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ou arquivada desde que levados em conta os direitos dos autores.
Educação especial no cenário educacional brasileiro. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2013. 234p.
ISBN 978-85-7993-135_2
CDD-370
Introdução .,li
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Para tanto, é necessano definir objetivos, conteúdos a serem I
corno sinônimo de processos de desigualdade cognitiva. Em síntese, a
ensinados e metodologias capazes de garantir a eficiência na
adequação é assumida como a possibilidade de subtração de
aprendizagem dos alunos que são modelados a partir de um padrão de
conhecimentos e experiências mediante práticas pedagógicas unificadas
aprendiz. Essa perspectiva promove a exclusão de alunos com deficiência
e pouco criativas. Corno o currículo é finalizado em conhecimentos
e com transtornos globais do desenvolvimento dos cotidianos escolares,
considerados legítimos, é preciso pensar que os eleitos farão essa
pois os subjetivava corno não propensos à aprendizagem.
apropriação e os inaptos ao conhecimento conviverão com as
O currÍCulo,nesse movimento, é subjetivado como um trajeto adaptações ou as flexibilizações curriculares.
permeado por urna sequência, terrninalidade, completude,
É justamente a capacidade crítica que tem o humano de refletir
integralidade. O que deve ser ensinado aos alunos é retirado da seleção
sobre as relações que estabelece no contexto social e as produções
do estoque cultural mais amplo da sociedade. Supõe, portanto, haver
culturais nele inseridas que favoreceu a problematização dos
um consenso do conhecimento ensinado, coincidência entre a natureza
pressupostos difundidos pela perspectiva tradicional de currículo.
do conhecimento e da cultura mais geral e a natureza do conhecimento
A crítica estabelecida pelos movimentos sociais acerca da
e da cultura especificamente escolar. Admite-se, também, urna diferença
insatisfação sobre os processos de. seleção cultural e econômica
apenas de graduação e de quantidade, urna relação passiva entre quem
presentes no currículo tradicional, as desigualdades de acesso ao
"conhece" e aquilo que é conhecido e urna concepção de cultura e de
conhecimento e as metodologias tradicionais deram sustentação para o
conhecimento corno estáticos e inérticos (SILVA,2006).
fortalecimento'das teorias críticas. A partir desse contexto, questões que
Nesse movimento, o currículo precisa dar conta de responder a
sustentavam a teoria tradicional cedem lugar a problematizações que
quatro questões principais: que objetivos educacionais deve a escola
versam sobre as ideologias e as relações de poder presentes nas
procurar atingir? Que experiências educacionais podem ser oferecidas propostas curriculares.
que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? Corno
Nesse movimento, três questões passam a ser problematizadas
organizar eficientemente essas experiências educacionais? Como
quando se discorre sobre a importância da perspectiva crítica: o
podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?
reconhecimento das ideologias, das relações de poder e da cultura na
(SILVA,2005).
composição dos currículos escolares. Tara Silva (2005, p. 32), "[...] A
Em pleno século XXI, ainda sofremos sérios rebatimentos desta
ideologia atua de forma discriminatória: ela inclina as pessoas das
perspectiva. curricular, pois ternos dificuldade de reconhecer que as
classes subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas
diferenças entre as pessoas é o que move a produção do conhecimento,
das classes dominantes aprendem a comandar e a controlar". O poder
que a escola precisa objetivar o trabalho com O currículo por meio de
"[...] se manifesta por meio de linhas divisórias que separam diferentes
um olhar reflexivo-crítico~.-quehá urna pluralidade de experiências que •,
grupos sociais em termos de classe, etnia, gênero, etc. Essas divisões
precisam incorporar as propostas curriculares, porque a tarefa principal
constituem tanto a origem quanto o resultado de relações de poder"
•,
do conhecimento é satisfazer as necessidades humanas.
(MOREIRA;SILVA,2008,p. 29).
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Das teorias tradicionais, ficou-nos como legado a ideia de que o ~
Já a cultura, conforme descrevem Moreira e Silva (2008,p. 26), 1
currículo está pronto. Nele não há questões a serem problematizadas.
Para a escolarização de alunos com deficiência e com transtornos [...} não é vista como um conjw1to inerte e estático de valores e
globais do desenvolvimento, é preciso adequá-lo ou adaptá-lo. Nesse conhecimentos a serem transmitidos de forma não-problemática a uma nova
geração, nem ela existe de forma 'unitária e homogênea. Em vez disso, o
contexto, a adequação e a adaptação assumem um caráter de
currículo e a educação estão profundamente envolvidos em uma política
empobrecimento. e esvaziamento dos conteúdos a comporem os cultural, o que significa que são tanto campos de produção anva da cultura
curriculos escolares, já que as diferenças dos alunos são subjetiva das quanto campos contestados. \,,
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Dessa forma, na composlçao e no trabalho com os currículos
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escolares, surgem os questionamentos: 'l.. ]por que alguns aspectos da
cultura social são ensinados como se representassem o todo social?".
São propagados questionamentos sobre a existência de urna cultura
unitária e a possibilidade de se defender o multiculturalismo. Esses
movimentos dão subsídios para que as abordagens pós-críticas tragam
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da sociedade? currículo, nesse contexto, passa a ser entendido como crítica amplia algumas discussões da teoria crítica, porque, além de
"[...] uma conversa complicada de cada indivíduo com o mundo e
sinalizar que os currículos são permeados de relações de poder e de
consigo mesmo" (LOPES;MACEDO, 2011,p. 35).
controle, passa a afirmar que por meio dele nos tomamos o que somos.
Com a teoria crítica, passamos a entender que a experiência
educacional dos alunos é parte da situação biográfica que esses sujeitos
° currículo é uma questão de saber, identidade e poder.
•
Para Silva (2009),com as teorias pós-criticas, novos direcionamentos
levavam para os cotidianos escolares, devendo o currículo proporcionar
são adotados para os currículos escolares. As narrativas neles contidas
o entendimento da natureza dessa relação, pois é por meio dela, e não
corporificam noções particulares sobre conhecimento, formas de
apenas dela, que o indivíduo se move biograficamente de forma
organização da sociedade e os diferentes grupos sociais. Percebe-se que
multidimensional.
as noções de conhecimento presentes nas propostas curriculares estão
Com o desenvolvimento da teoria crítica, pudemos problematizar o
em descompasso com as modificações sociais, com as profundas
conhecimento corporificado corno currículo educacional, analisando-o
mudanças da natureza e a extensão do conhecimento. A cultura II
Com as teorias pós-críticas, podemos refletir que as leituras e as reflexivo-crítica desencadeada nos momentos de formação. I
expectativas que produzimos das pessoas influenciam a maneira como
o conhecimento é explorado na escola. Esse movimento revela que o
Os espaços de formação continuada se deram de maneira
diferenciadas. Nos momentos de planejamento e de formação, mas
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currículo escolar pode ampliar a participação das pessoas nas também nos diálogos travados nos espaços de entrada, recreio e saída
atividades sociais, bem como sua exclusãó, por isso precisa ser I
assumido como um campo de lutas e contestações. Se o currículo
dos alunos. A escola se reunia quinzenalmente, às quartas-feiras para I
discussões coletivas. Além dos três momentos, realizamos entrevistas I
produz subjetividades, buscamos contribuições nas teorias pós-críticas semiestruturadas com os sujeitos envolvidos na investigação, sendo \
para que os alunos com indicativos à Educação Especial sejam lidos, I
todo o processo de pesquisa registrado no diário de campo do
como diria Meirieu (2005),educáveis.
pesquisador.
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Os resultados produzidos pelo estudo A segunda questão versava sobre a leitura que a escola produzia
sobre o estudante com deficiência. Quando maior era o
Na análise da proposta curricular da escola, observamos que havia comprometimento da escola, dele se distanciada a possibilidade de
um conjunto de conhecimentos a serem explorados com os alunos, de envolvê-lo no currículo escolar. Caso a escola julgasse a condição do
acordo com as séries em que estudavam e os campos de atuação dos aluno menos complexa, esse envolvimento era mais possível.
professores. Assim, a questão era pensar em corno articular os
No quinto ano tem urna aluna que é menos comprometida. Ali é possível
conhecimentos específicos que os alunos demandavam constituir e os
desenvolver um trabalho (LAURA - PROFESSORA). I
conteúdos explorados com a coletividade da turma.
Para esse processo, refletimos a importância da articulação dos
trabalhos da Educação Especial, dos pedagogos e dos professores
Não vejo possibilidades de envolver o Adriano nas aulas. Ele não para. Fica
desatento. Não sei o que passa na cabeça dele (HELEN - PROFESSORA).
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regentes de classe. Para uma ação mais sistematizada, esses
profissionais compreenderam a importância de desencadear algumas Os pressupostos da normalidade/anormalidade produzida uma
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A reflexão desses elementos fundamentava os momentos de
à espera do efetivo respeito e atendimento às suas especiais necessidades e
formação continuada na escola. Sobre a questão do laudo médico, os lutando por isso; a diferença, em muitos casos, ainda é concebida como
professores podiam dialogar Com as teorizações de Vasques (2011). A deficiência, a despeito dos avanços inegáveis já concretizados; há conquistas
autora ao problematizar a utilização do diagnóstico no campo da no campo da linguagem, sem que necessariamente conheçam tradução na
Educação Especial, diz que as condições dos alunos (deficiências, prática social ou, -nas palavras de Amaral (1994, p. 55), 'talvez seja,
realmente, mais fácil falar sobre do que olhar para' (BIANCHEITI;
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ CORREIA, 2011, p. 45-46).
superdotação) são construções sociais, portanto permeadas de
ideologias e relações de poder.
Por último, quanto à questão da sexualidade da pessoa com
Esquecemo-nos de que lidamos com humanos, ou seja, sujeitos deficiência, as reflexões desencadeadas nos momentos de formaçãO
únicos e atravessados por uma história singular e social de existência. continuada aproximavam os docentes dos estudos de Maia e Camossa
Portanto, a questão é pensar o diagnóstico como um instrumento que (2002)que afirmam que a sexualidade da pessoa com deficiência mental
nos ajuda a construir redes de apoios à aprendizagem dos alunos e não é atravessada por dois mitos: o primeiro é que ela é assexuada; o
um recurso que justifica a não aprendizagem.
segundo é que é hipersexuada. Tais mitos desconsideram que as
Com relação à leitura produzida pela escola sobre o aluno com necessidades, desejos e capacidades sexuais dos deficientes mentais são
deficiência, muitas vezes, atravessada pelos pressupostos da iguais aos das demais pessoas, embora no trato social essa manifestação
normalidade/anormalidade, os docentes também puderam reCOrreràs possa ser, simbolicamente, registrada como diferente.
teorizações de Bianchetti e Correia (2011) quando apontam que vários As autoras evidenciam que a sociedade atual criou a ideia de que a
avanços foram obtidos no campo da Educação Especial, podendo ser pessoa com deficiência mental é uma criança, angelical e desprovida de
destacados o avanço da tecnologia, do conhecimento e da comunicação. sexo. Em contrapartida, quando a entende como um indivíduo
Para esses autores, "[...] podemos perceber o quanto já foi feito e o hipersexualizado, relaciona-o com uma aberração,um desvio, ou seja, i
potencial que se vislumbra de superar as 'naturais/acidentais uma pessoa dotada de uma sexualidade exagerada, agressiva e
deficiências' quando a capacidade criativa de homens e mulheres é
colocada em ação".
aninialesca.
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Reforçam-se, assim, atitudes em relação ao deficiente mental que I
Mesmo assim, reconhecem que vivemos um tempo paradoxal, pois, levam ao isolamento, à segregação e à ignorância sobre os aspectos de
se temos esses avanços, a construção social acerca da normalidade/ sua sexualidade. Em decorrência dessas concepções errôneas, a
anormalidade ainda cria impedimentos para que pessoas com orientação sexual é negligenciada com relação a essa população. No
comprometimentos fisicos, intelectuais ou sensoriais tenham ampliadas
suas possibilidades de participação na vida escolar e social.
caso da escola, parece absurda a ideia de tratá-la como um componente
curricular.
!
Dessa forma, há de se visitar os olhares, as atitudes e os Os espaços de formação continuada apontavam para algumas
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pensamentos humanos, pois a leitura que fazemos dos "outros", ou
seja, daqueles' que não nos espelham, pode se configurar em empecilhos
questões. Primeiro que o conhecimento corporificado no currículo
precisa estar extensivo a todos -osalunos, tomadas as problematizações
,
para que a diferença transite no contexto social sem ser vista como necessárias sobre as ideàlogias e as relações de poder nele existentes.
anormalidade.
Segundo, que o trabalho com o curriculo em interface com a Educação
\
o não enquadramento num padrão previamente estabelecido ainda
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Especial demandava dos professores uma vigilância no olhar e na \
causa muito sofrimento àquel~s que não se encaixam na considerada leitura produzida sobre a pessoa com deficiência. A maneira como os
normalidade; os portadores de necessidades educativas especiais ainda estão professores subjetivam os alunos influencia a participação desses
sujeitos nos processos de ensino e aprendizagem. Terceiro, que para a
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sintam desafiados e incentivados a se ,envolverem COln as redes de teoria crítica do currículo: uma introdução. In: MOREIRA, Antônio Flávio
conhecimento que se estabelecem nos cotidianos escolares. Barbosa; SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). CurrÍCulo, cultura e sociedade. 10. ed.
_ Para tant?, é preciso assumir que o trabalho com o conhecimento SãoPaulo: Cortez, 2008.p. 7-37.
elaborado é a base de sustentação do currículo. Segundo Young (2011),
os alunos buscam a escola para aprender aquilo que não sabem. Com a
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SACRISTÁN, José Gimeno. A educação que ainda é possível: ensaios sobre uma
cultura para a educação. Porto Alegre: Ar!med. 2007.
SILV AI Tornaz Tadeu da. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto
curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
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