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V. 23 N. 74 (1996): 345-370
Henrique C. de
Lima Vaz ·CES-BH
Abstracl: Teilhard de chardin and the question of God. The paper was
presented at the Centro Loyola de Fé e Cultura (Rio de Janeiro, Nov.
1996) on the occasion of the 40th anniversary of the death of Teilhard
de Chardin (1955-1995).After a brief description of the last years of
Teilhard's life and of the posthumous destiny of his work, the paper
deals with the Teilhard's conception of God in the context of a
posttheistic culture. The nature of the Point Omega is examined as
well as the actual significance of Teilhard's theism.
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I
na Igreja e no mundo intelectual do pós-guerra. A irradiação da sua
personalidade, a novidade e audácia das suas idéias, os vastos hori-
zontes por elas abertos sobretudo a um pensamento católico ainda
em parte paralisado pelos traumas da crise modernista, situaram
Teilhard no próprio centro do grande confronto entre mundo cristão
e mundo moderno, que então caminhava para atingir seu clímax nos
anos que precederam o Concílio Vaticano 11.Esse protagonismo his-
tórico de Teilhard receberá uma confirmação fulgurante nos anos que
se seguiram imediatamente à sua morte quando, como uma torrente
represada e enfim livre, sua obra conhecerá uma difusão mundial,
caracterizando um dos mais impressionantes fenômenos editoriais
do século xx.
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2.2 - A questão de Deus no pensamento filosófico do primeiro
século XX (1900-1950)
Considerada numa das suas vertentes principais a filosofia da pri-
meira metade do século XX, que se apresenta como a herdeira e
continuadora da tradição que vem de Descartes e, como tal, é a que
recebe títulos de legitimidade no establishment intelectual do Oci-
dente, apresenta-se como um múltiplo esforço de integração no
corpus canônico das doutrinas filosóficas, da crítica e dissolução da
idéia de um Deus transcendente, que se desenvolve a partir da
chamada "reviravolta antropocêntrica" inaugurada por Kant. Essa
crítica e essa dissolução mostram faces diversas e cumprem diversos
estágios ao longo do século XIX, unidos pelo fio de uma sempre maior
radicalidade. Não é o lugar aqui para descrever essas faces ou acom-
panhar passo a passo esses estágios. Baste-nos indicar alguns dos
seus traços e lembrar os seus principais momentos 4.
A idade filosófica que começa com Kant foi inaugurada pela chama-
da "reviravolta antropocêntrica", mas é necessário, para entender a
sua evolução posterior, captar o sentido profundo dessa expressão.
Situar-se no centro do universo filosófico ou instalar-se no lugar da
gênese da verdade e do sentido, tal foi o grande projeto do homem
moderno a partir de Descartes. A novidade trazida por Kant, mar-
cando o completar-se da reviravolta que assinala o fim do
cosmocentrismo ou do teocentrismo do pensamento pré-moderno,
consistiu em identificar e descrever no operar imanente da razão e da
liberdade os processos de gênese do mundo objetivo, da sua verda-
de, do seu sentido e da sua normatividade ética para o homem. Ao
termo desses processos Deus se mostra ou apenas como ideal da
razão pura teórica ou como postulado da razão pura prática. Um
Deus cuja idéia recebe seu conteúdo unicamente da atividade
teorizante ou moralizante do homem. Na seqüência dessa inversão
antropocêntrica Deus será considerado apenas um objeto de cultura,
e esse será um pressuposto recebido sem discussão pelo
pensamento do século XIX e do século xx.
A partir de então a questão de Deus se formulará, nos seus termos
especificamente pós-kantianos, numa perspectiva exclusivamente
antropológica: qual a significação cultural e qual a utilidade social da idéia
de Deus? Os pensadores mais representativos do século XIX darão a
essas interrogações respostas diversas mas, como já observamos, uma
lógica as une no sentido de uma progressiva eliminação das relíquias de
transcendência que a idéia de Deus ainda guardava das suas origens
religiosas ou filosóficas. No caso de Kant é possível ainda admitir-se uma
justificação do Deus transcendente a partir da
necessidade de fundamentar-se, em termos de razão prática, a
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minho de Teilhard na sua busca de Deus, pelas terras da cultura pós-
teísta.
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3.2 - Os passos do itinerário teilhardiano para Deus
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- estrutura de espiritualização: admitida a propriedade da centração,
essa provoca ou deve provocar, na praxis histórica do homem, um
predomínio crescente do pensado e do livremente escolhido sobre os
automatismos e sobre o instinto. Se representarmos a centração como
um adensamento do estofo material do universo em torno dos cen-
tros de reflexão e liberdade sob a forma da tecnociência (para Teilhard
o artificial é o natural refletido), podemos visualizar esse processo
na figura de uma elipse na qual o polo consciência (fi) atrai o polo
técnica (P) de tal sorte que a elipse tende a tornar-se um círculo.
Nele o polo técnica estará absorvido pelo polo consciência, ou seja,
a evolução terá atingido um ponto crítico de auto-reflexão designan-
do o estágio de convergência final do seu imenso devir, em cujo
horizonte emerge necessariamente o Ponto Ômega como Fim abso-
luto do movimento cósmico. Teilhard, com efeito, rejeita decidida-
mente a hipótese de um universo cíclico, repetindo eternamente um
começo e um fim.
4. Reflexões finais
Se nos interrogarmos sobre a atualidade do teísmo eilhardiano, não
será difícil ver que há nele aspectos pouco compatíveis com a nova
sensibilidade religiosa que se formou a partir da crise dos anos 70, e,
outros que, do ponto de vista da mentalidade científica, continuam . a
ser considerados extrapolações que ultrapassam audaciosamente as ,
fronteiras metodológicas da ciência e são fruto de opções
metafísico religiosas. A concepção de Deus de Teilhard de Chardin
teria, pois, apenas um interesse histórico ou haveria nela algum
apelo capaz de alcançar a nossa atualidade?
A grande crise desse fim de milênio - econômica, social, política,
cultural - levou a sensibilidade religiosa, também ela em crise, a
voltar-se para o Deus das realidades imediatas, de onde surgem os
grandes problemas e de onde parecem levantar-se os grandes desa-
fios. Assim é que as concepções e representações de Deus que
pas-saram a predominar no pensamento teológico e no imaginário
religi-oso do Ocidente, realçam a) um Deus de justiça, capaz de
inspirar atitudes e comportamentos de crítica social e política e que
possa ser invocado como caução para projetos de transformação da
sociedade; b) um Deus da experiência interior do Espírito, que
irrompe como força transformadora da existência individual e torna
possível o reencontro com o cristianismo carismático das origens; c)
um Deus da pluralidade cultural, que se manifesta por caminhos e
formas diversas nas tradições religiosas dos povos, oferecendo
assim um fun-
Notas
.
23. L'union créatrice, ap. Écrits du temps de guerre, Paris, Grasset, 1965,
pp. 169-197 e Mon Univers, ap. Science et Christ, (Oeuvres Completes,
IX, pp. 63-114.
24. Comment je vois, ap. Oeuvres Completes, XI, op. cit., 208, nota.
25. Ver Henri de Lubac, La pensée religieuse du Fere Teilhard de Chardin,
op. cit., pp. 281 segs.
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