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ENTRE COOPERAÇÃO E CENTRALIZAÇÃO

Federalismo e políticas sociais no Brasil pós-1988

José Angelo Machado


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte – MG, Brasil. E-mail: joseangelo@fafich.ufmg.br

Pedro Lucas de Moura Palotti


Universidade de Brasília (UnB), Brasília – DF, Brasil. E-mail: pedro.palotti@enap.gov.br

DOI: http//dx.doi.org/10.17666/308861-82/2015

Introdução Neste trabalho nos propomos a analisar evi-


dências empíricas relativas às relações intergo-
Passadas duas décadas e meia da promulgação vernamentais nas principais áreas de políticas
da Constituição federal de 1988, anuncia-se pro- sociais – saúde, educação e assistência social – a fim
missor o intento de revisitar problemas que pau- de discutir em que medida elas seriam consistentes
taram as primeiras e fundadoras abordagens que com parâmetros típicos de um federalismo descen-
caracterizaram o federalismo brasileiro no período tralizado e cooperativo (Almeida, 2000 e 2005).
pós-redemocratização. Partindo do debate sobre a Partindo dos constrangimentos constitucionais e
pertinência e as características da descentralização legais mais relevantes para atuação dos governos
(Arretche, 199b), passando pela análise do federa- subnacionais, as referidas evidências incluem os sis-
lismo cooperativo como chave para interpretar a temas de transferência financeira intergovernamen-
distribuição de competências nas políticas sociais tais, o funcionamento das comissões intergoverna-
(Almeida, 2000), chegando até a discussão sobre os mentais de caráter federativo no âmbito da gestão
mecanismos de coordenação federativa (Arretche, setorial e, por fim, a evolução de parcerias intergo-
2004; Abrucio, 2005) e a recentralização da fede- vernamentais por meio de consórcios públicos.
ração, notadamente a partir de meados dos anos Ao final concluímos que, a despeito de o com-
de 1990 (Almeida, 2005; Arretche, 2009 e 2010), partilhamento de competências entre esferas de go-
além de outros pontos igualmente relevantes. verno apontar para o federalismo cooperativo, não se
Artigo recebido em 01/07/2013 pode afirmar que seus atributos sejam dominantes
Aprovado em 28/11/2014 na produção de coordenação intergovernamental nas
RBCS Vol. 30 n° 88 junho/2015
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áreas estudadas. A despeito de avanços relevantes na entre o caráter uniforme das garantias sociais na-
concretização de instrumentos de cooperação, como cionais e a preservação das diversidades regionais
os consórcios públicos, as evidências apresentadas (Obinger et al., 2005). Na medida da variação do
endossam a proposição de que são as políticas e os grau de interdependência entre escolhas dos entes
programas sociais formulados a partir da União, e governamentais, nas diferentes políticas públicas,
implementados pelos governos subnacionais sob a coloca-se a necessidade de coordenação entre suas
sua regulação (Arretche, 2009 e 2010), que organi- ações, a fim de assegurar resultados coletivos mi-
zam e dão consistência às ações governamentais nes- nimamente consistentes. Tal coordenação pode re-
sas áreas. Concentrando receitas e recursos institu- sultar de constrangimentos legais, incentivos finan-
cionais para o exercício da coordenação federativa, a ceiros ou parcerias que produzam convergência na
União ocupou o espaço aberto a partir do parágrafo direção de tais escolhas, seja no sentido de realizar
único do artigo 23 da Constituição federal de 1988, objetivos fixados no plano nacional, seja de elimi-
que previa Leis complementares para fixar normas nar irracionalidades decorrentes da superposição ou
de cooperação entre as três esferas de governo. Senão da inexistência de iniciativas.
por meio de Leis complementares genéricas,1 aconte- Uma das condições que afeta a capacidade de
ceu por meio de leis ordinárias ou normas infralegais coordenação federativa diz respeito ao modo como
nos marcos de cada politica setorial, opção que pode, são distribuídas as responsabilidades por políticas
inclusive, ter conferido maior funcionalidade e adap- públicas entre esferas de governo. Neste ponto exis-
tabilidade a condições específicas. tem focos de convergência salientes na propositura
O trabalho está organizado da seguinte forma: de critérios de classificação ou tipologias. Em uma
na próxima seção discutimos problemas conceituais delas, a Advisory Commission on Intergovernmental
que poderiam levar a uma falsa correspondência en- Relations - ACIR2 (1981) contrapõe, como formas
tre compartilhamento de responsabilidades e coope- ideais, os federalismos dual, cooperativo e centra-
ração intergovernamental. Em seguida, identificamos lizado. No federalismo dual, os poderes do governo
características do modo como tal compartilhamento nacional e dos estados, embora incidindo sobre o
se configurou no caso brasileiro, especificamente nas mesmo território, atuam separada e independente-
três áreas de políticas públicas sociais a serem trata- mente dentro das respectivas jurisdições ou setores
das: saúde, educação e assistência social. Na seção de políticas públicas sob sua responsabilidade. No fe-
seguinte apresentamos um balanço dirigido a quatro deralismo cooperativo, haveria um compartilhamento
mecanismos de coordenação federativa que afetam intergovernamental destas mesmas jurisdições, que-
estes setores: garantias e constrangimentos do sistema brando o nítido padrão de separação de autoridade
constitucional e legal; incentivos proporcionados pe- e responsabilidade exclusiva entre governo nacional
las transferências condicionadas; compartilhamento e dos estados.3 Já no federalismo centralizado, estes
de decisões operacionais nas comissões intergoverna- últimos se tornariam meros agentes administrativos
mentais de caráter federativo; e parcerias voluntárias do governo nacional, detentor de poder regulamen-
abordadas em consórcios intergovernamentais. Por tador e de recursos para atuação daqueles. Por outro
fim, considerando a configuração geral dos elemen- lado, Scharpf (1988) se vale da contraposição entre
tos apresentados, retomamos o problema inicial para o modelo norte-americano e o alemão quanto à forma
construir conjecturas e considerações finais. de alocar autoridade sobre as áreas da ação governa-
mental: no primeiro, as diferentes esferas de governo
detêm autoridade independente sobre políticas pú-
Compartilhamento de responsabilidades blicas4, sendo possível caracterizá-lo a partir do peso
e cooperação relativo de cada área; no segundo, a autoridade sobre
uma mesma área é compartilhada entre diferentes es-
Em sentido geral, políticas sociais trazem à luz feras. Obinger et al. (2005) e Broschek (2007), por
os problemas da coordenação federativa. Eles se sua vez, se valem da distinção entre federalismo inter
originam, em grande parte, da tensão constitutiva e intraestado. No primeiro, há uma divisão vertical
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de poder bem estabelecida, sendo as competências Se estivermos corretos quanto a isso, não faria
sobre diferentes políticas públicas distribuídas entre sentido a presunção de identidade entre comparti-
as esferas de governo. No segundo, essas competên- lhamento de responsabilidades e cooperação,5 pre-
cias são compartilhadas, havendo uma divisão ape- sente na própria definição apresentada pela ACIR.
nas funcional de tarefas entre tais esferas, geralmente Na mesma direção, encontramos elementos na lite-
cabendo à União a formulação e a coordenação; às ratura que reforçam essa disjunção. Souza (2005),
unidades subnacionais, a implementação. ao analisar as competências concorrentes no dese-
Nessas tipologias, o critério que permite iden- nho federativo brasileiro, distingue a cooperação,
tificar as variações é a atribuição de jurisdição sobre de um lado, como pressuposto de uma norma cons-
áreas de governo, sendo relevante seu caráter exclu- titucional, na qual se prevê o compartilhamento
sivo ou compartilhado. Desse ponto de vista, há si- de responsabilidades, e, de outro, como elemento
milaridade entre as categorias federalismo dual, mo- factual. A despeito do compartilhamento constitu-
delo norte-americano e o federalismo interestado, que cionalizado em diversas políticas públicas, a autora
remetem às situações em que a cada esfera de gover- sugere que a cooperação poderia não se estabelecer
no corresponde a responsabilidade por uma deter- como padrão dominante, dadas as profundas dife-
minada área de governo. De sua parte, as categorias renças de capacidade entre governos subnacionais
federalismo alemão e o intraestado apontam em dire- e a ausência de incentivos institucionais, do que
ção aos casos em que uma mesma área de governo resulta a emergência de comportamentos compe-
está sob responsabilidade compartilhada entre dife- titivos. Francese (2010) também sinaliza nesta di-
rentes esferas, dependendo portanto da articulação reção ao caracterizar a Constituição de 1988 como
entre suas ações. De sua parte, tanto o federalismo padrão institucional híbrido, que combina compar-
cooperativo quanto o centralizado poderiam ser aqui tilhamento de responsabilidades em diversas áreas
encaixados, embora ofereçam soluções distintas governamentais com dispositivos que estimulam a
para a produção da referida articulação: no caso do competição. Por sua vez, Scharpf (1988), ao tratar
primeiro, a partir de uma ação conjunta e previa- do federalismo alemão após a reforma constitucional
mente concertada entre os envolvidos, detendo os dos anos de 1960, identificou e descreveu compor-
governos subnacionais autonomia e capacidade fi- tamentos não cooperativos e solidários nas políti-
nanceira; no caso do último, a partir de iniciativas cas compartilhadas. Fracassos na implementação
do governo nacional, dotado de recursos de indu- de acordos entre governo federal e os länder para
ção de comportamentos dos governos subnacionais colaboração na educação primária e secundária ou
(Machado, 2008). O Quadro 1 ilustra os pontos a incapacidade de gerar programas nacionais con-
equivalentes entre as classificações sobre federalis- juntos para apoiarem os länder afetados por crises
mo citadas anteriormente. econômicas externas estão entre esses casos.

Quadro 1
Correspondências entre Tipologias de Classificação sobre Federalismo

Jurisdição sobre áreas Tipologia Obinger et al.


Tipologia Scharpf (1988) Tipologia ACIR (1981)
governamentais (2005) e Broschek (2007)

Responsabilidade de uma Federalismo


Federalismo interestado Federalismo Dual
única esfera de governo norte-americano

Compartilhada entre Federalismo cooperativo


Federalismo alemão Federalismo intraestado
diferentes esferas de governo Federalismo centralizado
Fonte: Elaboração própria.
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Assim, sendo o compartilhamento constitucio- 2004). Porém há especificidades nos esquemas de


nal de responsabilidades um atributo compatível, ao compartilhamento das competências comuns para
mesmo tempo, com um padrão cooperativo ou com as três áreas aqui tratadas, mesmo que sejam notáveis
um padrão centralizado, parece-nos relevante anali- as aproximações, em especial entre as áreas da saúde
sar em que medida o federalismo brasileiro estaria e da assistência social. Em ambas, inclusive, foram
avançando em uma ou outra direção, em especial as respectivas leis orgânicas (Leis n. 8080/1990 e
em áreas governamentais em que tal compartilha- 8142/1990, no caso da saúde, e 8742/1998, poste-
mento se apresenta. Seria seu padrão dominante riormente modificada pela Lei n. 12 435/2011, no
mais próximo dos traços típicos do federalismo coo- da assistência social) que tornaram mais precisas as
perativo em que se observa uma “ação conjunta en- funções específicas dos entes vinculados a cada esfera
tre instâncias de governo, nas quais as unidades sub- no contexto dos respectivos sistemas.
nacionais guardam significativa autonomia decisória No setor da saúde não há, em geral – salvo
e capacidade própria de financiamento” (Almeida, algumas exceções definidas, sobretudo, na Lei n.
2000, pp. 13-14)? Ou poderíamos afirmar com al- 8080/1990 –, exclusividade ou jurisdição própria
guma segurança que nosso federalismo é centraliza- de alguma esfera de governo sobre determinada
do? Há um forte movimento, na literatura política área de atuação ou nível de atenção à saúde. O
que analisa o federalismo brasileiro, que reivindica sistema constitucional e legal define uma estreita
sua recentralização desde meados dos anos de 1990 articulação entre União, estados e municípios, con-
e que, a despeito da preservação de espaços de auto- formando um sistema “com direção única em cada
nomia para governos subnacionais, a coloca como esfera de governo” (artigo 198, inciso I da Cons-
ponto chave para explicar o sucesso na coordenação tituição federal). As especificidades da atuação de
federativa das políticas públicas desde então (Arre- cada uma delas são, claramente, mais funcionais
tche, 2004, 2009 e 2010; Melo, 2005). O presente que jurisdicionais, cabendo à União a coordenação,
trabalho propõe-se a examinar a prevalência ou não a normatização e a definição de padrões nacionais
deste padrão centralizado, ainda que de forma res- para a ação governamental no setor da saúde. Aos
trita a três das principais políticas sociais – saúde, estados foram reservadas funções de coordenação
educação e assistência social – para as quais descre- e normatização complementar na sua esfera, além
vemos, na próxima seção, os respectivos sistemas de de acompanhamento, avaliação e controle das redes
compartilhamento de responsabilidades. regionalizadas do Sistema Único de Saúde (SUS),
bem como apoio técnico e financeiro, enquanto
aos municípios foram reservadas as de “planejar,
Políticas sociais e compartilhamento de organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços
responsabilidades de saúde e gerir e executar os serviços públicos de
saúde” (artigo 18, inciso I da Lei n. 8080/90). Nes-
A Constituição de 1988 assegurou à União “o te arranjo setorial o Executivo federal foi o agente
maior e mais importante leque de competências ex- investido de autoridade para tomar as decisões mais
clusivas” (Souza, 2005, p. 111), incluindo a defesa importantes da política pública (Arretche, 2004),
nacional, a política macroeconômica – no interior não obstante a dependência da cooperação de go-
da qual se incluem a emissão de moeda e adminis- vernos subnacionais para sua materialização, uma
tração de reservas cambiais –, bem como o contro- vez que eram responsáveis diretos pela gestão das
le da exploração dos serviços de telecomunicação unidades e dos serviços de saúde. Merece especial
e navegação aérea, entre outros (Brasil, 2012). As atenção o fato de que o Executivo federal tenha op-
políticas sociais, de modo geral, foram estabeleci- tado por compartilhar a construção das regras para
das como competências comuns à União, estados descentralização de responsabilidades e recursos
e municípios, sendo definidas no campo legislati- com as representações nacionais de estados e mu-
vo como concorrentes a estas três esferas de gover- nicípios por meio da Comissão Intergestores Tri-
no (Almeida, 2000 e 2005; Souza, 2005; Arretche, partite (CIT). Esta estratégia conferiu flexibilidade
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para ajustes conjunturais aos desafios colocados em ensino dos entes federados (Fundef ). Mais à frente,
diferentes momentos da implementação do SUS. a Lei n. 11494/2007 regulamentou o artigo 60 das
Inicialmente, descentralizar a gestão das unidades Disposições Transitórias da Constituição Federal,
e dos serviços de saúde para os municípios (Norma instituindo o Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
Operacional Básica – NOB 01/1993); em seguida, mento da Educação Básica e de Valorização dos Pro-
estruturar a atenção básica e os níveis de atenção à fissionais da Educação (Fundeb) e criando comissão
saúde subsequentes (NOB 01/1996); adiante, re- intergovernamental com atribuições vinculadas ao
gionalizar as redes de atenção à saúde como estraté- regime de colaboração entre as três esferas de gover-
gia para garantir integralidade e equidade no acesso no na sua operacionalização. Vale notar que também
(NOB 01/2002), e assim por diante. na educação, a despeito das mencionadas diferenças,
No caso da educação, diversamente, a Consti- a premissa da cooperação também subjaz à distribui-
tuição estabeleceu um desenho mais complexo para ção das responsabilidades entre as esferas de governo.
a distribuição de responsabilidades entre esferas de Por fim, o desenho da distribuição de respon-
governo. Foram atribuídas competências comuns, sabilidades entre esferas de governo na assistência
a serem desempenhadas em regime de colaboração social se assemelha ao adotado na saúde. Trata-se,
entre tais esferas, ao lado de competências a serem como vimos, de um sistema único que articula os
desempenhadas prioritariamente por estados e mu- papéis desempenhados pelas três esferas de gover-
nicípios, e competências privativas da União. No ar- no. Neste caso, a Constituição federal definiu como
tigo 211 da Constituição federal ficou definido que diretriz, em seu artigo 204, inciso I, a descentraliza-
União, estados e municípios, “em regime de colabo- ção político-administrativa, cabendo a coordenação
ração”, organizariam os “seus” sistemas de ensino, e a normatização geral à esfera federal, enquanto a
produzindo um desenho distinto daquele da saúde coordenação e a execução dos respectivos progra-
e, como veremos adiante, da assistência social, nos mas ficaria a cargo das esferas estadual e municipal.
quais as três esferas de governo se articulam em siste- Anos depois a Lei Orgânica de Assistência Social
mas de abrangência nacional. No primeiro parágrafo (n. 8742/1993), reafirmou que:
vinculado a este artigo foram descritas as competên-
cias privativas da União: organizar o sistema federal Art. 11. As ações das três esferas de governo na
de ensino e financiar as instituições públicas federais; área de assistência social realizam-se de forma
exercer funções redistributivas e supletivas, a fim de articulada, cabendo a coordenação e as normas
assegurar equidade das oportunidades educacionais gerais à esfera federal e a coordenação e execução
e um padrão mínimo de qualidade do ensino, pres- dos programas, em suas respectivas esferas, aos
tando assistência aos estados e municípios. A estes Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
últimos, nos parágrafos seguintes, foram atribuídas
competências prioritárias: aos primeiros, o ensino Esta definição genérica foi detalhada pela Lei
fundamental e médio; aos últimos, o ensino fun- n. 12435/2011, em seu artigo 24, parágrafo 3º,
damental e infantil. Para ambos, a organização dos onde se definiu que “operacionalização, prestação,
respectivos sistemas educacionais se daria mediante aprimoramento e viabilização dos serviços, progra-
formas de colaboração que assegurassem a universali- mas, projetos e benefícios” da política de assistên-
zação do ensino obrigatório, ou seja, o fundamental. cia social seriam cofinanciados pelas três esferas de
Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Edu- governo. Cada esfera também ficou responsável,
cação (n. 9394/1996) reafirmou a autonomia dos em seu escopo de atuação, pelo monitoramento e
estados e municípios na organização dos respectivos avaliação da política de assistência social. Já a asses-
sistemas educacionais, bem como o papel regulador soria técnica deveria ser desenvolvida, no âmbito da
da União. No mesmo ano, a Lei 9424 criou um me- União, em estados e municípios e, no âmbito dos
canismo de compartilhamento de receitas financeiras estados, em municípios. Outro aspecto importante
para financiamento do ensino fundamental baseado seria a obrigatoriedade da declaração de recebimen-
no número de matrículas em estabelecimentos de to de recursos federais por parte dos estados e dos
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municípios, que prestam contas anualmente em re- poderia constituir uma quarta via: a constituição de
latório de gestão, os quais também devem compro- arenas federativas de pactuação entre representações
var a execução das ações correspondentes. Assim, das esferas de governo, firmando acordos a serem
também neste setor, o sistema constitucional e legal encaminhados conjuntamente por todos, materia-
estabeleceu responsabilidades compartilhadas com lizadas nas comissões intergovernamentais de polí-
funções específicas, porém articuladas de modo a ticas públicas.6 Nossa análise será direcionada para,
conformar um único sistema nacional. ao final, avaliar o nível de inserção do componente
Desse modo, o compartilhamento de respon- cooperativo na coordenação federativa das políticas
sabilidades nas políticas sociais criou espaços po- sociais, assumindo como parâmetro deste os pressu-
tenciais de articulação e complementariedade das postos explicitados por Almeida (2000) para o fe-
ações governamentais, porém ao preço de tornar o deralismo cooperativo definido pela ACIR (1981):
sucesso na implementação vulnerável ao compor- ação conjunta entre instâncias de governo com sig-
tamento dos governos subnacionais. Estes, dotados nificativa autonomia decisória e capacidade própria
de autonomia político-administrativa, estariam de financiamento.
habilitados, em última instância, a fazer escolhas
e dar encaminhamentos próprios a essas políticas Constrangimentos constitucionais e legais
sob vários aspectos, nem sempre convergindo para
direção das políticas nacionais. Se o compartilha- A Constituição federal de 1988 e o arcabou-
mento constitucional de responsabilidades supõe ço legal que dela se originou, além de estabelecer
a cooperação na realização dos objetivos nacionais o compartilhamento de responsabilidades nas po-
das políticas sociais, não existem garantias, a priori, líticas sociais, introduziu limites e parâmetros de
de que os entes governamentais ajustem suas ações atuação para estados e municípios na sua imple-
nessa direção. Na próxima seção analisaremos me- mentação ou, ainda, autorizou a União a fazê-lo
canismos destinados a promover tais ajustamentos. unilateralmente por meio de instrumentos norma-
tivos infralegais. Para efeitos deste trabalho, trata-
remos essas duas hipóteses, respectivamente, como
A presença do “componente cooperativo” constrangimentos diretos e indiretos.
Nos constrangimentos diretos o próprio texto
Considerado o compartilhamento de respon- constitucional ou leis regulamentares ou comple-
sabilidades nas políticas sociais e as precárias ga- mentares definem limites ou obrigações que dimi-
rantias para que governos subnacionais atuem na nuem a margem de escolha de estados e municípios
direção e na intensidade requerida pelos progra- ao atuarem nas políticas sociais. Estes incluem a
mas formulados pela União, dada sua autonomia, vinculação do gasto de receitas orçamentárias pró-
o alinhamento entre as três esferas dependeria de prias a determinada área de governo, como ocorre
que estados e municípios assumissem a gestão das na educação e na saúde (Arretche, 2004); critérios
políticas públicas por iniciativa própria, por adesão para uso desses recursos vinculados ou, mesmo, res-
às iniciativas nacionais ou por expressa imposição trições para gastos com pessoal e endividamento,
constitucional (Arretche, 1999a). Nesta seção exa- entre outros.
minaremos estes três caminhos, porém em ordem Considerando as três áreas governamentais ana-
inversa: primeiramente, os dispositivos que im- lisadas neste trabalho, nota-se que a vinculação do
põem obrigações constitucionais e legais; em segui- gasto de receitas orçamentárias próprias foi estabe-
da, as transferências financeiras condicionadas, que lecida para os setores de educação e saúde, deixando
se apresentam no sentido de buscar a adesão aos de fora a assistência social. No setor educacional, o
programas federais e, por fim, uma das estratégias artigo 212 da Constituição federal definiu um pata-
de iniciativa própria dos governos subnacionais, mar mínimo de aplicação correspondente: 18% des-
qual seja, os consórcios públicos. Entre o segundo e tas para a União e 25% para estados e municípios.
o terceiro caminho, incluímos a análise daquilo que No setor da saúde, por meio da Emenda constitu-
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cional 29/2000, o artigo 77 estabeleceu que estados plo. Neste particular, destacamos aqui as implica-
arcassem com 12% e municípios, com 15%, ficando ções da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sobre
a União de corrigir anualmente o gasto realizado a o gasto com pessoal, em vista de seus efeitos dife-
partir de 20007 pela variação nominal do Produto renciados dado o papel que estados e municípios
Interno Bruto (PIB). A vinculação do gasto de re- assumem nas políticas sociais. A princípio, nota-se
ceitas próprias compromete os entes governamentais que LRF foi uma resposta para coordenar o com-
com um piso mínimo de aplicação nas duas áreas de portamento fiscal dos governos no sistema federa-
políticas sociais, executada sob a vigilância dos ór- tivo brasileiro (Almeida, 2005), porém seus efeitos
gãos de controle externo como o Tribunal de Contas foram muito além, ampliando o controle da União
da União e os dos estados. A eficácia dessa determi- sobre o modo como estados e municípios executam
nação, entretanto, depende do estabelecimento de suas políticas (Arretche, 2009). No caso dos gas-
critérios para classificar as despesas como próprias a tos com pessoal, definiu que a União não poderia
cada setor, evitando manobras contábeis que facili- ultrapassar mais que 50% das receitas correntes lí-
tem o “cumprimento” dos limites para cada esfera quidas; no caso dos estados e municípios, não mais
de governo. Nas despesas com educação, segundo o que 60%. Mas as trajetórias das diferentes esferas
artigo 213 da Constituição, “recursos públicos serão de governo neste ponto são bem distintas. Quanto
destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos à União, nos primeiros anos da década 2000 seu
a escolas comunitárias, confessionais ou filantró- gasto com pessoal caiu, como proporção da despesa
picas, definidas em lei”, desde que não lucrativas e líquida, de 31,88%, em 2002, para 30,25%, em
assegurando a destinação pública de seu patrimônio 2004 (Nesp/Ceam/UnB, 2006), tendo chegado ao
em caso de encerramento de suas atividades. No terceiro trimestre de 2012, último dado disponível,
caso da saúde, somente com a Lei complementar n. a 21,67% (Brasil/Tesouro Nacional, 2012), por-
141/20128 é que as despesas foram definidas como tanto muito distante do limite. Quanto aos esta-
aquelas voltadas para promoção, proteção e recupe- dos, a situação, na média, não é desconfortável: a
ração da saúde, desde que cumprindo simultanea- despesa com pessoal tem caído como proporção da
mente três condições: destinadas a ações e serviços receita líquida, passando de 47,85% para 41,93%
de acesso universal, igualitário e gratuito; previstas entre 2000 e 2004, também afastando-se do limite.
nos planos de saúde de cada ente federado; e de res- Já quanto aos municípios, a situação é, na média,
ponsabilidade específica do setor da saúde. Em que inversa à das demais esferas, passando de 43,52%
pese o caráter geral da parametrização dos gastos para 47,41%, já entre 2000 e 2003. Ora, sendo as
com educação e saúde, o fato de estados e municí- políticas sociais áreas governamentais que mais ab-
pios serem majoritariamente responsáveis pela im- sorvem força de trabalho nos municípios e tendo,
plementação dessas políticas os tornam os principais estes últimos, assumido a maior parte das funções
destinatários desses constrangimentos. Sem entrar de implementação, são eles o principal alvo des-
aqui em uma análise de mérito quanto à sua perti- se constrangimento constitucional e legal. Nem a
nência para o desenvolvimento social e equidade no União e nem os estados,9 dado seu papel coordena-
plano nacional, o arranjo federativo brasileiro obriga dor e formulador, estarão pressionados a absorver
estados a gastar pelo menos 37% (12% com saúde grandes contingentes de força de trabalho nestas
e 25% com educação) e municípios a gastar pelo áreas governamentais e, por consequência, não de-
menos 40% (respectivamente, 15% e 25%) das suas veriam ter problemas com os limites com gastos de
receitas próprias, estando estabelecido previamente pessoal fixados pela LRF. Os efeitos distributivos da
qual o tipo de despesa seria executada em cada setor. norma geral são assimétricos; a União, inclusive,
Outro nível de restrição direta diz respeito foi bem-sucedida ao relaxar outras restrições diretas
àquelas determinações constitucionais e legais que sobre si, como na desvinculação de suas receitas,10
impactam capacidades dos governos subnacionais que lhe permitem excluir 20% de toda a arrecada-
na implementação de políticas sociais, limitando ção tributária das vinculações constitucionais que a
gastos com pessoal ou endividamento, por exem- obrigam a alocar ou transferir recursos.
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Por outro lado, existem constrangimentos in- pletiva” (artigo 211 da Constituição federal e artigo
diretos, decorrentes de poderes conferidos à União 8 da Lei n. 9394/1996). Estados e municípios po-
por meio de dispositivos constitucionais ou legais, deriam “baixar normas complementares” para seus
autorizando-a a exercer um papel de formulação, sistemas de ensino (artigos 10 e 11 da mesma lei).
coordenação ou supervisão nas políticas sociais. No Além disso, o Fundo Nacional de Desenvolvimen-
caso da saúde, a Lei n. 8080/1990, em seu artigo to da Educação, autarquia vinculada à União, de-
16, reservou à União funções de formulação, coor- tém fortes poderes normativos e de controle sobre
denação (redes de assistência de alta complexidade, governos subnacionais no que se refere às condições
vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, entre para repasse e execução de recursos. Desse modo,
outros) e estabelecimento de normas e parâmetros em grande parte em decorrência de sua função co-
nacionais (controle sanitário, relações entre o po- ordenadora e formuladora, a União concentrou,
der público e setor privado contratado, sangue e nas três áreas de políticas públicas, recursos institu-
hemoderivados, entre outros). No que diz respei- cionais importantes para constrangerem governos
to às transferências financeiras para “cobertura das subnacionais a adotarem comportamentos compa-
ações e serviços de saúde a serem implementados tíveis com suas iniciativas.
pelos municípios, estados e Distrito Federal”, a O sistema constitucional e legal foi estabeleci-
Lei n. 8142/1990 autorizou o Ministério da Saú- do de modo a gerar constrangimentos gerais sobre
de, em seu artigo 5, a estabelecer as condições para todas as esferas de governo quanto ao nível de gasto
sua aplicação, o que passou a ser feito por via das nos setores de saúde e educação, bem como quanto
portarias ministeriais, dando à sua burocracia espe- ao gasto com pessoal, mas seus efeitos distributi-
cializada um recurso institucional notável. Na as- vos foram assimétricos, pesando bem menos sobre
sistência social, o artigo 11 da Lei Orgânica (Lei n. a União e bem mais sobre os municípios. Por outro
8742/1993 consolidada com a Lei n. 12101/2009) lado, tal sistema conferiu à União recursos institu-
atribuiu explicitamente a “coordenação e as normas cionais que, embora compatíveis com o federalismo
gerais à esfera federal”, embora atribua ao Conse- cooperativo, lhe oferecem possibilidades estratégicas
lho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão para convertê-lo em um federalismo centralizado,
deliberativo colegiado ligado à administração pú- uma vez que induz governos subnacionais a se com-
blica federal, a coordenação da política nacional de portarem como “meros agentes administrativos”.
assistência social. Se a representação neste conselho Este tema será retomado no próximo segmento.
é paritária entre governo e sociedade civil, a União
detém sete das nove vagas da representação gover- Transferências financeiras condicionadas
namental, o que também lhe dá uma influência di-
ferenciada para “aprovar critérios de transferência A segunda metade dos anos de 1990 marcou
de recursos para os estados, municípios e Distrito uma virada em termos de recuperação da capacida-
Federal” (artigo 18, inciso IX). Cabe ainda à União de de coordenação federativa por parte da União. A
a coordenação das ações nacionais na assistência so- conquista da estabilidade macroeconômica e a ado-
cial e a proposição da política nacional de assistên- ção de medidas progressivas de controle fiscal, com
cia social e dos critérios de transferências de recur- fortes restrições ao comportamento dos governos
sos ao CNAS, a expedição de atos normativos para subnacionais, abriu um novo capítulo nas relações
gestão do Fundo Nacional de Assistência Social, intergovernamentais. Acrescente-se aqui, ainda, o
entre outras funções que lhe dão poder diferencia- movimento do Executivo federal para recompor
do diante dos governos subnacionais. Já na educa- sua participação nas receitas públicas, vis-à-vis a dos
ção, embora haja particularidades, a União também estados e municípios, por meio das contribuições
detém o papel de normatizar; formular planos na- sociais e de domínio econômico, não comparti-
cionais; coletar, analisar e disseminar informações; lhadas obrigatoriamente com eles (Almeida, 2007;
bem como prestar assessoria técnica para estados e Resende e Afonso, 2004). Essas novas condições
municípios, exercendo “função redistributiva e su- alteraram a balança de poder federativa, dando
Entre cooperação e centralização  69

novos recursos de barganha para a União diante de referências na literatura apontam para o sucesso da
estados e municípios, crescentemente dependentes. União em obter a adesão para seus programas fe-
Tais recursos, somados às prerrogativas para exer- derais, especialmente a partir da segunda metade
cer o papel coordenador e supervisor nos diferentes dos anos de 1990, em diferentes áreas de políticas
setores, descritas na seção anterior, deram à União públicas (Arretche, 1999a, 2004; Abrucio, 2005;
condições para se valer de transferências financeiras Almeida, 2000 e 2005), o que sugere a percepção,
condicionadas como instrumento de indução do pelos governos subnacionais, de maiores custos e
comportamento dos governos subnacionais. riscos ao construir e implementar uma agenda so-
Diferentemente das transferências intergover- cial desconectada do Executivo federal. A adesão
namentais livres, em que governos subnacionais permite contar com novas e regulares fontes de re-
alocam livremente os recursos recebidos, as trans- cursos, com reduzidos riscos de implementação em
ferências condicionadas favorecem o alinhamento vista do apoio e da cooperação técnica da União e,
das prioridades dos governos subnacionais àquelas em certos casos, dos estados. O Executivo federal
eleitas pelo Executivo federal. A concretização das reuniu, assim, condições para estruturar a agenda
transferências dependeria, obviamente, da ade- social dos governos subnacionais sem necessidade
são dos últimos a programas federais, adesão esta de medidas exclusivamente coercitivas, tendo as
condicionada por um cálculo que considera custos transferências condicionadas se disseminado nas
e benefícios fiscais e políticos, bem como dos re- políticas sociais de uma forma geral. Uma boa indi-
cursos administrativos próprios, sendo todos esses cação disso é a evolução histórica das transferências
fatores relevantes na escolha de assumir ou não a de recursos federais para estados e municípios no con-
gestão de ações e serviços desenhados em âmbito junto das despesas discricionárias da União11 entre
federal (Arretche, 1999a). Em grande medida, as 1995 e 2008. Estas saltaram de 18,3% para 57,7%,

Gráfico 1
Participação das Modalidades Execução de Despesas Federais com Políticas Sociais entre 1995 e 2008

90
80
70
60
50 Executivo Federal
40 Privada e outras
30 entidades
governamentais
20
Subnacionais
10
0
2001
1995

1997

2004
2005

2007
1996

1998
1999
2000

2002
2003

2006

2008

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados disponibilizados pela SOF/Ministério do Planejamento. Disponível em
https://orcamentofederal.gov.br/informacoes-orcamentarias/pasta-estatisticas-fiscais/10.-despesas-discricionarias-por-area-
orgao-e-modalidade-de-aplicacao.
70  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

enquanto a execução própria das despesas pela transferências regulares fundo a fundo, com poder
União ou por meio de entidades privadas e outras estruturante diferenciado sobre a agenda social dos
entidades governamentais caíram, respectivamente, governos subnacionais, uma vez que configura uma
de 79,2% para 40,0% e de 2,5% para 2,4%. O fonte estável de recursos para programas sociais em
Gráfico 1 refere-se às despesas gerais com políticas um contexto de contenção fiscal (Machado, 2011).
sociais, incluindo, ao lado daquelas como saúde, Entre 2005 e 2008, esse mecanismo abarcou, em
educação e assistência social, as despesas com es- média, 95% das transferências discricionárias no se-
porte e lazer, cultura e trabalho e emprego. tor da saúde, 52% na educação e 71% na assistência
No mesmo período, enquanto as transferên- social. Outra questão apontada foi a constatação de
cias obrigatórias de receitas arrecadadas pela União, que as transferências fundo a fundo regulares estru-
para estados e municípios, cresceram 7,09 vezes em turam as relações intergovernamentais de maneira
termos nominais, transferências discricionárias para semelhante a uma relação de agência16 – concepção
estados e municípios executarem políticas sociais e desenho do programa pela União, mecanismos de
cresceram 15,47 vezes.12 Como percentual da re- controle e punição dos governos subnacionais, en-
ceita corrente líquida da União, as transferências tre outros –, embora também subsistam elementos
obrigatórias passaram de 16,2% para 19,2% e as de compartilhamento de gestão entre as três esferas,
discricionárias subiram mais, proporcionalmente, com intensidades distintas entre as diferentes áreas
passando de 2% para 6%, conforme Gráfico 2. de governo.
Transferências discricionárias da União são De qualquer forma, as transferências intergo-
formalizadas por meio de instrumentos distintos, vernamentais condicionadas agregam novos ele-
incluindo transferências fundo a fundo de caráter mentos à discussão sobre o caráter do federalismo
universal,13 regular e com duração indefinida, além brasileiro. Detentora de recursos financeiros e po-
de convênios14 e contratos de repasse.15 Entre es- der normativo, além de burocracia especializada e
sas modalidades, chama atenção o crescimento das recursos informacionais diferenciados, o Executivo

Gráfico 2
Transferências Federais para Esferas Subnacionais Visando Políticas Sociais Perante Transferências
Discricionárias e Obrigatórias entre 1995 e 2008 – em R$ milhões

25

20

15
Transferências obrigatórias

10
Transferências discricionárias para
políticas sociais
5

0
95

97

01

04
05

07
96

98
99
00

02
03

06

08
19

19

20

20
20

20
19

19
19
20

20
20

20

20

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados disponibilizados pela SOF/Ministério do Planejamento.
Entre cooperação e centralização  71

federal as adotou como estratégia privilegiada para dessas comissões e o Decreto n. 7508, do mesmo
indução da agenda social dos governos subnacio- ano, previu ainda a organização de Comissões In-
nais, que sob significativas restrições fiscais têm tergestores Regionais (CIR) para coordenação das
aderido aos programas federais. Tal cenário con- regiões de saúde no interior dos estados. A assis-
verge para o federalismo centralizado, nos termos tência social, seguindo por mimetismo muitas das
definidos pela ACIR (1981), em que governos escolhas institucionais da saúde, criou, em 1997,
subnacionais se comportam como agents da União; figura semelhante de articulação intergovernamen-
mas também, supostamente, contempla atributos tal em âmbito federal, com caráter consultivo. No
do federalismo cooperativo: a configuração de arenas ano seguinte, outra normativa instituiu comissões
intergovernamentais de caráter federativo para pac- também nos estados, remodelando o caráter des-
tuação em torno de programas, projetos e distri- tas para atribuir-lhes caráter deliberativo. Diferen-
buição de responsabilidades e recursos entre as três temente da trajetória da saúde, a assistência social
esferas de governo. Nestas, para além do mero com- organizou, mesmo que formalmente, as comissões
partilhamento jurisdicional no sistema constitucio- intergovernamentais antes mesmo da institucio-
nal e legal, o caráter cooperativo incluiria a ação nalização de um “sistema único”, cujas diretrizes e
conjunta entre entes governamentais de esferas de operacionalização inicial seriam definidas a partir
governo distintas, porém preservadas a autonomia de 2004. Já na educação a comissão intergoverna-
decisória e de financiamento de cada parte (Almei- mental emergiu em 2007, quando foi instituída
da, 2000). A seguir, analisamos seu funcionamento com representação dos três níveis de governo para
nas três áreas governamentais a fim de verificar a discutir três aspectos da implementação do Fun-
pertinência desta suposição. deb: (i) ponderações aplicáveis na distribuição dos
recursos; (ii) limites proporcionais de apropriação
Comissões intergovernamentais nas políticas sociais dos recursos por cada modalidade de ensino; e (iii)
parcela de complementação da União. A política
Criadas após a Constituição federal de 1988, pública de educação inovou em sua própria traje-
em decorrência do novo arranjo federativo que atri- tória ao organizar essa instância de pactuação in-
buía a estados e municípios papéis substantivos na tergovernamental obrigatória, com previsão na Lei
implementação das políticas sociais,17 as comissões n. 11494 de 2007, uma vez que sua organização
intergovernamentais reúnem representantes das não previa um “sistema único”, como na saúde e na
três esferas de governo para deliberação de aspectos assistência social.
operacionais da implementação de ações e progra- O desenho institucional das comissões inclui
mas governamentais, na saúde e assistência social. elementos congruentes com o federalismo coope-
Para a educação, a deliberação restringe-se à defini- rativo, como a composição paritária e a regra do
ção de pesos financeiros para alocação de recursos consenso para tomada de decisão, na presunção de
do Fundeb. relações simétricas entre entes autônomos. Nas três
Essa estratégia de articulação federativa foi uti- comissões, há uma equivalência entre representan-
lizada na saúde, em 1991, por recomendação do tes dos governos federal, estadual e municipal.18 Os
Conselho Nacional de Saúde, quando foi atribuída dois últimos, em razão do grande número de entes
à Comissão Intergestores Tripartite (CIT) a função federados, reúnem-se por associações de secretários
de assessorar o ministro da Saúde em questões rela- municipais e estaduais dos respectivos setores de
tivas à gestão e ao financiamento do SUS (Lucche- políticas públicas para escolha dos representantes.
se et al., 2003). Nas duas décadas posteriores, nos Essa dificuldade não se apresenta para o governo
estados, constituíram-se fóruns para expressão das federal, já que todos falam em nome do mesmo mi-
preferências e da deliberação dos governos estaduais nistério e se posicionam como ator unitário.
e municipais quanto às políticas federais: as cha- As comissões produzem basicamente três tipos
madas Comissões Intergestores Bipartites (CIB). de deliberação: apresentações stricto sensu, quando
A Lei n. 12466 de 2011 ratificou a organização são discutidas temáticas importantes sem criação de
72  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

obrigações ou responsabilidades específicas de im- em que claramente poderia ter havido impedimen-
plementação; apresentações para pactuação poste- to por parte de atores insatisfeitos.
rior, quando temas são introduzidos para subsidiar As pactuações envolveram aspectos relevantes
decisões sobre novos programas ou ações governa- na organização dos três setores de políticas públi-
mentais; e as pactuações, que são decisões da comis- cas. Na saúde, destacam-se diversos programas go-
são que normatizam aspectos das políticas setoriais, vernamentais e de articulação federativa (atenção
sejam novas ações governamentais, financiamento básica e especializada, assistência farmacêutica e
federal, regras de organização intergovernamen- gestão em saúde, além das normas operacionais e
tal ou ferramentas de monitoramento e avaliação o Pacto pela Saúde). Na assistência social, houve
(Palotti, 2012). Uma vez que as decisões nacionais estruturação do próprio Sistema Único de Assis-
requerem concordância dos governos subnacionais, tência Social (SUAS) por normativas infralegais
via representações, e estas são tomadas por con- discutidas e negociadas na CIT e no CNAS, o que
senso, conferindo poder de veto a cada membro, envolveu a definição dos novos serviços socioassis-
estes estariam habilitados a barrar mudanças no tenciais, de sistemas de monitoramento e avalia-
status quo para pontos distantes de suas preferên- ção de programas e de normativas de coordenação
cias, o que inviabilizaria um conjunto de propos- intergovernamental. A educação distingue-se por
tas de políticas públicas, podendo configurar uma ter havido somente seis pactuações direcionadas a
“armadilha da decisão conjunta” (Scharpf, 1988). aspectos operacionais específicos do Fundeb, con-
Porém a análise do funcionamento das comissões forme determina a lei de criação da comissão. As
entre 2000 a 201119 contraria a expectativa de di- comissões também foram espaços privilegiados de
ficuldades insuperáveis para obtenção de consenso discussão das transferências financeiras condicio-
na aprovação de pactuações. Pelo contrário, o Grá- nadas, tratadas na seção anterior. Quase metade
fico 3 aponta um elevado número de deliberações das pactuações na saúde e cerca de um terço das
durante o período analisado, sendo a maior parte pactuações na assistência social, além de todas as
relacionada com pactuações ou decisões políticas seis na educação, envolveram destinação, aplica-

Gráfico 3
Tipo de Deliberações nas Comissões de Assistência Social, Saúde e Educação – 2000 a 2011
Saúde (2000 a 2011) - Assistência Social (2005 a 2011) - Educação (2008 a 2011)

500
450
400
350
Pactuação
300
250 Apresentação stricto sensu
200
150 Apresentação para introduzir
uma agenda de pactuação
100
50
0
Saúde Assistência Social Educação

  Fonte: Elaboração própria com base em Palotti, 2012.


Entre cooperação e centralização  73

ção ou modificação das regras de utilização de re- vernos. Os resultados predominantes, no fim, con-
cursos financeiros federais. vergem para a aprovação das proposições da União,
De especial interesse para este trabalho, obser- ainda que com alterações de forma ou de escopo
vamos que aproximadamente 85% das proposições para sua melhor execução, distanciando-se dos pa-
se originaram da União, o que sugere elevado po- râmetros definidos anteriormente para o federalismo
der de agenda deste ator se comparado a estados cooperativo.
e municípios. Além disso, conforme podemos an- Na próxima seção será abordado um último
tever pelo quantitativo expressivo de pactuações mecanismo possível para produção de coordenação
observadas no período analisado, a taxa de suces- federativa: as parcerias para gestão compartilhada
so foi também em torno de 85% das proposições de políticas públicas.
apresentadas, o que mostra eficácia da ação do
maior proponente das comissões (Palotti, 2012). Consórcios públicos
Os dados também apontaram para um baixo nível
de rejeição das propostas por parte dos atores com A disseminação de associações voluntárias para
poder de veto “afetados” pelas medidas (em regra, produção e distribuição de valores entre entes go-
estados e municípios). Porém registros elaborados vernamentais poderia conferir ao sistema federativo
nas reuniões em plenário permite-nos dizer que as brasileiro um caráter, de fato, cooperativo, em con-
proposições muitas vezes sofreram modificações traste com a própria definição proposta pela ACIR,
pelos participantes ou foram rediscutidas em reu- pautada pelo compartilhamento formal de responsa-
niões posteriores (Idem). Nesses casos, o veto foi bilidades por uma área de governo. Assim, em que
preterido em favor de modificações e qualificações pesem os componentes já apresentados de vertica-
que posicionaram decisões finais mais para perto lização do arranjo federativo brasileiro, a presença
das preferências dos não proponentes – supondo-se ampla e autossustentada de consórcios públicos po-
que já estariam adequadas para os agenda settlers. deria sugerir sua complementação por um compo-
Desse modo, a despeito da composição pari- nente horizontal. Mas é ainda impreciso constatar
tária e da adoção da regra de consenso, parece-nos se as evidências disponíveis sobre consórcios inter-
problemático identificar as arenas deliberação in- governamentais fornecem indicações nesta direção
tergestores, ao menos para assistência social e saú- ou se, ao contrário, sugerem uma propagação ainda
de,20 como operando tipicamente sob parâmetros instável e dependente de iniciativas de indução por
do federalismo cooperativo. É perceptível, principal- agentes “externos” ou, ainda, de contextos setoriais
mente no resultado do jogo de forças no interior da específicos.
comissão, a presença de elementos do federalismo Admitido em constituições estaduais23 no final
centralizado. Entre as possíveis explicações para es- do século XIX, com a instauração da República, foi
ses achados, o poder de agenda assimétrico, com na década de 1930 que, em dimensão nacional, o
nítido predomínio do Executivo federal, pode ser agrupamento de municípios para realização de ser-
interpretado como sintoma de problemas de ação viços públicos comuns foi inserido definitivamente
coletiva de estados e municípios, muito mais nu- no ordenamento jurídico brasileiro. As primeiras
merosos e heterogêneos.21 O gestor federal mantém experiências bem-sucedidas com consórcios públi-
relativa discricionariedade para alocação de recur- cos remontam ao interior do estado de São Paulo
sos financeiros, eventualmente mobilizados para nos anos de 1960, especialmente em atividades liga-
indução da aprovação de programas governamen- das às áreas de promoção social e desenvolvimento.
tais, tornando a não cooperação custosa para os go- Mas foi na década de 1980, ainda antes da Cons-
vernos subnacionais, ao adiar ou cancelar o acesso tituição federal de 1988, que os consórcios come-
a recursos financeiros e a implementação de novos çaram a se disseminar no setor da saúde, onde ex-
serviços que poderiam rendar dividendos eleitorais pandiram-se de maneira intensa nos anos de 1990,
aos políticos locais,22 o que sugere níveis relevantes chegando a abranger 141 associações distribuídas
de dependência financeira por parte daqueles go- por treze estados da federação e englobando 1.618
74  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

municípios e 25.376.829 milhões de cidadãos ministração indireta dos entes consorciados. A Lei
(Lima e Pastrana, 2000). Os consórcios também previu ainda um protocolo de intenções entre os
se disseminaram para outras áreas governamentais entes governamentais participantes, estabelecendo
nos anos de 1990 e 2000, produzindo experiên- condições para autorizar o consórcio a representá-
cias que ganharam notoriedade – como a do Con- -los, bem como regras para votação nas assembleias
sórcio de Penápolis (Ribeiro e Costa, 2000), pelo gerais. Os consórcios públicos passaram a ter que
pioneirismo no setor da saúde, e a do Consórcio observar estritamente as normas de direito público
da Região do ABC (Cunha, 2004) – sob vários as- nos processos de compra, contratação, prestação de
pectos, como, por exemplo, pela amplitude da sua contas, admissão de pessoal e em processos afins.
atuação – políticas sociais, de infraestrutura e de O contrato de rateio tornou-se o mecanismo bá-
desenvolvimento regional –, mas, principalmente, sico pelo qual os entes consorciados repartiriam os
por ter envolvido uma ampla rede federativa no custos da associação para cada exercício financeiro.
sentido vertical, incluindo o governo do estado de Decorrido pouco mais de meia década de sua
São Paulo, e horizontal, incluindo também setores regulamentação, os efeitos da Lei dos Consórcios se
da sociedade civil organizada. fizeram sentir rapidamente. Publicação recente do
Mais recentemente, com a promulgação da Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Lei n. 11107/2005, também denominada Lei dos analisando informações prestadas pelos municípios
Consórcios Públicos, regulamentada por meio do ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
Decreto presidencial n. 6017/2007, houve im- IBGE em inquéritos realizados em 2005 e 2009
portante avanço em termos da fixação do marco constatou um “avanço expressivo na quantidade de
jurídico para sua constituição. Os consórcios po- consórcios públicos” (Ipea, 2010, p. 556), expansão
deriam se constituir como associação pública ou esta percebida “em todas as áreas de atuação, exceto
como pessoa jurídica de direito privado, em ambos na de transporte” (Idem, p. 563). Tais efeitos foram
os casos por meio de contrato e integrando a ad- explicitamente creditados à Lei dos Consórcios:

Gráfico 4
Participações de Municípios em Consórcios Intermunicipais no Brasil entre 2002 e 2011

9000
8000
7000
6000
5000
Participações em consórcios
4000 intermunicipais
3000
2000
1000
0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012

Fonte: IBGE, disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/.


Entre cooperação e centralização  75

Todavia, em que pese o histórico de experiên- ano de 2002 – e outro posterior ao período descri-
cias cooperativas entre entes federados, o ar- to – para 2011 –, levanta dúvidas sobre pelo me-
ranjo institucional disponível até 2005 torna- nos dois aspectos: a continuidade do movimento
va frágil qualquer ação, pela precariedade dos de expansão e sua presença nas diversas áreas go-
mecanismos de enforcement do compromisso vernamentais. O Gráfico 4 apresenta o número de
assumido pelas partes. Nesse ano, o país pas- participações em consórcios intermunicipais agre-
sou a ser dotado de uma nova norma legal, que gado para nove, entre onze setores pesquisados pelo
instituiu a figura do consórcio público, para o IBGE,24 para os quais o inquérito foi realizado nos
qual instrumentos mais poderosos de compro- quatro anos. Entre 2002 e 2005, em um interva-
metimento dos entes consorciados foram esta- lo de três anos que antecede a Lei dos Consórcios,
belecidos (Idem, p. 563). houve uma redução de 16,2% nas participações.
Entre 2005 e 2009, intervalo de quatro anos, o au-
Entretanto, a introdução de outros dois levan- mento das participações foi de 53,4% mas, entre
tamentos feitos pelo IBGE, um anterior – para o 2009 e 2011, em um intervalo de dois anos, o au-

Gráfico 5
Participações de Municípios em Consórcios Intermunicipais no Brasil
por Setor Governamental entre 2002 e 2011

3000

2500
Saúde
Meio ambie
2000
Desenvolvim
Turismo
1500
Educação
Cultura
1000 Transporte
Saúde
Habitação
Meio ambiente
500 Emprego e/o
Desenvolvimento urbano
Saúde Turismo
0
2001 2002 2003 2004 Meio
2005 ambiente
2006 2007 2008 Educação
2009 2010 2011 2012
Desenvolvimento urbano Cultura
Saúde Turismo Transporte
Meio ambiente Educação Habitação
Desenvolvimento urbano Cultura Emprego e/ou trabalho
Turismo
Fonte: IBGE, Transporte
disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/.
Educação Habitação
003 2004 2005 Cultura
2006 2007 2008 2009Emprego
2010e/ou 2011
trabalho 2012
76  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

mento das participações foi de apenas 2,0%. O sig- com financiamento para obras e investimentos, mas
nificado desta evolução é ainda incerto e somente também para custeio.27 No Paraná, a estratégia para
inquéritos futuros revelarão se o ciclo de expansão formação da rede regionalizada de atenção a saúde
será retomado, se houve uma estagnação no cresci- do governo estadual incluiu a estruturação do mar-
mento das participações de municípios ou se elas co legal para atuação dos consórcios no estado – cul-
teriam entrado em um novo ciclo de declínio. minando na Lei complementar n. 82/1998, regu-
Já o Gráfico 5 sugere que o comportamento lamentada pelo Decreto estadual n. 4514/1998 –,
dos nove setores ao longo dos quatro inquéritos é bem como a cooperação técnica para organização
bastante variado. Considerando os três intervalos – dos consórcios. Nos últimos anos o apoio foi ainda
2002-2005, 2005-2009, 2009-2011 –, em quatro mais ostensivo, com a criação do Programa Estadual
dos nove setores há movimentos de retração/expan- de Apoio aos Consórcios Intermunicipais de Saú-
são/expansão (e aqui se inclui os setores de saúde e de que, a exemplo do caso mineiro, incluiu incen-
educação25); em dois há movimentos de expansão/ tivos financeiros para investimento e custeio, além
expansão/retração; em outro há retração/expansão/ de cursos nas áreas de gestão e planejamento para
retração; em outro, expansão nos três períodos e, dirigentes de consórcios. Neste caso, a Secretaria de
em um último setor, retração/retração/expansão. Estado da Saúde, ao reconhecer os consórcios como
Tal variedade sugere dinâmicas próprias, a despeito parte da rede regionalizada de atenção à saúde, in-
do efeito emulador produzido pela Lei dos Consór- duziu sua presença em todas as regiões de saúde do
cios nos primeiros anos de vigência, o que poderia estado.28 Iniciativas semelhantes foram identificadas
ser explicado pelos efeitos de variáveis endógenas a em Mato Grosso, onde o governo do estado apostou
cada setor. em convênios com os consórcios para cogestão de
Pistas importantes sobre fatores endógenos hospitais estaduais de referência.29
remetem a trabalhos referentes ao setor da saúde, Embora não se possa generalizar a presença da
que constataram a forte presença da ação indutora indução estadual para outras unidades da federação –
dos governos estaduais, por meio de apoio técnico, o que demandaria um estudo sistemático neste sen-
jurídico ou, em alguns casos, até mesmo financeiro tido – ou, mesmo, para outros setores governamen-
(Ribeiro e Costa, 2000; Lima e Pastrana, 2000). Se tais, deve-se realçar que os elementos preliminares
por um lado o setor da saúde responde por mais de aqui indicados sugerem esta presença em 60% dos
40% das participações municipais em consórcios consórcios no setor governamental que concentra
em todos os inquéritos realizados pelo IBGE, é no- 43% das participações em consórcios intermunici-
tória a intensa concentração de consórcios de saúde pais. Além disso, há relatos de experiências recentes
entre as unidades federadas: apenas três estados – de consorciamento induzidas por outros agentes
Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso – reúnem cer- “externos” aos participantes, como federações ou as-
ca de 60% de todos eles, conforme levantamento sociações de municípios, que, no caso da Federação
realizado pelo Ministério da Saúde para 2008.26 Catarinense de Municípios (Fecam), patrocinou a
Nos três estados, os consórcios de saúde foram to- formação do Consórcio de Informática na Gestão
mados pelos respectivos governos estaduais como Pública Municipal (Ciga), reunindo mais de 160
prioridade de ação. municípios (Abrucio et al., 2013).
Em 2000, Minas Gerais concentrava setenta Desse modo, as evidências aqui apresentadas
dos 141 consórcios de saúde do país, posição expli- sugerem uma presença significativa de arranjos
cada pelo apoio logístico, jurídico e político dispo- cooperativos entre governos locais no federalismo
nibilizado pela Secretaria de Estado da Saúde (Mi- brasileiro, mas não um caráter autossustentado na
nas Gerais/SES, 1996, 1997). Em 2006, foi criado estabilização de suas formas institucionais. Pelo
o Programa de Fortalecimento dos Consórcios In- contrário, a dependência do Executivo federal em
termunicipais de Saúde, financiando diretamente relação à iniciativa de regulamentação gerou dinâ-
investimentos de capital, e, em 2009, o Programa micas setoriais distintas que envolvem movimentos
Estadual de Cooperação Intermunicipal em Saúde, de expansão e retração, bem como a subordinação a
Entre cooperação e centralização  77

agentes “externos” – governos estaduais; federações Se esses elementos, no seu conjunto, apontam
e associações de municípios – para sua sustentação. em direção ao federalismo cooperativo, há definições
Portanto, assim como no caso das transferências fi- constitucionais e legais que operam em outra dire-
nanceiras condicionadas, a dinâmica das parcerias ção, constrangendo, de um lado, o leque de esco-
entre municípios, como os consórcios, terminam lhas dos governos subnacionais encarregados pela
por revelar fortes traços de dependência de iniciati- implementação das políticas sociais e ampliando,
vas de outras esferas de governo. de outro lado, o leque de escolhas da União, dotada
de prerrogativas e recursos institucionais especiais
para a formulação e a coordenação do processo,
Considerações finais assim como para a produção normativa comple-
mentar, o controle e, em muitos casos, até mesmo
Neste trabalho enfatizamos que o compar- a aplicação de sanções. Estados e municípios são
tilhamento de responsabilidades sobre uma área constrangidos a gastarem determinados patamares
governamental em uma constituição federativa de seus orçamentos com políticas de saúde e edu-
não é garantia de que ali se configure um padrão cação e estão sujeitos a critérios uniformes sobre
dominante de cooperação intergovernamental. Daí como gastá-los. Além disso, há restrições gerais
argumentarmos em favor da distinção entre a coo- para gastos com pessoal e endividamento, o que no
peração como pressuposto adotado em uma norma caso dos governos locais – imbuídos da função de
constitucional e a cooperação de fato, como padrão implementação e, diga-se de passagem, absorvedo-
vigente no campo das relações intergovernamen- res cruciais da força de trabalho – traz repercussões
tais. Os problemas de coordenação federativa sob significativas em relação às demais esferas de gover-
o compartilhamento de responsabilidades tam- no. A União, com seu destacado papel de formula-
bém poderiam ser resolvidos a partir do federalis- dora, coordenadora e supervisora do processo das
mo centralizado, em que governos subnacionais se políticas sociais, concentrando, ademais, as receitas
comportassem como agents da União. Mas como públicas nesse sentido, tem poderes normativos di-
enquadrar a experiência do federalismo brasileiro ferenciados que afetam a transferência de recursos
nessa perspectiva?. e responsabilidades entre as esferas de governo, o
As três políticas sociais aqui abordadas – saúde, que lhe permite controlar, auditar e, em muitos ca-
educação e assistência social – apresentaram tanto sos, punir os desvios do padrão estabelecido nacio-
características comuns, quanto aspectos específicos. nalmente ou o uso inadequado de recursos. Esses
Na saúde e na assistência social, o compartilhamen- elementos até podem existir no federalismo coope-
to de responsabilidades abrange sistemas nacionais rativo, mas certamente indicam sua conversão ao
que unificam ou integram as ações do poder pú- federalismo centralizado, uma vez que o poder re-
blico, enquanto na educação o chamado regime de gulador da União é utilizado para induzir gover-
colaboração é restrito à educação básica, conviven- nos subnacionais a se comportarem como “agentes
do com competências prioritárias a serem exercidas administrativos”.
por cada esfera de governo e competências privati- A análise das transferências financeiras condi-
vas em relação à União. Na saúde e na assistência cionadas, largamente utilizadas nas políticas sociais,
social optou-se por constituir arenas de pactuação mostra a aproximação com o modelo de federalis-
federativa, com pesos de representação iguais para mo centralizado ao estruturar a agenda social dos
cada esfera de governo e regras decisórias consen- governos subnacionais que, sob restrições do ponto
suais; na educação, por sua vez, a arena de com- de vista fiscal, aderem aos programas federais no
posição semelhante tem funções bem mais restritas sentido de ampliar a disponibilidade de receitas re-
quanto às atribuições e ao alcance das decisões. Nas gulares para fazer face às suas obrigações, mesmo
três áreas, entretanto, o desempenho das políticas que o condicionamento inclua a convergência so-
sociais depende da articulação das ações emanadas bre o que e como fazer a parâmetros fixados pela
das três esferas de governo. burocracia do Executivo federal.
78  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

As arenas de pactuação intergovernamental es- Neste trabalho, por uma redução necessária
truturadas para a gestão compartilhada das políti- do seu escopo, a análise sobre o caráter assumi-
cas sociais, mediante composição paritária e regras do pelo federalismo brasileiro nas políticas sociais
decisórias consensuais, também sugerem a conver- não incorreu na direção da discussão da sua perti-
gência para o federalismo cooperativo. Mas, também nência. Isto é, não discutimos aqui se a centraliza-
aqui, a análise das características do processo deci- ção seria justificável ou, mesmo, uma necessidade
sório nessas arenas sugeriu uma nítida diferenciação histórica, já que estamos diante de um país em
dos poderes da União não só na sua capacidade de desenvolvimento, que atravessou um processo de
controle da agenda, mas também de induzir apoio estabilização fiscal recente e que tem buscado al-
a programas federais que sinalizam com novos re- terar o status quo no que se refere às profundas
cursos financeiros, além de outros aspectos, inclu- desigualdades sociais e regionais. Isto não signifi-
sive problemas de ação coletiva a que estão sujeitas ca, a nosso ver, uma desvalorização desta questão,
as representações de estados e, principalmente, de mas apenas o entendimento de que não está ainda
municípios. Estes, longe de exercerem o poder de vencido o debate acerca do caráter de nosso fede-
veto, preferem nitidamente propor incrementos ou ralismo pós-1988.
qualificações às propostas da União. Por fim, a percepção do peso diferenciado
Por fim, a respeito dos consórcios públicos, dos traços centralizadores no exercício das funções
constatamos significativo crescimento nos primei- compartilhadas entre esferas de governo em polí-
ros anos após sua regulamentação legal. Entretanto, ticas sociais não constitui novidade na literatura
pelo menos três aspectos chamam atenção: o arrefe- política, tendo apoio em trabalhos como os em-
cimento do ciclo de crescimento nos dados disponí- preendidos por Almeida (2005), Souza (2005) e,
veis mais recentes, a percepção de dinâmicas setoriais particularmente, no trabalho de Arretche (2012).
bastante distintas em termos de expansão e retração Também termina por convergir para estudos po-
da participação de municípios em consórcios e a for- líticos mais abrangentes que – como no caso dos
te dependência, sobretudo no caso da saúde, da in- estudos legislativos – realçam os efeitos produzidos
dução por agentes “externos” aos participantes. pelas capacidades e recursos institucionais concen-
Desse modo, os achados parciais mobiliza- trados no Executivo federal (Figueiredo e Limongi,
dos neste trabalho, restritos às políticas sociais de 1999; Santos, 2003). Não obstante, o que aqui se
saúde, educação e assistência social, sugerem que buscou foi explorar o argumento de que a presença
o regime de compartilhamento de responsabilida- de tais capacidades e recursos centralizadores tam-
des incorpora elementos do federalismo cooperati- bém atravessa o conjunto de mecanismos de coor-
vo – como arenas de pactuação ou parcerias para denação federativa.
cooperação –, mas estrutura um amplo espectro de
restrições constitucionais e legais que amarram a
autonomia dos governos subnacionais, bem como Notas
recursos institucionais que permitem à União o
fortalecimento do seu papel indutor e regulador 1 Exemplos neste sentido são a Lei complementar n.
dos padrões de implementação das referidas políti- 140 de 2011, referente à área ambiental; a Lei de
cas, levando os governos subnacionais a assumirem Responsabilidade Fiscal, que restringiu a gestão fiscal
um comportamento próximo ao de agentes admi- dos entes federados, e a regulamentação da Emenda
constitucional n. 29, pela Lei complementar n. 141
nistrativos, como ocorre no modelo de federalismo
de 2012, para o financiamento da saúde.
centralizado. As posições assimétricas entre os en-
2 Advisory Commission on Intergovernmental Re-
tes federados parecem afetar os próprios dispositi-
lations, agência independente e bipartidária que foi
vos do federalismo cooperativo, como, por exemplo, instituída pelo Congresso Norte-Americano em 1959
processos decisórios em arenas de pactuação inter- para estudar e propor recomendações envolvendo as
governamental ou as condições para expansão ou relações intergovernamentais nos Estados Unidos,
manutenção dos consórcios intermunicipais. tendo sido extinta em 1996.
Entre cooperação e centralização  79

3 No original, “most importantly, cooperative federa- 9 Dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos
lism lacked the prescriptive power of dual federalism. Públicos em Saúde (Siops), para 2012, dão conta que
It offered no rationale for assigning of intergovern- 45,57% das despesas com saúde se destinavam a gasto
mental functions or for directing governmental gro- com pessoal no conjunto dos municípios brasileiros,
wth. Cooperative federalism prescribes only intergo- enquanto no conjunto dos estados estes percentual era
vernmental ‘sharing’ [...]” (p. 4). de 27,04%.
4 Scharpf faz as devidas ressalvas às mudanças em cur- 10 A desvinculação das receitas da União foi implantada
so em termos de intensificação de superposições de em 1994, por meio do Fundo Social de Emergência
atuação entre governos de diferentes esferas no caso (FSE), criado por ocasião do Plano Real, tendo so-
norte-americano, o que remete, por sua vez, aos anos frido alterações em 1996, inclusive na denominação
de 1930, notadamente a ajustes operados a partir do para Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), e posterior-
New Deal (Wright, 1974). mente, em 2000, quando assumiu o nome Desvincu-
5 Consideramos aqui a definição de cooperação proposta lação de Receitas da União (DRU).
por Axelrod e Keohane no trato das relações intergover- 11 Diferentemente das obrigatórias, transferências discri-
namentais no plano internacional “cooperatiion is not cionárias são repassadas “a estados e municípios sem
equivalente to harmony. Harmony requires complete vinculação a nenhum dispositivo legal que determine
identity of interests, but cooperation can only take pla- rigidamente o montante, bem como o momento da
ce in situations that contain a mixture of confliting and realização do dispêndio” (Brasil/Ministério do Plane-
complementary interests. In such situations, cooperation jamento, Orçamento e Gestão, 2010, p. 53).
occurs when actors adjust their behavior to the actual or 12 As obrigatórias passaram de R$ 19.372,20 para R$
anticipated preferences or others” (1985, p. 226). 137.350,2 milhões enquanto as discricionárias para polí-
6 A literatura em ciência política aponta ainda um ticas sociais passaram de R$ 2.767,48 para R$ 42.839,92
conjunto de ações interconectadas, mas não neces- milhões, segundo dados da Secretaria de Orçamento Fe-
sariamente coordenadas (Simmons e Elkins, 2005), deral do Ministério do Planejamento Orçamento e Ges-
de difusão de inovações governamentais entre países tão (Machado, 2011).
ou unidades subnacionais. Segundo Rogers, difusão 13 Tomamos esta definição emprestada de Marta Arre-
pode ser caracterizada como “o processo pelo qual (1) tche (2009), que a utiliza para se referir ao fato de que
uma inovação (2) é comunicada por certos canais (3) todos governos subnacionais que cumpram os requi-
ao longo do tempo (4) entre os membros de um sis- sitos gerais estabelecidos em norma federal estariam
tema social” (2003, p. 11, tradução nossa). No Bra- habilitados a recebê-las.
sil, estudos recentes têm apontado a importância de
14 Estes disciplinam a transferência e a utilização de recur-
tais mecanismos de aprendizagem e emulação entre
sos públicos da União por um governo subnacional, vi-
os entes federados para adoção de novos programas
sando à realização de programas, projetos e atividades de
governamentais (Coelho, 2012; Coelho et al., 2012).
interesse recíproco, com duração definida e em regime
Como estamos tratando de mecanismos de coorde-
de cooperação mútua (Brasil/Senado federal, 2005).
nação intergovernamental, essas pesquisas não serão
observadas neste momento, não obstante, em futuros 15 Instrumentos para transferir recursos da União para
trabalhos, seus achados possam ser combinados às evi- governos subnacionais por intermédio de instituições
dências indicadas aqui. ou agências financeiras federais para execução de pro-
gramas governamentais (Brasil/Senado federal, 2005).
7 Este, por sua vez, corresponderia ao nível de gas-
to realizado em 1999 acrescido de 5%. Esse critério 16 No campo das relações intergovernamentais, tais re-
deveria vigorar até 2004, tendo sido mantido poste- lações conferem à União o papel de principal e aos
riormente e perpetuado com a Lei complementar n. governos subnacionais o de agent. Assumem, assim,
141/2012, que regulamentou a Emenda constitucio- formato similar a um contrato em que a primeira de-
nal n. 29/2000. fine metas e remunera os últimos para executá-las.
8 O Conselho Nacional de Saúde havia fixado parâme- 17 Notadamente a partir do governo Lula, houve um
tros para caracterizar os gastos com área desde 2003, movimento de redefinição dos canais de interlocução
por meio da Resolução 322, mas esta constituiu ape- federativa, marcado pela ascensão da esfera municipal.
nas uma referência para apuração de gastos, ainda sem A criação do Ministério das Cidades, do Comitê de
efeito legal. Articulação Federativa, com representação da União e
associações e federações que representam municípios, é
80  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 30 N° 88

parte deste movimento que, em grande medida, con- 25 Na assistência social não há dados para 2009. Houve
verge para a intensificação do padrão centralizado no retração entre 2002 e 2005 e expansão entre este últi-
federalismo brasileiro pós-1988. Entretanto, a opção mo ano e 2011.
por nos restringir setorialmente a três áreas governa- 26 Levantamento realizado pelo Departamento de Apoio
mentais deixou este importante componente ao largo à Descentralização (DAD) para a Comissão Interges-
de nossa análise, embora reconheçamos que eventuais tores Tripartite (CIT), referente à situação de junho
comprometimentos analíticos possam decorrer daí. de 2008.
18 Nas comissões da saúde e da assistência social, a re- 27 Editais da Secretaria de Estado foram lançados nos anos
presentação das esferas federal, estadual e municipal é de 2008, 2009 e 2010, oferecendo a oportunidade para
de sete e cinco membros, respectivamente, para cada que os consórcios elaborassem projetos para concorrer
esfera de governo. Na educação, estão previstos cinco aos recursos. Editais e informações adicionais estão dis-
representantes para estados e municípios e somente poníveis em http://www.saude.mg.gov.br/.
um representante para o governo federal, o que não
28 Informações sobre o programa estão disponíveis em
prejudica seu poder de veto.
http://www.sesa.pr.gov.br/modules/conteudo/con-
19 Somente os dados da CIT-Saúde estavam disponíveis teudo.php?conteudo=2890.
para todo o período. A CIT-Assistência Social pos-
29 Disciplinado pela Instrução normativa 01/2010
suía dados somente entre 2005 e 2011 e a Comissão
editada conjuntamente pela Secretaria de Planeja-
do Fundeb possuía dados somente a partir de 2008,
mento, Secretaria de Fazenda, Secretaria de Saúde e
quando foi iniciado seu funcionamento.
Advocacia Geral do Estado do Mato Grosso, dispo-
20 A Comissão do Fundeb é mais restritiva em seu esco- nível em http://www.seplan.mt.gov.br/sigcon/index_.
po, principalmente em razão dos mandamentos legais php?operacao=Exibir&serv=legis/legislacao&grupo=i
para sua organização e funcionamento, que limitam n&lei=IN_01_10.
seu escopo de atuação.
21 Segundo Palotti e Machado (2014), além das vanta-
gens usufruídas pela União na interação com estados
e municípios no âmbito das comissões, outras hipóte-
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ses explicativas poderiam ser apontadas: a organização
institucional das comissões (como a existência de câ- ABRUCIO, F. L. (2005), “A coordenação federati-
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22 Embora relevante, o papel das transferências financei- Administração Pública, 47 (6): 1543-1568.
ras não deve ser superestimado, tendo Palotti (2012)
ACIR – Advisory Commission on Intergovern-
identificado pactuações deste tipo que foram modifi-
cadas ou rejeitadas, principalmente quando envolve- mental Relations. (1981), “The condition of
ram outros aspectos conflituosos. contemporary federalism: conflicting theo-
23 Cunha (2004) lembra que o artigo 56 da Constitui-
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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 

ENTRE COOPERAÇÃO BETWEEN COOPERATION ENTRE COOPÉRATION


E CENTRALIZAÇÃO: AND CENTRALIZATION: ET CENTRALISATION:
FEDERALISMO E POLÍTICAS FEDERALISM AND SOCIAL LE FÉDÉRALISME ET LES
SOCIAIS NO BRASIL PÓS-1988 POLICIES IN POST-1988 BRAZIL POLITIQUES SOCIALES AU
BRÉSIL POST-88

José Angelo Machado e José Angelo Machado e José Angelo Machado e


Pedro Lucas de Moura Palotti Pedro Lucas de Moura Palotti Pedro Lucas de Moura Palotti

Palavras-chave: Federalismo, cooperação, Keywords: Federalism; Cooperation; In- Mots-clés: Fédéralisme; Coopération;
federalismo, relações intergovernamen- tergovernmental relations; Social policies Relations intergouvernementales; Politi-
tais, políticas sociais ques sociales

Neste trabalho analisamos evidências em- The article analyzes empirical evidence Dans ce travail, nous analysons les don-
píricas relativas às relações intergoverna- concerning intergovernmental relations nées empiriques concernant les relations
mentais nas principais áreas de políticas in key areas of social policy – health, intergouvernementales dans des do-
sociais – saúde, educação e assistência education and social care – with the maines clés de la politique sociale - santé,
social – com propósito de avaliar em que purpose of assessing whether or nor they éducation et protection sociale - dans le
medida elas seriam ou não consistentes would be consistent with typical param- but de déterminer si elles seraient compa-
com parâmetros típicos de um federalis- eters of a decentralized and cooperative tibles avec des paramètres typiques d’un
mo descentralizado e cooperativo. Ao final federalism. The analysis concludes that, fédéralisme décentralisé et coopératif.
concluímos que, a despeito do comparti- despite the sharing of powers between Nous concluons que, malgré le partage
lhamento de competências entre esferas de levels of government in juridical and des pouvoirs entre les niveaux de gouver-
governo no plano jurídico-legal, o padrão legal terms, the pattern of intergovern- nement sur les plans juridique et légal, le
de relações intergovernamentais consoli- mental relations consolidated two and a modèle de relations intergouvernemen-
dado duas décadas e meia após a Consti- half decades after the 1988 Constitution tales consolidé 25 ans après l’entrée en
tuição Federal de 1988 é marcado funda- is primarily marked by vertical integra- vigueur de la Constitution de 1988 est
mentalmente pela verticalização, atuando tion, the Union acting as formulator and principalement marqué par l’intégration
a União como formuladora e indutora das inductor of social policies and programs verticale, l’Union européenne agissant
políticas e programas sociais implementa- implemented by subnational govern- en tant que formulatrice et inductrice de
dos pelos governos subnacionais, do que ments, resulting in characteristics much politiques et de programmes sociaux mis
resultam características bem mais próxi- closes to a centralized federalism. en œuvre par les gouvernements infrana-
mas do federalismo centralizado. tionaux. Cela résulte en des caractéris-
tiques beaucoup plus proches du fédéra-
lisme centralisé.

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