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Quando falamos em linguagem, logo nos vêm à mente a fala e a escrita. Estamos tão condicionados a
pensar que linguagem é tão somente a linguagem verbal, oral ou escrita e, do mesmo modo, que ela é a
única forma que usamos para saber, compreender, interpretar e produzir conhecimento no mundo, que
fechamos nossos sentidos para outras formas de linguagem que, de modo não verbal, também expressam,
comunicam e produzem conhecimento.
O que é, então, a linguagem? Pode-se dizer que linguagem é um sistema simbólico e toda linguagem é um
sistema de signos.
Somos rodeados por ruidosas linguagens verbais e não verbais – sistemas de signos – que servem de meio
de expressão e comunicação entre nós, humanos, e podem ser percebidas por diversos órgãos dos
sentidos, o que nos permite identificar e diferenciar, por exemplo, uma linguagem oral (a fala), uma
linguagem gráfica (a escrita, um gráfico), uma linguagem tátil (o sistema de escrita braile, um beijo), uma
linguagem auditiva (o apito do guarda ou do juiz de futebol), uma linguagem olfativa (um aroma como o do
perfume de alguém querido), uma linguagem gustativa (o gosto apimentado do acarajé baiano ou o gosto
doce do creme de cupuaçu) ou as linguagens artísticas.
Nossa penetração na realidade, portanto, é sempre mediada por linguagens, por sistemas simbólicos. O
mundo, por sua vez, tem o significado que construímos para ele. Uma construção que se realiza pela
representação de objetos, ideias e conceitos que, por meio dos diferentes sistemas simbólicos, diferentes
linguagens, a nossa consciência produz.
Quando nos damos conta disso, vemos que a linguagem é a forma essencial de nossa experiência no
mundo e, consequentemente, reflete nosso modo de estar-no-mundo. Por isso é que toda linguagem é um
sistema de representações pelo qual olhamos, agimos e nos tornamos conscientes da realidade.
Não é de estranhar que, em nosso encontro com o mundo, aprendemos a manejá-lo pela leitura e
produção de linguagem, o que é, ao mesmo tempo, leitura e produção de sistemas de signos.
Para Deleuze, aprender é decifrar signos. Deleuze “refere-se à aprendizagem como um vaivém, como uma
série de saltos do objetivo para o subjetivo e vice-versa, única possibilidade de chegar, nesse momento, à
essência do signo ou da sua diferença. Cada interpretação, em sua singularidade, é uma modulação ou um
grau de diferença”, como comenta Kastrup (1999, p.150).
O que seria, então, um signo? Signo é como um colorido fio que usamos no urdimento de uma linguagem.
Segundo Charles Sanders Peirce (1839-1914), criador de uma teoria geral dos signos – a semiótica, um
signo é alguma coisa que representa outra coisa: seu objeto (ideia ou coisa) para alguém sob algum
aspecto ou qualidade. Tanto a palavra quanto o desenho ou o esquema, a fotografia ou a escultura de um
carro não são o próprio carro. São signos dele.
Nosso pensamento traduz ativamente nossas experiências em signos. Ao interpretar algo, traduzimos um
pensamento ou signo em um outro pensamento ou signo num contínuo e incessante ir e vir de criação de
signos. Nosso ato de pensar nada mais é que um pensamento em outro pensamento, em outro, mais outro
e assim infinitamente.
A ideia peirceana, então, é que não há lugar no mundo vazio de signos. Respiramos e transpiramos
sistemas sígnicos que se compõem em linguagens.
Por isso, em nossa vida, é como se fôssemos tecelões aprendendo a manejar e produzir nosso tear de
linguagens. Por certo, tecemos linguagens com tal destreza que, trançando e destrançando signos,
tecemos um intricado mundo simbólico que dá abrigo a uma diversidade cultural.
Isso nos faz ver que não existe um real absolutamente verdadeiro, mas sim realidades interpretáveis,
expressas pelas mediações dos signos e que são pensadas como tal. Por certo, não é a toa que ensinar, na
sua origem etimológica, é apontar signos. O que aprendemos é como manejar a realidade por meio dos
signos, o que faz com que a presença física das coisas não seja necessária para falarmos sobre elas.
Atuamos no mundo lendo e produzindo linguagens, lemos e produzimos sistemas sígnicos que nos dão um
vocabulário de signos que nos permite lembrar o que já foi e projetar o que será, seja para pisar em
certezas, seja para voar em fantasias.
Se toda e qualquer linguagem é o instrumento para recortar, categorizar e perceber o mundo, também é,
como diz o sociólogo francês, historiador da ciência, Pierre Lévy (1996, p.72),
É na escolha de operar e manejar a linguagem das cores, dos sons, do movimento, dos cheiros, das formas
e do corpo humano para fins artístico-estéticos que o homem realiza a alquimia maior de criador: a
linguagem da arte.
In: Celeste Martins, Mirian; Picosque, Gisa; Telles Guerra, M. Terezinha. Teoria e Prática do Ensino de Arte
- a Língua do Mundo. São Paulo: FTD, 2009. (p. 32-34)