bahia (ou BR-116) apareceu em
todas as falas como um ponto de concentração, não em todo o seu
trecho, mas em alguns locais, como próximo às mangas – há grandes

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 143 12/11/2008 10:30:25


144 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

esculturas de mangas que são o símbolo da cidade – e nos postos


de gasolina, onde há também hotéis e restaurantes. Especialmente
em relação à exploração, a maioria das falas referiu-se antes a um
ouvir falar do que a uma pontuação objetiva do fenômeno, e os
bairros indicados foram: São Cristóvão, Santa Helena, Esperança
e Vila Nova, todos, à exceção deste último, localizados próximo
à BR-116 e considerados de muita pobreza. Foi feita referência à
existência de Casas de Homens – locais para onde se dirigem as
meninas e prostitutas – na zona rural e em Medina, comarca que
abarca Itaobim, criadas em decorrência da instalação do Programa
Luz Para Todos do Governo Federal. Aqui também a exploração
sexual infanto-juvenil acompanha a prostituição e cumpre um
ciclo geracional envolvendo avó, mãe e filha, respectivamente
prostituídas e exploradas.

Considerações finais

Os resultados obtidos na caracterização dos municípios de Ube-


raba, Teófilo Otoni e Itaobim, de acordo com dados secundários,
mostram uma enorme variação no tamanho, nos índices econômicos
e de qualidade de vida dos três municípios. Contudo, apesar das dife-
renças, verificam-se semelhanças naqueles aspectos que predispõem
a ocorrência do abuso e exploração sexual: vulnerabilidade social,
localizada especialmente ao longo das rodovias e entroncamentos;
evasão escolar; internação por gravidez nas faixas etárias entre 15 e
19 anos; aumentos das taxas de crimes, sobretudo a partir de 2000
e, especialmente, contra o patrimônio; aumento do uso e tráfico de
drogas e de sua repressão; bem como a existência de fatores de risco
locais, tais como festa de negócios (Expo Zebu, em Uberaba, e Feira
de Pedras Preciosas, em Teófilo Otoni), garimpos, instalação de
programas de governo (como o Luz Para Todos), dentre outros.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 144 12/11/2008 10:30:25


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 145

Apesar de sua reduzida visibilidade, as características do fenô-


meno do abuso, identificadas nos três municípios, inserem-se nos
padrões destas ocorrências encontrados em outros estudos, nacionais
e internacionais (Vargas, 2004). Os homens são invariavelmente os
agressores e identificam-se dois perfis para as vítimas: um mais fre-
qüente, da vítima muito jovem abusada por pessoas muito próximas,
na maioria das vezes, parentes (pais, padrastos ou outro familiar);
e outro, da vítima adolescente abusada mais freqüentemente por
conhecidos, e também por parentes e por desconhecidos. Boa parte
dos abusos, especialmente das mais jovens, ocorrem na própria
residência da vítima, oriunda, assim como o agressor, de bairros
mais vulneráveis socialmente. Contudo, é necessário relativizar
estes resultados e considerar que o público da rede de enfrenta-
mento é, em sua maioria, originário das regiões menos favorecidas
(a profecia que se realiza). Pressupõe-se, assim, que o abuso sexual
não se restringe às camadas populares, mas a sua visibilidade é
maior nestas camadas, já que as famílias de classe média e alta
procurariam outras formas de resolução e tratamento do caso.
Do ponto de vista da sua notificação, o fenômeno da exploração
sexual ainda é mais invisível, pouco aparecendo nos registros
dos CTs (Conselhos Tutelares). Assim, possíveis perfis da vítima
e padrões de ocorrência do fenômeno foram obtidos a partir
da percepção da rede e do trabalho realizado em campo. Um
padrão recorrente nos três municípios é a exploração às margens
de rodovias, de vítimas oriundas de famílias muito pobres por
caminhoneiros. Um outro padrão é a exploração decorrente de
movimentos migratórios de homens no garimpo, cana-de-açúcar,
programas federais, ou, ainda, da concentração de homens
em festas de negócios. Em Uberaba, além destes dois padrões,
identificou-se a exploração em festas realizadas em propriedade
particular e prostíbulos de luxo. A associação entre exploração e

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 145 12/11/2008 10:30:25


146 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

prostituição é evidente nos três municípios e, em Itaobim e na região


em seu entorno, concretiza-se em ciclo geracional: avó, mãe, filha.
Também a associação da exploração e do mercado de sexo com o
mercado de uso e tráfico de drogas foi estabelecida (muito embora
precise ser melhor compreendida) para Uberaba e, em menor
medida, para Teófilo Otoni.
Semelhanças, mas também diferenças na configuração da
exploração sexual nos três municípios incitam algumas reflexões.
Em um mundo social onde prevalecem os valores do mercado sobre
os da escola ou da família, crianças e adolescentes são cooptadas
para o mercado do prazer. As mais desfavorecidas, originárias
dos bairros e dos municípios mais pobres, são desguarnecidas de
valores alternativos, até mesmo daqueles oferecidos pela família.
Embora o mercado do prazer permaneça restrito e reservado
(chácaras) quando seus consumidores são “homens de bem”, este
vem ganhando visibilidade (pista, margens de rodovia) e incitando
a reação do poder público no desenvolvimento de políticas de
enfrentamento ao fenômeno tais como: blitz educativas, campanhas,
Serviço Sentinela, o próprio PAIR, dentre outros.
Se a não notificação do abuso e da exploração sexual, porta de
entrada da reação, deve-se principalmente às dificuldades decor-
rentes da não denúncia e da caracterização desses crimes, há que
se considerar também o despreparo e desarticulação da rede ou a
adoção de estratégias diferenciadas evitando o registro e a estigma-
tização da vítima (Itaobim). Tais fatores se revelam na incidência
e qualidade dos parcos registros existentes, impossibilitando
dimensionar o fenômeno e, assim, atuar sobre ele. Em todos os três
municípios o SIPIA não é utilizado atualmente, o que dificulta um
melhor conhecimento da situação para o embasamento de políticas
públicas de enfrentamento municipais, estaduais ou federais.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 146 12/11/2008 10:30:25


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 147

Notas
1
Este texto foi elaborado a partir de pesquisa que resultou nos relatórios técnicos
do Diagnóstico do PAIR/MG, nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim.
Participaram da sua elaboração: CRISP/UFMG – pesquisadores: Klarissa Silva
(elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento de dados secundários e
de campo, análise de entrevista, elaboração do relatório, divulgação dos resulta-
dos), Cristiane Torisu (análise de entrevista, elaboração do relatório), Frederico
Marinho (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento bibliográfico e de
dados secundários, elaboração do relatório, divulgação de resultados), Bráulio
Silva (georeferenciamento, índice de vulnerabilidade social), Keli de Andrade
(análise de entrevista, elaboração do relatório). Estagiários: Analice Mateus, Lívia
de Oliveira, Mateus Reno. Programa Pólos de Cidadania/UFMG – pesquisadora:
Marisa Lacerda (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento de dados
de campo, análise de entrevista, divulgação dos resultados). Estagiária: Hanna
Fux. Em Uberaba, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – professoras:
Helena Hemiko Iwamoto e Sybelle de Souza Castro Miranzi (elaboração dos
protocolos de pesquisa, mobilização da rede local, levantamento de dados de
campo, divulgação dos resultados). Estagiárias: Fernanda Gonçalves, Michele
Araújo, Letícia Apolinário e Tarin Kamikabeya. Em Teófilo Otoni, da Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – professor: Ricardo Silvestre da
Silva (levantamento de dados de campo). Estagiária: Ana Luiza Cunha. Da Facul-
dade Doctum – aluno: Heverton Leite. Em Itaobim, da IESFATO – Patrike Chaves
(levantamento de dados de campo).
2
Tal como a Comissão Parlamentar sobre a Prostituição Infantil do Norte de Minas
Gerais, realizada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em 1995.
3
Para mais detalhes sobre os relatórios do Diagnóstico PAIR/MG nos municípios
de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim, visitar o site do CRISP (www.crisp.ufmg.
br), onde constam também mais informações acerca de pesquisas sobre violência,
criminalidade, segurança pública e direitos humanos, dentre outros assuntos.
4
Nossos agradecimentos à Pró-Reitoria de Extensão da UFMG: Ângela Dalben –
Pró-Reitora; Paula Vianna – Pró-Reitora Adjunta; à equipe de Coordenação do
PAIR/MG, da Pró-Reitoria de Extensão: Edite Cunha, Eduardo Moreira e Lucas
Schettini; ao Coordenador Geral do CRISP: Claudio Chaves Beato Filho; à equi-
pe do CRISP, pelo apoio e sugestões. Em especial: em Uberaba, Marcos Genari;
em Itaobim, Glaziane e Lia; em Teófilo Otoni, os inspetores da Polícia Rodoviária
Federal, Ricardo, Urlênio e Hans Nick. A todos os entrevistados, atores da rede
de enfrentamento ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e de proteção
aos direitos da criança e do adolescente dos três municípios, principalmente aos
Conselheiros Tutelares (e ao CREAS de Uberaba) que permitiram o acesso e coleta
dos dados registrados.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 147 12/11/2008 10:30:25


148 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

5
Para analisarmos os dados coletados, utilizamos softwares adequados a cada
metodologia. Para a análise de conteúdo das entrevistas estruturadas e dos grupos
focais, usamos o NUDIST, versão 6.0. Para a tabulação das respostas dos ques-
tionários, usamos o SPSS, versão 14.0. Por último, para georeferenciar os pontos
de prostituição, de drogaditos, as sedes das instituições componentes da rede e
demais informações mapeadas, usamos o MAPINFO, versão 6.5. Desta forma,
garantimos a confiabilidade das análises aqui empreendidas e, conseqüentemente,
dos resultados aqui encontrados.
6
Esse indicador é resultado da metodologia utilizada pela Fundação SEADE do
estado de São Paulo para a construção do Índice Paulista de Vulnerabilidade
Social. Ele parte de dois pressupostos. Primeiro, de que as múltiplas dimensões
da pobreza precisam ser consideradas e, assim, buscou-se agregar aos indicadores
de renda outros referentes à escolaridade e ao ciclo de vida familiar. Segundo,
de que a segregação espacial, fenômeno presente nos centros urbanos, contribui
decisivamente para a permanência dos padrões de desigualdade social. Isso levou
à utilização de um método de identificação de áreas de acordo com os graus
de vulnerabilidade de sua população residente, gerando um instrumento de
definição de áreas prioritárias para o direcionamento de políticas públicas. Para
tanto, entendeu-se que os resultados precisavam ser fortemente detalhados do
ponto de vista espacial, de forma a permitir o desenho de ações locais focalizadas,
especialmente por parte do poder público municipal.
7
Ver Fundação João Pinheiro, Atlas do desenvolvimento humano no Brasil, 2000.
8
Fonte: SIA/SUS – 2003.
9
As informações utilizadas para a construção do Índice de Vulnerabilidade Social
no município mineiro de Uberaba são provenientes do Censo Demográfico – 2000,
detalhadas por setor censitário. Adotou-se um Sistema de Informação Geográfica
(SIG), para que os setores censitários urbanos fossem tratados e representados
em cartografias temáticas. (Fonte: IBGE – 2000/CRISP-UFMG.)
10
Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais – tratamento CRISP-UFMG.
11
Fonte: Polícia Civil de Minas Gerais/ CRISP-UFMG.
12
Fonte: Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Fundação João Pinheiro/PNUD/
IBGE.
13
Fonte: IBGE (2006). Ensino/Matrículas/Docentes/Rede Escolar.
14
Fonte: Polícia Civil de Minas Gerais/ CRISP-UFMG.
15
Fonte: IBGE (2006). Ensino/Matrículas/Docentes/Rede Escolar.
16
O IDH é calculado a partir de outros três índices – o IDH-Educação, o IDH-Renda
e o IDH-Longevidade.
17
Ver Sistema Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil
0800-99-0500/ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à
Infância e Adolescência). A partir de 2006, a mudança do número do telefone para

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 148 12/11/2008 10:30:25


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 149

100 buscou simplificar o canal de denúncias, facilitando a memorização dele por


parte da população.
18
Em 2007, foram registradas em Minas Gerais 485 denúncias de exploração sexual
infanto-juvenil e 595 denúncias de abuso sexual via disque 100. Foram recebidas,
nesse mesmo ano, 14 denúncias de exploração sexual para Uberaba, 1 para Teófilo
Otoni e 2 para Itaobim. Para abuso sexual, foram categorizadas 32 denúncias em
Uberaba, 5 em Teófilo Otoni e 1 em Itaobim pelo disque 100, em 2007. (Fonte:
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República/Subsecre-
taria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, data de atualização
dos dados 11/11/2007.)
19
Entende-se por “drogaditos” crianças e adolescentes envolvidos em casos de
drogadição, ou seja, que tenham sido encontrados usando ou portando algum
tipo de drogas.
20
O CREAS se disponibilizou a fazer o levantamento de dados ali registrados de
acordo com o nosso modelo de coleta de informações. Identificamos os casos que
se repetiam nas duas bases e agregamos os dados vindos das duas fontes.
21
O Sistema de Posicionamento Geográfico (GPS) é um instrumento utilizado para
localização via satélite das coordenadas geográficas de determinados pontos
territoriais.
22
Durante a pesquisa de campo, pudemos observar quatro meninas “subindo na
boléia de um caminhão” nessa rodovia. Neste mesmo dia, também um pouco mais
tarde, por volta da 1 hora da madrugada, uma adolescente de 15 anos, grávida,
foi apreendida pela Polícia Militar em um bar da região central portando crack e
“fazendo ponto”.

Referências

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Rela-


tório descritivo da pesquisa do perfil organizacional das Delegacias Especializadas da
Criança e do Adolescente, 2004. Divulgação: março 2006.

BRASIL. Ministério da Justiça/SEDH/SIPIA. Sistema de informação para a infância


e adolescência. Manual SIPIA. 5. ed. Brasília: Ed. Primeiros Passos, 2001.

ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça.


Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília,
1990.

FALEIROS, Eva T. Silveira; CAMPOS, Josete de Oliveira (Org.). Repensando os


conceitos de violência, abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Brasília:
CECRIA/MJ-SEDH-DCA/FBB/UNICEF, 2000.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 149 12/11/2008 10:30:25


150 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

FALEIROS, Vicente de Paula; FALEIROS, Eva T. Silveira (Coord.). Circuitos e


curtos-circuitos no atendimento, defesa e responsabilização do abuso sexual contra
crianças e adolescentes no Distrito Federal. Brasília: CECRIA, 2002.
FALEIROS, V. Redes de exploração e abuso sexual e redes de proteção. In: IX
CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS. Goiânia, jul. Anais...,
v. 1, p. 267-271. 1998.
FUNDAçÃO JOÃO PINHEIRO. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil.
Belo Horizonte, 2000.
LEAL, Maria Lúcia Pinto. A exploração sexual comercial de meninos, meninas e
adolescentes na América Latina e Caribe. 2. ed. Brasília: CECRIA, jul. 1999.
LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima. Pesquisa sobre tráfico de mulheres,
crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial. Brasília: PRESTAF,
2002.
MATOS, Marlise et al. Avaliação do Programa Sentinela. Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM/UFMG)/Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, Brasília, 2005.
MINAS GERAIS. Lei Complementar do Estado de Minas Gerais, n. 59/2001.
NAPPO, S. A. et al. Comportamento de risco de mulheres usuárias de crack em relação
às DST/AIDS. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas
(CEBRID). São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 2004.
PAGANO, S. M. Turismo sexual envolvendo menores em Recife: evolução, caracte-
rísticas e estrutura de combate – 1999 a 2003. Concurso Nacional de Pesquisas
Aplicadas em Justiça Criminal e Segurança Pública. Relatório final. Brasília:
Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2006.
SENNA, Ester; KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães (Org.). Exploração
sexual comercial de crianças e adolescentes e tráfico para os mesmos fins. Brasília:
Organização Internacional do Trabalho – OIT, 2005.
SIPIA/MJ. www.mj.gov.br/sipia
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Programa Pólos de Cida-
dania. Projeto criança e adolescente em situação de risco: geração de renda como
alternativa de prevenção à exploração sexual – Médio Vale do Jequitinhonha:
“Projeto 18 de Maio”. Relatório. Belo Horizonte, 2006.
VARGAS, J. D. Crimes sexuais e justiça criminal. São Paulo: IBCCRIM, 2000.
VARGAS, J. D. Estupro: que justiça? Fluxo do funcionamento e análise do tempo
da justiça criminal para o crime de estupro. Tese de doutorado. Rio de Janeiro:
IUPERJ, 2004. Disponível em: <http:// www.crisp.ufmg.br>.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 150 12/11/2008 10:30:25


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 151

Anexos

Mapa 1 Pontos de prostituição (exploração sexual infanto-juvenil)


sobrepostos ao índice de vulnerabilidade social – Uberaba
Fonte - IBGE, 2000/CRISP/UFMG. Trabalho de campo.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 151 12/11/2008 10:30:28


152 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Mapa 2 Pontos de prostituição (exploração sexual infanto-juvenil)


sobrepostos ao índice de vulnerabilidade social –
Teófilo Otoni
Fonte - IBGE/CRISP/Programa Pólos de Cidadania-UFMG. Levantamento de campo.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 152 12/11/2008 10:30:29


Diagnóstico... caracterização, visibilidade e localização... 153

Mapa 3 Regionalização da exploração sexual no trecho da


BR-166 entre Teófilo Otoni e Itaobim
Fonte - CRISP/Programa Pólos de Cidadania-UFMG. Levantamento de campo.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 153 12/11/2008 10:30:30


J o a n a d o m i n gu e s vargas
K l a ri s s a a l m e i d a si lva

DIAGNÓSTICO DE
UBERABA, TEÓFILO OTONI E ITAOBIM
A rede de proteção1

Introdução

O artigo 862 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que


define o trabalho em rede, é a referência metodológica do PAIR.
Assim, para além da descrição das características do fenômeno nos
municípios selecionados, entendeu-se ser necessário o conhecimento
e a caracterização da rede de enfrentamento local.
A ação pública na área da infância e da juventude, desde 1990,
tem por referência o ECA, que estabelece uma série de disposições
para prevenir e controlar as violações dos direitos e proteção deste
público. Em consonância com a Constituição Federal de 1988, o
ECA descentraliza a ação, agora de competência não apenas da
União ou do Estado, mas principalmente do Município, e postula
que esta deve se dar de forma coordenada entre organizações
governamentais e não-governamentais.
A ação conjunta de organizações do Estado e da sociedade com
responsabilidade compartilhada e negociada – a ação em rede –
tornou-se paradigma nas políticas públicas. A rede é concebida como
uma aliança de atores/forças, num bloco de ação, ao mesmo tempo,

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 154 12/11/2008 10:30:30


Diagnóstico... a rede de proteção 155

político e operacional. Também é vista como mecanismo de gestão


democrática, por compartilhar o poder de decisão entre os atores,
pela interação comunicativa, pela transparência das propostas e
avaliação coletiva (Faleiros, 1998: 1).
Quando se trata de violação dos direitos das crianças e dos ado-
lescentes identificam-se três tipos de redes, cada uma caracterizada
pela função singular a ser exercida. São elas: a rede de responsabi-
lização, a rede de defesa dos direitos e a rede de atendimento.
A rede de responsabilização é composta pelas Delegacias de Polícia,
Delegacias Especializadas (de Proteção à Criança e ao Adolescente,
e da Mulher), Instituto Médico Legal, Varas Criminais, Vara da
Criança e do Adolescente ou da Infância e Juventude, Delegacia da
Criança e do Adolescente e Ministério Público. Tem como função
responsabilizar judicialmente os autores de violações de direitos,
proteger a sociedade, fazer valer a lei. Também pode determinar
como pena o atendimento ao réu.
A rede de defesa dos direitos é composta pelos Conselhos Tutelares,
Varas da Infância e da Juventude, Ministério Público, Defensoria
Pública e Centros de Defesa. Tem a função de defender e garantir
os direitos de todos os implicados na situação de violência sexual
notificada, protegendo-os de violações a seus direitos. Para tal, tem
o poder de, com força da lei, determinar ações de atendimento e
de responsabilização.
A rede de atendimento é composta pelas instituições executoras de
políticas sociais (de saúde, educação, assistência, trabalho, cultura,
lazer, profissionalização), de serviços e programas de proteção
especial, bem como por organizações não-governamentais (ONGs)
que atuam nestas áreas. Suas atribuições: dar acesso a direitos, a
políticas sociais de proteção, prestar serviços, cuidar e proteger.
Deve dar cumprimento a determinações oriundas das redes de

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 155 12/11/2008 10:30:30


156 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

defesa de direitos e de responsabilização, bem como prestar-lhes


informações (Senna; Kassar, 2005).
A metodologia adotada para caracterizar a rede nos muni-
cípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim partiu da identificação
das instituições por meio de questionários aplicados aos seus
integrantes presentes na etapa de mobilização do PAIR, os quais
indicaram outras instituições e agentes que lidam com a temática
da violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Tal
estratégia metodológica teve por objetivo abarcar o maior número
possível de instituições nos municípios. Foram remetidos às insti-
tuições questionários estruturais auto-respondidos. Em Uberaba,
foram realizadas 8 entrevistas semi-estruturadas com integrantes
da rede de atendimento e 8 entrevistas com os da rede de defesa
e responsabilização. Especificamente neste município foram feitos
dois grupos focais, sendo um com componentes da rede de atendi-
mento e outro com atores das redes de defesa e responsabilização.
Buscou-se, com isso, colocar em debate certos tópicos relevantes à
discussão proposta pelo Diagnóstico. Em Teófilo Otoni, foram feitas
11 entrevistas semi-estruturadas, sendo 5 com agentes da rede de
atendimento e 6 com os da rede de defesa e responsabilização. Em
Itaobim, foram realizadas ao todo 11 entrevistas semi-estruturadas,
6 com agentes da rede de atendimento e 5 com os da rede de defesa
e responsabilização.
Para proceder à comparação do funcionamento teórico-ideal
(previsto no ECA e nos Códigos Penal e do Processo Penal) e real
da rede, bem como averiguar a intensidade e freqüência (rotina)
das relações entre os componentes da rede, foram empregados
dois instrumentos metodológicos específicos. O primeiro consistiu
na apresentação ao entrevistado do diagrama ideal de encaminha-
mento no fluxo de responsabilização civil e criminal e questioná-lo

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 156 12/11/2008 10:30:30


Diagnóstico... a rede de proteção 157

sobre se este corresponde ao fluxo real empreendido pela rede em


seu município. Tal diagrama mostra dois tipos possíveis de enca-
minhamentos – o civil e o criminal (ver Fluxo de Encaminhamento,
em anexo). No segundo caso, solicitou-se ao entrevistado que preen-
chesse um modelo de diagrama de rede (ver Fluxograma Conselho
Tutelar de Uberaba, em anexo). Este preenchimento consistia em
localizar a instituição da qual fazia parte no centro, interligando-a
a outras instituições com as quais se trocavam informações. As
ligações eram feitas por meio de setas que indicavam o caminho
desta troca, ou seja, se as informações eram apenas enviadas
por ele ou apenas recebidas ou, ainda, enviadas e recebidas. Por
meio da análise desses dois materiais foi possível não somente
descrever o funcionamento das redes de Uberaba, Teófilo Otoni e
Itaobim, mas conhecer o grau de articulação entre as instituições
componentes.
Este texto abordará a percepção da rede sobre os seguintes
aspectos: conceito de rede, funcionamento e interação dos compo-
nentes da rede, problemas e desafios do trabalho em rede.

Percepção da rede sobre “rede”

Nesta seção objetiva-se averiguar em que medida o conceito de


“rede” encontra-se interiorizado no discurso da rede. Acredita-se
que este empreendimento é necessário para se verificar, nos pró-
ximos tópicos, se tal conceito vem alterando a realidade daqueles
que compõem a rede, especialmente no enfrentamento da violência
sexual infanto-juvenil ou, ao contrário, permanece como conceito
típico-ideal distante da realidade e da prática dos integrantes da
rede de proteção.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 157 12/11/2008 10:30:30


158 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim prevalece


entre os integrantes da rede uma concepção de rede entendida como
interações entre instituições governamentais e não-governamentais
permitindo trocas de informações, bem como responsabilidades e
poder de decisão compartilhados. Para as instituições uberabenses,
o trabalho em rede permite a superação de fragilidades indivi-
duais, bem como a eleição de objetivos comuns como forma de
fortalecimento da atuação da rede no enfrentamento da violência
sexual. Também possibilita o preenchimento de uma lacuna dei-
xada pelo poder público – federal, estadual, municipal – quando
do enfrentamento do problema. Já em Teófilo Otoni, a conexão das
instituições deve propiciar a socialização das informações sobre
os casos atendidos e, ao mesmo tempo, preservar a identidade e
papel de cada instituição no enfrentamento da violência sexual.
A metáfora de teia de fios entrelaçados foi utilizada em Itaobim
para definição de rede e entendeu-se que esta resulta no empo-
deramento, quando da atuação contra a violência e exploração.
Vislumbrou-se uma troca constante de informações e experiências
e não apenas restrita a casos específicos e urgentes.
Verifica-se, pois, que o discurso dos agentes das instituições
que compõem a rede de enfrentamento nos três municípios
aproxima-se muito das definições teóricas sobre rede e sobre o
trabalho em rede, indicando a sua interiorização. Caberia então
perguntar se esta maneira de ver e fazer ver (Bourdieu, 1987) a
rede e o trabalho em rede tem conseguido se impor na prática da
atuação das redes locais. Para responder a esta questão propõe-se,
a seguir, explorar o funcionamento da rede de enfrentamento a
partir da descrição do seu fluxograma teórico e de sua realização
prática em cada município.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 158 12/11/2008 10:30:30


Diagnóstico... a rede de proteção 159

Funcionamento da rede

Um dos objetivos desta pesquisa é identificar como se dá o


percurso da notificação, do atendimento e da responsabilização
empreendido na rede de enfrentamento da violência sexual contra
criança e adolescente. Este percurso, do ponto de vista teórico, ocorre
no interior dos três tipos de rede, anteriormente classificadas, que
agora podem ser vislumbradas como fluxos: o Fluxo da Defesa de
Direitos, o Fluxo da Responsabilização e o Fluxo do Atendimento.
Não obstante a necessidade didático-metodológica de distinguir
esses três fluxos, principalmente no que se refere à elaboração dos
instrumentos de pesquisa, destaca-se a sobreposição dos mesmos.
Ou seja, na prática, algumas instituições podem atuar em mais de
um dos três tipos de fluxos, a exemplo do Ministério Público. Neste
sentido, como já observado, a responsabilização deve ocupar-se
do processo legal, da violação da lei, da sanção. Já o atendimento
ocupa-se com as pessoas, com a dor e o dano e, finalmente, a defesa
de direitos deve centrar-se na proteção e garantia da cidadania
(Senna; Kassar, 2005).
Nas situações concretas, estas redes são mobilizadas e devem
atuar articuladamente para garantir a resolubilidade da violência
sexual quando apreendida a partir da notificação. A revelação
pública de uma violação sexual infanto-juvenil (que pode se dar
nos serviços de saúde, escolas, disque denúncia etc.) deve, para
prosseguir no fluxo, materializar-se na notificação. São portas de
entrada da notificação da ocorrência: os Conselhos Tutelares, a Vara
da Infância e da Juventude (onde não houver Conselho Tutelar), a
Promotoria e as Delegacias de Polícia.
Após a notificação são previstos dois tipos de encaminhamento:
o civil, que pode ser iniciado pelo Conselho Tutelar requisitando
serviços públicos na área de assistência social, na área de saúde,

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 159 12/11/2008 10:30:30


160 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

educação, esporte. Ou principiado pelo Ministério Público solici-


tando a guarda de uma criança que precisa ser retirada da família
ou, ainda, pelo Juizado da Infância e da Juventude autorizando-a.
Já o encaminhamento criminal segue no fluxo com a realização
do exame de conjunção carnal pelo Instituto Médido Legal (IML),
a investigação na Polícia Civil, a denúncia dos envolvidos no
aliciamento ou no abuso oferecida pelo Ministério Público e sua
apreciação pelo Juiz da Vara Criminal. Ressalta-se que a ação penal
para esses casos depende necessariamente da autorização da vítima
ou de seu representante legal (exceto quando o agressor é tutor ou
responsável legal por esta, ou que o fato tenha resultado em morte
ou lesão grave). Com a denúncia, inicia-se o processo e segue-lhe a
instrução criminal, que consiste de vários ritos em que são ouvidos
réus e testemunhas e em que se manifestam o Ministério Público
e a Defesa. Ao final, o juiz pronuncia-se por meio da sentença (ver
Fluxo de Encaminhamento, em anexo).
Encerrada a descrição do fluxo teórico de encaminhamento,
far-se-á, a seguir, a descrição do funcionamento real da rede nos
municípios selecionados, de maneira a contrapô-lo ao funciona-
mento previsto.

Uberaba
Em Uberaba, comarca de entrância especial,3 a notificação dos
casos de abuso e exploração sexual é centralizada no Conselho
Tutelar. Mesmo quando a denúncia é feita diretamente ao Minis-
tério Público ou ao Juizado da Infância e Juventude ou, ainda, a
outros órgãos, esta é encaminhada ao Conselho Tutelar para que
os procedimentos iniciais sejam cumpridos. O fluxo de encami-
nhamento criminal inicia-se no Conselho Tutelar. Este repassa a
denúncia à Promotoria da Infância e Juventude (Ministério Pú-
blico) que encaminha o caso à Polícia Civil (invertendo, pois, a

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 160 12/11/2008 10:30:30


Diagnóstico... a rede de proteção 161

ordem do fluxograma ideal-típico). Tal procedimento é justificado


pelos agentes da rede em vista da competência da Promotoria de
proceder à filtragem dos casos, estando assim mais qualificada
para identificar corretamente o tipo de ação penal adequada para
se acionar a Justiça. Além disso, também se vislumbra que uma
demanda enviada à Delegacia ou à Vara Criminal referendada
pela Promotoria estaria mais respaldada. Essa ação mediadora do
Ministério Público se deve, ao que parece, à personalidade atuante
e reconhecida do antigo Promotor da Infância e Juventude que no
município.
Cabe ressaltar que a forma de encaminhamento dado aos casos
reflete-se na natureza da interação entre as instituições da rede.
Neste caso, salienta-se que, em razão da intermediação do Minis-
tério Público, há falta do contato direto do Conselho Tutelar com
o Juizado da Infância e Juventude e com a Vara Criminal (sendo
este feito apenas via papel) inviabilizando ações conjuntas destas
instituições. Esta observação foi corroborada com as informações
obtidas no diagrama da rede (ver Fluxograma Conselho Tutelar
de Uberaba).
Quanto ao encaminhamento civil, este é iniciado em Uberaba
pelo Conselho Tutelar e pelo CREAS (Centro de Referência Espe-
cializado de Assistência Social), que recebem os casos de violação
dos direitos da criança e do adolescente denunciados pela comu-
nidade. Estas instituições buscam estabelecer diversas parcerias,
tais como as Secretarias de Esporte, Educação, Saúde e ONGs em
geral, para onde as crianças e adolescentes são encaminhados e
atendidos através de programas, como o Agente Jovem, cujo foco
é o protagonismo juvenil.
No diagrama da interação da rede, a relação do CREAS com
o Conselho Tutelar foi percebida como muito alta. O CREAS em
Uberaba fornece apoio psicológico, de assistência social e jurídico,

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 161 12/11/2008 10:30:30


162 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

desenvolve trabalho preventivo e pró-ativo, no caso da exploração


sexual, fazendo abordagem de rua (trata-se de “blitz” realizada em
conjunto com o comissariado), o que indica uma interação desta
instituição mais efetiva com o Juizado. Também vale ressaltar que o
CREAS é a instituição de maior contato com escolas, tendo em vista
o trabalho de prevenção e divulgação que realiza junto a estas.

Teófilo Otoni
A comarca de Teófilo Otoni é de segunda entrância e, por isso,
conta com Promotoria e Vara da Infância e Juventude. Tais órgãos
da Justiça são dotados de profissionais como psicólogos e assistentes
sociais. Quando as denúncias de casos de abuso e exploração sexuais
infanto-juvenis são remetidas a esses órgãos, o encaminhamento
civil é feito para o Programa Sentinela (para seu acompanhamento
e monitoramento), para a Casa Ninho (que procede ao atendimento
e abrigo) ou para a APJ (Aprender Produzir Juntos, entidade
filantrópica cujo objetivo é ensinar ofícios aos jovens). Não raro os
atendidos pela Casa Ninho são também encaminhados à APJ.
Em geral, o encaminhamento criminal inicia-se com as denúncias
remetidas aos Conselhos Tutelares Norte e Sul para lá serem notifi-
cadas. Entretanto, não raro os casos chegam diretamente à Delegacia
que o repassa ao Programa Sentinela enquanto procede às investi-
gações. Também não é incomum que o Ministério Público, por meio
da Promotoria da Infância e Juventude, faça a notificação e inicie a
ação a ser apreciada e julgada pelo Juiz da Vara Criminal. Assim,
nestes casos, a notificação não é registrada no Conselho Tutelar.
No diagrama das interações, salienta-se a comunicação entre o
CT e outras instituições realizada somente via papel (a que mais
nos chama atenção é a dos Conselhos Tutelares com o Programa
Sentinela). O contato dos Conselhos Tutelares com o Juizado e, espe-
cialmente, com a Vara Criminal foi muito baixo. Nestes casos, como

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 162 12/11/2008 10:30:30


Diagnóstico... a rede de proteção 163

ressaltado, o contato com o Juiz Criminal é feito via Promotoria (ver


Fluxograma Conselho Tutelar Norte de Teófilo Otoni e Fluxograma
Conselho Tutelar Sul de Teófilo Otoni, em anexo).

Itaobim
Itaobim pertence à Comarca de Medina, de primeira entrância,
constituída de uma Vara Única. O fluxo de encaminhamento civil e
criminal neste município apresenta característica singular, visto que,
em geral, é feito diretamente por uma ONG específica – a Casa da
Juventude, entidade mais atuante no município quanto à violência
contra criança e adolescente –, à Vara Única da Comarca de Medina.
Recebida a comunicação da violação, o juiz encaminha o caso para
o Ministério Público, com sede também em Medina, para oferecer
denúncia e, em seguida, dar início à instrução criminal e julgamento
do caso. Tal procedimento também é revelado no diagrama de
interação da rede que mostra o quão intenso é o contato desta ONG
com a Vara e com o Ministério Público, e a escassez deste mesmo
contato com o Conselho Tutelar (ver Fluxograma Conselho Tutelar
de Itaobim, em anexo).
A partir do cotejamento das descrições teórica e real dos fluxos
de procedimento da rede de enfrentamento nos três municípios em
estudo, observa-se que a realidade enseja adaptações e aplicações
diferenciadas da proposição ideal. Tais adaptações são decorrentes
de fatores como as características de cada município (tamanho,
estrutura jurisdicional, complexidade da rede etc.) e as caracterís-
ticas do fenômeno (dificuldade de denúncia e de caracterização,
dentre outros).
Mesmo considerando que as decisões no fluxo de funcionamento
são tomadas de acordo com cada caso, ressalta-se que estas não se
institucionalizaram tornando-se procedimentos de rotina aplicáveis

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 163 12/11/2008 10:30:30


164 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

a todos os casos. Observou-se, nos três municípios, forte persona-


lização das relações na atuação da rede. Trata-se de questão comple-
xa, pois a personalização, de um lado, pode facilitar a comunicação,
ação e a resolubilidade dos casos, mas, de outro, o modus operandi
adotado pelos agentes envolvidos pode se esvair com a transferência
ou ausência de um destes responsáveis. Verifica-se, assim, quanto à
interação da rede na resolubilidade dos casos para os três municípios
que, não poucas vezes, são efetuadas ações conjuntas entre dois ou
mais agentes ou instituições. Contudo, estas ações conjuntas não se
institucionalizaram em procedimentos padrões.
Foram observadas estratégias mais dinâmicas (Itaobim) e mais
formais (Uberaba e Teófilo Otoni) de atuação no enfrentamento da
violência sexual. Contudo, nem uma nem outra conseguem envolver
a rede como um todo, restringindo, assim, as possibilidades de seu
empoderamento.
A não notificação no Conselho Tutelar observada em larga medida
em Itaobim (pois é prática premeditada que visa proteger a vítima e
sua família da estigmatização) e em menor medida em Teófilo Otoni
tem por conseqüência impedir a visibilidade do fenômeno. Isto
porque priva o Ministério da Justiça de informação sobre a questão,
quando da alimentação do Sistema de Informação para a Infância
e a Adolescência (SIPIA), banco de dados elaborado exatamente
para este fim e, em conseqüência, prejudica o embasamento de
políticas públicas, conforme já mencionado no texto “Diagnóstico
de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim: caracterização, visibilidade e
localização do fenômeno”.
Uma vez identificados os procedimentos adotados pelas redes
nos três municípios, torna-se complementar identificar os problemas
e desafios advindos dessas formas de atuação. É o que se propõe
na próxima seção.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 164 12/11/2008 10:30:30


Diagnóstico... a rede de proteção 165

Problemas e desafios da rede


no enfrentamento da violência sexual

Nesta seção serão apresentados os problemas e desafios apon-


tados pelas redes de proteção no enfrentamento ao fenômeno da
violência sexual em Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim.

Caracterização do fenômeno da violência sexual


Problemas recorrentemente assinalados são aqueles gerados pela
própria caracterização dos fenômenos do abuso e da exploração
sexual. Analisando a percepção da rede sobre estes fenômenos, foi
possível observar nos três municípios pontos bastante convergentes.
Um deles é o limite tênue entre uma e outra forma de violência.
Inúmeras vezes foi salientado que a adolescente explorada
apresenta uma história de abuso sexual. Neste caso, as vítimas
são identificadas como crianças e os agressores são homens cujas
relações com elas são muito próximas, sobretudo pais, padrastos,
familiares e vizinhos (conforme mostram também os dados
apresentados no texto anterior). Na percepção da rede, a diferença
entre abuso e exploração residiria então no fato do segundo envolver
monetarização da vítima, sendo esta muitas vezes adolescente. Em
Itaobim e Teófilo Otoni, a existência do “ciclo geracional” – avó e
mãe prostitutas e filha vítima de exploração – mostrou-se como um
fator causal muito evidenciado, o que, na percepção dos agentes,
dificulta ainda mais a ação das instituições, posto que perpassa
uma questão cultural e econômica. No mesmo sentido, outro ponto
freqüentemente enfatizado é a “desestrutura familiar”. Fornecida
como principal causa ou explicação para ambos os fenômenos,
é recorrentemente associada à situação de pobreza em que estas
famílias (sobre)vivem e é entendida como um limite estrutural,
impossível de ser superado apenas com a atuação da rede.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 165 12/11/2008 10:30:30


166 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Para a rede como um todo, uma das principais dificuldades no


enfrentamento da violência sexual é o alto índice de não denúncias.
No caso do abuso sexual, este é atribuído a fatores como medo de
represálias por parte do agressor (que muitas vezes é o provedor
da família) e, também, pela não confiança da comunidade nas
instituições da rede. Esta desconfiança pode ser atribuída ao desco-
nhecimento, por parte da sociedade em geral, dos procedimentos
adotados para esses casos. Em Itaobim, município de apenas 22.000
habitantes, a não denúncia associa-se ao medo da estigmatização
sofrida pela vítima e sua família. Já no caso da exploração sexual,
as denúncias não são feitas, segundo a rede em geral, em razão
do “desinteresse” por parte da vítima e de sua família – pois, não
poucas vezes, o recurso obtido nesta prática sustenta a ambas –,
e do medo de represálias por parte do aliciador. Em Uberaba, foi
reconhecida a existência de uma rede de exploração muito articu-
lada envolvendo autoridades e pessoas influentes da cidade em
oposição à atuação desarticulada da rede de proteção.
Para a rede de responsabilização, a dificuldade nestes tipos de
crime consiste na obtenção de provas materiais e testemunhais.
Foi particularmente enfatizada a dificuldade com o depoimento
infantil aliada ao fato de que as vítimas podem sofrer intimidação
por parte dos acusados. Também foi salientada a precariedade das
provas materiais obtidas em exames e a necessidade de um melhor
preparo dos profissionais que estabelecem o primeiro contato com
a vítima (médicos, legistas etc.).

Desarticulação e falta de estrutura


da rede de enfrentamento
A desarticulação da rede pode ser vislumbrada a partir da análise
dos diagramas, conjugada à da percepção dos agentes das redes
sobre os respectivos funcionamentos. Embora ocorra ação conjunta

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 166 12/11/2008 10:30:31


Diagnóstico... a rede de proteção 167

e articulada entre algumas instituições no enfrentamento da violação


de direitos e da violência sexual contra crianças e adolescentes,
prevalece a falta de conexão e interação da rede como um todo. Na
percepção da rede, isto se deve à escassez da troca de informações
no que se refere ao retorno dos casos encaminhados e à inexistência
de uma definição clara acerca do papel desempenhado pelos agentes
institucionais dentro da rede. A conseqüência mais imediata é,
de um lado, a sobreposição de funções, e de outro, a ausência de
certos serviços. Vislumbra-se, assim, que a falta de conexão entre
as instituições tem gerado deficiências no atendimento dado às
vítimas e, conseqüentemente, o não aproveitamento do potencial
das instituições existentes.
Em Uberaba, um dos principais desafios postos pelos atores
entrevistados é a promoção de espaços de discussão periódica entre
as instituições, incentivando, desta forma, a troca de informações
e melhor definição do papel atribuído a cada uma das instituições.
Assim também, esforços no sentido de “fechar os casos”, ou seja,
solucioná-los de fato, seja pela responsabilização do agressor e/ou
com o devido atendimento à vítima, mostram-se como demandas
urgentes.
Em Teófilo Otoni, foi enfatizada a pouca clareza de definição
dos papéis de cada instituição, inclusive para os próprios agentes
inseridos na rede. Isso parece implicar a falta de conhecimento
dos serviços oferecidos pelas instituições componentes desta rede,
por parte da comunidade em geral. Muito deste desconhecimento
deve-se à pouca divulgação dos serviços oferecidos. Uma das conse-
qüências do desconhecimento da existência dos serviços de proteção
aos direitos da criança e do adolescente por parte da população é,
como vimos, o alto índice de não denúncias, que contribuiu, por
sua vez, para a invisibilidade do fenômeno. Assim, sensibilizar a
comunidade de forma a tornar a violência sexual contra crianças

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 167 12/11/2008 10:30:31


168 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

e adolescentes um problema perceptível à população constitui um


desafio que visa à diminuição dos altos índices de não denúncias.
Entretanto, a questão da visibilidade é complexa e pode acarretar
efeitos perversos caso se restrinja a denúncias feitas pela mídia,
podendo resultar na estigmatização do município. Prova disto é o
desafio que se impõe hoje a Itaobim de superar o estigma gerado
pela grande visibilidade nacional dada ao fenômeno da exploração
sexual.
Outro problema comum aos três municípios refere-se à não
inserção efetiva na rede de enfrentamento das escolas e postos de
saúde e equipes dos PSFs (Programa Saúde da Família), sobretudo
se considera que tais instituições desempenham papel fundamental
na identificação das vítimas e situações de violência sexual infanto-
juvenil.
A excessiva burocratização dos procedimentos foi um aspecto
problemático salientado pela rede nos três municípios. A burocracia
envolvida em alguns encaminhamentos acaba por torná-los dema-
siado lentos. Em muitas situações, a burocratização dos processos
de encaminhamento – envolvendo a elaboração de relatórios e
ofícios – acaba por retardar a etapa de atendimento propriamente
dito das vítimas e de suas famílias, e também de responsabilização
do abusador/explorador, o que tem como efeito, aqui também, o
desestímulo às denúncias. O fato de Itaobim pertencer à comarca
de Medina traz uma outra implicação que se refere à ausência de
Promotoria e Juizado da Infância e Juventude, sendo apenas um
promotor e um juiz responsáveis por todos os crimes, de natureza
civil ou criminal, registrados em todas as cidades da comarca.
Assim, entende-se que a morosidade no âmbito da responsabili-
zação seja um dos problemas enfrentados pela rede de Itaobim,
que vem buscando alternativas de resolubilidade dos casos de
violência e exploração sexual.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 168 12/11/2008 10:30:31


Diagnóstico... a rede de proteção 169

A falta de estrutura física e de pessoal capacitado (principal-


mente quando da tomada de depoimento infantil) nas instituições
componentes da rede pode ser considerada problema relevante.
Não apenas a falta de investimentos por parte dos poderes públicos
municipais, sobretudo nas instituições da rede de atendimento, mas
também por parte dos governos estadual e federal, nas instituições
de defesa e responsabilização, acabam por gerar tal contexto.
Apesar de investimentos em programas voltados ao enfrentamento
do fenômeno, a efetivação dos mesmos torna-se prejudicada pela
falta desta estrutura.
A falta de apoio do governo municipal à rede de enfrentamento
foi queixa recorrente nos três municípios. No caso dos Conselhos
Tutelares, foi salientada a dependência financeira da prefeitura
municipal (embora os CTs sejam, de acordo com o ECA, formal-
mente autônomos). Também comum é o desconhecimento, pela
maioria das instituições da rede nos três municípios, da existência
do Fundo Municipal da Infância e Juventude, mecanismo instituído
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com a finalidade
de gerar recursos para implementação de programas e projetos
voltados para os direitos das crianças e adolescentes.
Na percepção da rede, as instituições que mais se ressentem
da falta de estrutura são as de atendimento às vítimas e, por isso,
encontram-se saturadas. A dificuldade em conseguir vagas em
alguns serviços de atendimento, como creches e escolas, acaba
por impor uma lacuna no processo e impossibilitar a efetividade
dos atendimentos oferecidos à vítima. A falta de estrutura é mais
visível em Itaobim, onde há escassez de transporte aos conselheiros
tutelares para idas freqüentes a Medina, sede da comarca e onde
se localizam a Vara Única e o Ministério Público. Também neste
município não há casas de abrigo ou acolhida, sendo as vítimas
freqüentemente encaminhadas à Casa Ninho de Teófilo Otoni,

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 169 12/11/2008 10:30:31


170 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

que, por sua vez, recebe vítimas de outros municípios vizinhos e


pertencentes à sua comarca. Pode-se pensar que a conseqüência
mais imediata disto é a revitimização da criança ou adolescente,
que se vê forçada a continuar o convívio no mesmo contexto no
qual foi gerada a violação, sem que intervenções sejam direcionadas
a este, em tempo hábil.
Finalmente, a falta de estrutura e a desarticulação da rede foram
mencionadas nos municípios como dificuldades para se enfrentar
a regionalização do fenômeno (Itaobim e Teófilo Otoni) e a sua
distribuição no território (Teófilo Otoni e Uberaba).
Em Uberaba, a dimensão territorial do município parece dificul-
tar as ações da rede, principalmente no que concerne à prevenção
dos casos, que terminam restritas à área urbana do município. Tam-
bém em Teófilo Otoni, a atuação da rede restringe-se à área urbana
do município, não incluindo o distrito de Mucuri, que é um dos
principais locais de procedência das vítimas. Em Itaobim, a ação na
área urbana é agravada pela não interação em nível regional, com
redes de proteção dos municípios próximos. Isso permite o desloca-
mento do fenômeno nesta região. Tal deslocamento ficou conhecido
como “fazer o trecho”, ou seja, mulheres e adolescentes saem das
cidades – Medina, Padre Paraíso, Ponto dos Volantes, Comercinho,
Itaobim, dentre outras – na boleia de caminhão e, posteriormente,
retornam com outro caminhoneiro até a cidade de partida.

Comentários finais

Este texto teve por objetivo caracterizar a rede de enfrenta-


mento ao fenômeno do abuso e exploração sexuais nos municípios
de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim. Para tanto, foram utilizados
instrumentos metodológicos que dessem conta de mensurar a

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 170 12/11/2008 10:30:31


Diagnóstico... a rede de proteção 171

percepção dos atores das redes acerca do conceito sobre rede, do


seu funcionamento, bem como dos problemas e desafios por eles
enfrentados.
Vislumbram-se semelhanças entre as redes e sua atuação nos
três municípios, salvaguardadas as diferenças territoriais, socio-
econômicas, demográficas e jurisdicionais. A rede de enfrentamento
vem construindo uma identidade própria que pôde ser observada
no discurso conceitual sobre rede. Nele, como vimos, o significado
atribuído pelos agentes ao trabalho em rede mostrou-se afim
com o discutido pela teoria. Entretanto, quando se comparam o
discurso e o trabalho prático, percebe-se um distanciamento entre
o que se diz e o que se faz. Em geral, as redes trabalham de forma
pouco articulada, através de ações reativas e não planejadas, não
havendo rotina na troca de informações, principalmente acerca
de acompanhamento dos casos encaminhados.
Nos três municípios, os procedimentos civis e criminais mos-
traram-se burocráticos e formais, muitos deles realizados apenas
via papel (especialmente os que envolvem os juizados e as varas
criminais). Uma das conseqüências mais imediatas dessa caracte-
rística é a revitimização da criança e do adolescente, uma vez que
o agressor, quando identificado, demora a ser julgado e, além disso,
não se procede ao adequado atendimento das vítimas. Foram
identificadas, entretanto, iniciativas pessoais buscando minimizar
tais efeitos. Apesar de reconhecidamente ser um ponto positivo, a
personalização das ações mostra-se também como um problema,
uma vez que, na ausência dos atores específicos, tais ações ficam
comprometidas.
O fortalecimento dos Conselhos Tutelares é um dos fatores
que mais necessita de atenção nos três municípios. A Constituição
de 1988 e o ECA pretenderam a participação da sociedade lado a

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 171 12/11/2008 10:30:31


172 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

lado do Estado. O Conselho Tutelar foi o órgão encarregado pela


sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do
adolescente (art. 131 do ECA). Os Conselhos Tutelares constituem,
portanto, uma inovação e é instituição fundamental no enfrenta-
mento da violência sexual infanto-juvenil. Também é este o órgão
que dá visibilidade ao fenômeno junto ao Governo Federal através
da alimentação do SIPIA. Nesse sentido, vislumbra-se a necessidade
de capacitação dos conselheiros tutelares.
A capacitação dos atores envolvidos na rede de enfrentamento
deve ser entendida como uma ação contínua. Enfatiza-se, na rede
de responsabilização, a necessidade de capacitação dos agentes que
coletam provas da violência sexual e realizam tomada de depoimento
infantil. Na rede de atendimento, enfatiza-se, de maneira geral, a
capacitação voltada para a identificação de situações de violência
sexual, pois ações de busca pró-ativas foram pouco identificadas,
sobretudo em Teófilo Otoni e Itaobim. Também foi demandada
(Uberaba) a capacitação para o resgate da vítima de exploração
sexual, muitas vezes envolvida com o abuso de drogas.
O trabalho com as famílias das vítimas, bem como com as
famílias em vulnerabilidade social, mostra-se ser uma ação também
voltada ao abusador, que ainda permanece personagem muito
ausente da atenção da rede de enfrentamento. Já o protagonismo
juvenil – a exemplo do que é feito pela Casa da Juventude em
Itaobim – constitui uma iniciativa bem-sucedida de atuação não
apenas voltada para as vítimas, como também para crianças e
adolescentes em risco.
O maior desafio do Plano Nacional de Enfrentamento ao Abuso
e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil é a ação articulada de antigos
e novos atores oriundos de universos sociais diferentes e porta-
dores de cultura institucional e visões programáticas específicas.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 172 12/11/2008 10:30:31


Diagnóstico... a rede de proteção 173

Embora a rede de enfrentamento já se reconheça enquanto tal nos


três municípios em estudo, a integração efetiva dos seus agentes
para combater o problema, ou pelo menos para minimizar os seus
efeitos, ainda está por se fazer.

Notas
1
Este texto foi elaborado a partir de pesquisa que resultou nos relatórios técnicos
do Diagnóstico do PAIR/MG, nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e
Itaobim. Participaram da sua elaboração: CRISP/UFMG – pesquisadores: Klarissa
Almeida Silva (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento de dados
secundários e de campo, análise de entrevista, elaboração do relatório, divulgação
dos resultados), Cristiane Torisu (análise de entrevista, elaboração do relatório),
Frederico Marinho (elaboração dos protocolos de pesquisa, levantamento
bibliográfico e de dados secundários, elaboração do relatório, divulgação de
resultados), Bráulio Silva (georeferenciamento, índice de vulnerabilidade social),
Keli de Andrade (análise de entrevista, elaboração do relatório). Estagiários:
Analice Mateus, Lívia de Oliveira, Mateus Reno. Programa Pólos de Cidadania/
UFMG – pesquisadora: Marisa Lacerda (elaboração dos protocolos de pesquisa,
levantamento de dados de campo, análise de entrevista, divulgação dos resultados).
Estagiária: Hanna Fux. Em Uberaba, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
– professoras: Helena Iwamoto e Sybelle de Souza Castro Miranzi (elaboração
dos protocolos de pesquisa, mobilização da rede local, levantamento de dados
de campo, divulgação dos resultados). Estagiárias: Fernanda Gonçalves, Michele
Araújo, Letícia Apolinário e Tarin Kamikabeya. Em Teófilo Otoni, da Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – professor: Ricardo Silvestre da
Silva (levantamento de dados de campo). Estagiária: Ana Luiza Cunha. Da
Faculdade Doctum – aluno: Heverton Leite. Em Itaobim, da IESFATO – Patrike
Chaves (levantamento de dados de campo).
2
“Art. 86 - A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á
através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”
3
As comarcas são unidades de organização do Poder Judiciário estadual compostas
por um ou mais municípios em área contínua, sempre que possível. Cada comarca
tem que ter, no mínimo, 18.000 habitantes e 13.000 eleitores, além de movimento
forense anual de no mínimo 400 feitos judiciários. Entrâncias são formas de
classificação das comarcas, que são definidas segundo tamanho populacional,
principalmente. As de primeira entrância são aquelas com um ou dois juízes.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 173 12/11/2008 10:30:31


174 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

As de segunda entrância são as com mais de dois juízes e com menos de 250.000
habitantes, possuindo, portanto, duas ou mais Varas. As de entrância especial são,
por exclusão, aquelas com mais de 250.000 habitantes. (Fonte: Lei Complementar
do Estado de Minas Gerais n. 59/2001.)

Referências

BEATO FILHO, C. C. et al. (Org.). Conglomerados de homicídios e o tráfico de drogas


em Belo Horizonte de 1995 a 1999, [s.d.]. (Mimeo.)

BOURDIEU, P. Espaço social e poder simbólico. In: ____. Choses dites. Paris: Les
Éditions de Minuit, 1987. p. 147-166.

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Rela-


tório descritivo da pesquisa do perfil organizacional das Delegacias Especializadas da
Criança e do Adolescente, 2004. Divulgação: março 2006.

BRASIL. Ministério da Justiça/SEDH/SIPIA. Sistema de informação para a infância


e adolescência. Manual SIPIA. 5. ed. Brasília: Ed. Primeiros Passos, 2001.

DIAGNÓSTICO RáPIDO-PARTICIPATIVO. Versão corrigida, atualizada e


complementada de Francesco Notarbartolo di Villarosa. A estimativa rápida e
a divisão do território no distrito sanitário. Brasília: Organização Pan-Americana
da Saúde, 1993.

ENCARNAçÃO, J. L. Redes e papéis sociais nos processos de transferência da


informação. Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Ciência da Informação.
ECO/UFRJ. Orientadora: Regina M. Marteleto, 1999.

ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça.


Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília,
1990.

FALEIROS, V. Redes de exploração e abuso sexual e redes de proteção. In:


IX CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS. Goiânia, jul.
Anais..., v. 1, p. 267-271. 1998.

HANNEMAN, R. A. Introducción a los métodos de analisis de redes sociales.


Universidad de California Riverside, 2002.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA-IBGE, 2000 e


2005.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 174 12/11/2008 10:30:31


Diagnóstico... a rede de proteção 175

INSTITUTO TELEMIG CELULAR – ITC. Avaliação dos Conselhos Tutelares.


Belo Horizonte.

INSTITUTO TELEMIG CELULAR – ITC. Indicadores pró-conselho: indicadores


de Gestão de Conselhos Tutelares. Belo Horizonte, maio 2006.

MINAS GERAIS. Lei Complementar do Estado de Minas Gerais, n. 59/2001.

MARQUES, W. E. U. (Org.). Gestão, políticas públicas e redes sociais. Belo Horizonte:


PROEX/UFMG, 2001. 142 p.

MARQUES, W. E. U. Redes sociais: possibilidade metodológica para uma prá-


tica inclusiva. In: UDE, Walter (Org.). Políticas públicas. Belo Horizonte: UFMG/
PROEX, 2002. p. 127-139.

MESSNER, S. F.; ROSENFELD, R. Uma teoria da anomia institucional para a


distribuição social do crime. In: CORDELLA, P.; SIEGEL, L. (Org.). Readings in
Contemporary Criminological Theory. Northeastern University Press, 1996.

MISSE, M. O Rio como um bazar: a conversão da ilegalidade em mercadoria


política. In: ____. Crime e violência no Brasil contemporâneo. Estudos de sociologia
do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2006. p. 211-228.

SEADE. Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – IPVS. Índice Paulista


de Vulnerabilidade Social. Metodologia de Uso e Aplicação. Disponível em:
<http://www.seade.gov.br/produtos/ipvs/pdf/metodologia.pdf>. Último acesso
em: 26 de novembro de 2007.

SENNA, Ester; KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães (Org.). Exploração


sexual comercial de crianças e adolescentes e tráfico para os mesmos fins. Brasília:
OIT, 2005.

SHAW, C.; MCKAY, H. D. Juvenile Delinquency and Urban Areas. Chicago:


University of Chicago Press, 1942.

SIPIA/MJ. www.mj.gov.br/sipia

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL. Plano Nacional


de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Projeto
Escola de Conselhos, Campo Grande, [s.d].

VARGAS, J. D.; MARINHO, F. C. O Programa Liberdade Assistida em Belo


Horizonte. In: II SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE JUVENTUDE, VIO-
LÊNCIA, EDUCAçÃO E JUSTIçA. O PROCESSO EDUCATIVO DESTINADO
A ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL E NOS ESTADOS
UNIDOS. Anais..., Porto Alegre, 2006.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 175 12/11/2008 10:30:31


176 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

VARGAS, J. D. Crimes sexuais e justiça criminal. São Paulo: IBCCRIM, 2000.

VARGAS, J. D. Estupro: que justiça? Fluxo do funcionamento e análise do tempo


da justiça criminal para o crime de estupro. Tese de doutorado. Rio de Janeiro:
IUPERJ, 2004. Disponível em: <http:// www.crisp.ufmg.br>.

Anexos



Notificação
Família / População
Instituições / ONGs Denúncia

Encaminhamento
Conselho Tutelar
Delegacias criminal

MP


SOS-Criança
Encaminhamento
JIJ
civil

Ministério 

Público • Famílias
• Abrigos provisórios
• Programas e projetos socioculturais
• Profissionalização / esporte / lazer/
saúde e educação
Vara criminal
• Outras alternativas

Fluxo de encaminhamento
Fonte - LEAL, jul. 1999.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 176 12/11/2008 10:30:31


Diagnóstico... a rede de proteção 177

Legenda
Rotina Operacional Nível de Interação
RD Rotina Diária MB Muito Baixa
RS Rotina Semanal B Baixa
RQ Rotina Quinzenal M Média
RM Rotina Mensal A Alta
RT Rotina Trimestral MA Muito Alta
RST Rotina Semestral
SP Sem Periodicidade

Fluxograma Conselho Tutelar de Uberaba


Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 177 12/11/2008 10:30:32


178 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Legenda
Rotina Operacional Nível de Interação
RD Rotina Diária MB Muito Baixa
RS Rotina Semanal B Baixa
RQ Rotina Quinzenal M Média
RM Rotina Mensal A Alta
RT Rotina Trimestral MA Muito Alta
RST Rotina Semestral
SP Sem Periodicidade

Fluxograma Conselho Tutelar Norte de Teófilo Otoni


Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 178 12/11/2008 10:30:32


Diagnóstico... a rede de proteção 179

Legenda
Rotina Operacional Nível de Interação
RD Rotina Diária MB Muito Baixa
RS Rotina Semanal B Baixa
RQ Rotina Quinzenal M Média
RM Rotina Mensal A Alta
RT Rotina Trimestral MA Muito Alta
RST Rotina Semestral
SP Sem Periodicidade

Fluxograma Conselho Tutelar Sul de Teófilo Otoni


Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 179 12/11/2008 10:30:32


180 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Legenda
Rotina Operacional Nível de Interação
RD Rotina Diária MB Muito Baixa
RS Rotina Semanal B Baixa
RQ Rotina Quinzenal M Média
RM Rotina Mensal A Alta
RT Rotina Trimestral MA Muito Alta
RST Rotina Semestral
SP Sem Periodicidade

Fluxograma Conselho Tutelar de Itaobim


Fonte - ENCARNAÇÃO, 1999; CRISP-UFMG.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 180 12/11/2008 10:30:32


R i c a rd o S i lv e s t re da Si lva

A PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA


CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO VALE DO MUCURI
Iniciando o debate

Introdução

A reflexão que se segue é o resultado do esforço do curso de


Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha
e Mucuri (UFVJM) e da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), por intermédio da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX),
de enfrentarem, juntamente com o poder público local e federal,
a problemática da violência contra criança e adolescente, particu-
larmente aquela de natureza sexual, na região conhecida como o
Vale do Mucuri.1
Este é um esforço que faz coro a um movimento nacional,2 em
que estão envolvidos diversos sujeitos, da sociedade civil organi-
zada e do governo, na luta pela construção de condições de uma
vida digna, ao conjunto das famílias das crianças e adolescentes
brasileiras. Nesta direção, busca-se criar instrumentos legais que
possibilitem o enfrentamento da violência contra crianças e ado-
lescentes, particularmente a sexual, por meio de políticas sociais
sistemáticas e planejadas, que contribuam com o fortalecimento da
rede de prestação de serviços.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 181 12/11/2008 10:30:33


182 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

A presença de uma universidade pública3 em Teófilo Otoni pro-


voca grandes desafios a esta, neste caso particularmente ao curso
de Serviço Social,4 no sentido de que o conhecimento produzido
em seu interior possa materializar-se em propostas concretas que
contribuam com a emancipação cultural e sociopolítica das pessoas
que vivem na Mesorregião do Vale do Mucuri. Assim, a presente
reflexão e o conjunto de ações realizadas por esta universidade no
campo do enfrentamento da violência sexual contra crianças e ado-
lescentes representam uma tentativa de transcender o conhecimento
universitário para além dos muros institucionais.
Assim, o objetivo central desta reflexão é oferecer contribuições
sobre o debate desta problemática, tendo a realidade da região do
Mucuri como locus privilegiado da análise, de modo que possamos
garantir o fortalecimento dos serviços oferecidos. Para além disso,
também é nosso objetivo fortalecer o protagonismo que a infância e
juventude devem ter, junto às instâncias de poder, responsáveis pelo
planejamento, elaboração e execução de políticas sociais voltadas
para este segmento.
A organização deste texto procura, em primeiro lugar, contex-
tualizar de maneira geral o marco legal da política da criança e do
adolescente no Brasil, de modo que possamos compreender que a
discussão sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes
encontra-se inserida no processo de construção e consolidação dos
direitos sociais deste segmento populacional. Esta é uma discussão
que deverá se dar concomitantemente com a caracterização da
violência sexual propriamente dita, para que possamos, a partir
deste panorama, problematizar a região do Mucuri, através de
alguns indicadores sociais e apontar algumas observações sobre
a articulação da rede de serviços, bem como os desafios a serem
enfrentados por esta.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 182 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 183

Contextualizando o fenômeno da
violência sexual infanto-juvenil

Sabemos que a violência sexual contra crianças e adolescentes não


é uma exclusividade desta região e está presente em todo o território
nacional, como aponta um guia elaborado pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT), o qual destaca Minas Gerais com
a maior malha rodoviária do país5 (cf. OIT, 2007). Então, torna-se
um grande compromisso político e ético de todas as instituições
preocupadas em oferecer contributos, na direção de enfrentar e
romper com as mazelas sociais, a construção de tecnologias sociais,
que sejam capazes de possibilitar a emancipação de segmentos
sociais vulnerabilizados pelas mais variadas razões.
É nesta direção que a UFVJM e a UFMG se lançaram ao desafio
de ultrapassar os seus muros, interagindo com os sujeitos envolvidos
com a prestação de serviços voltados à infância e juventude no Vale
do Mucuri, em uma troca constante de experiências e conhecimentos,
visando ao enfrentamento a esta dolorosa problemática, o que tem
como um dos resultados este trabalho.
Este conjunto de reflexões é o resultado dos esforços realizados
por sujeitos inseridos na UFVJM, UFMG e UFTM, que vêm atuando
em conjunto e como parceiros, na defesa dos direitos da criança e
do adolescente, preocupados em criar mecanismos reais de enfren-
tamento contra a violência sexual infanto-juvenil. Particularmente
este texto tem a preocupação central de debruçar-se sobre esta
problemática na região do Mucuri. Sabemos que esta é uma reflexão
ainda incipiente, e que por isso não tem a pretensão de esgotar este
debate, mas, ao contrário, contribuir com o mesmo, bem como o
enfrentamento efetivo de tal problemática nesta região.
Cabe destacar, ainda, que este esforço institucional situa-se
no interior das atividades relacionadas à expansão do PAIR6 e
ao desenvolvimento de uma pesquisa intitulada Diagnóstico da

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 183 12/11/2008 10:30:33


184 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Exploração Sexual Infanto-Juvenil na Microrregião de Teófilo


Otoni,7 ainda em curso. A partir desta articulação é que foi possível
realizar uma aproximação com a realidade regional e problematizar
a temática em tela.
Uma problematização que contribui para o entendimento do
significado da construção da política no Brasil da criança e do ado-
lescente é aquela que diz respeito ao entendimento sobre políticas
sociais. Conforme Faleiros (2000), a política social no capitalismo,
via Estado, exerce a função legitimadora da ordem social, além de
contribuir com o processo de valorização do capital. Entretanto,
segundo o mesmo autor, devemos entender este espaço, atravessa-
do pela luta de classes e, por isso, perpassadas por contradições
que expressam interesses diversos presentes na sociedade. Isto
quer dizer que um dos fundamentos da política social na contem-
poraneidade é a idéia de moralização da questão social,8 ou seja, a
reintegração de desviados e incapacitados para a vida social.
Quando pensamos o caso brasileiro, devemos fazê-lo procurando
compreender que o padrão de política social que se constituiu aqui,
ao longo da história, não se pautou na universalidade e na eficácia
como seus princípios organizadores,9 o que produziu políticas
sociais fundadas no populismo e no clientelismo político.10 Isto
significa dizer que sempre foram marcas das políticas públicas no
Brasil uma submissão de interesses econômicos em detrimento às
demandas coletivas postas pelo conjunto dos grupos vulnerabili-
zados, ou seja, o privilegiamento dos interesses das elites políticas
no desenvolvimento das relações institucionais.
Outro elemento que devemos considerar na contemporaneidade
para pensar o significado das políticas sociais é o avanço neoliberal,
que reconfigura o escopo destas, tornando-as mais seletivas,
precárias e pulverizando seus recursos. Além de esvaziar o
caráter público do Estado, que em muitos casos transfere para a

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 184 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 185

sociedade civil parte de sua responsabilidade. Neste sentido, o que


percebemos é um processo de contra-reforma do parco conjunto de
direitos sociais brasileiros, conquistados pelo conjunto da classe
trabalhadora e movimentos sociais organizados.11
Assim, devemos articular a discussão sobre o enfrentamento
da violação de direitos fundamentais de crianças e adolescentes
no Brasil com a movimentação social ocorrida na década de 1980,
que culminou com a promulgação da Constituição de 198812 e como
desdobramento desta movimentação, a construção do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA).13
Este movimento é importante de ser destacado, porque permitirá
que a política social, particularmente aquela voltada à criança e ao
adolescente, se organize a partir dos princípios como a descentrali-
zação político-administrativa e uma gestão participativa, ou seja,
a idéia posta no pacto federativo, em que as responsabilidades
são distribuídas em cada nível de governo, de forma co-respon-
sabilizada.14 Além disso, podemos pretender que esta política
passe a contar com a participação dos sujeitos sociais, envolvidos
em seu processo de construção, o que permite uma gestão social
mediada pelos interesses de todos os protagonistas envolvidos
com o mesmo.
Podemos destacar que deste importante avanço jurídico são
garantidos legalmente direitos fundamentais das crianças e ado-
lescentes como “à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à digni-
dade; convivência familiar e comunitária; à educação; à cultura; ao
esporte e ao lazer e à profissionalização e à proteção no trabalho”
(cf. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). Além disso, en-
quanto um ser em desenvolvimento, podemos dizer que a criança
e o adolescente devem receber privilegiadamente especial atenção
no processo de elaboração de políticas e recursos públicos, no que
se refere à proteção integral a infância e juventude.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 185 12/11/2008 10:30:33


186 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Para que possamos realizar o recorte temático pretendido, nesta


reflexão, a partir da amplitude proposta pela política da criança e
do adolescente, ressalta-se que, de acordo com o ECA, a ocorrência
da violência sexual,15 que é uma das formas de violência contra
crianças e adolescentes, significa violação do direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade, e deve ser enfrentada, de modo que sejam
garantidas as condições necessárias para o desenvolvimento pleno
deste conjunto da população.
Contudo, sabemos que existe uma distância entre os avanços
jurídicos formais conquistados, a partir da mobilização dos grupos
organizados, e a concretização destes no processo concreto do
desenvolvimento das relações sociais. Isto quer dizer que, mesmo
existindo uma garantia legal que protege as crianças e adolescentes e
lhes afiança o direito à proteção integral, bem como de suas famílias,
o que percebemos é uma violação de seus direitos, e em muitos
casos, uma incapacidade institucional de enfrentar tal situação.
Em parte podemos explicar esta distância entre os direitos
sociais legitimamente conquistados, através dos espaços legais e
o cotidiano construído nas relações sociais, pelo fato de que este é
um processo que se constrói historicamente e necessita da partici-
pação dos sujeitos sociais. Porém, ao longo da história brasileira,
o que podemos constatar é uma exclusão da possibilidade de
participação dos espaços decisórios da população em geral, o que
torna o processo de construção democrática de políticas sociais
extremamente complicado e difícil.
Por isso é urgente fazer com que o conjunto de avanços sociais,
conquistados pelo conjunto da sociedade brasileira, e a legislação
em favor da infância e juventude sejam cumpridos, não permitindo
que os direitos fundamentais deste segmento populacional possam
ser violados. Isto acontecerá na medida em que a sociedade civil se

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 186 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 187

organizar, através de seus sujeitos políticos, em torno de seus inte-


resses e criar as condições necessárias para a realização do necessário
processo de pressão sobre o poder público instituído.
Conforme apontado anteriormente, existem vários tipos de
violência contra crianças e adolescentes, mas a que nos interessa
aqui é a do tipo sexual.16 Sobre esta questão é importante destacar
que existe uma diferença entre o abuso e a exploração sexual, pois
enquanto o abuso consiste em algum tipo de relação de dominação
com ou sem contato, e normalmente ocorre no interior da própria
família, a exploração se dá através da pornografia, turismo sexual,
prostituição convencional e tráfico de pessoas com fins sexuais
(cf. Neumann, 2005). O abuso sexual normalmente ocorre no que
se chama de ambiente intrafamiliar, ou seja, o agressor é alguém
próximo à criança violada, de seu ciclo de confiança.
O enfrentamento a este tipo de violência encontra grandes
obstáculos como o silêncio das famílias,17 por medo ou vergonha,
a carência material, a omissão das instituições escolares em muitos
casos, a falta de competência técnica de profissionais para enfren-
tarem essa problemática, além de, muitas vezes, a inoperância das
autoridades policiais e da justiça diante do abuso sexual contra
crianças e adolescentes.
As explicações sobre a ocorrência da violência sexual contra
crianças e adolescentes poderão ser diversas, o que deverá produzir
análises em direções distintas sobre esta questão. Entretanto, de-
vemos considerar que a pobreza e a carência material são fatores
importantes que determinarão em grande medida a existência
deste fenômeno, e que, aliadas com a ineficaz capacidade do Estado
em enfrentar esta questão, contribuem com a reprodução desta
problemática.
Por isso deveremos levar em consideração o contexto social da
região do Vale do Mucuri, através de seus indicadores sociais, para

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 187 12/11/2008 10:30:33


188 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

que, a partir deste quadro, possamos perceber que o enfrentamento


da violência sexual contra crianças e adolescentes na região, como
várias outras expressões da questão social, passa, principalmente,
pela melhoria da qualidade de vida da população que vive neste
território, por meio do acesso à renda e aos serviços fundamentais
que permitam ultrapassar o cenário de abandono em que vive. A
fonte dos dados que serão apresentados a seguir é o Atlas do desen-
volvimento humano no Brasil, tendo o ano 2000 como referência.
A população total dos 23 municípios que compõe esta região é
de aproximadamente 400 mil habitantes (IBGE, 2007), sendo que a
população de até 17 anos é de 99 mil pessoas. Isto quer dizer que,
aproximadamente, 25% da população total desta região é composta
de criança e de adolescente, o que coloca um grande desafio às
políticas sociais voltadas para este público, e também uma grande
população potencialmente vulnerável à violência sexual.
Em relação à expectativa de vida, enquanto a média nacional
segundo o IBGE ultrapassa os 71 anos, no Vale do Mucuri esta
média é de 65 anos, o que confirma um quadro de vulnerabili-
dade extremamente alto. Por outro lado, a média de mortalidade
infantil18 é de 45 óbitos para cada 1.000 nascidos, ao passo que a
Organização Mundial de Saúde considera “aceitável” o índice de
10 mortes para cada 1.000 nascidos (cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/
Mortalidade_infantil).
Se considerarmos a mortalidade de criança de até 5 anos de
idade, esta média aumenta para 49 óbitos, ultrapassando a impres-
sionante marca de 70 óbitos para cada 1.000 nascidos no município
de Ouro Verde de Minas. Apenas para que tenhamos idéia de como
é preocupante este quadro, a média mundial de mortalidade in-
fantil é de 43 óbitos. Este quadro demonstra que a infância ainda
encontra-se em uma situação de extrema vulnerabilidade na região
do Mucuri, o que coloca a necessidade de um forte investimento

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 188 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 189

público no melhoramento das condições de vida de suas famílias,


através do acesso a serviços básicos de saúde, alimentação, além
de renda.
A situação educacional nesta região também não é nada anima-
dora, porque temos uma média de 14% de analfabetos entre a popu-
lação entre 18 a 24 anos, e de 45% de analfabetos entre a população
com mais de 25 anos. Ainda analisando indicadores relacionados
à educação, percebemos que o índice populacional entre 18 e 24
com menos de 4 anos de estudo é de 35%, e entre a população com
mais de 25 anos, de 67%. A média de anos de estudo desta parcela
populacional é menos que 3 anos.
Este quadro demonstra que o perfil da população adulta, que
na maioria das famílias assume a posição de provedor das crian-
ças e adolescentes, é pouco qualificado, o que reduz as chances de
conseguir espaço no mercado formal de trabalho, cada vez mais
exigente.
Quando pensamos sobre os indicadores educacionais, na faixa
etária da infância e juventude, percebemos que o índice de adoles-
centes entre 15 e 17 anos fora da escola é de 30%, e praticamente
10% da população entre 10 e 17 anos é analfabeta, demonstrando
forte vulnerabilidade social, no que se refere ao acesso a educação
básica à população infanto-juvenil.
A renda é outro indicador que nos ajuda a compreender a
realidade econômica desta região, pois de acordo com o Atlas do
desenvolvimento humano no Brasil, no país a população do Vale do
Mucuri vivia, em 2000, com uma renda per capita em média de
66% em relação ao salário mínimo,19 enquanto praticamente 20%
desta população tinha mais da metade de sua renda proveniente
de transferências governamentais.20 Isto expressa, além de um
baixo poder econômico, uma forte dependência dos programas

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 189 12/11/2008 10:30:33


190 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

governamentais no processo de reprodução desta população, o que


em muitos casos reforça a continuidade de uma relação política
conservadora e clientelista.
A desigualdade existente nesta região pode ser confirmada
também pela concentração de riqueza, pois enquanto os 10% mais
ricos detêm 46% da riqueza produzida, os 20% mais pobres ficam
com apenas 2% de toda a riqueza existente no Vale do Mucuri. Esta
absurda concentração de renda pode explicar grande parte das
graves problemáticas existentes nesta região, incluindo aí a violência
contra crianças e adolescentes. A falta de perspectiva da população
e a ineficácia do Estado em enfrentar esta desigualdade, via ações
concretas, faz com que o quadro social desta região se transforme
em um grande desafio.
Um dado que nos interessa nesta análise é sobre a existência de
crianças em domicílios com baixa renda, pois nestes casos podemos
ter a idéia de que tais sujeitos estarão extremamente vulneráveis à
violação de seus direitos, devido à carência material. Assim, temos
que 89% dos domicílios com renda per capita menor do que ½ salário
mínimo possuem crianças, enquanto que 55% dos domicílios com
renda per capita menor do que ¼ do salário mínimo possuem crianças
ou adolescentes, de acordo com a fonte citada. Este quadro torna-se
extremamente preocupante, quando pensamos a violência sexual
infanto-juvenil presente nesta região, quer seja na forma de abuso
ou da exploração, pois ambas as situações encontram na miséria
um dos elementos motivadores para esta violência.21
Outro dado importante quando tratamos desta temática é a
gravidez na adolescência, pois pode significar a necessidade do
fortalecimento de uma política de orientação sexual, por exemplo.
Então constatamos que 7% da população entre 10 a 17 anos do sexo
feminino possuem filhos. Em relação à composição familiar, temos
também que 7% destas que possuem membros com menos de 15 são

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 190 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 191

chefiadas por mulheres e não possui cônjuge, o que pode demonstrar


um aumento ainda maior da vulnerabilidade nestas famílias.
Finalmente, devemos pensar sobre o significado do IDH – Índice
de Desenvolvimento Humano – desta região. O IDH é um indicador
social importante, pois leva em consideração a educação, a longevi-
dade e a renda, e é utilizado mundialmente pelo PNUD – Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento – como uma forma
padronizada de qualificar o nível de bem-estar e qualidade de vida
da população residente em alguma região.
O IDH pode então ser uma referência para avaliar qualitativa-
mente a vulnerabilidade social de um município, de uma região ou
de um país. Neste sentido, um IDH menor que 0,5 é considerado
baixo, entre 0,5 e 0,8, médio, e acima de 0,8, alto, ou seja, quanto
mais próximo de 1 melhor são as condições gerais para se viver.22
Constatamos, nesta região, que a média do seu IDH é de 0,632 e
que apenas Teófilo Otoni tem um IDH maior que 0,7, o que coloca
o Vale do Mucuri em uma posição de médio desenvolvimento
humano, mas, como pudemos observar, com grandes desafios a
serem enfrentados em seu processo de desenvolvimento regional.
Deste modo, devemos entender que a violência sexual contra
criança e adolescente na região do Mucuri está articulada a este
contexto social, pois em grande medida é o quadro apresentado
acima que cria as condições para a sua ocorrência. Isto quer dizer
que o enfrentamento desta questão perpassa principalmente pela
melhoria das condições de vida desta população, em particular
no que se refere ao acesso a uma educação de qualidade, moradia
digna, trabalho e renda que sejam capazes de garantir reprodução
social básica, além de políticas de saúde, lazer, cultura etc., pois
temos a clareza que a violência sexual praticada contra indivíduos
em formação (e a sua continuidade) é o reflexo de uma sociedade
que não consegue garantir uma proteção integral.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 191 12/11/2008 10:30:33


192 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

Miranda (2006) aponta em seus estudos que as políticas destinadas


às crianças e adolescentes na região do Mucuri “são insuficientes
tendo em vista o grau de ausência de direitos fundamentais em
detrimento das garantias legais”, conforme já apontado anterior-
mente. Esta é uma realidade que não se difere das demais regiões
pobres no Brasil, em que as condições de vida precárias acirram-se
com a ausência de políticas públicas que sejam capazes de inverter
neste quadro.

Região do Mucuri: alguns desafios

Ao final, cabe destacar algumas considerações sobre a realidade


institucional encontrada no conjunto da região, a partir da realização
da pesquisa citada e que ainda não representam resultados conclu-
sivos, conforme mencionado, de modo que possamos apresentar
alguns desafios postos ao conjunto dos sujeitos envolvidos com a
política de criança e adolescente.
Em relação às instituições envolvidas com esta temática, elegeu-se
enquanto espaço privilegiado as escolas, Unidades Básicas de Saúde,
Programas de Saúde da Família (PSF), Conselhos Tutelares, Serviço
Sentinela, Ministério Público, Judiciário e Polícias. Entende-se que
com este elenco de instituições tem-se conseguido minimamente
apreender as principais determinações deste fenômeno, além de
caracterizar a rede regional de proteção à criança e ao adolescente.
O que se tem percebido é que a organização institucional de parte
considerável destas organizações é insuficiente para o desenvolvi-
mento da amplitude do trabalho proposto, pois, na maioria dos casos,
faltam recursos humanos e estruturais para a sua realização.
A organização do trabalho institucional é atravessada por
grandes desafios e limites, que, em alguma medida, interferem na
prestação dos serviços oferecidos, pois percebemos carências de toda

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 192 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 193

ordem, como: infra-estruturas inadequadas, ausência de recursos


materiais, um entendimento equivocado sobre o papel das diversas
instituições. Além disso, encontra-se também um quadro de técnicos
que em muitos casos não se acham preparados para enfrentarem
situações de violência sexual infanto-juvenil. Esta situação em vários
momentos não permite que as diferentes missões institucionais
sejam alcançadas, o que compromete o desenvolvimento do trabalho
em rede como um todo. Além disso, não existem, na maioria dos
casos, um planejamento e recursos específicos para o enfrentamento
desta problemática, que ora recebe encaminhamentos pontuais de
efeitos temporários, ora é desconsiderada ou escamoteada como
outro tipo de violência.
A relação destas instituições com a política municipal da criança
e adolescente é muito pontual e fragmentada e não possui um
caráter sistemático e planejado. O que acontece em muitos casos
é que o desenvolvimento da política municipal depende quase
exclusivamente da “boa vontade” do gestor municipal, reforçando
toda aquela herança conservadora já mencionada, e não contribui
com o desenvolvimento de uma política pautada em princípios
públicos e eficazes. Além disso, não há, na maioria dos espaços, uma
integração entre a rede e os CMDCAs (Conselhos Municipais das
Crianças e dos Adolescentes), e nem a realização de uma discussão
sobre o ECA nos espaços institucionais, o que sugere a necessidade
de uma melhor qualificação sobre os agentes que trabalham com
esta política.
Quando se tenta identificar o fenômeno e os encaminhamentos
realizados, encontra-se muita dificuldade, porque não há sequer o
correto conhecimento no interior das instituições sobre a distinção
entre o conceito de abuso e violência sexual, e nem o que fazer
quando é descoberto um caso.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 193 12/11/2008 10:30:33


194 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

O que se percebe é que onde existe o Programa Sentinela a iden-


tificação e os devidos encaminhamentos ocorrem de forma acertada,
mas onde este programa ainda não foi implantado, os encaminha-
mentos normalmente não ocorrem da forma devida e nem têm o
devido fluxo, bem como o seu acompanhamento. Com relação aos
agressores, o que se tem é praticamente uma invisibilidade destes,
que não recebem os encaminhamentos previstos na legislação em
vigor e em muitos casos continuam convivendo com as vítimas.
Sobre a rede de proteção, os Conselhos Tutelares e o Judiciário
não possuem nesta região a estrutura necessária e prevista no ECA,
para a realização dos devidos encaminhamentos como, por exemplo,
programas de apoio sociofamiliar, ou instituições preparadas para
prevenir, receber e enfrentar com eficácia esta questão. Portanto,
na grande maioria dos casos, não se encontram programas nem
recursos disponíveis que consigam enfrentar a questão da violência
sexual da maneira adequada, como prevê a legislação e os proce-
dimentos indicados nestes casos. Isto ocorre, em alguma medida,
porque, para além da ausência de recursos materiais e financeiros,
a esmagadora maioria dos municípios não conta com a existência
de equipes multidisciplinares qualificadas para enfrentarem esta
questão.
Temos então, de uma forma geral, uma grande fragilidade da
rede de atendimento e proteção à criança e ao adolescente no Vale
do Mucuri, pois esta não consegue garantir o atendimento adequado
aos casos de violência sexual conhecidos. Isto quer dizer que esta
rede se apresenta de maneira fragmentada, com um baixo nível de
comunicação entre seus componentes e pouca capacidade de articular
ações que possibilitem o efetivo enfrentamento da problemática
em questão. Além disso, percebe-se pouca capacidade técnica e
conhecimento sobre o fenômeno, o que resulta em ações pontuais
e assistemáticas que não têm continuidade nem eficácia.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 194 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 195

Articulada a atuação no campo do atendimento e proteção à


criança e ao adolescente, no que se refere à violência sexual, devemos
destacar que a prevenção, através de ações planejadas e orientadas,
deve ser uma estratégia política realizada no sentido de atuar sobre
esta problemática por razões óbvias.

Considerações finais

Uma conclusão preliminar que podemos apresentar, a partir


deste quadro político-institucional, é que a prevenção e a rede de
atendimento e proteção, no que se refere à violência sexual contra
crianças e adolescentes no Vale do Mucuri, refletem o histórico
descompromisso governamental em priorizar ações públicas nas
diversas áreas e necessidades humanas. Além disso, há uma sin-
tonia entre as políticas sociais regionais e a lógica organizacional
das políticas públicas no Brasil, que não se centram nos interesses e
demandas vindas das classes populares, mas, ao invés disto, prioriza
interesses das elites econômicas.
Por tudo isto, os desafios postos ao conjunto da sociedade brasi-
leira e, particularmente, aos segmentos envolvidos com a política
da criança e do adolescente no Vale do Mucuri são muito grandes.
O enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes
nesta região não é uma tarefa fácil e nem pode ser realizada descolada
do contexto político em que a mesma está inserida, que, no caso
deste Vale, como pudemos perceber, é perpassado por determi-
nações sociais complexas.
Deste modo, a violência sexual contra esta parcela da população
assume contornos dramáticos, porque o que poderemos observar é
uma realidade onde não se tem as condições básicas necessárias à
reprodução social, pela via formal do mercado de trabalho, e, por

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 195 12/11/2008 10:30:33


196 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

outro lado, uma presença estatal cada vez mais centrada no persona-
lismo político, esvaziando o seu caráter público e universalizante.
Seria uma grande pretensão querer indicar aqui uma fórmula
capaz de acabar com este tipo de violência, mas certamente po-
demos afirmar que este caminho passa pela construção de relações
sociais mais justas e eqüitativas, onde todos os cidadãos tenham
acesso às condições básicas23 para sua reprodução. Deste modo,
no extremo teremos as condições reais e efetivas para responder a
esta problemática de maneira eficaz e não precisaremos conviver
com a impunidade e a reincidência desta violação de direitos
fundamentais, sem que tenhamos as condições adequadas para o
seu efetivo enfrentamento.
Finalmente, cabe ressaltar que a idéia deste esforço reflexivo
é oferecer algumas contribuições que possam suscitar outras
discussões sobre a temática da violência sexual contra crianças e
adolescentes e também em relação a esta política setorial. Por isso
não devemos entender as idéias aqui colocadas como algo rígido,
mas ao contrário como uma tentativa de apreender a complexidade
na dinâmica complexa das relações sociais.
Assim, pretendemos ver na região do Vale do Mucuri o fortaleci-
mento das políticas sociais, de uma forma geral, e ainda contribuir
com o protagonismo infanto-juvenil no processo de elaboração de
políticas públicas destinadas a este segmento populacional, além de
buscar realizar um efetivo enfrentamento da violência sexual contra
as crianças e adolescentes neste importante território mineiro.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 196 12/11/2008 10:30:33


A problemática da violência sexual contra crianças... 197

Notas
1
O Vale do Mucuri é formado pelas Microrregiões de Nanuque e Teófilo Otoni,
que compreende 23 municípios e uma população de aproximadamente 400 mil
pessoas. (Cf. ALMG, 2007 e o Atlas do desenvolvimento humano do Brasil, 2000.)
2
Sobre esta questão é interessante conferir o Plano Nacional de Enfrentamento
à Violência Sexual Infanto-Juvenil, que foi elaborado em 2000, e é atualmente
a referência para o estabelecimento de políticas públicas nesta área em todo o
território nacional.
3
Para um panorama sobre o ensino superior no Brasil, ver MINTO, 2006. Para uma
discussão mais contemporânea sobre educação e seus desafios a partir do quadro
neoliberal ver LIMA, 2006.
4
O Serviço Social é uma profissão regulamentada pela Lei Federal 8.662/93, está
inserida na divisão sociotécnica do trabalho e tem como matéria-prima para o
desenvolvimento de sua atividade profissional as expressões da questão social.
(Cf. IAMAMOTTO; CARVALHO, 1982.)
5
A região do Vale do Mucuri é atravessada pela Rodovia Federal BR-116, também
conhecida como Rio-Bahia, e pela Rodovia Estadual BR-418, conhecida como a
Rodovia do Boi. Estas estradas são movimentadas, o que transforma toda esta
região em um corredor de passagem para o Sul da Bahia, o nordeste do Brasil
e norte do Espírito Santo, propiciando por diversas razões principalmente a
exploração sexual contra crianças e adolescentes.
6
O PAIR é o Programa de Ações Integradas Referenciais de Enfrentamento à Vio-
lência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que teve início em 2002 nos estados
de Roraima, Amazonas, Acre, Mato Grosso do Sul e Bahia. No Ceará, Maranhão e
Minas Gerais, o PAIR iniciou em 2005 e, em 2006, as cidades de Uberaba, Itaobim
e Teófilo Otoni passaram também a receber ações deste programa. Sobre o PAIR,
ver SEDH, 2006.
7
Esta pesquisa ainda encontra-se em desenvolvimento e tem como objetivo central
realizar um diagnóstico sobre a exploração sexual contra crianças e adolescentes
na Microrregião de Teófilo Otoni, que possibilite vislumbrar o quadro geral desta
problemática na Mesorregião do Vale do Jequitinhonha/Mucuri. Vale destacar que
as reflexões contidas neste texto não expressam o resultado final desta pesquisa,
uma vez que a mesma ainda não foi concluída, mas que o seu desenvolvimento,
até o momento, permitiu uma interessante aproximação com o fenômeno da
violência sexual infanto-juvenil na região, e também o conhecimento sobre a rede
de serviços.
8
Sobre a discussão da questão social, ver TEMPORALIS, 2001.
9
Para uma breve problematização sobre a constituição de políticas sociais no Brasil,
ver RIZOTTI, 2001.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 197 12/11/2008 10:30:33


198 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

10
O populismo sempre esteve presente na história política brasileira e também no
processo de formulação das políticas sociais, como um elemento garantidor de
legitimidade institucional e reprodução de relações conservadoras. Sobre esta
temática, ver FERREIRA, 2001; e LEAL, 1997.
11
Estas são questões muito complexas que envolvem diversas determinações, e que
não serão tratadas aqui por não se consistirem em temas centrais desta reflexão.
Todavia, torna-se importante apontá-las como elementos que contribuem com
o entendimento das políticas sociais no Brasil e sua configuração. Sobre o neoli-
beralismo no Brasil e na América Latina, ver SOARES, 2002 e SADER; GENTILI,
1995. Vale a pena conferir também a interessante discussão que MONTAñO
(2000) faz sobre a transferência de responsabilidades estatais para a sociedade
civil. Sobre a temática da “reforma” do Estado, ver BRESSER PEREIRA, 1998; e
sobre a contra-reforma do Estado brasileiro, ver BERHING, 2003.
12
Podemos considerar a Constituição de 1988 como um importante marco contem-
porâneo para compreendermos a organização das políticas sociais brasileiras na
atualidade, pois representou a incorporação de demandas de vários segmentos
populacionais, historicamente excluídos, na institucionalidade estatal. Entretanto
devemos entender este processo, atravessado por projetos políticos distintos que,
em muitos casos, representou um avanço jurídico formal, mas não implementado
plenamente na realidade social.
13
Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990. O ECA pode ser considerado como
resultado de ampla mobilização social de setores da sociedade civil organizada,
ligados principalmente aos direitos da criança e do adolescente, que substituiu
o antigo Código de Menores e tem como principal avanço o ingresso da criança
e do adolescente brasileiro, enquanto sujeitos de direitos, e o status de política
social que esta política passa a assumir. Sobre a discussão do ECA e o Código de
Menores, ver SILVA, 2005.
14
Esta concepção altera a dinâmica das políticas sociais brasileiras, que passam a
se organizarem a partir de uma lógica ”democrático-participativa”, em que os
conselhos paritários transformam-se em espaços privilegiados de formulação,
planejamento, execução, gestão e avaliação das políticas sociais públicas, em todas
as esferas de governo. Sobre gestão democrática, ver BITTAR; COELHO, 1997.
15
De acordo com o artigo 17 do ECA, a violência sexual pode ser considerada
como “atos que violam a integridade física, moral ou psicológica da criança e do
adolescente, com finalidade sexual”.
16
Não é o objetivo deste texto categorizar e tipificar de forma aprofundada os tipos
de violência contra crianças e adolescentes, mas apenas apresentar uma breve
diferenciação entre abuso e violência sexual, de modo que possamos compreender
a natureza das mesmas.
17
O debate sobre criança e adolescente deve ocorrer articulado com a discussão
sobre família, por isso essa temática pode ser discutida a partir de CARVALHO,
1995.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 198 12/11/2008 10:30:34


A problemática da violência sexual contra crianças... 199

18
Mortalidade infantil consiste no óbito de crianças durante o seu primeiro ano
de vida e é a base para calcular a taxa de mortalidade observada durante um
determinado período de tempo, normalmente um ano, referida ao número de
nascidos vivos do mesmo período.
19
Isto quer dizer que, em 2000, o salário mínimo que vigorava era de R$151,00, e a
renda per capita média desta população era de R$100,00.
20
Apesar de existir emblemática defesa governamental em torno dos programas
de transferência de renda, conhecido como “bolsas”, o que podemos perceber é
que esta estratégia é parcial e se pauta em critérios extremamente rígidos que, em
muitos casos, se tornam verdadeiras armadilhas de pobreza. Sobre esta discussão
ver SILVA, 2001 e 2007.
21
Não estamos afirmando que a violência sexual contra crianças e adolescentes é
uma exclusividade das famílias pobres, mas que a vulnerabilidade provocada
pela carência material coloca esta questão em uma posição muito mais dramática,
pois a exploração sexual transforma-se, em muitos casos, em uma oportunidade
de acesso a bens materiais, enquanto que o abuso intrafamiliar incorpora-se na
cultura familiar, em que estão presentes nesta relação um sentimento de perten-
cimento e apoderamento do provedor da criança e do adolescente, difícil de ser
alterada.
22
De acordo com o Atlas do desenvolvimento humano no Brasil, em 2000, a cidade brasi-
leira com o melhor IDH era São Caetano do Sul, em São Paulo, com um índice de
0,919, e o pior estava em Manari, em Pernambuco, com um índice de 0,467. Sobre
um panorama da exclusão social, ver PONCHMANN; AMORIM, 2003.
23
PEREIRA (2000) realiza uma interessante discussão sobre os mínimos e básicos
sociais.

Referências

BERHING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado


e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

BITTAR, Jorge; COELHO, Franklin Dias. Gestão democrática, inversão de


prioridades e os caminhos da administração pública municipal. In: RIBEIRO,
Luiz César de Queiroz; JÚNIOR, Orlando Alves do Santos (Org.). Globalização,
fragmentação e reforma urbana. O futuro das cidades brasileiras na crise. 2. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p. 327-350.

BRESSER PEREIRA, Luís Carlos. Reforma do Estado para a cidadania. A reforma


gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34; Brasília:
ENAP, 1998.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 199 12/11/2008 10:30:34


200 EN F R EN TAMENT O À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL | Parte II

BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência


Sexual Infanto-Juvenil. Brasília, 2000.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. 18. ed. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.

BRASIL. SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS - SEDH. Parâ-


metros metodológicos do PAIR. Brasília, 2006.

CARVALHO, Maria do Carmo Brant (Org.). A família contemporânea em debate.


São Paulo: Cortez, 1995.

ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE – ECA. Ministério da Jus-


tiça. Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente.
Brasília, 1990.

FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do estado capitalista. 8. ed. São


Paulo: Cortez, 2000.

FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-


leira, 2001.

FUNDAçÃO JOÃO PINHEIRO. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Belo


Horizonte, 2000.

IAMAMOTTO, Marilda Vilella; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço


social no Brasil. Esboço de uma interpretação teórico-metodológica. São Paulo:
Cortez; Lima, Peru: CELATS, 1982.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, 2007.


www.ibge.gov.br

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997.

LIMA, Kátia. Organismos internacionais: o capital em busca de novos campos


de exploração lucrativa. Caderno Especial, Rio de Janeiro, n. 30, 2006.

MINAS GERAIS. Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2007.


Disponível em: www.almg.gov.br

MINTO, Lalo Watanabe. As reformas do ensino superior no Brasil: o público e o


privado em questão. Campinas: Autores Associados, 2006.

MIRANDA, Silvanir Marcelino de. Infância, trabalho e direitos no Vale do Mucuri-


MG. São Paulo: USP, 2006. Tese de Doutorado.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 200 12/11/2008 10:30:34


A problemática da violência sexual contra crianças... 201

MONTAñO, Carlos Eduardo. “Terceiro setor” e “questão social” na reestruturação do


capital: o canto da sereia. Rio de Janeiro: ESS/UFRJ, 2000. Tese de doutorado.

NEUMANN, Marcelo Moreira. Marcos conceituais: violência sexual contra


criança e adolescentes. São Paulo: PUC-SP, 2005. (Mimeo.)

ORGANIZAçÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT. Guia para


localização dos pontos vulneráveis à exploração sexual infanto-juvenil ao longo das
rodovias federais brasileiras. Mapeamento 2007. OIT - Escritório Internacional
do Trabalho, 2007.

PEREIRA, Potyara Amazoneida P. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos


mínimos sociais. São Paulo: Cortez, 2000.

PONCHMANN, Márcio; AMORIM, Ricardo (Org.). Atlas da exclusão social no


Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. v. 1 e 2.

RIZOTTI, Maria Luiza Amaral. Estado e sociedade civil na história das políticas
sociais brasileiras. Londrina: [s.n.], 2001. (Mimeo.)

SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Org.). Pós-neoliberalismo. As políticas sociais e


o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

SILVA, Maria Ozanira da Silva e. (Org.). Comunidade solidária: o não-enfrenta-


mento da pobreza no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.

SILVA, Maria Ozanira da Silva; YAZBEK, Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo


di. (Org.). A política social brasileira no século XXI - a prevalência dos programas
de transferência de renda. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

SILVA, Maria Liduína de Oliveira. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o


Código de Menores: descontinuidades e continuidades. Revista Serviço Social e
Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 83, 2005.

SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina.


2. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

TEMPORALIS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.


Brasília: ABEPSS/Grafline, ano 2, n. 3, 2001.

2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 201 12/11/2008 10:30:34


2_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_2.indd 202 12/11/2008 10:30:34
Parte III

INTERVENÇÃO

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 203 12/11/2008 10:31:01


G e o v â n i a L ú c i a d o s S an to s
T â n i a A re t u za

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO


Os desafios inerentes ao processo de planejar

A Expansão do Programa de Ações Integradas e Referenciais


de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil em Minas
Gerais (PAIR/MG), na sua implementação e execução, prevê um
leque extenso de ações, tais como: mobilização dos municípios
envolvidos (Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim), articulação de
uma comissão estadual, diagnóstico dos municípios, seminários
de adesão e sensibilização, preparação da equipe de capacitação/
formação, curso para os educadores da rede, oficinas temáticas e de
planejamento, supervisão e acompanhamento dos planos operativos
locais, avaliação final e a publicação deste trabalho.
Neste texto, nos deteremos ao processo de planejamento e exe-
cução das ações de capacitação/formação da equipe de formadores
e dos educadores (adiante denominados educadores) de enfrenta-
mento à violência sexual infanto-juvenil, realizadas por meio do
curso, das oficinas temáticas e de planejamento, apresentando,
em linhas gerais, uma reflexão acerca dos resultados destas ações
formativas.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 204 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 205

Desafios do planejamento

O primeiro desafio para o planejamento das ações de formação


seria pensar em um trabalho articulado ao conjunto de ações pre-
vistas na estrutura do programa (ver Cronograma das Ações do
PAIR EXPANSÃO, em anexo). O referido planejamento deveria se
traduzir em um processo de formação dos formadores, ao mesmo
tempo que se constituiria no planejamento da formação dos educa-
dores que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças,
adolescentes e famílias vítimas ou em situação de vulnerabilidade
frente à violência sexual infanto-juvenil. O mesmo planejamento
deveria contemplar um movimento de introduzir teoricamente a
temática, refletir acerca de suas especificidades, sobretudo no que
concerne à ocorrência do fenômeno nas localidades contempladas
nesta etapa da expansão do PAIR/MG, avançar na compreensão da
importância da articulação dos atores para a promoção de ações
integradas, bem como planejar coletivamente ações de formação dos
educadores a serem realizadas nos municípios e de enfrentamento
à violência sexual infanto-juvenil.
No tocante aos aspectos relacionados à concepção e organização
do trabalho pedagógico, podemos afirmar que foram semelhantes
para os dois segmentos envolvidos: multiplicadores/formadores
e educadores. Portanto, estruturaremos este texto focalizando os
pontos comuns à formação desses dois segmentos. No caso do curso
de formação de formadores, cabe lembrar que foi o momento no
qual se construiu, coletivamente, a proposta a ser executada nos
municípios.
O processo de capacitação/formação se estruturou em quatro
frentes de ação: 1 - definição dos princípios norteadores do pro-
cesso de capacitação/formação; 2 - realização de um Seminário de

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 205 12/11/2008 10:31:01


206 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Metodologias de Capacitação/Formação; 3 - Capacitação/Formação


da equipe de Formadores; 4 - Capacitação/Formação de educadores
nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba.
A definição dos princípios norteadores do processo de capaci-
tação/formação foi de fundamental importância para a elaboração
da metodologia e da matriz pedagógica/curricular que possibili-
taram a definição das temáticas a serem abordadas e dinâmicas
utilizadas no curso e nas oficinas. Mais detalhes de todo o processo
se encontram no texto “Ação educativa – princípios norteadores do
processo de capacitação/formação”, de Maria Amélia Gomes de
Castro Giovanetti, neste volume.
A realização do Seminário Metodologias de Capacitação teve
como objetivo central propiciar aos formadores o conhecimento
de experiências de capacitação já existentes, no intuito de construir
uma proposta que incorporasse os avanços já alcançados por outros
grupos profissionais. O Seminário esclareceu para os participantes
os objetivos do PAIR e propiciou o encontro entre os formadores
dos três municípios e as equipes das universidades federais do Mato
Grosso do Sul (UFMS), do Triângulo Mineiro (UFTM), dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e de Minas Gerais (UFMG).
As reflexões realizadas no Seminário foram de grande importância
para o início dos trabalhos. Detalhamos a seguir as duas outras
frentes de ação.

Formação dos multiplicadores/formadores

Os trabalhos de formação foram desenvolvidos por uma equipe


de profissionais1 com conhecimentos e experiências diversificadas
sobre a atenção às crianças/adolescentes/jovens e suas famílias, numa
dimensão interdisciplinar. Contamos também com as lideranças
dos municípios para compor a equipe formadora, constituída por

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 206 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 207

profissionais que atuaram como referência nos campos da saúde,


educação, assistência social e cultura. Após uma parceria do
Programa PAIR com a organização não-governamental – Oficina
de Imagens, de Belo Horizonte –, introduzimos na equipe dois
jovens que atuaram com a temática protagonismo juvenil. Com
esta composição, pudemos congregar, em uma mesma equipe,
profissionais com diferentes olhares sobre a realidade local e sobre
os desafios e perspectivas para o enfrentamento ao fenômeno do
abuso e da exploração e violência sexual infanto-juvenil.

Objetivos

Pretendíamos com os processos de capacitação/formação, tanto


da equipe formadora como dos educadores, que os participantes
tivessem domínio sobre os conteúdos considerados necessários
para uma compreensão do fenômeno da violência sexual infanto-
juvenil e do funcionamento da Rede de Proteção, bem como se
apropriassem das ferramentas básicas necessárias para planejar e
executar ações embasadas, tanto numa concepção teórica como da
prática de abordagem e intervenção, sempre dentro da perspectiva
do trabalho em rede (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,
Capacitação da rede).
A partir dos objetivos traçados, o processo de organização
metodológica da formação teve como foco a reflexão, baseada na
afirmação de Nóvoa: “A formação não se constrói por acumulação
(de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um
trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção
permanente de uma identidade pessoal [e coletiva].”
Segundo o mesmo autor, “a formação não se faz antes da mu-
dança, se faz durante, produz-se nesse esforço de inovação e de
procura de melhores percursos (...)” (1992: 54).

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 207 12/11/2008 10:31:01


208 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

A partir da procura por melhores percursos buscamos equa-


cionar uma matriz pedagógica/curricular organizada a partir dos
seis eixos do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual
Infanto-Juvenil (Análise da Situação, Articulação e Mobilização,
Defesa e Responsabilização, Atendimento, Prevenção e Protago-
nismo Infanto-Juvenil) e dos objetivos do PAIR (compreender o
fenômeno, fortalecer a rede de proteção integral e planejar a ação
de enfrentamento por meio da construção de Planos Operativos
Locais). Como resultado chegou-se à definição dos conteúdos
estruturantes do processo de formação – Marco Conceitual (vio-
lência sexual), Políticas Públicas, Marco Legal, Políticas Setoriais e
Famílias – e dos temas transversais,2 que perpassam todo o processo
formativo. São eles: protagonismo infanto-juvenil, articulação e
mobilização. (Ver Matriz pedagógica/curricular da capacitação/
formação, em anexo.)
Optamos também por tratar o diagnóstico em uma perspectiva
transversal. Referimo-nos ao diagnóstico realizado nos municípios
de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, pelo Centro de Estudos e
Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG), que teve
como objetivo geral mapear a ocorrência dos fenômenos do abuso
e da exploração sexual comercial, levantar a rede de proteção nos
municípios selecionados bem como os recursos que cada muni-
cípio dispõe para o enfrentamento, a fim de informar e embasar as
discussões do Seminário de Sensibilização e Adesão, dos Cursos de
Capacitação/Formação e das Oficinas Temáticas e de Planejamento
previstas na intervenção.
Entendemos que um bom planejamento pressupõe conhecer
bem a situação que se quer mudar. Para tanto, fez parte dos pro-
cessos de formação conhecer o diagnóstico, ter um retorno do que
os educadores dos municípios tinham a dizer sobre o que lhes foi
apresentado e utilizar os dados como objeto de estudos e debates
contínuos.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 208 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 209

A partir da definição da matriz pedagógica/curricular, foi


possível termos maior clareza acerca dos objetivos do processo de
capacitação/formação. O segundo desafio para a organização do
trabalho pedagógico foi a elaboração de um planejamento para
o processo de capacitação/formação que equacionasse nossas
concepções reveladas na matriz pedagógica. Ou seja, como planejar
a partir das escolhas e dos princípios3 norteadores elaborados.

Metodologia

Tal questão impulsionou o grupo a definir estratégias que orien-


tassem os planejamentos, pois a preocupação da equipe responsável
foi de que o curso não se configurasse como mais um em que a
capacitação/formação são concebidas externamente ao grupo ao
qual se destinam. As discussões e reflexões indicavam a necessidade
de instituir espaços de trabalho, onde a vinculação entre teoria e
prática estivesse marcadamente presente. Acreditava-se que não
bastava a adoção de uma metodologia e proposição de dinâmicas
que vinculassem as duas instâncias, mas que tivesse a finalidade,
bem específica, de proporcionar aos educadores participantes do
grupo espaço para levantamento de expectativas, reflexão e de
intercâmbio dos desejos e das reais dificuldades, limitações e possi-
bilidades, para a proposição de um trabalho de fato em rede.
Definimos alguns pontos importantes para a organização do
trabalho de formação dos formadores, que foram: a realização do
planejamento do curso para os educadores com a participação de
todos, ou seja, em parceria com a equipe formadora dos municípios;
privilegiar o debate e o diálogo como estratégias centrais de trabalho;
a produção de sínteses e/ou registros como forma de subsidiar a
construção de conhecimentos sobre o fenômeno em questão.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 209 12/11/2008 10:31:01


210 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Elaboramos então o processo de formação dos formadores com


espaços e tempos bem definidos para essa interação. A equipe
formadora composta por pessoas dos municípios e das Univer-
sidades Federais de Minas Gerais, do Triângulo Mineiro e dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri4 planejou em conjunto os eixos
temáticos construindo, coletivamente, ementas e definindo tempos,
objetivos, conteúdos, metodologias, referências bibliográficas e
recebeu o retorno dos demais grupos/municípios com comentários
e sugestões sobre o material produzido. (Ver Formulário do Pro-
grama de Ações Integradas de Enfrentamento à Violência Sexual
Infanto-Juvenil, em anexo.)
Organizamos para a formação dos formadores um planejamento
que contemplava um conjunto de atividades estruturadas com o
objetivo de instituir um espaço de debate e diálogo acerca do fenô-
meno. Na organização dos tempos foram contemplados momentos
coletivos, espaços de interação entre os diferentes municípios, e
momentos em que o município estivesse só com os membros da
sua equipe para refletir sobre as especificidades de cada local.
(Ver Programação do Curso de Capacitação/Formação do PAIR/
MG - Fase 1.)
Buscamos contemplar o debate de maneira privilegiada como
fonte de conhecimento, ou seja, debate-se para conhecer, para usu-
fruir a possibilidade de ler o mundo com maior profundidade, de
ver a si mesmo e aos outros por uma ótica mais ampliada (Souza,
2004). Criamos um ambiente de discussão acerca das demandas do
grupo, em um convite ao conhecimento das questões mais relevantes
que caracterizam as instituições envolvidas. O intuito foi ampliar
o leque de possibilidades de construção de conhecimento a partir
da interação entre as instituições que compõe a rede de enfrenta-
mento, articulando ações de integração e estimulação dos grupos
e municípios em discussões sistemáticas sobre os eixos referentes
ao Plano Nacional.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 210 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 211

Para atingir os objetivos propostos pelo processo de formação,


organizamos o trabalho a partir de estratégias que fossem coerentes
com os princípios anteriormente descritos no texto “Ação educativa
– princípios norteadores do processo de capacitação/formação”,
neste livro. Para tanto utilizamos estratégias, tais como: exposição
dialogada, grupos de trabalho – GTs e plenárias. Além dessas
estratégias, a construção diária da nossa rotina de trabalho era
compartilhada com o grupo, como forma de garantir aos participantes
poder de interferir na proposta de trabalho, fazendo sugestões de
mudanças.
Buscamos assim consolidar um processo de formação enfati-
zando o desenvolvimento do grupo e, ao mesmo tempo, da pessoa,
e não o desenvolvimento exclusivo de saberes ou de saber fazer.
Foi nesse movimento de procura de confirmações, de novos
percursos e de registro das idéias que iam surgindo é que as sínteses
foram tão ricas. Ao final de cada dia de formação, a coordenadora
pedagógica do programa produzia sínteses do conhecimento
produzido pelos participantes, como também organizava as dicas
de referências bibliográficas, filmes etc. (Ver Programação do Curso
de Capacitação/Formação do PAIR/MG- Fase 2.) Todo esse processo
fez parte da construção de um leque de subsídios para a equipe
formadora atuar nos municípios.
O processo de formação nos municípios foi estruturado e organi-
zado a partir desses mesmos referenciais, tendo sofrido, entretanto,
algumas alterações com vistas à adaptação da proposta à realidade
de cada município, em conformidade com as sugestões dos forma-
dores locais. Ressaltamos também que a realização de dinâmicas
de grupo junto aos municípios foi um momento oportuno para
valorizar o lúdico. Nesses momentos, tanto os participantes como
nós tínhamos a oportunidade de trocar impressões, discutir as
dificuldades e descontrair.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 211 12/11/2008 10:31:01


212 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Podemos afirmar que os desafios do processo de organização dos


planejamentos não incidiram apenas sobre os aspectos cognitivos,
mas também sobre os aspectos culturais, afetivos, éticos e estéticos
envolvidos na prática formativa.

Curso de capacitação/formação e oficinas temáticas


e de planejamento para educadores:
síntese analítica da execução

A seguir, apresentamos uma síntese analítica das questões


discutidas nos encontros de capacitação/formação dos educadores
que atuam no atendimento, proteção e promoção de crianças,
adolescentes e famílias vítimas ou em situação de vulnerabilidade
frente à violência sexual infanto-juvenil. Ressaltamos que se trata
de uma sistematização através da qual esperamos apresentar as
linhas gerais dos diálogos construídos pelos educadores entre si, e
entre eles e as(os) formadoras(es), uma vez que a riqueza e varie-
dade das idéias trocadas e construídas em cada município não se
esgotam em um relato.
Conforme apontado anteriormente, a proposta de trabalho
construída para e com os educadores municipais fundou-se no
princípio da valorização dos saberes, conhecimentos e experiências
dos participantes com o objetivo de, por meio das atividades
formativas apresentadas, contribuir para que o grupo avançasse no
sentido de uma compreensão mais ampliada, tanto do fenômeno
da violência sexual infanto-juvenil propriamente dito, quanto de
seu enfrentamento.
Para atingir tal objetivo, organizamos a formação/capacitação
e as oficinas temática e de planejamento em torno de três ativi-
dades específicas, a saber: Exposição Dialogada (ED), Grupos de
Trabalho (GTs) e Plenárias (PL). No primeiro caso, trata-se de uma

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 212 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 213

metodologia de exposição na qual a interação entre palestrante e


participantes consiste em um elemento fundamental do trabalho,
uma vez que o objetivo que se pretende alcançar é a promoção de
um diálogo entre os saberes, conhecimentos e experiências que o
público tem acerca da temática abordada, e os conhecimentos e
questões apresentadas ao grupo pelo(a) palestrante. No caso dos GTs
tratou-se de momentos em que, organizados em pequenos grupos,
os participantes tiveram a oportunidade de avançar na reflexão das
temáticas propostas para discussão, tendo garantidas melhores
condições de fala, diálogo e troca entre eles, sobretudo para aqueles
que se sentiam pouco à vontade para se expressar diante de um
público maior (ED, por exemplo); as plenárias consistiram em
momentos em que os GTs tiveram a oportunidade de apresentar e
pôr em diálogo o resultado de seus trabalhos junto ao coletivo de
participantes da formação.

Curso de capacitação/formação de educadores

O curso foi organizado de forma a contemplar os Eixos temáticos


da matriz pedagógica, com proposição de atividades específicas
referidas a cada eixo, conforme apresentamos a seguir.

Marco conceitual
Partindo do princípio de que “(...) conhecer a realidade é con-
dição de sua transformação” (Oliveira; Oliveira, 1999: 19) e de que,
no referente à violência sexual infanto-juvenil, é fundamental cons-
truir a compreensão para que se possa intervir adequadamente, a
capacitação/formação dos educadores que atuam no atendimento,
proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias dos muni-
cípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, para o enfrentamento ao
fenômeno no âmbito do PAIR, foi concebida de modo a promover,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 213 12/11/2008 10:31:01


214 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

inicialmente, a construção de uma compreensão básica e comum a


todos acerca do fenômeno em suas mais diferentes dimensões. Tal
proposição se baseou na compreensão da importância de se “(...)
trabalhar em estrita ligação com um grupo oprimido, com vistas a
construir, com o grupo e a partir de dentro da situação vivida pelo
grupo, um conhecimento da realidade que conduza à identificação
dos meios para superar a situação de opressão (...)” (Ibidem: 21).
O fomento à reflexão coletiva em torno dos fatores que geram
e/ou mantêm condições propiciadoras da violência sexual infanto-
juvenil foi realizado através da ED intitulada “Violência sexual
infanto-juvenil: compreender para intervir”, da produção nos GTs,
a partir de um Estudo de Caso e da Plenária de apresentação dos
resultados das discussões realizadas. Tal estratégia possibilitou
uma importante abertura no processo de capacitação/formação,
pois possibilitou estimular a explicitação, pelos participantes, das
concepções que compartilham acerca do fenômeno e da instauração
de um debate amplo em torno destas concepções, fazendo com que
o grupo avançasse na compreensão das mais diferentes dimensões
do fenômeno.
Neste contexto, ressaltamos a importância do trabalho ter feito
emergir algumas formas reducionistas de entendimento do fenô-
meno que tendem a reproduzir uma visão estigmatizante da vítima
– na qual esta, muitas vezes, passa à condição de culpada, conforme
os julgamentos feitos em relação à sua conduta. Tais concepções
foram dialogadas de modo a evidenciar a todos os participantes
seus limites e inadequações, sobretudo no que se refere à definição
de estratégias para o enfrentamento do fenômeno. A necessidade
de contribuir para a superação deste modo de encarar a violência
sexual infanto-juvenil foi uma das conclusões a que o coletivo
participante da capacitação/formação chegou.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 214 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 215

Também foi possível, por meio desta atividade, alertar aos


participantes da capacitação/formação acerca da importância de,
ao tratar a violência sexual infanto-juvenil, atentarem para suas
especificidades de modo que, uma vez compreendendo tratar-se de
um fenômeno de múltiplas determinações, dentre as quais desta-
camos a questão da vulnerabilidade socioeconômica e cultural que
caracteriza a maioria das vítimas e de suas famílias, bem como para
as questões de gênero e raça, de modo a adequarem suas ações de
enfrentamento ao fenômeno, a fim de atingirem resultados efeti-
vamente mais positivos.
Deste processo, resultou a reafirmação, entre os educadores
participantes da formação, da importância da criação e manutenção
de fóruns permanentes de discussão acerca da violência sexual
infanto-juvenil e das demais questões relativas a seu enfrentamento,
como estratégia para ampliar, em toda a rede de atendimento à
criança, ao adolescente e às famílias, a compreensão do fenômeno
em todas as suas dimensões, de modo a dar conta da complexidade
que o reveste e de suas implicações, ampliando, assim, as possibili-
dades de êxito das ações voltadas a seu enfrentamento.
Um outro resultado bastante positivo desta atividade foi a
compreensão, entre os educadores participantes da capacitação/
formação, de que, dada a complexidade que caracteriza a violência
sexual infanto-juvenil e considerando-se nesta complexidade o fato
de seu enfrentamento muitas vezes implicar o envolvimento de
diferentes sujeitos, grupos e/ou instituições (entre estes, inclusive,
a própria família da vítima), as possibilidades de êxito das inter-
venções voltadas a interromper o ciclo de violência serão tanto
maiores quanto mais integrados estiverem os educadores e mais
articuladas forem suas ações.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 215 12/11/2008 10:31:01


216 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Políticas públicas/políticas setoriais


Construída esta compreensão básica e comum acerca do fenô-
meno, a etapa seguinte foi de promover, entre os participantes, a
compreensão dos mecanismos que a sociedade brasileira dispõe
para promover seu enfrentamento. O foco dos trabalhos recaiu,
portanto, nas políticas públicas, contemplando desde uma discussão
ampliada acerca deste mecanismo, na exposição dialogada “Política
Pública: assegurando direitos e deveres”, até as especificidades das
políticas públicas que dão suporte ao enfrentamento ao fenômeno,
através de exposições dialogadas sobre Política da Criança e do
Adolescente; Política de Assistência Social; Política de Saúde; Política
de Educação e Protagonismo Juvenil.
Esta compreensão inicial foi seguida da realização de GTs nos
quais se fomentou a reflexão coletiva em torno dos principais de-
safios com que os educadores se deparam e cujo enfrentamento é
tarefa fundamental para que os diferentes setores, que atuam no
atendimento à criança, ao adolescente e às famílias, possam con-
tribuir efetivamente na garantia da proteção integral à criança e ao
adolescente.
Durante os GTs, os educadores tiveram a oportunidade de expor
sobre as ações que realizam em seus setores específicos de atuação
e trocar conhecimentos, saberes e experiências, explicitando, neste
processo, os limites e possibilidades das políticas públicas de cada
município, para a implementação de ações de atendimento, proteção
e promoção de crianças, adolescentes e famílias de um modo geral,
e de ações de caráter protetivo e preventivo, no referente à violência
sexual infanto-juvenil, de modo específico.
A constatação de que uma maior articulação entre as políticas
existentes tende a contribuir para potencializar as ações de enfrenta-
mento ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, ampliando
tanto sua eficiência quanto sua eficácia, foi um importante resultado

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 216 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 217

deste trabalho. Por outro lado, o grupo constatou também a impor-


tância de construir uma compreensão mais ampliada, tanto das
políticas públicas de defesa e garantia dos direitos e deveres sociais,
quanto da implementação destas políticas no nível do município,
acompanhando a execução e discutindo, coletivamente, alternativas
para superar os limites que elas apresentam.

Famílias
Considerando que o trabalho com as famílias representa um ele-
mento fundamental para o êxito do enfrentamento, esta temática foi
tratada de modo especial no processo de formação dos educadores
de atendimento, proteção e promoção das crianças e adolescentes
vítimas ou sob risco de violência sexual, por meio da realização
de uma exposição dialogada inicial – Famílias: compreendendo os
papéis das famílias em relação à violência sexual infanto-juvenil –
seguida, tal como previsto na proposta do curso, de GTs nos quais
os participantes tiveram a oportunidade de trocar experiências
acerca das ações de intervenção realizadas junto às famílias e das
especificidades deste trabalho.
A delicadeza que reveste o trabalho junto às famílias de crianças e
adolescentes vítimas ou sob risco de violência sexual infanto-juvenil,
a necessidade de que este trabalho seja realizado pela mobilização de
diferentes atores, instituições e segmentos da sociedade, e a neces-
sidade de contribuir para a consolidação de um conceito de família
mais adequado à dinâmica social da contemporaneidade, de modo a
favorecer a intervenção junto aos diferentes modelos de organização
familiar ora existentes, foram algumas das principais conclusões a
que os participantes chegaram nesta etapa do trabalho.
Para além destas conclusões, é necessário, ainda, ressaltar o fato
de ter emergido deste processo uma nova sensibilidade, uma vez
que se instaurou, entre os participantes, o reconhecimento de que

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 217 12/11/2008 10:31:01


218 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

a família, mesmo na condição de agressora, precisa, na maioria das


vezes, ser promovida sociocultural e economicamente de modo que
o ciclo de violência instalado em seu interior possa ser quebrado.
Este reconhecimento foi traduzido, posteriormente, na proposição,
durante o processo de elaboração dos Planos Municipais, da cons-
tituição de grupos de apoio às famílias.

Trabalho em rede
Focando o objetivo geral do PAIR, qual seja, promover a arti-
culação dos educadores e a integração das ações de enfrentamento
à violência sexual infanto-juvenil, a temática do trabalho em rede
também mereceu destaque no curso, através de uma atividade espe-
cífica: exposição dialogada, sob o título “Rede de proteção integral:
conceito de rede, princípios do trabalho em rede e fluxo da rede”.
Por meio desta atividade, os participantes tiveram acesso a
noções básicas acerca do trabalho em rede, bem como do para-
digma que o sustenta – complexidade –, e puderam perceber as
possibilidades que se abrem às políticas e ações de caráter social,
quando seus promotores, organizados em rede, conseguem dar
uma orientação mais precisa e coesa às suas ações, ampliando a
positividade de seus resultados.
A compreensão da importância do trabalho em rede, por um
lado, e a de que o pleno conhecimento da rede local consiste em
um elemento fundamental para sua promoção, por outro, instaurou
entre os participantes a necessidade de avançar no conhecimento
da potencialidade local, de maneira que a rede de atendimento,
proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, no
contexto da violência sexual infanto-juvenil, possa ser fortalecida
com a presença e articulação de todos os atores municipais. Esta
necessidade, por sua vez, assumiu a forma de demanda por maior

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 218 12/11/2008 10:31:01


Organização do trabalho pedagógico 219

conhecimento da rede local e de suas ações, tarefa que ficou para


ser realizada durante as oficinas temáticas.

Marco Legal
Embora já fosse de conhecimento dos educadores, participantes
do curso, o atendimento, a proteção e a promoção de crianças, ado-
lescentes e famílias, a existência de um consistente substrato legal
que dá sustentação às ações de enfrentamento à violência sexual
infanto-juvenil foi também um dos temas focados no processo de
capacitação/formação. O trabalho realizado em torno desta temá-
tica foi feito através da exposição dialogada “Doutrina da Proteção
Integral e garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente”,
quando os participantes puderam ter mais informações acerca
da legislação que regulamenta os assuntos referidos à infância e
adolescência, de um modo geral, e dos crimes de violência sexual
infanto-juvenil especificamente.
Tratou-se, nos três municípios em que a capacitação/formação foi
executada, de um rico momento em que os participantes puderam
ampliar a compreensão acerca do Marco Legal do PAIR, esclarecer
dúvidas surgidas em seu trabalho cotidiano e trocar experiências
e informações acerca dos limites e possibilidades da legislação em
face à realidade de cada contexto local.
O reforço à compreensão, até então embrionária, da impor-
tância de que as ações de enfrentamento tenham por sustentação o
amparo jurídico-legal de profissionais e instituições dotadas desta
prerrogativa foi o principal resultado desta reflexão. Com isto, mais
uma vez, ficou explícita a necessidade de articulação efetiva entre
todos os atores, instituições e órgãos que atuam no atendimento,
proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, como
meio de potencializar os recursos humanos e materiais existentes
no município para o enfrentamento ao fenômeno, para que, além

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 219 12/11/2008 10:31:01


220 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

da proteção e da prevenção, a sociedade local também avance


no sentido de criar e efetivar mecanismos de responsabilização
dos agressores, diminuindo, assim, as possibilidades de reinci-
dência e/ou descrédito da população em relação à efetividade da
denúncia.

Intersetorialidade/rede de proteção integral


Por fim, o trabalho se voltou para a construção, junto aos parti-
cipantes, dos conceitos de intersetorialidade e de rede de proteção
integral, de maneira que, estando melhor informados acerca do
fenômeno e das possibilidades de seu enfrentamento no nível local,
pudessem avançar no sentido de compreender a necessidade de
articulação entre todos os setores atuantes no atendimento, proteção
e promoção de crianças, adolescentes e famílias, resguardando as
especificidades das atribuições/atuação de cada um e promovendo
sua complementaridade.
A compreensão da necessidade de se efetivar, no interior de
cada município, o princípio da intersetorialidade como meca-
nismo através do qual tornar-se-á possível aos educadores locais
constituírem a rede de proteção integral à criança e ao adolescente,
colocando-os, conforme apontado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), na condição de prioridade absoluta, foi um
resultado bastante positivo desta etapa do trabalho, deixando
abertas as possibilidades de continuidade do diálogo, com vistas
a sistematizar as intenções e os compromissos de cada local no
referente ao enfrentamento do fenômeno.

Apresentações artístico-culturais
Um último aspecto que consideramos importante ressaltar foi a
inclusão, em diferentes momentos do curso de formação/capacitação
realizado nos três municípios, de apresentações artístico-culturais

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 220 12/11/2008 10:31:02


Organização do trabalho pedagógico 221

por crianças e adolescentes participantes de grupos e entidades


locais. Tendo sido demandadas e organizadas pelos próprios edu-
cadores participantes do curso, a abertura de espaço para estas
apresentações representou a criação de momentos em que todos
puderam conhecer ou rever trabalhos de promoção à criança e ao
adolescente realizados nos municípios, constituindo-se, também, de
uma rica oportunidade para que o público-alvo das ações a serem
implementadas no âmbito do PAIR – crianças e adolescentes – pu-
desse se mostrar, revelando aos expectadores, seu potencial.

Oficinas temáticas

A segunda etapa do trabalho de capacitação/formação no âmbito


da expansão do PAIR nos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e
Itaobim consistiu na realização de Oficinas Temáticas específicas
com o objetivo de aprofundar a compreensão de diferentes aspectos
ligados às redes locais de proteção integral à criança e ao adolescente
e de uma oficina de planejamento voltada à elaboração dos Planos
Municipais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.
A demanda por um maior conhecimento da rede local, identifi-
cada pelos participantes da primeira etapa da capacitação/formação,
foi contemplada nesta fase do trabalho, por intermédio da apresen-
tação dos diversos atores municipais que atuam no atendimento,
proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, com uma
breve exposição acerca das atividades que realizam, dos limites e
das possibilidades de sua atuação.5
Tratou-se de um momento bastante significativo, pois repre-
sentou a oportunidade de os educadores publicizarem seu fazer,
dando mais visibilidade às ações que realizam, aos desafios que
enfrentam e, também, aos resultados deste fazer. Por outro lado,
para a maioria dos participantes, a oficina temática representou a

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 221 12/11/2008 10:31:02


222 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

possibilidade de (re)conhecer o potencial da rede local, uma vez


que se viram diante de iniciativas, algumas das quais não tinham
nem mesmo conhecimento da existência.
Além do conhecimento da rede local, os participantes da oficina
temática também puderam conhecer e refletir sobre a realidade de
seus municípios, no que se refere ao fenômeno da violência sexual
infanto-juvenil, através do estudo do diagnóstico inicial, realizado
pela UFMG especificamente para este fim. Dentre as muitas ques-
tões discutidas neste sentido, destacou-se a compreensão de que a
realidade é mais dinâmica e complexa que os dados do diagnóstico
inicial conseguiram apontar, sendo colocado para o grupo a neces-
sidade de dar continuidade ao trabalho de levantamento de dados
acerca da realidade local, dando conta tanto dos casos já ocorridos,
quanto das situações de risco, a fim de melhor intervir par alterar
a realidade das crianças, adolescentes e famílias vitimizadas pelo
fenômeno.

Oficina de planejamento

Uma vez realizadas a apresentação da rede e a reflexão sobre


a realidade local, o trabalho voltou-se para a Oficina de Planeja-
mento, cujo objetivo foi de incentivar e subsidiar os participantes na
elaboração dos planos municipais de enfrentamento ao fenômeno
da violência sexual infanto-juvenil. Isto foi feito através de um tra-
balho no qual puderam, em paralelo à compreensão do processo
de planejamento – considerando-se todas as suas especificidades
e a importância de fazê-lo em conformidade com os interesses,
expectativas, necessidades e potencialidades locais –, avançar na
elaboração coletiva do Plano.
Tratou-se de um momento em que os participantes tiveram
a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos acerca da

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 222 12/11/2008 10:31:02


Organização do trabalho pedagógico 223

elaboração de planos, projetos e programas sociais, através da


alternância entre momentos formativos propriamente ditos –
exposições dialogadas –, e momentos de GTs, em que tiveram
a oportunidade de exercitar os conhecimentos adquiridos neste
processo em articulação com aqueles que foram se consolidando
em todas as etapas da capacitação/formação que antecederam a
esta oficina.
Tendo sido acompanhados durante todo o período de elabo-
ração do plano pelos formadores, os participantes tiveram, ainda,
a possibilidade de (re)ver sua produção à luz das orientações do
PAIR, da realidade local levantada no diagnóstico e da produção
teórica referida à temática. Esta revisão foi feita a partir da análise,
pelos(as) formadores(as), da produção dos grupos e do retorno
desta análise aos mesmos, com a indicação dos pontos ainda frágeis
nas proposições, a fim de que os participantes pudessem avançar
em seu trabalho.
É importante ressaltar a riqueza deste momento, uma vez
que possibilitou que a equipe técnica subsidiasse de modo mais
efetivo a construção do plano, ampliando sua compreensão das
especificidades locais, sobretudo no referente ao modo como os(as)
educadores(as) locais atuam. Por outro lado, este retorno da análise
da sua produção ao coletivo, com o reconhecimento de seus ele-
mentos positivos, e a indicação daqueles ainda frágeis, em relação
aos quais o grupo deveria trabalhar um pouco mais, representou
tanto a abertura da possibilidade de maior adequação do plano,
quanto a ampliação da compreensão dos participantes da oficina
de todas as questões nele contidas, bem como do processo de ela-
boração de documentos desta natureza.
Afora a elaboração dos planos municipais em si, a positividade
desta etapa da capacitação/formação residiu na evidente contri-
buição que a mesma representou para a maioria dos participantes

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 223 12/11/2008 10:31:02


224 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

no sentido de melhor fundamentá-los no referente à elaboração


de planos, projetos e programas sociais, havendo entre eles, desde
aqueles que se viram e disseram diante de uma nova ferramenta
de trabalho, quanto outros que, já tendo em seu cotidiano a prática
de elaborar materiais desta natureza, tiveram a oportunidade de
aprimorar seus conhecimentos.
Assim, de modo geral, pode-se dizer que se tratou de um mo-
mento de dupla positividade, tendo servido tanto para instrumentar
atores e educadores municipais no referente ao enfrentamento do
fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, quanto para poten-
cializar o trabalho dos educadores municipais que atuam no aten-
dimento, proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias
por ele atingidas ou sob rico de virem a ser.

Considerações finais
No que se refere à execução da proposta do curso de capacitação/
formação dos educadores municipais que atuam no atendimento,
proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias sob risco
ou situação de violência sexual infanto-juvenil, alguns aspectos
mostraram-se bastante relevantes, sendo importante recuperá-los
aqui. Dentre estes aspectos destacamos, inicialmente, a opção
por constituir a equipe formadora com técnicos especializados no
trabalho com a temática, em diferentes áreas e com educadores
municipais que atuam diretamente com o atendimento às crianças,
adolescentes e famílias. Tratou-se no nosso entendimento de uma
importante estratégia que nos permitiu ampliar a compreensão
da realidade de cada localidade, as possibilidades de diálogo com
os(as) participantes das ações formativas e, ainda, criar referências
profissionais locais e regionais de enfrentamento à violência sexual
infanto-juvenil.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 224 12/11/2008 10:31:02


Organização do trabalho pedagógico 225

O fomento à abertura dos participantes para o diálogo e para a


troca de saberes, conhecimentos e experiências sobre o fenômeno
e seu enfrentamento também se revelou um elemento bastante
positivo, quando da execução da proposta, pois, através deste
expediente, foi possível aproximar ainda mais estes educadores e
seus fazeres, por meio da promoção de um conhecimento mútuo
e da criação de consensos dinâmicos em torno deste tema em
comum.
A estratégia metodológica de garantir, ao longo do processo,
momentos de exposição dialogada e momentos de reflexão, debate
e proposição com a participação de todos também merece des-
taque, uma vez que representou a possibilidade de constituição
de espaços coletivos de trabalho nos quais tornou-se possível que
os participantes, de posse de um novo (ou renovado) instrumental
teórico, (re)vissem suas concepções e analisassem as ações que
empreenderam, de modo a identificar nestas os limites e as possi-
bilidades de, uma vez implementadas, contribuírem efetivamente
para o enfrentamento.
A consideração de que todos que atuam no atendimento, pro-
teção e promoção de crianças, adolescentes e famílias são, por
princípio, educadores, uma vez que o trabalho que realizam se dá
no sentido de promover uma (re)educação da sociedade no que se
refere à forma de promover o desenvolvimento natural de crianças
e adolescentes, através da garantia e efetivação de sua proteção
integral, também representou um significativo avanço no que se
refere a este trabalho de capacitação/formação. Isto porque, uma
vez se compreendendo neste lugar e compreendendo desta forma
sua tarefa, os educadores municipais tenderam a reforçar seu com-
promisso com o enfrentamento, entendendo que se trata de uma
ação que vai além do mero combate à sua ocorrência, demandando,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 225 12/11/2008 10:31:02


226 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

igualmente, um efetivo trabalho de disseminação desta contem-


porânea concepção do lugar social da criança e do adolescente,
através, sobretudo, da promoção da prevenção ativa.
Um último aspecto que merece destaque, neste contexto, foi o
processo de elaboração dos planos municipais de enfrentamento
à violência sexual infanto-juvenil e seu resultado. A adoção da
estratégia de incentivar para que o documento final fosse, efeti-
vamente, resultado do coletivo dos educadores participantes da
oficina de planejamento, em um processo onde o material produ-
zido pelo coletivo era permanentemente dialogado pela equipe
de formadores, mostrou-se bastante adequada aos objetivos de
promover o fortalecimento da rede de proteção integral à criança
e ao adolescente do município. Isso possibilitou o estabelecimento
de objetivos e de estratégias comuns a todos os setores atuantes
na área de proteção/promoção de crianças, adolescentes e famílias
para promover o enfrentamento ao fenômeno. Por sua vez, permitiu
que o documento expressasse as intenções, os saberes, os conhe-
cimentos e as experiências deste coletivo, articulados às questões
teórico-conceituais e técnicas mais relevantes referidas ao tema e
às especificidades locais que foram consideradas prioritárias para
o aprimoramento das ações de enfrentamento.
Por fim, resta considerar que, muito embora a extensão da carga
horária e das jornadas de trabalho tenham sido bastante longas, a
opção por trabalhar com todos os participantes do curso de capa-
citação/formação e da oficina temática e de planejamento juntos,
mantendo, na medida do possível, toda a equipe de formadores
presente e à disposição durante todos os eventos, consistiu em uma
estratégia positiva uma vez que possibilitou um maior conhecimento
desta pelos participantes e vice-versa.
Por outro lado, o fato de manter todos os participantes juntos,
por um período maior de tempo, também merece destaque neste

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 226 12/11/2008 10:31:02


Organização do trabalho pedagógico 227

contexto, pois fomentou a aproximação, o diálogo e as trocas


entre todos, tanto no referente às temáticas propostas para estudo/
trabalho, quanto às questões diversas relacionadas ao seu fazer e
viver cotidiano e às questões locais. Da observação de todos estes
momentos, do acompanhamento e, muitas vezes, da participação
direta ou indireta neles, ficou-nos a clareza do avanço dos educa-
dores dos três municípios em questão no sentido de se conhecerem,
se articularem e, efetivamente, iniciar ou aprimorar a integração de
suas ações, reforçando o seu compromisso com o enfrentamento ao
fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e com a promoção da
proteção integral de crianças e adolescentes.

Notas
1
Equipe - Seminário de Metodologias de Capacitação: Paula C. de M. Cambraia,
Edite da Penha Cunha, Eduardo Moreira da Silva (PROEX/UFMG), Elizabeth
Vieira Gomes (Oficina de Imagens), Kátia Liliane Alves Canguçu (Coordenadora
do PEAS, na Secretaria Estadual de Educação), Vanessa Henriques Pinto
(Coordenadora do PEAS, na Secretaria Estadual de Saúde), Sandra Maria Amorim
(Escola de Conselhos - UFMS), Paulo Henrique Faleiros e Célia Carvalho Nahas
(AMAS/PAIR/BH), Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti (FAE/UFMG),
Maria Umbelina Caiafa Salgado (FAE/UFMG).
Equipe - Curso de Formadores: Edite da Penha Cunha, Eduardo Moreira da Silva
(PROEX/UFMG), Prof. Ricardo Silva (UFVJM) e Profª Helena Hemiko Iwamoto
(UFTM), Profª Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti (FAE/UFMG), Profª
Joana Vargas (CRISP/UFMG), Marisa Lacerda (POLOS/UFMG), Glaziane Silva
(Prefeitura Municipal de Itaobim), Sandra Otoni (Prefeitura Municipal de Teófilo
Otoni), Flávia Santana da Silva (CMDH/CAVIV - Secretaria Municipal Adjunta
de Direitos de Cidadania da PBH), Mary Cristina (Coordenadora da República
Maria Maria), Kleber Queiroz (Judiciário), Profª Tânea Aretuza (CP/UFMG),
Profª Geovânia Santos (UNIPEL), Profª Geralda Luiza de Miranda (DCP/UFMG),
Nívia Mônica da Silva (Promotoria da Infância e da Juventude de BH), Maria das
Graças Bibas (Ministério Desenvolvimento Social), Rosiléia Wille (Ministério da
Educação), Thereza Delamare (Ministério da Saúde), Eleonora Schettini (PROEX/
NUPASS/UFMG), Profª Maria Thereza Nunes Fonseca (Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte), Rodrigo Correa e Jozeli Rosa de Souza (Oficina de Imagens).

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 227 12/11/2008 10:31:02


228 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

2
Termo que, na educação, é entendido como uma forma de organizar o trabalho
didático na qual alguns temas são integrados nas áreas convencionais de modo a
estarem presentes em todas elas. O conceito de transversalidade surgiu no contexto
dos movimentos de renovação pedagógica, quando os teóricos conceberam que
é necessário redefinir o que se entende por aprendizagem e repensar também
os conteúdos que se ensinam aos educandos. A transversalidade diz respeito à
compreensão dos diferentes objetos de conhecimento, possibilitando a referência a
sistemas construídos na realidade dos educandos. (MENEZES; SANTOS, 2002)
3
Ver princípios norteadores do processo de capacitação/formação no texto de Maria
Amélia Gomes de Castro Giovanetti, neste volume.
4
Equipe de Formadores responsável pela Capacitação/Formação dos Educadores
nos três municípios (Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim). Composição da equipe:
Professores e técnicos das três Universidades (UFMG, UFTM e UFVJM),
profissionais da área da Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura e Esportes,
e representantes da sociedade civil, indicados pelos três municípios. São eles:
Andréa Francisca dos Passos, Bethânia Ferreira Goulart Cunha, Carla Oliveira
Cardoso, Cibele A. Chapadeiro C. Sales, Cláudia Gomes da Silva, Cristina Pinto
Cunha, Eduardo Moreira da Silva, Eliana Baracho A. Reis, Fabiana Silva Almeida,
Fabiana Silva de Oliveira, Geovânia Lúcia dos Santos, Glaziane Aparecida Silva,
Helena Hemiko Iwamoto, Helga Yuri Silva Okano Andrade, Jacira de Moura
Sander, José Joesso Alves Pereira, Jozeli Rosa de Souza, Marcos Genari Mariano,
Mário Alfredo S. Miranzi, Miriam de F. Amorim Corrêa, Nádia Maria Carvalho
O. Martins, Pedro Paulo V. de Macedo, Ricardo Silvestre da Silva, Rita Lúcia de
C. Oliveira, Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira, Sandra Ottoni Bamberg, Tânia
Aretuza, Wallysson Mardem V. Macedo, Zélia de Oliveira Barbosa.
5
Como cada município teve autonomia para definir o desenho do curso a ser exe-
cutado, a apresentação da rede local foi um dos itens cujos formato e momento de
realização variou entre os municípios. Contudo, independente do momento/for-
mato, a dinâmica do trabalho e seus principais resultados podem ser considerados
para os três municípios, uma vez que apresentaram bastantes aproximações.

Referências

MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos.”Transversalidade”


(verbete). In: DICIONáRIO INTERATIVO DA EDUCAçÃO BRASILEIRA -
EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. Disponível em: <http://www.
educabrasil.com.br>.

NÓVOA, Antonio. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA,


Antonio (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 228 12/11/2008 10:31:02


Organização do trabalho pedagógico 229

OLIVEIRA, Rosiska Darcy de; OLIVEIRA, Miguel Darcy de. Pesquisa social e
ação educativa: conhecer a realidade para poder transformá-la. In: BRANDÃO,
Carlos Rodrigues (Org.). Pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1999.
p. 17-33.

SOUZA, João Valdir de. Igreja, escola, comunidade: elementos para a história cul-
tural do município de Turmalina. Montes Claros: Unimontes/Editora, 2004.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO DO SUL. Escolas de Conse-


lhos. Capacitação da rede. Campo Grande, [s.d.].

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 229 12/11/2008 10:31:02


230

Cronograma de ações – Expansão do PAIR


Anexos

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 230 12/11/2008 10:31:03


3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 231

Matriz pedagógica/curricular da capacitação/formação


Eixos do
plano I II III VI
IV V Temas
nacional Análise Mobilização Defesa e Protagonismo
Objetivos Atendimento Prevenção transversais
da situação e articulação responsabilização infanto-juvenil
do PAIR
Objetivo Geral: Agir articuladamente em rede para enfrentar a violência sexual infanto-juvenil
Objetivos específicos:

Integral existente nos municípios


Resultados do diagnóstico da rede de proteção
EIXO VI: Protagonismo infanto-juvenil

EIXO II: - Articulação e mobilização (INTERSETORIALIDADE)


Temáticas da capacitação/formação
MARCO
1º) Compreender o
CONCEITUAL
fenômeno da violência
• O fenômeno da
sexual contra crianças
violência sexual

- Estruturação e fluxo da REDE


e adolescentes, bem
infanto-juvenil
como a organização

Organização do trabalho pedagógico


na perspectiva
e dinâmica de
dos Direitos
funcionamento da rede
Humanos
de proteção.
MARCO LEGAL
• Doutrina de • O enfrentamento e a prevenção
Proteção Integral da violência sexual
e Garantia - na Saúde
2º) Fortalecer a Rede de Política
dos Direitos - na Educação
proteção Integral Pública
da Criança e do - na Assistência Social
Adolescente • Família
• O papel da • Protagonismo Infanto-Juvenil
Promotoria

Planejamento:
3º) Planejar a ação de
PLANO OPERATIVO LOCAL (POL)
enfrentamento
• Diretrizes
Planos Operativos
• Objetivos/Metas
Locais (POL)
• Ações/Cronograma

231
12/11/2008 10:31:03
3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 232

Curso de formação de educadores – Julho/2007

232
TEMÁTICA:
FORMADORES RESPONSÁVEIS :

EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III
EMENTA:

Tempo Metodologia Textos Material


(especificar duração Objetivos Conteúdos (detalhar a dinâmica (colocar referências (vídeo, Power point,
de cada atividade) de trabalho) e número de cópias) papéis, pincéis etc.)

Formulário do Programa de ações integradas de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil


Expansão PAIR/MG (UFMG/UFTM/UFVJM)
12/11/2008 10:31:03
3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 233

Programação do curso de capacitação | Formação do PAIR/MG - fase 1

21/05 22/05 23/05 24/05

8:30 Política Pública -


Conceito; fases; políticas de
8:30 Abertura 8:30 Marco conceitual 8:30 O enfrentamento e a
enfrentamento e prevenção da
PROEX, SEDH Compreendendo a violência prevenção da violência sexual na
violência sexual infanto-juvenil
10:00 Café sexual infanto-juvenil na Assistência Social
9:30 Debates
10:15 Princípios norteadores perspectiva dos direitos 9:30 Café
10:30 Café
Manhã e objetivos da Capacitação/ humanos. Tipos e Sinais da 9:45 Trabalhando com famílias
10:45 O papel da Promotoria,
formação e apresentação da violência sexual 10:45 Protagonismo Infanto-Juvenil
suas interfaces com o Judiciário
Matriz Curricular –11:00 10:30 Café 11:15 Debates
e seus instrumentos legais

Organização do trabalho pedagógico


11:30 Debate 10:45 Debates 12:15 Registro da Manhã
11:45 O papel do legislativo
12:00 Almoço 12:00 Almoço 12:30 Almoço
12:30 Debates
12:45 Almoço

13:30 Metodologia e
resultados do Diagnóstico de 13:30 Marco legal 14:00 O enfrentamento e a
Itaobim e Teófilo Otoni Doutrina de Proteção Integral prevenção da violência sexual
15:00 Apresentação da e garantia dos Direitos da na saúde 13:30 Definindo proposta de
síntese dos debates acerca Criança e do Adolescente 15:00 O enfrentamento e a capacitação/formação dos
do diagnóstico realizados 15:30 Café prevenção da violência sexual municípios
nos municípios nos dias 16 15:45 Debates na educação 16:00 Café
Tarde a 19 de maio, comentários 16:45 Sistematizando as 16:00 Debates 16:15 Plenária – Apresentação
dos representantes dos idéias do dia para a proposta 16:30 Café das propostas de cada equipe
municípios de formação no município 17:00 Sistematizando as idéias 17:30 Encaminhamentos e
15:30 Café 17:15 Debates do dia para a proposta de avaliação
15:45 Debates 17:45 Avaliação e registro formação no município 18:00 Encerramento
17:00 Avaliação do dia 17:30 Avaliação e registro do dia
17:15 Registro do dia 18:00 Encerramento 18:00 Encerramento
17:30 Encerramento

233
12/11/2008 10:31:03
3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 234

Programação do curso de capacitação | Formação do PAIR/MG - fase 2

234
11/06 12/06 13/06 14/06

EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III
8:30 Abertura 8:30 Oficina de 8:30 Oficina de Planejamento 9:00 Trabalho em equipes por
9:00 Introdução: Resgate do Planejamento municípios:
processo de Capacitação/ A) Fechamento da proposta
Formação (Abril e Maio) para o curso para educadores
Idéias-força da proposta de (julho/07) a partir da revisão da
formação proposta de capacitação/formação
Manhã 9:45 CAFÉ dos municípios apresentada na
10:00 Equipes Temáticas * (Ementa Plenária do dia 24/05
e o seu desenvolvimento) 10:00 CAFÉ
10:15 B) Proposta Oficinas Temáticas
para educadores (agosto/07)
11:45 Plenária
12:00 Encerramento

12:00 ALMOçO 12:30 ALMOçO 12:30 ALMOçO 12:15 ALMOçO

13:30 Oficina de Planejamento 14:00 O enfrentamento 13:30 Equipes Temáticas:


17:30 Avaliação do 1º dia e a prevenção da Fechamento da proposta
violência sexual na da ementa e seu
saúde desenvolvimento para o
15:00 Debate curso de educadores de
15:45 CAFÉ julho/07
Tarde 16:00 “Projeto Escola que 15:30 CAFÉ
Protege” 15:45 Plenária
Equipes Temáticas: 17:00 Encaminhamento/Avaliação
Leitura e discussão 17:30 do 2º dia
das ementas Atividade sócio-cultural
trabalhadas no dia
11/06

17:30 Encerramento 18:00 Encerramento 18:00 Encerramento


12/11/2008 10:31:03

* Equipes Temáticas: I – Marco Conceitual; II – Políticas Públicas; III – O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na Saúde; IV – O enfrentamento e a pre-
venção da violência sexual na Educação; V – O enfrentamento e a prevenção da violência sexual na Assistência Social; VI – Famílias; VII – Protagonismo Juvenil.
Pa u l a C a m b ra i a d e M e ndo n ç a Vi an n a
M a ra Va s c o n c elo s
Va n e s s a H e n ri q u es Pi n to
M i gu i r T e re s i n h a V. Do n o so
J a n e t e Ri c as
A SAÚDE E AS AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Introdução
Discorrer sobre a contribuição da saúde no enfrentamento à
violência contra crianças e adolescentes é um tema desafiante.
Os dados estatísticos brasileiros apontam que 39% das crianças
de 0 a 6 anos vivem em famílias com rendimento mensal per capita
de até ½ salário mínimo, enquanto 52% das crianças de 0 a 3 anos
vivem em famílias consideradas pobres. No censo demográfico
de 2000, a população na faixa etária de 10 a 19 anos corresponde a
21% da nossa população e cerca de 26 mil jovens perdem a vida em
acidentes, suicídios, violência e doenças relacionadas à gravidez e
a outros males (Escorel, 1999; Brasil, 2005).
Esses dados demonstram que crianças de segmentos socioeco-
nômicos menos favorecidos são mais vulneráveis a situações de
violência desde o nascimento ou até mesmo antes dele.
3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 235 12/11/2008 10:31:03
236 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Propor uma reflexão sobre as ações da área da saúde na abor-


dagem deste fenômeno exige uma construção criteriosa e ética de
papéis, funções, ações e estratégias em um terreno pouco visitado
pela maioria dos profissionais de saúde.
Não podemos restringir esta abordagem aos profissionais que
circulam pelas especialidades da pediatria e da hebeatria,1 pois
necessitamos alargar o nosso campo de atuação, ganhando espaços,
conquistando territórios em parceria com outras especialidades da
área da saúde e com toda a rede de proteção à criança e ao adoles-
cente, o que pressupõe ações intersetoriais.
Inicialmente, será abordado, neste estudo, o conceito de saúde
em sua dimensão mais ampla para depois compreendermos o
significado da violência enquanto um problema, também, de saúde
pública. Embasadas por estes dois conceitos, discorreremos sobre
o referencial conceitual, legal e os desafios das ações interventivas
da saúde no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil.

Saúde, cuidado e serviços de atenção à saúde

O conceito de saúde, definido na 8ª Conferência Nacional de


Saúde, em 1986, e consagrado na Constituição Federal de 1988,
“é resultante das condições de alimentação, moradia, saneamento
básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer,
liberdade e acesso aos bens de serviço essenciais”. Esta Constituição
estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado.
Portanto, saúde é sinônimo de qualidade de vida e por isso vai
além da ausência de doença, ao entender o ser humano de forma
integral, assegurando-lhe os direitos fundamentais do nascimento
à morte. Promover o acesso a esses direitos, encaminhando-os aos
serviços de atenção à saúde, quando necessário, é dever tanto dos
profissionais de saúde como da sociedade de uma maneira geral.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 236 12/11/2008 10:31:03


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 237

Neste sentido, a maneira como os diversos atores sociais (usuários,


familiares, técnicos, sociedade, Estado) agem faz com que seja produ-
zido um determinado modo de cuidar em saúde.

Somos em determinadas situações, a partir de certos recortes,


sujeitos de saberes e de ações que nos permitem agir protagonizando
processos novos como força de mudança. Mas, ao mesmo tempo,
sob outros recortes e sentidos, somos reprodutores de situações
dadas. Ou melhor. Mesmo protagonizando certas mudanças, em
muito conservamos. Entretanto, sob qualquer um desses ângulos,
somos responsáveis pelo que fazemos. Não é possível não nos
reconhecermos nos nossos fazeres (Merhy, 2002: 5).

O ato cuidador é basicamente um ato criador, atento, perspicaz


às necessidades e singularidades de quem o demanda.
Nos serviços de saúde, o ato cuidador pode ser definido como
um

encontro intercessor entre um trabalhador de saúde e um usuário,


e no qual há um jogo de necessidades/direitos. Neste jogo, o
usuário se coloca como alguém que busca uma intervenção que
lhe permita recuperar, ou produzir, graus de autonomia no seu
modo de encaminhar a sua vida. Coloca neste processo o seu mais
importante valor de uso, a sua vida, para ser trabalhada como um
objeto carente de saúde (Merhy, 1998: 4).

Saraceno define um serviço de alta qualidade como aquele “que


se ocupa de todos os pacientes que a ele se referem e que oferece
reabilitação a todos os pacientes que dele possam se beneficiar”
(1999: 95). Não podemos reduzir a amplitude de um serviço a
um local físico e aos seus profissionais, mas a toda gama de opor-
tunidades e lugares que favoreçam a reabilitação e o cuidado do
paciente. Um dos lugares privilegiados no intercâmbio com os ser-
viços é a comunidade e dela fazem parte a família, as associações,
os sindicatos, as igrejas etc. É, portanto, fonte de recursos humanos

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 237 12/11/2008 10:31:03


238 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

e materiais, lugar capaz de produzir sentido, contratualidade e


resolutividade.
É principalmente durante a crise que os serviços de saúde têm
que se mostrar atuantes e eficientes no atendimento e suporte ao
cliente e sua família, pois é o momento em que se encontram mais
fragilizados e, muitas vezes, sem ter a quem recorrer. É fundamental,
portanto, um vínculo terapêutico com o serviço e o profissional.
Entretanto, para Merhy,

o modelo assistencial que opera hoje nos nossos serviços é central-


mente organizado a partir dos problemas específicos, dentro da ótica
hegemônica do modelo médico liberal, e que subordina claramente
a dimensão cuidadora a um papel irrelevante e complementar
(1998: 12).

Não existe, pois, uma preocupação com o antes, com os modos de


vida do paciente e sua família. Existem, sim, intervenções pontuais
e descontextualizadas para atender situações específicas de crise.
Para Saraceno (1999), o modelo hegemônico de atendimento, cen-
trado no paradigma médico, apesar de acolher algumas proposições
das abordagens psicossociais, se caracteriza por ser:
• linear: um dano definido de determinado sistema de nosso
corpo provoca uma condição de doença, e os tratamentos são
reparações desse dano;
• individualista: saúde e doença são determinadas pelos recur-
sos/carências do indivíduo, e os tratamentos são intervenções
exclusivamente dirigidas a ele;
• a-histórico: ignora as interações indivíduo-ambiente.
Hoje, propõe-se um modelo de atenção interativo e complexo,
que contemple as abordagens biológica, psicológica e social, sob a
égide de um trabalho interdisciplinar que valorize as potenciali-
dades de cada profissional, em benefício de uma assistência mais

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 238 12/11/2008 10:31:03


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 239

dinâmica e eficiente no atendimento e tratamento das pessoas. A


troca de informações e experiências, as diferentes formas de estar e
escutar o paciente possibilitam uma maior interação entre a equipe
e o usuário.
As condições que definem uma atenção de qualidade à saúde
exigem vários olhares, reúnem diversos saberes e práticas na busca
do entendimento e da construção integrada de soluções que
garantam à população uma vida melhor, de acordo com o princípio
da intersetorialidade.
A intersetorialidade é a articulação entre sujeitos de setores
sociais diversos e, portanto, de saberes, poderes e vontades dife-
rentes para enfrentar problemas complexos. É uma nova forma de
trabalhar, de governar e de construir políticas públicas que pretende
possibilitar a superação da fragmentação dos conhecimentos e das
estruturas sociais para produzir efeitos mais significativos na saúde
da população e garantir um acesso igualitário à saúde.
É, portanto, uma nova prática social, construída a partir da
reflexão e do exercício democrático, pois incorpora não apenas a
compreensão compartilhada sobre finalidades, objetivos, ações e
indicadores de cada programa, mas práticas sociais articuladas
que resultam em um impacto na qualidade de vida da população.
Envolve também mudanças de valores, normas e regras que per-
meiam o agir de grupos e organizações sociais.
Por meio dessas mudanças, é possível perceber que, para pro-
mover a saúde, é necessário o respeito à diversidade e às particu-
laridades de cada setor ou sujeito. Portanto, os caminhos para a
construção da intersetorialidade partem de um processo transfor-
mador que busca o aprendizado da tolerância, da capacidade de
escuta e da negociação. O primeiro passo é reconhecer as limitações
do olhar setorial, ou seja, cada qual detém uma parte da verdade e
das explicações, mas não a sua totalidade.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 239 12/11/2008 10:31:03


240 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

A violência contra crianças e adolescentes


como um problema de saúde pública

O setor saúde tem se destacado, a partir do século XX, como


um dos maiores locus de defesa à proteção integral de crianças e
de adolescentes.
No mundo e também no Brasil, as teses dos defensores dos
direitos infanto-juvenis se fundamentam, sobretudo, nas condições
de crescimento e desenvolvimento desses seres em formação.
Entretanto, a prática da assistência em saúde focaliza, na maioria
das vezes, o reparo de traumas e lesões físicas e aspectos médico-
legais. Sabemos que esses cuidados são essenciais, mas é necessária
uma ação intersetorial e um trabalho interdisciplinar para que o
enfrentamento da violência infanto-juvenil realmente ocorra.
O art. 136 do Código Penal Brasileiro define como maus-tratos
o ato de

expor a perigo a vida ou a saúde de pessoas sob sua autoridade,


guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou
custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispen-
sáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer
abusando de meios de coerção ou disciplina (Código Penal Brasileiro,
2002, grifo nosso).

Subentende-se nesse conceito (elaborado em 1940) que práticas


não abusivas de meios de coerção ou disciplina são legalmente
respaldadas aos responsáveis pela criança.
Os maus-tratos podem ser classificados em: violência física,
maus-tratos emocionais ou psicológicos, negligência e abuso sexual
(Latalski et al., 2004).
Importante mencionar, neste momento, os diversos tipos de
violência observados em crianças e adolescentes. O conhecimento

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 240 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 241

sobre as diferentes maneiras de manifestação da violência orienta


os profissionais a diagnosticar, intervir e notificar os casos atendi-
dos. São elas:
1. negligência: omissão, deixar de prover as necessidades básicas
para uma pessoa se desenvolver fisicamente, emocionalmente
(frio, fome, higiene, estudo). A negligência pode ser definida
como uma omissão dos pais ou responsáveis nos cuidados
com a criança, que resulta em danos reais ou potenciais para
ela (Dubowitz; Giardino; Gustavson, 2000). É considerada
o tipo o mais comum de maus-tratos na infância (Allin;
Wathen; Macmillan, 2005). É importante diferenciar situações
de negligência de situações de pobreza extrema. O segundo
caso é reconhecido por Morais e Eidt (1999) como negligência
contextual. Whaley e Wong (1989) postulam sobre as várias
formas de apresentação da negligência, citando até a negligência
emocional, quando não são atendidas as necessidades de afeto,
atenção e apoio emocional da criança;
2. abandono: forma extrema de negligência, desprezar, desamparar;
3. violência física: é definida como a utilização de força física em
caráter intencional por parte dos pais ou responsáveis ou ado-
lescente mais velho, com o objetivo de ferir, provocar dano ou
levar à morte a criança ou adolescente, deixando ou não marcas
visíveis (Pfeiffer; Waksman, 2003). Não encontramos na literatura
definições que estabeleçam limites entre castigo leve, castigo
severo, palmada, espancamento e outros. Allasio e Fischer (1998)
questionam a existência de diferenças entre tortura e violência
física contra a criança. Para os autores, a tortura é definida como
qualquer ato pelo qual dor ou sofrimento severo (físico ou psico-
lógico) é intencionalmente praticado contra alguém por motivos
variados. Porém, socialmente, a percepção de tortura geralmente
se encontra ligada a interrogadores e interrogados, vingança
ou sadismo, não sendo usual a expressão “tortura de crianças

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 241 12/11/2008 10:31:04


242 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

e adolescentes”. No entanto, no caso dos maus-tratos, a tortura


ocorre, mesmo que provocada por descontrole da raiva, punição
excessiva e inadequada com intenção educativa e negligência
por irresponsabilidade ou ignorância – falta de informação e
reflexão sobre as conseqüências do ato ou da omissão;
4. síndrome do bebê sacudido: mau-trato físico, provocado por
adulto, que agita o bebê com brutalidade, geralmente pela irri-
tação por causa do choro ou desagrado por outro motivo. Essa
agressão tem como resultado lesões cerebrais irreversíveis;
5. síndrome da criança espancada: sofrimentos infligidos, apre-
sentados por fraturas ósseas, hematomas, lesões cerebrais,
queimaduras de forma repetitiva;
6. abuso psicológico: compreende toda forma de rejeição, de-
preciação, discriminação, desrespeito, cobranças exageradas,
punições humilhantes e utilização da criança ou do adolescente
para atender às necessidades psíquicas do adulto. É a forma
mais praticada de violência contra a criança. Pode acarretar
graves danos ao seu desenvolvimento psicológico, tendo como
fator agravante o fato de não deixar marcas visíveis (Cavalcanti,
2002). Apresenta-se de diversas formas e evidencia-se como a
interferência negativa do adulto sobre a criança e sua competência
social, conformando um padrão de comportamento destrutivo
(Morais; Eidt, 1999). São seis as formas mais praticadas de
violência ou abuso psicológico contra a criança: rejeitar, isolar,
aterrorizar, ignorar, corromper e, finalmente – a forma que tem
sido a mais relacionada às crianças oriundas de classe média ou
alta –, produzir excessivas expectativas sobre seu rendimento
escolar, intelectual e esportivo (BRASIL, 1993). Este tipo de
violência é difícil de ser caracterizada e conceituada, apesar da
freqüência com que acontece. Cobranças exageradas e compa-
rações desmerecedoras e humilhantes também são formas de

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 242 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 243

abuso psicológico. Aliás, as comparações, estratégia bastante


utilizada pelos adultos, não promovem o amadurecimento
da criança – pelo contrário, é mais comum que lhe causem
insatisfação consigo mesma, insegurança e medo de se expor
(Moreira, 1999);
7. síndrome de Munchausen por procuração: quando a criança
é trazida para cuidados médicos, mas os sintomas e/ou sinais
são inventados ou provocados pelos seus pais ou responsáveis,
exigindo dos profissionais exames complementares desne-
cessários, medicamentos, consultas e internações sem motivo
clínico observado;
8. outras síndromes: fatos diferenciados dos já relacionados na
literatura ou novas percepções que necessitem ser objeto de
estudo específico.
A violência sexual infanto-juvenil foi abordada de forma diferen-
ciada neste estudo, por se tratar de um fenômeno cuja visibilidade
aumenta em todo o mundo e, cada vez mais, os gestores têm se
preocupado em criar políticas para o seu enfrentamento. De acordo
com Araújo (2004), pode ser entendida como ato de força, quer seja
moral, física, psicológica, praticado contra criança e adolescente
pelo violentador, que detém sobre eles poder de autoridade, domi-
nação, coerção e coação, para satisfação unilateral de seus desejos
(prazer sexual) e/ou para tirar vantagens (lucro).
Existem duas facetas da violência sexual que se inter-relacionam.
No entanto, precisam ser entendidas a partir de suas especificidades:
o abuso sexual e a exploração sexual.
O abuso sexual atinge todas as camadas sociais, etnias, religiões
e culturas, e certamente é uma das formas mais cruéis de violência
contra a criança. Abrange quaisquer contatos ou práticas eróticas e/
ou sexuais impostos à criança ou ao adolescente por um agressor

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 243 12/11/2008 10:31:04


244 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

que esteja em etapa de desenvolvimento psicossexual mais adian-


tado que a vítima, mediante coerção física, ameaças ou indução de
sua vontade e que tenha por intenção estimulá-la sexualmente ou
utilizá-la para a obtenção de satisfação sexual (Bretas et al., 1999).
Em 1993, mais de 300 mil crianças nos Estados Unidos sofreram
abuso sexual. Em algumas famílias, outros membros também
haviam sofrido este tipo de violência (Bowen, 2000), que constitui
um fenômeno cada vez mais observado no nosso meio, seja por
aumento real ou por aumento de denúncias e queixas. Ainda que
se ignore sua verdadeira incidência, Guerra (2000) informa que, na
maioria dos casos, as vítimas são do sexo feminino. Sabe-se que há
uma relação entre tipo de violência e questões ligadas ao gênero.
Discorrendo sobre gênero, violência e direitos humanos, Pitanguy
(2002) se refere à persistência da invisibilidade sobre a violência de
gênero, ou seja, ainda há poucos olhos para essa violência social.
Para a autora, isso é decorrente da situação e da inserção político-
social, econômica e cultural da mulher na sociedade, no imaginário
sobre o feminino e sobre as relações de gênero.
A exploração sexual é uma das formas de violência sexual que se
caracteriza pelo contexto de mercado em que as relações sexuais,
envolvendo crianças e adolescentes, ocorrem. É uma forma de
violência que se realiza nas relações de mercado – consumo, oferta
e excedente, por meio da venda dos serviços sexuais de crianças
e adolescentes pelas redes de comercialização de sexo, pais ou
responsáveis ou pela via do trabalho autônomo (Leal; Piedade
Júnior, 2001). A exploração sexual comercial é considerada quando
se apropria comercialmente do corpo, como mercadoria para obter
lucros. São considerados exploradores o cliente que paga pelos
serviços sexuais e os intermediários em qualquer nível, ou seja,
aqueles que induzem, facilitam ou obrigam crianças e adolescentes
a serem explorados.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 244 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 245

Convivemos, em nossa sociedade, com outro tipo de violência,


pouco falada e que é entendida, muitas vezes, como um assunto de
família. A violência intrafamiliar não é fácil de ser combatida, pois,
além de ser considerada por muitos como normal ou como uma
questão particular da família, é exercida sobre os membros mais
vulneráveis da sociedade: crianças e mulheres. Há, ainda, como
agravante a “lei do silêncio”, fortemente envolvida nessa questão.
As vítimas são ameaçadas, mas seja por desinformação, medos ou
descrédito nas instituições oficiais, não se manifestam. Pode ser
aplicada, também, por pessoas que convivem no ambiente familiar,
como empregados, agregados e visitantes esporádicos (Blank et al.,
2003). Esse tipo de violência somente vem à tona quando a vítima
requer atendimento médico ou quando alguém – geralmente
externo ao âmbito familiar – a denuncia aos órgãos competentes.
No entanto, fatores, principalmente culturais, desinformação e,
ainda, a incipiente organização social, contribuem para que essas
denúncias sejam reduzidas e estejam longe de mostrar a intensidade
e gravidade do fato. Não habituados a pensar nessa violência e,
principalmente, a não vê-la como de sua responsabilidade, os
profissionais de saúde não estão atentos e não buscam, de forma
sistemática, os seus sinais. É possível que mesmo entre eles a
obrigatoriedade da denúncia, prevista no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), seja ainda amplamente desconhecida e, assim,
com mais freqüência negligenciada.
Diante do exposto, pode-se afirmar que a violência e suas conse-
qüências negativas sobre a saúde são primeiramente uma violação
dos direitos humanos, não escolhendo cor, raça, credo, etnia, sexo e
idade para acontecer. Embora ela ocorra em todas as faixas etárias,
são as crianças e os adolescentes que sofrem maiores repercussões
sobre sua saúde, por estarem em fase de crescimento e desenvolvi-
mento e, por isso, em situações de maior vulnerabilidade social.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 245 12/11/2008 10:31:04


246 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Não podemos desconsiderar que várias instituições de saúde


do Brasil atuam dentro de uma visão abrangente, atrelando cui-
dados específicos no atendimento das lesões e traumas decorrentes
de uma situação de violência, com práticas de promoção e de
prevenção. A distribuição desigual de conhecimentos, de equi-
pamentos e de recursos, somados ao preconceito e a uma certa
rejeição em trabalhar com o problema, são fatores que tornam a
ação ainda restrita e pouco visível. Portanto, é imprescindível que
a saúde, no que tange à prevenção e enfrentamento da violência,
ultrapasse os muros dos serviços e atue não apenas no atendimento
à vítima, mas na identificação precoce dos sinais e sintomas e,
principalmente, no estabelecimento de parcerias com organizações
governamentais (educação, ação social, defesa social, cultura etc.),
não-governamentais e informais, comunidades, profissionais,
serviços, programas sociais, setor privado, bem como as redes
setoriais, priorizando o atendimento integral às necessidades das
crianças e adolescentes.
Vários estudos indicam que a violência física é um agravo muito
freqüente nos serviços de saúde (Pereira; Silva; Campos, 1999;
Hetler; Greenes, 2003; Elliman; Lynch, 2000). Os sinais de violência
física contra a criança variam conforme o tipo e a intensidade das
lesões. As marcas podem ser confundidas com lesões acidentais,
decorrentes da atividade física diária da criança.
As lesões corporais apresentadas pelas vítimas compreendem
desde contusões, fraturas e queimaduras até rupturas de órgãos,
pois o castigo corporal pode constar de simples palmadas ou, até
mesmo, assumir dimensões brutais, como espancamentos com
auxílio de instrumentos (cintos, correntes, cordas), queimaduras,
choques elétricos e perfurações.
Uma criança maltratada que chega ao serviço de saúde com
graves lesões provavelmente já sofreu maus-tratos menos intensos
anteriormente sem que a ocorrência fosse denunciada.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 246 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 247

Bauer (2004) estima que anualmente ocorra um milhão de casos


de maus-tratos de crianças no mundo. O autor considera, ainda, o
fato de que muitos casos de abuso e de negligência não são notificados
ou são inconsistentes. Por isso, o número das crianças abusadas,
negligenciadas e mortas pode ser ainda mais elevado.
Santos (2000) considera que o maior número de crianças que
sofrem maus-tratos são vítimas da própria família.
Há fatores de risco comuns freqüentemente encontrados nos
casos de maus-tratos referentes aos perpetradores e às crianças. No
caso dos perpetradores, encontram-se: história pregressa de abuso
na infância seguida de isolamento social; gravidez na adolescência;
promiscuidade dos pais, com vários parceiros convivendo no mesmo
teto; falta de apego familiar (pai, mãe, filho); ausência de acompa-
nhamento pré-natal; capacidade limitada em lidar com situações
de estresse; drogas; alcoolismo; baixa escolaridade; desemprego;
e pais com doenças psiquiátricas, emocionais e de personalidade
(Pires, 2000). É importante considerar que as famílias das camadas
populares mais baixas são alvos mais fáceis de denúncias (Tomio,
2000).
Crianças maltratadas freqüentemente se tornam adultos que
maltratam (ABRAPIA, 1997). Além disso, outros agravos físicos e/
ou emocionais parecem estar relacionados aos maus-tratos durante
a infância e a adolescência.
Quando analisamos o perfil das vítimas de violência, as carac-
terísticas comumente encontradas são: crianças não desejadas, não
planejadas e que não foram aceitas desde a gravidez; pré-termos
ou crianças hospitalizadas e afastadas da mãe por longos períodos,
cujos vínculos foram abalados; crianças de gênero diferente das
expectativas ou de aspecto físico contrastante com o dos pais; crianças
ou adolescentes com capacidade intelectual ou perspectivas de vida
contrastante com a dos pais; filhos criados por outras pessoas ou

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 247 12/11/2008 10:31:04


248 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

com pais distantes que desenvolveram valores diferenciados; filhos


de relacionamentos extraconjugais; crianças de “comportamento
difícil”, hiperativas ou com transtornos de conduta; e filhos porta-
dores de necessidades especiais (Pfeiffer; Waksman, 2003; Pascolat
et al., 2001). Os maus-tratos podem envolver crianças de todas
as idades, porém predomina entre menores de 3 anos (Cardoso,
2002).
Segundo Deslandes, Assis e Santos (2005), independentemente
dos termos utilizados para nomear a violência contra crianças
e adolescentes, esta se encontra representada em toda ação ou
omissão capaz de causar lesões e transtornos a seu amplo desen-
volvimento.

As ações de saúde e a violência contra


crianças e adolescentes

No Brasil, a promulgação do Estatuto da Criança e do Adoles-


cente (ECA), em 1990, constituiu um marco histórico no que tange à
proteção de crianças e adolescentes brasileiros. Este Estatuto orienta
que “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
crianças e adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao
Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízos de outras
providências legais” (ECA, 1990, art. 13).
Outras legislações foram criadas e buscam minorar as ações de
violência contra crianças e adolescentes. Entretanto, uma lei não
muda a realidade, pois ela é uma abstração. Portanto, ela requer
um ator social que a aplique, que a faça operar sobre a realidade.
Fazem parte deste rol de atores os profissionais de saúde.
De acordo com a Portaria 1968/GM do Ministério da Saúde,
de 2001, os profissionais da saúde e da educação são obrigados a

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 248 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 249

notificar os maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes.


Ela estabelece que

os responsáveis técnicos de todas as entidades de saúde integrantes


ou participantes, a qualquer título, do Sistema Único de Saúde -
SUS deverão notificar, aos Conselhos Tutelares da localidade, todo
caso de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e
adolescentes, por elas atendidos.

Portanto, a notificação da violência ou maus-tratos contra a infância


e adolescência é obrigatória e de responsabilidade de todos os
profissionais da saúde pelo Ministério da Saúde e também para os
de educação pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para o cumprimento dessas leis, esses profissionais, além de
estarem sensibilizados quanto à sua relevância, devem estar tecnica-
mente preparados para reconhecer as várias formas deste agravo. É
necessário que os órgãos competentes disponibilizem informações e
capacitação técnica a eles, para que possam intervir adequadamente
nestas questões.

Os desafios das ações interventivas da saúde


no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil
Ao tratar sobre os desafios encontrados por profissionais e insti-
tuições que prestam atendimento a vítimas de maus-tratos, Cunha
(1998) salienta a não-aceitação da família, os limites da intervenção,
a falta de uma retaguarda de apoio, a fragilidade dos Conselhos
Tutelares e a dificuldade de capacitação dos profissionais.
No que se refere às dificuldades de notificação de maus-tratos
por profissionais de saúde, Silva (2001) pontua que falta preparo
ao profissional para identificar e lidar com os casos de maus-tratos:
ele tem medo de fazer a notificação e sofrer retaliações por parte
da família e do agressor. Além disso, há fragilidade por parte dos

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 249 12/11/2008 10:31:04


250 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Conselhos Tutelares no atendimento aos casos notificados; e desco-


nhecimento das suas atribuições, ausência de retorno em relação aos
desdobramentos dos casos notificados e de suporte necessário. Essas
situações são agravadas pela enorme demanda de atendimentos
que o profissional vive em seu cotidiano. Conforme Junqueira et al.
(2002), nem sempre os profissionais da saúde se sentem preparados
para assumir tais atribuições.
Moura e Reichenheim (2005), em trabalho realizado sobre vio-
lência física na infância em um ambulatório de pediatria de hos-
pital universitário do Rio de Janeiro, contrastaram a magnitude da
violência contra a criança, observada ativamente no ambulatório,
com a casuística espontânea do serviço. Realizaram entrevistas
com os pais ou responsáveis para verificar casos violentos. Os casos
encaminhados ao Serviço Social desse hospital representaram a
casuística no período de busca ativa. Encontrou-se elevada preva-
lência de violência física entre o casal, com eventos graves ocorrendo
em várias famílias. Em relação à criança, agressões físicas menores
foram referidas em 46% das famílias, e a forma grave, em 9,9%.
A prevalência identificada espontaneamente foi de 3,3%. Esse
estudo demonstra as oportunidades perdidas de detecção e chama
a atenção para a necessidade de rever a abordagem da violência
familiar em serviços de saúde, pois os resultados sugerem que
um número expressivo de situações de violência familiar contra
a criança deixou de ser detectado pelos profissionais do setor.
Segundo Minayo (2005), a visão do setor saúde sobre a questão
da violência tem duas vertentes. A primeira explica-se a partir de
uma reflexão filosófica e teórica. A segunda é operacional, funda-
mentada na constatação de danos biológicos, emocionais e físicos
que sua dinâmica causa na qualidade de vida das vítimas. A autora
intensifica a necessidade dos profissionais desse setor trabalharem
não apenas com modelos epidemiológicos, mas também com a com-
preensão dos contextos na abordagem dos processos violentos.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 250 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 251

Pavez (2002) relembra que os casos são distintos entre si e que,


portanto, as pessoas vítimas de violência têm necessidades distintas. A
autora reforça a idéia de que os profissionais que lidam com pessoas
vítimas de violência nem sempre levam em consideração a condição
da vítima naquele momento e o significado dessa condição.
Os profissionais da saúde, além de exercerem um papel crucial na
detecção dos casos de violência familiar, também são fundamentais
no acompanhamento dessas vítimas e nos trabalhos de prevenção
do agravo. Reforçamos a importância da equipe multidisciplinar,
reconhecendo o perfil e as necessidades individuais das vítimas e
de seus perpetradores.
Para tanto, Araújo (2004) aponta que os profissionais de saúde
devem estar capacitados para identificar e reconhecer os Sinais de
Alerta, Diagnóstico e Maus-Tratos contra a criança e o adolescente:
• lesões não compatíveis com a idade ou com o desenvolvimento
psicomotor da criança;
• lesões que não se justificam pelo acidente relatado;
• lesões em várias partes do corpo, ou lesões bilaterais;
• lesões que envolvem partes cobertas do corpo;
• lesões em estágios diferentes de cicatrização ou cura;
• história de múltiplos acidentes;
• inexplicável atraso entre o “acidente” e a procura de tratamento
médico.
É importante ressaltar que, na Política Nacional de Redução de
Acidentes e Violências, as crianças e adolescentes foram amplamente
contemplados. Esse documento contém conceitos, diagnósticos de
situação, diretrizes e estratégias para a ação do setor saúde. A ação
intersetorial é referida em todas as formas de abordagem e atuação.
Com base nessas orientações gerais, vários planos específicos e

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 251 12/11/2008 10:31:04


252 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

documentos instrucionais voltados para atenção a essa população


buscam conhecer o fenômeno da violência, a peculiaridade de cada
ação de violência e os instrumentos e estratégias utilizados para
enfrentá-la e preveni-la.
Grande parte dos casos de violência sexual não são denunciados,
o que dificulta estabelecer dados numéricos que revelem a
amplitude do fenômeno. Segundo dados fornecidos pela Secretaria
Estadual de Saúde/Coordenadoria Estadual de DST-Aids, dos 240
casos notificados em Minas Gerais no ano de 2003, 33% são de
adolescentes na faixa compreendida entre 11 e 18 anos, todas do
sexo feminino.
Em Minas Gerais, podemos considerar como estratégias utilizadas
para o enfrentamento da violência infanto-juvenil pelo setor saúde
a sensibilização e responsabilização. Uma ação de fundamental
importância tem sido a implementação dos seguintes documentos: a
Linha-guia de atenção à saúde dos adolescentes da Secretaria de Estado da
Saúde de Minas Gerais e o Protocolo de assistência à vitimas de violência no
Estado de Minas Gerais. A Linha-guia de atenção à saúde dos adolescentes
faz parte da coleção do Programa Saúde em Casa e é constituído
de diretrizes clínicas que orientam a abordagem adequada de
uma determinada condição ou patologia. Dentre as temáticas
abordadas nesse Guia, há um capítulo específico para a violência e a
vulnerabilidade social. Esse documento é um instrumento essencial
na organização do fluxo dos serviços de saúde na atenção básica
e representa um avanço ao fornecer subsídios para o acolhimento,
identificação precoce de sinais e sintomas da violência e medidas
de prevenção pela equipe de saúde. A previsão do Governo de
Minas Gerais e da Secretaria de Estado de Saúde para implantação
da Linha-guia é até o final do ano de 2008.
Compreendemos que a Linha-guia é um ganho enquanto orien-
tador de condutas para os serviços. Entretanto, interroga-se se as

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 252 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 253

questões de violência podem ser atendidas com eficiência e resolu-


tividade na atenção básica ou é necessário o encaminhamento para
um serviço de atendimento secundário. De acordo com o Ministério
da Saúde, recomenda-se que os casos de violência, principalmente
a violência sexual, devam ser atendidos nos serviços de atenção
secundária. Portanto, é nesse momento que a implantação do Pro-
tocolo de Assistência a Vítimas de Violência no estado de Minas Gerais
ocupa lugar de destaque.
O estado de Minas Gerais tem como referencial metodológico
para a implantação do Protocolo a Norma Técnica de Prevenção e Trata-
mento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e
Adolescentes do Ministério da Saúde. São estes os passos para a sua
implantação:
• sensibilização dos gestores municipais, que possuem um papel
decisivo na organização de redes integradas de atendimento, na
capacitação de recursos humanos, na provisão de insumos e na
divulgação para o público em geral;
• sensibilização e formação dos profissionais de saúde que atuarão
nos serviços de referência;
• organização da atenção que perpassa pela definição da área
física, dos equipamentos, instrumentais e recursos humanos.
Outra estratégia que contribui para a abertura de possibilidades
para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil é que em se
tratando de seres humanos temos que considerar sempre as capaci-
dades individuais e coletivas. Assim, a experiência do PAIR/MG no
setor saúde por meio das parcerias estabelecidas com as Secretarias
Municipais de Saúde comprova que, quando há o comprometimento
real dos gestores e profissionais de saúde, é possível ultrapassar as
barreiras existentes para a organização dos serviços, apostando na
efetividade de ações intersetoriais.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 253 12/11/2008 10:31:04


254 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Há, ainda, um longo caminho a ser percorrido em relação à


minimização da violência praticada contra a criança e o adolescente,
que envolve a construção de propostas cidadãs, de inclusão e
responsabilização; a capacitação dos profissionais comprometidos
com o fenômeno e sensibilizados para cumprirem e entenderem
a legislação; o avanço em direção a uma prática que supere ações
pontuais, fragmentadas e desarticuladas, produzindo ações
incompatíveis com os marcos legais, como o ECA, Portaria 1.968/
GM, entre outros.

Considerações finais

Em suma, é preciso sensibilizar e conscientizar os profissionais


de saúde sobre a complexidade do fenômeno da violência; fornecer
maior conhecimento sobre o tipo de atendimento a ser prestado às
vítimas desses agravos; disponibilizar informação e capacitação
para o diagnóstico e a intervenção; promover medidas preventivas;
e aperfeiçoar o sistema de informação sobre o perfil de morbimor-
talidade por violência na esfera federal, estadual e municipal.
Entretanto, consideramos importante salientar que a prevenção
e o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes de-
manda, para além das questões normativas, a construção de uma
rede de proteção com efetiva integração dos setores governamentais
e da sociedade civil organizada. A busca de parcerias, a disponi-
bilização de mais informações sobre o fenômeno e seus aspectos
legais, a sensibilização da sociedade, a criação e fortalecimento de
uma rede de proteção à criança e ao adolescente são estratégias
que possibilitarão a instituição de práticas e políticas de amparo,
proteção e segurança às nossas crianças e adolescentes.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 254 12/11/2008 10:31:04


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 255

Nota
1
A pediatria é a especialidade médica destinada à infância; a hebeatria é especia-
lidade que se ocupa do ciclo de vida da adolescência.

Referências
ABRAPIA. Maus-tratos contra crianças e adolescentes: proteção e prevenção; guia
de orientação para educadores. 2. ed. Petrópolis: Autores Associados, 1997.

ALLASIO, D.; FISCHER, H. Torture versus Child abuse: What’s the Difference?
Clinical Pediatrics, v. 37, n. 4, p. 269-271, abr. 1998.

ALLIN, H.; WATHEN, C. N.; MACMILLAN, H. Treatment of Child Neglect:


A Systematic Review. Psychiatry, v. 50, n. 8, p. 497-504, jul. 2005.

ARAÚJO, C. O sistema de saúde e o enfrentamento ao abuso e violência sexual cometidos


contra crianças e adolescentes. Brasil: Ministério da Saúde, 2004.

BAUER, K. A. Covert Video Surveillance of Parents Suspected of Child Abuse:


The British Experience and Alternative Approaches. Theor Med Bioeth, v. 25,
n. 4, p. 311-327, 2004.

BLANK, P. et al. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Revista


Psiquiatria Rio Grande do Sul, v. 25, abr. 2003. Suplemento 1.

BOWEN, K. Child Abuse and Domestic Violence in Families of Children Seen


for Suspected Sexual Abuse. Clinical Pediatrics, v. 39, n. 1, p. 33-39, jan. 2000.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da


violência na saúde dos brasileiros. Brasília, 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.968/GM, de 25 de outubro de 2001.


In: PFEIFFER, L.; OLIVEIRA, V. L. Notificação obrigatória de violência ou
suspeita de violência na infância e adolescência – NO, apud CAMPOS, J. A. et
al. Segurança da criança e do adolescente. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de
Pediatria, 2003.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Departamento


de Assistência e Promoção à Saúde. Coordenação Materno-Infantil. Serviço
de Assistência à Saúde do Adolescente. Violência contra a criança e o adolescente.
Proposta preliminar de prevenção e assistência à violência doméstica. Brasília:
Ministério da Saúde, 1993.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 255 12/11/2008 10:31:04


256 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

BRETAS, J. R. S. et al. O enfermeiro frente à criança vitimizada. In: CHAUD,


M. N.; PETERLINE, M. A. S.; PEREIRA, S. R. (Org.). O cotidiano da prática de
enfermagem pediátrica. São Paulo: Atheneu, 1999. Cap. 29.

CARDOSO, A. C. A. Maus-tratos infantis: estudo clínico, social e psicológico de


um grupo de crianças internadas no Instituto da Criança do Hospital das Clíni-
cas da FMUSP, 2002. Disponível em: <http://www.periodicos.capes.gov.br>.

CAVALCANTI, A. L. Maus-tratos infantis: aspectos históricos, diagnóstico e


conduta. Pediatria Moderna, v. 38, n. 9, p. 421-426, set. 2002.

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CUNHA, J. M. Atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência domés-


tica: impasses e desafios, 1998. Disponível em: <http://www.periodicos.capes.
gov.br>.

DESLANDES, S. F.; ASSIS, S. G.; SANTOS, N. C. Violência envolvendo crianças


no Brasil: um plural estruturado e estruturante. In: BRASIL. Ministério da Saúde.
Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situações de
Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Série B. Textos básicos de
saúde. Brasília, 2005. (Organização Pan-Americana de Saúde; Organização
Mundial da Saúde).

DESLANDES, S. F. Prevenir a violência – um desafio para profissionais de saúde.


Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ENSP/CLAVES, 1994.

DUBOWITZ, H.; GIARDINO, A.; GUSTAVSON, E. Child Neglect: Guidance


for Pediatricians. Pediatrics in Review, v. 21, n. 4, abr. 2000.

ELLIMAN, D.; LYNCH, M. A. The Physical Punishment of Children. Archive


Disease Child, n. 83, p. 196-198, 2000.

ESCOREL, Sarah. Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro:


Hucitec/Fiocruz, 1999.

ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça.


Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília,
1990.

GUERRA, R. D. O. Abuso sexual en niñas y niños: consideraciones clínicas.


Jornal de Pediatria, v. 76, n. 4, p. 33-38, jul./ago. 2000.

HETLER, J.; GREENES, D. S. Can the Initial History Predict Whether a Child
with a Geed Injury Has Been Abused? Pediatrics, v. 111, n. 3, mar. 2003.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 256 12/11/2008 10:31:05


A saúde e as ações de enfrentamento à violência... 257

JUNQUEIRA, M. F. P. S. et al. As notificações de maus-tratos contra a criança


e o adolescente: o caso de uma Unidade de Saúde. Pediatria Moderna, v. 38,
n. 11, p. 528-533, nov. 2002.

LATALSKI, M. et al. Intensification of the Phenomenon of Violence in the Family


Environment of Teenagers. Med., v. 59, n. 1, p. 467-473, 2004.

LEAL, C. B.; PIEDADE JÚNIOR, H. Violência e vitimização: a face sombria do


cotidiano. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

MARMO, D. B. et al. A violência doméstica contra a criança. Temas de Pediatria


Nestlé, Campinas, n. 68, 1999.

MELO, M. C. B. et al. Abordagem da criança e do adolescente vítima de maus-tratos.


Disponível em: <www.medicina.ufmg.br/spt/saped/maus_tratos.htm>. Acesso
em: 22 fev. 2004.

MERHY, E. E. O desafio da tutela e da autonomia: uma tensão permanente do ato


cuidador. Campinas, 1998. (Mimeo.).

MERHY, E. E. A reestruturação produtiva na saúde, a produção do cuidado e a carto-


grafia do trabalho vivo em ato. São Paulo: Hucitec, 2002.

MINAYO, M. C. S. Violência e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.

MINAS GERAIS. Linha-guia de atenção à saúde dos adolescentes da Secretaria de


Estado da Saúde de Minas Gerais e o Protocolo de assistência a vítimas de violência
no Estado de Minas Gerais. Disponível em: <www.saude.mg.gov.br>.

MORAIS, E. P.; EIDT, O. R. Conhecendo para evitar: a negligência nos cuidados


de saúde com crianças e adolescentes. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto
Alegre, v. 20, p. 6-21, 1999. Número especial.

MOREIRA, C. C. A criança sofre comparações. Pediatria Moderna, v. 31, n. 1/2,


p. 63, jan./fev. 1999.

MOURA, A. T. M. S.; REICHENHEIM, M. E. Estamos realmente detectando


violência familiar contra a criança em serviços de saúde? A experiência de um
serviço público do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 21, n. 4,
p. 1-15, jul./ago. 2005.

PASCOLAT, G. et al. Abuso físico: o perfil do agressor e da criança vitimizada.


Jornal de Pediatria, v. 77, n. 1, p. 35-40, 2001.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 257 12/11/2008 10:31:05


258 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

PAVEZ, G. A. O trabalho social com vítimas de violência. In: SEMINáRIO DO


NÚCLEO DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA, II. Construção
da cidadania: a vítima em debate. Belo Horizonte: Núcleo de Atendimento às
Vítimas de Crimes Violentos, 2002.

PEREIRA, S. R.; SILVA, C. V.; CAMPOS, Z. A. N. A criança e a família; uma


abordagem sobre o abuso infantil. In: ____. O cotidiano da prática de enfermagem
pediátrica. São Paulo: Atheneu, 1999. Cap. 29, p. 203-211.

PFEIFFER, L.; WAKSMAN, R. D. Violência na infância e adolescência. In:


CAMPOS, J. A. et al. Segurança da criança e do adolescente. Belo Horizonte:
Sociedade Brasileira de Pediatria, 2003.

PIRES, J. M. A. Violência na infância: aspectos clínicos. In: UNICEF. Violência


doméstica, 2000. p. 61-70.

PITANGUY, J. Gênero, violência e direitos humanos. Promoção da Saúde, Minis-


tério da Saúde, n. 6, out. 2002.

SANTORO JR. M. Maus-tratos contra crianças e adolescentes. “Um fenômeno


antigo e sempre atual.” Pediatria Moderna, v. 38, n. 6, p. 279-283, jun. 2002.

SANTOS, S. A. B. Violência intrafamiliar e suas conseqüências, 2000. Disponível


em: <http://www.periodicos.capes.gov.br>.

SARACENO B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania


possível. Belo Horizonte: Te Corá, 1999.

SILVA, K. H. Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes da rede muni-


cipal de saúde do Rio de janeiro aos conselhos tutelares: uma relação em construção,
2001. Disponível em: <http://www.periodicos.capes.gov.br>.

TOMIO, A. G. S. A violência doméstica contra crianças e adolescentes atendidos


no Conselho Tutelar do Município de Itajaí, 2000. Disponível em: <http://www.
periodicos.capes.gov.br>.

WHALEY, L. F.; WONG, D. L. A criança: seu ambiente e seu desenvolvimento.


In: ___. Enfermagem pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva. 2. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. p. 18-43.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 258 12/11/2008 10:31:05


Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben
José Joesso Alves Pereira
Rosemary Alves dos Santos Nascimento

A EDUCAÇÃO E O ENFRENTAMENTO
DA VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL
Ângulos de um problema

A educação brasileira, desde os anos de 1980, tem se pautado


pela construção da democratização da escola e pelo direito e
universalização da escolarização de crianças, jovens e adultos.
A crescente abertura de vagas na escola de Educação Básica,
acontecida a partir de então, promoveu a conseqüente e progressiva
diversificação da população que freqüenta a escola. Associado
a esse contexto, a sociedade mundial vive profundas mudanças
impulsionadas pelas grandes transformações tecnológicas, sociais
e culturais, num ritmo acelerado capaz de alterar, no âmbito das
relações sociais, os hábitos, valores, costumes, saberes, atitudes e
comportamentos dos sujeitos, impondo-lhes novos modos de viver e
solicitando que a informação e o conhecimento tornem-se essenciais
para a existência humana.
Nesse turbilhão de transformações em diferentes âmbitos e esferas,
a educação nacional brasileira enfrenta os novos tempos reconhe-
cendo a tardia ampliação dos direitos sociais e de escolarização,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 259 12/11/2008 10:31:05


260 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

numa sociedade profundamente desigual, com índices alarmantes


de pobreza e violência em que faltam oportunidades de formação
e trabalho para a maioria dos jovens e grande parte de seus pais.
Essa realidade conta, ainda, com a grave contradição caracterizada
pelo fato de que, quanto mais cedo ocorre a entrada no mundo do
trabalho, menor será a escolaridade conseguida pelos sujeitos e
menos qualificada e mais precária será a ocupação conseguida.
É nesse cenário que iremos discutir um tema tão complexo
como o da relação educação, violência e exploração sexual infanto-
juvenil.

O contexto de abordagem do tema da


violência sexual infanto-juvenil

O Plano Nacional de Enfretamento da Violência Sexual Infanto-


Juvenil, criado em 2000, destaca o fenômeno da violência sexual
contra crianças e adolescentes como um fato recorrente e que tem
sua expressão política na década de 1990, fruto da desigualdade
social de gênero, de raça e etnia. Esse fenômeno foi incluído na
agenda da sociedade civil como questão relacionada à luta nacional e
internacional pelos direitos humanos de crianças e adolescentes – Lei
8.069/90 e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
O referido plano foi apresentado e deliberado pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA),
na assembléia ordinária de 12 de julho de 2000, e constitui-se em
diretrizes nacionais no âmbito das políticas de enfrentamento da
violência sexual contra crianças e adolescentes, tratando-se de um
documento legitimado e de referência para as políticas públicas nos
níveis federal, estadual e municipal.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 260 12/11/2008 10:31:05


a educação e o enfrentamento da violência sexual ... 261

As condições objetivas para efetivação deste Plano Nacional


fundamentam-se na exigibilidade do dever da família, da comuni-
dade, da sociedade civil e do Poder Público (Constituição Federal
do Brasil – artigo 227, parágrafo 4º e a Lei 8.069/90), sustentado por
um conjunto articulado de forças e atores governamentais, não-
governamentais e organismos internacionais que, mediante mani-
festa vontade política, operacionaliza o enfrentamento da violência
sexual contra crianças e adolescentes, por meio de metodologias e
estratégias adequadas, constituídas sobre bases de consenso entre
as partes.
O Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento
à Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR) foi criado em agosto de
2002 e vem nos três últimos anos, por parte do governo federal,
operacionalizando algumas das ações previstas no Plano Nacional
de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, em especial
no que diz respeito ao atendimento social especializado, por meio
do Programa Sentinela; atendimento de saúde, por meio da rede
de referência do Sistema Único de Saúde e, na defesa de direitos,
com ações implementadas e fortalecidas pelos Conselhos Tutelares,
Delegacias de Proteção à Infância e à Juventude e Defensorias
Públicas. Desenvolve tais políticas públicas no Brasil, em resposta
às orientações contidas na Pesquisa Nacional de Tráfico de Mu-
lheres e Adolescentes para fins de Exploração Sexual, por iniciativa
da Secretaria de Estado de Assistência Social do Ministério da
Assistência Social - SEAS/MAS, da Secretaria de Estado dos Di-
reitos Humanos do Ministério da Justiça - SEDH/MJ, bem como da
Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional
- USAID (www.caminhos.ufms.br).

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 261 12/11/2008 10:31:05


262 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Relação educação e sociedade:


repercussões no campo da moral

A discussão e compreensão do tema aqui proposto exigem que


façamos uma análise em diferentes aspectos, definindo de quem
estamos falando, a qual âmbito da educação nos referimos e o que
consideramos como enfrentamento à violência sexual. Maakaroun
afirma que:

A adolescência contém, na sua expressão, a síntese das conquistas


e vicissitudes da infância e a reformulação de caráter social, sexual,
ideológico e vocacional, impostas por uma completa e radical
transformação corporal, que impõe ao indivíduo um status de
adulto. (1991: 3)

Esse adolescente é fruto da forma peculiar de sua inserção no


ciclo da vida, infância e juventude e estará dependente das relações
sociais que serão construídas no decorrer dessa vida. O processo de
educar é social e integra práticas sociais e políticas que compõem a
dinâmica de funcionamento da sociedade. A sociedade, por sua vez,
recria e perpetua as condições de sua própria existência e, à medida
que se transforma, a educação reflete novas necessidades inspiradas
por ela. Podemos, entretanto, afirmar que essas necessidades são
interpretadas de maneira diversa e conforme interesses de grupos
que disputam o poder dentro dessa sociedade. São interesses contra-
ditórios, definidos por concepções de vida e de mundo que também
se contrapõem desenvolvendo em cada camada social sua própria
visão de educação do jovem dependendo de suas necessidades
vitais, sociais e culturais. Isso significa que a nossa relação com a
vida e a realidade estará carregada de significados que servirão
para nos orientar em nossa forma de agir, como adultos no mundo
e no trabalho.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 262 12/11/2008 10:31:05


a educação e o enfrentamento da violência sexual ... 263

Retornando à definição de adolescência, salienta-se que essa


faixa de idade é a mais propícia à exposição de agravos inusitados
com problemas relacionados ao crescimento e desenvolvimento
físico e emocional, desajustes familiares e escolares, abandono,
prostituição, problemas de gravidez precoce, aborto, doenças
sexualmente transmissíveis, enfermidades infecciosas e parasitárias,
violência social, acidentes de trabalho, drogadição, alcoolismo e
outras exposições dependentes do meio sociocultural em que vive
o jovem em formação.
Durkheim foi o primeiro sociólogo que elaborou um pensamento
sistemático sobre o campo da educação. Em seu livro Educação e
sociologia, o autor discute dentre as funções da educação o papel
de perpetuar e reforçar na criança um conjunto de idéias e crenças,
comportamentos e atitudes essenciais reclamados pela vida coletiva.
A educação seria, para a sociedade, o meio pelo qual prepararia as
condições de sua própria existência, daí, para o autor, a clássica
definição de educação:

A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as


gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social,
tem por objeto suscitar e desenvolver na criança certo número de
estados físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade
política, no seu conjunto, e, pelo meio especial a que a criança se
destine. ([s.d.]: 41)

A natureza do processo educacional, em Durkheim, ao contrário


do que parece, não se constitui num processo de tirania e dominação,
haja vista a concepção de valor positivo que o autor vê na sociedade.
Para ele, o homem se torna realmente homem, em sociedade, e a
moral coletiva é uma construção dos indivíduos, que os ultrapassa
nesse valor coletivo. Segundo alguns autores, a educação é sinônimo
de humanização. O homem se faz na medida em que é um produto
da sociedade, isto é, o processo de se tornar homem acontece à

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 263 12/11/2008 10:31:05


264 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

medida que domina seus instintos animais e interioriza a cultura


adquirindo novas qualidades físicas, emocionais e cognitivas.
Adquire um “ethos, um sistema de hábitos mentais e práticos, uma
concepção de realidade, uma forma de vida, uma moral concreta e
uma formação profissional”(Ibidem: 88). Nesse contexto, o conteúdo
básico da educação é a disciplina que assegura a regularidade
do comportamento social e o cumprimento dos papéis sociais, a
adesão e a fidelidade aos grupos sociais. Assim, a educação inculca
o sentimento e a realidade do poder e da autoridade do meio social
ou da cultura.
Nesse raciocínio, Durkheim afirma, ainda, que “quer se trate
dos fins a que vise, quer se trate dos meios que empregue, é sempre
às necessidades sociais que ela tende; são as idéias e sentimentos
coletivos o que ela exprime” (Ibidem: 89). Nesta perspectiva o autor
nos lembra que é à sociedade que devemos ter por referência e
que são as suas necessidades que devemos conhecer e atender.
Dessa forma, cada povo e cada grupo considerado possuem uma
moral definida que determinará critérios segundo os quais os
julgamentos serão referendados. Desta forma podemos falar de
uma moral comum, coletiva, e outra infinidade de espécies de
moralidades expressas individualmente pelos sujeitos de maneira
particular que estão referenciados pelos grupos do qual fazem
parte. A primeira apresenta-se de maneira objetiva, impessoal, como
referência comum, e a segunda situa-se no campo da diversidade
das consciências morais individuais.

A educação e a sociedade brasileira

A discussão, desenvolvida por Durkheim, nos leva a pensar


sobre o contexto nacional e nessa rede de valores que são as nossas
referências na construção da moralidade coletiva e individual.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 264 12/11/2008 10:31:05


a educação e o enfrentamento da violência sexual ... 265

Rezende (1998) aborda a questão da desigualdade e da violência


como fatores presentes na constituição da sociedade brasileira.
Fundamenta-se em Sílvio Romero (1943) e Euclides da Cunha
(1966), dentre outros.
Em Sílvio Romero, encontramos análises que revelam funda-
mentos de uma economia que nunca gerou meios de sobrevivência
para a maioria da população, com desdobramentos sociais e políticos
que transformaram as condições de pobreza, miserabilidade e
analfabetismo em benesses para os latifundiários e para o governo
(Apud Rezende, 1998: 75). Já Euclides da Cunha, autor de Os sertões,
considera que a simbiose da escravidão com o ouro no ciclo da
mineração teria feito penetrar na organização social brasileira a
mais extrema violência que teve como resultado o processo de
potencialização da exclusão e da desigualdade. O autor chama a
atenção sobre a “dívida de mais de 400 anos com a população, já que
durante todos estes séculos não teria havido qualquer empenho dos
setores preponderantes em reverter as condições de desigualdade,
de exclusão e de violência” (Rezende, 1998: 79).
Nesse contexto, tomando por base as concepções de educação e de
adolescência ditas anteriormente, podemos perguntar: quais são os
padrões éticos e morais que existem hoje na nossa sociedade capazes
de delinear parâmetros de educação e formação dos jovens?
Para Rezende, a compreensão da constituição das condições da
violência e da exclusão sociais permite um redimensionamento das
visões que são passadas no cotidiano das relações sociais em que
esses fenômenos são naturalizados, para, a partir daí, construir-se um
caminho por onde se pode trilhar novos sentidos com a compreensão
crítica da realidade social produtora de condições de violência (1998:
90) e criar-se novos rumos de ações políticas.
No momento, os processos de redemocratização da sociedade
brasileira vividos desde os anos de 1980, com a Nova República, e

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 265 12/11/2008 10:31:05


266 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

os movimentos sociais em torno da constituinte, culminando com a


Constituição de 1988, retratam as tentativas de construção de políti-
cas renovadas para a Educação Nacional sendo que, em dezembro
de 1996, tivemos promulgada uma nova Lei de Diretrizes e Bases
para a Educação Nacional.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

Art.1º - A educação abrange os processos formativos que se desen-


volvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organi-
zações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Art. 2º - A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(LDB nº 9.394, 20/12/1996, Art.: 1º e 2º)

O termo Educação tem, num sentido abrangente, envolvido a


educação formal, não formal, continuada, a distância, ambiental,
sexual e outras. Essa educação é responsabilidade da família e do
Estado, condição que tem sua origem na Constituição do país de
1988, em seus diferentes artigos, 203, 227, 205, 229. Segundo os
ditames da lei, o processo de educação se faz a partir do pleno
desenvolvimento do educando, o que significa considerá-la como
um processo intencional que prevê uma trajetória harmoniosa e
progressiva, com aprendizagens desenvolvidas segundo a evolução
do próprio ser humano. Por outro lado, o conceito de cidadania
centra-se na condição básica de ser cidadão, titular de direitos e
de deveres. Ao mesmo tempo, complementa-se essa condição de
ser educado, com o direito à qualificação para o trabalho, relação
entendida como a necessidade de fazer do trabalho socialmente
produtivo um aspecto fundamental da dinâmica educacional e,
também, escolar.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 266 12/11/2008 10:31:05


a educação e o enfrentamento da violência sexual ... 267

Novamente perguntamos: até que ponto o meio social, as polí-


ticas educacionais, as condições de trabalho dos docentes e as con-
dições socioculturais dos estudantes estão permitindo a realização
dessa perspectiva ideal presente na legislação?
Nos termos da lei, a política educacional, fundada em ideais
humanos e pelo pleno desenvolvimento dos cidadãos, se depara
com a problemática da violência, do abuso e exploração sexual
infanto-juvenil, cujo fenômeno pode ser considerado um contra-
senso dos princípios legais e fundamentais que regem as diretrizes
e bases da educação nacional.
Na realidade, a violência sexual envolvendo o abuso e a
exploração caracteriza uma situação que requer políticas públicas e
mobilização da sociedade brasileira, que paulatinamente vêm sendo
criadas e desenvolvidas nos âmbitos federal, estadual e municipal,
como foi dito anteriormente, exigindo um trabalho em todos os
setores destes governos, fundamentalmente, nas áreas do social,
saúde e educação.

Em busca de novas políticas


e de novas relações sociais

A educação nacional encontra no Programa de Ações Integradas


e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil
consonância nas suas metas de políticas públicas, educacionais,
preventivas da violência, principalmente, no sentido de buscar
desenvolver estudos quantitativos e qualitativos, bem como cam-
panhas de sensibilização e mobilização da sociedade, dentro de uma
perspectiva de fortalecimento de articulações nacionais, regionais
e locais, na tentativa do enfrentamento.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 267 12/11/2008 10:31:05


268 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

No contexto, a escola convive, diante de tais políticas, com


situações novas que há algum tempo não eram cogitadas em seu
cotidiano. Temas como uso de drogas, violência entre estudantes
e entre estudantes e docentes, gravidez na adolescência, desorga-
nização familiar, são assuntos que demandam a atenção e trabalho
de educadores, pais e educandos.
Por outro lado, esses temas têm circulado pela mídia com uma
constância cada vez maior, em noticiários, novelas, jornais, sendo
crescente a preocupação instalada na sociedade sobre as implicações
que essa realidade passa a trazer para o cotidiano das pessoas.
Parece-nos, entretanto, que conceituar violência na educação e
na escola não seja algo muito simples. Pesquisas têm apontado a
dificuldade de demarcação do conceito em razão de ausência de
registros sobre fatos de violência no contexto da escola, havendo
“transgressões comportamentais e disciplinares” assim consideradas
(Peralva, 1997), por vezes perpassadas pelos significados específicos
que os atos têm para os sujeitos implicados nas relações.
A discussão da democratização das relações pedagógicas
na escola tem apontado a tradição escolar como um espaço que
naturalizou historicamente a violência simbólica, sendo por isso
não considerada como tal. Como afirma Durkheim, se vivêssemos
uma sociedade positiva, essa inculcação simbólica estaria calcada
num bem comum e individual para os sujeitos em processo de
educação. Mas de qual sociedade estamos falando? Os processos de
avaliação escolar, por exemplo, são rituais de julgamento, capazes
de potencializar a violência em contextos diversos. O sistema de
verificação da aprendizagem por meio de notas, que geram fracassos
precoces no decorrer do ano letivo, também são fortes indiciadores
de sentimentos de impotência diante da realidade escolar e do
futuro de uma escolarização capaz de beneficiar a qualificação
profissional. Esses contextos são geradores de sentimentos de
humilhação, recrudescimento da indisciplina e, potencialmente,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 268 12/11/2008 10:31:05


a educação e o enfrentamento da violência sexual ... 269

da agressão, tanto entre os pares quanto entre os estudantes e o


professor e a instituição escolar como um todo, representante legal
da sociedade.
Os anos de 1990 foram profícuos na busca por novas práticas
curriculares e novas perspectivas de organização escolar pela cons-
trução de novas relações pedagógicas. Propostas construídas por
sistemas municipais foram consideradas ousadas e inovadoras, como
a Escola Cidadã em Porto Alegre, a Escola Candanga em Brasília
e a Escola Plural em Belo Horizonte, porque fundamentaram-se
no direito à educação e escolarização pública de qualidade e na
inclusão. Essas propostas apontaram os processos de avaliação
como os grandes causadores da exclusão escolar e da construção
da desigualdade frente às chances de aquisição do conhecimento
socialmente disponível. No entanto, muito se tem discutido sobre a
eficácia desses programas e sobre as possibilidades de sobrevivência
de seus princípios, em razão dos inúmeros desafios que enfrentam.
Desafios de uma sociedade desigual que reflete as dificuldades
vividas pelo povo brasileiro, desafios dos docentes na tentativa de
construírem uma nova realidade pedagógica para o estudante da
camada popular.

Perspectivas na educação sexual do jovem


Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais produzidos pelo
governo federal para a Educação Básica) delineiam um trabalho
de orientação sexual na escola, entendido como a possibilidade
de problematizar, levantar questionamentos e ampliar o leque de
conhecimento e de opções para o aluno na escolha do seu caminho.
Acredita, assim, que o trabalho de orientação sexual dentro das
escolas contribuirá para a prevenção da violência sexual infanto-
juvenil, quando informa e discute os diferentes tabus, preconceitos,
crenças e atitudes existentes na sociedade diante da temática.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 269 12/11/2008 10:31:05


270 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Do ponto de vista dos PCNs, a orientação sexual na escola


deve se pautar por diretrizes de trabalho que respeitem o desen-
volvimento cognitivo infanto-juvenil dos estudantes, bem como os
conteúdos que associam a afetividade, a cidadania e a ética. Nesse
contexto pedagógico, faz parte do trabalho da escola não apenas
a função de ensinar, mas de formar cidadãos conscientes de seu
papel na sociedade, tornando-os capazes de enxergar a realidade
e ter discernimento ao agir.
Sabe-se que a sexualidade tem grande importância no desen-
volvimento e na vida das pessoas, pois, independentemente da
potencialidade reprodutiva, relaciona-se com a constituição da
própria personalidade, na busca de si e de sua relação com o meio,
do prazer social antes mesmo do sexual, necessidade fundamental
dos seres humanos. Nesse sentido a sexualidade é entendida como
algo inerente, que se manifesta desde o momento do nascimento
até a morte, de forma diferente a cada etapa do desenvolvimento
humano. Sendo a sexualidade construída ao longo da vida, encontra-
se necessariamente marcada pela história, cultura e ciência, assim
como pelos aspectos e sentimentos, singulares de cada indivíduo,
cujas manifestações afloram em todas as faixas etárias do desenvol-
vimento humano.
Entretanto, ignorar, ocultar ou reprimir a orientação sexual
infanto-juvenil são as respostas mais habituais de muitos profis-
sionais da educação, pois estes consideram que o tema deve ser
tratado exclusivamente pela família. De fato, toda família realiza
a educação sexual de suas crianças e jovens, mesmo aquelas que
nunca falam abertamente sobre o assunto, pois o comportamento
dos pais entre si na relação com os filhos, no tipo de cuidados reco-
mendados, nas expressões, gestos e proibições que estabelecem no
cotidiano estão carregados de valores e significados.
Existem inúmeras fontes na educação sexual infanto-juvenil:
livros, pessoas que não pertencem à família e, principalmente nos

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 270 12/11/2008 10:31:05


a educação e o enfrentamento da violência sexual ... 271

dias de hoje, a mídia, cuja fonte atua de maneira informal e decisiva


na orientação sexual de crianças, jovens e adultos. A TV veicula
propaganda, filmes e novelas intensamente sensuais, gerando, em
muitos momentos, excitação e incremento na ansiedade relacionada
às curiosidades e fantasias sexuais da criança. Tais manifestações
da erotização infanto-juvenil são percebidas em formas escritas em
portas de banheiros, muros e paredes da cidade e do espaço escolar;
ela invade, a todo o momento, a escola, por meio de atitudes dos
alunos em sala de aula e da convivência social entre eles. Por vezes
a escola realiza o pedido impossível de ser atendido, de que seus
alunos deixem sua sexualidade fora dela.
A escola a todo instante se depara com situações nas quais precisa
intervir seja no cotidiano da sala de aula, quando proíbe ou permite
certas manifestações da sexualidade do educando, seja quando
opta por informar os pais sobre tais manifestações dos seus filhos,
e, nesses momentos, transmite também seus valores.
Se assim o faz, torna-se importante que esse trabalho de orientação
sexual formal e sistematizado se transforme em meta da escola, por
ser este um espaço educacional de formação tanto do educador
quanto do educando. Se organizado de maneira institucional, pode
contribuir para uma formação saudável, geradora do enfrentamento
e prevenção do abuso e exploração sexual infanto-juvenil futuras.
A educação para a saúde tem precisamente por objetivo modificar
atitudes e condutas equivocadas ou errôneas, comuns às pessoas
e, especialmente, ao grupo infanto-juvenil que obtém informações
muitas vezes de fontes não qualificadas. Educar significa, antes
de tudo, permitir que os adolescentes se tornem “competentes”
na condução de suas vidas, isto é, conhecedores de si próprios
com conhecimentos bastantes para cuidarem de si em diferentes
momentos. Existe uma curiosidade natural sobre a puberdade e as
alterações físicas que acontecem no corpo.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 271 12/11/2008 10:31:05


272 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Estudos demonstram que grande parte dos adolescentes não


consegue obter informações precisas e corretas sobre as questões
que afetam essa fase da vida, sobre a sexualidade e o comporta-
mento sexual humano. Programas de educação sexual regulares
nas escolas são fundamentais, mas tornam-se imprescindíveis,
também, programas de educação sexual aos educadores para que
possam ter noções claras e conhecimentos científicos precisos e para
que, nesses processos, possam reviver as suas próprias histórias de
vida, constituindo sua sexualidade, sua vida sexual na perspectiva
de entenderem vínculos, diferenças e semelhanças com a realidade
atual vivida pelos jovens da nossa sociedade.

Considerações finais

Uma vez que a educação brasileira vive os novos tempos reco-


nhecendo a necessidade e urgência da adaptação de suas diretrizes
e bases, frente a uma realidade nacional, onde o social, o político e
o econômico demandam, antes de tudo, um trabalho voltado para
a perspectiva de humanização do cidadão brasileiro, é emergente
a participação de todos na construção desse conceito de educação
que envolve uma ação intensiva e massiva em políticas públicas
sociais, econômicas, educacionais e de proteção.
Por outro lado, mudar a educação exige também que mudemos
o contorno das relações sociais vividas pela população brasileira e
a discussão profunda dos valores que estão entremeados nessas
relações. Exige, também, que propiciemos a mudança de educa-
dores, pais e professores, envolvendo a discussão de seus modos
de vida e projetos de futuro. A sala de aula, por exemplo, tem sido
definida por uma dinâmica de papéis e de condutas fixas a serem
desempenhadas por alunos e professores, que impossibilitam con-
tatos legítimos entre ambos. Isso acontece no interior das famílias.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 272 12/11/2008 10:31:05


a educação e o enfrentamento da violência sexual ... 273

O processo tende a se desenrolar num formato massificador, e o


conhecimento de quem são os sujeitos se traduz por representações
superficiais, preconcebidas e pouco construtivas. As práticas
sociais, que definem o significado do que é cultura legítima, eru-
dita, popular ou universal, perpassam as relações de poder num
cenário pedagógico, congelado e fixo, que pouco dialoga sobre
as diferenças existentes entre concepções e padrões de referência
valorativa, conferindo lugar garantido aos sujeitos e seu contexto
social. Essa dinâmica desqualifica, humilha, desumaniza e se traduz
em violência de diferentes formas.
Qual é a função social da escola inserida numa realidade como
a nossa? Se a sociedade não se apresenta de maneira positiva para
o cidadão que nela vive, para o jovem que nela se forma, como con-
ceber o sistema escolar institucionalmente constituído, segundo a
sociologia clássica, definida tão bem por Durkheim? Como obter a
adesão do jovem a essa escola? E a sua adesão aos valores de huma-
nização e disciplina sociais, quando a própria sociedade violenta as
referências éticas básicas e submete os cidadãos à violência brutal
em busca da sobrevivência diária?
O período de formação do ser adulto se concretiza pela conquista
da autonomia em relação às escolhas possíveis no decorrer da vida,
na escolha da identidade sexual e social, na escolha profissional, na
escolha do tipo de atuação no interior do grupo de pares, escolhas
que, conseqüentemente, serão responsáveis pela aquisição de uma
concepção de vida e de mundo e de formas de ser nesse mundo.
Estamos diante de problemas e dilemas educacionais graves.
A escola como instituição social está atônita diante daquilo que
reflete. Ao mesmo tempo os profissionais da educação estão per-
plexos frente ao descaso das políticas públicas em relação à sua
própria condição de educadores. A sociedade civil não consegue
enfrentar o problema, se trancafia em suas moradias e condomínios

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 273 12/11/2008 10:31:06


274 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

e o transfere aos representantes políticos legais. Estes, por sua vez,


fragmentadamente, empunham bandeiras pontuais diante de uma
realidade que a todo instante cresce como uma enorme bola de neve
rumo a um caos social.
O que fazer?
É fundamental termos noção clara do problema, do seu tamanho
e da sua extensão, mas não podemos perder tempo. Urge uma
tomada de posição coletiva frente à vida. A vida de nossas crianças
e jovens, cidadãos brasileiros.

Referências

BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.


Plano nacional de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Brasília, 2001.
(Mimeo.)

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. 9. ed. São Paulo: Melhoramentos,


[s.d.].

ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça.


Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília,
1990.

MAAKAROUN, Marilia de Freitas; SOUZA, Ronaldo Pagnoncelli de; CRUZ,


Amadeu Roselli et al. (Org.). Tratado de adolescência: um estudo multidisciplinar.
Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1991.

PERALVA, Angelina. Escola e violência nas periferias urbanas francesas.


Contenporaneidade e Educação, II, n. 2, p. 727, set. 1997.

REZENDE, Maria José de. A sociologia brasileira e a problematização da desigualdade


e da violência: subsídios para professores e alunos do ensino médio. Laboratório
de Ensino de Sociologia. Projeto de Extensão do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Estadual de Londrina-UEL, 1998.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 274 12/11/2008 10:31:06


G e o vâ n i a L ú c i a d os S an to s

A EDUCAÇÃO NA EXPANSÃO PAIR/MG


Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim

Educar/trans-formar
Educar para trans-formar
Trans-formar para educar
Educar para se trans-formar
Trans-formar(se) para educar
Educar-se trans-formando
Trans-formar(se) educando
Educar a quem?
Trans-formar a quem?
Educar o quê?
Trans-formar o quê?
Educar o homem
Trans-formar o mundo do homem

A formação dos agentes/educadores que atuam no atendimento,


proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias nos muni-
cípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, para o enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil, tomando-se por referência o setor
da educação, foi concebida e executada de modo a contemplar a
importância deste setor das políticas públicas para o planejamento
e execução de ações de caráter protetivo e preventivo e para a arti-
culação da rede de proteção integral à criança e ao adolescente.
A compreensão da escola enquanto um espaço/rede prioritário
de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil e que, portanto,
deve ser orientada e fortalecida para aprimorar o exercício desta
dimensão de seu fazer educativo foi uma das premissas sobre as

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 275 12/11/2008 10:31:06


276 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

quais edificamos o diálogo construído junto aos agentes de cada


município em geral, e aos profissionais da educação, de modo mais
específico.
A consideração das especificidades de cada município, no tocante
aos limites e possibilidades que seu serviço de educação tem, foi
um importante aspecto enfatizado em nossas discussões. Isto por
entendermos que a capacidade de articulação da educação com os
demais atores da rede de proteção integral local para enfrentar o
fenômeno passa, necessariamente, pelas condições de que o setor
dispõe para o planejamento e execução de ações integradas.
No que se refere ao papel deste setor nas ações de enfrentamento
ao fenômeno, partimos da premissa de que a educação consiste
em um dever da família e do Estado e em um direito extensivo a
todos os cidadãos, tendo por finalidade o “pleno desenvolvimento do
educando” (Lei n. 9.394/96).
O atendimento a este princípio básico de nossa legislação, ou
seja, a efetivação do direito à educação escolar para todas as crianças
e adolescentes consistiu, portanto, no primeiro elemento conside-
rado na reflexão acerca do papel da educação no enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil. Isto porque a presença efetiva das
novas gerações no espaço/ambiente escolar é condição fundamental
para que os(as) profissionais do setor possam atuar preventiva e
protetivamente junto a este segmento.
Assim, as reflexões foram orientadas no sentido de consolidar a
concepção da educação básica como um direito e, por conseguinte,
de sua universalização como condição essencial para a disseminação
do conhecimento socialmente produzido e acumulado para a
formação da sociedade numa perspectiva democrática de respeito
à diversidade e aos direitos humanos.
Esta forma de conceber a educação colocou-nos diante da com-
preensão da escola como sendo “um espaço social privilegiado onde

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 276 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 277

se definem a ação institucional pedagógica e a prática e vivência


dos direitos humanos” (Brasil, 2007: 23). Assim, a importância da
instituição no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil
sustentou-se na compreensão de que

nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de


concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de
consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da
formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de
desenvolvimento de práticas pedagógicas. (Idem)

Por outro lado, a atual orientação da educação nacional no sen-


tido de contemplar, no interior das instituições públicas de ensino,
toda a diversidade socioeconômica, étnica e cultural presente em
nossa sociedade, dando a cada segmento o tratamento e a promoção
adequados, também foi considerada um elemento de reforço ao
enfrentamento. Trata-se de uma estratégia bastante positiva e que
deve efetivamente ser incorporada nos fazeres e práticas educativo-
pedagógicas escolares, visto ser largamente reconhecido o fato de
as crianças e adolescentes negras, do sexo feminino, de famílias
socioeconomicamente empobrecidas, liderarem as estatísticas de
vitimização por esta prática.
Para além da presença efetiva das crianças e adolescentes nas
instituições de ensino, enfatizamos, nas discussões realizadas na
capacitação/formação nos três municípios, a necessidade de que a
qualidade do atendimento ao público escolar seja constantemente
aprimorada, tanto no que se refere às condições e recursos humanos
e materiais, quanto em relação à adequação do tempo-espaço da
jornada escolar às necessidades preventivas no tocante ao fenômeno
ora em foco.1
Ao tratarmos da qualidade da educação escolar, o eixo central
das discussões foi a construção do entendimento de que a educação

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 277 12/11/2008 10:31:06


278 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

deve se pautar pela compreensão das crianças e adolescentes como


“cidadãos em condições peculiares de desenvolvimento” (ECA,
1990) e que tem, portanto, que ter garantido, ao longo de seu pro-
cesso formativo-escolar, “o direito a um desenvolvimento sexual
natural e saudável” (Koshima, 1999: 136). Isto, por sua vez, implica
o adequado tratamento da sexualidade que, sendo um elemento
constitutivo do ser humano, é inerente a todas as fases da vida.
Uma vez construído o entendimento da educação enquanto um
direito universal, da necessidade de que a prestação deste serviço se
dê em conformidade com alguns princípios básicos que têm orien-
tado a reflexão acerca do papel que é socialmente atribuído a esta
política pública social, e dos modos de ver e lidar com a infância e
adolescência na atualidade, o diálogo seguinte com os educadores
dos municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim, teve, como um
de seus objetivos principais, a reflexão em torno dos desafios com
que os(as) profissionais da área, notadamente da educação escolar,
se deparam, e cujo enfrentamento é tarefa fundamental para que
eles(as) possam contribuir efetivamente no sentido da garantia de
proteção integral à criança e ao adolescente.
Estes diálogos foram realizados nos referidos municípios por
meio de uma exposição dialogada, seguida da reflexão, em um
GT específico, com profissionais do setor, acerca dos elementos
que, estando presentes no fazer cotidiano das escolas e no setor da
educação como um todo, são indicativos das fortalezas, oportuni-
dades, fraquezas e ameaças que potencializam o enfrentamento ao
fenômeno. Ao propormos esta atividade objetivávamos contribuir
para que os(as) participantes fizessem um diagnóstico preliminar
do setor da educação por meio de uma análise interna, voltada para
identificar

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 278 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 279

a capacidade institucional para solução do problema, o potencial


e as fragilidades, seja em relação aos aspectos materiais, concretos
(condições de infra-estrutura, recursos humanos, recursos finan-
ceiros, capacidade de articulação com outras instituições etc.) seja
com relação aos aspectos imateriais, subjetivos (qualificação dos
recursos humanos, entendimento quanto à importância das ações
etc.), dentre outros aspectos que forem considerados importantes...
(Cunha, 2007: 9)

Por fim, o material produzido no GT foi apresentado e dialogado


junto a todos(as) os(as) participantes da capacitação/formação na
plenária de fechamento dos trabalhos.
Muitas foram as questões surgidas nestes diálogos e, dentre
todas, destacamos três para sistematizar aqui, dada a recorrência
de falas a elas referidas, quer consideremos a exposição dialogada,
quer consideremos as discussões realizadas no GT. São elas:
1. o contexto sócio-histórico e cultural atual e os desafios que ele
coloca à atuação dos profissionais da educação;
2. a capacitação/formação técnico-profissional e humana dos edu-
cadores e demais profissionais da área para atuarem protetiva e
preventivamente frente à violência sexual infanto-juvenil;
3. os limites e possibilidades de a escola atuar protetiva e preven-
tivamente no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil,
considerando-se os recursos de que dispõe, bem como aqueles
que lhe faltam.
A seguir, apresentamos uma síntese dos diálogos construídos
pelos agentes entre si e entre eles e a equipe de capacitadores/
formadores, tomando por referência cada um dos três aspectos
apontados acima e tentando, na medida do possível, trazer parte
da riqueza das discussões realizadas nos três municípios em torno
destas questões.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 279 12/11/2008 10:31:06


280 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Contexto sócio-histórico e cultural atual

Tendo sido iniciada a partir da discussão do Eixo Marco Con-


ceitual, a compreensão de que vivemos em uma sociedade adulto-
cêntrica e machista, na qual o patriarcalismo ainda vigora – muito
embora venha sendo gradativamente superado enquanto modelo
privilegiado de organização sociofamiliar –, foi um dos elementos
que se destacaram como obstáculo à adequada ação dos profis-
sionais da educação no enfrentamento.
A sobrevivência e mesmo forte presença (em alguns casos)
destas concepções no imaginário social mantém vigentes, em
muitos aspectos, princípios e representações que são antagônicos
à cultura da proteção integral à criança e ao adolescente, conforme
ressaltado por Rebouças:

...os principais protagonizadores de todos os tipos de violência


que incidem sobre essas crianças e adolescentes são os adultos e
os homens. (...) são os adultos que determinam de maneira autori-
tária as diretrizes que as crianças devem seguir sem considerá-las
sujeitos de direitos, e que é o patriarcado que legitima as relações
de hierarquia, predominando o poder e a dominação dos homens
sobre as mulheres. (2003: 14)

Corroborando esta perspectiva, Walter Ude afirma que muito


embora “o modelo patriarcal, no qual o homem é concebido como
único provedor da família e a mulher como cuidadora da prole...”
(Ude, 2003: 71) não seja mais predominante nos lares contempo-
râneos, o “...imaginário familiar patriarcal ainda prevalece entre a
maioria da população do nosso país”, complementa o autor (Ibidem:
71-72).
Assim, apesar de nossa organização social já ter avançado
no sentido de conceber relações menos verticalizadas no âmbito
da organização familiar, segundo a opinião de alguns(mas)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 280 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 281

educadores(as) participantes da capacitação/formação, o fato de


vivermos numa sociedade cujos modelos de orientação de condutas
se pautam, em grande medida, nos elementos anteriormente
apontados – adultocentrismo, patricarcalismo e machismo – segue
impondo outros pesados obstáculos à ação preventivo-protetiva
no âmbito da educação.
No que se refere à sexualidade, nosso antagonismo social ainda
se revela na ambigüidade de uma moral social que varia da permis-
sividade extrema que estimula, ao moralismo repressor que con-
dena e culpa, ficando aos(às) educadores(as) a tarefa de encontrar,
entre estes dois extremos, o caminho mais adequado para abordar
a temática junto ao público e à comunidade escolar, de modo a
nem estimular a permissividade e nem reproduzir acriticamente o
moralismo repressor.
Assim, a compreensão deste contexto e de suas implicações no
universo infanto-juvenil torna-se fundamental para que a escola
possa contribuir, tanto no sentido da efetivação do princípio da
proteção integral, participando ativamente do enfrentamento à
violência sexual (como situação já instaurada, ou mesmo como
risco de vir a se instaurar), quanto na criação de condições para
que, gradativamente, essa nova forma de pensar e agir frente ao
fenômeno em especial, e à criança e ao adolescente, de modo mais
específico, se dissemine por toda a sociedade.
Portanto, a tarefa atribuída à escola no campo do enfrentamento
à violência sexual infanto-juvenil mostra-se ainda mais complexa e
estratégica, pois, como instituição formadora que é, “tem um papel
fundamental na desconstrução da violência simbólica e da cultura
da inferiorização de gênero, de raça, de classe social e de geração”
(Faleiros; Faleiros, 2007: 31).
Nos diálogos construídos nas ações de capacitação/formação da
expansão do PAIR/MG, foi possível perceber que há entre os(as)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 281 12/11/2008 10:31:06


282 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

agentes a compreensão de alguns fatores que, estando enraizados


no imaginário social, acabam, muitas vezes, sendo tomados como
justificativas para esta forma de o adulto ser e estar com e em relação
às crianças e adolescentes.
A permanência da crença de que crianças e adolescentes são
propriedade dos pais, considerados, portanto, como objetos de
direito daqueles, constitui um dos obstáculos ao enfrentamento na
educação. Isto porque nesta forma de compreender o lugar/papel
social das crianças e adolescentes, não lhes cabe direito à fala e/ou à
expressão de suas vontades; eles são considerados os infantus – sem
fala/voz – (Ariès, 1981) da sociedade. A correspondência deste lugar
da criança e do adolescente para os adultos é também o lugar do
silêncio: silêncio que revela a surdez de quem insiste, muitas vezes,
em não ouvir o que não se cala diante da percepção adulta.
A emergência desta questão em nossas discussões corroborou
a visão já consolidada no tocante à violência sexual infanto-juvenil
de que “é grande o silêncio que cerca essa questão, onde existe a
reticência e o medo das crianças em falar, e a surdez e o medo dos
adultos e da sociedade em escutá-las” (Koshima, 1999: 133).
A afirmação de que quem põe, dispõe, lembrada por uma educa-
dora como um dito popular antigo mas ainda em voga, ilustra a
crença social na legitimidade dos pais/responsáveis para agirem
como melhor lhes convier no referente àqueles(as) que estão sob
sua responsabilidade. Trata-se, nesta concepção, do legítimo direito
que os adultos acreditam ter sobre aquilo/aqueles que “põem no
mundo”:

Autoritarismo, machismo, preconceitos e conflitos em geral


articulam-se com as condições de vida das famílias, e as questões
de poder se manifestam nas relações afetivas e na sexualidade. É
nesse contexto de poder que deve ser analisada e compreendida
a violência de adultos contra crianças e adolescentes. A violência

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 282 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 283

familiar é, pois, uma forma de relacionamento ancorada na história


e na cultura brasileira. (Faleiros; Faleiros, 2007: 47)

Embora nossa sociedade já tenha avançado no sentido de reco-


nhecer que crianças e adolescentes são “cidadãos em condições
peculiares de desenvolvimento” (ECA, 1990) a quem cabe pro-
teger e promover (e não propriedade de outrem), sabemos que
representações como esta ainda orientam o modo como parte do
mundo adulto lida com as novas gerações. Portanto, ao silêncio das
vítimas, que compromete as ações de enfrentamento, sobrepõe-se
o dos adultos, uma vez que, sendo a criança e o adolescente pro-
priedade dos pais, não cabe a nenhum agente externo interferir
nesta relação, mesmo que a integridade física e/ou psicológica da
parte mais fragilizada e vulnerável esteja sob risco.
Quando relacionada à educação, esta crença revela uma de suas
conseqüências mais perversas, pois, infelizmente, conforme relatos
não raros de profissionais não só da educação, mas do atendimento,
proteção e promoção de crianças, adolescentes e famílias, no tocante
à violência sexual infanto-juvenil, de um modo geral, o silêncio
permanece sendo um grande obstáculo à efetivação da proteção
integral.
Com relação à vítima, pode-se afirmar que o silenciamento diante
de uma situação que lhe viola, oprime, envergonha e, muitas vezes,
desumaniza, constitui uma reação natural à situação vivenciada,
posto tratar-se de um “cidadão em condições especiais de desen-
volvimento” (ECA, 1990), submetido a uma relação assimétrica de
poder (física e/ou psicológica) que, muitas vezes, se estende para
além do controle e domínio da vítima propriamente dita.
Em nossos diálogos com os agentes municipais, buscamos
consolidar a compreensão de que a naturalidade desta situação não
pode e nem deve ser associada e/ou confundida com a indiferença
de quem, tendo a obrigação sócio, humana, profissional e ética de

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 283 12/11/2008 10:31:06


284 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

contribuir para efetivação da proteção integral das crianças e ado-


lescentes, se cala diante de uma situação de violação dos direitos
infanto-juvenis de tal gravidade. Isto porque, conforme já vem
sendo largamente apontado, “o silêncio é o que mantém e obriga o
sujeito a se submeter às humilhações, ao desamparo e a conseqüente
continuidade da situação” (Koshima, 1999: 142).
Desta forma, foi possível construir coletivamente a compreensão
de que este silêncio, tanto por parte das vítimas quanto por parte dos
adultos, tem como resultados mais visíveis a continuidade do ciclo
de violência, quando já instaurado, bem como a permanência do
fenômeno por meio da vitimização de outras crianças e adolescentes,
motivada, entre outros, pela impunidade daí decorrente.
Diante desta compreensão, reafirmou-se a centralidade do tra-
balho educativo-protetivo a ser realizado pela escola uma vez que,
dada a natureza das relações que os(as) educandos(as) estabelecem
com os profissionais com os quais têm contato diário no interior
das instituições de ensino, torna-se possível a eles não só perceber
a presença de indicadores de violência sexual (de natureza física
e/ou psicológica) nas vítimas e/ou nas crianças e adolescentes
expostos a este risco, como também criar uma situação de confiança
tal que os levem a quebrar o silêncio revelando as situações de que
são vítimas.
Tendo sido bastante comentado nos momentos de formação
o estabelecimento de um vínculo de confiança entre educando e
educador que favoreça a explicitação da vivência de situações de
violação de direitos por parte dos primeiros, é uma prática relati-
vamente comum e que tende a ser mais naturalizada na medida em
que os(as) educadores(as) se abrirem à observação e ao diálogo com
os(as) educandos(as) (Freire, 1998: 85-92).
Entretanto, infelizmente, também pudemos perceber que
quando a revelação é feita, e/ou em caso de suspeita, muitas vezes,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 284 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 285

este conhecimento acaba servindo apenas para sensibilizar o(a)


educador(a) no sentido de dar mais atenção à vítima, dada sua
condição, não sendo suficiente para mobilizar a busca dos meca-
nismos de notificação do caso para a promoção da proteção à vítima
e para a interrupção de um ciclo de violência sob o qual pode estar
contida “a reprodução de [uma] história de violência em gerações
seguidas” (Koshima, 1999: 141).
O medo de se expor socialmente denunciando o fato e indo,
muitas vezes, contra a própria família da vítima e/ou contra a
comunidade na qual ela se insere, assim como a possibilidade
de vir a sofrer represálias, tanto por parte do agressor quanto da
família e/ou da comunidade, se revelaram fortes motivadores para
o silenciamento profissional.
Esta ambigüidade constatada na reflexão acerca da relação da
escola com a família e com a comunidade e do papel destas insti-
tuições sociais no tocante à violência sexual infanto-juvenil foi um
elemento muito discutido nos encontros de capacitação/formação,
pois, segundo os(as) educadores(as), estas instituições se apresen-
tam como importantes fortalezas no enfrentamento. E esta avaliação
ganha mais realce quando referida à família, uma vez que é dela a
responsabilidade direta pela guarda e o cuidado das crianças e ado-
lescentes, sendo também o interlocutor privilegiado da escola.
Por outro lado, no entanto, a família e a comunidade também
se revelaram como elementos de fraqueza e ameaça à rede de
proteção. Neste caso, novamente a ênfase recaiu sobre a família
por esta instituição ser apontada como o locus privilegiado para a
ocorrência do fenômeno (violência sexual intrafamiliar), conforme
podemos perceber a partir da leitura do seguinte trecho:

A grande maioria das famílias no Brasil são protetoras, milhões delas


ao custo de enormes sacrifícios. No entanto, também nessas famílias
protetoras encontram-se traços culturais, em diferentes graus, de

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 285 12/11/2008 10:31:06


286 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

relações familiares adultocêntricas, autoritárias, que se tornam mais


ou menos violentas (Faleiros; Faleiros, 2007: 47).

O fato de a sociedade ter “...uma enorme resistência em pensar a


família como um espaço destrutivo” (Koshima, 1999: 138), somada
ao apego à manutenção do segredo em relação ao fato, sobretudo
quando se trata de famílias incestogênicas nas quais a dinâmica
da violência está instaurada e há resistências, tanto em admiti-la,
quanto em romper com seu ciclo, são alguns dos obstáculos enfren-
tados pelos(as) educadores(as) para revelarem situações de violência
sexual infanto-juvenil das quais têm conhecimento e/ou suspeita.
Deste modo, as discussões foram conduzidas no sentido de
chamar a atenção para o fato de o silenciamento profissional, neste
caso, representar a conivência e o agravamento de uma situação de
violação de direitos fundamentais, pois,

muitas vezes, crianças e adolescentes violentados e dominados


são vitimizados tanto pelo agressor como pela existência de redes
e pactos de silêncio, tolerância, conivência, medo, impunidade.
Tanto membros da família como vizinhos, colegas, profissionais
da educação, saúde, assistência, segurança, ao silenciarem sobre as
situações de violência que presenciam, conhecem, ou suspeitam, protegem
o violentador. Não é raro o agressor manter outras pessoas, além da
vítima, sob sua dominação. (Faleiros; Faleiros, 2007: 48, destaque
nosso)

Os diálogos então foram conduzidos no sentido de chamar


a atenção para a importância destes profissionais na quebra do
ciclo de violência, uma vez que eles podem ser (e em muitos casos
efetivamente são) os únicos que terão acesso a essa informação
privilegiada e poderão abrir o caminho para que esta vítima tenha
garantido seu direito ao desenvolvimento pleno, sob a proteção
necessária e devida.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 286 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 287

A existência do instrumento da notificação obrigatória dos


casos de violação de direitos da criança e do adolescente2 foi, neste
contexto, um dos aspectos cuja compreensão se buscou construir,
com foco na perspectiva de que, mais que uma ação profissional
obrigatória, a notificação precisa ser adotada como uma atitude
tomada por profissionais que têm, também, a obrigação de zelar
pela infância e adolescência, contribuindo para que seus(suas)
educandos(as) possam ter o pleno desenvolvimento de todas as suas
dimensões, para além da formação intelectual — função precípua
da escola que não se realiza se os sujeitos da aprendizagem não
forem trabalhados em sua totalidade.
Por outro lado, a reflexão acerca do silêncio que recobre o fenô-
meno também ensejou que considerássemos o fato de que à escola
cabe contribuir para a disseminação social da compreensão do status
contemporaneamente dado à violência sexual infanto-juvenil, como
crime de violação dos direitos fundamentais da criança e do adoles-
cente, sendo-lhe, portanto, imputada a responsabilidade de atuar
junto à comunidade intra e extra-escolar, por meio da formulação e
implementação de programas que contribuam para a compreensão
do fenômeno e de suas implicações, de modo a favorecer a quebra
deste perverso pacto de silêncio que encobre tantos casos e acaba
por fomentar tantos outros.
O entendimento de que, muitas vezes, a violência sexual infanto-
juvenil constitui uma herança transmitida de pai para filhos, de
geração em geração e de uma sociedade para a seguinte, resultando
em um processo histórico de infâncias e adolescências roubadas
vivido, sobretudo, entre as famílias empobrecidas, foi também um
elemento por meio do qual se buscou construir a compreensão da
importância estratégica da escola na quebra do ciclo de violência
que vitimiza parte de seu público.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 287 12/11/2008 10:31:06


288 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Capacitação-formação técnico-profissional e humana


dos educadores e demais profissionais para atuação
frente à violência sexual infanto-juvenil

À percepção de que cabe à escola e a seus profissionais promover


ações socioeducativas e situações de aprendizagem nas quais os(as)
educandos(as) sejam estimulados a desnaturalizar relações de
poder assimétricas e violadoras de sua autonomia e especificidades,
seguiu-se, entre os(as) participantes da capacitação/formação, a
constatação da dificuldade de atuarem nesta perspectiva, devido a
pouca experiência na abordagem com a temática da violência sexual
infanto-juvenil e/ou sexualidade infanto-juvenil.
Tendo uma relação direta com a compreensão da complexidade
do fenômeno e de seu enfrentamento, da responsabilidade da
escola no fomento, promoção e participação em ações preventivo-
protetivas junto aos educandos e à comunidade intra e extra-escolar,
a demanda por capacitação para os(as) profissionais do setor foi
construída considerando-se:
a) o fato de se tratar de temáticas cujo tratamento em ações socioedu-
cativas intra e extra-escolares deve ser assumido por profissionais
que manifestem e efetivamente demonstrem desejo e habilidade
para construir diálogos nos quais o direito ao desenvolvimento
natural e sadio da sexualidade infanto-juvenil seja o foco e esta
noção seja promovida e disseminada;
b) o fato de as ações de capacitação/formação dos(as) profissio-
nais da educação para o trabalho com estas temáticas precisar
contemplar, em seu planejamento, a previsão de se trabalhar
diferentes dimensões da formação docente. Isto possibilitará que
os(as) profissionais desenvolvam e/ou aprimorem as habilidades
e competências técnico-profissionais e humanas necessárias à

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 288 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 289

promoção de ações de enfrentamento capazes de mobilizar a


comunidade intra e extra-escolar para o trabalho de transfor-
mação da realidade das crianças e adolescentes já vitimizados
ou sob o risco de sofrerem violência sexual.
A demanda por ações de capacitação/formação com tais carac-
terísticas, construída coletivamente nos diálogos acerca do setor
da educação no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil,
foi explicitada nos Planos Operativos Locais dos três municípios,
sendo este um dos principais indicativos da positividade do trabalho
realizado em torno deste item do eixo prevenção.

Limites e possibilidades de atuação preventiva e


protetiva da escola no enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil

Consistindo em um fenômeno largamente estudado e denun-


ciado, a inadequação da estrutura física e dos recursos humanos e
materiais de parte significativa das escolas públicas que atendem
às crianças e adolescentes empobrecidos e socioeconômica e
culturalmente mais vulneráveis também se revelou uma realidade
presente nos municípios contemplados nesta fase de expansão do
PAIR/MG. Segundo os agentes que atuam na proteção e promoção
de crianças, adolescentes e famílias e, mais especificamente, de
acordo com os profissionais das redes de educação destes locais,
apesar dos muitos esforços que vêm sendo feitos nos últimos anos,
as instituições/prédios escolares muitas vezes são marcados pela
falta das condições mínimas adequadas ao cumprimento de sua
função e finalidade.
No contexto da discussão acerca da ação da escola em particular
e da educação de modo mais geral no enfrentamento à violência

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 289 12/11/2008 10:31:06


290 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

sexual infanto-juvenil, e na implementação da proteção integral


à criança e ao adolescente, esta inadequação se mostrou um forte
obstáculo à ação dos(as) profissionais da educação. Isto porque,
segundo muitos relatos, trata-se de promover intervenções/executar
ações que demandam a mobilização de recursos humanos, finan-
ceiros, materiais e técnicos de que as instituições não dispõem.
Desta forma, a compreensão da complexidade do fenômeno e
dos cuidados que seu enfrentamento requer, dada a delicadeza da
situação, sobretudo quando se considera a vítima, levou muitos(as)
educadores(as) a concluírem pela dificuldade de a escola parti-
cipar ativamente do enfrentamento, visto tratar-se de uma grande
responsabilidade.
Diante destas constatações, os agentes de proteção e promoção
de crianças, adolescentes e famílias participantes da capacitação/
formação adotaram duas posturas: por um lado, assumir a tarefa de
empreender ações específicas voltadas à conquista de melhoria nas
condições materiais, físicas e humanas das instituições públicas de
ensino, de modo a melhor prepará-las não só para o enfrentamento,
mas para o cumprimento das funções que lhes são socialmente
atribuídas. Por outro, o fato de estarem em diálogo-formação junto
a outros agentes e atores que atuam com o mesmo público e que
têm, como a educação, a responsabilidade de enfrentar o fenômeno,
bem como o (re)conhecimento das ações que estes realizam e do
potencial que cada um possui, possibilitou que os(as) profissionais
da educação assumissem o reconhecimento de que “nenhum de
nós é melhor e mais inteligente que todos nós” (Brandão, 2002:
29), o que reforçou a importância do estabelecimento de parcerias
para potencializar o resultado das ações de enfrentamento a serem
executadas no âmbito da rede de proteção integral.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 290 12/11/2008 10:31:06


e ducação na expansão pair/mG 291

Assim, se a compreensão do fenômeno impactou os(as) profissio-


nais da educação a ponto de eles perceberem o desafio e a responsa-
bilidade de atuar protetiva e preventivamente, dadas as dimensões
do fenômeno e os limites de suas capacidades/condições, então o
(re)conhecimento da existência, no município em que atuam, de
atores e agentes que, tendo a mesma responsabilidade, se mostram
parceiros em potencial para o enfrentamento, conduziu o grupo no
sentido da compreensão da importância de articulação da rede de
proteção integral à criança e ao adolescente, como mecanismo de
fortalecimento das ações voltadas à transformação da realidade local
no referente ao fenômeno.
Para finalizar, resta-nos dizer que o processo de capacitação/
formação dos educadores atuantes nas instituições de ensino e em
outros espaços socioeducativos junto às crianças e adolescentes dos
municípios de Teófilo Otoni, Uberaba e Itaobim teve, como resultado
principal, a compreensão da capacidade que eles possuem de –
aliados a outros profissionais que atuam junto ao mesmo segmento e
às famílias, e aos setores sociais sensibilizados e comprometidos com
a doutrina de proteção integral – agir articuladamente com vistas a
mudar o triste quadro de medo, violência e violação de direitos que
vitimiza nossas crianças e adolescentes. Trata-se, tal como defendido
por Paulo Freire, de abrir-se ao dever ético e profissional de

tentar conduzir os educandos na direção de meus sonhos políticos


[orientado pelo] dever ético de, combatendo as injustiças, deixar
claro que mudar é difícil mas é possível. O que não posso fazer é
“ouvidos de mercador” aos discursos dominantes que defendem
a adaptação ao mundo como a maneira certa de nele estar. (2000:
98, grifos do autor)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 291 12/11/2008 10:31:07


292 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Notas
1
Uma questão levantada nas discussões e que foi apontada por educadores(as) dos
três municípios como estratégia positiva para a proteção de crianças e adolescentes,
sobretudo dos mais vulneráveis em relação à violência sexual infanto-juvenil,
é a extensão da jornada escolar por meio da oferta e realização de atividades
no contraturno com diversificação dos espaços/ações socioeducativas para este
público.
2
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) institui a obrigatoriedade dos profis-
sionais das áreas da educação e da saúde de notificarem (comunicar oficialmente
aos órgãos competentes) os casos – suspeitos ou confirmados – de maus-tratos
em geral.

Referências

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros
Técnicos e Científicos Editora, 1981.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis:


Vozes, 2002.

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano nacional de


educação em direitos humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos/
Ministério da Educação/Ministério da Justiça/UNESCO, 2007.

CUNHA, Eleonora Schettini M. Caderno planejando a ação. Belo Horizonte:


UFMG - Pró-Reitoria de Extensão, 2007.

ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE (ECA). Ministério da Justiça.


Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília,
1990.

FALEIROS, Vicente de Paula; FALEIROS, Eva Silveira. Escola que protege: enfren-
tando a violência contra crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Educação/
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007.

FREIRE, Paulo. De falar ao educando, a falar a ele e com ele; de ouvir o edu-
cando a ser ouvido por ele. In: ____. Professora sim, tia não! - Cartas a quem ousa
ensinar. São Paulo: Olho d’água, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos.


São Paulo: UNESP, 2000.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 292 12/11/2008 10:31:07


e ducação na expansão pair/mG 293

KOSHIMA, K. Palavra de criança. CEDECA - Bahia, 1999. Disponível em:


<http://www.cedeca.org.br/publicacoes/constr_14.pdf>. Último acesso em:
dezembro de 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional - LDB nº 9.394/96. Brasília, [s.d.].

REBOUçAS, Maurício Carlos. A exploração sexual comercial de crianças e ado-


lescentes na Cidade de Santos/São Paulo. Dissertação de Mestrado em Serviço
Social. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003.

UDE, Walter. Famílias. Presença Pedagógica, v. 9, n. 53, p. 70-73, set./out. 2003.


(Dicionário Crítico da Educação)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 293 12/11/2008 10:31:07


G e ra l d a L u i z a d e M i ran da
E d i t e d a P e n h a Cu n ha

AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À VIOLAÇÃO DE


DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL1

A política de Assistência Social, dentre as políticas sociais bra-


sileiras, é uma das que mais se tem desenvolvido, em termos de
estruturação legal, conceitual e operacional após a promulgação
da Constituição Federal em 1988. O objetivo dos avanços é trans-
formar os direitos que foram constitucionalizados em garantias
reais, concretas, presentes no cotidiano de crianças e adolescentes,
idosos, pessoas portadoras de deficiência, mulheres, migrantes,
população com trajetória de vida na rua. Pessoas que se encontram
em situação de vulnerabilidade social e/ou pessoal e que, por isso,
necessitam de forma continuada ou temporária de promoção ou
proteção de seus direitos. A redistribuição das competências entre
os níveis de governo (federal, estadual e municipal), a redefinição
das ações e a construção de novos paradigmas normativos estão
entre os principais avanços. Muita coisa, no entanto, ainda precisa
ser construída, nos âmbitos legal e normativo, e, na prática, novas
ações precisam ser implementadas e muitas das que existem devem

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 294 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 295

ser reestruturadas, ampliadas e avaliadas, conforme determina a


legislação, de forma a ampliar sua eficácia e efetividade na preven-
ção e enfrentamento da pobreza e da violência.
Neste texto, centra-se a atenção na estruturação das ações de
proteção à criança e ao adolescente em situações de violação de
direitos, como a violência doméstica, a trajetória de vida nas ruas,
a mendicância e o trabalho infanto-juvenil e, mais especificamente,
o abuso e a exploração sexuais de crianças e adolescentes.
Busca-se discutir a estruturação das ações de enfrentamento
à violência a partir das diretrizes instituídas pela seguinte legis-
lação: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990, Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, Política Nacional
de Assistência Social (PNAS) de 2004, Norma Operacional Básica
do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS) de 2005 e,
por fim, o Guia de Orientação para a implantação dos Centros de
Referência Especializados da Assistência Social (CREAS) de 2006.
Entre as diretrizes colocadas por essas leis, destaca-se a exigência
de que, em situações de violação de direitos, as ações de proteção
da criança e do adolescente tenham como foco a família e sejam de
natureza psicossocial. De maneira geral, o objetivo dessas ações
deve ser o de assegurar às famílias e, de forma mais específica, a
suas crianças e adolescentes, condições de terem uma vida digna e
cidadã como determina a Constituição.
No primeiro tópico, são discutidos os fatores relacionados à
pobreza que, ao incidirem sobre as famílias, fornecem um terreno
favorável à emergência e à reincidência das situações de violação de
direitos, inclusive a violência sexual. Argumenta-se que, embora a
pobreza não possa ser vista como causa da violência contra crianças
e adolescentes, especialmente a violência sexual, ela tende a ser mais
grave e de mais difícil superação nas famílias pobres. Os fatores
que explicam essa gravidade e dificuldade são a sua exclusão ou
inserção precária no mercado de trabalho; seu acesso restrito, ou

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 295 12/11/2008 10:31:07


296 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

falta de acesso, às políticas sociais; e, finalmente, em virtude desses


dois fatores, sua menor capacidade para superar as conseqüências
da violação de direitos de suas crianças e adolescentes.
Dadas a complexidade e gravidade das situações de violência,
qualquer que seja a sua manifestação, seu enfrentamento requer um
tipo específico de intervenção, atualmente denominada “intervenção
psicossocial”. Com o objetivo de especificar melhor esse tipo de
intervenção e a exigência legal de que ela esteja centrada na família,
são tratadas, no segundo tópico, as “dimensões” e situações em
que o Estado deve intervir nas relações familiares, os objetivos
e os princípios que devem reger essa intervenção e, por fim, a
natureza e estrutura das atividades, estratégias, benefícios e recursos
(tecnologias) a serem utilizadas. A partir das diretrizes colocadas
pela legislação e da experiência acumulada no atendimento às
famílias, são sugeridas diversas estratégias de intervenção.2
Esperamos que a discussão sobre as condições que aumentam a
exposição de crianças e adolescentes à violência, bem como a apre-
sentação das ações implementadas pela Assistência Social para sua
promoção e proteção, contribuam tanto para esclarecer os cidadãos
sobre essa política quanto para aumentar a integração entre gestores,
profissionais e usuários das políticas sociais. Integração que é indis-
pensável para a promoção e proteção das crianças e dos adolescentes,
em situação de violação de direitos, e das suas famílias.

Vulnerabilidade e exclusão social:


o caráter multidimensional e multicausado da pobreza

A violência sexual contra crianças e adolescentes, assim como


as outras formas de violação de direitos, atinge todos os grupos e
classes sociais indistintamente. Entretanto, a pobreza e outras con-
dições das famílias tanto podem contribuir para expor, de forma

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 296 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 297

mais acentuada, crianças e adolescentes a esse tipo de violência


quanto podem dificultar sua superação.
O termo vulnerabilidade, de acordo com Carneiro (2005), possui
basicamente três sentidos distintos, embora complementares,
que foram sendo incorporados ao longo dos anos. Inicialmente, a
vulnerabilidade esteve associada à ausência ou escassez de renda
das famílias ou indivíduos, dadas por sua inserção precária ou não-
inserção no mercado de trabalho. Posteriormente, acrescentou-se à
escassez ou ausência de renda a falta de acesso, ou acesso precário,
das famílias e/ou indivíduos a serviços e bens sociais básicos, tais
como moradia, saúde, educação, saneamento básico, energia elétrica,
em virtude da ausência ou não-efetividade das políticas públicas em
prover esses bens e serviços de forma equânime a todos os segmentos
da população e em todos os municípios. Por fim, vulnerabilidade
passou a ser associada não apenas à renda ou ao usufruto de bens
e serviços sociais, mas principalmente às capacidades das famílias
e indivíduos. A pobreza, ou a vulnerabilidade, nessa perspectiva,
seria “privação de capacidades, sendo pobres aqueles que carecem
de capacidades básicas para operarem no meio social, que carecem
de oportunidades para alcançar níveis minimamente aceitáveis de
realizações, o que pode independer da renda que os indivíduos
detêm” (Carneiro, 2005: 71).
A polissemia do termo vulnerabilidade é paralela a do termo
exclusão, e sua trajetória parece ser a mesma, ou seja, de incorpo-
ração de significados ao longo do tempo. Inicialmente, o termo
foi utilizado em referência a populações situadas à margem do
progresso econômico e do usufruto dos benefícios advindos do
desenvolvimento. Na década de 1970, exclusão passa a ser rela-
cionada a “categorias muito distintas de indivíduos e situações”,
como a “inserção precária ou não-inserção no mercado”, “situações
de dependência, segregação, vulnerabilidade de certos grupos” e
“situações de desestruturação familiar, doenças e incapacidades ou

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 297 12/11/2008 10:31:07


298 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

condições específicas ligadas ao ciclo de vida familiar”. Na década


de 1980, utiliza-se o conceito em referência não apenas aos grupos
marginais, mas também àqueles que foram excluídos do mercado
e à instabilidade dos vínculos que esses grupos estabeleciam com
a sociedade mais geral. Nessa perspectiva, o ponto de partida das
análises permaneceu sendo a renda, mas o foco deslocou-se para as
condições que afetam a coesão social (Carneiro, 2005: 73-74).
Na configuração dessas condições, como observa este autor,
destacam-se três dimensões: a relacional, a subjetiva e a processual
ou dinâmica. A dimensão relacional traduz a idéia de que a exclusão
diferencia-se de uma sociedade para outra, na medida em que
diz respeito à ausência de acesso, ou acesso precário, a normas e
padrões vigentes em cada cultura. Percebe-se, nessa perspectiva,
a exclusão não de indivíduos, mas de grupos e comunidades dos
padrões culturais dominantes. A dimensão subjetiva chama a
atenção para o fato de que a pobreza ou a exclusão envolve fatores
como, por exemplo, “a perda de auto-estima e da identidade”,
“enfraquecimento dos laços familiares, sociais e comunitários”,
que, como aponta o conceito de vulnerabilidade, convergem para a
diminuição da coesão, para a degradação das redes de reciprocidade
e solidariedade. A questão importante, que essa dimensão coloca em
foco, é o fato de que esses fatores, ao mesmo tempo em que resultam
da pobreza, contribuem para sua manutenção, pois

baixa auto-estima, resignação, apatia, ressentimento, subalterni-


dade, baixa expectativa quanto ao futuro são fatores de natureza
não-material que acabam por limitar as possibilidades de as pessoas
pobres se apropriarem de sua vida e acharem saídas possíveis para
a situação em que se encontram. (Carneiro, 2005: 75)

A terceira dimensão tratada nas análises sobre a exclusão está


relacionada estreitamente a esse caráter “processual”, “reprodutivo”
ou “dinâmico” da pobreza. Chama-se a atenção, salienta Carneiro,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 298 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 299

para o fato de que a exclusão afeta não apenas as circunstâncias


correntes das pessoas, mas também suas expectativas futuras e, por
isso, tendem a se reproduzir no tempo e, considerando as outras
dimensões, também no espaço.
O que a discussão desses conceitos deixa claro é o fato de que a
pobreza, seja ela entendida como vulnerabilidade, seja entendida
como exclusão, é um fenômeno multidimensional e multicausado,
enraizado nas condições concretas, nas interações sociais e na subjeti-
vidade das famílias. A amplitude do conceito, bem como a falta de
consenso que gira em torno dele, são salientadas, inclusive, pela
Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004:

Além das privações e diferenciais de acesso a bens e serviços, a


pobreza, associada à desigualdade social e à perversa concentração
de renda, revela-se numa dimensão mais complexa: a exclusão
social. O termo exclusão social confunde-se, comumente, com
desigualdade, miséria, indigência, pobreza (relativa ou absoluta),
apartação social, dentre outras. Naturalmente, existem diferenças
e semelhanças entre alguns desses conceitos, embora não exista
consenso entre os diversos autores que se dedicam ao tema.
Entretanto, diferentemente da pobreza, miséria, desigualdade
e indigência, que são situações, a exclusão social é um processo
que pode levar ao acirramento da desigualdade e da pobreza e,
enquanto tal, apresenta-se heterogênea no tempo e no espaço.
(Brasil, 2005a: 36)

Qualquer que seja o nome que se dê à pobreza, vulnerabilidade


ou exclusão, o importante é que ela seja entendida e focalizada como
um fenômeno complexo, multidimensional, causado por diversos
tipos de privações e pela falta de um conjunto de capacidades cul-
turais, pessoais ou subjetivas. Seu enfrentamento, portanto, deve
constituir-se no objetivo de todas as políticas sociais, e os programas,
projetos e serviços (ações) de cada uma delas devem ir além do
simples repasse de renda. Especialmente quando a pobreza vem

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 299 12/11/2008 10:31:07


300 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

acompanhada de violência, as ações devem estar estruturadas de


forma a permitir uma intervenção personalizada e individual, de
maneira que se possa alcançar os fatores psíquicos, subjetivos, que
reforçam sua reprodução no tempo e no espaço. De uma maneira
sucinta, podemos dizer que esse tipo de intervenção deve enfrentar
simultaneamente: a exclusão ou inserção precária no mercado de
trabalho; a exclusão do acesso ou acesso precário aos bens e servi-
ços sociais; e a exclusão relacional e cultural, que se manifesta na
perda ou precariedade da auto-estima e da identidade social, no
enfraquecimento e degradação dos laços familiares, comunitários
e institucionais e, por conseqüência, na falta de “capacidades”
para romper com o caráter resistente, reprodutivo ou dinâmico
da pobreza. Uma intervenção nas redes de relações familiares
dessa magnitude, com vistas ao enfrentamento da violência contra
crianças e adolescentes, inclusive o abuso e exploração sexuais,
está alicerçada na legislação em vigor. Legislação que estabelece
as situações em que essa intervenção deve ocorrer e seu formato,
temas do próximo tópico.

O formato das ações de intervenção da política


de Assistência Social em situações de violação
de direitos de crianças e adolescentes

O ECA estabelece uma distinção quanto ao agente que viola os


direitos de crianças e adolescentes. Em primeiro lugar, a violação
pode ocorrer pela ação de um agressor inserido no próprio âmbito
familiar, pelos pais, responsáveis ou um irmão mais velho, que
abusam sexualmente, agridem física ou psicologicamente crianças
e adolescentes; a violação também pode ocorrer pela omissão dos
responsáveis, como ocorre no caso da negligência de atenção
e cuidados básicos. Em segundo, a violação de direitos pode

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 300 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 301

ocorrer pela ação do próprio vitimado, como nos casos de crianças


e adolescentes que se inserem em redes de narcotráfico e de
exploração sexual. Por fim, a violação dos direitos de crianças e
adolescentes pode ocorrer pela ação de um agressor externo à família,
inserido em suas redes sociais, em suas relações de vizinhança ou
amizade. Em todos esses casos, coibir, investigar, julgar e aplicar
penas às violações, que são comumente crimes, são competências
dos órgãos judiciários e da polícia, e não dos profissionais que
atuam na política de Assistência Social. Nos dois primeiros casos,
no entanto, as violações por ação ou omissão de pais, responsáveis
ou outro membro da família, e as violações pela ação dos próprios
vitimados, quando estes são crianças e adolescentes, a política de
Assistência Social deve implementar ações que previnem a violação,
promovam as famílias e protejam crianças e adolescentes.
A importância do foco na família, determinado pela Constituição
e pelo ECA, foi reconhecido pela PNAS, em 2004. Essa lei estrutura,
em torno do núcleo familiar, a proteção social, dividindo-a em pro-
teção social básica e proteção social especial de média e alta comple-
xidade. A distinção está relacionada à situação de risco enfrentada
pelas famílias e ao grau de fragilização de seus vínculos.
A proteção social básica deve ser oferecida pelos Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS) e seus objetivos são o
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, buscando
a superação de vulnerabilidades que decorrem da pobreza, da
exclusão e da violência. Os CRAS devem estar localizados na comu-
nidade, promovendo, articulando e executando ações destinadas a
inserir as famílias em programas sociais diversos, como programas
de transferência de renda, socialização de crianças e adolescentes,
grupos de convivência para idosos, saúde e educação.
A proteção social especial divide-se em proteção de média e de
alta complexidade. As situações de alta complexidade são aquelas

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 301 12/11/2008 10:31:07


302 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

em que os vínculos familiares encontram-se rompidos, como,


por exemplo, crianças vítimas de violência grave ou que foram
abandonadas e, portanto, precisam ser abrigadas em casas-lar ou
em famílias substitutas. As situações de risco que exigem proteção
especial de média complexidade, a serem desenvolvidas nos
Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS)
municipais e regionais, são aquelas em que os vínculos familiares,
apesar de fragilizados, não foram rompidos. A fragilização dos
vínculos manifesta-se pela ocorrência de: (1) violência física,
psicológica ou sexual contra crianças e adolescentes, idosos, pessoas
com deficiência e mulheres; (2) negligência de cuidados básicos à
criança e ao adolescente, ao idoso, à pessoa com deficiência; (3)
mendicância, trabalho infantil ou exploração sexual de crianças
e adolescentes; (4) trajetória de vida nas ruas de crianças e
adolescentes, adultos ou famílias (população com trajetória de
vida na rua, migrantes); (5) conflito com a lei, no caso de crianças
e adolescentes.
No que se refere à violência sexual contra crianças e adoles-
centes – o abuso e a exploração –, os últimos governos, no nível
federal, têm formulado diversos programas para sua prevenção e
enfrentamento que também se caracterizam como ações de média
complexidade e são, por isso, implementados nos CREAS regionais
ou municipais. Essa divisão caracteriza a co-responsabilidade dos
três entes da federação na oferta das ações de prevenção e proteção,
sendo que, na maioria dos casos, o Governo Federal encarrega-se
do financiamento e assistência técnica e os Estados e Municípios,
da execução. O Serviço Sentinela somou-se a ações já existentes
em muitos municípios ou veio cobrir a ausência de ações de média
complexidade com esse foco em outros. Esse serviço desenvolve
uma metodologia que incorpora a prevenção do abuso e exploração
sexuais, a promoção e proteção das crianças e adolescentes, vítimas

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 302 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 303

desse tipo de violência, e de suas famílias e, por fim, a responsabili-


zação do agressor. Busca-se, assim, atuar em diversas frentes, com o
objetivo de proporcionar às crianças e adolescentes e a suas famílias
condições de segurança, fortalecimento da auto-estima e o restabe-
lecimento de seu direito à convivência familiar e comunitária.
É importante salientar que, quando governadores e prefeitos não
disponibilizam ações de atendimento de média complexidade para
o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, ou o
fazem de forma insuficiente ou com baixa qualidade, o Ministério
Público pode intimá-los para o cumprimento dessa responsabili-
dade.
Certamente, cabe novamente salientar, as situações de violação
de direitos não emergem apenas pela existência da pobreza, mas
esta lhes propicia um terreno favorável, na medida em que coloca
crianças e adolescentes em posição mais vulnerável e afeta as capa-
cidades das famílias para sua superação. Por isso a necessidade de
uma intervenção específica, a intervenção psicossocial.

O caráter psicossocial das intervenções da


política de Assistência Social

O caráter psicossocial das intervenções nas redes de relações


familiares é uma das diretrizes dadas pela PNAS/2004 e pela NOB-
SUAS/2005, sendo reforçada no Guia de Orientação dos CREAS
de 2006. Essa legislação situa esse tipo de intervenção no campo
dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade
estatal, articulando a proteção às famílias com as demais políticas
voltadas para a garantia dos direitos. A centralidade na família é
vista como uma estratégia fundamental para se trabalhar a inclusão
social de seus membros. O pressuposto é o de que, se devidamente

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 303 12/11/2008 10:31:07


304 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

apoiada pelo Estado e pela sociedade, a família poderá desem-


penhar de forma mais efetiva as suas funções de socializar, cuidar
e proteger seus membros.
De acordo com Maria Lucia Afonso (2006), a abordagem psicos-
social, nas intervenções nas redes de relações familiares, tanto na
proteção básica quanto na proteção especial de média complexidade,
exige, em primeiro lugar, tentar compreender suas relações internas,
comunitárias e institucionais, ou seja, compreender o “emaranhado”
de vínculos que ela ou seus membros individualmente estabelecem.
Vínculos que possuem, ao mesmo tempo, uma dimensão legal,
sociocultural e afetivo-relacional.

A dimensão legal implica obrigações e direitos mútuos, regulados


por lei. No trabalho de intervenção nas famílias, os profissionais
devem buscar esclarecer com as famílias o cumprimento destas
obrigações e direitos. É o caso das pensões alimentícias e da di-
visão de guarda entre casais. Mas os vínculos precisam também
existir em uma dimensão sociocultural, através da qual as pessoas
possam atribuir sentido aos papéis que desempenham na família,
por exemplo, atribuindo sentido ao que é “ser pai” ou “ser mãe”,
que obrigações têm, que valores estão associados à paternidade e
à maternidade, e assim por diante. Assim, a intervenção também
terá como objetivo fortalecer a identidade do grupo familiar, seus
valores, regras, ideais e sua relação com o contexto sociocultural.
Finalmente, mas não menos importante, lembremos a dimensão
afetivo-relacional do vínculo, pela qual são abordadas as relações
de cuidado, afeto e comunicação na família. (Afonso, 2006: 4)

Assim sendo, trabalhar com famílias, numa perspectiva psicos-


social, é intervir em uma rede de vínculos que se inserem em um
contexto legal, afetivo-relacional e sociocultural mais amplo. A
intervenção da Assistência Social nessas relações é, em si mesma,
o estabelecimento de mais um vínculo. Para que seja eficaz na

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 304 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 305

alteração das situações de violência e na promoção da família é


imprescindível que essa intervenção e, conseqüentemente, o vín-
culo nela estabelecido esteja alicerçado na confiança e no respeito
mútuos, o que exige que o profissional elimine qualquer traço
de autoritarismo, de preconceito, de discriminação em relação à
família. Cada uma delas deve ser compreendida em sua especifi-
cidade, em sua diferença. Isto porque os arranjos familiares atuais
variam muito em sua configuração e não há, a princípio, arranjos
melhores ou piores.
Dada a natureza multifacetada e multicausada da pobreza e,
especialmente, da violação de direitos, a articulação intersetorial e
em rede das ações a serem implementadas nos CREAS é uma con-
dição para a efetividade das ações de média complexidade e uma
exigência da legislação. O ECA estabelece que as ações de proteção
aos direitos da criança e do adolescente são de co-responsabilidade
da família, do Estado e da sociedade; a LOAS propõe um conjunto
integrado de ações e iniciativas do governo e da sociedade civil para
garantir proteção social; o SUAS procura esclarecer a importância
da reciprocidade das ações da rede de proteção básica e especial;
a PNAS chama a atenção para a necessidade de se integrar ações
e recursos, intra e interinstitucionais, sem prejuízo da construção
de redes com os diversos órgãos encarregados da defesa e garantia
de direitos.
A intersetorialidade, como salienta Carneiro, é necessária
“[p]ara superar de forma sustentável a situação de exclusão e
vulnerabilidade” e significa mais do que a simples, e recorren-
temente apregoada, “conexão técnica” entre setores; ela exige,
lembra a autora, “a execução conjunta de um plano de inclusão
social de grupos em situação de vulnerabilidade social” (2005:
80). A prática tem demonstrado que a intersetorialidade exige

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 305 12/11/2008 10:31:07


306 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

ainda um empenho adicional das equipes técnicas, coordenadores


e gestores das diversas ações, na criação e recriação cotidiana de
fluxos, no estabelecimento de pactos, na interlocução sobre os
desdobramentos dos encaminhamentos e, por fim, mas também
muito necessário, de pressão institucional sobre os diversos setores,
no sentido de que procedimentos, serviços e bens sejam realizados
e/ou disponibilizados.
Além da intersetorialidade, a literatura, a legislação e principal-
mente a prática das ações socioassistenciais de proteção especial de
alta e média complexidade apontam para a exigência de um trabalho
em rede. Esse conceito tem por referência não setores das diversas
áreas de políticas sociais, mas órgãos e instituições estatais e sociais
diversos, como os do Judiciário, as Delegacias Especializadas, as
Polícias Civil e Militar.
O trabalho em rede é especialmente importante, tendo-se em
vista uma outra exigência das ações que visam combater e superar
as situações de violação de direitos na área da criança e do adoles-
cente: a responsabilização dos pais e responsáveis. Essa respon-
sabilização possui duas dimensões: uma, subjetiva, relacionada a
um entendimento e redirecionamento de valores e práticas; outra,
legal. Apesar dessa distinção, ambas se relacionam e se reforçam
na intervenção.
A dimensão subjetiva da responsabilização exige que as tecno-
logias a serem utilizadas nas ações de proteção especial de média
complexidade sejam diversificadas e dinâmicas, o que permite
sua utilização de forma individual e personalizada. É a partir dos
atendimentos individuais ou ao grupo familiar, de palestras, reu-
niões, oficinas e encontros, desenvolvidos de forma respeitosa e
livre de preconceitos, que se criam vínculos de confiança entre as
famílias e os profissionais que atuam na área da assistência social.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 306 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 307

Vínculos esses necessários para que valores e práticas violadores de


direitos sejam transformados em práticas e valores protetivos. Daí
a importância de que essas tecnologias sejam flexíveis e dinâmicas
o suficiente para permitir também a participação das famílias em
sua estruturação e desenvolvimento. Intervir nas relações familiares,
como tem sido recorrentemente afirmado, é um processo que se faz
com as famílias, e não à revelia delas.
A segunda dimensão da responsabilização é a que remete mais
fortemente para o trabalho em rede. É porque diversas das situações
de violação de direitos configuram ou se aproximam seriamente de
crimes, há necessidade de se trabalhar em estreita parceria com os
órgãos e instituições encarregados da defesa de direitos, tais como
Juizado da Infância e Juventude, Promotoria de Justiça Especializada
na Defesa dos Direitos da Infância e Juventude, Conselhos Tutelares,
Tribunais, Delegacias Especializadas de Crime contra a Mulher, entre
outros. A investigação e aplicação de penas a práticas criminosas,
inclusive os crimes sexuais contra crianças e adolescentes – estupro,
atentado violento ao pudor, corrupção de menores, pornografia
–, escapam ao escopo das competências da política de Assistência
Social. No entanto, a prevenção e a superação das situações de
violação de direitos dependem e, muitas vezes, exigem que essas
competências sejam desempenhadas de forma contínua, responsável
e efetiva. Daí a necessidade de interação cotidiana com esses órgãos
ao longo do processo de acompanhamento às famílias.
A complexidade e multidimensionalidade da pobreza e as
dificuldades que ela coloca para a superação das situações de
violência contra crianças e adolescentes tornam inviável um mo-
delo padronizado de intervenção nas redes de relações familiares.
Cada família demanda estratégias, atividades, encaminhamentos
e tempos diferenciados de intervenção; cada uma delas coloca
desafios diferentes aos profissionais e a si mesmas, apresentando

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 307 12/11/2008 10:31:07


308 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

vulnerabilidades, riscos e potencialidades diversas. É justamente por


isso que esse tipo de intervenção requer grande responsabilidade e
capacidade técnicas. Essas qualidades, como salienta Carneiro, são
especialmente necessárias ao “pessoal de ponta”, que são

aqueles que de fato implementam o programa, interpretam situações


e realizam ajustes, negociações e compromissos específicos (...) Um
constrangimento importante para o desenho e, principalmente, a
gestão de programas efetivos de enfrentamento das condições de
vulnerabilidade e exclusão reside precisamente na atenção à quali-
dade e ao perfil do corpo profissional encarregado tanto da prestação
do serviço na ponta quanto da natureza das relações estabelecidas
com os beneficiários dos programas e serviços. Sem que seja pos-
sível estabelecer a confiança entre agentes públicos e beneficiários,
sem romper com o ceticismo e a descrença da população quanto
às intervenções governamentais, tais mudanças de fundo não se
processam. (2005: 82)

Resumindo, a intervenção psicossocial exige tecnologias de


escopo variado o suficiente para o enfrentamento do caráter
multidimensional e multicausado das situações de pobreza e,
especialmente, das situações de violência contra crianças e ado-
lescentes. As tecnologias, e a sua utilização, devem também ser
flexíveis e dinâmicas o suficiente para permitir e mesmo induzir
a participação das famílias no processo de intervenção, de forma
a propiciar sua responsabilização e mudança tanto na dimensão
cultural e afetiva quanto em seu comportamento cotidiano. Além
disso, para que sejam efetivas, as ações de proteção especial de mé-
dia complexidade demandam estratégias intersetoriais e em rede,
posto que a complexidade e gravidade das situações de pobreza
e, especialmente, das situações de violação de direitos extrapolam
as fronteiras de cada área de política e, de forma mais específica,
as fronteiras da política de Assistência Social.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 308 12/11/2008 10:31:07


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 309

Tendo em vista os públicos-alvo e as diretrizes estabelecidas


no Guia de Orientação do Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS) para os CREAS, sugerem-se alguns
parâmetros para as ações de intervenção nas famílias em situação
de violação de direitos das crianças e adolescentes, especificando,
de forma geral, os objetivos, as formas de inserção na ação, as
características da equipe técnica, as tecnologias que podem ser
utilizadas e o perfil do público atendido.

Ações de intervenção nas relações familiares


em situação de violação dos direitos de
crianças e adolescentes

Os objetivos das ações de média complexidade da política de


Assistência Social devem ser o de fortalecer os vínculos familiares,
atuando junto aos pais ou responsáveis, de forma a promover e
construir, junto com eles, condições que possibilitem a superação das
seguintes situações: (1) violência física e psicológica, abuso sexual
e negligência; (2) trabalho infantil, incluindo exploração sexual e
mendicância; (3) trajetória de vida nas ruas.
O Guia de Orientação do MDS estabelece basicamente três
formas de inserção das famílias nas ações socioassistenciais, a serem
desenvolvidas nos CREAS. A primeira é a aplicação de Medida
de Proteção ou Medida Pertinente aos Pais e Responsáveis pelos
Conselhos Tutelares ou pelo Juizado da Infância e Juventude, ou
através de uma Determinação ou Requisição de Atendimento, feita
pela Promotoria de Justiça Especializada na Defesa dos Direitos
da Infância e da Juventude. Essas medidas podem ser aplicadas,
quando são constatadas as violações de direitos acima indicadas,
ou quando uma criança ou adolescente são reinseridos em suas
famílias ou inseridos em uma família substituta, após abrigamento

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 309 12/11/2008 10:31:08


310 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

temporário em instituições específicas. A segunda forma de inserção


é a procura voluntária das famílias pelo atendimento; a terceira, a
busca ativa por parte das equipes de abordagem de rua das famílias,
ou crianças e adolescentes em situação de risco social ou pessoal,
especialmente em situações de violência.
É pertinente que, quando da inserção resultante da busca ativa
ou da demanda espontânea das famílias, comunique-se o caso ao
Conselho Tutelar ou ao Juizado e solicite-se a emissão da Medida de
Proteção ou Medida Pertinente aos Pais e Responsáveis, previstas
no ECA. Esse procedimento é obrigatório quando há qualquer
manifestação de violência contra crianças e adolescentes. Além de
ser uma exigência legal, a comunicação aos órgãos de defesa de
direitos indica para a família a obrigatoriedade do acompanhamento
e, assim, contribui para sua responsabilização.
Normalmente a Medida de Proteção e a Medida Pertinente aos
Pais e Responsáveis não têm tempo de duração preestabelecido
pelos órgãos de defesa de direitos. A permanência das famílias
na ação pode durar um, ou dois anos, variando de acordo com as
vulnerabilidades do grupo familiar, a natureza das violações e o
comprometimento dos pais ou responsáveis. A definição de um
tempo máximo pode ser feita pela equipe do programa/serviço e
deve ser previamente pactuada com os órgãos de defesa de direitos.
É importante que o desligamento da família do atendimento seja
resultado da superação da situação de violação dos direitos. Essa
avaliação deve ser feita pelo técnico que acompanha a família, a
partir de indicadores previamente construídos, discutida dentro
da equipe e informada aos órgãos de defesa de direitos.
As situações de violação de direitos que vitimam crianças e
adolescentes, como já mencionado anteriormente, podem resultar
tanto da ação quanto da omissão de pais ou responsáveis ou outros

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 310 12/11/2008 10:31:08


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 311

adultos da família, quanto da ação da própria criança ou adoles-


cente. Além disso, uma única violação pode ter diversas causas.
Por exemplo, o abuso sexual pode ter origem em doença mental,
abuso de álcool ou de outras substâncias psicoativas, perversão
ou mesmo no histórico de vida do abusador. A exploração sexual
pode ser estimulada pela pobreza, falta de informação de pais ou
responsáveis, falta de perspectivas de vida dos adolescentes ou
manipulação criminosa de adultos. Em virtude da complexidade
e gravidade dos danos que qualquer tipo de violência provoca no
desenvolvimento físico e emocional de crianças e adolescentes,
é preciso um esforço permanente dos profissionais que atendem
as famílias para alcançar uma compreensão mais abrangente de
cada fenômeno. Uma formação acadêmica adequada melhora a
qualidade do atendimento e diminui a angústia e a ansiedade dos
profissionais.
Além disso, as equipes estarão lidando, na maior parte do tempo,
com situações de violência que configuram crimes. Lidar com a vio-
lência, principalmente quando as vítimas são pessoas vulneráveis
ou em formação, como a criança e o adolescente, e compreender
a complexidade dos mecanismos mentais, emocionais, afetivos e
socioeconômicos que a provoca exige, além de considerável capa-
cidade técnica, sensibilidade, flexibilidade, inteligência, bom senso,
compaixão, entre outras qualidades que não são facilmente encon-
tradas. A capacitação extracurricular, através de cursos, seminários,
fóruns, e o apoio, tanto o institucional quanto o da equipe, devem
ser contínuos. A discussão dos casos dentro da própria equipe de
atendimento, inclusive com um advogado e um “supervisor” com
capacitação na área da psicologia ou psiquiatria, e a reunião perió-
dica com profissionais dos órgãos de defesa de direitos e da rede de
serviços (saúde, educação) também contribuem para a efetividade
do acompanhamento e o apoio dos profissionais envolvidos.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 311 12/11/2008 10:31:08


312 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Considerando a diversidade de violações e a complexidade


de suas causas, as atividades e estratégias de acompanhamento
às famílias devem buscar alterar a dinâmica familiar violadora,
propiciando a emergência de novos valores e práticas. Em primeiro
lugar, deve-se buscar auxiliar a família a criar novas formas de
convivência e comprometê-la com essas formas, acionando a lei
quando necessário. Para que se alcance esses objetivos, diversas
atividades e estratégias podem ser desenvolvidas. As mais comuns
são o atendimento individual, o atendimento ao grupo familiar,
visitas domiciliares, atividades com grupos de famílias, oficinas
de convivência, palestras, grupos de reflexão. Esse é um campo
aberto à criatividade. A única diretriz é o respeito, a confiança e a
responsabilidade.
Em segundo lugar, deve-se estar atento à inserção da família
no mercado de trabalho e ao seu acesso às outras políticas sociais.
Não é possível transformar práticas de violência contra crianças e
adolescentes em práticas protetivas sem promover a capacidade de
auto-sustentação material das famílias, inserindo-as, inclusive, na
rede de bens e serviços sociais. As atividades e iniciativas que visam
fortalecer ou fomentar a capacidade de sustentabilidade econô-
mica da família ou de seus membros individualmente são diversas:
transferência direta de renda, por meio da inserção da família ou de
seus membros em benefícios (bolsas, auxílios, rendas mínimas) dos
governos federal, estadual ou municipal; inserção de adolescentes
ou adultos em cursos de profissionalização ou qualificação; inserção
de adolescentes em programas de trabalho protegido; criação de
grupos de trabalho e geração de renda. As atividades e iniciativas
que visam à inclusão da família e de seus membros na rede de bens e
serviços sociais também são variadas: encaminhamentos para a rede
de educação, de saúde, de trabalho, de esportes e da própria assis-
tência social. Esses serviços e bens podem ser tanto estatais quanto
não-estatais, e os encaminhamentos devem ser acompanhados da

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 312 12/11/2008 10:31:08


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 313

orientação às famílias sobre o funcionamento da rede, buscando


esclarecê-las de que o acesso a esses bens constitui um direito delas
e um dever para com suas crianças e adolescentes.
Cabe novamente salientar que a inclusão das famílias na rede de
bens e serviços sociais exige um trabalho adicional, por parte das
equipes técnicas e de coordenadores das diversas ações e gestores
dos CREAS, de criação e recriação cotidiana de fluxos, de estabe-
lecimento de pactos, de interlocução sobre os desdobramentos dos
encaminhamentos realizados e, o que é também muito importante,
de pressão institucional para que serviços e bens sejam disponibili-
zados na quantidade e no formato requeridos pelas famílias.
Por fim, são essenciais, dada a gravidade das situações de
violação, atividades e iniciativas de interlocução constante com os
órgãos encarregados da defesa dos direitos. Atividades que visem
à troca de informações, à construção de estratégias conjuntas de
intervenção, de estabelecimento de fluxos e construção de pactos,
como relatórios periódicos, reuniões, visitas institucionais, contatos
telefônicos e audiências com conselheiros tutelares, promotores,
juízes e outros profissionais, devem marcar a rotina das equipes que
atendem situações de violência. Essa interlocução faz-se necessária
pelo fato de que, muitas vezes, a proteção de direitos, inclusive o
direito à vida, requer medidas judiciais adicionais, tais como o abri-
gamento de crianças e adolescentes, destituição do poder familiar
e responsabilização dos agressores.
A opção por uma ou outra dessas estratégias ou atividades,
no processo de atendimento às famílias, irá depender, é claro, da
natureza e da gravidade da violação ou das violações existentes
em cada uma delas, assim como de seus arranjos internos e de suas
vulnerabilidades. Por isso a intervenção deve ser individualizada,
personalizada; disso decorre a necessidade de profissionais
competentes e responsáveis.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 313 12/11/2008 10:31:08


314 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Em geral, as famílias cujas crianças e adolescentes estão mais


expostos à violência ou que encontram mais dificuldades para a
sua superação são aquelas que possuem baixa renda, desemprego
ou subemprego, ou baixa escolaridade dos pais ou responsáveis.
Como salientado, a pobreza não é a causa, mas sim o fator que
torna as famílias mais vulneráveis à incidência da violência. Fatores
tais como a dependência de álcool ou substâncias psicoativas, o
histórico de violência na infância, a doença mental, a perversão são
também grandes causas de violência. Esses fatores estão presentes
em todas as classes sociais, provocando todas as formas de violação
de direitos, inclusive o abuso e a exploração sexuais contra crianças
e adolescentes.
Em suma, famílias com crianças e adolescentes em situação de
violência, qualquer que seja a sua manifestação, inclusive o abuso e
a exploração sexuais, requerem e têm direito a um atendimento indi-
vidualizado, personalizado, realizado por profissionais competentes
e responsáveis, que atuem de forma setorial e em rede. Profissionais
capacitados para distinguir quais são os problemas que ameaçam a
unidade da família e prejudicam o desenvolvimento sadio de suas
crianças e de seus adolescentes; para construir, junto com os pais ou
os responsáveis, formas de superação de seus problemas e novos
padrões de relacionamento; para promover, junto com o Conselho
Tutelar, a responsabilização dos agressores e a proteção legal das
crianças e dos adolescentes; para inserir a família na rede de bens e
serviços sociais, propiciando a seus membros o acesso à educação, à
renda, à saúde física e mental, especialmente na área da psicologia,
psiquiatria, de tratamento à dependência de substâncias psicoativas
ou de álcool. Por tudo isso, esses profissionais também precisam
de condições adequadas de trabalho, do apoio das instituições que
integram, dos colegas de equipe e dos outros profissionais que
constituem a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 314 12/11/2008 10:31:08


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 315

Considerações finais
Este texto tratou da natureza e do formato das ações de inter-
venção da política de Assistência Social para a promoção e proteção
dos direitos de crianças e adolescentes em situações de violência, a
partir do arcabouço legal instituído após a promulgação da Cons-
tituição de 1988. Inicialmente, discutiu-se como a pobreza tem sido
compreendida na política de Assistência Social. O objetivo foi indicar
sua multidimensionalidade, característica que, aliada ao caráter
complexo e multicausal da violência contra crianças e adolescentes,
exige um tipo bem específico de intervenção nas redes de relações
familiares: uma intervenção de natureza psicossocial na família, tra-
tada no segundo tópico. Vimos que a intervenção psicossocial deve
estar estruturada de forma a permitir a participação da família na
definição, construção e desenvolvimento das estratégias e atividades,
recursos e benefícios que são a eles ofertados. Em seguida, que as
tecnologias utilizadas em cada ação devem ser variadas, flexíveis
e dinâmicas de forma a possibilitar um atendimento individuali-
zado, personalizado. A efetividade dessas ações, por outro lado,
depende fortemente de ações de outras áreas de políticas sociais
ou de outros órgãos, o que remete para a importância de criação e
recriação permanente de estratégias e rotinas intersetoriais ou em
rede. A gravidade e a urgência das situações de violência contra
crianças e adolescentes exigem que essas ações estejam fortemente
regidas pelos princípios da responsabilidade técnica e da busca de
responsabilização dos pais, responsáveis ou outros membros da
família que violam, por ação ou omissão, seus direitos. Foram apre-
sentadas, por fim, sugestões de estruturação de ações para famílias
em situação de violação dos direitos das crianças e adolescentes,
destacando seu objetivo, as estratégias que podem ser utilizadas;
as características das equipes técnicas; e o perfil das famílias cujas
crianças e adolescentes estão mais expostas à violência e que en-
contram mais dificuldades para sua superação.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 315 12/11/2008 10:31:08


316 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Notas
1
Parte da argumentação aqui desenvolvida constitui o relatório denominado
“Concepção dos CREAS: um estudo sobre a natureza e o formato das ações
de proteção especial de média complexidade”, um dos resultados do convênio
estabelecido, em 2006, entre a Secretaria de Desenvolvimento Social e Desporto
do Estado de Minas Gerais (SEDESE), o Núcleo de Apoio à Política de Assistência
Social (NUPASS) e o Projeto Democracia Participativa (PRODEP) do Departamento
de Ciência Política (DCP) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH/UFMG). Cabe salientar a
contribuição fornecida por convênio para as reflexões desenvolvidas no processo
de formação dos educadores do PAIR, especialmente quanto às possibilidades
de atuação preventiva e protetiva dos CRAS e dos CREAS no enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil.
2
A grande maioria das sugestões apresentadas foi colhida em entrevistas com
gestores e técnicos dos programas e serviços desenvolvidos e/ou executados
pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, especialmente o Serviço
de Orientação, Apoio e Proteção Sociofamiliar (SOSF), o Serviço Sentinela e os
Programas Abordagem, Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comu-
nidade. A todos, nossos agradecimentos. A responsabilidade pelos argumentos
desenvolvidos é nossa.

Referências

AFONSO, Maria Lúcia. O trabalho com famílias: uma abordagem psicos-


social. In: SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E DESPORTO
DO ESTADO DE MINAS GERAIS – SEDESE. Projeto CAPTAS - Capacitação
de Trabalhadores da Assistência Social. Cadernos de Assistência Social: Belo
Horizonte, 2006.

BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Caderno de


Capacitação. Serviço de Orientação, Apoio e Proteção Sociofamiliar - SOSF,
v. 3, p. 90-129, 2004.

BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Trabalho infanto-


juvenil em Belo Horizonte: realidade e desafios, [s.d.].

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Manual do Programa Sentinela.


Brasília, 2003.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 316 12/11/2008 10:31:08


Ações de enfrentamento à violação de direitos... 317

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Política Nacional de Assistência


Social – PNAS/2004. Brasília, 2005a.

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Norma Operacional Básica –


NOB/SUAS. Brasília, 2005b.

BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Social. Centro de Referência Espe-


cializado de Assistência Social – CREAS. Guia de Orientação, n. 1, 1. versão.
Brasília: SNAS, 2006.

CARNEIRO, Carla B. L. Concepções sobre pobreza e alguns desafios para a


intervenção social. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 84, p. 66-90, 2005.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 317 12/11/2008 10:31:08


K l e b e r Qu e i ro z

CONTRIBUIÇÃO DO DIREITO
PARA O ENFRENTAMENTO À
VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL

Para uma melhor compreensão do que se pode fazer para o


enfrentamento da violência sexual, dentro da visão jurídica, é
necessário entender, inicialmente, como está estruturado o direito
da criança e do adolescente no nosso ordenamento. Em um segundo
momento faz-se necessário apontar os instrumentos que podem ser
usados para a proteção dos vitimizados pela violência sexual, os
principais aspectos da responsabilização criminal do agressor e, por
fim, os crimes que dizem respeito à violência sexual. Vale salientar
que o desconhecimento da legislação apresenta-se como obstáculo
para a interrupção da violência sexual praticada contra criança e
adolescente, portanto, é indispensável o seu estudo.
Convém dizer que este texto está baseado no trabalho de
capacitação de formação de multiplicadores para o enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil realizada nos municípios abrangidos
pelo plano de expansão do PAIR - Programa de Ações Integradas e

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 318 12/11/2008 10:31:08


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 319

Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.


Ao final do texto tem-se uma reflexão sobre o trabalho realizado
nos municípios.

Criança e adolescente no ordenamento jurídico

O grande marco legal de defesa e garantia dos direitos da criança


e do adolescente no nosso ordenamento jurídico, sem sombra de
dúvida, é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal
8.069 de 13 de julho de 1990. Na função de regulamentar o artigo 2271
da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, o ECA introduz ao
nosso ordenamento jurídico a Doutrina da Proteção Integral.
A Doutrina da Proteção Integral, baseada nos princípios do
melhor interesse da criança, do reconhecimento da criança e do
adolescente como sujeitos de direitos, da sua condição peculiar de
desenvolvimento e da prioridade absoluta, define que é dever de
todos – família, comunidade, Poder Público e a sociedade de uma
forma geral – a efetivação dos direitos referentes à vida, saúde,
alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura,
dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária,
e que se deve assegurar à criança e ao adolescente todas as oportuni-
dades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade. Define, ainda, que nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
O ECA não só estabelece os direitos do público infanto-juvenil
como também cria mecanismos para sua garantia, como, por
exemplo: o Conselho Tutelar – órgão encarregado de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente; os conselhos

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 319 12/11/2008 10:31:08


320 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

de direitos municipais, estaduais e nacional – órgãos deliberativos


e controladores das ações da política de atendimento dos direitos
da criança e do adolescente; os Fundos da Infância e da Adoles-
cência – com recursos destinados à promoção e defesa dos direitos
deste público.
O ECA, com a finalidade de apresentar mecanismos para reso-
lução das demandas de atendimento ao público infanto-juvenil,
preconiza que a política de atendimento tem como linhas de ação: as
políticas sociais básicas,2 as políticas e programas de assistência so-
cial,3 as políticas de proteção especial4 e as políticas de garantia.5
Ainda dentro da linha da política de atendimento, o ECA apre-
senta a possibilidade de execução, por entidades governamentais
e não-governamentais, de programas de proteção em regime de
orientação e apoio sociofamiliar; apoio socioeducativo em meio
aberto; colocação familiar, abrigo, e programas socioeducativos em
regime de liberdade assistida; semiliberdade e internação.
No tocante à ameaça ou à violação dos direitos da criança e do
adolescente, o ECA enumera as medidas protetivas que podem ser
buscadas para afastar a ameaça ou para interromper a violação,
sobretudo a violência sexual, como se verá a seguir.

Medidas protetivas

O Estatuto da Criança e do Adolescente sinaliza as medidas que


podem ser aplicadas para a proteção da criança e do adolescente,
em situação de ameaça ou de violação de seus direitos. Tais medidas
não só estão voltadas para interrupção da violência, como também
visam à organização do grupo familiar.
Antes de adentrar nas medidas de proteção é importante frisar
que, quando da abordagem de situações de violência sexual, para

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 320 12/11/2008 10:31:08


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 321

uma melhor intervenção, faz-se necessário um trabalho com inter-


locução de profissionais de diferentes áreas, como da Psicologia,
do Serviço Social, do Direito, da Pedagogia e de outras afins. Os
casos de violência sexual não podem ser expostos a uma inter-
venção individualizada; por se tratar de uma situação complexa
que envolve dimensões jurídicas, psíquicas, sociais, econômicas e
culturais, deve-se adotar uma abordagem interdisciplinar.
Para o amparo às situações de violência de uma forma geral,
nela incluída a sexual, o ECA nos apresenta uma série de medidas
que podem ser buscadas para afastá-la, voltadas para a orientação
e o apoio ao grupo familiar, com objetivo de reatar os vínculos
familiares, de vencer as vulnerabilidades: encaminhamento da
criança e do adolescente aos pais ou responsável, mediante termo
de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento tempo-
rários; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à
família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômano; encaminhamento a cursos ou
programas de orientação; e medida de advertência. Outras medidas
são voltadas para a intervenção no grupo familiar – afastamento do
agressor da moradia comum, colocação da criança e do adolescente
em família substituta e abrigo.
A medida de proteção de encaminhamento da criança e do adolescente
aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade, tem sua
prática quando a criança e o adolescente estão em local que os
exponha a risco, como em local de prostituição ou perambulando
pelas ruas. Tal medida consiste em o Conselho Tutelar retornar a
criança ou o adolescente aos pais ou responsável, mediante termo
de responsabilidade em que estes assumam a proteção daqueles.
A medida de orientação, apoio e acompanhamento temporários está vol-
tada para o auxílio à família no intuito de fortalecer os responsáveis

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 321 12/11/2008 10:31:08


322 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

pela criança e adolescente na atenção, na condução da educação, na


orientação e de uma forma geral em situações que a organização
familiar está fragilizada.
A medida de inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio
à família, à criança e ao adolescente visa minimizar as limitações em
que a família se encontra seja por falta de organização do grupo
familiar, seja por falta de recursos. Busca-se, no primeiro caso, o
resgate dos vínculos familiares e sua organização, no segundo,
o acesso às necessidades básicas: alimentação, vestuário, saúde,
geração de renda, habitação.
A medida de requisição de tratamento médico, psicológico ou psiqui-
átrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, visa ao cumprimento da
obrigatoriedade do atendimento, básico ou especializado, sobre-
tudo em situações que demandam cuidados especiais, em serviço
público de saúde, de forma adequada e eficiente.
A medida de inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômano está voltada para o
encaminhamento quer da criança ou do adolescente, quer dos pais
ou responsável, para programas oficial ou comunitário que tenha
esse tratamento.
A medida de encaminhamento a cursos ou programas de orientação tem
em vista a qualificação, a habilitação profissional de pais ou respon-
sável para o trabalho, a melhoria da renda ou a sua geração. Trata-se
de uma busca por melhores condições de vida para a família.
A medida de advertência é uma forma de chamar a atenção dos
pais ou responsável para o dever de: proteger, assistir, criar, educar,
colocar a salvo a criança e o adolescente de qualquer forma de
negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão, enfim,
de garantir os seus direitos fundamentais.
A aplicação das medidas acima citadas são de atribuição do
Conselho Tutelar. Em caso de ameaça ou violação dos direitos da

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 322 12/11/2008 10:31:08


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 323

criança e do adolescente, cumpre ao Conselho Tutelar atender,


averiguar, encaminhar, requisitar, fiscalizar, aplicar medidas de
proteção, enfim, praticar os atos necessários para a manutenção ou
ressarcimento do direito.
Na compreensão das atribuições do Conselho Tutelar, Geraldo
Claret Arantes ensina que o

Conselho Tutelar foi instituído para exercer na sociedade, de forma


capilar, a defesa e execução dos direitos da criança e do adoles-
cente (...) com a força da lei, pode requisitar serviços públicos como
ambulâncias, vagas em hospitais, fornecimento de remédios e
tratamentos médicos, vagas em escolas públicas para os fins espe-
cíficos, escolta policial quando necessário, inclusão de adolescentes
e famílias carentes em programas municipais de assistência social
etc. (2004: 177)

Neste contexto, o Conselho Tutelar exerce uma função de


extrema importância. Entretanto, não faz parte de sua atribuição a
execução das medidas de proteção, para isso faz-se necessária uma
rede de serviços para absorção dos encaminhamentos para atender
às suas requisições.
As medidas mencionadas em grande parte são suficientes para
afastar a violação. Depara-se, entretanto, com situações de violência
sexual que expõem a perigo a vida ou a saúde da criança e do adoles-
cente, provocadas pelos próprios pais ou responsável, ou por pessoas
da convivência da criança e do adolescente, as quais demandam
providências diretas para a sua interrupção. Para tanto podemos
nos ater às medidas de afastamento do agressor da moradia comum,
colocação em família substituta e abrigo em entidade.
Quando a violência sexual é intrafamiliar em que o agressor se
encontra no âmbito da moradia na qual a criança e o adolescente
estão expostos, a intervenção deve ser mais direta. Dentro da visão

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 323 12/11/2008 10:31:08


324 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

da busca de caminhos que não cause a revitimização deve-se, em


primeiro lugar, analisar a possibilidade de afastar o agressor da
moradia, não sendo possível, busca-se a identificação de alguém que
possa assumir a guarda; também não havendo esta possibilidade
e a criança e o adolescente estando em situação de risco, resta-se
o abrigo.
Em relação ao afastamento do agressor da moradia comum,
dispõe o artigo 130 do ECA que, verificada a hipótese de maus-
tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável,
a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar,
o afastamento imediato do agressor da moradia comum. Trata-se
de medida aplicada pelo Poder Judiciário. O Conselho Tutelar, na
situação de afastamento do agressor, deve fazer uma abordagem
junto à família, com apoio de equipe técnica, a fim de apurar sua
necessidade e viabilidade e, por conseguinte, encaminhar o caso
para alguma entidade de assistência jurídica para que acione a
Justiça.
Em determinados casos a medida de afastamento do agressor
possibilita a reorganização familiar e, com isso, evita a reincidência
da violência. Convém reforçar, contudo, que, para lograr êxito na
aplicação dessa medida, faz-se necessário um trabalho preliminar
junto à família. É importante perceber se dentro desta há alguém
que possa assegurar a eficácia da medida, ou seja, que seja capaz
de garantir que o agressor não retorne à moradia. Não é raro o
agressor ser afastado e voltar em seguida impondo medo e, às
vezes, mais violento do que antes. Outro ponto importante a ser
abordado é quando o agressor é o mantenedor da casa. Nesta
situação reclamam-se políticas públicas de amparo à família, como,
por exemplo, de transferência ou geração de renda.
Caso se entenda que a medida de afastamento do agressor vai
ser ineficaz, a outra possibilidade é a colocação em família substi-
tuta através da guarda. Neste caso tenta-se identificar alguém que

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 324 12/11/2008 10:31:08


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 325

possa assumir a guarda da criança ou do adolescente, seja através


dos avós, tios, irmãos, entre vizinhos e amigos, ou terceiros que
ofereçam proteção.
No que diz respeito à guarda, cuida-se de uma medida que
visa colocar a criança e o adolescente em uma família substituta.
A guarda é uma espécie do gênero família substituta. Temos três
formas de colocação em família substituta: guarda, tutela e adoção.
A guarda é o procedimento mais adequado para atender às situações
de violência. Pode ser concedida para atender situações peculiares
ou para suprir a falta eventual dos pais ou responsável. Tarcísio
Costa (2004: 59) ensina que a guarda para atender a situações
peculiares está voltada para amparar a criança ou o adolescente
com histórico de abandono, maus-tratos, e a guarda que visa suprir
a falta eventual dos pais ou responsável está voltada para situações
de ausência mais ou menos prolongada dos pais, por motivo de
viagem, trabalho ou tratamento de saúde.
A guarda, contudo, deve observar o princípio do melhor interesse
da criança e do adolescente, ela deve ser concedida a quem mostrar
melhores condições de proteção, de garantia dos direitos funda-
mentais: vida, educação, lazer, dignidade, liberdade, convivência
familiar e comunitária, enfim, acesso a uma vida saudável, afastada
de tudo aquilo que prejudique o desenvolvimento, a formação de
um adulto equilibrado apto à convivência social. Na concessão da
guarda deve-se levar em conta a melhor colocação da criança ou do
adolescente, independentemente de laços familiares.
Ao ser concedida, a guarda sugere para o guardião direitos e
deveres. Trata-se de um instituto composto. O guardião tem direito
de desfrutar da companhia da criança, de direcionar a educação, o
direito de reclamar alimentos de quem tem obrigação de prestá-los.
No campo dos deveres tem-se de: educar, prestar assistência, colocar
a criança a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 325 12/11/2008 10:31:08


326 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

violência, crueldade, opressão, bem como o direito de opor-se a


terceiros, inclusive aos próprios pais.
Ressalte-se que a guarda é da natureza do poder familiar; desta
forma, para que ela venha a produzir efeitos em favor de terceiros,
deve ser advinda de decisão judicial.
Saliente-se que a colocação em família substituta é uma medida
judicial, não é medida aplicada pelo Conselho Tutelar, mas pelo
juiz. É aconselhável às pessoas que estão lidando com a proteção
da criança e do adolescente buscar a identificação de alguém que
possa assumir a guarda, o próprio conselheiro tutelar, o psicólogo,
o assistente social, o professor podem ajudar nesse sentido. Facilita
a tomada de decisão do juiz, quando da sua concessão, saber de
antemão que existe alguém com quem a criança tenha afinidade e
que queira assumir a guarda.
A possibilidade de concessão da guarda a alguém que possa
oferecer proteção, afeto à criança e ao adolescente é fundamental
em situações de violência sexual. Neste sentido Eduardo Roberto
A. Del-Campo e Thales Cezar de Oliveira prestam ajuda na reflexão
acerca da colocação em família substituta, veja-se:

A colocação em família substituta pode ocorrer por “guarda”,


“tutela”, ou “adoção”. Nesses casos, indo ao encontro da moderna
teoria de “desbiologização da paternidade”, o estatuto acolheu a
chamada “paternidade social” reconhecendo ao lar alternativo o
mesmo patamar da família natural. (2005: 35)

A guarda, entretanto, não é absoluta ou definitiva, posto que o


estabelecido poderá ser mudado por situações supervenientes; a
própria decisão judicial de guarda pode ser alterada, modificada a
qualquer tempo. Assim, ela pode ser conferida hoje a um terceiro e
amanhã ser modificada para retorná-la aos pais. Convém repetir que

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 326 12/11/2008 10:31:08


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 327

tal como a sua concessão, como a modificação, não se pode olvidar


de observar o melhor interesse da criança e do adolescente.
Após percorrer todas as possibilidades de aplicação das medidas
acima expostas, não sendo possível efetuá-las, a outra saída é o
abrigo.
A medida de abrigo, contudo, deve ser buscada somente em
casos extremos e, mesmo assim, deve-se observar que o abriga-
mento é de caráter eventual e temporário. Registre-se que o abrigo
é medida provisória e excepcional, e que deve sempre buscar a
manutenção dos vínculos familiares, bem como não se afastar das
possibilidades de retorno do abrigado à família de origem ou à
sua colocação em família substituta. A medida de abrigo pode ser
aplicada diretamente pelo Conselho Tutelar.
Importante ressaltar que o afastamento do agressor da moradia
comum, a colocação em família substituta ou em abrigo devem
ser buscados aos casos de maior gravidade, quando esgotadas as
possibilidades de reorganização familiar.
Convém reforçar que, para se obter sucesso na proteção da
criança e do adolescente vitimizados pela violência sexual, devemos
ter frente aos nossos olhos os sujeitos envolvidos, a fim de se
apontar a medida mais adequada ao caso concreto. Para isso, faz-se
necessário um trabalho preliminar junto à família, com a realização
de um trabalho interdisciplinar.
Para efeito de ilustração de trabalho interdisciplinar e de apli-
cação de medida de proteção, imagine-se que um determinado
agente do Programa de Saúde da Família, em visita domiciliar,
percebeu que uma menina de onze anos apresentava sinais de
violência sexual e também notou que a menina tinha grande temor
pelo padrasto. Diante da situação comunicou ao Conselho Tutelar
o ocorrido. Este, por seu turno, com apoio do Serviço Social, rea-
lizou uma visita domiciliar à residência da menina. Após a visita

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 327 12/11/2008 10:31:08


328 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

o Serviço Social fez um relatório e dentre os fatos descritos neste


constava que na casa não havia privacidade entre seus membros.
O padrasto, por exemplo, para sair do seu quarto, pela arquitetura
da casa, tinha que passar dentro do quarto da enteada, e a mãe da
menina apresentava-se apática a tudo.
O Conselho Tutelar, dando continuidade ao caso, resolveu
também fazer uma visita à escola em que a menina estudava. A
professora informou que já havia notado diferença no compor-
tamento da menina, sempre isolada, com sonolência, com baixo
rendimento escolar e que sempre tinha resistência em ir embora
para a casa no final da aula. Frente aos fatos o Conselho Tutelar
encaminhou a menina e a mãe para acompanhamento do Serviço
de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes – Sentinela. A mãe, no atendimento desse serviço,
alegou que toma medicamentos para dormir, por ter depressão,
e que não tem capacidade para observar qualquer ato estranho
durante a noite.
A menina, ao ser atendida pelo Serviço Sentinela, revelou que o
padrasto a abusava sexualmente há cerca de três anos, desde quando
tinha oito anos. Afirmou que no início ela não sabia muito bem o
que estava ocorrendo, que tudo foi acontecendo aos poucos até o
momento em que ele a forçou a ter relação sexual. Narrou ainda que
atualmente estava sentindo muita dor na região da barriga. Alegou
também que sua mãe nunca deu importância para o que estava
acontecendo, e que desejava ir morar com sua tia materna. Diante
dos fatos a assistente social do Serviço Sentinela entrou em contato
com a referida tia, que mostrou interesse em assumir a guarda da
sobrinha até que a situação se resolvesse.
O Serviço Sentinela, em reunião de sua equipe técnica – assistente
social, pedagogo, educador social, psicólogo e advogado –, para
estudo do caso, resolveu comunicar ao Conselho Tutelar sobre o

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 328 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 329

atendimento e sugerir as seguintes providências: encaminhamento


da menina para atendimento ginecológico; encaminhamento do caso
à Promotoria ou Defensoria Pública para requerimento de pedido
de guarda para a tia; e noticiar o fato à Delegacia de Polícia Civil
para a apuração da responsabilidade criminal do agressor.
Vale ressaltar que o trabalho interdisciplinar, em rede, é fun-
damental para as tomadas de decisões no que tange à interrupção
da violência sexual. As informações do psicólogo, do médico, do
pedagogo, do profissional do programa de saúde da família são
importantíssimas.
Outro ponto de extrema importância que pode ser mencionado
são os aspectos que envolvem a responsabilidade criminal do
agressor, como se verá adiante.

Responsabilização criminal do agressor

Responsabilidade criminal é a obrigação que o indivíduo tem


de, quando confirmado o crime e a sua autoria, prestar contas do
seu ato, de arcar com as conseqüências de uma condenação.
O caminho da responsabilização criminal depende de uma
série de procedimentos, dentre eles está a investigação policial. Os
procedimentos relativos à responsabilização criminal encontram
amparo no Código de processo penal.
Ao falar sobre investigação policial estaremos falando em
Delegacia de Polícia Civil. Esta, conhecida como polícia judiciária,
tem função investigativa de apurar a prática de infração penal,
de buscar elementos que possam evidenciar o cometimento de
determinado crime e a elucidação dos autores do fato, com a
finalidade de fornecer elementos para a ação penal, para a ação do
Judiciário.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 329 12/11/2008 10:31:09


330 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Na Delegacia escuta-se a pessoa vitimizada pela violência sexual,


as testemunhas que presenciaram o fato ou que tenham ciência do
acontecido, ouve-se o acusado e, se necessário, solicita-se o exame
de corpo de delito. O que se busca com a investigação criminal é a
produção de provas.
As provas nos crimes sexuais, entretanto, não são de fácil
apuração, em sua maioria não deixam vestígios ou estes não são
perceptíveis, quando não são praticados no âmbito da residência
e, portanto, não se tem testemunha dos fatos.
Não é raro, também, a criança e o adolescente ficarem em silêncio
diante da violência sexual, por temor, por segredo imposto pelo
agressor ou por chantagens emocionais do tipo: “se você falar
alguma coisa eu corto a sua língua, eu mato todo mundo”; “se eu
for preso você será o responsável, vocês vão passar fome” ou “você
é o culpado por tudo o que está acontecendo”. Tudo isso ocorre
principalmente quando os agressores são os pais, padrasto, irmão,
tio. E o rompimento do segredo, em grande parte dos casos, só
acontece depois de vários anos de abuso.
Deve-se dizer que a nossa legislação penal atribui grande
importância para as provas materiais, dentre estas está o exame
de corpo de delito. Quando esse exame é solicitado, normalmente
pelo delegado de polícia, é necessário dar suporte ao vitimizado. É
indispensável uma orientação da Psicologia, do Serviço Social, do
Direito acerca dos procedimentos a serem realizados. Não é tarefa
fácil para uma criança ou adolescente abusada sexualmente passar
por esse exame.
O exame de corpo de delito tem por finalidade a apuração dos
vestígios encontrados no cometimento de determinado crime.
Trata-se de um procedimento destinado a apurar as alterações
materiais deixadas por uma infração penal.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 330 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 331

A orientação que é dada pelo Instituto Médico Legal é que na


ocorrência de crime que envolve abuso sexual, para preservar os
vestígios deixados (pêlo, pele, esperma), a criança ou adolescente
não deve tomar banho e, dependendo da situação, não deve lavar
a boca ou comer algo e, se possível ainda, levar as roupas que
usava.
Importante salientar que o exame de corpo de delito é um
meio de se provar determinado crime, entretanto, as provas não
se restringem apenas às fornecidas por este exame. Na falta de
vestígios do crime, buscam-se outros meios, tais como testemunhas,
laudo médico realizado pelo profissional que examinou a pessoa:
é o chamado “corpo de delito indireto”.
O Código de processo penal disciplina em seu artigo 157 que “o
juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”; isso
significa dizer que o juiz terá liberdade na apreciação das provas,
sejam as produzidas por exame de corpo de delito, ou pelas provas
testemunhais e laudos médicos. A regra é que a prova do crime deve
ser formada por qualquer elemento probatório não vedado em lei,
como as cartas escritas pelo agressor, fotografias, filmagens.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG tem avançado no
sentido de dar maior relevância ao depoimento de testemunhas e às
palavras da vítima. A respeito destacam-se as seguintes decisões:

EMENTA: ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PROVA SEGURA -


RELEVÂNCIA DAS DECLARAçÕES DA VÍTIMA - ALEGAçÕES DE
DEFESA SEM LASTRO PROBATÓRIO. Em crimes que geralmente
são praticados na clandestinidade, a palavra da vítima, mesmo
sendo menor de idade e estando comprometida emocionalmente
com o acusado, é de valor relevante se lançada com segurança,
sem contradições, e ainda encontra respaldo em outros dados dos
autos. (...) (AC nº 1.0024.00.117021-6/001 - TJMG Rel.: Des. Sérgio
Braga, publ. 10/02/04)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 331 12/11/2008 10:31:09


332 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

EMENTA: ESTUPRO AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS


- PALAVRA DA VÍTIMA - VALOR PROBANTE - Nos delitos contra
os costumes, notadamente no que se refere ao estupro, a palavra
da vítima, quando coerente e harmoniosa com os demais elementos
dos autos, tem maior relevância, pois nem sempre há testemunhas
visuais do fato. Se suas declarações (dela, vítima) são seguras e
compatíveis com os demais elementos dos autos, deve-se-lhe atribuir
a devida força probatória (...) (AC nº 1.0460.04.014453-3/001 – TJMG
Rel:. Des. Hyparco Immesi - 20/07/06)

Não obstante o teor das decisões acima transcritas, ainda há uma


preocupação excessiva com a veracidade dos fatos narrados pela
criança e pelo adolescente. Por vezes tenta-se inverter os papéis,
culpar a vítima pelo ocorrido, como questionar qual a roupa que
estava usando, se estava sedutor, ou seja, no lugar de vítima passa-
se a réu. Luiza Eluf, em estudo do crime de estupro, faz o seguinte
comentário:

É herança dos tempos de opressão o fato de que, em todo delito


de caráter sexual, ocorre um duplo julgamento: o do réu e o da
vítima.
Não raro os acusados de transgressão se defendem destruindo a
integridade moral e psicológica da mulher, imputando-lhe fatos ou
atos que a tornem culpada pela agressão que sofreu. Fazendo-se
um paralelo com os crimes contra o patrimônio, seria o mesmo que
justificar a conduta do ladrão alegando que ele não pôde resistir à
beleza do automóvel que subtraiu. Da mesma forma, procura-se
explicar a violência sexual com base nos atributos físicos da mulher
(ou mesmo da menina), sua maneira de ser, de vestir.
O agente, então, deixa de ser réu e passa a ser vítima dos seus
próprios e incontroláveis instintos, perversamente estimulados por
pessoa de comportamento desregrado. (1999: 5)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 332 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 333

Convém resaltar que se torna necessária uma mudança de


valores. Ainda há por parte dos operadores do direito uma
preocupação excessiva com a verossimilhança do depoimento do
vitimizado pela violência sexual. Isso faz crer que deveriam buscar
trabalhos interdisciplinares, executados por equipes compostas
por profissionais de outras áreas do conhecimento. Não representa
tarefa difícil imaginar que um estudo desenvolvido pela psiquiatria,
psicologia, dentre outros campos do saber, poderia trazer indícios
do cometimento do crime. Seria uma socialização de experiências
profissionais que facilitaria as tomadas de decisões dos operadores
do direito. O que não pode ocorrer é uma ênfase determinatória nas
provas materiais, sem levar em consideração outros aspectos que
corroborariam na apuração do crime.
Por fim, no que pese a importância de se buscar a responsabi-
lidade do agressor pela prática da violência sexual, não se pode
olvidar da proteção dos vitimizados, do acompanhamento, ou seja,
da aplicação das medidas protetivas. Quando da violência sexual
contra a criança e o adolescente é necessária a construção de dois
caminhos. Um é o da proteção, que está na ordem do direito civil, e
o outro é o da responsabilidade criminal, que está no direito penal.
Trata-se de caminhos distintos que devem ser buscados. Na pro-
teção investiga-se a interrupção da violência e o acompanhamento
dos vitimizados através da ação do Conselho Tutelar, da rede de
atendimento, da Promotoria da Infância e da Juventude, da Vara
da Infância e da Juventude, da Defensoria Pública, dentre outros.
Na responsabilidade criminal busca-se a apuração do crime, de
quem o cometeu, de quais são as provas que o evidenciam e ao
final visa-se a uma condenação. Os procedimentos relativos à
responsabilidade criminal podem se iniciar a partir da ação da
Polícia Militar, através do Boletim de Ocorrência, da notícia da
ocorrência do crime à Delegacia, à Promotoria Criminal ou por

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 333 12/11/2008 10:31:09


334 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

ação judicial do representante legal da criança e do adolescente.


É necessário, contudo, que se busquem essas duas ações.
Outro ponto importante é a atuação em rede, as entidades têm
que interagir. Para exemplificar pode-se apontar a atuação entre
a Delegacia de Polícia e o Conselho Tutelar e vice-versa. Quando
a notícia de um crime de violência sexual chega à Delegacia, o
delegado inicia a investigação criminal e comunica o ocorrido ao
Conselho Tutelar para que se providencie a proteção. Noutro giro,
chega ao Conselho Tutelar uma situação de violência sexual, o
conselheiro tutelar encarrega-se da proteção e comunica à Delegacia
para que se apure o crime.
Como já foi dito, o papel da Delegacia de Polícia Civil é o da
investigação do crime, da sua identificação. Assim, para que se
tenha uma visão geral dessa investigação, torna-se importante uma
abordagem geral sobre os tipos de crimes de violência sexual; é o
que se verá a seguir.

Crimes sexuais contra a criança e o adolescente

O conhecimento prévio de alguns crimes sexuais contribui para


a compreensão geral da violência sexual praticada contra a criança e
o adolescente. Tanto o Código penal como o Estatuto da Criança e do
Adolescente regulamentam os crimes sexuais. São vários os crimes
que podem estar inseridos na prática de violência sexual. No Código
penal pode-se enumerar os seguintes: Estupro, Atentado Violento ao
Pudor, Posse Sexual Mediante Fraude, Atentado ao Pudor Mediante
Fraude, Assédio Sexual, Corrupção de Menores, Mediação para
Servir a Lascívia de Outrem, Favorecimento a Prostituição, Casa de
Prostituição, Rufianismo, Tráfico Internacional de Pessoas, Tráfico
Interno de Pessoas e Seqüestro e Cárcere Privado.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 334 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 335

O Estatuto da Criança e do Adolescente enumera outros crimes


que não estão no elenco do Código penal. São os crimes disciplinados
nos artigos 240, 241 e 244-A, os quais têm por finalidade coibir a
pedofilia e a exploração sexual:

Art. 240. Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva, cine-


matográfica, atividade fotográfica ou de qualquer outro meio visual,
utilizando-se de criança ou adolescente em cena pornográfica, de
sexo explícito ou vexatória:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste
artigo, contracena com criança ou adolescente.
§ 2º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos:
I - se o agente comete o crime no exercício de cargo ou função;
II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para
outrem vantagem patrimonial.

Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar,


por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de
computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia
ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
I - agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedeia a
participação de criança ou adolescente em produção referida neste
artigo;
II - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das
fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste
artigo;
III - assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de
computadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagens
produzidas na forma do caput deste artigo.
§ 2º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos:
I - se o agente comete o crime prevalecendo-se do exercício de cargo
ou função;

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 335 12/11/2008 10:31:09


336 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

II - se o agente comete o crime com o fim de obter para si ou para


outrem vantagem patrimonial.

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no


caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou exploração sexual:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 1º - Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o
responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança
ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.
§ 2º - Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença
de localização e funcionamento do estabelecimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aponta, tam-


bém, em seu artigo 250, a infração administrativa relacionada à
hospedagem irregular de criança e adolescente em hotel, pensão
ou estabelecimento congênere. Visa-se coibir as situações em que
esses estabelecimentos são utilizados para fins de abuso e explo-
ração sexual:

Art. 250. Hospedar criança ou adolescente, desacompanhado dos


pais ou responsável ou sem autorização escrita destes, ou da auto-
ridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere:
Pena - multa de dez a cinqüenta salários de referência; em caso de
reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fecha-
mento do estabelecimento por até quinze dias.

Quanto ao Código penal tem-se os seguintes crimes:

Estupro
Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência
ou grave ameaça:
pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 336 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 337

Atentado violento ao pudor


Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,
a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso
da conjunção carnal:
Pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Posse sexual mediante fraud e


Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude:
Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor
de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) anos:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Atentado ao pudor mediante fraude


Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se
à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único. Se a ofendida é menor de 18 (dezoito) e maior de
14 (quatorze) anos:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Assédio sexual
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem
ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição
de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função.
Pena - detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Corrupção de menores
Art. 218 - Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14
(quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de
libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo:
Pena - reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 337 12/11/2008 10:31:09


338 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Mediação para servir a lascívia 6 de outrem


Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 1º Se a vítima é maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito)
anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou com-
panheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada
para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave
ameaça ou fraude:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da pena corres-
pondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também
multa.

Favorecimento da prostituição
Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou im-
pedir que alguém a abandone:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 1º Se ocorre qualquer das hipótese do § 1º do artigo anterior:
Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos.
§ 2º Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça
ou fraude:
Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, além da pena corres-
pondente à violência.
§ 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também
multa.

Casa de prostituição
Art 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prosti-
tuição ou lugar destinado a encontros para fim libidinoso, haja,
ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou
gerente:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 338 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 339

Rufianismo
Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando direta-
mente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte,
por quem a exerça:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:
Pena - reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, além da multa.
§ 2º Se há emprego de violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da multa e sem
prejuízo da pena correspondente à violência.

Tráfico internacional de pessoas


Art. 231. Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território
nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição ou a saída de
pessoa para exercê-la no estrangeiro:
Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º - Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:
Pena - reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
§ 2º Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena
é de reclusão de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.

Tráfico interno de pessoas


Art. 231-A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional,
o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição:
Pena - reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o dis-
posto nos §§ 1º e 2º do art. 231 deste Decreto-Lei.

Seqüestro e cárcere privado


Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou
cárcere privado:
Pena - reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
(...)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 339 12/11/2008 10:31:09


340 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;


V - se o crime é praticado com fins libidinosos.
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza
da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Dentre os crimes enumerados é importante pontuar que, nos


de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos contra
menores de quatorze anos, há presunção de violência. Nesses casos
não há necessidade de provar o uso da violência ou da grave ameaça,
basta a comprovação do ato sexual. Considera-se que o menor de
quatorze anos não tem capacidade de dar o seu consentimento, pois
se trata de pessoa em estado peculiar de desenvolvimento, que não
tem discernimento suficiente para decidir sobre as conseqüências de
seus atos, bem como não apresenta desenvolvimento físico adequado
para experiências relativas ao mundo adulto.

Considerações finais

O Estatuto da Criança e do Adolescente fundamentado na dou-


trina da proteção integral inova na proteção dos direitos do público
infanto-juvenil. Não só traz o rol de direitos a serem observados,
como também exige a implantação de políticas públicas para a efe-
tivação desses direitos. O Estatuto também disciplina a participação
das entidades governamentais e não-governamentais, cria os Con-
selhos Tutelares, os Conselhos de Direitos, renova as atribuições do
Judiciário, do Ministério Púbico, enfim, cria um verdadeiro sistema
de garantia de direitos. O ECA apresenta todos os instrumentos
necessários para a proteção, para a garantia dos direitos do público
infanto-juvenil, enumera os direitos fundamentais e convoca a todos
para resguardá-los.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 340 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 341

Deve-se pontuar que, para o sistema de garantia tornar-se


operante, é necessária uma ação positiva do Estado. É necessário
também que o público infanto-juvenil seja identificado como sujeitos
de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento
que precisam de atenção especial e que gozam de prioridade
absoluta.
Somente com uma rede de atendimento estruturada é possível
interromper a violência sexual e dar um tratamento adequado às
crianças, aos adolescentes e suas famílias.
Quanto à aplicação das medidas protetivas é indispensável
uma abordagem ampla e cuidadosa junto à família. A realidade da
violência sexual, principalmente a incestuosa, pela violência que a
caracteriza, demanda uma avaliação e acompanhamento de todos
os membros da família.
Em relação à responsabilidade criminal do agressor, trata-se de
um procedimento policial voltado para a investigação do crime. O
caminho da responsabilidade criminal do agressor é longo, com-
posto de várias fases: interrogatórios, depoimentos, audiências, seja
na Delegacia, seja na Justiça. Não raro acontece de os vitimizados
pela violência ficarem completamente sozinhos, tendo que enfrentar
todos esses procedimentos sem apoio técnico. A rede de proteção
à criança e ao adolescente tem que se atentar para isso. É preciso
acompanhar os vitimizados pela violência até a resolução do caso
seja na esfera judicial, seja nos aspectos que envolvem a Saúde,
Assistência Social, dentre outros.
Ao concluir este texto faz-se necessária uma breve reflexão sobre
a experiência vivenciada na capacitação/formação de educadores
para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil realizada
nos municípios abrangidos pela expansão do PAIR, em Minas
Gerais.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 341 12/11/2008 10:31:09


342 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

A capacitação/formação sobre a Contribuição do Direito para


o Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil dividiu-se em
quatro partes: estrutura do direito da criança e do adolescente no
nosso ordenamento jurídico, medidas de proteção, responsabili-
zação criminal do agressor e os crimes relacionados à violência
sexual.
No que diz respeito à estrutura do direito da criança e do ado-
lescente no nosso ordenamento jurídico, pôde-se perceber certo
desconhecimento sobre o tema, sobretudo do Estatuto da Criança
e do Adolescente.
É essencial uma maior compreensão, um estudo mais aprofun-
dado sobre os mecanismos de garantia dos direitos da criança e do
adolescente: atribuições do Conselho Tutelar; do Conselho Muni-
cipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; da importância do
Fundo para a Infância e a Adolescência para a política de proteção;
da competência do Ministério Público, da Justiça, da participação
das entidades governamentais e não-governamentais no enfrenta-
mento à violência contra crianças e adolescentes.
Em relação às medidas de proteção percebeu-se que há compre-
ensão sobre quais são e do modo como são aplicadas, sobre as formas
de organização do grupo familiar com histórico de violência sexual.
A dificuldade parece estar em se ter uma rede de atendimento que
possa amparar a demanda.
É importantíssimo o aprimoramento da rede de atendimento,
das ações dos órgãos de garantia dos direitos da criança e do
adolescente, sobretudo dos Conselhos Municipais dos Direitos
da Criança e do Adolescente. Através de um Conselho atuante é
possível formular e controlar a política de atendimento, para tanto os
Conselhos têm um importante instrumento que é o Fundo Municipal
para a Infância e a Adolescência.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 342 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 343

Quanto à responsabilização criminal do agressor, os questio-


namentos voltaram-se para a dificuldade de se apurar o crime e a
demora da Justiça.
No que diz respeito à parte da capacitação/formação relacionada
aos crimes sexuais, a abordagem realizada foi voltada para infor-
mações gerais, para a compreensão das condutas que são proibidas,
que representam uma infração penal.
Dentre todos os aspectos abordados denota-se que há pouco
envolvimento dos profissionais do Direito, que são raros os advo-
gados que se propõem a estudar e atuar na área dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Percebe-se a atuação mais acentuada do
Serviço Social, da Psicologia, da Pedagogia, mas na área do Direito
é visível a carência.
Por fim, cumpre registrar que uma questão com tantos agravos
requer a estreita cooperação de profissionais de diferentes áreas
do conhecimento, a necessidade do trabalho interdisciplinar.
Durante o processo de capacitação/formação isso ficou claro, mas
de uma forma geral demonstrou-se o empenho dos participantes
em construir e aprimorar a metodologia de trabalho, bem como
suas intervenções.

Notas
1
“Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.”
2
Política de caráter universal, estrutural, destinada à garantia dos direitos funda-
mentais da pessoa, de suas necessidades básicas (saúde, alimentação, educação,
convivência familiar, cultura, recreação).

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 343 12/11/2008 10:31:09


344 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

3
Política de caráter supletivo, emancipador, transitório, destinada àqueles que
estão em estado de necessidade, seja por situação econômica ou por alguma
vulnerabilidade.
4
Política voltada para aqueles que se encontram em situação de risco social e pessoal
(vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade, opressão).
5
Política direcionada para a defesa jurídico-social dos direitos da criança e do
adolescente.
6
Segundo o Dicionário Houaiss, o termo significa: propensão para a luxúria, sensuali-
dade exagerada; lubricidade caráter do que está marcado pela sensualidade ou do
que produz a propensão para a sensualidade (HOUAISS, A. Disponível em: <http://
houaiss.uol.com.br/busca.jhtm>. Último acesso em: 27de dezembro de 2007.)

Referências

ARANTES, Geraldo Claret. Manual de prática jurídica - Estatuto da Criança e do


Adolescente. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 2004.

BITTENCOURT, Edgar de Moura. Guarda de filhos. 2. ed. São Paulo: Livraria


Editora Universitária de Direito, 1981.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Código penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por
Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

BRASIL. Código de processo penal. Organização dos textos, notas remissivas e


índices por Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

COSTA, Tarcísio José Martins da. Estatuto da Criança e do Adolescente - Comen-


tado. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara; OLIVEIRA, Thales Cezar de. Estatuto


da Criança e do Adolescente. Atlas, 2005.

ELUF, Luiza Nagib. Crimes contra os costumes e assédio sexual. São Paulo: Manda-
mentos, 1999.

ESTATUTO DA CRIANçA E DO ADOLESCENTE. Ministério da Justiça.


Secretaria da Cidadania e Departamento da Criança e do Adolescente. Brasília,
1990.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 344 12/11/2008 10:31:09


Contribuição do Direito para o enfrentamento à violência... 345

FELIPE, Jorge Franklin Alves. Adoção, guarda, investigação de paternidade e


concubinato. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 1 v. Parte
geral.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 14. ed. São Paulo, Saraiva, 1999. 3 v. Parte
especial: Dos crimes contra a propriedade material e dos crimes contra a paz
pública.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: LTr, 1998.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 18. ed. São
Paulo: Saraiva, 1996.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 1992.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 345 12/11/2008 10:31:09


E le o n o ra Sc h e t t i n i M. C u n h a

1
PLANEJANDO A AÇÃO EM REDE

Introdução

Ao final da década de 1980 e, principalmente, durante a década


de 1990, a avaliação de inúmeras ações desenvolvidas tanto por
órgãos dos governos, quanto por organizações da sociedade civil
já apontava que uma das causas da sua pouca efetividade decorria
de um planejamento malfeito ou mesmo da total falta dele. Esta
constatação tem estimulado, desde então, a formação de recursos
humanos nesta área, assim como também tem servido de parâ-
metro para que governos e organizações aperfeiçoem seu processo
de planejamento. Foi também neste período que a maior parte das
políticas sociais brasileiras criou e implementou seus sistemas
de funcionamento, em que a formulação de planos, programas
e projetos passou a orientar a ação pública não só dos governos,
mas também das organizações da sociedade civil que estabelecem
parcerias com eles para a execução dessas ações.
As diversas áreas de políticas públicas, e em especial as políticas
sociais, têm procurado organizar-se de modo que sejam alcan-
çados resultados que alterem efetivamente a qualidade de vida da
população brasileira. Assim tem sido com a área da criança e do
adolescente que, após a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), tem passado por profundas transformações,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 346 12/11/2008 10:31:10


Planejando a ação em rede 347

de modo a adequar os espaços de atendimento a este segmento da


população e a construir ações que venham a efetivar os direitos e
deveres assegurados na norma legal. Para isto, a União, os Estados
e os Municípios têm envidado esforços conjuntos que buscam
articular e potencializar suas capacidades, bem como desenvolver
novas habilidades e competências para o enfrentamento de
problemas e necessidades presentes na sociedade brasileira. O
Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à
Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Território Brasi-
leiro (PAIR) é um desses esforços. O Programa tem como referência
metodológica o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual
Infanto-Juvenil, que visa articular e integrar políticas públicas, bem
como formar e fortalecer redes de proteção integral a crianças e
adolescentes nos municípios brasileiros. A estratégia do Programa
é fortalecer os municípios por meio da criação de Comissões Ope-
rativas Locais, responsáveis pela mobilização de todos os setores
da sociedade para a execução de um Plano Operativo Local, bem
como pelo monitoramento e avaliação do mesmo. Este texto foi
reelaborado com a intenção de contribuir com esses esforços, no
sentido de servir como estímulo e apoio ao processo de construção
e acompanhamento dos Planos Operativos Locais.

A importância do planejamento

Toda ação humana acontece em uma realidade social específica,


a qual determina necessidades que precisam ser satisfeitas e/ou
problemas que demandam soluções, na perspectiva de uma nova
realidade que se almeja construir. A ação humana propositiva se dá
na medida em que são estabelecidos novos patamares desejáveis a
serem alcançados, tanto no âmbito concreto quanto no subjetivo,
tendo como referência uma determinada situação inicial.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 347 12/11/2008 10:31:10


348 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Uma ação propositiva, que busca a mudança da realidade para


níveis melhores daqueles que se apresentam, representa um
compromisso ético dos responsáveis pela ação. Para ser efetiva
deve ser cuidadosamente planejada, ou seja, previsível, reunindo
condições e elementos que permitam que se chegue a um fim,
calculando a ação em si e a seqüência de passos ordenados. Daí a
importância do planejamento, enquanto possibilidade de se antever
o que se pretende e, assim, calcular antecipadamente as condições
necessárias para se chegar ao objetivo que se pretende.
Planejar é um recurso que aumenta a compreensão sobre o
trabalho a ser realizado, diminui incertezas, seleciona alternativas,
identifica melhor a ação, dimensiona necessidades e disponibi-
lidades, evita erros e desperdícios, prepara para enfrentar neces-
sidades e problemas, define papéis e responsabilidades. Planejar,
portanto, pode ser muito mais do que uma atividade burocrática,
pois organiza as idéias, expõe o pensamento e as intenções, orienta
a ação, sustenta o acompanhamento e a avaliação.
Um bom planejamento pressupõe conhecer bem a situação que
se quer mudar, saber o que se quer alcançar e como se pode chegar
lá, de quanto tempo e recursos se precisa. Para ter resultados
duradouros, as ações devem ser planejadas com a participação
de todos que estarão envolvidos (coordenação, equipe de elabo-
ração, parceiros, executores, usuários, outros), estimulando-se
esta participação o mais amplamente possível, desde o início do
planejamento até a avaliação final. Também deve-se ter a preo-
cupação de prever como será acompanhado o desenvolvimento
das ações, como elas serão avaliadas e quem participará desses
processos. O planejamento, portanto, deve ser entendido como
um processo contínuo de decisões, um instrumento que nos
permite calcular antecipadamente as ações a serem realizadas
em um determinado período de tempo, com vistas à obtenção de
resultados almejados.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 348 12/11/2008 10:31:10


Planejando a ação em rede 349

Fases do planejamento
O processo de planejamento tem um ciclo de vida próprio,
expresso em fases específicas, que se entrelaçam continuamente.
Neste sentido, as fases estão descritas a seguir separadamente, para
uma melhor compreensão de suas características, mas elas estão
intimamente relacionadas e muitas vezes acontecem concomitan-
temente. Na fase da reflexão são reconhecidas as necessidades e/ou
problemas que se quer alterar, busca-se as causas e os efeitos a eles
relacionados, pensa-se em alternativas possíveis para a superação
das condições atuais.
Na fase da decisão, definem-se quais são as causas mais signifi-
cativas e que merecem uma intervenção planejada e sistemática, da
qual resulta o documento que expressa as decisões. A fase da ação
é aquela em que se executam as ações planejadas, adequando-as
conforme determinar o seu acompanhamento.
À fase da revisão correspondem os momentos em que se verifica
se as ações desenvolvidas conseguiram atingir os objetivos pro-
postos e em que medida isso ocorreu, possibilitando a correção dos
erros numa nova intervenção. É, portanto, a fase da avaliação.
Mais uma vez, é bom que se diga que, embora apresentadas de
forma seqüencial, estas fases não são lineares, distanciadas entre si.
Pelo contrário, elas se entrelaçam permanentemente.

Níveis de planejamento e seus instrumentos


Há vários níveis de planejamento, que se relacionam à amplitude
do problema que se pretende resolver, ao alcance das soluções pos-
síveis, ao conjunto de atores que se mobilizam para as ações, dentre
outros aspectos. O nível mais amplo de planejamento expressa-se
nas políticas públicas, que, dentre outras coisas, estabelecem os
princípios e as diretrizes gerais para a ação pública numa certa área.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 349 12/11/2008 10:31:10


350 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

O planejamento estratégico tem uma amplitude mais restrita que


o das políticas, ainda que trate de ações de longo prazo, susten-
tadas em cenários futuros desejados. O planejamento operacional
é aquele que diz respeito a um âmbito de ação mais restrito, em
que são tratadas questões mais específicas. A literatura nesta área é
bastante ampla e aponta diversas possibilidades quanto ao âmbito
do próprio planejamento.
Aos diferentes níveis de planejamento correspondem diferentes
instrumentos que comunicam as idéias e intenções construídas no
processo. Os mais usuais são os planos, os programas e os projetos.
Os planos são documentos que apresentam as grandes linhas ou
eixos estratégicos relacionados a certa área de atuação, que indicam
não só os principais objetivos, mas também as diretrizes e estratégias
que orientarão a ação. Os planos se desdobram em programas e
projetos que serão desenvolvidos num determinado período de
tempo, devendo indicar a seqüência das ações, as prioridades,
os responsáveis e parceiros, dentre outros aspectos que se julgar
relevantes.
É bom lembrar que há planos de âmbito mais amplo, que tratam
de grandes temas, com objetivos também mais amplos e destinados
a grandes áreas de abrangência, como é o caso do Plano Nacional
de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil. No entanto,
há outros planos com objetivos e alcance mais delimitados, seja por
que tratam de algum tema específico, seja porque são de menor
abrangência, como serão os Planos Municipais de Enfrentamento
da Violência Sexual Infanto-Juvenil.
O programa é um documento que expressa decisões de amplitude
mais restrita, geralmente relacionadas a uma área temática, orga-
nizando o conjunto de projetos, processos, atividades ou serviços
voltados para a consecução de um objetivo mais amplo. O projeto
é o documento de planejamento mais operacional e detalhado, que

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 350 12/11/2008 10:31:10


Planejando a ação em rede 351

vincula recursos, atividades e componentes durante um período de


tempo determinado, propiciando a resolução de um problema ou
necessidade da população. A figura a seguir demonstra a relação
entre esses instrumentos.

Plano

Programa Programa Programa

Projeto Projeto Projeto

Projeto Projeto Projeto

Projeto

Há diversas possibilidades de se redigir os documentos que vão


apresentar os resultados do processo de planejamento, conforme
o método e a linha de planejamento, que têm características pró-
prias. Uma questão determinante para a escolha do método e das
ferramentas que se utilizará para planejar está relacionada à sua
forma, ou seja, se será um processo do qual só participarão técnicos
e equipe de profissionais (planejamento de cima para baixo) ou se
envolverá outros sujeitos sociais e políticos (planejamento de baixo
para cima). De todo modo, é importante que se apreenda a lógica do
planejamento, buscando compreender todas as formas que possam
vir a assumir um documento final.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 351 12/11/2008 10:31:10


352 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Elementos do planejamento

Há elementos que são comuns aos diferentes instrumentos de


planejamento e outros que são mais específicos de um ou de outro
instrumento. Esses elementos possibilitam organizar de forma
lógica a apresentação das decisões tomadas. Alguns elementos são
consensuais em diversos métodos, outros não; alguns são especí-
ficos de determinado método e há, ainda, aqueles que só mudam a
terminologia, mas o significado é o mesmo. Para que se possa fazer
a aproximação com esta terminologia, há algumas perguntas básicas
que induzem à lógica do planejamento e que se relacionam com os
termos próprios do planejamento de forma geral. Esta relação pode
ser visualizada no quadro a seguir.

Perguntas Elementos
Quem pretende enfrentar o problema? Apresentação
Qual o problema que se apresenta e em que circunstâncias? Diagnóstico
Por que enfrentá-lo e qual alternativa é a melhor possível
Justificativa
para se alterar a situação atual?
Para que mudanças mais amplas esta solução pode contribuir? Finalidade
O que quero alcançar no âmbito mais abrangente e Objetivos –
no mais específico? Geral e Específicos
Para quem se destinam as ações? Público-alvo
Quanto quero fazer e para quantos? Metas
Como fazer para alcançar o que quero?/Quais atividades/ações
Metodologia
a serem desenvolvidas?
Quando acontecerão as ações? Cronograma
Que efeitos espero obter com o desenvolvimento das atividades? Produtos
Com o que fazer as ações e de quanto preciso para realizá-las? Recursos
Como saber se as ações estão dando certo ou não? Monitoramento
Como saber se o que era pretendido foi alcançado? Avaliação

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 352 12/11/2008 10:31:10


Planejando a ação em rede 353

Há, ainda, outros elementos que podem integrar a lógica do plane-


jamento conforme a amplitude do processo, como os princípios, a
finalidade e as diretrizes que orientarão as ações. Considerando que
uma das estratégias do PAIR é a construção dos Planos Operativos
Locais, um documento de maior amplitude do que os projetos,
alguns dos elementos apresentados anteriormente não necessitam
estar explícitos. Assim, os principais elementos que devem integrar
um plano serão mais bem trabalhados a seguir, indicando-se a
variedade da nomenclatura, alguns conceitos básicos e, quando
possível, alguns exemplos. Vale lembrar que não existe uma regra
única para que se definam os elementos de um plano, variando
conforme o método de planejamento, o que reforça a importância
de se compreender a lógica de sua formulação.

Apresentação
A apresentação ou introdução deve oferecer as principais infor-
mações sobre o plano, destacando seu objetivo geral, o público-alvo,
a área de abrangência, o histórico que levou à sua elaboração, as
instituições parceiras e os compromissos que sustentaram a elabo-
ração e vão orientar sua execução.

Diagnóstico
Esta é a parte do plano que apresenta a realidade que se pretende
alterar, ou seja, os problemas sociais que são percebidos ou as
demandas que são apresentadas pela sociedade. Também conhecido
como avaliação ex-ante, o diagnóstico faz uma análise do fenômeno
que será objeto da intervenção, assim como dos ambientes externo
e interno das instituições que têm alguma ação relacionada ao
fenômeno.
Na análise externa deve-se descrever e analisar o problema que
determinou a elaboração do plano a partir de dados (estatísticas,
documentos, entrevistas, observações registradas, pesquisas, outros).

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 353 12/11/2008 10:31:10


354 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Pode-se iniciar relatando a “história do problema”, ou seja, des-


crevendo as condições que deram origem e sustentam o problema.
Deve-se destacar os fatos, as causas, os efeitos, a gravidade, a
dimensão, onde ocorre, quem é atingido (quantidade, caracterís-
ticas, quantos já são atendidos), as dificuldades de se enfrentar
o problema, as possibilidades de prevenção, os sujeitos sociais e
políticos envolvidos, seus interesses, suas relações e sua influência,
as ações que já vêm sendo desenvolvidas na área – públicas e
privadas – e os resultados percebidos (positivos e negativos), as
tendências nas mudanças.
Na análise do problema deve-se dar atenção especial às suas
causas, diferenciando-as dos efeitos, pois a efetividade da solução
buscada depende da identificação correta daquelas causas que,
quando “atacadas”, realmente alterarão a realidade. Neste caso,
deve-se estabelecer uma hierarquia entre as causas e os efeitos,
as chamadas “relações causais”, sendo que as causas devem se
constituir no foco de ação. Uma técnica que contribui nesta análise
é conhecida como “árvore de problemas”, apresentada na figura a
seguir como exemplo.

CAUSAS PROBLEMA EFEITOS

Rede de Redução do potencial


atendimento de intervenção
fragmentada da rede

Denúncias de maus-
Recursos humanos Atendimento tratos no atendimento
pouco preparados precário às crianças dos profissionais
e adolescentes
em situação de
Sobreposição de
Pouca integração violência sexual
algumas ações e/ou
institucional
inexistência de outras

Precariedade Atendimento
da infra-estrutura inadequado

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 354 12/11/2008 10:31:10


Planejando a ação em rede 355

A análise interna diz respeito à capacidade institucional para a


solução do problema, o potencial e as fragilidades, seja com relação
aos aspectos materiais, concretos (condições de infra-estrutura,
recursos humanos, recursos financeiros, capacidade de articulação
com outras instituições etc.), seja com relação aos aspectos materiais,
subjetivos (qualificação dos recursos humanos, entendimento quanto
à importância das ações etc.), dentre outros aspectos que forem
considerados importantes pelos planejadores.

Justificativa
A justificativa articula o problema apresentado no diagnóstico
com a proposta de solução que os planejadores entendem ser a
melhor ou a possível no contexto analisado. Assim, deve ser descrita
a solução considerada mais plausível e explicado o porquê de ela
ter sido escolhida. Neste momento são apontadas as diretrizes, ou
seja, a direção que se quer dar às ações que serão executadas.
Considerando os ambientes externo e interno, deve-se fazer uma
análise dos fatores que podem afetar (positiva e negativamente) o
desenvolvimento do plano. Na justificativa também são apresen-
tados os atores sociais e políticos que são considerados relevantes
para o desenvolvimento do plano e o papel que eles terão, princi-
palmente no caso de parcerias.
A escolha de alternativas de solução para o problema não é
fácil. No processo de decisão, pode-se definir por aquela que terá
maior impacto, pelas mais convenientes e realistas, por aquelas de
melhor resultado com menor custo, enfim, esses e muitos outros
determinantes que devem ser negociados e pactuados entre aqueles
que participam da elaboração do plano.
É importante apontar que alguns métodos de planejamento
determinam que o diagnóstico e a justificativa não devem ser apre-
sentados em separado, mas sim seqüencialmente, uma vez que são

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 355 12/11/2008 10:31:10


356 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

interdependentes. Neste caso, usualmente apresenta-se o conteúdo


dos dois elementos na justificativa.

Princípios
Princípios (ou fundamentos) são o conjunto de referências ou
parâmetros que expressam os principais valores que vão sustentar
todas as decisões relacionadas com o plano, seja na sua elaboração,
seja na sua execução e avaliação. O Plano Nacional de Enfrenta-
mento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, por exemplo, sustenta-se
nos princípios da

proteção integral, da condição de sujeitos de direitos, da prioridade


absoluta, da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, da
participação/solidariedade, da mobilização/articulação, da gestão
paritária, da descentralização, da regionalização, da sustentabili-
dade e da responsabilização (Brasil, 2001: 14).

Finalidade
É o efeito ou transformação social que justifica o desenvolvimento
do plano e com o qual ele pode contribuir, mas que sozinho não
poderá alcançar. Por exemplo, um plano municipal de enfrentamento
da violência sexual pode contribuir para reduzir a violência de modo
geral praticada contra crianças e adolescentes num determinado
município. No entanto, é muito pouco provável que reduza todos
os tipos de violência.

Objetivos
São os resultados a serem obtidos com a implantação do plano.
Eles definem aonde se quer chegar, isto é, estabelecem o futuro
desejado e, a partir deles, se determina o que se espera do plano
(suas metas). Um cuidado importante na formulação dos objetivos

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 356 12/11/2008 10:31:10


Planejando a ação em rede 357

é que eles possam ser aferidos, ou seja, que eles possam ser verifi-
cados, medidos futuramente, o que significa que eles não devem ser
abstratos e devem ser enunciados de forma clara, precisa e realista.
Um outro cuidado é expressá-los no tempo verbal infinitivo.
Há dois níveis de expressão dos objetivos: geral e específicos.

a) Geral
Também chamado central ou superior, é o enunciado que orienta
de maneira geral o desempenho de um plano e deve ser formulado
em termos de mudanças esperadas na situação geral da população
ou grupo a quem se destinam as ações. Ele tem relação direta com
o problema identificado e que é o foco central do plano. O Plano
Nacional tem como objetivo geral “estabelecer um conjunto de ações
articuladas que permita a intervenção técnico-política e financeira
para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adoles-
centes” (Brasil, 2001: 14).

b) Específicos
Também denominados intermediários ou inferiores, são desa-
gregações do objetivo geral, e, portanto, menos abrangentes, mas
complementares entre si, pois o seu alcance deve possibilitar a rea-
lização do objetivo geral. Os objetivos específicos são estabelecidos
observando-se as causas do problema, ou seja, eles expressam o que
se pretende alcançar para solucioná-las. Parte-se do pressuposto
de que, ao se resolverem as causas que sustentam o problema, ele
também deverá ser solucionado. A partir dos objetivos específicos
é que se organizarão as ações e se determinarão os resultados espe-
rados. No caso do plano, os objetivos indicam os eixos estratégicos
que orientarão as ações propostas.
O Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-
Juvenil, por exemplo, apresenta os seguintes objetivos específicos:

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 357 12/11/2008 10:31:10


358 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

• realizar investigação científica, visando compreender, analisar,


subsidiar e monitorar o planejamento e a execução das ações
de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adoles-
centes;
• garantir o atendimento especializado às crianças e aos adoles-
centes em situação de violência sexual consumada;
• promover ações de prevenção, articulação e mobilização, visando
ao fim da violência sexual;
• fortalecer o sistema de defesa e de responsabilização;
• fortalecer o protagonismo infanto-juvenil.
É importante perceber que há uma relação direta entre a fina-
lidade, o objetivo geral e os objetivos específicos. O alcance destes
últimos leva à efetivação do objetivo geral e este último, quando
alcançado, possibilita a efetivação da finalidade, como mostra a
figura a seguir.

Finalidade
Contribuir para assegurar a proteção integral à criança


e ao adolescente em situação ou risco de violência sexual.

Objetivo geral
Estabelecer um conjunto de ações articuladas que permita a
intervenção técnico-política e financeira para o enfrentamento


da violência sexual contra crianças e adolescentes.

Objetivos específicos
• Realizar investigação científica.
• Garantir o atendimento especializado.
• Promover ações de prevenção, articulação e mobilização.
• Fortalecer o sistema de defesa e de responsabilização.
• Fortalecer o protagonismo infanto-juvenil.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 358 12/11/2008 10:31:10


Planejando a ação em rede 359

Outro aspecto que deve ser observado é a relação entre os


objetivos dos instrumentos que serão construídos como meio
de operacionalizar o plano, como mostram as figuras a e b a
seguir. Os objetivos específicos do plano serão transformados
nos objetivos gerais de cada programa que o integra, assim como
os objetivos específicos dos programas serão considerados como
os objetivos gerais de cada projeto. Com isto pode-se verificar
a inter-relação entre os instrumentos de planejamento e como
eles se complementam a fim de assegurar o cumprimento do
objetivo geral do plano. (Ver Proposta de Matriz de Planejamento,
em anexo.)

Objetivo geral
(Plano)

Objetivo Objetivo geral


específico (Programa)

Objetivo Objetivo Objetivo geral


específico específico (Projeto)

Objetivo Objetivo Objetivo


específico específico específico

Objetivo Objetivo
específico específico

Objetivo
específico

Figura a

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 359 12/11/2008 10:31:10


360 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Exemplo:

Objetivo geral
Objetivo geral
(Projeto)
(Programa)
Objetivo geral Envolver crianças
Fortalecer o
(Plano) e adolescentes no
protagonismo
monitoramento e
infanto-juvenil
avaliação do POL

Envolver crianças
Fortalecer o
e adolescentes no Objetivo
protagonismo
monitoramento e específico
infanto-juvenil
avaliação do POL

Objetivo Objetivo Objetivo


específico específico específico

Objetivo Objetivo Objetivo


específico específico específico

Figura b

Metas
Indicam a cobertura do plano e estão diretamente relacionadas
aos objetivos, apontando o nível de transformação esperado. Para
isto, devem ser realistas, precisas, verificáveis, ou seja, devem ser
detalhadas com relação à quantidade, qualidade e tempo (quantos
da população que sofre com o problema serão beneficiados, qual a
mudança esperada e em que período de tempo). As metas contri-
buem para que futuramente se possa medir o êxito do plano.
As metas darão, também, as dimensões dos recursos humanos,
materiais e financeiros necessários à execução das ações, bem como

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 360 12/11/2008 10:31:11


Planejando a ação em rede 361

determinarão o cronograma de atividades a serem realizadas.


Devem ser expressas por uma unidade de medida (exemplos: nú-
mero, porcentagem, taxa, índice etc.) e alguns autores consideram
que elas devem ser expressas no tempo verbal particípio passado.
Exemplo de meta: 100% do sistema de defesa e responsabilização
fortalecido em 12 meses.

Atividades/ações
Este é o elemento do plano em que se relacionam e se descrevem
as ações e os procedimentos necessários para que sejam gerados os
produtos. Seu detalhamento dá origem à metodologia, ou seja, à
explicação de como se pretende executar as ações visando alcançar
os objetivos propostos, o modo como se pretende desenvolver
cada eixo de ação, dimensionando o escopo do plano, os prazos
necessários, a seqüência das ações, seus responsáveis, inclusive
evidenciando as parcerias. A disposição dessas atividades num
quadro temporal – o cronograma – contribui não só para melhor
organizá-las, mas também realizar o acompanhamento da sua
execução. O cronograma de atividades, portanto, é um quadro que
apresenta as atividades localizadas no tempo e pode ser detalhado
em semanas, quinzenas, meses ou anos, de acordo com as especi-
ficidades do plano.
Um exemplo de atividade é a realização de cursos ou de oficinas
para capacitação de recursos humanos.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 361 12/11/2008 10:31:11


362 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Exemplo de cronograma:

Período (meses)
Atividade
1° 2° 3° 4° 5° 6° 7° 8° 9° 10º 11º 12º
Preparação
X
do curso
Preparação de
X
material didático
Divulgação
X X
e inscrição
Realização
X X X X X X
do curso
...
...
Monitoramento do
X X X X X X X X X X X
plano
Avaliação
X X X
do plano

Produtos
São os resultados concretos das atividades/ações. Eles são esta-
belecidos, portanto, a partir de cada atividade programada e devem
ser quantificáveis, realistas e alcançáveis. Exemplo de produto: um
curso realizado ao final de seis meses.

O planejamento da avaliação
A avaliação é uma ação tão importante que deve ser prevista
durante o processo de planejamento, integrando o documento
que o expressa (seja um plano, um programa ou um projeto). Um
primeiro aspecto a ser tratado quanto à avaliação é seu próprio

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 362 12/11/2008 10:31:11


Planejando a ação em rede 363

conceito: avaliar é emitir juízo de valor sobre os resultados, e o


mérito do que foi planejado é a verificação qualitativa do alcance
dos objetivos propostos. Para isto utilizam-se métodos e técnicas
que permitem determinar e avaliar o que se alcançou, em que
quantidade, que outros efeitos se obteve e o porquê, sendo essa
análise posteriormente sistematizada por meio de relatórios ou
outros documentos que comunicam as reflexões despertadas
pela avaliação. Esta sistematização produz conhecimentos sobre
o problema que foi objeto da ação planejada e as alternativas
encontradas para sua solução, permitindo replicar a experiência
exitosa ou evitar que se cometam falhas semelhantes, quando elas
acontecerem.
Pode-se identificar algumas funções relacionadas à avaliação,
dentre elas:
• função gerencial, que visa facilitar o processo de tomada de
decisões;
• função política, que objetiva estabelecer os resultados e impactos
da ação;
• função de prospecção, que intenciona definir se os objetivos
continuam válidos ou não;
• função de adequação, que visa aperfeiçoar a ação e a capacidade
de execução;
• função de controle público, que propicia a transparência no uso
dos recursos e na execução das diversas atividades.

A avaliação, por emitir juízo de valor sobre algo, realiza-se a


partir de um referencial, de um parâmetro, um marco que possibilita
comparar a situação de onde se partiu e aonde se conseguiu chegar,
estabelecido quando da definição dos princípios ou fundamentos,
da linha pedagógica e/ou do referencial teórico que sustentará a
ação, bem como dos indicadores que mostrarão a situação inicial,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 363 12/11/2008 10:31:11


364 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

que a antecede. Por meio da avaliação se verifica a efetividade dos


resultados, isto é, se alcançou o objetivo a que se propôs e produziu
mudanças na realidade social. Também se verifica a eficácia quanto
ao alcance dos objetivos e a eficiência no uso dos recursos, como
mostra a figura a seguir.

Recursos Objetivos Resultados


  
Eficiência Eficácia Efetividade
  
Resultados ou efeitos

Impacto

Mudanças na realidade social

Avaliar permite aperfeiçoar o planejamento e as próprias ações,


introduzir modificações necessárias e melhorar a programação
futura, ou seja, possibilita a formulação de ações corretivas ao se
replicar a experiência.
A avaliação deve considerar os indicadores definidos no processo
de planejamento, assim como quem fornecerá os dados, como eles
serão obtidos, quem os tratará, como serão divulgados etc. Há vários
métodos de coleta de dados a serem considerados, devendo-se levar
em conta os tipos de abordagem que se pretende: quantitativa,
qualitativa ou pluralista. Isto determinará os instrumentos de coleta
de dados (questionários, entrevistas, outros).
A literatura mostra que há diversos tipos de avaliação, conforme
o enfoque que se dá ao processo. Um primeiro tipo relaciona-se aos
atores que a realizam e, neste sentido, a avaliação pode ser interna

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 364 12/11/2008 10:31:11


Planejando a ação em rede 365

ou externa. A avaliação interna é realizada pela própria equipe


responsável pelo planejamento e execução das ações. Tem como uma
de suas vantagens a capacitação de pessoal na área de avaliação e a
criação de atitudes críticas e reflexivas por parte daqueles que estão
diretamente envolvidos nas ações e com elas comprometidos. Pode
ser negativo o fato de que, muitas vezes, o próprio envolvimento
das pessoas as impede de perceberem falhas a tempo de corrigi-las
ou mesmo encontrarem-se facilmente justificativas para elas.
A avaliação externa é aquela realizada por pessoas que não estão
diretamente envolvidas nas ações, mas que têm uma reconhecida
experiência e/ou conhecimento na área de ação ou na metodologia
utilizada ou, ainda, outro aspecto considerado relevante. Uma de
suas vantagens é a possível imparcialidade de quem a realiza e as
contribuições no sentido de aperfeiçoamento do trabalho. Mas, por
outro lado, corre-se o risco de não haver um correto entendimento
do contexto que envolve o desenvolvimento das ações, o que pode
prejudicar o processo avaliativo. O ideal é que haja uma combinação
entre os dois tipos, isto é, que haja avaliação interna e externa,
complementando-se as informações e julgamentos.
Um segundo tipo de avaliação relaciona-se ao momento em que
esta acontece. Pode ser prospectiva, longitudinal ou retrospectiva.
A avaliação prospectiva realiza uma reflexão crítica antes da ação
e analisa as condições para implementação e possíveis impactos
futuros (também conhecida como avaliação ex-ante). Esta avaliação
acontece durante o planejamento, e seu resultado deve ser apre-
sentado no diagnóstico e na justificativa. A avaliação longitudinal é
realizada durante o processo de implementação ou execução das
ações (aqui se situam o monitoramento e a avaliação de processo).
A avaliação retrospectiva ocorre após a conclusão do conjunto das
ações (também conhecida como avaliação ex-post).

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 365 12/11/2008 10:31:11


366 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Monitoramento
Entende-se por monitoramento a análise e verificação contínuas
da implementação das ações previstas no documento de plane-
jamento e seus efeitos ou produtos. O monitoramento confronta
as atividades realizadas com o que foi programado, por meio da
coleta e sistematização de informações que compõem o conjunto
de indicadores construídos. Relaciona-se, portanto, com os aspectos
operacionais do plano, ou seja, registra as atividades desenvolvidas,
controla o cumprimento das ações, o uso eficaz dos recursos, o
tempo das realizações (tempo, qualidade, custos), verifica se os
beneficiários são os previstos e se a cobertura proposta está sendo
atingida, dentre outros.
O monitoramento é um componente importante do plano e,
portanto, deve ser planejado concomitantemente a ele. Sua exe-
cução se dá a partir da implementação do plano e é um importante
instrumento para o fornecimento de informações e sugestões para
a tomada de decisão gerencial, permitindo ajustar o que foi progra-
mado, uma vez que constata o que acontece durante a execução. As
fontes de informação para o monitoramento devem ser definidas
antecipadamente (exemplo: atas de reuniões, listas de presença,
documentos distribuídos, síntese de opiniões, informes, relatórios,
outras), em conformidade com os indicadores estabelecidos e que
serão acompanhados.
O planejamento do monitoramento é um processo que se inicia
com a definição dos aspectos que são estratégicos para o desem-
penho do plano e que podem comprometer seus resultados. A partir
daí, define-se o que se quer com este acompanhamento.
Para realizar o monitoramento é necessário elaborar indicadores
que serão acompanhados, definir os responsáveis pela coleta das
informações, quais as fontes dessas informações, qual a periodici-
dade com que serão coletadas, que instrumentos e técnicas serão

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 366 12/11/2008 10:31:11


Planejando a ação em rede 367

utilizados para coletá-las, como e para quem serão divulgadas as


informações colhidas e os custos deste sistema.
O monitoramento deve estar incluído no cronograma de ativi-
dades e no plano de trabalho das equipes, tendo sempre em vista
que os responsáveis pela implementação das ações são também os
responsáveis pelo seu acompanhamento, isto é, devem controlar
todo o processo.

Indicadores
Indicadores são “instrumentos de medição válidos, destinados
a estabelecer as alterações, o resultado e o impacto de uma ativi-
dade, projeto ou programa” (CIENES/OEA, em Filgueiras, 1997).
São fatores ou conjunto de fatores ou variáveis que expressam
determinadas condições que possam ser objetivamente identifi-
cadas e verificáveis, usados na fixação dos objetivos e na avaliação;
sua evolução e desenvolvimento permitem planejar, acompanhar e
avaliar a execução das ações.
Há diversos indicadores já utilizados na medição de deter-
minados aspectos da realidade, como taxa de mortalidade infantil,
índice de desenvolvimento humano, mas a definição dos indica-
dores que serão utilizados para monitorar e avaliar o plano deve
ser realizada por aqueles que elaboram e atuarão no plano, com
base na análise das mudanças desejadas. A partir daí definem-se
os parâmetros e padrões (que se expressarão quantitativa e quali-
tativamente) que permitem a comparação entre níveis, situações,
momentos, condições etc.
Pode-se dizer que os indicadores são os critérios que permitirão
mostrar o sucesso de um plano, programa ou projeto. Para isto, eles
devem ser medidos antes da sua implantação, servindo como um
dos parâmetros de análise, de modo que se possa posteriormente
saber se as alterações ocorridas são decorrentes das ações realizadas

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 367 12/11/2008 10:31:11


368 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

ou não. A situação inicial dos indicadores é chamada de “linha de


base”. É esta posição inicial que possibilita verificar futuramente
se os objetivos (geral e específicos) foram atingidos com êxito total
ou parcial, bem como se as atividades previstas foram plenamente
desenvolvidas. Isto significa que se pode estabelecer indicadores
tanto relacionados aos objetivos e às metas do plano, quanto aos
produtos esperados.
Há diversas classificações para indicadores, conforme linhas
metodológicas e autores. Considerando que a maioria dos planos,
programas e projetos sociais envolve prestação de serviços à popu-
lação, existe uma classificação, proposta por Donabedian (Peixoto,
1990) que pode contribuir na formulação de indicadores para os
Planos Operativos Locais. O primeiro grupo refere-se aos indicadores
de infra-estrutura, ou melhor, aqueles que medem as condições obje-
tivas em que se realizam as ações (espaço físico, recursos humanos,
recursos materiais, equipamentos, outros).
O segundo grupo refere-se aos indicadores de processo que dizem
respeito às relações internas do plano e seu desenvolvimento:
organização e disposição dos recursos, grau de participação e
envolvimento dos atores, forma de atuação, análise dos processos.
Eles medem produtividade, eficiência, acesso, cobertura e/ou
atendimento. O terceiro diz respeito aos indicadores de resultado, que
estão diretamente relacionados às atividades propostas, e medem a
eficácia, o desempenho, a satisfação do beneficiário, a efetividade,
dentre outros aspectos.
Há, ainda, os indicadores de impacto, que devem medir o impacto
das ações na realidade social. Estes são mais complexos e mais
difíceis de serem aferidos, pois algumas mudanças mais amplas
podem resultar de uma combinação de fatores que independem
do plano.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 368 12/11/2008 10:31:11


Planejando a ação em rede 369

A definição e a elaboração dos indicadores devem ser um


trabalho coletivo, envolvendo todos os atores que participam do
planejamento, pois cada um tem suas expectativas com relação
ao que pretende acompanhar e avaliar, sendo que elas devem ser
consideradas.
Ao se definir quais indicadores serão utilizados, deve-se apontar
onde serão encontradas as informações que irão alimentá-los. Podem
ser fontes primárias, produzidas durante a execução do plano, ou
secundárias, colhidas em registros de órgãos públicos e estatísticas.
Também é importante estabelecer quais serão os instrumentos ou
meios de verificação (registros das ações, questionários, entrevistas,
outros).
Se um plano tem como meta “100% dos profissionais da rede
de atendimento capacitados/formados em 12 meses”, o indicador
é o número ou o percentual de profissionais capacitados/formados.
Quanto ao indicador de produto, se o plano tem como uma ativi-
dade a “realização de dois cursos para os profissionais da rede”, o
indicador deste produto é o número de cursos realizados.

Algumas considerações sobre


monitoramento e avaliação
Ressalta-se que a avaliação e o monitoramento são elementos
distintos do documento de planejamento, mas complementares
no processo de análise reflexiva acerca das ações realizadas para o
enfrentamento das necessidades ou problemas identificados. A ava-
liação julga o que é realizado e seus resultados, ou seja, o alcance dos
objetivos. O monitoramento acompanha a realização das atividades
e possibilita que se corrijam falhas durante a execução das ações.
Há vários métodos que podem ser utilizados no processo
de avaliação, como a revisão de dados secundários, pesquisas,

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 369 12/11/2008 10:31:11


370 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

entrevistas individuais e grupais, debates, oficinas, grupos focais,


estudos de caso, observação etc. A escolha dependerá da finalidade,
do enfoque, do contexto, das capacidades, das habilidades e dos
recursos disponíveis.
Na avaliação de impacto, a checagem deve ser com referência
cruzada ou triangulação, devendo-se utilizar diferentes métodos,
diferentes informantes ou fontes de informação; e diferentes
pesquisadores executam o mesmo método e comparam seus dados
e informações.

O documento do plano

Sugere-se que a elaboração do Plano Operativo Local de Enfren-


tamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (POL) considere os
diagnósticos sobre o fenômeno e a rede de enfrentamento, reali-
zados recentemente; planos de enfrentamento à violência contra
crianças e adolescentes, anteriormente formulados; deliberações
do conselho de direitos e das conferências da criança e do ado-
lescente, dentre outros documentos que expressem as demandas
e potencialidades da área.
O POL deverá conter alguns dos elementos já apontados, apre-
sentados seqüencialmente, numa redação clara e concisa, capaz de
comunicar as idéias dos planejadores, conforme sugestão apresen-
tada a seguir:
1. Apresentação
2. Princípios
3. Finalidade
4. Objetivos
5. Eixos estratégicos
6. Diagnóstico/justificativa

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 370 12/11/2008 10:31:11


Planejando a ação em rede 371

7. Objetivos
8. Metas
9. Atividades/ações
10. Prazos e responsáveis
11. Monitoramento e avaliação
12. Referências bibliográficas
13. Anexos

Cuidados na redação

Alguns cuidados precisam ser observados na redação do POL.


Cury (1998: 75) oferece as seguintes “dicas”:
• os comentários gerais e opinativos não devem constar nos obje-
tivos;
• aquilo que parece óbvio para quem redige o documento em
geral não o é para os que vão lê-lo. Deve-se apresentar todas
as informações relevantes que possam esclarecer a proposta de
ação, tais como parcerias ou articulações;
• deve-se dar atenção especial à lógica da argumentação;
• deve-se evitar o uso de jargões. Eles confundem e diminuem
a capacidade de compreensão do que se quer dizer, já que não
expressam exatamente sobre o que se refere. As palavras devem
ser escolhidas pelo seu significado objetivo;
• o número de páginas não torna um plano melhor. Ao con-
trário, deve-se procurar elaborar um documento claro, preciso
e conciso;
• observar se há repetições desnecessárias de conceitos e idéias.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 371 12/11/2008 10:31:11


372 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Considerações finais

Este texto foi utilizado como apoio para a Oficina de Plane-


jamento, realizada em junho de 2007, na Universidade Federal
de Minas Gerais, com o objetivo de contribuir na formação dos
Formadores, responsáveis pelas oficinas de formulação dos Planos
Operativos Locais (POL) em cada município.
O pressuposto é de que os formadores trazem consigo conheci-
mentos e saberes que podem e devem ser compartilhados, bem como
aperfeiçoados, e que suas vivências são elementos relevantes para
o processo de aprendizagem e de troca essenciais ao planejamento
de ações estratégicas. A oficina possibilitou o nivelamento de infor-
mações básicas, por meio da introdução e/ou revisão de conteúdos
relacionados ao processo de planejamento, concomitante à aplicação
do conjunto de conhecimentos adquiridos/revistos.
A metodologia utilizada propiciou aos participantes se colocarem
em situação concreta de planejamento, nos quais se articularam
teoria e prática, dando sentido ao conhecimento e à ação. Esta
articulação foi possível pela interseção entre conteúdos teórico-
conceituais e exercícios para sua aplicação em situações concretas,
no caso o planejamento das ações para formulação das ações de
enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil de forma integrada
e participativa.
A oficina, portanto, possibilitou aos participantes a construção
de um esboço do planejamento das atividades que se realizariam
posteriormente, na etapa de elaboração do Plano Operativo Local.
Além do próprio processo de aprendizado e de planejamento,
houve a intenção de que, a partir daquela vivência, os participantes
pudessem aplicar a técnica, realizando e coordenando, eles próprios,
as oficinas locais para elaboração dos Planos Operativos, conforme

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 372 12/11/2008 10:31:11


Planejando a ação em rede 373

descrição contida no texto “Organização do trabalho pedagógico –


os desafios inerentes ao processo de planejar”, de Tânia Aretuza e
Geovânia Lúcia dos Santos, no tópico oficinas de planejamento.
Nossa expectativa é de que essa oficina seja um instrumento
didático eficaz na formulação de ações efetivas de enfrentamento
à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que tem se revelado,
em outros projetos de extensão da UFMG, como uma importante
ferramenta de planejamento de ações de atores sociais em suas
atividades cotidianas.

Nota
1
A versão original deste texto, com o título “Elaboração de projetos sociais”, tem
sido utilizada como apoio às Oficinas de Elaboração de Projetos Sociais, realizadas
pelo NUPASS/UFMG desde 2000. Seu aprimoramento tem se dado a partir de
contribuições valiosas de Edite da Penha Cunha, Maria Elisa Neves Pena e Marilia
Barcellos Guimarães. Nesta versão, a ênfase foi dada ao processo de elaboração de
planos, de modo a apoiar a elaboração dos Planos Municipais de Enfrentamento
da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Referências

ADRIANO, Jaime Rabelo et al. Manual de planejamento – NESCON/UFMG. Belo


Horizonte, 1998. (Mimeo.)

AGUILLAR, Maria José; ANDER-EGG, Ezequiel. Avaliação de serviços e programas


sociais. Petrópolis: Vozes, 1994.

ALEIXO, José Lucas M. Planejamento participativo. Escola de Saúde: Belo Hori-


zonte, 1997. (Mimeo).

ALVES, Daniel; STELL, Carlos Alberto. Bibliografia sobre elaboração e gestão de


projetos sociais. Humanas - Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Porto Alegre, UFRS/IFCH, v. 24, n. 1 / 2, 2001.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 373 12/11/2008 10:31:11


374 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

ARMANI, Domingos. PMA: conceitos, origens e desafios – o planejamento, moni-


toramento e a avaliação de programas sociais. Humanas: Revista do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, UFRS/IFCH, v. 24, n. 1 / 2, 2001.

BARBOSA, Mário da C. Planejamento e serviço social. 4. ed. São Paulo: Cortez,


1991.

BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência


Sexual Infanto-Juvenil. Brasília, 2001.

BRASIL. Ministério do Trabalho/SEFOR. Capacitação Solidária: Projetos


Gestores Sociais. Textos de apoio. [s.n.t.].

BUVINICH, Manuel Rojas. Ferramentas para o monitoramento e avaliação


de programas e projetos sociais. Cadernos de Políticas Sociais, n. 10, 1999. Série
Documentos para Discussão. (Mimeo.)

COHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos sociais. Petrópolis:


Vozes, 1993.

COODENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIçOS. Caminhos: Planejamento,


Monitoramento, Avaliação – PMA. Salvador: CESE, 1999. (Encontro de Agentes
de Projetos do PEP)

CORREA, E.; SENA, R. R. Planejamento e elaboração de projetos para grupos comu-


nitários. (Trad. e adapt.). Belo Horizonte: UFMG/PÓLO-PSF/PRODEN, 2000.

CURY, Thereza Christina H. Elaboração de projetos sociais. In: PROJETO GES-


TORES SOCIAIS. Textos de apoio. São Paulo: Capacitação Solidária, 1998.

FILGUEIRAS, Cristina A. C. Manual de projetos sociais. Belo Horizonte: Fundação


João Pinheiro, 1997.

LUSTOSA, Paulo Henrique. A importância dos indicadores para a avaliação: para


abrir uma discussão. [s.n.t.]. (Mimeo.)

MARCO DE DESENVOLVIMENTO DE BASE. Fundação Interamericana.


[s.n.t.]. (Mimeo.)

MONçÃO, Geraldo Nobre. Monitoramento de Projetos Sociais: alguns elementos


conceituais. [s.n.t.]. (Mimeo.)

PEIXOTO, Marisa R. B. Tecnologia no setor saúde: critério de avaliação de qualidade


dos serviços hospitalares. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, 1990.

RAPOSO, Rebeca. Avaliação de ações sociais: uma abordagem estratégica. In:


GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS. [s.n.t.]. (Mimeo.)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 374 12/11/2008 10:31:12


Planejando a ação em rede 375

RECH, Daniel et al. Planejamento do trabalho social. Fortaleza: CERIS, 1997.

REZENDE, Roberto M. Métodos e técnicas de gestão de projetos. Belo Horizonte,


1997. (Mimeo.)

RITCHEY-VANCE, Marion. Capital social, sustentabilidade e democracia em


funcionamento: novas medidas para o Desenvolvimento de Base. Desenvolvi-
mento de Base, Fundação Interamericana, Arlington, v. 20, n. 1, 1996.

ROCHE, Chris. Avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs: aprendendo a valorizar


as mudanças. São Paulo: Cortez/ABONG; Oxford-Inglaterra: OXFAM, 2000.

SOUZA, Maria Rosária de. Gestão de Projetos Sociais. In: PROJETO GESTORES
SOCIAIS. Textos de apoio. São Paulo: Capacitação Solidária, 1998.

URIBE, Victor M. Q. Evaluación de proyectos sociales: construcción de indicadores.


Colombia: Fundación FES, 2000.

VOS, Rob. Hacia un sistema de indicadores sociales. Washington - DC: Indes, [s.d.].
Serie de Documentos de Trabajo I-2. (Mimeo.)

Anexo
Proposta de matriz de planejamento – PAIR
Eixo: ___________________________________________________________
Objetivo Geral: __________________________________________________

Indicadores
Objetivos Indicadores Atividades/ Prazos/
Metas de atividades/
específicos de objetivos Ações Responsáveis
ações
1.1 1.1 1.1
1 1 1 1.2 1.2 1.2
... ... ...
2.1 2.1 2.1
2 2 2 2.2 2.2 2.2
... ... ...
3.1 3.1 3.1
3 3 3 3.2 3.2 3.2
... ...

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 375 12/11/2008 10:31:12


E d u a rd o Mo re i ra da S ilva
E d i t e d a P e n h a C u n ha
He l e n a He m i ko Iwam o to
S y b e l l e d e So u z a Ca s t r o Mir an z i

ASSESSORIA TÉCNICA E EXPANSÃO DO PAIR/MG


Uma relação dialógica

Introdução

Uma universidade deve ser capaz de cumprir, de forma harmô-


nica e indissociável, suas funções de Ensino, Pesquisa e Extensão.
A Extensão é a “dimensão processual, uma ação vinculada, uma
estratégia democratizante, parte do pensar e do fazer acadêmico,
marcado pelo compromisso de transformação da sociedade – na
qual a universidade se inclui – em direção à justiça, à solidariedade
e à democracia” (Universidade Federal de Minas Gerais, 2006).
Nesta perspectiva, constitui-se como desafio da Extensão a reali-
zação de interações diversas e múltiplas com os diferentes setores
da sociedade.
As universidades públicas brasileiras têm adotado o conceito
de Extensão e as diretrizes políticas e operacionais definidas no
Plano Nacional de Extensão Universitária (2001),1 para concepção e
implementação das ações de extensão. O referido plano elenca, entre
outras diretrizes para a gestão da extensão, o reconhecimento dessa
função universitária como uma ação geradora de conhecimento com
compromisso de atuação social deliberada de impacto e promotora

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 376 12/11/2008 10:31:12


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 377

de desenvolvimento local, regional e nacional, articulada às políticas


públicas; viabilizadora da construção de relação dialógica com a
comunidade externa buscando a sua emancipação; promotora da
interdisciplinaridade e da integração com o ensino e a pesquisa de
forma institucionalizada e com ampla participação dos alunos; e
indutora do processo de avaliação contínuo e progressivo de suas
ações.
Orientadas por esses princípios, as Universidades Federais
de Minas Gerais (UFMG), do Triângulo Mineiro (UFTM) e dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) compreendem que a
extensão compõe com o ensino e a pesquisa o caráter social do seu
compromisso, em gerar conhecimento, transmiti-lo, e contribuir
com as transformações sociais. Tal compromisso evidencia-se no
apoio ao desenvolvimento de políticas públicas, sendo o Programa
de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto-Juvenil, em Minas Gerais (PAIR/MG), da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, uma
de suas ações prioritárias.
O PAIR, fundamentado nos eixos do Plano Nacional de Enfrenta-
mento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, prevê o desenvolvimento
de diagnósticos do fenômeno e da rede de proteção das crianças e
dos adolescentes, mobilização e articulação, capacitação/formação,
planejamento e assessoria técnica. Esta última, em função da com-
plexidade e da diversidade da problemática, exige a disposição
de equipes multiprofissionais e multidisciplinares para propiciar
aos operadores da rede, suporte e assistência técnica, tanto para
o processo de formação (capacitação) como para o aprimoramento
das práticas de enfrentamento à violência sexual (assistência
permanente).
Desse modo, busca-se, no tópico seguinte, o resgate dos funda-
mentos da prática da assessoria a partir de sua emergência na agenda
brasileira.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 377 12/11/2008 10:31:12


378 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

A emergência da assessoria no Brasil

A reflexão e a sistematização da metodologia e dos resultados


do processo de assessoria na expansão do PAIR nos remete, inicial-
mente, ao resgate dos fundamentos dessa prática, a partir de sua
emergência na agenda brasileira. A assessoria técnica passou a
ser muito discutida e utilizada no Brasil, principalmente a partir
das décadas de 1960 e 1970, período no qual houve a emergência
e o fortalecimento político das entidades da sociedade civil.
Estas, até então caracterizadas pelo amorfismo e pela falta de
capacidade organizativa, não eram vistas como um pólo político
significativo o bastante para pressionar e até mesmo se opor ao
Estado. Foi exatamente durante o período em que o Estado estava
controlado pelas mãos de ferro da ditadura militar, que uma série
de transformações de toda sociedade brasileira se combinaram e
possibilitaram o fortalecimento (alguns autores consideram como
a própria constituição [Avritzer apud Dagnino, 2004: 95-110]) da
sociedade civil brasileira.
No momento em que os movimentos sociais passaram a ter mais
clareza e capacidade de se organizar para formular suas reivindi-
cações e apresentá-las ao Estado, surgiram diversos núcleos de
pesquisa e assessoria a estes movimentos. Nesse sentido, os mesmos
princípios que norteavam a ação dos grupos que trabalhavam com a
educação popular passam a fundamentar a ação dos novos núcleos
de assessoria aos movimentos sociais.
As entidades de Cooperação Internacional financiavam a ação
destes núcleos como uma forma de apoiar a luta a favor dos direitos
humanos. Os recursos que vinham, no entanto, precisavam ser
requisitados por meio de processos específicos, que envolviam toda
a lógica de planejamento das ações propostas, desde a formulação
de um projeto, com objetivos, metodologia, cronograma de execução

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 378 12/11/2008 10:31:12


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 379

das ações, planilha de custos, e outros elementos. Após a realização


das ações havia uma série de procedimentos necessários à prestação
de contas, ou seja, um detalhamento que demonstra com o que, e
como o dinheiro foi aplicado, indicando os resultados alcançados
com todo o processo. Foram os núcleos de pesquisa e assessoria que
auxiliavam os movimentos sociais em todo este processo.
Colares sugere uma distinção histórica da emergência da
assessoria, no Brasil, em dois períodos distintos: o primeiro iria
de 1964 a 1974, considerado de resistência, e o segundo de 1974 a
1984, de rearticulação e reconstrução das organizações populares.
Para o autor a “assessoria popular difere das demais pelo caráter
participativo que ela encerra (...)” (1990: 55).
Embora seja uma prática existente e muito presente na realidade
política brasileira e sobre a qual muito se discute em eventos e
encontros de assessores populares, ainda é escassa a produção
bibliográfica sobre a assessoria técnica. Neste sentido, cabe men-
cionar o desafio posto à academia e aos intelectuais de produzir
conhecimento sobre o tema, visando auxiliar na construção de prá-
ticas profissionais mais substantivas e tecnicamente orientadas.
As entidades de assessoria já mencionadas estavam ligadas aos
mais diversos órgãos, como as universidades, o sindicato, a Igreja
Católica, os partidos políticos, as associações assistenciais e asso-
ciações comunitárias (Gohn, 1991). Foi nesse contexto que surgiram
as primeiras organizações não-governamentais (ONGs).

A primeira geração de ONGs na América Latina surgiu, via de regra,


como uma solução ad hoc para uma falta de opções, que se imagi-
nava ser conjuntural no sistema institucional existente – centros de
pesquisa que se formavam à margem de universidades submetidas
a pressões do Estado autoritário, núcleos de educação popular
paralelos ao sistema escolar oficial, grupos de apoio a movimentos
sociais emergentes sem conexões com os organismos políticos legais
etc. (Fernandes, 1994: 66)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 379 12/11/2008 10:31:12


380 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

O estudo, realizado em 32 diretórios de ONGs de 24 países do


continente latino-americano, indica que as ONGs se tornaram um
fenômeno massivo no continente a partir da década de 1970, uma
vez que 68% delas surgiram depois de 1975, 17% entre 1950 e 1960
e 15% em décadas anteriores. O interessante é que as entidades
foram agrupadas em 17 categorias, sendo a mais numerosa, com
a marca de 40,6%, aquelas que se qualificaram pela realização de
atividades de formação qualificada/assessoria. A segunda categoria
mais expressiva foi a de educação popular com 36% dos casos
(Fernandes, 1994: 69). “Considerando as categorias mais mencio-
nadas, poderíamos resumir assim o sentido principal do trabalho
das ONGs na América Latina: educação para o desenvolvimento com
ênfase na promoção social” (Ibidem: 72).
Imaginava-se que seriam experiências passageiras, mas não
foi bem assim. Atualmente as ONGs participam diretamente da
execução de diversas políticas públicas, por dois motivos. O pri-
meiro deles é que a fonte internacional de recursos, inicialmente
estruturante de todo o setor, tem migrado para outras regiões
economicamente pobres do mundo, tais como a áfrica e a ásia. O
segundo é o fato de que a configuração atual do sistema político
brasileiro abriu espaço para a participação destas entidades na
prestação de serviços diversos à comunidade, por meio da transfe-
rência de recursos públicos. Mas o primeiro fator é condicionante
do segundo, na medida em que o sistema se estruturou, de fato,
com os recursos da cooperação internacional.

Mais do que o dinheiro, portanto, foram o conceito e a forma institu-


cional que passaram pelos caminhos inusitados dos financiamentos
não-governamentais. É desta relação, inclusive, que surgiram as
ONGs. As agências de cooperação internacional necessitavam de
parceiros locais que fossem capazes de formular projetos, acom-
panhar a sua execução e prestar contas. (Ibidem: 80)

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 380 12/11/2008 10:31:12


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 381

Não podiam fazê-lo por meio dos movimentos sociais, que


careciam de estabilidade institucional. Desse modo as ONGs foram
a solução. Foi exatamente a estabilidade conquistada pelas diversas
ONGs que tornou possível o desenvolvimento da assessoria técnica,
atividades que realizam até os dias de hoje.
Mesmo tendo mudado a fonte de financiamento, com a formu-
lação de muitas parcerias com o Estado, a assessoria continua
sendo fundamental na medida em que os movimentos sociais não
dispõem de pessoal qualificado como as ONGs para realizar o
auxílio que prestam aos diversos grupos sociais que se mobilizam
politicamente. A mesma lógica de planejamento, que inclui a
formulação de projetos e a prestação de contas do dinheiro público
recebido, deve ser realizada nas parcerias com o Estado. Este é um
ponto em que precisamos avançar, na medida em que têm surgido
indícios, que estão sendo investigados por Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI), instalada no Congresso para apurar irregulari-
dades no repasse e aplicação de recursos públicos para as ONGs.2
É preciso mencionar que o novo marco legal do terceiro setor no
Brasil, formulado a partir da reunião de um conjunto de atores da
sociedade civil e governamentais no Conselho da Comunidade
Solidária, em junho de 1997, propõe a criação de Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que estabelece
mecanismos mais transparentes de prestação de contas (Ferrarezi,
2001). No entanto, a realidade continua apontando a necessidade
de aperfeiçoar os mecanismos de controle dos recursos públicos
repassados às ONGs.
As atividades de assessoria são realizadas por diversos atores,
dentre os quais destacam-se ainda aquelas realizadas por equipes
técnicas governamentais que implementam programas e projetos
das políticas públicas. Embora haja especificidades que diferem
um pouco da atividade de assessoria realizada pelos técnicos

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 381 12/11/2008 10:31:12


382 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

governamentais e pelos atores sociais, percebe-se que a principal


característica do processo está presente nos dois setores, que
é o apoio de um grupo técnico especializado em determinado
assunto para o desenvolvimento de uma ação.3 No caso brasileiro
descrevemos inicialmente que

[a]s assessorias constituem-se em grupos de indivíduos, não perten-


centes à base demandatária do movimento, que se articulam com
o objetivo de subsidiar os grupos populares em sua organização
interna e no encaminhamento de suas ações externas. Estes
grupos atuam diretamente junto aos movimentos populares.
(Gohn, 1991: 65)

Caracterização da assessoria técnica

A articulação é uma característica primordial, na medida em que


“[a]s assessorias não são isoladas. Elas constituem-se em redes. São
redes locais, regionais, nacionais e internacionais”. Por apresentar
tais características, as assessorias têm a capacidade de realizar um
trabalho de mediação entre o movimento e o partido, o movimento
e a igreja etc. (Gohn, 1991: 65). Na conjuntura atual, em que as
diversas ONGs participam diretamente da execução de diversas
políticas públicas, as “assessorias passaram a ser os grandes agentes
de intermediação entre os movimentos e as novas políticas sociais,
entre o povo e o governo” (Ibidem: 67). Por esta razão tem buscado
constantemente impulsionar os diversos movimentos a “entrar em
contato ou penetrar nos aparelhos estatais” (Ibidem: 73).
No campo do serviço social, a assessoria técnica é vista por
Vasconcelos como uma possibilidade real de romper com a frag-
mentação estrutural entre a teoria e a prática profissional. Segundo
a autora, “[d]entre as estratégias possíveis para enfrentar a fratura

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 382 12/11/2008 10:31:12


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 383

entre pensar e agir no Serviço Social indicamos os processos de


assessoria/consultoria” (Vasconcelos, 1998: 123).
Assessoria é definida pela autora como “um acompanhamento
sistemático, organizado e a longo prazo, objetivando a elaboração
de projetos de prática e/ou acompanhamento e avaliação de sua
operacionalização” (Ibidem: 124).
Cabe aos assessores/consultores ter o conhecimento do estágio
da equipe quanto à projeção do espaço profissional, dos registros da
prática, do tipo de relação, das expectativas da equipe em relação ao
processo, do tempo disponível para a atividade que envolve projetar
as diferentes linhas de ação, do número de profissionais envolvidos
em cada atividade, do número de projetos desenvolvidos por cada
equipe, da inserção qualitativa e quantitativa de cada um dos pro-
jetos, dos recursos institucionais disponíveis para consecução dos
objetivos propostos.
Diante do estudo e da análise destas informações, o “assessor/
consultor terá condições de, a partir da delimitação das neces-
sidades e possibilidades da equipe ou profissional, trabalhar as
expectativas e explicitar um projeto de assessoria/consultoria
diante das condições institucionais e profissionais” (Ibidem: 127). A
função primordial do assessor/consultor será a de disponibilizar aos
profissionais que assessora os instrumentos que tornem possível
desvelar o movimento e a estrutura da realidade social, geralmente
um elemento oculto pelo dinamismo e movimento cotidianos das
relações sociais, que fazem parecer inexistentes ou impossíveis as
diversas alternativas e possibilidades de ação profissional (Idem).
Embora Vasconcelos trate de forma indiferenciada os processos
de assessoria e consultoria, até certo momento de sua argumentação,
a autora indica as diferenças entre as duas atividades.

Nos processos de consultoria, um assistente social ou uma equipe


geralmente procura um expert para que dê o parecer sobre os

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 383 12/11/2008 10:31:12


384 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

caminhos que a equipe escolheu e/ou encaminhamentos que


está realizando. Por exemplo: indicar bibliografia sobre temas
específicos; dar o parecer sobre projetos de pesquisa e/ou avaliar
o encaminhamento de levantamento e pesquisa em andamento;
indicar ou realizar cursos sobre temas específicos da área de atuação
profissional etc. (Ibidem: 128, destaque nosso)
As assessorias são solicitadas ou indicadas, na maioria das vezes,
com o objetivo de possibilitar a articulação e a preparação de uma
equipe para construção do seu projeto de prática por meio de um
expert que venha assisti-la teórica e tecnicamente. (Ibidem: 129,
destaque nosso)

Uma frente de trabalho muito freqüente de assessoria é reali-


zada no ambiente educacional. Neste universo pode-se distinguir
dois campos bem delimitados de atuação. De um lado estão os
movimentos mais próximos ao que descrevemos acima como
assessoria aos movimentos sociais e populares, que é o processo de
assessoria aos grupos de educação popular. De outro, uma prática
também muito freqüente é a assessoria pedagógica nas diferentes
unidades educacionais, desde a educação infantil até a superior
(Fávero, 2006; Gohn, 1991; Machado, 2000; Sousa, 2001).
Outro exemplo de assessoria aos grupos de educação popular
é o Movimento pela Educação de Base (MEB).

O trabalho de assessoria pedagógica do MEB é um instrumento que


o mesmo usa para inserir sua própria ação no movimento popular
mais amplo, isto é, uma forma de influenciar as diversas organi-
zações populares assessoradas ou que se relacionam com as mesmas
a partir de sua proposta político-pedagógica (Sousa, 2001: 33).

A partir da perspectiva apresentada, na qual fica evidente que


a principal função dos assessores é a de trocar idéias, propor uma
reflexão conjunta, compartilhar experiências e sugerir novas pers-
pectivas de ação (Fávero, 2006) e, considerando as diretrizes da

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 384 12/11/2008 10:31:12


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 385

extensão de promover o fortalecimento de parcerias pautadas por


uma relação dialógica da universidade com diversos setores da
sociedade, acreditamos que a assessoria traz possibilidades reais de
apoiar o fortalecimento e a consolidação das ações do PAIR/MG.
Desde a implantação do PAIR, a UFMG, a UFTM e a UFVJM
priorizaram o apoio institucional a sua realização, a participação
dos seus professores, técnicos e alunos e o estabelecimento e
fortalecimento de parcerias junto aos municípios. Dessa forma,
abordaremos, no tópico seguinte, a ação de assessoria da expansão
do PAIR/MG.

A assessoria técnica da universidade


na expansão do PAIR/MG

O curso de formação de educadores e as oficinas temáticas e de


planejamento da Expansão do PAIR/MG, realizadas nos municí-
pios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba, tiveram como principal
produto os Planos Operativos Locais (POL). Cada município,
evidentemente, tem uma realidade específica que demanda ações
dirigidas para avanço das ações de enfrentamento à violência sexual
infanto-juvenil. É isto o que diferencia o POL elaborado por cada um
dos municípios. No entanto, por se tratar de um mesmo problema,
a violência sexual infanto-juvenil, algumas situações apresentam
constrangimentos comuns ao funcionamento da rede de proteção à
criança e ao adolescente. Ao pensarmos a melhor maneira de fazer
com que a assessoria técnica fosse um instrumento para efetivar
a implementação das ações propostas no POL, centramos nossas
atenções em dois aspectos que se apresentavam comuns entre os
municípios e que se configuravam como um problema estrutural.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 385 12/11/2008 10:31:12


386 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Dessa forma, elegemos como ações prioritárias da assessoria a


implantação do protocolo de atendimento dos casos de violência
sexual infanto-juvenil, que sugere um fluxo de encaminhamento
dos casos e o monitoramento da implementação do POL.

Implantação do Protocolo de Notificação

Considerando que a implantação do Protocolo de Notificação


possibilita a construção e definição do caminho a ser trilhado pelos
casos que chegam até a rede de proteção, buscamos assegurar que
os profissionais da saúde, da educação, da assistência social e das
instituições da sociedade civil, ao realizarem o primeiro atendimento,
tenham condições de visualizar as primeiras providências a serem
tomadas. Destaca-se nesse esforço garantir que a notificação ao
Conselho Tutelar seja feita sempre que um novo caso seja detectado,
independentemente de ter sido ele oriundo do posto de saúde, do
hospital ou um caso identificado nas escolas, nas unidades de
assistência social, no serviço de disque denúncia, dentre outros.
Dessa maneira, nos certificamos de que as primeiras medidas
protetivas sejam efetivadas, conforme preconizado em portaria
da presidência da República, que institui uma ficha de notificação
obrigatória aos conselhos tutelares (Portaria n. 1.968, de 28 de
outubro de 2001). Um outro caminho, destacado como de grande
importância para ser trilhado, é o da responsabilização dos
agressores que pode se iniciar também por qualquer um dos lugares
em que o caso seja identificado, precisando, para tanto, que uma
delegacia seja notificada da ocorrência da violência praticada.
A área da saúde publicou, no ano de 2001, uma portaria que
instituiu a obrigatoriedade da notificação dos casos de violência
que tenham chegado à rede pública de saúde (Portaria n. 1.968, de
28 de outubro de 2001). No ano de 2003, foi publicada a Lei Federal

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 386 12/11/2008 10:31:12


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 387

10.778 que institui a obrigatoriedade da notificação também nas


unidades de saúde da rede privada. Foi criada também uma norma
técnica para auxiliar a implementação da lei, que possui uma ficha
de notificação dos casos e sugere as primeiras medidas de profilaxia
às doenças sexualmente transmissíveis que devem ser tomadas.
Dessa forma, nosso trabalho exigiu uma permanente articulação
com a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, que está desen-
volvendo um curso de capacitação destinado aos municípios com
mais de cem mil habitantes, para implantar o protocolo de notificação
dos casos de violência em todas as cidades que possuem os centros
especializados na violência contra a mulher e os adolescentes. Diante
desse fato, reiteramos a convicção de que a assessoria deveria ter
como prioridade a implantação do protocolo, principalmente por-
que a ação do Estado de Minas trata de vítimas de violência de uma
maneira geral. Além disso, foi importante assessorar os municípios
para a construção e adoção de um instrumento semelhante para as
outras políticas setoriais, especialmente as áreas de educação e a
assistência social.
Ao promovermos a apresentação e discussão dos instrumentos
já construídos na área da saúde com a Comissão Operativa Local
(COL) de cada um dos municípios, tivemos um feedback sobre o
modo como as ações sugeridas pelo protocolo estavam ou não
sendo implementadas pelos profissionais da saúde nos municípios.
Isso possibilitou uma construção conjunta das ações que precisam
ser realizadas pelos profissionais da área para que o protocolo seja
efetivamente implementado.
Apesar de o trabalho ser facilitado pela experiência já em processo
de implementação pela saúde, as áreas da educação e assistência
social apresentam especificidades que deverão ser consideradas
para a adaptação dos instrumentos formulados pela saúde. Ideal-
mente, foi proposto um único instrumento que seria utilizado pelas

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 387 12/11/2008 10:31:12


388 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

três áreas, de modo a possibilitar, de fato, a ação em rede das três


políticas. A grande contribuição da assessoria do PAIR está sendo
o pensar ações interventivas coletivas para viabilizar o enfrenta-
mento à violência sexual infanto-juvenil em rede. Isso tem sido
promovido na medida em que discute e busca articular e integrar
os diversos serviços existentes, com a clareza do papel que cada
um tem a cumprir tanto na identificação, quanto no atendimento,
no encaminhamento e acompanhamento dos casos.
A grande importância da articulação dos serviços foi constatada
por uma pesquisa nacional de avaliação do Programa Sentinela,
solicitada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a
Fome (MDS) ao Departamento de Ciência Política da UFMG. Veri-
ficou-se que as vítimas de violência passam por diversos serviços da
rede de proteção à criança e ao adolescente sem que os problemas
fossem de fato solucionados (Matos, 2005). É evidente que casos de
violência dessa natureza deixam marcas significativas para toda a
vida das vítimas, mas se a rede de proteção atua de forma articulada
e eficiente, certamente os danos causados podem ser minorados,
na medida em que um encaminhamento adequado pode acionar
com rapidez as medidas protetivas cabíveis, o que certamente é um
elemento crucial para que a vítima comece a elaborar a violência
sofrida de forma assistida pela equipe técnica competente. Em outras
palavras, se as marcas e os vestígios da violência não podem ser
completamente apagados, trata-se de assegurar que a vítima tenha
acesso o mais rápido possível aos serviços necessários. Isto só será
possível se os diversos serviços de proteção fizerem eficientemente
o seu trabalho em rede.
A ação articulada só é possível se todos os setores da rede de
proteção tiverem acesso ao maior número de informações possíveis
do caso, sem ter que revitimizar a criança ou o adolescente, ou
seja, fazer com que eles tenham que contar e reviver reiteradas

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 388 12/11/2008 10:31:12


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 389

vezes a violência sofrida. Nesse sentido, o protocolo cumpre uma


função primordial, se utilizado de forma adequada e por todos os
integrantes da rede, na medida em que as informações do primeiro
atendimento possam circular para os diversos serviços que a vítima
será encaminhada, sem que ela tenha que ficar recontando a mesma
história. Serão apenas acrescentados elementos a uma ficha inicial
do caso.
Apesar das dificuldades já conhecidas, como a falta de infra-
estrutura adequada, outra proposta para a implementação de um
protocolo realmente acessível a todos os setores da rede de proteção
seria a inclusão no próprio Sistema de Informação para Infância e
Adolescência (SIPIA)4 de um espaço destinado a alimentação de
informações sobre a violência sexual infanto-juvenil. A criação de
uma senha de acesso ampliada, uma vez que a restrita já existe,
poderia possibilitar aos serviços da rede, responsáveis pelo aten-
dimento dos casos, ter acesso às informações de violência sexual
para que as crianças e adolescentes não fossem revitimizados a
cada novo atendimento. Com isto, além de se evitar maiores danos
à criança ou adolescente, fortaleceríamos os próprios mecanismos
de notificação ao Conselho Tutelar que, alimentando mais freqüen-
temente o banco de dados do SIPIA, contribuiria, inclusive, para
aperfeiçoar os instrumentos de formulação das políticas para o setor.
Como mencionamos, já existe uma portaria que obriga a notificação
do Conselho Tutelar em todos os casos de violação dos direitos. O
trabalho mais substancial seria o de sensibilizar a todos da rede
para que utilizem o instrumento e ao Conselho Tutelar para que
faça os encaminhamentos necessários, incluindo a alimentação no
novo espaço proposto a ser criado no SIPIA.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 389 12/11/2008 10:31:13


390 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

Monitoramento do Plano Operativo Local

O monitoramento do POL é um processo de acompanhamento


da implementação/execução das suas ações com o objetivo de faci-
litar o controle efetivo do cumprimento das metas estabelecidas no
plano, para que a COL e a rede possam aperfeiçoar as atividades
que vêm sendo desenvolvidas. Visa, portanto, subsidiar decisões
da rede de proteção para promover ajustes necessários ao alcance
dos objetivos estabelecidos no plano.
A implementação de um sistema básico de verificação contínua
ao alcance das metas do POL em comparação com o planejado
foi foco da segunda etapa da assessoria técnica aos municípios,
realizada para o mesmo grupo de profissionais que participou da
etapa anterior, ou seja, os membros da COL e os representantes
da rede de proteção. Foi priorizado a criação de um sistema de
monitoramento das ações propostas no POL de cada município.
Durante a realização das oficinas de planejamento, ocasião em
que o POL foi elaborado, foram definidos os indicadores para o
monitoramento das ações sugeridas no plano. Dessa maneira, o
trabalho constituiu-se na construção de ferramentas para que a
COL pudesse monitorar o desenvolvimento das ações. Essa foi uma
tarefa cumprida com a participação da equipe de coordenação em
parceria com as universidades federais do Triângulo Mineiro e dos
Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
A assessoria contribuiu para configurar o planejamento do moni-
toramento do POL, subsidiando a COL e a rede para tomar decisões,
no sentido do fortalecimento das ações de enfrentamento. Com a
criação de um sistema de monitoramento do POL, pretendeu-se
fortalecer a implementação de suas ações, buscando a construção
de entendimentos em torno dos requisitos necessários para a sua
realização, bem como dos dados a serem coletados; a formulação de

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 390 12/11/2008 10:31:13


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 391

instrumentos e processos através dos quais as informações serão


obtidas; e, por fim, a estruturação final do Sistema de Monitora-
mento do POL compatível com a quantidade, qualidade e complexi-
dade das informações disponíveis e necessárias e com a capacidade
e localização dos atores que irão fornecê-las e/ou utilizá-las.
Com isso, buscamos obter um Sistema de Monitoramento, tendo
por base os indicadores definidos nas oficinas de Planejamento,
padronizando procedimentos na coleta e sistematização das infor-
mações. Este irá considerar a produção de relatórios sobre as ações
de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos municípios
de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba. Devemos obter, ainda, diversos
atores capacitados, de acordo com as competências de cada um,
para a utilização do Sistema e discussão sobre a implementação
das ações do POL, bem como informações sistematizadas e socia-
lizadas até dezembro de 2008.

Considerações finais
A assessoria técnica da expansão do PAIR/MG esteve atenta
à tensão presente entre a autonomia dos assessorados que se
pretendia cultivar e o direcionamento da ação que a equipe
de assessores pretendeu imprimir em cada município; buscou
potencializar ao máximo as ações já realizadas e que poderiam
ser aperfeiçoadas. Desta forma, a ação da assessoria da expansão
do PAIR/MG possibilitou trocar idéias, compartilhar experiências,
sugerir novas perspectivas de ação, viabilizar a ampliação e o
aprofundamento das relações interinstitucionais, bem como o
conhecimento sobre o fenômeno e as ações desenvolvidas. Dessa
forma, contribuiu significativamente para socializar informações,
rever e redimensionar ações previstas.
Em relação à capacidade de a assessoria criar condições de
sustentabilidade da metodologia do PAIR, nos municípios, e inovar

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 391 12/11/2008 10:31:13


392 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

procedimentos e rotinas, pode-se destacar o aprofundamento


da relação das comunidades com as universidades locais e o
fortalecimento das interações entre elas. No entanto, o processo
de assessoria tem colocado alguns desafios como a criação de
estratégias de maior valorização da avaliação das ações do POL
por parte dos membros da COL; a articulação da avaliação
do POL junto às políticas setoriais; o avanço na construção de
estratégias que viabilizem a implementação de mudanças de
procedimentos a partir do acompanhamento sistemático das ações;
o estabelecimento de uma dinâmica institucional que possibilite
um conhecimento mais amplo do POL, e a divulgação da qualidade
e quantidade das ações de enfrentamento realizadas.
A consolidação desse processo é um propósito a ser cumprido
em médio e longo prazos e só pode tornar-se realidade a partir do
fortalecimento da articulação entre as ações das políticas públicas,
co-responsáveis pela proteção integral às crianças e adolescentes, o
que se encontra em curso, à medida que governo, sociedade e atores
diversos se envolverem em um grande pacto pela proteção da popu-
lação infanto-juvenil. O desafio é tornar as ações de enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil uma política planejada, implemen-
tada e avaliada nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Notas
1
O Plano Nacional de Extensão Universitária, publicado pelo MEC/SESU, em 1999,
foi formulado pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas
Brasileiras (FORPROEX). Este é composto exclusivamente de representantes de
instituições públicas de ensino superior e vem definindo diretrizes conceituais e
políticas para a extensão universitária pública brasileira.
2
A CPI das ONGs foi criada em outubro de 2006 “destinada a investigar a transfe-
rência de recursos do Orçamento da União, entre 2003 e 2006, para organizações
não-governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público
(OSCIPs) (...)” (INFORME SERGIPE, disponível em: <http://www.informesergipe.
com.br>. Último acesso em: 20 de fevereiro de 2008).

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 392 12/11/2008 10:31:13


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 393

3
Sobre a emergência da assessoria governamental nos Estados Unidos da América,
ver DALE; URWICK, 1971.
4
“O SIPIA é um sistema nacional de registro e tratamento de informação criado
para subsidiar a adoção de decisões governamentais sobre políticas para crianças
e adolescentes, garantindo-lhes acesso à cidadania.” (Site do Ministério da Justiça.
Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sipia/>. Último acesso em: 20 de fevereiro
de 2008)

Referências

BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento à Violência


Sexual Infanto-Juvenil. Brasília, 2006.

CAMPILONGO, Celso Fernandes; PRESSBURGER, Miguel. Discutindo a asses-


soria popular. Rio de Janeiro: AJUP, 1991.

COLARES, Marcos Antonio P. Aspectos da relação Igrejas-Centros de Assessoria


Popular. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 10, n. 33, p. 47-66, ago. 1990.

DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil, participação e cidadania: de que estamos


falando? In: MATO, Daniel (Org.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en
tiempos de globalización. Caracas: FACES/Universidad Central de Venezuela,
2004. p. 95-110.

DALE, Ernest; URWICK, Lyndall F. A presidência dos Estados Unidos e o sis-


tema de assessoria. In: DALE, Ernest; URWICK, Lyndall F. (Org.). Organização
e assessoria. São Paulo: Atlas, 1971. cap. 7.

DRAIBE, Sônia. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de


políticas públicas. In: BARREIRA, M. C. R. N.; CARVALHO, M. C. B. (Org.).
Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo:
IEE/PUC-SP, 2001. p. 13-42.

FáVERO, Osmar. Uma pedagogia da participação popular: análise da prática


pedagógica do MEB-Movimento de Educação de Base (1961-1966). Campinas:
Autores Associados, 2006.

FERNANDES, Rubem Cesar. Privado porém público: o terceiro setor na América


Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 393 12/11/2008 10:31:13


394 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL | Parte III

FERRAREZI, Elisabete. O novo marco legal do Terceiro Setor no Brasil. In: III
ENCUENTRO DE LA RED LATINOAMERICANA Y DEL CARIBE DE LA
SOCIEDAD INTERNACIONAL DE INVESTIGACIÓN DEL TERCER SECTOR
(ISTR). Perspectivas Latinoamericanas sobre el Tercer Sector. Buenos Aires,
Argentina, 12-14 de setembro de 2001. Disponível em: <http://www.rits.org.
br/legislacao_teste/download/novo_marco.zip>. Último acesso em: 26 de maio
de 2007.

FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE GRADUAçÃO DAS UNIVER-


SIDADES BRASILEIRAS. Resgatando espaços e construindo idéias: ForGRAD,
1997 a 2002. Niterói: EdUFF, 2002.

FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES


PÚBLICAS BRASILEIRAS. Plano Nacional de Extensão Universitária. Ilhéus:
Editus, 2001. (Coleção Extensão Universitária; v. 1)

GOHN, Maria da Glória M. Assessoria aos movimentos populares: história,


avaliação e significado político. Educação e Realidade, v. 16, n. 1, p. 65-77, jan./
jun. 1991.

MACHADO, Anna Rachel. Uma experiência de assessoria docente e de elabora-


ção de material didático para o ensino de produção de textos na universidade.
Delta, v. 16, n. 1, p. 1-26, jan. 2000.

MATOS, Marlise et al. Avaliação do programa Sentinela. Núcleo de Estudos e


Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM/UFMG)/Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, Brasília, 2005.

ROCHE, Chris. Avaliação de impacto dos trabalhos de ONGs: aprendendo a valorizar


as mudanças. São Paulo: Cortez/ABONG; Oxford, Inglaterra: OXFAM, 2000.

SENNA FILHO, Arthur Ribeiro de. Organizações não-governamentais de


assessoria popular, novos movimentos sociais, Estado e democracia. Serviço
Social & Sociedade, São Paulo, v. 14, n. 45, p. 42-65, ago. 1994.

SILVA, Maria das Graças Martins da. Extensão: a face social da universidade?
Campo Grande: UFMS, 2000.

SOUSA, Ana Luiza Lima. A história da extensão universitária. Campinas: Alínea,


2000.

SOUSA, Carlos Ângelo de Meneses. Discurso e prática de assessoria como relações


de poder. Cadernos do CEAS, Salvador, n. 193 , p. 33-51, maio/jun. 2001.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 394 12/11/2008 10:31:13


Assessoria técnica e a expansão do PAIR/MG 395

TUTTMAN, Malvina Tania. Extensão universitária: a construção de novos


caminhos. In: DURHAM, Eunice R.; SAMPAIO, Helena (Org.). O ensino superior
em transformação. São Paulo: USP/Núcleo de Pesquisa sobre o Ensino Superior,
2001.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Extensão.


Relatório de atividades 2005-2006. Belo Horizonte: PROEX/UFMG, 2006.

VASCONCELOS, Ana Maria de. Relação teoria/prática: o processo de assessoria/


consultoria e o Serviço Social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 56,
p. 114-134, mar. 1998.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 395 12/11/2008 10:31:13


PALAVRAS FINAIS

Reconhecendo a complexidade presente no fenômeno da vio-


lência sexual infanto-juvenil, este livro não se trata de um trabalho
fechado, mas uma etapa concluída no incessante processo de
aproximação de um fenômeno que suscita e continuará a suscitar
leituras, estudos, indagações, discussões e pesquisas.
Trabalho de caráter teórico-prático, esta obra expressa o em-
penho de um grupo extenso de pessoas envolvidas, mobilizadas e
comprometidas com a compreensão e o enfrentamento do fenômeno
da violência sexual infanto-juvenil.
Agradecemos aos autores, formadores e educadores, respon-
sáveis por tornar realidade uma vivência tão rica e positiva. A todos
os colaboradores e parceiros; promotores de justiça; juízes e técnicos
das varas criminais e do juizado da infância e juventude; conse-
lheiros tutelares e de políticas públicas; polícias; equipes técnicas
de diversos programas; gerentes, coordenadores e secretários da
Assistência Social, da Educação, da Saúde, da Cultura e Esportes;
representantes da sociedade civil; dirigentes e funcionários de
organizações da sociedade civil, dos municípios de Itaobim,
Teófilo Otoni e Uberaba, nossos sinceros agradecimentos.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 396 12/11/2008 10:31:13


Palavras finais 397

Ficamos também com a esperança que cada leitor encontre aqui


elementos instigadores para aceitarem o desafio de continuarem
buscando novas leituras a respeito do fenômeno da violência
sexual infanto-juvenil e de permanecerem abertos para o seu
enfrentamento.
Desejamos que futuros projetos possam ser somados à expansão
PAIR/MG, visando à continuidade do processo de fortalecimento
à Rede de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil nos
municípios mineiros.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 397 12/11/2008 10:31:13


SOBRE OS AUTORES

Edite da Penha Cunha (Org.)


É assistente social pela PUC/Minas, mestre em Ciência Política pela
FAFICH-UFMG, membro do Núcleo de Apoio à Política de Assistência
Social (NUPASS) e assessora técnica da Pró-Reitoria de Extensão da
UFMG.

Eduardo Moreira da Silva (Org.)


É graduado em Psicologia pela PUC/MG e Ciências Sociais pela UFMG,
mestre e doutorando em Ciência Política (UFMG) e membro da equipe de
coordenação da Expansão do PAIR/MG.

Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti (Org.)


É assistente social pela PUC/Minas, doutora em Sociologia pela Universi-
dade Católica de Louvain – Bélgica, professora aposentada da Faculdade
de Educação (UFMG). A partir de 2005 é assessora de Programas e Projetos
de Formação de Educadores Populares e Educadores de Jovens e Adultos
(EJA).

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben


É doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da UFMG,
pesquisadora do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais GAME, da
FaE/UFMG, e professora da Linha de Pesquisa Políticas Públicas e Avaliação
do Programa de Pós-graduação em Educação da FaE-UFMG/Pró-Reitora
de Extensão da UFMG – gestão 2006-2010.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 398 12/11/2008 10:31:13


Sobre os autores 399

Eleonora Schettini M. Cunha


É assistente social da UFRJ, especialista em Políticas Sociais e Movimentos
Sociais pela UFPA, especialista em Política Social e Serviço Social pela UNB,
mestre e doutoranda em Ciência Política pela UFMG. É assistente social
da UFMG e membro do Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento da Política
de Assistência Social – NUPASS (UFMG).

Geovânia Lúcia dos Santos


É bacharel e licenciada em História e mestre em Educação pela UFMG,
com ênfase em Educação de Jovens e Adultos. Atua no campo da pesquisa
acadêmico-científica, tendo trabalhado como pesquisadora iniciante e
assistente em pesquisa no campo de História, da Histporia demográfica,
da Educação e das tradições culturais e religiosas de matriz afro-brasisleira.
Atualmente é professora na Fundação Cultural de Pedro Leopoldo.

Geralda Luiza de Miranda


É mestre e doutoranda em Ciência Política pela FAFICH/UFMG, analista de
Políticas Públicas, licenciada da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência
Social da Prefeitura de Belo Horizonte e bolsista da CAPES.

Helena Hemiko Iwamoto


É enfermeira, mestre e doutora em Enfermagem Fundamental pela Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, professora
adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e membro
do Núcleo de Pesquisa em Saúde Coletiva.

Janete Ricas
É médica pediátrica, mestre e doutora em Pediatria e professora do
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 399 12/11/2008 10:31:13


400 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL

Joana Domingues Vargas


É doutora em Sociologia pelo Instituto de Pesquisas Universitárias do Rio
de Janeiro (IUPERJ), com pós-doutorado pela Universidade do Texas, em
Austin (UT). Professora adjunta da UFMG e pesquisadora do Centro de
Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP. É coordenadora
da equipe de pesquisadores que realizou o diagnóstico do fenômeno
da violência sexual infanto-juvenil e da rede de proteção à criança e ao
adolescente.

José Joesso Alves Pereira


É pedagogo graduado na Universidade FUMEC, em Belo Horizonte-MG,
pós-graduado em Educação Inclusiva pela Universidade Castelo Branco-RJ,
pedagogo da Rede Municipal de Ensino de Itaobim-MG, professor de Edu-
cação Artística da Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais e coordenador
do PAIR, em Itaobim-MG.

Klarissa Almeida Silva


É cientista social, com mestrado em Sociologia pela UFMG, e pesquisadora
do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública – CRISP.

Kleber Queiroz
É bacharel em Direito pela PUC/Minas e pós-graduando em Direito Público.
É servidor público do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Mara Vasconcelos
É cirurgiã-dentista, mestre em Educação e doutora em Odontologia Social.
É professora do Departamento de Odontologia Social e Preventiva da
Faculdade de Odontologia da UFMG.

Miguir Teresinha V. Donoso


É enfermeira especialista em Enfermagem do Trabalho, mestre em
Enfermagem e doutora em Ciências da Saúde – área de concentração:
Saúde da Criança e do Adolescente. É professora do Departamento de
Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da UFMG.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 400 12/11/2008 10:31:13


Sobre os autores 401

Paula Cambraia de Mendonça Vianna


É enfermeira, mestre em Enfermagem e doutora em Enfermagem – área de
concentração: Políticas Públicas e Saúde Mental. Atualmente é professora
da Escola de Enfermagem da UFMG.

Rennan Mafra
É relações públicas, consultor e mestre em Comunicação Social pela
UFMG. Atualmente é professor do Departamento de Comunicação Social
da UFMG, doutorando em Comunicação Social pela mesma Universidade
e coordenador de Comunicação do Programa Pólos de Cidadania, da
Faculdade de Direito da UFMG. É co-autor de Comunicação e estratégias de
mobilização social, e autor do volume Entre o espetáculo, a festa e a argumentação:
mídia, comunicação estratégica e mobilização social.

Ricardo Silvestre da Silva


É assistente social, mestre em Serviço Social pela UFRJ e professor assistente
de Serviço Social na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri. É coordenador da pesquisa: Diagnóstico da Exploração Sexual
Infanto-Juvenil na Microrregião de Teófilo Otoni.

Rodrigo Francisco Corrêa de Oliveira


É membro integrante do Eixo Protagonismo Juvenil do PAIR/MG.

Rosemary Alves dos Santos Nascimento


É psicóloga graduada e pós-graduada em Psicopedagogia na Univer-
sidade Braz Cubas-SP, e em Educação Inclusiva pela Universidade
Castelo Branco-RJ. Atua como psicóloga da Rede Municipal de Ensino
de Itaobim-MG e da Casa da Juventude – ONG, desde 2005. É membro
da COL (Comissão Operativa Local) do PAIR, em Itaobim-MG.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 401 12/11/2008 10:31:13


402 EN F R EN TAMENT O À V IOLÊNCIA SEX UAL INFA NTO -JU VENIL

Sybelle de Souza Castro Miranzi


É enfermeira, mestre em Epidemiologia pela Escola Nacional de Saúde
Pública/FIOCRUZ, doutora em Enfermagem em Saúde Coletiva pela
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e
professora adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

Vanessa Henriques Pinto


É psicóloga e consultora técnica em Saúde Pública e Saúde do Adolescente, e
formadora do Programa Escola que Protege e da expansão do PAIR/MG.

Walter Ude
É professor adjunto da Faculdade de Educação – FAE/UFMG e membro do
Núcleo de Estudos do Pensamento Complexo – NEPPCOM.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 402 12/11/2008 10:31:13


3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 403 12/11/2008 10:31:13
A presente edição foi composta pela Editora UFMG e impressa
pela Gráfica e Editora O Lutador em sistema offset, papel offset 90g
(miolo) e cartão supremo 300g (capa), em novembro de 2008.

3_VIOLENCIA_SEXUAL_parte_3.indd 404 12/11/2008 10:31:13

Potrebbero piacerti anche