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fN £3, } versipane po estavo Do nro be ANzIRO ae Reitor Ricardo Vieralves de Castro Vice-eitor Paulo Roberto Volpato Dias ed B corona oa untvensioAde 0 EStADO BO RIO DE ANEIRO oy CCONSELHO EDITORIAL Antonio August Passos Vela Erick Felco de Olvera Flora Sussekind ‘tol Morcanifpresidente) Wo Barbier Lucia Mara Bastos Pereira dos Neves Dirgida por Maria Luiza Helborne Sérgio Carrara Coordenagdo Editorial Jane Russo e Anna Faula Ue) Bruno Zl (asistent) CONSELHO EDITORIAL, Albertina Costa Daniela Knouth Lelia Linhares Basted ‘Moria Flomena Gregor! Mariza Comea Parry Scott Peter Buy Aegina Barbosa Richard Porker ger Ravpp Rios sexualidade.génere Transitos: brasileiras nos mercados transnacionais do sexo ADRIANA PISCITELL ed wer} Rio de Janeito 2013, 9 = -TSOCEOCO SINGULARIDADE* Que relagio hé enere as caracteristicas particulates dos diferentes deslocamentos nos mereados do sexo ¢ as marcas de identidade neles acionadas? Para responder a essa pergunca, € necessétio considerar que, nesses trinsitos, se prodiizem diversos movimentos. Neles, as brasileizas cujas trajerdtias analiso se insetitam em contextos diferenciados, em dlistincos paises. Algumas entrevistadas deixaram os mercados d so casar com paigeivos etfopeis, ha Telia, e, em desempenliado alguma atividade laboral fora de casa, sew principal 10 de vida, em seus relatos, passou a ser o doméstico e familiar. ‘Outras se_inseriram em setores intensamente mercantilizados na indtistria do sexo na Espanha, permanecendo nesse setor de atividade, paralelamente A manutencio de relagBes amorosas ou a0 casamento. [Nesses casos, o Ambito laboral adquiriu centralidade nas narrativas. ‘Nesses centios diferencindos, em distintos pases, circulavam diferentes ral preender, onsierando-se que é Frequent, no debate publico brasileiro, a ‘firmagio de que cerca construgio da feminilidade nacional, intensamente sexualizada € maréada pela “cor, € um aspeeto central na dintmica do “turismo sextal” internacional, ca prostituigao de brasleiras no exterior Fine deena verso dee cs fro pica cm Pili 20080, do trfico internacional de mulheres com fins de exploragio sexual, in- cluindo os casamentos “interculturais. O suposto € que esa construgto, originada nas imagens de mulatas e negra historicamente producidas no Brasil edifundidas no exterior (Dias, 1998). explica uma clevada demanda dde mulheres do pats. Essas imagens, associadas a certostragos fenotfpicos, vinculados a mulheres de pele escura, como os que constituem a figura da ada essa nogio sobre a ferinilidade, Pensadores sociais nacionais, fe estrangeiros, onsideram que uma apreciagio sextalizada da brasiidade E parce dos valores com os quais os brasileiros se pereebem. A idea € que essa construgdo esta baseada na literarura cientifica € na de viagens de ceuropeus que visiarain pais desde 0 século XVIII (Heilborn ¢ Barbosa, 2003: Parker, 1991). [Nogdes presentes nesses escritos, recriadas em diferentes petfodos histéricos, teriam sido incorporadas pela populagio nativa, inclusive por pensadores que discutiram a consticuigio da nagio na década de 1930 (Rago, 2001). Nas articulagées entre raga € género que marcam a atualizagio dessas nogGes, a imagem da mulata, construda como ob- jeto de desejo e simbolo nacional, aparece como sintese da percepyio sexualizada da brasilidade (Moutinho, 2004; Cotréa, 1996) Em décadas recentes, as construgdes sobre 0 Brasil produzidas internamente no pais foram difundidas no exterior. As propagandas oficiais de agéncias governamentais, como a Empresa Brasileira de Tu. rismo (EMBRATUR), responsével pela tegulagio do turismo, oferece tum exemplo. Entre 1970 e 1980, essa agéncia escolheu as snulatas, as praias de Rio de Janciro e 0 samba, para estruturar a imagem do Brasil | no mercado tutstico internacional (Alfonso, 2006). 3 Aidela de ques te no Brasil foram e orém, al e giacaonanicilad a Tronceiras necessariamente reiteram aguelas produzidas no Tica problematizar esa ideia ¢ oferecido pelas ima- rmulata (Cortés, 1996), reriam se disseminado no exterior (Cecra, 2000. Fis explicagio, segundo a qual predomina a @xualizagao Ga ragt mnantém reaches com a_parcepso le como fi riada Ristoricamente ‘gens que circulam em Porcugal, em que as mulheres, ndependentemente da cor da pele, s20 tratadas como{mestigas\porque sua nacionalidade ja lhes confere essa filiagSo. Essas imagens tendem a ser erotizadas pot meio de uma construgio de nacionalidade que, segundo a posigao de| classe no pats de destino, é mais ou menos sexualizada, mas nfo est necessariamente associada as “cores” de pele escura (Pontes, 2004). Nese sentido, tais imagens apontam a racializacio/sexualizacio da nacionalidade, imarcada por género.)e nao a sexualizacao da “raca”. Os efeitos da articulagio desse jogo de categorias aparece na percepsio das brasileiras inseridas ou no na indtistria do sexo. © segundo probl diferem em distiitos contextos migratérios. Machado (2003), ¢ gna abervagio que Commparilho, cham atengio para a exsténcia de ore eto eres indo isis eg dos magenies. Compreender a circulagio de imagens vinculadas Tago ¢ simulténeos, de diferentes ideias em contextos especificos que nao ‘os requer prestaratencia na articulagio de fluxos, multiplos necessariamente tém as mesmas relagoes histéricas com 0 Brasil NOGOES ITINERANTES [Nos processos migratérios, as mulheres dos patses do sul nfo incegram tum contingente homogénco, mas tendem a estar concentradas em alguenas categorias ocupacionais. No marco das telagdes desiguais entre norte su asdiferengas entre essas migrantessio frequentemente produzidas mediante ‘a atribuigdo de qualidades que evocam frontciras etno-sexuais. tragadas nas interagées entre nosées de sexualidade € etnicidade (Nagel, 2003). Essas fronteiras interferem na delimitagao dos nichos ocupacionais para ‘esas mulheres, que variam em diferentes paises. Se a Tailindlia é ainda) tum dos principais destinos dos circuitos globais de “turismo sewual”, es Milio, no perfodo em que realize’ fase da etnografia, as tallandesas eram| associadas,sobretudo, ao trabalho na limpeza, Nos luxos para Espanha e leila, as brasileira tendiam a ser marcadas comalguns atribucos: um casiter aberto, uma disposicio alegre ¢ naaral 11.0 sexo uma propensio igualmente naturalizada para o cuidado, |adomesticidade ea macernidade. Essas qualidades mantinham relagio “com o lugar subalterno concedido, nesses momentos, a0 Brasil nas “Telagées teansnacionais. E a articulagio entre género e sexualidade que avingit a5 DRASTTETES TEndlia a ser racializada em cermos de nacionalidade/ ctnicidade, excetuando os casos em que se cratava de pessoas consideradas nnegras, isto & de pele tida como muito escura Nesses palses, a maior parte das migrantes brasileiras no teve nnenhuma vineulagio com a prostituicio. No entanto, ess articulagio centre marcadores de diferenga sexualizava 0 conjunto de brasileitss, inclaindo mylheres que se rornaram empresirias, trabalhs profissionais liberais ou eram estudantes de pés-gr de destino. Entte elas, apenas as que obtinham melhores posigoes sociais nos paises receprores, quc tendiam a estar vinculadas a niveis superiores de escolaridade ¢, além disso, nfo eram consideradas negras, cram relativamente menos afetadas por essas nogdes de “brasilidade” fo que as entrevistadas estabeleciam cam a articulagio de diferengas que as marcava; na Iedlia € na Espanha, era instivel, de maneira andloga a0 que sucede, de acordo com estudos sobre mige dle beasileias, em outros patses do norre. Segundo essas pesq diferentes contextos, as brasileiras mostram movimentos de : de rejelgio, mas também de afiemagio desses aributos, qu “utilizami” alguns aepectos das imagens sobre elas pai posicionamentos nos contextos migrat6rios (Togni, 2008; Piscitelli, aia, JOT). Tso wale paras qualidades acionadas por migrantes J -'y brasileiras espagos de agéncia na integragio no trabalho ic doméstico em Baston (Assis, 2004), em sevores académicos em Los ‘ eg "Angeles (Beserra, 2007) e no servigo publico em Lisboa (Pontes, 2004). ‘ | C) ——s_ A questo aqui é compreender quits s os Feu sonal po Is (57 braslirasquespartindo de scores dos meres do sexo na HT, os quis a : a sesualizagio era uma ferramenta para negociar scus posicionamentos, j Me) rxprostiuisio e optavam por nto estabelecer limites de tempo nem ) & 3S extipular o valor do intetcimbio, considerando que, dessa mancita, | O% AF podiam obter mais dinheiro dos estrangeiras. Nesse cenitio, os limies espaciais, comporais ea utilizagio do nome de batalha presences nas versbes veh tradicionais dos programas se diluiam. As distingdes entre os espagos | Yoltados par os pragnumas e para a vida privada se apagavam quando {as garocas levavam os visitantes para suas casas ¢ as de suas familias, 1O & assim como, as veres, desaparecia a restrigao aos sentimentos, tida como ¢ >profisional na concepgio wadicional dos programas, ‘No contexto no qual elas encontraram seus parceitos, dinheiro, _eamor se entremeavam em um terreno ambiguo. Os relacionain ‘com os estrangelrostendiam a estar marcados pelo inte ndmico, No entanto, tingidos por noses de género, etnicidade e “cor”, podiam. também envolver fomantisiio ¢ ceria idealizagaoydos parceiros, combinada com 0 desejo de resiir fora do Brasil. Em relatos nos quits as kigrimas vertidas ea intensidade dos contatos apésa partida adquiriam fo estaturo de medida do grat de amor envolvido, uma gargonete, que depois migrow para a Telia descrevin assim as aproximagdes de um namorado estrangciro em Fortaleza: Todas as noites me esperava, sentava ina minha mesa. Mandava rosa para mim no meio da noite. Tao bom!...E a. voc wai se apegando mais..$ Os bencficios vinculados a esses estrangeiros no se reduziam a0 dinheiro, E a atragio que eles exerciam sobre elas nio pode ser sepa- rada do fascinio provocado pelo contato com as diferencas idealizad: f lo idealizadas srcibusidas 20s mundos “ticos”, Essa atragio se expressava na estetizagio dos paises de origem desses esteangeiros ¢ atingia seus habitantes, ra- cializados como brancos. Expressava-se, ainda, na valorizagio de scus 4 Tou, Fon a. 2002 estilos de masculinidade, com forte peso na propensio a eles atribulda para o cuidado, Essa ideia de eidado, ali, era precisamente a chave que possbilitava a substituigio do velho que ajuda local por turiscas estrangeiros, &s vezes mais jovens, percebidos como mais atraentes que 10s potenciais fornecedores de ajuda locais ¢ como oferecedores de mais cuidados, que se expressavam em um alargamento do apoio econdmico. Nesses circuitos turisticos, essas diluicdes ¢ ambiguidades obscure- ciam as fronteiras entre modalidades de troca, entre os programas € as. modalidades de sexo transacional estabelecidas por jovens empregadas em diferentes setores de atividade. Os visitantes estrangeiros, lendo a corporalidade das garotas e as interagdes estabelecidas com elas a pattir de seus proprios habitus sexuais ¢ afetivos ¢, ainda, as diferencas com 6s estilos de prostituigio que conheciam em seus locais de origem, confundiam-se, As vezes, quando se tratava abertamente de programas, nao os consideravam prostituigao, pors atribuiam o interesse das garotas por sis una externa necesidade esta. due eis GUeTaO ay PETERHECn come profisionaie,Nesses cixcuitos euristicos, mereados do sexo € do casamento se superpunham parcialmente. No marco dessas ambiguidades, alguns visitantes estrangeiros viam nas mulheres que transitavam nesses circuitos, fazendo ou nao ene | auriburos que consideravam desejaveis para uma esposa, como tempe- ramento carinhoso e disposigéo para 0 cuidado, remperados por uma ‘extrema sensualidade. Nesse ambiro, nogBes de feminilidade ¢ masculinidade vinculadas a origem nacional, “raca”, dase € idade se imbricavam, E, s Provessos, os estrangeiros,eram considerados a corporificagio dos dos de masculinidade, as mulheres nativas, torniadas socTadas a estilos mais val éxéticas, eram intensamente sexualizadas, mas também Timpressdes de um turista italiano, colhidas nos circuitos de Fortaleza A nnulber aqui ainda & mulher, mais carinhosa. Nessecendrio, no qual a nacionalidade adquiria central importincia, “raga” e género agiam como operadores metaféricos do poder. Ambas as categorias eram ctuciais nas eonceitualizagGes que permeavam esses ‘encontros. No marco de viagens procura de “autenticidade”, entendida {como inclinagio natural para o sexo, as mulher exualizadas | por meio de um processo de racializagio em que a intensidade sexual exa associada & “cor’(HFEME,)num Ambito no qual ser brasileira era sinénimo de ser morena, nras as mulheres tidas como negeas nao cram incorporadas. Nesse processo, as brasleiras eran singularizadas, atribufam-se a clas caracteristicas especificas que as distinguiany de mulheres de outras nacionalidades nos circuits globais de turismo & procura de sexo, (© clima de eroismo que perpassava esses relacionamentos, longe de estar vinculado a priticas sexuais necessariamente pensadas como extremas oy andmalas, eta produzido por uma combinagio entre (intensidade sexual ¢ transgressdes situadas em outros planos: nas > possibilidades da procura de um prazer inteiramente desvinculado t | de investimentos afetivos, ou, a0 contriio, de unit o prazceintenso {2s sentimentos, Nesse tiltimo caso, as relagées podiam conduzir ao ‘casamento ¢ introduzir a extrema paixdo carnal na conjugalidade. Em Fortaleca, as mulheres que transitavam pelos circuitos de ° 60% “turismo sexual” sdapropriavan) dos tragos que Iheseram aribufds, te endear tica” que Ihes era conferida S constitufa uma das prineipais ferramentas de negoclagio Bo %mBlo das i « “8 3s. Ancoradas ness GoxporTicagio de aeibiios, ‘ glam atravessar barreiraslocais,raciis e de classe que c consideravam intransponiveis sem contar com os recursos (materais e K simbslicos) oferecidos pelos vistantes estrangeiros. EXOTISMO E CASAMENTO oC . . i Quais sio 0 efeitos desses processos de exotizagio que envolvem \ uma racializagio sexualizada, na passagem para as rlagées conjugais ¢ ( familiares na Telia? c Quando esses relacionamentos se introduziam nesse ambico, os : repertérios.de percepsées miituas se alteravam, Nesse trinsito, as en- trevistadas tentavam afirmar sua especificidade como portadoras de um especial saber sexual, de maneira ansloga a como fiziam no Brasil. Esse saber era alimentado por uma troca compartilhada de conhecimentos. Quatro mulheres que no passado transitavam pela boate considerada centro da prostituigio voltada para estrangeitos na Praia de Iracema, em Fortaleza algumas na qualidade de gargonetes ¢ outras na de garotas de programa, deixaram ese aspecto claro, numa longa (edivertida) conversa {gue aconteceu numa tarde de primavera, no terrago do apartamento de uma delas. Elas mimetizavam posigies sexuais € trocavam opinides, ‘enquanto 0s maridos italianos, na sala, um pouco allitos, assstiam a um jogo de futebol: Uma ves, pergunte’ & minka irma o que é que ela fsia (que todos os italianas cava loucos com ela E ela eantow que el sempre Tava, mas lavava bem, a perereca, com aguela duchinha, e depois pascava tn ode amends Dido de campo Milo, 2008), 'A pattie desse{ Ser sexual) procuravam se situar em relagio ts it Sait or nei de ina compara que emaa dens qualidade ‘corporificadas: temperamento, cardter ¢ estética, Plas desvalorizavam as mulheres italianas, considerando suas “cadeiras largas”, “bundas planas” ce “catnes moles”, expressio corporal de uma “Frien” que remere a umn espitto caleulista e interessciro. Porque elas até fazer sexo, elas no gostam. Fazen.. porgue estio interesadas emt algunva coisa, A brasileira.., em geral, faa porque ‘gosta, &carinhosa de navureea... Um amigo. liga e dis: ‘Powo te “fazer uma pergunta indisoreta? Tu usa fio dental?” Eu digo: ‘Claro ‘que ex uso fio dental... Sabe que minha mulher continu asando calgola?” (visas). Para mim, a coisa mais sensual & um fio dental. Sto pequenas coisas... 1a lef, esfauoaseualzagloparecia operara favo, sobretdo, das braslciras que vistavam clientes que conheceram em Fortaleza para realizar programas clou buscando um convite pata permanecer no pais. No marco das relagdes de conjugelidade, porém, a suposta supetioridade vinculada a esse estilo de sexualidade se ancorava em bases mais frigeis * ae -O9-3-9G-20 O88 2.05 a es obser para migrantes estrangeiras com baixa qualificacao, 0s sakiios, num momento anterior & crise econdmica que também atingiu a Ilia, eram relacivamente baixos (entre quatrocentas ¢ quinhentos euros nos empregos part-time, que a maioria delas vinha, e 1.200 ccuros nos fl ime), dificultando a obtengio de autonomia em rermos O sistema de controle envolvi, ainda, a sociabilidade, Nenbuuma dessas entrevisiadas tinha amigas falianas, pois, segundo elas, as muulheres italianas mostravam desconfianga edesdém em relgio alas. Eo contato ‘com outras brasileras era resteito,reduzido basicamente a enconctos de casas trans ais durante o fim de semana. A presenca de irms ou primasem casa era banida quando estas nao se envolviam rapidamente em rela amentos srios com italianos. Esses procedimentos dificultavam a criagio de redes amplas e densas de brasileira O controle também envolvia outros aspectos relevantes para a definigio da identidade dessas mulheres, como 0 temperamento e suit cexpressio na corporalidade. Uma ex-gargonete que, nos esforgos de adaptagio ao novo contexto, engordou dex quilos nos dois anos que havia passado na tila, cortou os cabelas encaracolados quase na cintura «€ passou a usar éculos,sintetizou.a percepsio da desigualdade inerentea csse controle. Em uma explosio de raiva que presenciei saindo de uma festa de aniversério infantil na qual ela eew éramosas inicas estrangeia, ela se sentiu maltratada, diss, gritando: ito ealo a boca, nao. Vacés querem me mudar inzcina. Querem que ‘ude a maneiva de vstr, a mancina de falar, tudo, mas mew eardter eu ito mudol Aquela mubber nao podia me tratar como se fase empregada dela, Voce disse que precisava mudar minha roupa.. Eu aceite’ que tenho que estar vestida como uma senbora.. Aprendi a cozinhar, sou drasilera e coxinho melhor que elas... Mudei o modo de filer, parei de dizer palauri... Tedo mundo quer que eu maude, ¢ ninguém muda nadatf (Ditrio de campo. Milo, abr. 2004). Nessa alternincia de contextos, a desigualdade estrucural das nacio- nalidades em jogo se tornava ainda mais aguda do que no Brasil. Na Icdlia, os maridos apagavam as diferencas de classe existentes no Brasil Essas mulheres, que integravam as camadas baixas e médias-baixas de Fortaleza, nao eram miserdveis no Brasil. Eles percebiam esse aspecto, mas no contexto italiano essas distingSes desapareciam: o Brasil, como um todo, era considerado miserével. Ea “cor” morena, que se tornava marca de nacionalidade extracomu- fag in aE TERI ace prin- cipalmente no ambico laboral ¢, 3s vezes, também no ambito das relag familiares mais amplas. Esse racismo, que estava longe de manifestar-se penas comas braslciras que mantiveram vinculagbes com os mercaclos do sexo, adquitia tons de aberta hostilidade quando se tratava de brasi- leiras vistas como mregraS.sDuas dangarinas brasileiras, que migraram a partir de outros contextos e, diferentemente de minhas enuevistadas de Fortaleza, que se viam como morenas claras, consideravam-se mutlatas, uma da Bahia e outra de Sao Paulo, descreveram com dramaticidade expresses desse racismo em enttevistas realizadas em Milio ¢ Verona: Eu, no inicio, aqui, fei agredida por pessoas velhas ma rua com palavras Coisas... Um dia, fi agredida dentro do met, dentro da extagio do ‘metré, um velho, sabe, louco,alucinado, comecou a me tatar mal. Outro dia... na fila do banco, um velho, me falou, sabe, que eu voltei para casa chorando, Falou coisas horvorosas, me falou que eu era.. me channor de squifo, squifoca, voce sabe... E pesioa nojenta, entenden? Depois falow owtrascoizas, flow que eu tinka que ir embora® Quando mudei para cd, nao havia quase negros em Verona, Algensjovens passavam de carro e gritayam: ‘Negra!’.. Agity so racistas. Este pais & ‘muito racist. Nocomego, quando ex parton para ver uma vtvine, densro da lojaew via ar vendedoras que riam, tipo ‘o que ela esd olhando aqui? [Nao sem dinbeivo para comprar iso’. Sabe, unt risinbo. € voce sabeo gue cela esd pensando de vocé... Quando fui conhecer mina sogra, foros para «sansa de frias da monsanha. Nunca tinh ido ld, Que belo! Cheganco li quando estivareschegando com o carro, tem oestacionamento. lego em + nose Miia, a 2008 “frente tom a ports da cosinha Eu desi, bati& porta. Team wma cortna, ‘quando ela abris a cortna para far, era toda sorriso. Mas quando ela ‘me viu,fechou 0 sori. fchou o rst... virou a cara. Depois, fo mew ‘marido] me explcou que ela nuneatinha visto uma pessoa negra. Mas cla devia mie conhecer primeira, tentar me conbecer primeiro, ni fzer iso ‘Minha cor nio pega, minka cor néo pasa na sea mio!” Para as mulheres que migraram a partie dos circuitos turisticos incernacionais de Fortaleza, ofacisp, um aspecto que desejavam apagar 9 (eae i sree in dinda mais monolitica que no “Bias Emi Foftaleza,essas morenas eram sexualizadase racalizadas pelos c : ‘consideradas prostitutas. Longe de contribuir para sua insergio nesse novo contexto,a cor morera, que ara turistas em Fortalera, susctava, naquee pls tensBese agrees ‘erbais, Como pars outros migeantes, os lugates de trabalho constitutam, Kc para elas, um dos principais espagos de vulnerabilidade (Mersill,2004), K nos quais estavam expostasa ese racismo,suitasa hosildades por parte de talianos que nfo as consideravam merecedoras de “pertencer” esfera proditiva local ou nacional (Ong, 1996). E essa tens0es provocavam, ‘outras no Ambito doméstico, quando os maridos italianos optavam por lo minimizar as percepges das esposas brasileiras, em vez de apoi-tas — LO bess PORTADE ENTRADA PARA A MIGRAGAD No momento em que realizei essa fase da emografia, os casamentos cenvolvendo homens de pats “ricos" e mulheres de regides pobres intensa preocupagio, que, presente no debate pablico mais amplo, se seiterava no ambito académico. El do mundo suscieavam un se expressava na vinculagio realizada, no plano global, entre esses casamentos e diferentes formas de violencia contra as mulheres. Essas nquietagbes, Teglstadas desde a década de 1990 na vasta literatura sobre casamentos como porta de entrada para a migracio (marriage migration), acenaramnse na década de 2000, adquitindo conoragies partcularmente dramticas quando se tratava de casamentos mediados por paginas web, frequentemente denominados de sites de mail order brides (Piper, 1997; So, 2006; Suzuki, 2007; Lauser, 2006; Grassi, 2006; Orloff Sarangapani, 2007).* “Aslinhas de discussio presentes nesse debate nao sfo convergent. [Em algumas, considera-se que esses easamentos e, patticularmente, 0s siabilizados pelos cacdlogos on-line, nsepardveis do “turismo sexual” ea pornografia, favorecem a exploragio sexual das mulheres (Sciachitano, 2000; Phar, 2003). Paralelamente, outras abordagens percebem ‘esses telacionamentos como tentativas, por parte das mulheres, de aceder a uma vida estivel em um pais mais bem posicionado em termos estruturais e de estabelecer relacionamentos considerados tnais igualiciios, escapando das tramas de genero as quais elas esto localmente envolvidas (Schaeffer-Grabiel, 2004, 2006; So, 2006s Sahib et al,, 2006). De acordo com essas perspectivas, alguns desses ccasamentos podiam reforgar nodes conservadoras sobre género ¢ familia, mas também podem desafiar conceitualizagdes estabclecidas sobre relagées inter-raciais. Finalmente, considerando a economia politica e a logica cultural do amor e do desejo, essas leicuras se ‘contrapdem a visbes dicotémicas de amor ¢ oportunismo que traram as preocupagoes pragmatieas como incompativeis com as emocionais (Constable, 2003, 2007). ‘Na Europa, a intensificaco dessa preocupacio coincidix com ‘6 aumento da imigragio extracomunitétia, a crescente presenga de trabalhadoras do sexo estrangeiras e a intensificagio do debare sobre tnifico de pessoas (Daphne Programme, 2003, 20053 Campani, 1998) Uma sétie de estudos desenvolvidos na Unio Europeia, coordenados por uma instituigao de pesquisa na Ieilia, tende a classificar esses 1 Gam ove Won dese aun india de ofr de espa que, fuente ais 8 anes dhs nce evans culos impress pel mete! como pn preee 5 we OOOO O-O4 > a ‘casamentos “mistos” em diferentes categorias (Daphne Progra 2003, 2005), Esses estudos tragam hints coming resultados de relacionamentos sentimentais, aranjados, de conveniéncia (para driblar regulamentagdes referidas a0 ingresso ou & permanéncia ‘em um pais estrangeiro, envolvendo a “venda” de casamentos e/ow aqueles realizados por conveniéncia em termos econdmicos), forgados, vinculados & reunificagio familiar e, Finalmente, errs reparacio da hon. Considera-se que os casamentos por conveniéncia, os forcadas ¢ os dereunificagio situam as mulheres em rsco de voléncia domestica ede ‘xploracio seul, em situagbes nas quaiso casamenco cond 20 in forgado na indiscria do sexo (Daphne Programme, 2003; Salimbeni, TOUS) To & 38 0s easamenros que resultam de rlacio sentimentiisseviai Seguros para as mulheres. No rvarce da demais aparecem como possivel disfarce para introdu do sexo. Ex Tertura, difundida em secores do debate mighicdo, @ Tagénua e, emt certs Casos, eUnocenT qe me interessa sublinhar si0 05 presupostos nos quais se ancora. les combina nog6es epscfias sobre a deserminas abla ominagio masculina, uma separagio radical entre sentimentos ¢ interesses © uma dificuldade em considerar que mulheres de regides ‘pobres do mundo podem oprar-por esses relacionamentos. _ I CaRERREAEGS aqui contemnplados, que resultaram de rlacionamentos iniciados no ammbito do “turismo sexual”, nfo conduziram & venda das «sposis basileias, sun exploragio na insta do sexo, nem violencia fisica. Eles, contudo, remecem a uma série de tenses permeadas, ‘ocasionalmente, por cerca violéncia simbélica, Nosesforgos paraatenuls, as esposas brasilcirasestabeleciam um delcado jogo, np que se refer —> [Spinone deen) oes Ne date prioritariamence de seus esposos e suas novas familias. Na tentativa de construgio de espagos de agéncia, nesse Ambito, elas recriavam alguns ‘sagos pata neutralizar a ambiguidade adquirida pela “sexualidade tropical”. Um desses atributos era a propensio para a domesticiade. Nesse procedimento, 2 disposigio para o sexo era englobada pela afetuosidade, @0 extremio cuidado com o corpo era inserido em uma ideia mais ampla de cuidado doméstico, a0 qual era concedida escassa importancia no Brasil, Nos termos de uma ex-gerona de progriria, mostrando com orgutho o estado impecsvel de seu apartamento € a5 flores multicoloridas que plantou em canteiros no terrago: ‘A mulher brasileira, como en pense, ela é tada diferente. No modo que ‘anda... que se vest, que fla, que vba vide... Porgue, na Europa, as ‘mulheres so todas homens. Seu trabalo, sua independéncia, sua vida eperdem wn pouco a feminilidade... Outra coisa que voce vé, italiana 5 preocupa muito mais. como confort, eno com a belezs. Eso que cles fos homens italianos] procusarm nas brasileras. Aguela coisa de estar ‘em casa, de ser mulher {dona de casa), que no tems mais na italiana. ‘As brasileiras gosta... de euidar da cast, de fazer compras, de ajeitar o-cabelo, de fazer a unba Observo que, enquante oslaesitalanos,erescentemente, requeriam servigos damésticos de mulheres do “Terceiro Mundo” (sobrerudo dle mulheres da Asia e da América do Sul), essas encrevistadas se focipavam da quase toralidade das trefas domésticas, Mas, sob as pinceladas de domestiidade,o valor concedido 2 casa flores, méveis, Eletrodoméstcos, lougas e talheresestava também vinculado 2 uma expresso do aumento no nivel de consumo, que, na percepso dessas cntrevstadas, marcavaa distncia, em termos de bem-estar entre suas novas vidas e as que lvavam em Fortaleza. . {Em um estilo “aovo-rico", em que © dinheiro era um valor envolvendo convetsas interminsves em tome desalirios, rendimentose compra, es (ea) exibianorgulhosamentecarasemorocieas ero tqilometa, ofistcadoscompuradores,roupase comentavam repeids ‘eas viagens pa diferentes partes da Tei, pales da Europ fora Jae: Uie tena importante ram as devadas dias pagas em resorts nos ‘Gus pusatam a lua de mel ou as Frias ‘Os etlos de vida desses casas nfo remetiam aos modos de vida das camadas sts talianas, nem aos dos stores mais pobres. Contdo, 0 Gque me ineressadestacaré que, tendo como referencia os estilos de vida dessas mulheres em Fortaleza, © upgrade na compankia dos maridos italianos era gritante. (Oscasis moravam em apartamentos de dois quattos em baitos de Milio (Bonola, Famagosta), localizados na cidade, embora nae digags pacacas do metrd, ou cim municipios vizinhos (Cotsiew e Magnano, por Sscmplo)Alguns cram proprietsios, outros akigavam, enquamee og Preparayam para solicicar um erédto habitacional,e um cas morsea ns cass imi do marido, em um desses municipios. Osapartamenieg Shere neelt novos, inclusive nas amplas varandas cheiss de flores heisamalimpeza ea um inensoinvesiniento domestica, scone comes battotadas de clecrodomésticos de novisima grag, servigos completos de lous, taas ¢roalhasde mesa para diferentes agen Enquanto elas, apés irem me buscar na estagio de meusd ditiginds Gin Exo ze quildmetro, me mostravam tudo com oxgulho ¢ wt de {cher u lembcava imagens de suas vidas em Fortaleva, Os Rais de noite na Praia de Ircema, quando, na madnugada eu a se partie fumo i periferia na garupa de um motocéxi, Lembrava seas casas limpas, inves, laminosss, mas de wana excrema simplicidades slay com na softiem mau estado ¢ uma rede; cozinhas com um reltigerador velho, car Putt deseascadas uma mesinha para comer, um pancleing coninh Ru: organizando panels baratase, no mével de fdemiea de Spunla, uma bande plistica chcla de copes de requejto, esters com ues paninho bordado, ¢ um filtro de gua de barre, init esis brasileiras, que parecam recraepaoes radicioais de feminildade no ambito das tlag6es conjugaise familiares, o-casamento meses Posibiliou a regularizagio migiaéria, mas tepreeneney Ils lo quea obxensio de papi, Analisando os process ned a his 08 migrantes procuram obrer acessoa uma “cidadania euleal™ Ong (1996) destca aimportinca das pritcascultants ne cmon ans poder perencera uma nova nacio, O valor concedidoseceormern Por esis entrevsadas maneém vinculagdes com eon arg Esse valor comnava-se evidente quand f fe quando uma ex-gargonete, narrando sua Festa de easamento, me dew de presente um sininho de eaeal com tums fc vernelhae um carozinko com a data cos nomes dela da ‘atido,lembranga do casamento que guatdou para min ¢ que ainda (eric ‘mancenho na crstaeira de minha casa. Esse valor também se manifestava nas fotografias do evento. Umas trezentas imagens de excelente qualidade, entesouradas em um album vermelho, mostravam-na usando um vetido vermelho de veludo, longo, “tomara que ea, que realgava a cor morena de sua pele. O penteado, ela explicou, fi és exes tinha tm monte de rosinhas, pequeninhas, vermelbas, Ela me chamou a atengio para os sapatos de salto fino, também vermelhos, comentando: Sito lindas, da mesma cor do westida, levow um ‘empo enorme para achd-lot, Havia fos do casa, do casal com o pais, com a familia dele que vei de dversos higares da Ilia, com as amigas dela ¢com a tinicaintegrante de sua rede de relacGes que vcio do Brasil, ‘com a passagem paga pelo marido: a ex-patroa da casa onde crabalhou ‘como babi quando, saindo do interior, chegou a Fortaleza, Ela mosteava com orgulho o anel, que parecia ser de diamantes, e contava que 0 ganhara da sogra no dia antetior ao casamento: Ex queria tanto wm, porque todas as italianas tém, Por que eu nao posto ter, igual que as italiana? Fait essa entrevista, o casamento representava a materaliragio do sonko da ascensio socal que ia além da mobilidade em termos de classe social, envolvendo a ilusfo da plena incluséo na Europa pela vi legitimadors da insergi0 numa fal italiana, E ela parece tr sido mnwie

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