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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


___________________________________________________________________________

TESSITURAS DE UMA REDE: UM BORDADO SOCIAL

Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi

Orientador: Laís Maria Mourão de Sá

Tese de Doutorado

Brasília-DF: 03 / 2005
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

TESSITURAS DE UMA REDE: UM BORDADO SOCIAL

Maria de Fátima Rodrigues Makiuchi

Tese de Doutorado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de


Brasília, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Doutor em
Desenvolvimento Sustentável, área de concentração em Política e Gestão Ambiental.

Aprovado por:

_____________________________________
Laís Maria Mourão Sá, Doutora (Universidade de Brasília)
(Orientador)

_____________________________________
Leila Chalub Martins, Doutora (Universidade de Brasília)
(Examinador Interno)

_____________________________________
Laura Maria Goulart Duarte, Doutora (Universidade de Brasília)
(Examinador Interno)

_____________________________________
Miroslav Milovic, Doutor (Universidade de Brasília)
(Examinador Externo)

_____________________________________
Marcos Sorrentino, Doutor (Universidade de São Paulo)
(Examinador Externo)

____________________________________________________
Roberto A. Ramos de Aguiar, Doutor (Universidade de Brasília)
(Suplente)

Brasília-DF, 16 de março de 2005


MAKIUCHI, MARIA DE FÁTIMA RODRIGUES
Tessituras de uma rede: um bordado social, 268 p., 297 mm, (UnB-CDS, Doutor, Política e
Gestão Ambiental, 2005).
Tese de Doutorado – Universidade de Brasília. Centro de Desenvolvimento Sustentável.
1. Redes Sociais Solidárias 2. Educação Ambiental
3. Modernidade 4. Ética
I. UnB-CDS II. Título (série)

É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta dissertação


(tese) e emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O
autor reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de mestrado
(tese de doutorado) pode ser reproduzida sem a autorização por escrito do autor.

______________________________
Nome do Autor
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que estiveram comigo nesta caminhada, que acompanharam
meus bons e maus momentos, que participaram e colaboraram para que esta tese pudesse ser
realizada.
À minha orientadora Laís por seu carinho e paciência, por ter me acolhido na sua
sensibilidade e bondade, pelos inúmeros sorrisos que aqueceram meu coração, tão importantes
quanto o apoio e a orientação. Sem ela este trabalho não teria começado.
A todos os membros da REMA Riacho Fundo, por terem me recebido em suas vidas e
por fazerem parte da minha. Agradeço por todas as horas que passamos juntos, pelos
encontros, conversas, reuniões e pelos projetos que pudemos criar. Sem eles este trabalho não
seria possível.
À Sônia, presidente da Cooperativa 100 Dimensão, por ter me mostrado que a vida é
cheia de possibilidades e sonhos e que partilhar o trabalho, as alegrias e as tristezas com
outras pessoas é um remédio maravilhoso para o mal da modernidade.
Ao Luis Mourão, presidente do IDA, pelo entusiasmo que demonstrou em relação a
REMA e o apoio que ofertou tão gentilmente.
Ao meu amigo Cristiano, que tanto me ajudou ao me acompanhar e atuar no trabalho
de campo. Agradeço também pelas conversas jogadas fora e pelas boas gargalhadas que
demos.
Ao professor Miroslav Milovic pela gentileza em compartilhar seu conhecimento e
pelas sugestões a este trabalho no campo da filosofia.
Aos professores e professoras do CDS pela generosidade em compartilhar seus
conhecimentos que muito auxiliaram a formulação desta tese.
À Ana Paula, Antônio, Norma, Shirley e William pela gentileza e apoio.
À Isabel, Regina, Ruth e Vanessa pelo amor e confiança entre nós.
À Regina Aquino, por ter aberto um espaço em seu coração para mim.
À Wânia, por me ouvir e cuidar de mim.
À Nara, por mais de duas décadas de amizade e por ser minha irmã e confidente.
Ao meu irmão Júlio por nosso bem querer mútuo.
Aos meus pais, Joaquim e Alice, pelo apoio que sempre me deram.
Ao meu marido, Nilo, por sua paciência, carinho, amor e presença.
Às minhas filhas, Mariana e Camila, que apesar de crianças compreenderam e
perdoaram minhas dificuldades para estar com elas nestes quatro anos.
Para minha mãe, Alice,
e minhas filhas,
Mariana e Camila,
com a esperança de que o amor
que aprendi com minha mãe,
permaneça com minhas filhas.
v

RESUMO

O objetivo desta tese é analisar o processo de formação e implementação de uma rede social
solidária, formada por professores de escolas públicas, que surgiu no contexto dos processos
de gestão e educação sócio-ambiental realizados no núcleo urbano do Riacho Fundo, Distrito
Federal. Ao mesmo tempo, a presente tese procura explicitar a perspectiva transformadora
deste tipo de rede ao apontar seu caráter comunitário, balizado em vínculos de
responsabilidade e pertencimento, apresentando-se como contraponto às relações sociais da
modernidade contemporânea. Nesta perspectiva esta tese tem como fundamento teórico a
pedagogia da alteridade - referência tanto dos processos de gestão sócio-ambientais quanto da
formação da rede - e aponta para a elaboração de uma racionalidade sócio-ambiental lastreada
pela alteridade, referida aos seres humanos e ao ambiente. Desenvolvendo este estudo na
perspectiva metodológica da pesquisa-ação foi possível constatar que a rede emergiu,
primeiro, pela urgência em se criar novos modos de relacionamentos humano e ambiental, e,
segundo, pela disponibilidade de espaços sociais, tanto dentro da escola, quanto na
comunidade local, não ocupados pelo Estado ou mercado, espaços inicialmente sem
legitimidade política e social. Ao ocupar esses espaços, a rede abriu novas perspectivas
relacionais, e, ao mesmo tempo em que emergiram conflitos em seu processo de formação de
identidade e obtenção de legitimidade. Estes conflitos, relacionados por um lado, à
dificuldade de dialogar com os poderes públicos instituídos e, por outro, pelo rebatimento das
identidades individuais no coletivo da rede, antes que impasses, se fizeram como tensões
associadas ao crescimento e maturação de um núcleo ético-valorativo comum, que se
apresentou como o substrato da identidade comunitária desta rede. Ainda, a análise do
processo de formação desta rede no contexto dos processos de gestão e educação sócio-
ambiental permite afirmar que nestes processos, voltados ao fortalecimento de redes sociais
de educação e meio ambiente, gestores e educadores necessitam operacionalizar as condições
de possibilidade para que surjam espaços de diálogo e de acolhimento de outrem que
permitam o empoderamento popular por meio da tessitura de relações sociais não
hierarquizadas. Nestes espaços a política e a mediação de conflitos são compreendidas como
mediações para a justiça, para com o outro e para com o ambiente. Por último constata-se que
a originalidade da experiência desta rede reside na abertura a outrem somada à re-elaboração
da temporalidade referida à duração das ações e projetos de educação e gestão sócio-
ambientais.

Palavras-chave: Modernidade; Ética; Redes Sociais; Educação Ambiental.


vi

ABSTRACT

The thesis analyzes the process of formation and implementation of a solidary social net,
composed of teachers from public schools, which has risen within the context of the processes
of social-environmental management and education achieved in the urban nucleus of the
“Riacho Fundo” region, Distrito Federal State. It makes explicit the transforming perspective
of this type of net when pointing its communitarian character, surveyed in bonds of
responsibility and belonging, presenting itself as counterpoint to the social relations of
contemporary modernity. The theoretical foundation is the pedagogy of the alterity –
reference either of the social-environmental management or the formation of the net - which
points to the elaboration of a social-environmental rationality based on alterity, related to the
human beings and the environment. The methodology of the research-action allowed to
evidence that the net emerged due to the urgency in creating new ways of human and
environmental relationships, and for the availability of social spaces, in the school and the
local community, not occupied by the State or market, spaces initially without political and
social legitimacy. By occupying these spaces, the net opened new relation-wise perspectives,
and made emerge conflicts in its process of formation of identity and attainment of
legitimacy. These conflicts, related as to the difficulty to dialogue with the instituted public
powers as to the striking of the individual identities in the collective of the net, before
impasses, made themselves as tensions associates to the growth and maturation of a common
ethical-valuable nucleus, that it presented itself as the substratum of the communitarian
identity of this net. The analysis demonstrated that in the context of the processes of social-
environmental management and education, directed towards the strength of social nets of
education and environment, the managers and educators need to operate the conditions of
possibility for the sprouting of shelter and dialogue spaces, through the tessitura of non-
hierarchy social relations that allow the empowerment of the involved social groups. In these
spaces the politics and the mediation of conflicts are understood as mediations for justice, the
others and the environment. Finally it is evidenced that the originality of the experience of
this net inhabits in the responsibility towards the other, added to the rework of the temporality
in the actions and projects of social-environment education and management.

Keywords: Modernity; Ethics; Social Nets; Environmental Education.


vii

RÉSUMÉ

La thèse analyse le processus de formation et l´implémentation d'un réseau social solidaire


formée par des enseignants d'écoles publiques, que a surgi du contexte des processus de
gestion et d'éducation socio-écologique réalisées dans le noyau urbain de Riacho Fundo,
Distrito Federal. Explicite la perspective transformatrice de ce type de réseau en montrant son
caractère communautaire, balisé dans des liens de responsabilité et d'appartenance, en se
présentant comme contrepoint aux relations sociales de la modernité contemporaine. Le
fondement théorique est la pédagogie de l´altérité – référence aussi des processus de gestion
socio-écologique que de la formation du réseau - qu'indique pour l'élaboration d'une
rationalité socio-écologique fortifiée par l´altérité, rapportée aux êtres humains et
l'environnement. La méthodologie de la recherche-action a permis de constater que le réseau a
émergé par l'urgence à se créer de nouvelles manières de relations humaines et
environnementales, et par la disponibilité d'espaces sociaux, dans l'école et dans la
communauté locale, pas occupés par l'État ou le marché, espaces initialement sans légitimité
politique et sociale. En occupant ces espaces, le réseau a ouvert de nouvelles perspectives
relationnelles, et a fait émerger des conflits dans son processus de formation d'identité et de
l'obtention de légitimité. Ces conflits, rapportés aussi à la difficulté de dialoguer avec les
pouvoirs publics institués qu´au rabais des identités individuelles dans le collectif du réseau,
avant qu´impasses, ils se sont fait comme des tensions associées à la croissance et à la
maturation d'un noyau éthique-vaillant commun, que s'est présenté comme le substrat de
l'identité communautaire de ce réseau. L'analyse a démontré que dans le contexte des
processus de gestion et d'éducation socio-écologique tournées à la fortification de réseaux
sociaux d'éducation et d'environnement, les directeurs et les éducateurs ont besoin opérer les
conditions de possibilité pour le léver d'espaces de dialogue et d'accueil, au moyen de la
tessiture des relations sociales que ne sont pas hiérarchisées qui permettent l'habilitation des
groupes sociaux impliqués. Dans ces espaces, la politique et la médiation de conflits sont
comprises comme médiations pour la justice, envers l'autre et envers l'environnement.
Finalement se constate que l'originalité de l'expérience de ce réseau habite dans la
responsabilité devant l'autre, ajoutée à la reprise de la temporalité dans les actions et les
projets d'éducation et gestion socio-écologiques.

Mots-clé : modernité, éthique, réseaux sociaux, éducation environnementale.


viii

SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................... v
ABSTRACT....................................................................................................... vi
RÉSUMÉ............................................................................................................ vii

LISTA DE QUADROS..................................................................................... xi
LISTA DE FIGURAS....................................................................................... xi
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS...................................................... xii

INTRODUÇÃO................................................................................................. xiii

1 INICIANDO UM BORDADO: O TECIDO SÓCIO-AMBIENTAL........... 16

1.1 NATUREZA, AMBIENTE E SOCIEDADE: RELAÇÕES


DESENCANTADAS......................................................................................... 19
1.2 RIACHO FUNDO: UMA NATUREZA DISPONÍVEL................................... 29
1.3 COMUNIDADES............................................................................................... 33
1.3.1 Voltando no tempo: contribuições de Tönnies e Buber..................................... 34
1.3.2 A comunidade na contemporaneidade e os impasses do ideário moderno: as
contribuições de Bauman................................................................................... 36
1.4 RIACHO FUNDO: ONDE ESTÃO AS COMMUNITAS?.............................. 42
1.5 RELAÇÕES SOCIAIS NO RIACHO FUNDO: O PODER PÚBLICO, A
ESCOLA E O PARQUE ECOLÓGICO............................................................ 46
1.5.1 O Parque Ecológico do Riacho Fundo............................................................... 48
1.5.2 As escolas públicas do Riacho Fundo................................................................ 51
1.6 PARA RE-ENCANTAR AS RELAÇÕES........................................................ 58

2 AS LINHAS DO BORDADO: ALTERIDADE, ÉTICA E EDUCAÇÃO 61

2.1 A IDENTIDADE MODERNA........................................................................... 62


2.2 SOBRE OS SUJEITOS DA MODERNIDADE CONTEMPORÂNEA: O
TEMPO E A DIFERENÇA................................................................................ 66
2.2.1 O tempo.............................................................................................................. 66
2.2.2 A diferença......................................................................................................... 71
2.2.3 A diferença e o paradoxo inclusão/exclusão: a alteridade como ruptura ética... 75
2.3 O CONHECIMENTO NA RUPTURA ÉTICA: INTRODUÇÃO DA
QUESTÃO PEDAGÓGICA.............................................................................. 79
2.3.1 Liberdade, conhecimento e educação: a pedagogia de Paulo Freire e o dilema
ético.................................................................................................................... 82
2.3.2 Diálogo, linguagem e discurso: a relação com Outrem...................................... 91
2.3.3 Os princípios de uma educação para a responsabilidade: uma pedagogia da
alteridade............................................................................................................ 100
ix

3 AS CORES DO BORDADO: EDUCAÇÃO NA GESTÃO SÓCIO-


AMBIENTAL E AS REDES SOLIDÁRIAS................................................ 105

3.1 A EDUCAÇÃO PARA A RESPONSABILIDADE E O CAMPO


AMBIENTAL ................................................................................................... 108
3.1.1 O saber ambiental na perspectiva da pedagogia da alteridade........................... 108
3.1.2 A dimensão pedagógica na gestão sócio-ambiental e a construção de
sustentabilidades.................................................................................................. 115
3.2 REDES SOCIAIS SOLIDÁRIAS....................................................................... 121
3.2.1 Rede social: um conceito da modernidade.......................................................... 122
3.2.2 Rede social solidária: um conceito-ruptura......................................................... 125
3.2.3 Características gerais de uma rede social solidária............................................. 130
3.2.4 Rede solidária, educação para responsabilidade e meio ambiente...................... 134

4 ENCONTRANDO AS AGULHAS DO BORDADO: A PESQUISA –


PARTE I ............................................................................................................ 136

4.1 PESQUISA-AÇÃO: DINÂMICA E TEMAS CENTRAIS............................... 136


4.1.1 O contrato ........................................................................................................... 137
4.1.2 A participação .................................................................................................... 138
4.1.3 A mudança ......................................................................................................... 139
4.1.4 O discurso ........................................................................................................... 140
4.1.5 A ação ................................................................................................................. 140
4.1.6 A abordagem sistêmica e complexa na pesquisa-ação integral .......................... 141
4.1.7 Técnicas e instrumentos de coleta de dados na pesquisa-ação ........................... 144
4.2 PESQUISA DE CAMPO ................................................................................... 145
4.2.1 O início das ações: Comitê Comunitário do Riacho Fundo e a Escola Olho
d’Água ................................................................................................................ 146
4.2.2 Retornando ao Comitê Comunitário: retroação e emergência – novas escolas.. 159
4.2.3 A emergência da REMA .................................................................................... 165
4.2.4 Abertura de um novo anel .................................................................................. 166

5 DANDO PONTOS E NÓS: A PESQUISA - PARTE II................................. 168

5.1 ESTRUTURA DA REMA: ARQUITETURA E MOVIMENTO ..................... 171


5.1.1 Quando a rede se expõe ...................................................................................... 173
5.1.2 O tempo de gestação: alimentando a rede .......................................................... 178
5.1.3 Novos rumos: aprendendo a ser rede ................................................................. 186
5.1.4 As imprevisibilidades, as perdas e os ganhos .................................................... 199

6 O BORDADO QUE SURGE: INTERPRETAÇÃO E CONCLUSÕES ..... 205

6.1 AS DIMENSÕES DA REMA............................................................................ 206


6.1.1 A dimensão educativa......................................................................................... 206
6.1.2 A dimensão política............................................................................................. 210
6.1.3 A dimensão comunitária...................................................................................... 214
6.2 O FIO DA NAVALHA: RELAÇÕES ENTRE A PESQUISADORA E A
REMA ................................................................................................................ 217
x

6.3 O ACABAMENTO DE UM BORDADO SOCIAL .......................................... 220


6.3.1 A emergência da REMA e os espaços sociais no Riacho Fundo........................ 221
6.3.2 A escola e a comunidade..................................................................................... 224
6.3.3 As redes e as políticas públicas para a gestão sócio-ambiental........................... 229
6.3.4 Os limites da experiência da REMA no contexto da modernidade 232
contemporânea....................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................... 236

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................. 241

ANEXOS ........................................................................................................... 245

Anexo 1 Projeto da REMA (Parte II)......................................................... 246


Anexo 2 Primeiro Curso de Extensão.......................................................... 255
Anexo 3 Segundo Curso de Extensão.......................................................... 256
Anexo 4 Questionário 01 – Professores da Escola Classe “Olho d’Água”. 257
Anexo 5 Roteiro de Entrevistas – Comunidade do Riacho Fundo.............. 258
Anexo 6 Carta Convite – Apresentação da REMA Riacho Fundo (2003).. 265
Anexo 7 Folder – 1º. Seminário da REMA (2004)...................................... 266
Anexo 8 Cartaz do evento – 1º. QUALIVIDAS – Riacho Fundo............... 268
xi

LISTA DE QUADROS

Quadro 1.1 Naturalidade da População Urbana Residente - Riacho Fundo................ 18

LISTA DE FIGURAS

Figura 1.1 Mapa das Regiões administrativas do Distrito Federal............................ 17


Figura 1.2 Desenho de aluno da 1ª.série de escola pública do Riacho Fundo............ 43
Figura 1.3 Redação de aluna da 4ª. série de uma escola pública do Riacho Fundo.... 44
Figura 1.4 Redação de aluno da 4ª. série de escola pública do Riacho Fundo............ 44
Figura 1.5 Foto do Parque Ecológico do Riacho Fundo (2003).................................. 49
Figura 1.6 Foto do Parque Ecológico do Riacho Fundo - em frente a uma das
escolas locais (2004).................................................................................. 50
Figura 4.1 Foto do parque infantil da Escola Olho d’Água......................................... 151
Figura 4.2 Vista dos prédios da Escola Olho d’Água.................................................. 152
Figura 4.3. Desenho de aluno da 1ª. série sobre o Parque Ecológico do Riacho
Fundo (2002).............................................................................................. 157
Figura 4.4 Foto do córrego do Riacho Fundo Trilha Ecológica (2003)...................... 162
Figura 4.5 Foto da entrevista com carroceiros locais durante a Trilha Urbana
(2003)......................................................................................................... 163
Figura 5.1 Foto do grupo de professores durante a realização da Trilha Urbana no
Riacho Fundo II (1º. Curso de Extensão, maio de 2003)........................... 170
Figura 5.2 Foto da REMA (reunião em julho de 2003)............................................... 174
Figura 5.3 Foto do encontro no Pró-Rural/EMATER-DF (2º. Curso de Extensão,
novembro de 2003...................................................................................... 179
Figura 5.4 Foto da REMA (reunião em dezembro de 2003)....................................... 181
Figura 5.5 - Foto da área externa da Cooperativa 100 Dimensão (2004)...................... 183
Figura 5.6 Foto tirada em reunião da REMA (junho de 2004).................................... 185
Figura 5.7 Foto tirada durante o evento de abertura do Projeto de Educação
Ambiental na escola Ipê Riacho Fundo II (abril de 2004)......................... 192
Figura 5.8 Foto tirada em frente ao stand da REMA durante o evento 1º.
QUALIVIDAS, Riacho Fundo II ( junho de 2004)................................... 194
Figura 5.9 Foto tirada durante 1º. Seminário da REMA (agosto de 2004).................. 202
xii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APAs Áreas de Proteção Ambiental


ARIEs Áreas de Relevante Interesse Ecológico
CAESB Companhia de Água e Esgoto de Brasília
COEA/MEC Coordenação de Educação Ambiental do Ministério de Educação
COMPARQUES/DF Comissão de Parques do Distrito Federal
DEA/MMA Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente
EAPE Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação
EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
GDF Governo do Distrito Federal
GRE/NB Gerência Regional de Ensino do Núcleo Bandeirantes
IDA Instituto para o Desenvolvimento Ambiental
ONGs Organizações Não Governamentais
REA-DF Rede de Educação Ambiental do Distrito Federal
REMA Rede de Educação e Meio Ambiente
SE/DF Secretaria de Educação do Distrito Federal
SEMARH/DF Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Distrito
Federal
UCB Universidade Católica de Brasília
xiii

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa insere-se no contexto das ações de gestão e educação sócio-ambiental


em torno dos recursos hídricos da sub-bacia hidrográfica do Riacho Fundo, Distrito Federal,
que vem sendo realizadas pelo Programa de Educação Ambiental e Ecologia Humana da
Faculdade de Educação e do Núcleo de Gestão e Educação Ambiental do Centro de
Desenvolvimento Sustentável, ambos da Universidade de Brasília, desde o ano de 2001.
Como produto deste processo de gestão junto às escolas públicas, surgiu uma rede
social voltada para as questões ambientais locais, chamada Rede de Educação e Meio
Ambiente do Riacho Fundo – REMA Riacho Fundo.
O objetivo desta tese é analisar o processo de formação e implementação desta rede
buscando identificar:

1. As condições de possibilidade que tornam possível a emergência de uma rede solidária


voltada para ações de educação e gestão sócio-ambiental e,
2. Os princípios metodológicos que regem a elaboração de um saber ambiental sobre a
realidade sócio-ambiental local dentro desta rede.

Como eixos de reflexão, esta pesquisa porta duas hipóteses importantes:

1. As redes solidárias re-configuram a relação espaço-tempo, vigente na cultura


contemporânea, ao serem espaços de acolhimento da alteridade. Dessa forma as redes
solidárias podem ser vistas como espaços emergentes da communitas, e,
2. As relações de dependência e domínio entre os indivíduos têm como um de seus
constituintes a fragmentação do saber. Nas redes solidárias, devido a seu caráter não
hierárquico e descentralizado, a articulação dos saberes e conhecimentos é condição
necessária para a gestão partilhada. Nesse sentido, ao fazerem isso, as redes solidárias
operacionalizam as condições de possibilidade para que ocorra a dissolução da
assimetria do poder - expressa no domínio que um indivíduo exerce sobre o outro em
função dos saberes envolvidos – contribuindo na promoção da possibilidade de uma
nova qualidade de relação social que aponte para a justiça social.
xiv

As redes se apresentam atualmente como uma realidade social. Há redes de todos os


tipos, congregando diversidades culturais e políticas, ao mesmo tempo em que apresentam
finalidades distintas e modos diferenciados de atuação social e política.
A presente pesquisa procura evidenciar o caráter transformador de um tipo específico
de rede, a rede solidária, que atuando cooperativamente sob o manto de um núcleo ético-
valorativo comum, voltado para questões sócio-ambientais locais e para a organização e
participação comunitária, constitui-se numa comunidade, isto é, cria laços comunitários de
responsabilidade e pertencimento entre seus membros e parceiros.
O caráter transformador dessa rede reside na possibilidade de se colocar como ruptura
às relações sociais da modernidade contemporânea, marcadas pela volatilidade e
irresponsabilidade dos laços intersubjetivos. Esta fluidez e negligência estão ancoradas nos
conceitos de diferença e tempo, que matizam os discursos sociais e políticos da
contemporaneidade.
A chamada crise da modernidade se dá na alteração da relação social com o tempo e
na negação das alteridades radicais, onde a perda da duração do tempo acarreta a
obsolescência dos espaços e dos vínculos sociais de pertencimento a grupos e territórios que,
somada à negação das alteridades, fluidifica o devir e homogeneíza o tecido social.
Nesta impossibilidade do devir e na banalização dos territórios encontramos os
conflitos sócio-ambientais – dados a partir das necessidades de um mercado globalizado que
opera na lógica instrumental, tecno-científica e econômica, a qual nega peremptoriamente as
alteridades mundanas, tendo se tornado um princípio, dada sua influência na vida social e
política, privada e pública.
A análise de como uma rede pode se apresentar como um espaço diferenciado para as
relações sociais se faz pertinente ao se refletir sobre o potencial revolucionário de tal
ocorrência. Este potencial reside na perspectiva aberta por esse tipo de rede de se colocar
como um projeto realizável de organização popular onde as identidades sociais coletivas
podem ser fortalecidas, colocando-se em situação mais favorável nas arenas dos debates e
disputas abertas pelo mercado e o Estado em torno de questões sociais e ambientais.
Dessa maneira, analisar a formação dessa rede pode contribuir para as discussões em
torno das sustentabilidades social e ecológica, na medida em que a mesma insere-se no espaço
da educação ambiental e apresenta um modo relacional que se contrapõe às relações sociais
xv

da modernidade contemporânea estabelecidas nos princípios de individualização e


competição.
Como metáfora de elaboração desta tese adotei a idéia de um bordado, o bordado de
uma rede. Não um bordado solitário, mas como será possível perceber, um bordado feito a
várias mãos.
Dessa maneira, esta tese divide-se em seis capítulos, entre o referencial teórico, a
pesquisa de campo, a análise e conclusões.
O capítulo 1 procura descrever o contexto urbano do Riacho Fundo onde a REMA
surgiu, discutindo as relações entre natureza, sociedade e ambiente e revisitando o conceito de
comunidade, referência fundamental na estrutura da tese.
O capítulo 2 descreve teoricamente as relações entre a alteridade, a ética e a educação,
procurando propor uma prática educativa referenciada pela alteridade que possa ser
compreendida como uma educação para a responsabilidade, ou seja, eticamente referenciada.
O capítulo 3 aborda a educação nos processos de gestão sócio-ambiental e as redes
sociais solidárias. O objetivo deste capítulo é trazer para o campo ambiental a proposta da
prática educativa referenciada pela alteridade e ao mesmo tempo, introduzir o conceito de
rede solidária apresentando algumas de suas características fundamentais.
Este capítulo pretende ser, em primeira aproximação, uma síntese dos capítulos
anteriores, buscando articular os conceitos discutidos.
Os capítulos 4 e 5 são dedicados à pesquisa de campo, sendo que no primeiro é
apresentada a metodologia de pesquisa adotada - a pesquisa –ação, os instrumentos de coleta
de dados, assim como os primeiros momentos da pesquisa que fundamentam o contexto de
surgimento da REMA. O capítulo 5 é dedicado exclusivamente à descrição e análise parcial
da formação e implementação desta rede.
O capítulo 6 é dedicado à conclusão da análise, apresentando as três dimensões
identificadas na REMA – educativa, política e comunitária, assim como uma avaliação da
minha influência na formação da rede.
Ainda neste capítulo são tecidas as considerações finais e recomendações.
16

1. INICIANDO UM BORDADO: O TECIDO SÓCIO-AMBIENTAL.

Fui ao Riacho Fundo hoje. Laís me chamou para participar do 1º.


Fórum Ambiental do Riacho Fundo. Errei a entrada da cidade. Tinha que
entrar no balão do Corpo de Bombeiros, mas acabei passando direto e tive
que retornar. Não vi áreas verdes, a não ser uma mata no fundo da cidade e
para além dessa mata, havia mais construções.
A maioria das construções da cidade são casas baixas. O Riacho
Fundo tem uma rua principal onde se localiza o comércio, que pelo que vi, é
simples, constituído de serviços básicos.
O auditório da administração regional estava cheio. Quando cheguei,
um técnico da CAESB estava falando sobre a estação de tratamento de
esgoto que fica no Riacho Fundo e a qualidade da água do córrego. A
participação do grupo era grande, principalmente daqueles que são usuários
diretos da água do córrego, como os agricultores locais.
O Fórum foi organizado com o apoio da Universidade de Brasília,
através do Programa de Ecologia Humana da Faculdade de Educação e
discutiu principalmente as condições do córrego do Riacho Fundo. Contou
com as participações da SEMARH, da COMPARQUES, da CAESB, da
UCB, associações, cooperativas e ONG’s locais. O objetivo do Fórum era
constituir um comitê comunitário do Riacho Fundo baseado no modelo de
comitê de bacias.
Ao final do evento, algumas pessoas se propuseram a formar o
comitê e deram seus nomes.
Diário de Pesquisa (15/06/2002)

Inicialmente, o Riacho Fundo era uma área rural que abrigava colônias agrícolas e uma
Granja Modelo para o abastecimento de Brasília nos primeiros tempos da existência da
cidade, mas transformou-se em área urbana na década de 90, assentando até o ano 2000, mais
de 37.000 habitantes. Hoje, apenas 5% da população local é rural. O lugar transformou-se em
região administrativa do Distrito Federal em 1993. O crescimento urbano acelerado na região
17

causou tremendo impacto no meio ambiente local, em especial ao corpo hídrico do córrego
Riacho Fundo, uma vez que a falta de infra-estrutura de saneamento contribuiu muito para
sua poluição, por meio do carreamento do lixo no período das chuvas, da liberação de
efluentes domésticos e do uso de fertilizantes nas lavouras locais. A pressão urbana sobre o
córrego, no entanto, não se restringe à ação exclusiva desta cidade, pois às margens deste
córrego, vivem mais de 80.000 habitantes - moradores do Riacho Fundo, Candangolândia e
Núcleo Bandeirante.

Figura 1.1 – Mapa das Regiões administrativas do Distrito Federal.


IN: http://www.zoo.df.gov.br/diel/mapdf.htm (acessado em 20/02/2005)

Riacho Fundo Plano Piloto Lago Paranoá

O fato da ocupação do solo de Brasília, nos últimos 15 anos, ter acarretado grandes
problemas sócio-ambientais não é novidade. A questão fundiária e a ocupação irregular do
solo no Distrito Federal já foi manchete de noticiários nacionais expondo a realidade das
18

grilagens de terras públicas1, do surgimento de condomínios irregulares e do crescimento


demográfico da cidade incentivado pelos programas habitacionais de assentamento urbano
criando ondas migratórias – centenas de famílias, a maioria de baixa renda, em busca de
condições melhores de vida. Formaram-se do dia para noite “micro-zonas” de pobreza,
homens e mulheres vindos de outras invasões, de outros assentamentos, de barracos de fundo
de quintal, trazidos por parentes que também receberam lotes do governo local. Ao mesmo
tempo, uma classe média cada vez mais empobrecida foi sendo empurrada para fora das áreas
nobres de Brasília, vendo nesses novos loteamentos a oportunidade de comprar sua casa
própria, alimentando a especulação imobiliária local.

Quadro 1.1 - Naturalidade da População Urbana Residente - Riacho Fundo


Fonte: CODEPLAN/GDF – Pesquisa Domiciliar Transporte - 2000

Estado População % Estado População %


Acre 00 0,00 Paraná 127 0,34
Alagoas 275 0,74 Pernambuco 1.028 3,23
Amapá 31 0,08 Piauí 2.544 6,81
Amazonas 00 0,00 Rio de Janeiro 257 0,69
Bahia 1.829 4,89 Rio Grande do Norte 683 1,83
Ceará 1.914 5,12 Rio Grande do Sul 62 0,17
Distrito Federal 17.889 47,86 Rondônia 63 0,17
Espírito Santo 121 0,32 Roraima 00 0,00
Goiás 2.529 6,77 Santa Catarina 00 0,00
Maranhão 2.578 6,90 São Paulo 302 0,81
Mato Grosso 102 0,27 Sergipe 99 0,26
Mato Grosso Sul 00 0,00 Tocantins 272 0,73
Minas Gerais 2.764 7,39 Estrangeiro 92 0,25
Pará 314 0,84 Paraíba 1.323 3,54
Total 37.378 100,00 - - -

1
Um exemplo da notoriedade da questão das grilagens de terras públicas no Distrito Federal é a reportagem da
Revista Época (edição 235, 18/11/2002). Segundo a reportagem: “Embora vitorioso nas eleições, o governador
do Distrito Federal, Joaquim Roriz, saiu das urnas com a reputação em frangalhos e o mandato em risco. (...) A
maior fonte de dor de cabeça para o governador, eleito para o quarto mandato, reside num processo sobre
grilagem de terras públicas no Distrito Federal que corre na Justiça há meses. Para impedir a divulgação de
reportagens sobre o caso, Roriz chegou a censurar o jornal Correio Braziliense durante a campanha eleitoral. (...)
Sabe-se que a maioria das provas foi obtida em agosto, quando um pequeno episódio abriu um conflito de
grandes proporções entre Roriz e a turma da grilagem. O motivo da crise foi uma disputa em torno de mais um
condomínio irregular que Pedro Passos estava implantando em uma das regiões mais nobres de Brasília, o Lago
Sul, em parceria com o irmão, Márcio, e o advogado Salomão Szervinski, outro conhecido grileiro da capital
federal. Valorizada pela construção de uma ponte por Roriz, a área de 221 hectares é avaliada no mercado
imobiliário em R$ 400 milhões. Os lotes do condomínio já estavam sendo comercializados quando Eri Varela,
presidente da Terracap, a companhia imobiliária de Brasília, decidiu impedir sua implantação. (...) Márcio
Passos ficou revoltado com a ação da Terracap. Prometeu fazer denúncias contra o governo do Distrito Federal e,
como prova de suas intenções, divulgou pela imprensa um vídeo em que um secretário de Roriz cobra propina
para legalizar um loteamento clandestino.”
19

As áreas delimitadas para os assentamentos são espaços roubados ao cerrado, cerrado


que desaparece e que para muitos, senão a maioria, nunca existiu – era apenas um espaço
“vazio”, uma “terra de ninguém”. No caso da sub-bacia hidrográfica do Riacho Fundo, no
período que vai de 1964 a 1995 a cobertura vegetal original foi reduzida em mais de 75%.
O ambiente sócio-econômico é construído pelo ser humano em contraposição a uma
idéia de natureza que não tem valor em si. Esse espaço do cerrado, quando visto como espaço
"vazio", o é apenas no olhar sócio-econômico, que não vê significado e valor na natureza em
si, mas somente na natureza enquanto uma potencialidade futura - essa dada em geral pela
possibilidade de transformar aquele espaço "vazio" em espaço domesticado/urbanizado.
Natureza pode não ser tão fácil de definir como se supõe. Os antigos gregos se
perguntavam sobre a natureza das coisas, sobre o “ser” das coisas, sobre a essência. Mas terá
a natureza um “ser” em si? Qual a natureza da natureza? Existe natureza fora do conceito de
natureza? Afinal, ela existe independente do homem e da mulher, ou melhor, ela existe
independente da cultura? O que são ambientes naturais? É possível estabelecer uma linha
demarcatória entre meio ambiente natural e meio ambiente construído?

1.1 NATUREZA, AMBIENTE E SOCIEDADE – RELAÇÕES DESENCANTADAS

A natureza originária que foi revelada e trazida à palavra pelos gregos foi
mais tarde, através de poderes estranhos, des-naturada. Uma vez pelo
cristianismo, com o qual a natureza foi, em primeiro lugar, depreciada ao
[nível de] “o criado”, e ao mesmo tempo foi trazida para uma relação com a
super-natureza (o domínio da graça). Depois [foi desnaturada] através da
moderna ciência natural, que dissolveu a natureza para a órbita da ordem
matemática do comércio mundial, da industrialização, e, num sentido
particular, da tecnologia das máquinas. [....]. Do mesmo modo, devemos por
de lado a moderna noção de natureza, na medida em que temos uma em
geral, em que se fala de ribeiros e de águas.
(Martin Heidegger)

A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.
(Manuel Bandeira)
20

O olhar humano toca, define, delimita, classifica, deseja, constrói. Como uma lente,
projeta e potencializa o que vê; aumenta ou diminui, mas pode também não ver o que olha...
Mesmo o olhar contemplativo sobre a natureza é prenhe de significados, simbolismos e
interesses: prover bem-estar, sentir-se parte, sentir-se integrado, voltar às raízes.
Em sussurros simbólicos e românticos, o desejo de “natureza” nos transporta para
cenários de campos, parques preservados, águas abundantes e limpas, animais selvagens e
livres. Esse transporte nos liga ao nosso ser animal, ao nosso grito de espécie, à nossa
sobrevivência. Ainda que mergulhado em romantismo, grito necessário de vitalização humana
frente às agruras da permanente azia cotidiana - queremos estar lá, saudáveis, risonhos e bem
alimentados. Porque o cotidiano está longe do cenário imaginado - a azia queima no estomago
da humanidade: a fome, a miséria, as guerras, o lixo que se acumula, os rios que sucumbem
secos e erodidos, as espécies que se extinguem, a correria e o barulho das cidades, o abandono
dos campos. Sentimos hoje, o que sentia o poeta inglês William Blake no século XVIII, ao se
perguntar se seria possível construir Jerusalém em meio aos sujos e satânicos moinhos.
Mas quando nos transportamos a este “paraíso natural”, o fazemos na perspectiva de ir
ao encontro de algo do qual não tomamos parte. Não fazemos parte dessa natureza. Está fora
de nós. Existe para nos servir, para ser dominada, para que nos alimente – seja de comida,
“paz de espírito”, ou provendo cenários idílicos.
De alguma forma, desejamos ser possível “regressar” à natureza, retroceder o tempo,
pará-lo. Mas tanto o regresso à natureza, quanto a sua conquista, “são as mais sociais das
idéias sociais”. (Morin, 1999, p.91)
Perceber o ser humano como espécie animal que existe num certo ecossistema é
percebê-lo na natureza. Porém essa idéia de natureza não é platônica, um ideal de
intocabilidade desconectado da ação humana - ela é construída e re-construída no mundo
humano, por meio da linguagem, da cultura e das relações sociais.
À exemplo de outras espécies, as sociedades humanas desde seu surgimento sempre
fizeram parte dos ecossistemas, modificando-os na sua interação, seja pela cadeia alimentar,
seja pela disseminação de frutos e sementes coletadas ou seja pela ação do fogo -
transformando, mesmo que pontualmente, as paisagens. Essa transformação traz em si
características simbióticas e parasitárias, fenômenos biológicos naturais da emergência e
manutenção da vida. Com o advento das sociedades históricas e o ajuntamento de populações
humanas em cidades a relação entre o homem e a natureza se transforma sobremaneira com a
21

exarcebação do domínio e controle dos ecossistemas em que vive. No caso dessas sociedades,
os fenômenos biológicos adquirem contornos diferenciados: o parasitismo se reveste de
subjugação generalizada da natureza, alterando as cadeias tróficas, expandindo as fronteiras
do seu território, redimensionando a própria vida.
Esta eco-relação2 (homem-natureza) foi construída ao longo de milhares de anos,
primeiro como relação integrada – respeitar o mistério e o desconhecido que a “natureza”
mostrava à humanidade que acabava de nascer. Assim, buscar alimento (pescar, coletar),
buscar proteção contra o frio e a chuva são as ações principais. Neste estágio, o conhecimento
da natureza se dá pelo mito e sua forma de conhecer é a mimese que busca aproximar o
homem dessa natureza tão misteriosa e por vezes, assustadora. Depois esta relação
transforma-se em relação domesticadora – o ser humano passa a plantar e criar animais,
construir abrigos, complexificando sua sociedade. Nesse estágio, apesar dessas ações ainda
possuírem a finalidade de prover as necessidades básicas da sobrevivência, o conjunto dessas
necessidades é ampliado - a população humana cresce e sua intervenção no ambiente passa a
ser mais intensa. A cultura se desenvolve retroagindo na sociedade e na natureza gerando
novas emergências. As relações ambiente-sociedade transformam-se radicalmente e surgem
as civilizações. Com a civilização ocidental inicia-se a separação das cosmologias mítico-
pagãs, para na Idade Média, ser adotado o amálgama filosofia-fé (cristã) como entendimento
do mundo.
Para o homem da Idade Média o mundo é uma criação divina. É importante explicitar o
caráter “externo” do Deus judaico-cristão nesta criação. Deus não reside no mundo. Ele o cria
de fora. Assim, Deus não reside na natureza. A natureza não é uma criação espontânea, mas
sim obra da bondade divina. Deus passa a ser a causa de todos os movimentos, ou, melhor
dizendo, o princípio de todas as coisas.
Mesmo que homens e mulheres na Idade Média possuíssem idéias sobre a criação do
mundo que diferissem da tradição judaico-cristã, o mundo continuava a ser de alguma forma
uma criação divina. Um bom exemplo dessa cosmogonia é o pensamento de Menocchio, um
moleiro italiano que viveu nos meados do século XVI e que foi levado à Inquisição. Por ser
um relato de uma época que consideramos o início da era moderna, traz por um lado, a força

2
Para maior aprofundamento do conceito de eco-relação, cf. Morin, 1999, primeira parte, p.21-94. “Vemos que
as sociedades, inclusive e sobretudo as nossas, são entidades geo-eco-bio-antropológicas e que os ecossistemas,
inclusive e sobretudo na nossa época, são também antropo-socio-ecológicos. Já não há natureza pura, e nunca
houve sociedade pura.” (p.75).
22

de um pensamento ainda enraizado na tradição medieval, ao mesmo tempo em que deixa


transparecer as mudanças que se avizinhavam – para Menocchio, o mundo é criação divina,
mas também, em algum momento inicial, um caos de onde a própria divindade surge.

Eu disse que segundo meu pensamento e crença tudo era um caos, isto
é, terra, ar, água e fogo juntos, e de todo aquele volume em movimento se
formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito de leite, e do qual
surgem os vermes, e esses foram os anjos. A santíssima majestade quis que
aquilo fosse Deus e os anjos, e entre todos aqueles anjos estava Deus, ele
também criado daquela massa, naquele mesmo momento e foi feito senhor
com quatro capitães: Lúcifer, Miguel, Gabriel e Rafael. O tal Lúcifer quis se
fazer de senhor, se comparando ao rei, que era a majestade de Deus, e por
causa dessa soberba Deus ordenou que fosse mandado embora do céu com
todos os seus seguidores e companhia. Esse Deus, depois, fez Adão e Eva e
o povo em enorme quantidade para encher os lugares dos anjos expulsos.
(Relato de Menocchio ao Inquisidor em 7/2/1584 In: Ginzburg, 1987, p.47)

No período moderno, a cosmologia medieval, ancorada na tradição judaico-cristã, sofre


abalos estruturais: Deus é deposto de sua posição privilegiada: os homens modernos através
do conhecimento científico e do domínio dos processos naturais, colocam-se em posição
externa à natureza – a qual dominam e são capazes de prever e criar novos processos,
identificando-se dessa forma a externalidade divina. Deus é substituído pelas leis naturais e
pela tecnociência que se desenvolve rapidamente. Os homens desencantam o mundo por meio
de uma razão instrumental3.
Com o pensamento científico moderno, que vigora a partir do século XVII no ocidente,
principalmente com os trabalhos de Descartes, define-se uma linha divisória entre o homem e
a natureza. A natureza é postulada como estando sempre presente à subjetividade humana e

3
Max Weber foi o primeiro a relacionar o surgimento da modernidade com a predominância de um tipo
específico de ação, denominada "ação racional com relação a fins”. Segundo este autor, um indivíduo age
racionalmente com relação a fins quando “(...) orienta sua ação pelos fins, meios e conseqüências secundárias,
ponderando racionalmente tanto os meios em relação às conseqüências secundárias, assim como os diferentes
fins possíveis entre si: isto é, quem não age nem de modo afetivo (e particularmente não-emocional) nem de
modo tradicional”.(Weber, 2000, p.16). A Escola de Frankfurt, principalmente Adorno, Horkheimer e Habermas,
irá resgatar este conceito weberiano tecendo discussões sobre a sociedade industrializada, descrevendo a
racionalidade ocidental como sendo a instrumentalização da razão, isto é, a idéia de que a ciência deixa de ser
um modo de obtenção de conhecimentos verdadeiros para se transformar em instrumento de dominação e
exploração.
23

sua presença é assegurada através do cálculo matemático, que pode medi-la e calculá-la. Com
a ciência moderna, a natureza torna-se objeto do conhecimento empírico-racional, visão essa
aprofundada em Descartes, onde natureza é res extensa, sendo a extensividade uma grandeza
matemática. A natureza torna-se objeto, não de simples contemplação, mas de encaixe num
arcabouço conceitual que determina a forma pela qual ela pode se apresentar diante do sujeito.
Não existe mais a árvore, o homem e a mulher, os animais, as rochas, as águas, mas
aglomerados de átomos e moléculas, fluxos de seiva, sangue e reprodução, especificidades e
grandezas nascidas das teorias e que são descritas pela lógica matemática, por meio de
equações e axiomas.
O conhecimento empírico-racional é na verdade empírico na medida em que a
“natureza” corrobora os modelos teóricos descritos – isto é, o privilégio é da razão, não ao
contrário. O processo de demarcação de validade de várias teorias científicas da época foi
marcado pelo jogo de criação de novos conceitos, muitas vezes hipóteses ad hoc para salvar
arcabouços teóricos que não se sustentariam se colocados à prova por meio de experimentos.
Um dos exemplos que podemos lançar mão é a introdução do atrito como conceito para
salvaguardar a razoabilidade da nova dinâmica que Galileu propunha. Como nos diz
(Feyerabend, 1989, p.225):

Vimos também que esta ciência [a dinâmica] foi ameaçada por


eventos passíveis de observação. Para conjurar o perigo, Galileu introduz o
atrito e outros elementos perturbadores e, recorrendo a hipóteses ad hoc,
trata-os como tendências definidas antes pela discrepância óbvia entre fato e
teoria do que como eventos físicos explicados por uma teoria do atrito, a
favor da qual provas novas e independentes poderiam vir algum dia a ser
descobertas. (Esta teoria só surgiu muito mais tarde, no século XVIII).
Nesses termos, a concordância entre a nova dinâmica e a idéia de
movimento da Terra, concordância que se vê acentuada por Galileu, graças a
seu método de anamnese, faz com que ambas se afigurem mais razoáveis.

O privilégio da mente (res cogitans) sobre a matéria (res extensa) virá determinar um
modo de dominação sobre a natureza que a desqualifica enquanto identidade própria uma vez
que descarta sua singularidade em prol das variáveis mensuráveis e relevantes ao arcabouço
teórico. Como dizem Adorno e Horkheimer (1985, p.24):
24

O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a


alienação daquilo sobre o que exercem o poder. (...) O homem de ciência
conhece as coisas na medida em que pode fazê-las. É assim que seu em-si
torna-se para-ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como
sempre a mesma, como substrato da dominação. Essa identidade constitui a
unidade da natureza.

É no período moderno que se inicia um novo tipo de eco-relação, estabelecida a partir


da revolução técnico-científica e sóciopolítica, no amplo processo da industrialização e da
urbanização – a relação de dominação produtiva que busca a produção de excedentes, a
produção de novas necessidades e o lucro.
A ciência moderna servirá aos propósitos de emancipação individual frente ao mundo e
avalizará as ações de intervenção e transformação levadas a cabo no tecido sócio-ambiental.
A teoria evolucionista de Darwin, reforça esse movimento, colocando a espécie humana no
ápice da cadeia evolutiva na qual o homem branco, ocidental e europeu ocupa lugar de
destaque. A natureza passa a ser vista como cenário onde se desenrolam as batalhas pela
sobrevivência, onde o mais forte vence o mais fraco. A natureza conquistada é posta a serviço
da produção, o que evidencia a forte conjugação entre o paradigma científico moderno e as
aspirações econômicas e políticas da sociedade desde o século XVII até os dias de hoje.

A produção é a interação do homem e da natureza (...). O homem, sob


o nome de mão-de-obra, e a natureza, sob o nome de terra, foram colocados
à venda. A utilização da força de trabalho podia ser comprada e vendida
universalmente, a um preço chamado salário, e o uso da terra podia ser
negociado a um preço chamado aluguel. (Polanyi, 2000, p.162)

Mesmo com o advento de novas teorias científicas, no início do século XX, tais como a
mecânica quântica e os sistemas caóticos, que reaproximam o sujeito do objeto na produção
do conhecimento, ainda persiste a soberania do logos cartesiano na relação, que reduz o
sujeito e encobre o objeto, anulando ambos.

(...) a dominação universal da natureza volta-se contra o próprio


sujeito pensante; nada sobra dele senão justamente esse eu penso
eternamente igual que tem que poder acompanhar todas as minhas
25

representações. Sujeito e objeto tornam-se ambos nulos. O eu abstrato, o


título que dá o direito a protocolar e sistematizar, não tem diante de si outra
coisa senão o material abstrato, que nenhuma outra propriedade possui além
da de ser um substrato para semelhante posse. (Horkheimer e Adorno, 1985,
p.38)

Essa situação é tanto mais grave se observarmos a atualidade científica onde a


biotecnologia, em especial, a manipulação genética, destitui a natureza de seu papel ativo na
reprodução das espécies, colocando a vida e a natureza no foro da tecnociência e com isso
abrindo a perspectiva da eterna reprodução do mesmo.
Mas a dominação não se dá, de forma alguma, num único sentido. A relação
sociedade-natureza traz em si o duplo sentido evidenciado por Morin (1999, p.70) ao dizer
que “as variações ecológicas provocam gelo, seca, inundações que determinam desastres e
fome, as quais suscitam crises, guerras e invasões. Assim a sociedade humana não escapa a
eco-relação . Quanto mais o homem possuir a natureza mais esta o possui.”
Ao longo do século XX, este duplo sentido emergiu com força, na medida em que a
relação de dominação produtiva mantida entre a sociedade humana e a natureza atingiu
patamares que comprometem a própria sobrevivência da ecosfera. A partir da segunda metade
do século, várias pesquisas vem sendo realizadas (Hardin, 1968; Meadows, 1972; Shiva,
1988; Carson, 1997; Ehrlich e Ehrlich, 1997), sobre a qualidade de vida e a degradação
ambiental apontando os níveis crescentes de poluição e alertando a sociedade para as
implicações da tecnociência no meio ambiente. A degradação ambiental em que vivemos,
como diz Leff (2001, p.17) “se manifesta como sintoma de uma crise da civilização, marcada
pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão
tecnológica sobre a organização da natureza.”
A natureza no mundo moderno e ocidental é uma idéia que carrega em si a estranheza
de ser posta como antítese à própria cultura que a cria e recria: a cultura é tida como superior
aos “instintos naturais” do homem e à natureza em geral. Homens e mulheres civilizados são
aqueles que dominam seus instintos, suas pulsões, o imprevisível. Essa necessidade de por
rédeas nos instintos e na natureza onde reina a “lei da selva”, onde o “homem é o lobo do
homem” incentiva a emergência da ordem na vida social, da lei e do Estado moderno.
26

Os discursos ambientalistas contemporâneos tendem a buscar uma unidade entre o ser


humano e a natureza: a natureza faz parte do homem e o homem faz parte da natureza, como
se essa idéia pudesse salvar a natureza de sua destruição e com isso salvar o próprio homem.
Nas palavras de Souza (1996, p.154), “ (...) a Natureza somente seria salvável, se o ser
humano a sentisse como a si mesmo, na indeterminação do ser indiferenciado. Unidade
significa aqui indeterminação, in-separação, con-fusão.”
Nesses discursos somos também chamados a rever nossa relação com o meio ambiente
e a natureza. Cabe, no entanto, refletir o que significa relação nestes discursos. Uma relação
se estabelece, no mínimo, entre dois - seres, entes, coisas. Para além da idéia de relação como
simples comparação, por sinonímias ou antíteses, a relação aqui chamada nos discursos
implica em ações e reações, dependências e autonomias, entre a sociedade e o ambiente, ou
seja, a própria construção que fazemos do ambiente e da sociedade que, apesar de
mutuamente implicados, possuem suas singularidades. Por isso, apesar dos discursos
ambientalistas chamarem para a unidade entre a natureza e a humanidade, a sociedade e o
ambiente, seja pelo enraizamento biológico e físico do qual todas as espécies fazem parte, seja
pela linguagem e cultura que não só mediatizam essas relações, mas são em si seus produtos,
é necessário admitir a separação que existe entre o outro (natureza, ambiente) e nós
(humanos) para que uma relação se estabeleça e, com isso, emerja uma linguagem e diálogo
próprios. É óbvio que este diálogo não é conversar com uma árvore, por exemplo, (ainda que
em certas ocasiões isso possa ocorrer), mas a comunicação que mediatiza toda e qualquer
relação entre dois, e que embora linguagem e, portanto cultura, não prescinde da visão perante
um “outro” que não se reduz aos construtos simbólico-racionais. É exatamente esta
impossibilidade que delimita a nossa separação e que permite que a comunicação não só se
estabeleça, mas acima de tudo, se faça necessária para nós seres humanos.
Sem esta separação, arbitrária para muitos, não há uma relação real, pois não emerge
nenhuma comunicação nova e própria, mas variações sobre um mesmo tema, relações que
reeditamos e reelaboramos sobre o outro, invariavelmente reduzido a algo que a consciência
humana pode compreender totalmente, seja o objeto desinfetado de valores, emoções,
simbolismos, de tudo o que não é mensurável ou que não se adequa aos arcabouços teórico-
científicos aceitos pela tecnociência moderna, seja um outro tipo de objeto, que englobando
tudo peca por não deixar de fora um outro qualquer para com quem a comunicação se faria
necessária. Esta separação é uma distinção, ou seja, separados pela diversidade, ainda que esta
27

diversidade, no caso da relação sociedade-ambiente, seja comum a todos. Em ambas as


relações, não há rupturas significativas com a cultura moderna, apenas uma roupagem mais
sofisticada. Se no primeiro caso a cultura moderna encaminha uma ética utilitarista frente ao
ambiente e à natureza, no segundo o que vemos é uma ética ingênua, quase infantil, onde
normas e regras gerais de um bom comportamento, o chamado “ecologicamente correto” em
relação ao meio-ambiente e a natureza é esperado por parte dos indivíduos humanos.
Esta confusão a que alude Souza (1996) é a substituição de uma leitura complexa onde
as dependências e autonomias vividas no mundo da vida são substituídas por uma idéia de
constituição intrínseca, um holismo que tudo abarca e explica. Isso perpetua, ainda que com
outras intenções iniciais, a relação de dominação produtiva que marca o período moderno
pós-revolução industrial – a temática ainda é a da dominação do homem sobre a natureza,
englobando-a em esquemas conceituais que pretendem ser explicadores do mundo na sua
totalidade.
Esta tentativa de englobar a natureza em um esquema conceitual/valorativo/simbólico
que explica e prevê tudo é uma totalização, isto é, uma negação da distinção do outro, seja
este outro um outro ser humano, seja uma outra espécie. Isso nada mais é que a negação das
alteridades e como conseqüência a negação da possibilidade de uma comunicação nova, pois
se o outro sou “eu” ou o “mesmo”, que comunicação pode ocorrer entre nós? Talvez um
monólogo, jamais um diálogo fomentador de uma nova linguagem e conseqüentemente uma
nova cultura, e então, a idéia de variação sobre um mesmo tema se faz esclarecida.

“O que daí advém é uma visão totalizante da Natureza,


aparentemente mais saudável, uma ampla combinação de elementos (entre
os quais se encontra o ser humano) que se configuraria em um todo
igualitário composto pelos elementos inanimados, fauna e flora, cada um
destes universos com voz própria e ativa. Compõe-se então um grande
painel onde todos falam a mesma língua, onde a expressão “respeito pela
natureza” assume uma centralidade significativa e está à disposição dos bem
– intencionados, onde a tentativa de efetivação deste respeito amacia a
consciência e não permite a percepção do fato de que se está a usar
esquemas viciados de compreensão da própria idéia de Natureza (...)”
(Souza, 1996, p.153)
28

Não deve haver medo em olhar a natureza e o ambiente como distintos de nós seres
humanos por acreditar que com isso estaria se reforçando a disjunção cartesiana. Mais que
permitido, esse olhar é necessário. Porém quem olha deve também saber que o faz da
perspectiva de dentro. Esta é uma diferença fundamental entre, por exemplo, uma célula de
um organismo vivo e nós e o ambiente. A célula não tem consciência do seu pertencimento a
este organismo. Nós temos.
Apesar da idéia aqui advogada, de articular o pertencimento à distinção na relação
sociedade-ambiente, ser como todas as outras idéias uma construção teórica, mergulhada em
valores culturais e sociais emergentes e periféricos desta sociedade contemporânea, ela possui
uma diferença – não advoga por uma totalização. Esta abertura à impossibilidade de saber
tudo, e da possibilidade de ser surpreendido pelo outro (que não conheço completamente) é
que torna o princípio da precaução 4, relacionado às questões tecno-científicas-ambientais, um
princípio crítico, responsável e ético – uma ética crítica, que se contrapõe por um lado ao
utilitarismo e por outro à ingenuidade.
Assim, não posso, em sã consciência, dizer que entre uma roseira do meu jardim e eu
não há distância e distinção. Posso, contudo, dar-lhe nome, dizer sua cor, sentir seu perfume e
saber que ela depende dos meus cuidados para viver naquele jardim; posso ainda procurar
destrinchar suas particularidades, saber como se reproduz, fazer experimentos genéticos, criar
outros espécimes - mas eu nunca saberia o que é ser uma rosa. Seu mistério continuaria
indecifrável para mim. Entre nós permanece um abismo intransponível, mesmo que eu a
comesse, comeria seus nutrientes, experimentaria seu sabor, sua textura e seu perfume, mas
ainda assim, algo teria escapado, algo que não se resume ao ser comestível que ela foi para
mim naquele ato de comer, mesmo que este ato de comer estivesse eivado de simbolismos
outros que não apenas o da alimentação. Ela continuaria rosa e eu mulher, mutuamente
relacionadas numa relação que não se esgota no ato de conhecer.
O homem é relação – com outros homens e mulheres, consigo mesmo e com a
natureza. E sempre que houver a possibilidade de através das relações estabelecidas, reduzir
o outro (seja ser humano ou natureza) a um construto mental, a um conjunto de valores
sociais, culturais e simbólicos, a uma classificação ou estereótipo, estarei realizando algum

4
O princípio de precaução surgiu na Europa na década de 80, sendo inicialmente pensado para proteção contra
riscos ambientais previsíveis cujos dados científicos fossem insuficientes para direcionar as ações no ambiente.
29

tipo de dominação. Assim, a única chance real de salvar a natureza da degradação em curso é
vê-la como alteridade, articulando a distinção ao pertencimento na diversidade.

1.2. RIACHO FUNDO – UMA NATUREZA DISPONÍVEL

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas


razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul –
Que nem uma criança que você olha de ave.

Manoel de Barros

Na perspectiva da sociedade moderna e cultura humana, o olhar humano sobre o


cerrado5 está de acordo com a visão dominante, totalizadora, que reduz natureza à mercadoria,
opondo-a a cultura, e ao mesmo tempo, e como corolário, mantendo sua representação mítico-
simbólica de espaço intocado pelo homem – o espaço natural, reservado ao deleite,
contemplação e manutenção da qualidade de vida dos seres humanos. Tanto na concepção de
mercado, quanto na mítico-simbólica, natureza é para o homem, ela não é em si. Seguindo
esse raciocínio, advogar em prol da idéia de uma natureza “intocada”, “natural”, faz emergir
um problema lógico: um espaço é delimitado como “natural” pela razão humana. É o ser
humano que define que este ou aquele espaço é “natural”. Esta definição se dá em função das
necessidades de uso do espaço, mesmo que nesse caso a demanda seja “não tocar”.
Por outro lado, dificilmente existem áreas que poderiam ser realmente consideradas
“intocadas” pelo homem – boa parte das áreas consideradas atualmente áreas de conservação,
possuem ou possuíram populações humanas, em momentos diferentes da história da
humanidade (Diegues, 1996).

5
O cerrado é a segunda maior formação vegetal brasileira, englobando 1/3 da biota brasileira e 5% da flora e
fauna mundiais. Estende-se por 25% do território nacional, cerca de 200 milhões de hectares, englobando 12
estados. Apresenta duas estações bem marcadas - inverno seco e verão chuvoso - e sua biodiversidade é
favorecida pela presença de três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul - Tocantins-Araguaia, São
Francisco e Prata.
30

Essa intencionalidade de uso do ambiente subordina-se aos interesses de valor – valor


de uso e de troca6, sobrevivência e mercadoria. E dificilmente poderia ser diferente na
sociedade moderna e capitalista em que vivemos, onde a natureza é posta a serviço da
produção e do mercado e, portanto regida pelas leis da propriedade. Espaços “vazios” do
cerrado passam a ser vistos como bens circulantes e não como patrimônio que deve ser
preservado. No caso do Distrito Federal, esses espaços são em sua maioria, terras públicas e
unidades de conservação estabelecidas em seu território como uma espécie de medida
protetora, visando preservar os aqüíferos e a biodiversidade do cerrado. Inicialmente a
existência dessas áreas, por um lado, dificultou a expansão horizontal da cidade, mas por
outro, incentivou o adensamento populacional nas cidades periféricas, as chamadas cidades-
satélites, assim como criou uma valoração diferencial das terras situadas em Áreas de
Proteção Ambiental (APAs) e Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ÁRIES) (Penna,
2003).
Na etapa seguinte, o desordenado processo de ocupação das APAs transformando-as
em áreas urbanas deu-se no vazio das responsabilidades e competências políticas em torno,
principalmente, dos licenciamentos ambientais. Enquanto os poderes públicos, federal e local,
discutiam sobre a quem cabia a competência dos licenciamentos, as áreas foram sendo
ocupadas pelos empreendedores imobiliários, a maioria, grileiros profissionais. Mas não
foram estes os únicos a ocuparem as APAs e ARIEs. A partir do final da década de 80 o
próprio governo do Distrito Federal passou a aprovar expansões urbanas e assentamentos
nessas áreas. O que mostra a fragilidade do processo de ocupação do solo em Brasília e da
modificação do meio ambiente urbano, pois apesar de Brasília ter sido uma cidade planejada
ela é alvo dos mesmos conflitos e contradições que assolam a sociedade brasileira.
As ocupações, sejam ilegais ou por programas públicos de assentamento urbano, põem
em risco o abastecimento de água e intensificam as erosões que assoream os rios e próprio
lago Paranoá7.

6
Para maior aprofundamento sobre os conceitos de valor de uso e valor de troca, Cf. Marx, K. O capital, livro 1,
volume I, Civilização Brasileira, 16ª. ed., 1998.
7
Segundo Netto IN: Fonseca (2001), o ritmo de ocupação do solo e o adensamento urbano no Distrito Federal
implicam em graves problemas ambientais para o Lago Paranoá, que “podem ser ilustrados pela enorme
quantidade de sedimentos depositados pelo Riacho Fundo, responsável pela redução do espelho d’água no braço
Sul do lago, onde os detritos se transformam em verdadeiras ilhas cobertas de vegetação.” Comentando sobre a
contribuição da sub-bacia do Riacho Fundo para o assoreamento do lago Paranoá, diz que “é a que apresenta a
maior densidade e diversidade de ocupação. Em decorrência dos desmatamentos ocorridos, acompanhados da
exploração de cascalheiras, exposição e degradação dos solos, movimentações de terra e forte urbanização,
muitas vezes desprovida das redes de infra-estrutura adequadas, (...), tem-se um aporte substancial de
31

A implantação de novas cidades em áreas protegidas aumenta os problemas ambientais


implicando na passagem da degradação ao comprometimento ambiental, ou seja, a capacidade
natural desses ecossistemas se recuperarem diminui consideravelmente. Às limitações
ambientais iniciais das áreas protegidas, somam-se a deficiência de infra-estrutura e serviços
urbanos (escoamento de águas pluviais, abastecimento de água e sistema de saneamento
adequado) e a redução de cobertura vegetal com o aumento de áreas impermeabilizadas
(Mello, 2003).
No caso do Riacho Fundo, em especial o parcelamento do Riacho Fundo II, isso pode
ser observado pelo rápido aumento demográfico sem a paralela criação de condições de
saneamento básico, drenagem de águas pluviais, arborização das vias públicas, espaços de
lazer e cultura comunitários.
O cenário urbano tem as cores do barro do chão e do cinza do cimento das casas.
Quando chove, “as ruas” transformam-se em pequenos lagos enlameados, e as águas correm
velozes por sobre a terra batida carregando o lixo jogado nas ruas para o córrego do Riacho
Fundo; na época da seca sofre-se com a poeira marrom e o sol inclemente nos descampados.

A Escola Classe do Riacho Fundo II fica na QC 4. É uma escola


nova, foi inaugurada no ano passado. É bonita e bem cuidada. Mas a quadra
onde ela está localizada é muito pobre. Os lotes são pequenos e as casas, são
na maioria paredes de tijolos ou então barracos improvisados, mas todos
com muros ou grades. Vi crianças pequenas na rua, descalças, brincando,
usando pouca roupa – um ainda usava fralda, o outro estava de cuequinhas.
Não há rua asfaltada, o chão é de barro batido. Sair da estrada e entrar para a
quadra é complicado, pois não há um retorno visível. Subo por um retorno
improvisado, passando por um descampado de terra batida e restos de
vegetação rasteira. Acho que vou atravessando pistas que algum dia serão
asfaltadas. Não há árvores, a não ser aquelas que estão dentro da
EMBRAPA, que fica atrás da quadra.
Diário de pesquisa

Os moradores que ocuparam os lotes vieram de várias partes do Distrito Federal e


entorno, sendo que muitos deles provenientes de invasões de terras públicas, como a invasão

sedimentos, comprovado pelo grave assoreamento do braço do Lago Paranoá que recebe a contribuição da
bacia.”
32

da Estrutural (lixão) e a invasão do Condomínio Privê. Os lotes destinados para a construção


das casas são pequenos, juntos uns aos outros, com muros ou grades improvisadas. As casas
podem ser simples, de alvenaria, ou ainda pequenos barracos, e a maioria têm seus quintais
cimentados. Também é possível encontrar casas maiores, com dois pavimentos, estas, em
geral, compradas àqueles que receberam o lote pelos programas de habitação do governo, ou
então, adquiridas em programas habitacionais de cooperativas, como a cooperativa dos
rodoviários.
No Riacho Fundo I o cenário urbano é um pouco diferente. As ruas são asfaltadas,
existe um sistema de escoamento de águas pluviais e fornecimento de água e esgoto. As casas
possuem o padrão de construção da classe média baixa. No entanto, é pequena a arborização
das vias públicas, assim como são poucos os espaços destinados ao lazer e convívio
comunitário – possuem uma biblioteca pública, algumas poucas quadras poliesportivas e um
par de praças.
Essas pessoas vindas de locais diferentes, histórias de vida diferentes, recursos
diferentes, não tiveram acesso a espaços públicos de convivência e o que hoje é chamado de
comunidade do Riacho Fundo, é na verdade, um espaço geográfico delimitado, onde existe
uma diversidade de relações sociais, notadamente relações do tipo que Weber (2000)
chamaria de associativas, pois repousam “num ajuste ou numa união de interesses
racionalmente motivados (com referências a valores ou fins)”.
É o caso das associações comerciais, cooperativas, associações de produtores rurais,
escolas, ONG’s e as relações entre o poder público local e o restante da sociedade, entre
outras. Mas nesse universo relacional, é possível encontrar também relações fundadas em
laços tradicionais - vizinhança, amizade, religião e parentesco. Entretanto, essas relações são
pequenos lampejos numa estrutura social fortemente voltada aos interesses objetivos,
econômicos ou outros, dos indivíduos envolvidos.
Mas a palavra comunidade nos traz sempre boas sensações. Traz à tona termos tais
como participação, engajamento, mobilização. Comunidade passa a ser uma espécie de
contraponto à vida social cotidiana, um local de vivência da singularidade e identidade do
indivíduo ao mesmo tempo em que é chamado a participar, decidir coletivamente, ser ouvido.
Contudo, os discursos correntes sobre comunidade apresentam para um mesmo
conceito duas visões distintas. A primeira refere-se a uma revisitação dos valores e realidades
do passado pré-moderno e a segunda aos valores da atual modernidade. A princípio, entre as
33

duas visões, há um antagonismo brutal, marcado pelas polarizações entre solidariedade e


competição, e pelo duplo entendimento da ética: de um lado a ética como fundamento da
afirmação da pessoa, e de outro a ética como conjunto de normas morais que preservam os
direitos dos indivíduos.
Ambas as visões de comunidade são mescladas nos discursos – tanto político-
institucionais, quanto na fala do cidadão comum. Por um lado, a solidariedade como valor a
ser cultivado, por outro a competição como modo de realização social e individual. O mesmo
vale para a afirmação pessoal que se confunde com o ideário moderno e passa a ser a defesa
de direitos individuais. Dessa forma, essas injunções estão refletidas no decaimento dos
conceitos: a solidariedade passa a ser caridade e a afirmação da pessoa transforma-se no
“fazimento” do mesmo, isto é, na manutenção de um ideal de indivíduo moderno.

1.3. COMUNIDADES

Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem


Apenas sei de diversas harmonias possíveis sem juízo final
Alguma coisa está fora da ordem
Fora da nova ordem mundial

Caetano Veloso

Se formos retroceder a origem etimológica do termo comunidade, veremos que o


termo latino communitas, que significa “muitos formando uma unidade”, se aplicaria a um
número elevado de organizações e grupos sociais na atualidade. Isso significa, grosso modo,
que não é possível usar o termo na sua etimologia original em análises sociais, dada a
diversidade de objetivos, estruturação e fundamentos de cada uma das organizações e grupos
sociais existentes hoje. Portanto, torna-se necessário fazer emergir um conceito de
comunidade (communitas) que possa ser referencial e representativo de um conjunto de
valores e comportamentos que se contraponha claramente a outras formas de organização
social, como a sociedade e o Estado.
34

1.3.1 Voltando no tempo: contribuições de Tönnies e Buber

Com as teses do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies, em Gemeinschaft und


Gesellschaft, de 1887, é introduzido o dualismo entre sociedade e comunidade nos discursos
científicos da época. À sociedade, (Gesellschaft) Tönnies reservou a idéia de relação
contratual e mecânica entre os indivíduos, baseada numa força deliberada visando um
determinado fim, e à comunidade (Gemeinschaft), a relação essencial e orgânica entre os
membros, baseada numa força orgânica e instintiva.
Como exemplos de comunidade, Tönnies destaca, entre outros, a família, a
comunidade de sangue, a aldeia e a vizinhança. Para a sociedade, Tönnies aponta como
exemplos, as empresas, assim como outros grupos constituídos por relações contratuais
Para Tönnies a sociedade é um grupo ao qual se adere visando atingir um determinado
fim. Ela é produto de uma vontade arbitrária e refletida e que, portanto, está voltada para o
futuro. Em contraposição, a comunidade é marcada pelo passado, uma vez que os homens e
mulheres já a encontram quando nascem e a vontade orgânica subjacente se apresenta na
afetividade, no hábito e na memória.
Segundo as teses de Ferdinand Tönnies (1979), a comunidade seria animada por laços
de cultura, onde primava pelo “entendimento comum” – o que é diferente de consenso. Não
precisava ser construído, nem era objeto de negociação. O entendimento comum a que se
referia Tönnies já estava presente desde o início – ele não era fim, mas ponto de partida da
comunidade.

“No obstante, el consenso es, según su misma naturaleza, tácito. Y


ello porque los contenidos del entedimiento mutuo son inexpresables,
infinitos e inabarcables. Así como el lenguaje no puede establecerse
mediante um acuerdo, aunque existan en él diversos sistemas de símbolos
que representan conceptos, tampoco puede producirse artificialmente la
armonía verdadera.” (Tönnies, 1979, p.48)

Ainda, enquanto os laços comunitários seriam laços de cultura, os laços societários


seriam laços de civilização – o que nos leva aos discursos iluministas onde os valores da
tradição medieval eram vistos como obstáculos à emancipação do indivíduo e da constituição
35

de uma civilização moderna, baseada no contrato social estabelecido entre os indivíduos


livres.
Tönnies ao distinguir entre comunidade e sociedade, abre a porta para a discussão
entre o ser e o ter. Enquanto a comunidade reside no domínio do ser, ou seja, as pessoas
vivem em comunidade pelo que são, a sociedade repousa no domínio do ter e os indivíduos
relacionam-se através das coisas que possuem e que são as bases das relações contratuais, seja
dinheiro, capacidade intelectual ou física.
A comunidade assim delimitada, local de ser, rompe com a dicotomia entre, por um
lado, o individualismo atroz que coloca o ser humano isolado de tudo e de todos, único
responsável por si mesmo, sempre em estado de competição, e por outro, com o coletivismo
ingênuo, que coloca o ser humano subordinado a um todo: as instituições sociais e a
burocracia estatal.
Dessa forma é possível tecer uma definição mais apropriada: a communitas referida
aos seres humanos agora se define como um grupo de indivíduos que se juntam num coletivo
para poderem ser. Mas ser o quê?
Martin Buber (1987), no início do século XX, comentava que a alienação e o
desenraizamento do indivíduo na sociedade daquela época levou-o a escolhas falsas, como a
escolha entre o individualismo e o coletivismo, entre fazer parte da massa e manter sua
individualidade, o que, no “frigir dos ovos”, apenas aumentava a solidão humana, o
isolamento do homem e sua crescente incapacidade para o diálogo. A negação do coletivismo
e do individualismo nada mais é então do que a negação da solidão, ou seja, é a afirmação da
necessidade do encontro e do diálogo.

Vejo a ascensão do individualismo e do coletivismo,


sucessivamente, como o produto de um destino todo peculiar do homem que
poderia descrever como o mais difícil e profundo isolamento que até hoje a
humanidade experimentou. Vivemos nesta época a mais profunda solidão do
homem, isto é, como uma criança abandonada pelo cosmos, não reconhecida
por ele, lançada do alto de uma montanha, incapaz de reencontrar o caminho
para a mãe, do qual fala Lao-Tsé. (Buber, 1987, p.123)
36

Em contraposição ao individualismo e o coletivismo Buber aponta a formação da


comunidade: para ele a comunidade é o único espaço onde os indivíduos poderão ter
garantidas suas identidades ao mesmo tempo em que vivem mediante ideais comuns, numa
vida participativa e integradora.
Realizar a comunidade é fundamentalmente viver a relação dialógica8 com o outro. A
possibilidade de se recriar a comunidade funda-se na possibilidade do encontro face à face
entre as pessoas, que assim são pela percepção e afirmação da existência do outro em sua
presença. Como diz Guareschi (1999, p.84) pessoas são

seres que em si mesmos implicam outros; seres que ao se definirem já


incluem, necessariamente, outras pessoas. São únicos e singulares, (...) mas
não se ‘explicam’ nem se definem, apenas a partir deles e ‘neles’ próprios.
Sua subjetividade é um ancoradouro de milhões de ‘outros’, de relações.

Nesse sentido, a relação comunitária rompe também com outro conflito, este de foro
interno à subjetividade humana, que apregoa que o indivíduo é “dentro de si” “algo que
existe inteiramente só, sem relacionamento com os outros, e que só ‘depois’ se relaciona com
os outros ‘do lado de fora’ ” (Elias, 1994).
Agora a communitas galgou outros estágios conceituais: ela pode ser descrita como
sendo um grupo de indivíduos que se juntam num coletivo para poderem ser pessoas,
vivendo sob ideais comuns e vivenciando a relação dialógica com o outro.

1.3.2 A comunidade na contemporaneidade e os impasses do ideário moderno: as


contribuições de Bauman

O encontro dialógico necessita do binômio tempo-espaço para acontecer. Mas hoje,


tempo e espaço são categorias profundamente alteradas. Na sociedade contemporânea os

8
As relações dialógicas, assim como a noção de diálogo, serão tratadas com maior profundidade no capítulo
seguinte.
37

espaços passam a não ter relevância, principalmente com o advento de novas tecnologias de
comunicação onde o tempo chega às raias do “instantâneo”. O encontro dialógico como
acontecimento no tempo e no espaço é impedido na vida moderna, uma vez que este tempo
"quase” instantâneo é um tempo sem conseqüências.

A ‘escolha racional’ na era da instantaneidade significa buscar a


gratificação evitando as conseqüências, e particularmente as
responsabilidades que essas conseqüências podem implicar. (Bauman, 2001,
p.148)

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001) analisando a atual modernidade nas


sociedades ocidentais contrapõe as idéias de identidade comum e bem comum. É mais fácil,
segundo ele, articular-se e proteger uma identidade comum, do que negociar interesses, o que
pressupõe a possibilidade de conflitos. Essa “identidade comum” a que se refere Bauman é a
“roupagem” que outro sociólogo, Norbert Elias (1994), assinala em seu livro “A sociedade
dos indivíduos” ao discorrer sobre a tensão entre indivíduo e sociedade. Segundo ele, a crença
de que o indivíduo relaciona-se com “os de fora” utilizando uma roupagem que não
representa o seu “verdadeiro eu interior” é reflexo do profundo processo de individualização
da civilização moderna.
Dessa forma, a articulação e proteção de “identidades comuns” fundam, no imaginário
social da atual modernidade uma espécie de “comunidade”. Esta comunidade é uma
comunidade de sonhos, continuação das lutas individuais pelo estabelecimento das
identidades. Identidades que são reiteradas por identidades similares - retirando os conflitos e
as diferenças: são comunidades do mesmo, da mesmice - comunidades de “aprovação social”
- e aqui reside o “sentimento subjetivo de pertença a um grupo” a que Weber (2000) se
referia na primeira década do século XX para as relações do âmbito comunitário.
Mas diferentemente das identidades construídas como processo de afirmação da
existência humana, estas outras “identidades” são sempre flexíveis, os vínculos entre os
indivíduos são frágeis e os compromissos feitos podem ser desfeitos rapidamente. Um bom
exemplo desse tipo de comunidade contemporânea são as comunidades virtuais, os grupos
38

que se formam mediatizados pela rede eletrônica, em listas de discussão e portais como
Orkut9.
Esta comunidade é gerada pelas demandas da “identidade” – os modos de ser, o
comportamento aceitável, o dito da moda. Segundo Bauman (2003), esse tipo de comunidade
aproxima-se muito do conceito de comunidade estética de Kant, onde a beleza não tem outro
fundamento que não o consenso compartilhado pelos indivíduos que regula os juízos de valor
e os comportamentos uniformes. Nesse sentido, a indústria do entretenimento tem muito a
oferecer com seus ídolos e celebridades que apontam modos de ser e comportamentos sociais.
Como nos diz Adorno (2002):

A indústria cultural pode fazer o que quer da individualidade


somente porque nela, e sempre, se reproduziu a íntima fratura da sociedade.
Na face dos heróis do cinema e do homem-da-rua, confeccionada segundo
os modelos das capas das grandes revistas, desaparece uma aparência em
que ninguém mais crê, e a paixão por aqueles modelos vive da satisfação
secreta de, finalmente, estarmos dispensados da fadiga da individualização,
mesmo que seja pelo esforço – ainda mais trabalhoso – da imitação. (p.61)

A comunidade estética pode surgir também em torno de problemas, tais como se


adequar a padrões estéticos, retirar de suas proximidades os miseráveis ou caçar e prender o
terrorista do momento. Mas esses “vínculos comunitários” são sem conseqüências - os ídolos,
as celebridades e mesmo os inimigos, são voláteis e transitórios, descartáveis. A orientação
desse tipo de comunidade é a estética e não a ética. A comunidade estética não tece entre seus
membros uma rede de responsabilidades éticas e, portanto, compromissos em longo prazo.
A idéia original de comunidade é então totalmente degradada, pois esta “comunidade
moderna” surge como uma manifestação e confirmação da autonomia individual. Porque
então parece ser tão importante a percepção de se viver em comunidade, se o que importa são
as ações individuais?

9
Orkut é um portal que reúne várias “comunidades de interesse”, em listas de discussão, onde os participantes só
podem entrar por convite de um amigo. Sua proposta é tecer uma rede de amizades e mostrar as conexões a que
você está ligado por intermédio de seus amigos. È uma rede de amigos, de amigos,.... Porém, você poderá
sempre se desconectar dessa rede e mudar de “comunidade”, sem que ninguém o recrimine por isso. A marca
distintiva do Orkut e outras portais do gênero é a volatilidade dos laços e das amizades.
39

Ocorre que a procura da identidade não pode deixar de separar e dividir, afinal ter
identidade é ser diferente. Ao mesmo tempo, a precariedade da construção solitária desta
identidade leva os indivíduos a procurarem grupos onde possam depositar seus medos e
anseios cotidianos e assim sentirem-se menos sós na batalha diária. Esses grupos alçam à
categoria de “comunidades” pelo sentimento que cada indivíduo participante possui de
pertencer àquele grupo. Dessa forma, revisitando valores tradicionais e adaptando-os a uma
nova linguagem, sentem-se nessas “comunidades” como pertencentes a uma mesma
“família”. Mas entram em choque a liberdade e a segurança, valores complementares e
incompatíveis no ideário individualista: a liberdade para ser diferente, para fazer o que se
quer, auto-afirmando sua identidade, e a necessidade de segurança e proteção que uma
comunidade pode oferecer, mas à custa de restrições ao poder individual. Na atual
modernidade, apenas alguns poucos eleitos podem usufruir esta liberdade com segurança, mas
isso à custa da supressão da liberdade e segurança de muitos. (Bauman, 2003)
Desta maneira, para que a tensão entre liberdade e segurança possa ser diluída, essas
“comunidades modernas” que se formam são espaços cercados para manter distância dos
outros – aqueles que são intrusos e diferentes, aqueles que possuem outras formas de viver e
pensar e que por isso ameaçam seu “status quo”. Ainda segundo Bauman (2003), é um estilo
de vida que celebra a irrelevância do “lugar” - as relações humanas são entendidas como não-
problemáticas, as parcerias são realizadas e abandonadas facilmente e não há
comprometimentos pessoais ou comunitários no sentido da cooperação solidária. Nessas
“comunidades” não há verdadeiro diálogo, pois pecam pela falta de habilidade de dialogar;
são monótonas e repetitivas, "abrigos da conformidade". Apesar destas comunidades
representarem uma parcela mínima da sociedade (as elites) todo esse modo de ser e de “viver
a vida” é amplamente divulgado em todos os meios de comunicação de massa servindo como
exemplares para um comportamento social que destaca as idéias de sucesso, realização
pessoal, liberdade e segurança.
Devemos lembrar, contudo que o nascimento do indivíduo é um aspecto da
modernidade. Até o século XVII, o termo indivíduo referia-se ao que era indivisível ou
singular na natureza, mas não era um conceito aplicável à sociedade humana e aos homens tal
como hoje é comum. Isto só começa a acontecer a partir das necessidades do desenvolvimento
social iniciado no Renascimento e que tem seu ápice no século XIX rebatendo na formação de
40

novos termos, tais como individualismo, coletivismo e socialismo, espelhando a tensão entre
indivíduo e sociedade. (Elias, 1994)
No individualismo a visão meritocrática é fundamental, pois respalda a própria
condição de vida do indivíduo - recebe quem tem capacidade para tanto; quem não tem, não
merece receber nada. Por isso os valores baseados em laços tradicionais soam tão mal aos
ouvidos da modernidade: compartilhar e se solidarizar com um grupo, independente dos
méritos individuais de cada um, segue na contra-mão do estabelecimento da vida do indivíduo
moderno.
Dessa forma, a solidariedade adquire uma nova roupagem, apresentando-se como
caridade que se coloca no lugar das ações que antes eram vistas como dever fraternal e direito
universal de todos. O indivíduo se vê desta maneira, sendo “caridoso” ao dirigir recursos e
atenção àqueles que necessitam.
Na atual modernidade ser indivíduo significa viver o fatalismo de sua identidade nunca
terminada e viver isso em permanente antagonismo à sociedade. A este indivíduo não é dada
escolha: seu sentido é o de resolver sozinho os desafios que a vida apresenta. A mídia e os
livros de “auto-ajuda” colaboram muito na disseminação desse modo de viver e estar no
mundo. Essa postura corrompe a idéia de cidadania, pois inviabiliza o surgimento de
verdadeiras causas comuns. Em seu lugar encontramos causas individuais semelhantes que
são agremiadas num mesmo grupo de interesse, numa espécie de ação coorporativa. Enquanto
que ao cidadão relacionamos o bem individual através do bem comum, ao indivíduo
relacionamos o bem individual obtido solitariamente.
Segundo Beck apud Bauman (2001),

O que emerge no lugar das normas sociais evanescentes é o ego nu,


atemorizado e agressivo à procura de amor e de ajuda. Na procura de si
mesmo e de uma sociabilidade afetuosa, ele facilmente se perde na selva do
eu... Alguém que tateia na bruma de seu próprio eu não é mais capaz de
perceber que esse isolamento, esse “confinamento solitário do ego”, é uma
sentença de massa. (p.47)

Mas à população que vive em condições de necessidade, homens e mulheres que nos
últimos cinqüenta anos têm sido chamados de carentes, oprimidos, marginalizados, excluídos
e desnecessários, interessa outro tipo de comunidade, a communitas já definida, pois sabem
41

que sozinhos pouco podem fazer. A comunidade que procuram é a comunidade ética, tecida
de compromissos a longo prazo, direitos inalienáveis, obrigações inabaláveis, (...) [e que]
pudesse ser tratada como variável dada no planejamento e nos projetos de futuro. (Bauman,
2003, p.68)
É verdade que esta população está sujeita a todas as formas de cooptação e dominação
modernas e que o paradigma social moderno (com as ênfases na competição, no
individualismo e na meritocracia) infiltra-se facilmente no cotidiano. Para que a dominação se
mantenha é necessária a constante desintegração social, é preciso solapar as redes sociais e
agências coletivas.
Como já disse antes, a mídia cumpre um papel fundamental na disseminação do
ideário moderno. Entretanto as tensões vividas hoje no mundo, como as guerras, a fome e a
pobreza e a crise ambiental, têm forçado, cada vez mais, e mesmo, possibilitado, a
emergência de outras formas de relacionamento social que não sejam marcadas
exclusivamente pela exigência de autonomia e auto-suficiência do indivíduo, formas essas
que procuram responder, num primeiro momento, à tensão inicial entre indivíduo e sociedade.
Essas novas emergências relacionais estão relacionadas à communitas que ressurge
como possibilidade real de romper um ciclo de dominação sóciopolítica e econômica no qual
vive grande parte da população mundial.
Contudo, devemos relembrar mais uma vez, que sendo esta época uma época de
desengajamento e de efetivação de um individualismo meritocrático, novas estratégias de
apoio à emergência das comunidades se fazem necessárias. Estratégias que se apossem dos
espaços físicos, sociais e políticos banalizados recriando-os em outras estruturas
organizativas; estratégias que possam ser capazes de colocar as ações imediatas e o tempo
instantâneo num planejamento temporal, utilizando as mídias tecnológicas e articulando
conhecimentos e saberes. Por isso, a definição de communitas deve complexificar-se uma vez
mais, para responder aos desafios da modernidade contemporânea.
Dessa forma, communitas passa a ser um grupo de indivíduos que se juntam, sob
ideais comuns, num coletivo cuja estrutura organizativa recria a relação espaço-tempo
moderna de tal forma que seja possível o espaço-tempo para o encontro dialógico com o
outro - condição de possibilidade para a afirmação da pessoa. Communitas é então a
comunidade ética na contemporaneidade referida à modernidade e aos seus desafios.
42

1.4. RIACHO FUNDO: ONDE ESTÃO AS COMMUNITAS?

Se formos retomar o pensamento weberiano que coloca a relação comunitária


pautando-se no “sentimento subjetivo dos participantes de pertencer ao mesmo grupo”,
veremos que o Riacho Fundo não forma uma comunidade nesse sentido. Com mais de 40.000
habitantes, divididos entre o Riacho Fundo I e o II, falar da “comunidade do Riacho Fundo” é
um contra-senso. O “sentimento subjetivo” neste caso seria o de pertencerem ao um mesmo
grupo, qual seja, o de moradores do mesmo lugar – o que é necessário, mas não suficiente.
Weber (2000) distingue bem esta situação ao dizer que “nem sempre o fato de algumas
pessoas terem em comum determinadas qualidades ou determinado comportamento ou se
encontrarem na mesma situação implica uma relação comunitária”.
É claro que se forem perguntados sobre onde moram, dirão que moram lá, no Riacho
Fundo. E aqui reside a chave para o entendimento do sentimento de pertencimento ao grupo:
o sentido de morar. Para a maioria, morar é ocupar uma casa ou um lote num certo espaço na
cidade. Porém, per se, isso não consubstancia nenhuma relação social (a menos é claro,
daquela familiar mantida dentro do território do lote). Porém enquanto “meu território”, eu
cuido dele e defendo seus limites e ao fazer isso, teço relações sociais das mais variadas (com
a vizinhança, com o comércio, com o poder público local), mas o sentido de morar ainda
habita um espaço restrito – o da minha casa. Para que uma communitas possa emergir, será
necessária uma expansão desse sentido, o morar não poderá ficar restrito ao território
particular da habitação, mas se alastrar pela vizinhança, pelas quadras, por toda a cidade... O
que será necessário não será tanto o sentimento de pertencer ao mesmo grupo de moradores,
mas sim, o sentimento subjetivo de pertencerem a um mesmo território, a um mesmo lugar, e
com isso fazer emergir a complementaridade entre o interior, expresso na unidade familiar e
na casa, e o exterior expresso no espaço urbano e na sociedade.
O conceito de territorialidade e sua vivência deverão englobar não apenas o espaço
fixo da casa, mas os trajetos, as relações, a mobilidade da vida social instituída por cada
indivíduo. Como diz Bonnemaison (apud Vasconcelos (1999)) o território é um geo-símbolo
que possui “uma dimensão simbólica e cultural, onde se enraízam os valores e se conforta a
identidade dos povos e grupos étnicos”, local de convívio e vivência das singularidades.
43

Essa é uma tarefa difícil de ser realizada na atual modernidade onde se procura reduzir
a vivência da singularidade ao lócus da intimidade, restringindo os espaços de convivialidade
aos espaços físicos da casa e da família enquanto se relega ao exterior a pecha de inóspito,
local de pasteurização e homogeneização das identidades, espaço banalizado. A banalização
do território, decantando para o espaço egocêntrico do indivíduo, aponta para a incapacidade
de diálogo tanto entre os homens quanto com o próprio ambiente. O ambiente externo,
inóspito, não será apenas domesticado no sentido da sobrevivência e do curso da vida
humana, mas dominado e posto a serviço da produção e do mercado, e outras tantas vezes,
colocado de lado por não ser significativo na afirmação da existência pessoal.
No Riacho Fundo, em especial o parcelamento do Riacho Fundo II, os moradores
compartilham os mesmos problemas sócio-ambientais, e o fato de serem homens e mulheres
vindos de estados brasileiros diferentes, sendo que boa parte deles passou por vários
endereços em Brasília, todos na “periferia”, em situação de aluguel, vivendo de favores em
fundos de quintal, ou então em condições extremamente precárias, habitando as ruas do Plano
Piloto, lixões e invasões de terras públicas, os colocam num mesmo grupo como numa
espécie de “macro – identidade” comum. Essa realidade pode ser facilmente identificada nos
desenhos e redações feitos por alunos de uma Escola Classe no Riacho Fundo II.

Figura 1.2 – Desenho de aluno da 1ª.série de escola pública do Riacho Fundo10

10
Onde morava antes: barraco no vizinho.Onde mora hoje: numa casa térrea no Riacho Fundo.Onde gostaria de
morar: num prédio de apartamentos
44

Figura 1.3 – Redação de aluna da 4ª. série de uma escola pública do Riacho Fundo11

Figura 1.4 – Redação de aluno da 4ª. série de escola pública do Riacho Fundo 12

11
Onde eu morava: Eu vim do Piauí. Minhas lembranças são muitas. Depois eu fui morar na Ceilândia onde a
minha mãe pagava aluguel. Eu fiz muitos amigos. A Jefene, Lúcia, Ana, Patrícia, Mariana, Jéssica, Tamara e
outras que eu não me lembro os nomes.
Onde eu moro: Eu vim morar no Riacho Fundo II por que minha mãe ganhou o lote aqui. Eu comecei a
estudar aqui na Rural. Eu gosto daqui por que aqui quase não tem violência na rua onde eu morava.
12
Eu vim do Rio de Janeiro. Não trago nem uma lembrança. Eu morava com minha mãe e meu pai. Meus
amigos eram o Rodrigo, Daniele e Jéssica. Não gostava deste lugar por que era cheios de bandidos e muitas
45

Mas como já vimos, experienciar “identidades comuns” não é suficiente para compor
vínculos solidários e comunitários. Por outra, as ações ditas solidárias que ocorrem existem
por força da necessidade em face da carência e da incerteza dos tempos modernos. Na
verdade, as dificuldades de se fazer emergir uma causa comum e engajar-se na sua realização
são enormes. As incertezas inicialmente não unem os sofredores em torno de uma causa, antes
os dividem e os separam. O ideário individualista da modernidade ganhou terreno e força com
o passar dos anos. Mesmo entre os mais necessitados, é difícil fugir à lógica meritocrática que
permeia o cotidiano dessas pessoas.
Mesmo assim é possível encontrar grupos no Riacho Fundo que desenvolveram um
sentido de pertencimento ao lugar juntamente com um ambiente comunitário interno marcado
por ações coletivas e demonstrações de cuidado. É o caso da 100 Dimensão (Cooperativa de
Coleta e Reciclagem de Resíduos Sólidos com Formação em Educação Ambiental) onde a
noção de território é bem ampliada e confunde-se com seu próprio espaço de atuação
comercial. Cuidar desse espaço, defendê-lo e criar estratégias para expandi-lo é vital para a
sobrevivência da própria cooperativa. Nesse sentido procuram conhecer a área onde vivem (os
cooperados são moradores do Riacho Fundo e imediações), os problemas enfrentados na
cidade e desenvolvem ações educativas, de lazer e profissionalização para os moradores da
região. A cooperativa ocupou um espaço físico, social e político ainda banalizado na
sociedade local (o espaço do lixo) recriando-o coletivamente, tornando a cooperativa, para
seus cooperados, um espaço de afirmação da pessoa de cada um deles, por meio do
empoderamento pessoal que emerge do trabalho coletivo.
Por outro lado, um outro grupo no Riacho Fundo também demonstrou capacidade para
vivenciar uma relação comunitária, nos moldes da communitas: o grupo formado pela Rede
de Educação e Meio Ambiente do Riacho Fundo – REMA Riacho Fundo, cuja formação e
organização é tema desta tese e que serão detalhados nos capítulos 4 e 5 subseqüentes.

pessoas eram mortas, violentadas e estranguladas por isso não gosto deste lugar. Minha casa aqui é muito
bonita, cheia de alegria, e eu gosto muito dela. Nela tem 6 cômodos e uma área legal. Aqui não tem esgoto,
tem pouca violência. Eu moro com meu pai, minha mãe e etc... Precisa melhorar a segurança e tem que ter
mais emprego tem muita gente sem empregos.
46

1.5. RELAÇÕES SOCIAIS NO RIACHO FUNDO – O PODER PÚBLICO, A ESCOLA


E O PARQUE

Para os moradores do Riacho Fundo há uma “comunidade” porém seu sentido se


aproxima ao do discurso dominante da modernidade, pois não foram tecidos vínculos reais de
apoio mútuo e confiança entre eles. Interesses privados, mas comuns a todos, podem uni-los,
mas não parecem ser suficientemente fortes para mantê-los unidos e gerar a possibilidade de
construir outro tipo de comunidade – uma vez obtido o que se desejava, os vínculos podem
ser desfeitos.
Além disso, existe um outro ponto muito importante: o de se imaginar que a
solidariedade “nasceria” mais facilmente entre grupos economicamente menos favorecidos
encontrados no Riacho Fundo, e que, portanto, a comunidade ética poderia ter melhores
condições de criação. Não é bem assim. Paulo Freire já dizia que nas “massas” oprimidas o
primeiro passo para a libertação é o oprimido ver dentro de si o opressor. Raramente, contudo,
os grupos sociais possuem consciência do “imprinting” cultural a que são submetidos, nem da
noosfera que os possui. São valores do individualismo, do capitalismo, das seitas e religiões
misturadas, e que no caso do Riacho Fundo, soma-se a resquícios de conservadorismo e uma
política clientelista local.
Para estes homens e mulheres, ao poder público caberia a função de prover, por meio
de doações, suas condições materiais de vida. Esta visão é, no caso das políticas públicas
locais do Distrito Federal, reforçada por meio dos programas de assistência social e planos de
habitação. O Estado é o grande provedor e o grande protetor. Mesmo que o discurso do
Estado seja voltado à participação da sociedade no apontamento e delimitação de suas
necessidades, a prática é outra, como demonstra a história recente de ocupação do solo em
Brasília e os vários programas assistencialistas desenvolvidos nos últimos anos13.
Esse comportamento em relação ao Estado não deve ser entendido como algo novo.
Faz parte de um arcabouço simbólico que vem sendo desenvolvido no mundo ocidental há
pelo menos 300 anos. Kropotkin (1920), aponta que durante a formação dos estados europeus,
as comunidades - comunas aldeãs, corporações, cidades livres - foram todas destruídas. As
comunas foram privadas de suas terras comuns, as cidades de suas soberanias e as
13
Como exemplos atuais: Programa Renda Minha, Leite da Solidariedade, Pão da Solidariedade, Renda
Solidariedade, Cesta de Alimentos da Família e o Projeto de Assentamento de Famílias de Baixa Renda.
47

corporações de suas administrações. O Estado passou a absorver todas as funções sociais,


funções essas que antes eram desempenhadas pelas comunas e associações, através das
assembléias e do direito popular. Além disso, e ainda mais grave, é o fato de com a
emergência do Estado moderno, as responsabilidades, que antes cada indivíduo tinha com o
coletivo, passou a ser também função do Estado, levando o indivíduo ao descompromisso
social.
No caso do Brasil, durante grande parte da sua história o poder foi predominantemente
patrimonial, baseando-se na posse da terra (latifúndio) e numa política anti-industrialista. Até
a constituição da república pode-se dizer que a economia brasileira inseria-se num modo pré-
capitalista ou semi-feudal de produção, ainda que inserida mais amplamente na circulação
capitalista de mercadorias e capitais entre os estados nacionais. Como coloca Schartzman
(1988):

A política inicial de colonização no Brasil foi, de fato, a criação de


feudos hereditários (capitanias) concedidos à exploração privada. Este
sistema, porém, não chegou a se desenvolver plenamente, sendo substituído,
logo em seguida, por um processo crescente de centralização administrativa.
Como observa acuradamente Faoro, nunca houve um pacto político através
do qual os altos escalões do sistema político representassem e governassem
em nome de alguns setores da sociedade, o que é típico do modelo feudal.

No Brasil, o fato do poder administrativo ter sido centralizado, desde o Brasil Colônia,
impondo relações autoritárias entre a sociedade civil e o Estado, pode por luz ao fato de que
ainda hoje o Estado brasileiro é visto como o solucionador de problemas, ou como o grande
provedor numa aproximação a um estado paternalista.
Para um país como o nosso, uma jovem república, que atravessou regimes políticos
ditatoriais, a modernidade se apresenta com um duplo desafio gerador de tensão nas
oportunidades de poder do indivíduo em relação à sociedade: por um lado o desafio de
fortalecer a sociedade democrática, que segundo Guareschi (1999, p.96), pauta-se no
empoderamento da sociedade civil através das organizações comunitárias, “onde os cidadãos
exercitam seus direitos de participação e são respeitados como pessoas”, criando a condição
de possibilidade de dissolver a noção de Estado doador e construir o Estado democrático onde
sociedade civil e poder público negociam necessidades e possibilidades num processo de
48

democracia participativa; por outro, o desafio da demanda pelo posicionamento do Estado na


ordem globalizada, onde em função da integração mundial, os Estados individuais perdem
parte de sua soberania e a sociedade e seus indivíduos vêem diminuídas suas possibilidades de
participação e influência nas decisões de âmbito global (Elias, 1994).
Como disse antes, a influência das agências internacionais nas agendas públicas locais
prevê ou demanda participação da sociedade. Mas tendo em vista nosso duplo desafio,
acredito que os interesses dessas agências se colocam na perspectiva da ordem e integração
global e não no fortalecimento dos Estados individuais e conseqüente aumento de soberania.
Assim, se por um lado induz-se um processo de mobilização e de criação de condições
de possibilidade para a participação e organização populares, visando um empoderamento da
sociedade civil para que esta possa efetivamente dialogar e negociar seus interesses junto ao
Estado, por outro, um processo de participação é definido visando à capacitação dos
indivíduos, que organizando novos setores da sociedade venham a substituir o Estado nas
funções que hoje a ordem global em curso entende não serem mais funções do Estado, como
por exemplo, a saúde e a educação.
Dessa forma, quando observamos ações de mobilização e participação popular no
Riacho Fundo em torno de questões relativas ao meio ambiente local, ou relacionadas às
atividades didático-pedagógicas nas escolas, inicialmente parecem ser solidárias, mas, se
vistas mais de perto, é possível notar, em muitas delas, a existência de valores do
individualismo (principalmente o mérito e capacidade pessoal), a lógica do capital e o
clientelismo político. Junte-se a isso o fato de que a vida dessas pessoas corre à margem da
informação e do conhecimento científico – sobrevivem, na maioria das vezes, com seus
saberes comuns e tradicionais, possuindo grande dificuldade de dialogar em condições de
igualdade nas eventuais reivindicações que fazem ao poder público local. Essa questão será
retomada mais adiante, em particular no capítulo cinco desta tese.

1.5.1 O Parque Ecológico do Riacho Fundo

O Parque Ecológico e Vivencial do Riacho Fundo foi criado pela lei no 1.705, de 13 de
outubro de 1997 do Distrito Federal. Situado entre o Riacho Fundo I e o II, nele estão
49

localizadas as nascentes do córrego do Riacho Fundo, responsável por 20% da vazão afluente
do Lago Paranoá.

Figura 1.5 – Foto do Parque Ecológico do Riacho Fundo (2003)

Quando este trabalho de pesquisa foi iniciado, boa parte dos moradores não conhecia o
parque, ou pelo menos não sabia que aquela área verde incrustada entre as duas cidades era
um parque ecológico. Muitos nunca tinham visto as nascentes do córrego, nem sabiam que há
menos de 20 anos atrás aquelas águas eram limpas e a vegetação era mais densa. Isso pode ser
observado, por exemplo, quando numa das reuniões com um grupo de professores de uma
escola local, (alguns destes moradores do Riacho Fundo) alguns professores se surpreenderam
ao descobrir que a área verde, em frente à escola, do outro lado da rua, era o Parque
Ecológico do Riacho Fundo.
50

Figura 1.6 – Foto do Parque Ecológico do Riacho Fundo – em frente a uma das escolas locais (2004)

Os que viveram a realidade de um córrego mais limpo eram em sua maioria,


moradores antigos, que vieram para o Riacho Fundo na época da construção de Brasília
recebendo arrendamentos rurais naquela região. Alguns outros moradores do Riacho Fundo
lembravam ainda das condições boas do córrego e da região, lembranças da infância. Destes,
alguns se mobilizaram, nos últimos cinco anos, em causas ambientais de preservação e
conservação do parque e de sua biodiversidade, mas não conseguiram se fazer ouvir, nem
pressionar o poder público adequadamente, uma vez que suas ações foram “indolores”. O
grau de mobilização apesar de inicialmente ter se apresentado razoável, careceu de
continuidade e expansão (geralmente eram as mesmas pessoas que se mobilizavam para as
atividades). Num universo de pouco mais de 40.000 habitantes, apenas uma parcela ínfima
(formada principalmente por jovens estudantes de classe média baixa e por usuários diretos da
água do córrego, como produtores rurais) preocupava-se com as questões ambientais locais, o
que sugeria um nível de participação efetiva nesta questão baixo e pouco representativo.
Em curso de extensão da Universidade de Brasília, realizado em 2003, para formação
de voluntários ambientais direcionado ao parque ecológico do Riacho Fundo, um número
51

significativo de moradores se inscreveu – foram 71 moradores ao todo. Durante o curso foi


possível identificar o impacto urbano sobre o parque, as áreas degradadas e as que ainda
estão preservadas, as condições das nascentes e do córrego do Riacho Fundo. Também foram
planejadas ações direcionadas aos problemas identificados, tais como a erosão do córrego, o
desmatamento das matas de galeria e a poluição do córrego, por exemplo. Porém poucas
ações foram implementadas e destas, nenhuma obteve sucesso em influir na gestão do parque,
apesar da Secretaria de Parques do Distrito Federal e da Administração Regional local terem
sido parceiros na atividade tendo acesso a todos os relatórios de campo e documentos
referentes ao curso.
As questões referentes ao parque, à constituição do conselho gestor e dos conselhos
locais de meio ambiente e desenvolvimento sustentável são colocadas fora das agendas, tanto
pública quanto da sociedade civil organizada. Falta conhecimento legal das questões,
organização comunitária e comprometimento pessoal em torno de causas comuns públicas –
na verdade falta, como diz Bauman, fazer emergir uma causa comum...

1.5.2 As escolas públicas do Riacho Fundo

Nos primeiros contatos com as escolas públicas locais, durante a semana pedagógica
realizada em março de 2003, foi possível observar a dificuldade dos professores em organizar
trabalhos cooperativos, muito porque, por um lado, suas agendas de trabalho14 praticamente
inviabilizam reuniões internas para organização de projetos e ações cooperativas e, por outro,
pelo ideário individualista corrente na sociedade e que tem seus reflexos no cotidiano escolar.
Uma coisa soma-se à outra, e a autonomia docente adquire o viés de resolução solitária dos
problemas e construção solitária de projetos didáticos.

14
O funcionamento das escolas públicas no Distrito Federal prevê horários de coordenação pedagógica para os
professores. A coordenação pedagógica seria o espaço para discutir as questões docentes, pedagógicas e
didáticas no foro coletivo, discussões mediadas pelo coordenador pedagógico da escola. Porém, nem todas as
escolas visitadas possuíam a figura do coordenador, e mesmo naquelas em que o coordenador existia, os horários
de coordenação eram utilizados, via de regra, para organizar os diários de classe, corrigir provas e elaborar
materiais didáticos a serem usados nas aulas. Reuniões de planejamento coletivo ocorriam durante a semana
pedagógica, onde é esperado que a escola organize seu planejamento anual além de dar a partida no processo de
construção do projeto político-pedagógico escolar se for o caso, e quando datas comemorativas se aproximavam,
como dia das mães, pais, meio ambiente e festa junina.
52

Em suas falas sobre a relação da escola com a cidade, sobre os problemas sócio-
ambientais locais, e sobre o que seria possível fazer a partir da escola e da ação pedagógica,
pude encontrar alguns elementos que tecem um quadro das relações sociais internas à escola e
da escola com a sociedade local. Destaco a seguir algumas falas que são representativas do
discurso dos professores de forma geral.

I - Os sintomas do individualismo: o fechamento para o outro; a meritocracia e a competição;


a dificuldade para mudar (a manutenção do status quo):

Fala (a): diz que “escola não é família” e que os professores “não trabalham porque
têm preguiça”.
Fala (b): coloca que o conjunto de professores “não dá oportunidade a quem chega”,
que os professores, não querem mudar e que existe “o comodismo” e a “má vontade”.
Fala (c): diz que: “Quero ver como isso vai funcionar. É fácil dizer ‘vamos fazer um
projeto’. Mas falta integração. Cai na individualidade”.
Fala (d): diz que: “Falta colaboração entre os professores. Eles não mostram seus
trabalhos”.
Fala (e): “É sempre assim, a gente faz um trabalho, dá duro, e aí vem o colega só
querendo usufruir, ou então não reconhece, pois aí mostra que ele é incompetente”.

II - A falta de uma causa comum que congregue os professores:


Fala (f): diz que “a categoria está desmotivada, há muita desinformação, desunião,
falta de coragem para lutar pelos seus direitos, falta de ideal”.
Fala (g): diz que “um projeto para dar certo precisa dar continuidade”, referindo-se
ao fato dos professores iniciarem um trabalho e depois, quando começam as dificuldades o
abandonam.
Fala (h): diz que “seria necessário um projeto para resgatar a auto-estima do
professor”.
53

III - As relações dos professores com o poder público e com a sociedade local:

Fala (i): referindo-se ao fato da Administração Regional local participar do Comitê


Comunitário do Riacho Fundo que solicitou o projeto de educação ambiental nas escolas:
“esse vínculo do projeto com a administração regional, para mim, é difícil”, “a gente faz um
projeto e aí a administração vem e usa como marketing? Se for por aí, eu tô fora”.
Fala (j) diz que: “Sempre trabalhei com os pais. Mas os pais não sabem definir os
seus papéis. Alguns esquecem os filhos, ou não têm tempo. São poucos os que querem
arregaçar as mangas”.

É extremamente significativa a fala “escola não é família”. Que tipos de relações


sociais existem ou deveriam existir numa escola? Que tipos de relações sociais existem na
família? Em que medida essas relações são diferentes?
Posso argumentar, baseando-me em Tönnies (1979) e Weber (2000), que a escola
pública enquanto instituição do Estado é uma instituição burocrática, exercendo o poder
através de uma dominação legal cujas relações sociais são hierarquizadas, contratuais e
objetivas e que a família, de forma geral, ainda representa compromissos em longo prazo,
cujas relações sociais internas são subjetivas e baseadas em vínculos de sangue, confiança e
de apoio mútuo e que assim sendo, o que estaria em jogo seria a contraposição entre as noções
de comunidade e de sociedade – ou melhor, uma polaridade entre relações comunitárias e
relações societárias (ou associativas). Mas o que a fala da professora reflete é a idéia de que
não é possível ou desejável que se desenvolva outro tipo de relação social dentro da escola, ou
que pelo menos ela não deveria ser referência para o comportamento interpessoal e
intersubjetivo. A não desejabilidade relaciona-se com a idéia de legitimidade (no sentido do
papel e das funções a serem desempenhadas pela escola e pelos professores, a partir da idéia
de relação contratual) para desenvolver outra qualidade de relação social, sendo assim
compreensível, porque, para esta mesma professora, um trabalho quando não é realizado é por
preguiça do indivíduo e não por um outro motivo, como por exemplo, a falta de apoio
54

logístico-institucional, a falta de integração e apoio mútuo entre os professores, ou as


condições materiais de classe – baixo salário, número elevado de aulas e alunos por turno.
Ao mesmo tempo em que formam um grupo que se reconhece portando essas
características (falta de integração, comodismo, individualismo) desejam realizar projetos em
conjunto, mas não sabem como, pois aí reside uma tensão primordial explicitada na
polaridade competição-cooperação onde, por um lado, emerge a necessidade da eficiência, do
mérito e do reconhecimento de um trabalho bem feito e, por outro, as implicações advindas de
se trabalhar coletivamente: o trabalho é de todos, a necessidade de se criar condições para
integrar os novos professores que chegam e a necessidade de “boa vontade”.
Poderia se pensar, então, que um projeto para poder ter respaldo e participação dos
professores, deveria ser proposto pela direção da escola, burlando assim os possíveis
constrangimentos entre colegas (enquanto não sendo iniciativa isolada de um colega ou
pequeno grupo, não geraria sentimentos de ciúmes ou de incompetência nos demais).
Entretanto, isso gera outro tipo de tensão que advém da própria relação entre a administração
escolar e o corpo de professores. Do ponto de vista das relações sociais estabelecidas entre
esses dois grupos, há uma crise na legitimidade do exercício do poder da direção escolar sobre
a escola, em particular sobre o corpo docente.
Essa crise vem da contraposição dos processos de seleção dos cargos de direção
escolar entre as administrações do governo anterior (1995-1998) e o atual governo. De forma
geral, o processo que regula a escolha dos cargos de direção nas escolas do Distrito Federal
possibilita o surgimento de embaraços entre as novas direções e os professores efetivos.
No governo anterior, os cargos de direção eram escolhidos por processo amplo de
eleição direta na escola. No atual governo, o processo de seleção para os cargos pressupõe um
concurso, mediante realização de provas e análise de títulos, cujo objetivo manifesto é atestar
a capacidade profissional do candidato. Em linhas gerais, para que o concurso ocorra é
necessário, no mínimo, quatro candidatos ao pleito. Uma vez realizado o concurso, e tendo ao
menos três candidatos aprovados, uma lista tríplice é apresentada à Secretaria de Educação,
que nomeia um dos nomes. No caso de não haver candidatos ou se estes não passarem nos
exames, caberá à Secretaria de Educação a nomeação direta dos cargos de direção da escola.
Para os professores o atual modelo de seleção de cargos para direção não é
democrático, não inspirando respeito às direções nomeadas (como se atesta numa fala de uma
professora, num encontro ocorrido em 2004: “a nossa diretora é a ‘patricinha’ do Roriz”).
55

Na verdade o termo democrático é usado no discurso do professor no lugar de


‘desenvolvimento de autonomia escolar’. É fundamental que as escolas desenvolvam sua
autonomia, uma vez que cada escola possui particularidades que a administração central não
conhece. A urgência da escola transforma-se em ansiedade e angústia frente à burocracia das
secretarias de educação e nesse sentido, a autonomia da escola é um exercício de
democratização de um espaço público.
Esse exercício, contudo, não pressupõe como condição necessária de realização, a
eleição direta para os cargos administrativos da escola. A escola pode e deve desenvolver sua
autonomia ainda que sua administração tenha sido nomeada.
O que está implícito no discurso dos professores é, por um lado, o questionamento da
legitimidade do processo pelo qual a administração central (Secretaria de Educação) exerce
domínio sobre as unidades de ensino, e, por outro, a resistência ao ideário político subjacente
às ações do atual governo e que são sentidas na organização da escola.
Isso também está refletido na fala que aponta o impedimento de se fazer qualquer
projeto coletivo que conte com apoio ou parceria do poder público local (Administração
Regional do Riacho Fundo) e a profunda desconfiança das motivações que levaram esse apoio
ou parceria se estabelecer.
O problema não é se o processo de seleção é mais ou menos democrático porque é
mais ou menos participativo – o problema é como aceitar que a nomeação de cargos pelo
poder público democraticamente instituído, seja um processo legítimo – e que assim sendo,
faz parte de todo e qualquer governo que venha a ser eleito?
Não é possível contrapor conceitos como legitimidade e participação, ou mesmo
democracia. A legitimidade está relacionada às normas instituídas e ao seu caráter legal –
legalidade essa fundamental para o desenvolvimento do processo democrático brasileiro.
Porém é lícito perguntar se o caminho escolhido pelo governo local para a nomeação dos seus
quadros nas escolas é o mais indicado do ponto de vista da organização e do empoderamento
social.
Weber (2000), assinala muito bem o caráter da legalidade na vigência legítima de uma
ordem. Para ele, a crença na legalidade é um dos elementos que faz com que os indivíduos se
submetam a certas ordens, desde que estas estejam de acordo “com os estatutos estabelecidos
pelo procedimento habitual e formalmente correto”. Mais adiante em seu raciocínio, pontua
que a disposição de um ou mais indivíduos em acatar uma ordem dada (desde que não seja
56

por medo ou por objetivos específicos e pessoais15) “pressupõe a crença na autoridade em


algum sentido legítima daquele ou daqueles que impõem essa ordem.”
Ainda segundo Weber, esse tipo de exercício do poder é o que ele chama de
“dominação legal através de quadros burocráticos”. A nomeação de funcionários faz parte
desse tipo de dominação.
Na estrutura burocrática da escola, direção, professores e funcionários fazem parte dos
“quadros burocráticos” no sentido dado por Weber. Entretanto são quadros estruturados de
formas distintas, ao menos no entendimento do professor. A desconfiança quanto às reais
intenções do processo seletivo dos cargos de direção está associada a percepção manifestada
pelos professores de que a escolha dos diretores associa-se muito mais às opções políticas
destes do que às suas competências administrativas. É possível concluir que a dificuldade dos
docentes em aceitar esse quadro é uma espécie de sintoma de resistência ao domínio da
administração central.
O entendimento por parte dos professores que a nomeação da direção tal como é feita
hoje é legal, não diminui a certeza de que apesar de legal ela não é adequada, no sentido do
empoderamento social e do aumento da capacidade organizativa dos grupos sociais e a sua
“aceitação passiva” se dá, no mais das vezes, por um sentimento de impotência (o que Weber
descreve como fraqueza ou desamparo) frente às normas instituídas e a burocracia do Estado.
Assim, as relações entre direção e professores são relações de luta, ou seja, relações
onde cada grupo procura suplantar a ação do outro. Isso ocorre de várias maneiras, desde o
boicote às atividades e informações, à falta de participação e motivação nas atividades
escolares propostas.
É interessante notar nas falas dos professores, que cada um vê o outro como sendo
aquele que não quer fazer projetos coletivos, isso valendo inclusive para as relações da escola
com as famílias, onde os pais são responsáveis por “não saberem suas funções” ou por não
quererem “arregaçar as mangas”. Todos são unânimes em identificar as mazelas e sabem que
o apontamento de soluções demandaria de cada um uma mudança significativa no seu
comportamento social na escola, seja tecendo um novo quadro de relações – mais próximas e

15
Weber (2000, p.140) coloca que a obediência a uma ordem não está necessariamente ligada a aceitação
individual da sua legitimidade, o indivíduo pode acatar uma ordem por “fraqueza ou desamparo individual”. O
mais importante não é se a ordem foi acatada por ser legítima ou não, mas se a sua pretensão de legitimidade é
válida o suficiente para consolidar sua existência e determinar a natureza dos meios de dominação.
57

comprometidas, seja encarando o conflito administrativo-docente, mas como uma fala reflete,
“não querem mudar”, estão acomodados.
Essa acomodação é conseguida a “duras penas”, num processo de individualização
cada vez mais intenso observado na sociedade como um todo. Por que considero um processo
“duro”, e não um resultado de simples indiferença social? Porque essa noção introjetada de
individualização acaba fazendo com que o individuo (no caso o professor) exija de si mesmo
um alto grau de competência, uma responsabilização total por seus acertos e desacertos a
partir de um fechamento para o outro, impedindo, paradoxalmente, que ele se realize como
pessoa, isto é, que seja um indivíduo relacional16. O indivíduo acaba aprendendo a viver na
corda bamba, transitando sobre a exigência de responsabilização solitária pelo seu sucesso e o
fechamento para o outro como medida de precaução quando se vê incapaz de realizar suas
tarefas ou como princípio de competição.
Assim, é compreensível que a auto-estima do professor esteja baixa, que esteja
desmotivado e que não se engaje em lutas coletivas pelos seus direitos. Mas, querendo ou não,
sua vida individual está irremediavelmente ligada a dos outros e bani-los do seu convívio, ou
por outra, crer que é possível (ou desejável) realizar-se sozinho, é falácia da modernidade que
só gera solidão e frustração.
Apesar dos professores em suas falas mostrarem as limitações para que projetos
coletivos sejam viabilizados na escola e a partir da escola integrando com a comunidade local,
há professores que se mostram interessados em desenvolver projetos (no levantamento inicial
onde propus a organização de um projeto voltado às questões sócio-ambientais locais, 90
professores, de 8 escolas visitadas, deram seus nomes) sendo que alguns se empenharam
profundamente para que fosse possível realizar algo novo. Num grupo de 20 professores, às
vezes, dois ou três se mostram interessados em partir para a construção de um trabalho, mas
sentem-se tolhidos pela burocracia da escola e pela falta de apoio dos colegas. Boas idéias
acabam sendo colocadas de lado.
Nessas mesmas escolas que visitei, vários professores falaram da vontade de fazer um
trabalho relacionado com o meio ambiente, projetos de coleta seletiva de lixo, de hortas
escolares, de trilhas ecológicas, de alimentação alternativa, de criar oficinas de aprendizagem
para os pais, e assim por diante. Alguns professores se preocupavam com as condições

16
Guareschi (1999) tem um expressão que ao meu ver resume essa idéia: “pessoa=relação”.
58

materiais das famílias de seus alunos, e desejavam fazer algum trabalho que revertesse na
melhoria dessas condições. Mas essas idéias, na maioria das vezes, sequer chegaram ao papel.

1.6. PARA RE-ENCANTAR AS RELAÇÕES

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:


a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio
que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.
Manuel de Barros

Resumindo, a visão de comunidade propalada pela modernidade termina sendo


exemplo para aqueles que estão imprensados entre a pobreza e o desejo de progresso e
sucesso pessoal, valores amplamente aceitos hoje. Dessa forma, juntam-se, por um lado a
insegurança e a incerteza relacionadas ao dia de amanhã e, por outro, o ideário liberal que
prega a felicidade como finalidade do indivíduo a ser realizada solitariamente. Esses valores
quando juntos, dificultam, quando não inviabilizam, a construção de uma comunidade
baseada em valores éticos – ou seja, valores que, acima de tudo, afirmem a existência da
pessoa.
A incapacidade de planejar e de seguir um planejamento está ligada à precariedade da
vida moderna que é destituída de laços comunitários de segurança e tradição, de rotinas de
trabalho que façam sentido e desemboca na incerteza quanto ao futuro, pessoal e social.
Existe a impressão, sempre presente, de que o hoje não fará história amanhã, ou seja, que tudo
é por demais fugaz e passageiro.
Mas se por um lado, na modernidade, são efetivados os valores do individualismo e do
neoliberalismo econômico, por outro surge um número cada vez maior de ações coletivas,
comunitárias, visando causas sociais comuns, criando novos modos relacionais, onde se
59

observa uma participação popular intensa. Apesar de serem ações pontuais se comparadas ao
tecido social como um todo, essas ações permitem outras abordagens de vida e novos olhares
para a sociedade e conseqüentemente uma relação social que não seja pautada exclusivamente
nos interesses individualistas e liberais. Nessa perspectiva, as ações educativas são por demais
necessárias no emponderamento dos grupos sociais, na articulação entre os conhecimentos
científicos e populares (saberes tradicionais e locais), assim como para incentivar a
emergência de grupos solidários potenciais e ajudá-los nos seus primeiros movimentos de
fundação.
Apesar do Riacho Fundo não constituir uma comunidade no sentido estrito do termo,
relações solidárias e comunitárias (éticas) podem emergir no contexto urbano daquela cidade,
a partir da mobilização e focalização em certos aspectos, em especial, aqueles que se
relacionam às questões sócio-ambientais locais.
O sentido de pertencimento (enraizamento e territorialidade) é mais visível no Riacho
Fundo 1, primeiro pela clareza que parte dos moradores possuem dos problemas urbanos que
são comuns, depois pela existência de uma mobilização mais intensa e por um tempo de
ocupação urbana maior se comparado ao Riacho Fundo 2.
Porém o sujeito não consegue ainda caminhar, desde o seu espaço egocentrado, para o
“outro” por um ato de amor (desinteresse, solidariedade). As relações sociais locais ainda
estão dentro do domínio da possibilidade de conhecer o “outro”, de ao conceituá-lo, englobá-
lo na totalidade de sentido que a modernidade representa. São relações balizadas pelo binômio
conhecimento-poder, espelhadas na ótica do individualismo e amparadas por uma política
fisiológica e clientelista local, não podendo, dessa forma, servirem como base para relações
comunitárias no sentido da communitas17.
Sendo a comunidade ética balizada por valores como a cooperação, a solidariedade, a
autogestão, o bem comum, a dimensão pedagógica dos processos de gestão sócio-ambiental,
nesse sentido, tem um papel importante a cumprir, onde a primeira ação, e talvez a mais
fundamental seja a de servir de espaço para emergência desses valores, num processo que se
dá a partir da responsabilização pela alteridade radical mundana.
Esse processo pedagógico não pode existir apenas no domínio da razão e da
tecnociência, mas englobar os afetos, as intuições e os saberes de diversas ordens. E aí está
um grande desafio, pois vivemos sempre na iminência do erro e da ilusão (Morin, 1996).

17
As relações entre o conhecimento, a alteridade e o poder serão discutidas no capítulo seguinte.
60

Dessa forma, esse processo pedagógico necessita partir da constatação de que à luz
desta modernidade volátil, o indivíduo no acelerado processo de individualização, desenraiza-
se de suas origens biológicas, desvincula-se do seu território e bloqueia as possibilidades de
diálogo real. Sem diálogo real não é possível ao indivíduo tornar-se pessoa, nem construir sua
cidadania.
Ao corroer a possibilidade de emergência da cidadania, a modernidade também corrói
a possibilidade de interação responsável com a natureza, pois este é o nosso legado, um
conceito de natureza que nos causa estranhamento, já que se apresenta na dialética
pertencimento/separação, uma existência reduzida a recurso, oscilando entre patrimônio e
bem circulante, sujeita a um desenvolvimento gerador de crise. Crise essa não restrita apenas
aos aspectos materiais da vida, mas, sobretudo, àqueles valorativos, os que definem a
humanidade do homem. A humanidade está em crise porque no correr dos séculos, na busca
de desenvolvimento, de aumento de lucros, de conhecimento e poder, ela perdeu sua
humanidade.
A ação humana comporta um desequilíbrio acelerado no processo generativo criação-
degradação, vida-morte no planeta. Esse desequilíbrio, como já foi apontado acima, encontra-
se nas relações que o homem estabelece com a natureza, onde a alteridade é posta como
objeto ou então, mais modernamente, relegado à obsolescência.
Podemos, então, encarar a crise atual como uma crise de degradação das relações
sociais, estas entendidas de agora em diante como a crise na pessoa, ou para ficar mais claro,
a impossibilidade de ser pessoa. É a crise da falta da comunidade real – local do
acontecimento do encontro dialógico, da falta da abertura à bondade que se faz como
acolhimento do outro em sua alteridade irredutível.
A práxis pedagógica deve então, por um lado, pautar-se na aceitação da alteridade
mundana e nas relações dialógicas e por outro, no que se refere às questões sócio-ambientais,
procurar tratar os conflitos e questões comuns tecendo um grande esforço no sentido de
traduzir os problemas privados em questões públicas. Ao mesmo tempo, enquanto atitude
relacional, esta práxis deve permitir e mesmo incentivar a emergência de vínculos solidários e
comunitários, de novos espaços do fazer humano e novas formas de organização social, como
parte de um processo educativo mais amplo, não apenas balizado pelo conhecimento, mas
antes e fundamentalmente, pela responsabilidade pelo “outro”, pela alteridade.

GE DF
61

2 – ALTERIDADE, ÉTICA E EDUCAÇÃO (AS LINHAS DO BORDADO)

Solo le pido a Dios


Que el dolor no me sea indiferente
Que la reseca muerte no me encuentre
Vacio y solo sin haber hecho lo suficiente.

Leon Gieco

No capítulo anterior, Natureza e Comunidade foram discutidas à luz dos pressupostos


modernos, procurando explicitar a crise e a ambigüidade da modernidade circunscritas, em
última instância, à negação da alteridade. Procurou-se mostrar, por um lado, a tensão entre a
necessidade de aceitação e reconhecimento de cada indivíduo na sua singularidade e a
exclusão ou autofagia das relações modernas que impedem que isso aconteça
verdadeiramente, e por outro, o domínio exercido sobre o ambiente natural, cuja “alteridade”
é negada peremptoriamente, transformada em recurso econômico, incorporada a esquemas
conceituais e simbólicos que explicitam o mundo da vida como uma unidade estática.
A ética passa a ser compreendida como normas e códigos que são tacitamente aceitos,
sem que haja por parte do sujeito o compromisso e a responsabilidade real por seus atos, tanto
em relação a outro homem quanto ao meio ambiente.
A educação, enquanto um processo permanente de formação humana, não pode deixar
de referenciar-se a essas questões, sob pena de transformar-se em adestramento. Nesse
sentido, a educação deve portar o caráter transformador, voltado aos contextos de
marginalização de indivíduos e grupos, e à banalização do ambiente transformado em
mercadoria.
No contexto das críticas realizadas no capítulo 1, este caráter transformador demanda
por uma pedagogia que se ampare nas noções de alteridade e responsabilidade e que assim
sendo, crie condições de possibilidade no seu fazer educativo para a emergência de espaços de
communitas.
Tendo essas questões em mente, para que seja possível chegar-se a uma prática
educativa referenciada pela alteridade e pela ética que ela funda, é necessário discutir a noção
62

de identidade moderna, sua relação com o conhecimento moderno e como este conhecimento
contribui para a sabotagem da aceitação da alteridade radical.

2.1. A IDENTIDADE MODERNA

Eu não sou cristão


Eu não sou ateu
Não sou japa, não sou chicano
Não sou europeu
Eu não sou negão
Eu não sou judeu
Não sou do samba nem sou do rock
Minha tribo sou eu.

Zeca Baleiro

Nas sociedades tradicionais a identidade era algo que não era objeto de
problematização, uma vez que o indivíduo constituía uma realidade estável, vivendo numa
determinada ordem de papéis sociais e submetido a um sistema de normas que determinava os
comportamentos socialmente aceitáveis.
Com o advento da modernidade esta identidade não problemática e não
problematizável passa por profundas alterações. O sujeito passa a estar no centro do mundo,
resultado de um novo paradigma que aponta para uma nova subjetividade18 do indivíduo, que
se vê forçado a responder por seus próprios problemas na ausência de uma comunidade
vinculante e de normas de comportamento tacitamente aceitas.
Esta identidade moderna tinha como características a condição egocentrada, a auto-
consciência e a consciência social, esta última dada pela necessidade de relacionar-se com o
outro na exigência de reconhecimento mútuo.
Na filosofia é Descartes que introduz a idéia de sujeito ao afirmar sua famosa frase
“cogito ergo sum” e na relação com o objeto do conhecimento. O contexto de afirmação

18
Neste capítulo o termo subjetividade é entendido como sendo efeito de um campo de produção social (campo
de subjetivação) diferenciando-se da noção de sujeito compreendido como um dado original. Nesse sentido a
subjetividade é resultado da tensão entre o indivíduo e a sociedade a partir de mútua relação e influência. Dessa
forma é possível também se pensar em subjetividades coletivas, além da individual, que transcendem as
dicotomias entre indivíduo e sociedade, sujeito e grupo, a partir da mútua implicação nas relações mantidas entre
o indivíduo e a sociedade e entre o sujeito e um determinado grupo social do qual ele faça parte.
63

desta frase está relacionado à preocupação de Descartes em encontrar um método capaz de


chegar à verdade, em como seria possível conhecer o mundo, um mundo que era dado e que
poderia, por meio da razão, ser investigado e tornado transparente ao pensamento humano.
Para que isso fosse possível, segundo Descartes, era necessária a colocação de uma
dúvida metódica que pusesse na berlinda todas as nossas crenças, e que explicitasse a razão
como única forma segura de conhecer, pois nem a fé nem o conhecimento que vem dos
nossos sentidos seriam dignos de crédito absoluto. É postulado, portanto, que o objeto a ser
conhecido deve estar isento de todas as coisas que possam impedir o alcance da verdade
objetiva, quais sejam, aquelas que o definem para além da matéria, e que estão dadas pelo
olhar humano que porta significado ao mundo – crenças, valores, símbolos, imaginário.
Descartes ao introduzir o “eu penso” explicita a significação da separação entre sujeito
e objeto em seu pensamento: o sujeito é o portador da razão, único alicerce seguro na busca
da verdade, e o objeto é algo desinfetado de tudo aquilo que não pode ser racionalmente
compreendido e que a dúvida metódica cartesiana se encarregou de expurgar.
Descartes foi o primeiro pensador moderno a afirmar a autoridade do pensamento
humano. Para uma sociedade que estabelecia uma nova ordem de valores a razão cartesiana se
apresentava como o único alicerce sólido, capaz de suportar os ceticismos. A dicotomia entre
res extensa e res cogitans possibilitou, como foi dito no capítulo anterior, uma interpretação
mecanicista da natureza, livrando-a de teleologias imanentes e justificou a abordagem
racional e empírica dos fenômenos – tornando desnecessário abordagens metafísicas19.
Mas o sujeito cartesiano não é realmente um sujeito – ele não constitui nada, é uma
subjetividade abstrata, apenas surge como necessidade metodológica para demarcar a
separação entre a idéia e a matéria, colocando a idéia num patamar superior à matéria. É um
sujeito do conhecimento, solitário, que se depara com as coisas do mundo, objetos que ele
deve, de alguma forma, conhecer. Essa forma de conhecer se dá por meio de representações,
isto é, pelas idéias ou conceitos que representam as coisas do mundo.

19
Nesse sentido, Descartes advoga pela instauração de uma “nova filosofia”, chamada por ele de prática, em
contraposição à especulativa. Essa nova “filosofia prática” tem por modelo, as ciências físicas, e se contrapõe,
desde então, à filosofia, tida por Descartes, como meramente especulativa. Nas palavras de Descartes: “Adquiri,
porém, algumas noções gerais da física e, ao principiar a experimentá-las em diferentes dificuldades particulares,
observei até que ponto podem levar e quanto são diferentes dos princípios de que até o momento nos temos
utilizado, acreditei que não podia mantê-las escondidas sem grave infração da lei que nos obriga a buscar, tanto
quanto isso esteja em nossa dependência, o bem geral de todos os homens. Elas fizeram-me enxergar que é
possível adquirir conhecimentos muito úteis para a vida e que, em lugar dessa filosofia especulativa que se
ensina nas escolas, pode-se encontrar uma filosofia prática (...)” . Descartes, R. (s/d, p.113). É certo, contudo,
que Descartes funda uma nova metafísica ao abordar o mundo como transparente e dado à razão humana.
64

A articulação do sujeito social se dará em Hegel ao operar no paradigma do


reconhecimento apontado na dialética senhor-escravo, onde o escravo e o senhor mantêm
mútua relação de dependência e servidão: o senhor necessita do escravo para se afirmar
enquanto tal, e o escravo depende do senhor para sua sobrevivência.. Isso acontece, segundo
Hegel, a partir de uma consciência que olha as coisas do mundo como objetos – seus objetos
de conhecimento e de desejo. Mas este desejo também se apresenta como reconhecimento – o
desejo de ser reconhecido pelo outro.

A partir daí a consciência de si apreende a necessidade não só de superar a


imediatidade do sensível como também de superar a mediação do outro
compreendida como dupla servidão. É neste ponto que a consciência, que
permanecia no nível do entendimento, eleva-se ao nível da razão. O reino
da subjetividade dá lugar a uma inteligibilidade do mundo que não depende
apenas da consciência (Silva, 1986, p.110).

Ainda, Hegel introduz a perspectiva de pensar o mundo propriamente humano – o


mundo da história, mudando a relação tradicional entre sujeito e objeto,

afirmando a identidade sujeito e objeto, entre o geral e o particular. A


história é o lugar onde acontece o processo da superação do particular e da
afirmação do geral, processo este no qual o particular é dominado pelo
geral. Trata-se da famosa astúcia da razão que se realiza na história
(Milovic, 2004, p.20).

Como retrata a citação anterior, o geral se sobrepõe ao particular – o Estado ao


indivíduo, ou mesmo, o Estado sobre outras formas de organização social divergentes ou fora
de sua regulação direta. Apesar de Hegel expor um sujeito social, este sujeito não é
emancipatório, pois mantém a lógica de dominação e colonização vigentes na época: a relação
65

senhor-escravo em Hegel pode ser uma relação de mútua dependência, mas o escravo não é
um outro verdadeiramente, mas o “outro do senhor”, ao senhor referido.
Santos ao abordar a questão da identidade e da modernidade, refere-se aos processos
de colonização do período moderno, colocando que “a subjetividade do outro é negada pelo
“facto” de não corresponder a nenhuma das subjetividades hegemônicas da modernidade em
construção: o indivíduo e o Estado” e que “o outro não é um verdadeiro indivíduo porque o
seu comportamento se desvia abissalmente das normas da fé e do mercado.” (1997, p.139)
Para Santos, a subjetividade moderna foi sujeita desde sempre a tensões múltiplas.
Neste jogo de tensões, saiu vitoriosa a subjetividade individual e abstrata, ao invés de uma
subjetividade coletiva e contextual. A vitória da subjetividade individual sobre a coletiva deu-
se no bojo das pressões exercidas pelo princípio de mercado e da propriedade individual,
acarretando segundo ele a “exigência de um super-sujeito [o Estado liberal] que regule e
autorize a autoria social dos indivíduos” (1997, p.138) e no vazio criado pela destruição das
comunidades medievais, vazio este que “vai ser conflituamente e nunca plenamente
preenchido pelo Estado moderno”(1997, p.137).
Esta subjetividade individual surge como independência à sujeição pessoal (relações
senhor-escravo) e é confundida com a idéia de liberdade. Mas a sociedade moderna vive na
contradição, pois esta “liberdade” convive com a dominação. Segundo Ramos (2002):

O indivíduo ‘livre’ se vê agora dominado por forças objetivas e


independentes da vontade dos homens. Na verdade, o trabalhador está
desimpedido para vender sua força de trabalho que surge diante de si como
sua ‘livre’ propriedade. Entretanto, a sobrevivência e a reprodução desse
sujeito ‘autárquico’, subordinam-se às forças produtivas que o dominam.

Dessa maneira, o sujeito só é “livre” internamente, numa esfera privada. Nas relações
de trabalho se submete ao “senhor” – o patrão, e na esfera pública à autoridade da lei e do
Estado.

Ele é reduzido a sua subjetividade, nela encontrando refúgio e salvação. Já


sua força de trabalho pode ser alienada a outrem. A descoberta do indivíduo
deveria acarretar a liberação do corpo e do prazer. No entanto, ele é
confinado à produção e à reprodução. O prazer é reprimido, submetido à
66

disciplina. Ao "espírito" são reservados "causas nobres", sobretudo a


política (Ramos, 2002).

Dessa maneira, a assepsia do racionalismo cartesiano, por um lado e a solidão do


sujeito moderno destinado a ser “livre” apenas na esfera privada, vivendo a contradição da
autonomia e da heteronomia e impelido a buscar reconhecimento, por outro, articularam na
sociedade contemporânea graves entraves – a reificação dos sujeitos e a ilusão da
transparência do mundo que juntos performam as possibilidades de dominação e de
indiferença sociais expressadas nas relações sociais vivenciadas atualmente.

2.2. SOBRE OS SUJEITOS DA MODERNIDADE CONTEMPORÂNEA: O TEMPO E


A DIFERENÇA

A partir da inspiração nos trabalhos de Bauman (1997; 2001; 2003), dois conceitos
apresentam-se como articuladores de possíveis alternativas em face dos desafios práticos da
contemporaneidade: o tempo e a diferença. Por meio destes dois conceitos as conseqüências
da modernidade são expostas, por um lado, como resultado da alteração do tempo e
enraizamento das incertezas e urgências na efetivação das identidades, e por outro, como
resultado da “fetichização” da diferença, alçada a marca identitária, sem prestar atenção à sua
ambigüidade latente expressa na polaridade inclusão/exclusão.

2.2.1. O tempo

A modernidade é, talvez mais que qualquer outra coisa, a história do tempo:


a modernidade é o tempo em que o tempo tem uma história.

Bauman

Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei.


Transformai as velhas formas do viver,
Ensinai-me, ó pai o que eu ainda não sei,
Mãe Senhora do Perpétuo socorrei.

Gilberto Gil
67

Será o tempo uma entidade? Será que o tempo existe fora do espírito? O tempo é uma
realidade ou uma representação? Há um tempo absoluto ou ele é relativo? Estas são questões
que percorreram o pensamento filosófico e que ainda se fazem pertinentes no contexto da
filosofia, porém são as macro-alterações na vivência do e no tempo para os indivíduos das
sociedades ocidentais – algo próximo de uma história do tempo que são relevantes para o
presente trabalho.
Com a ciência moderna há uma espécie de abolição do tempo: o universo
essencialmente permanecia idêntico a ele mesmo – imutável, ainda que em movimento. Este
universo era compreendido como uma grande máquina, cujo funcionamento seria descrito por
leis físicas e matemáticas gerais e universais, também imutáveis, onde o tempo é concebido
como uma grandeza contínua e absoluta.
No mundo cotidiano humano, o tempo físico pouco tem a ver com o tempo subjetivo e
psicológico – aquele que nos dá a dimensão da finitude e sobre o qual organizam-se as vidas
individuais e sociais. Com o advento da modernidade este tempo subjetivo modificou-se
sensivelmente. Se antes o tempo estava amalgamado aos afazeres cotidianos – sem estar
separado nem no pensamento nem na prática dos indivíduos, com a modernidade, o tempo
passou a ser uma categoria do pensamento, separada da realidade cotidiana, isto é, algo que
poderia ser objeto de conhecimento e ferramenta para que certas ações e atividades humanas
fossem melhoradas e otimizadas. Essa categorização tem como impulso o processo industrial,
a necessidade de otimização das tarefas produtivas. O tempo é visto como uma ferramenta
que bem controlada poderia gerar outras ferramentas que encurtariam distâncias (modificação
da relação espacial) diminuindo o próprio tempo para percorrer essas distâncias. Ele passou a
ser questão da "técnica" onde reduzir o tempo realizando as tarefas mais rapidamente, era
acabar com o tempo "improdutivo" ou ocioso.
O tempo como ferramenta passa a ser assim uma questão fundamental na organização
da produção tornando-se também um novo tipo de mercadoria, já que embutido dentro do
sujeito realizador das tarefas produtivas – não se vende apenas o trabalho, mas o tempo de
trabalho de um indivíduo.
No processo de otimização do tempo, no seu duplo - técnica e mercadoria, modificam-
se as relações sociais, estas também referidas à temporalidade. A modificação mais visível se
dá a partir do século XX, principalmente ao se contraporem as sociedades industriais da
primeira metade do século com as atuais sociedades globalizadas. Ora, segundo Bauman
68

(2001), a “modernidade pesada" (referência ao modelo social do século XIX até a primeira
metade do século XX) foi caracterizada pelo seu volume e tamanho, isto é, pela conquista
territorial onde o espaço era o valor e o tempo a ferramenta. Este tempo era de início flexível
e maleável para que fosse possível conquistar determinado espaço, mas ao ser apossado o
espaço, seu controle necessitava de um tempo rotinizado, este dado pela lógica da produção
em série das fábricas. A esta modernidade, ou melhor, a este período da modernidade
compreende um capitalismo (tanto na produção quanto no trabalho) que Bauman chama de
fixo ou “sólido” – imobilizado nas paredes das fábricas e na rotina das tarefas.

O tempo congelado da rotina da fábrica, junto com os tijolos e argamassa


das paredes, imobilizava o capital tão eficientemente quanto o trabalho que
este empregava (Bauman, 2001, p.135).

A partir da segunda metade do século XX, principalmente, iniciam-se mudanças que


irão transformar radicalmente a relação temporal (e a relação espacial) nas sociedades
ocidentais atuais. Com a microeletrônica e as tecnologias da informação, nesta modernidade,
o espaço é atravessado em "tempo nenhum". Cancela-se a diferença entre longe e aqui. O
espaço perde seu valor e o tempo sua permanência (duração). O sujeito nesta modernidade
efetiva a proposta postulada no início dos tempos modernos, quando é afirmada a autoridade
da razão sobre a matéria – ele perde também seu corpo. Como diz (Milovic, 2004, p.23),
“com Descartes, o corpo já desaparece, e nesse sentido o filósofo é quase o inventor da
Internet. O mundo novo e virtual funciona sem os corpos”.
Esta é a modernidade "leve”, fluida, que não se encontra num lugar privilegiado e que
não permite o estabelecimento de relações duradouras, ou melhor, relações duradouras não
fazem parte da proposta moderna. O mundo do tempo subjetivo que corria no ritmo
cadenciado da ordem da fábrica, ainda que castrador e adestrador, é substituído por um
mundo onde o tempo parece não esperar o sujeito chegar. As incertezas em relação ao futuro e
suas condições materiais e simbólicas se alojam na raiz do sujeito, as variações e
probabilidades passam a ser não apenas prerrogativa de um modelo científico, de uma
representação mecânica (ainda que quântica) de mundo, mas estão imbricadas na vida do
sujeito mesmo – o sujeito mantém com o tempo uma relação de angústia e urgência, da
69

consciência de sua finitude e do desespero de ter que efetivar sua “identidade” (lembrando a
questão do reconhecimento hegeliano) num tempo que perdeu sua permanência. As
incertezas, que antes estavam no âmbito das posições relativas entre átomos e partículas, estão
agora a toda volta, nas relações entre os seres humanos.
Este tempo fugaz encaminha as incertezas, que no campo da sociedade acarretam
comportamentos de preservação e ataque. Preservar o que já se conseguiu encontrar,
esforçando-se por manter um núcleo identitário mínimo, seja ele a etnia, a raça, a opção
sexual, os ritos religiosos, a elite econômica, a elite intelectual, enfim uma identidade social
partilhada com outros e o ataque aos diferentes, aos estranhos, outros que estão fora dos
núcleos identitários sociais, culturais e simbólicos comuns a cada grupo social. Esta
modernidade fluida tem como vitrine a globalização. As sociedades modernas
contemporâneas são globalizadas, não apenas nos aspectos econômicos, mas culturais,
simbólicos e sociais. O tempo quase-instantâneo não está relacionado apenas à velocidade dos
fluxos dos capitais financeiros, assim como a virtualidade não está restrita aos processos
especulativos sem território delimitado. Ambos, tempo e espaço, estão referidos às relações
sociais cotidianas, modificando profundamente os juízos de valor relativos à constituição de
vínculos duradouros entre os indivíduos.
Os vínculos sociais entre os indivíduos tendem a ser tão fluidos como o capital
moderno – que escapa à permanência física.
Nestas sociedades marcadas pelo tempo quase-instantâneo e pelo sujeito virtualizado
em busca de reconhecimento, as incertezas passam a ser vistas como frontais ataques à
possibilidade de construção da “identidade” e da obtenção de reconhecimento no sentido da
afirmação de sua subjetividade, já que o sujeito precisa encontrar formas para por ordem, para
sentir-se seguro e para estabelecer seus limites de existência.
Mas ao entrar-se no jogo da criação de identidades e busca de reconhecimento da
modernidade corre-se o risco de levar de contrapeso a própria modernidade, seus valores, suas
práticas e seu capital simbólico hegemônico e as identidades podem se tornar variações sobre
um mesmo tema, um certo monismo, uma “mesmice” onde o reconhecimento é fortuito e
fugaz, escapando no instante seguinte. Nesse sentido, a polaridade identidade/diferença
constitui um aspecto da mesmice moderna, ou melhor, da totalidade moderna, onde as
diferenças, na verdade, estão dadas dentro de um mesmo conjunto de valores possível, onde
também são efetivadas as identidades. Este conjunto tem como fundamentos, o conhecimento,
70

o individualismo, a meritocracia, a competição e a fluidez de laços sociais (ou seja, a des-


responsabilização pelo outro).
A questão da diferença surge então como aspecto necessário para a proteção de valores
e capitais simbólicos da sociedade globalizada – surgem comunidades fictícias, baseadas
nesse capital simbólico que visam proteger núcleos identitários mínimos, mas que se são
estabelecidas em bases não dialógicas serão comunidades da mesmice – da totalidade que a
globalização representa.
É certo que o resgate deste conceito de identidade nos dias atuais é fundamental em
face da homogeneização que a globalização induz. A idéia de identidade resgata a
individualidade como valor e também um sentido de permanência de um modo de ser que
pode enfrentar a crise gerada pela ansiedade e pela “carência de utopias e a desordem global,
que desenraizou o mundo através do titânico processo econômico-técnico-científico do
desenvolvimento capitalista” (Sawaia, 2002, p.119). É neste sentido que as chamadas
identidades locais apresentam-se como núcleos possíveis de resistência a essa ação
homogeinizante da globalização.
Contudo, como diz ainda Sawaia (2002, p.120), “é preciso estar atento às motivações
que direcionam a qualidade de seu resgate”, já que o individualismo é um dos fundamentos
ideológicos em nossa sociedade, implicando no descompromisso social, o que acarreta os
comportamentos de preservação e ataque expostos acima.
Segundo Sawaia, a identidade necessita ser vista como uma articulação das
polaridades permanência/ transformação e não como uma fetichização de um desses pólos,
caindo por um lado na identidade clichê e por outro nas identidades voláteis, ambas bem
assinaladas por Bauman ao descrever as “comunidades modernas”.
Dessa forma, identidade precisa ser vista como “identificações em curso” como
assinala Santos (1997), isto é, ao mesmo tempo em que se transformam, afirmam um modo de
ser. Mas isso só pode ser visto na temporalidade o que conduz à necessidade de se re-
estruturar o tempo num movimento de resistência à pulverização dos instantes.
Dessa forma, a articulação das polaridades permanência/ transformação é condição de
possibilidade para se superar as dificuldades impostas pela impermanência do tempo moderno
associado à necessidade de afirmação da subjetividade como forma de resistência a
globalização em curso.
71

Para tratar da identidade, da diferença e da possibilidade de surgir uma subjetividade


coletiva – rumo a uma organização do tipo comunnitas, é necessário repensar a questão da
diferença o que, num primeiro momento, conduz a uma reelaboração semântica. O que é
diferença e que ela representa na relação com o outro?

2.2.2. A diferença

A capacidade de conviver com a diferença, sem falar na capacidade de


gostar dessa vida e beneficiar-se dela, não é fácil de adquirir e não se faz
sozinha. Essa capacidade é uma arte que, como toda arte, requer estudo e
exercício. A incapacidade de enfrentar a pluralidade de seres humanos e a
ambivalência de todas as decisões classificatórias, ao contrário, se
autoperpetuam e reforçam: quanto mais eficazes a tendência à
homogeneidade e o esforço para eliminar a diferença, tanto mais difícil
sentir-se à vontade em presença de estranhos, tanto mais ameaçadora a
diferença e tanto mais intensa a ansiedade que ela gera.

Bauman

Poned atención:
un corazón solitário
no es um corazón

Antonio Machado

Enrique Dussel em seu livro “Para uma ética da libertação latino-americana” compara
dois termos que normalmente são usados como sinônimos no linguajar cotidiano: diferença e
distinção.
Segundo ele, a palavra diferença na sua raiz latina é composta por dis, que significa
divisão ou negação, e por ferre que significa levar com violência, arrastar. Por conseguinte,
diferente é aquele que é separado ou negado violentamente a partir de uma totalidade de
sentido que o engloba: “O diferente é o arrastado desde a identidade, in-diferença originária
ou unidade até a dualidade. A di-ferença supõe a unidade: o Mesmo” (Dussel, 1977, p.98). Já
o termo distinto tem outra conotação; sua raiz latina aponta para a pluralidade e diversidade,
uma vez que o verbo tinguere significa pintar, por tintura. Dessa forma o distinto não supõe
72

uma unidade anterior, ele é separado pela diversidade e não necessariamente faz parte de uma
totalidade que o compreenda.
Esta diferença de sentido entre distinto e diferente abre a possibilidade para se pensar
as alternativas éticas no mundo globalizado onde o termo diferença transita em caminhos
ambivalentes: por um lado uma diferença que exclui o outro na negação de sua alteridade,
realização da indiferença social, por outro uma diferença que engloba e antropofagicamente
inclui o outro numa totalidade de sentido que novamente, nega a alteridade do outro,
destinado a efetivar o Mesmo - a dominação.
Como diz Dussel (1977, p.98):

“O Mesmo” como a identidade ou unidade primigênia de onde


procedem os di-ferentes, não é igual a “o Mesmo” como dis-tinto de “o
Outro” sem Totalidade que os englobe originariamente. “O Mesmo” e “o
Outro” dis-tintos podem, por sua parte em seu curso paralelo (diverso),
advertir-se como si mesmos, e reatraindo-se sobre si, afastar-se ou fugir do
Outro (a-versio), ou, pelo contrário, mudar-se, trans-duzir-se ou convergir
para o Outro, na solidariedade ou circularidade aberta do movimento do
diálogo (cum ou circum-versio). Por isso a dis-tinção poderá ser vivida
diversamente: como a-versão ou com-versão ao Outro, e nisso consistirá
toda a eticidade da existência.

Mas na esteira da modernidade contemporânea o “Outro” segue desaparecendo. No


seu lugar surge a diferença – o “outro diferente” não apenas o “Outro” sem estar a mim
referenciado. Baudrillard (2003) faz bem em perguntar “mas onde está a alteridade?”
A alteridade sucumbiu ao princípio de mercado e tornou-se um “gênero raro”.
Baudrillard tece uma crítica mordaz à gênese da diferença moderna, onde o “Outro”, o
irredutível, o que se estende para além da minha compreensão e poder, reduziu-se ao Mesmo,
ao outro de alguém e recebeu o nome de “diferente”. Este “outro” – o diferente, é objeto de
compreensão, resultado da neutralização da alteridade real perpetrada pela razão e pelo
princípio do mercado. Dessa forma o diferente, na verdade é o Mesmo, ambos variações
cromáticas numa mesma paleta simbólica – a modernidade.
73

Mas o que é a alteridade?


A alteridade é a fratura na existência humana. É a ruptura com o mundo natural no
qual, antes da consciência, os seres estavam mergulhados constituindo uma mônada de
sentido. Esta ruptura é a consciência do “outro”, da distinção e da separação que se estabelece
a partir daí. Esta fratura dilacera o ser humano: ele é incompleto, infinitamente distante do
outro, solitário. Ao mesmo tempo é esta separação que permite ao ser humano libertar-se de
seus programas genéticos, e que lhe permite ter identidade própria. A alteridade não é uma
escolha, é uma imposição e condição de possibilidade para a existência da pessoa humana. O
nascimento da pessoa humana como sendo relação é a tentativa, senão desesperada, de
suturar esta fratura, de cruzar o abismo da separação: aproximar-se do outro, tocar, dialogar
com o outro, compreender o outro.
Todo esse movimento, na busca de uma costura impossível, se dá pelo desejo – somos
seres desejantes. Nossos desejos nos fazem lançar pontes de sentido por sobre todas as
situações que vivenciamos, mas as contingências mundanas fraudam a satisfação do desejo.
Segundo Ruiz (2003, p.59),

percebemo-nos sedentos de Infinito e invadidos pela contingência. A


condição humana é a de seres fraturados que peregrinam recriando o mundo
em que vivem e revivendo cada momento e circunstância como inéditos.

Esta angústia existencial, da separação e da solidão, termina por possibilitar a


emergência de desejos que ao invés de manterem a radicalidade da alteridade (que abre a
possibilidade real de liberdade e constituição da pessoa humana), acabam por destruí-la.
O processo de destruição da alteridade radical inicia-se na separação entre matéria e
idéia, aprofunda-se no individualismo homogeneizador que estabelece normas, valores e
padrões de conduta social aceitáveis. Nesse rol não há espaço para a distinção, a diversidade e
a pluralidade, mas apenas a diferença pode emergir, como discriminação que implica no
processo de exclusão/inclusão dos indivíduos e grupos sociais. Ainda segundo Baudrillard
(2003, p.135):
74

Nos últimos séculos, todas as formas de alteridade violenta foram


inscritas, por bem ou por mal, no discurso da diferença, que implica
simultaneamente a inclusão e a exclusão, o reconhecimento e a
discriminação. A infância, a loucura, a morte, as sociedades selvagens, tudo
isso foi integrado, assumido, absorvido no concerto universal. (...) Os
mortos, uma vez reconhecidos em sua identidade de mortos, viram-se
confinados em cemitérios e mantidos à distância, até o apagamento total da
face da morte. Aos índios, só foi reconhecido o direito de existência para
serem confinados em reservas. Tais são as peripécias de uma lógica da
diferença.

Essa foi a história das colonizações, dizimando (excluindo) populações inteiras ou


“educando” e “catequizando” (incluindo) outras tantas, e ainda é história no mundo, bastando
lançar o olhar para o oriente médio, que por mais que se insista, que se invista na divulgação
dos valores ocidentais, mesmo ocupado fisicamente por empresas comerciais e companhias
bélicas européias e norte-americanas, resiste veementemente a se transformar numa sociedade
balizada pelos valores da civilização branca ocidental. O oriente médio, e em especial, os
grupos mulçumanos, resistem a serem vistos como diferentes, querem ser “Outros”, não
redutíveis às diferenças da paleta moderna.
A visão de uma alteridade radical assusta demais, beira a insuportabilidade. Dessa
forma a tática utilizada é criar um “outro” que possa ser mais palatável aos sentidos, um outro
que se perpetue, perpetuando a ideologia moderna. Esse “outro” é o “diferente”. Sendo
diferente, suas diferenças são “negociáveis”, “intercambiáveis” e, assim, pacificam-se os
medos e retorna-se a mesmice, porém, lembrando sempre, como aviso e ameaça, que “onde a
troca [a diferença] é impossível, há o terror. Qualquer alteridade radical é, portanto, o
epicentro de um terror” (Baudrillard, 2003, p.135).
A fetichização da diferença na contemporaneidade aponta para a profunda crise ética
em que vivemos, pois tudo se fala em termos das diferenças, mas esta diferença, contaminada
pelos discursos modernos, balizada pela liberdade do indivíduo e pela necessidade de
proteção frente aos estranhos, não é o mesmo que alteridade e sem alteridade não é possível a
vida ética – se o outro não me escapar, se não puder ser imprevisível para mim, não puder me
75

surpreender, não puder se revelar a mim na proximidade do acolhimento estarei vivendo uma
relação alienada e prisioneira, onde eu e o outro somos o mesmo.

2.2.3. A diferença e o paradoxo inclusão/exclusão: a alteridade como ruptura ética.

Ás vezes eu falo com a vida,


Ás vezes é ela quem diz
Qual a paz que eu não quero conservar
Para tentar ser feliz.

O Rappa

Atualmente o conceito da diferença serve de suporte para várias ações políticas, como
a defesa dos direitos humanos, das minorias, das intervenções bélicas em estados nacionais e
das estratégias de inclusão social entre outras. Entretanto essas ações, como não poderiam
deixar de ser, estão permeadas de ambigüidades – reflexo da própria totalidade de sentido da
modernidade. Tomando os conceitos da diferença e da exclusão social, por exemplo, é
possível ver como esses paradoxos são criados e mantidos, assim como as possibilidades de
ruptura ou de rotas de fuga.
A diferença, no caso da exclusão social, abre caminho para que a própria exclusão
comporte uma heterogeneidade conceitual tornando-a uma espécie de conceito guarda-chuva
da modernidade.
As construções conceituais20 procuram incluir num único termo situações distintas,
tais como a não inserção no mercado de trabalho formal e a discriminação étnica, por
exemplo. De forma geral, tanto aquele que não consegue trabalho, quanto aquele que é
discriminado etnicamente, são excluídos. Viver na pobreza também é viver na exclusão,
porém pobreza e exclusão não são sinônimos. Dada a heterogeneidade de situações às quais se
aplica, a exclusão é conceito mais abrangente que pobreza e por isso apto a transitar entre
discursos ideológicos frontalmente díspares. A idéia de exclusão pode servir, contudo para

20
Há uma vasta produção bibliográfica sobre exclusão social. Para aprofundamento sobre as diferentes
construções conceituais sobre exclusão social Cf. Sawaia, B. (Org) – As artimanhas da exclusão: análise
psicossocial e ética da desigualdade social, Vozes, 2002, em especial o artigo de Wanderley, M. B. – Refletindo
sobre a noção de exclusão. Como exemplo de pesquisas realizadas com grupos excluídos Cf. Burzstyn, M.(Org.)
– No meio da rua: nômades, excluídos e viradores, Garamond, 2000, ambos citados na bibliografia desta tese.
76

uma crítica a modernidade – modernidade que sem dúvida alguma exclui e desenraiza grupos
e populações inteiras, ao mesmo tempo em que promove a inclusão das diferenças dentro da
mesma totalidade de sentido que representa.
Do ponto de vista dos valores da sociedade liberal dominante, excluídos são aqueles
cujos valores pessoais, simbólicos e culturais não são reconhecidos, e que não estão inseridos
no mercado de trabalho, não tendo, por conseguinte, condições materiais adequadas de
sobrevivência – presas fáceis do clientelismo político e da demagogia. A situação dos
migrantes forçados a se deslocar por conta de suas precárias condições de vida é exemplar da
exclusão. Saem em busca de trabalho nas grandes cidades e metrópoles e acabam se tornando
em boa parte, um verdadeiro contingente reserva de força de trabalho barata, porque não
qualificada e porque desconhecedora dos seus direitos de cidadãos.
A exclusão é uma vitimização. Se dá no olhar de um para o outro. Estigma que separa
e faz desaparecer, por um lado, e por outro, engole e digere, porque a “desejada” inclusão
social carrega seu perigo escondido – a antropofagia “mais que moderna”, porque procura
incluir o excluído na totalidade dos valores da sociedade moderna - como no antológico filme
“The Wall” do grupo inglês Pink Floyd, onde os alunos enfileirados entram na máquina de
moer carne (a escola) e saem de lá “lingüiças”. Antes de procurar estratégias e desenvolver
políticas públicas para incluir o excluído, precisamos perguntar quais são os pressupostos por
meio dos quais estamos definido que este homem ou esta mulher são excluídos, onde
imaginamos que eles devam ser incluídos e porquê.
A luta pela inclusão muitas vezes é feita na superfície – deixa de buscar a radicalidade
da própria existência da exclusão e combatê-la nessa raiz. Assim, falam-se dos excluídos do
“progresso”, dos excluídos da modernidade, como se ser “moderno” fosse bom per se, sem
perceber que é a própria modernidade – como a temos hoje – a causadora da exclusão. Este
não é mais um problema apenas do modelo econômico – o capitalismo – mas de todo um
ideário valorativo e simbólico que perpassa as relações interpessoais. A exclusão é apenas
mais um novo nome para algo que a humanidade conhece desde seus tempos mais antigos: a
injustiça.
Ora, a exclusão está dentro daquele rol de diferenças negociáveis – não há espanto
com a exclusão, pelo contrário, ela é necessária para o andamento da política e da economia e
justificativa para estas agendas. A exclusão não instaura o terror a que Baudrillard se refere
porque os excluídos não são alteridades, são diferenças. A exclusão, é claro, pode suscitar
77

sentimentos variados, como a caridade e a pena, principalmente se referidos aos excluídos


pela pobreza e a fome, ou o esquecimento, mas todos estes sentimentos estão alinhavados
pelas possibilidades da modernidade num espectro que varia da indiferença social à
dominação.
O binômio exclusão-inclusão não pode ser tratado apenas como problema econômico,
ou imaginar-se que a economia, mesmo mudando seu modus operandi, possa sozinha alterar o
estado de exclusão atual. Se há algo a ser alterado, e há que haver cuidado com isso, é o
paradigma da modernidade em si – seus valores, sua metodologia, seus exemplares, pois a
obtenção de condições melhores de vida, do ponto de vista material não é condição suficiente
para retirar a marca da exclusão que a diferença traz. Novas diferenças são criadas para
substituir as antigas, pois o movimento da modernidade segue no sentido de criar diferenças
negociáveis, negando sistematicamente a alteridade por meio da cegueira da intolerância
(pessoal, social, política, cultural, econômica) e da insensibilidade da razão tecno-científica
que tudo justifica.
Nesse sentido, o pensar sobre o tempo e a diferença na modernidade pode apontar as
possibilidades de mudança. As ações políticas realizadas hoje, sob a matriz da modernidade,
ações já referidas, como a defesa dos direitos das minorias, o direito à diferença, as
intervenções bélicas e a própria exclusão estão todas elas baseadas na idéia de diferença e na
impermanência temporal. Assim qualquer mudança necessita colocar no lugar do tempo
volátil, a permanência e no lugar da diferença, a distinção que remete à diversidade. Essas
possibilidades procuram, por exemplo, uma inclusão que seja forjada numa ação de
transformação crítica da modernidade e não apenas uma inclusão no mundo já dado e
“conhecido”, o que reforçaria o próprio movimento de exclusão.
Permanência e distinção estão na base do conceito de communitas quando se espera
que a comunidade recrie a relação espaço-tempo moderno de tal forma que seja possível a
realização de um encontro dialógico com o outro, buscando a afirmação da pessoa, ao invés
de individualismos pérfidos ou coletivismos ingênuos.
As estruturas sociais às quais estamos submetidos e que criamos e recriamos a partir
dos valores modernos tacitamente aceitos não comportam a possibilidade de ruptura
epistemológica, cultural, social ou política com a modernidade. As soluções que são pensadas
dentro e a partir da modernidade contemporânea não são realmente soluções, mas pequenos
remendos em algo já profundamente remendado. Isso porque a modernidade contemporânea
78

não se deixa capturar devido a sua liquidez assustadora. Este capturar não é apenas exercício
de crítica de teóricos bem intencionados, mas efetiva práxis - a ação na vida - esta, na
modernidade, profundamente boicotada. Como parar o tempo moderno instantâneo que sabota
as tentativas de permanência e de futuro? De responsabilidades que são diluídas tanto pela
organização do trabalho – que pulveriza competências e compromissos, quanto pela
moralidade fincada em lastros de interesses pessoais?
Apenas valores estranhos, indesejáveis e externos a essa totalidade, podem penetrar o
olho do furacão denunciando que a aparente normalidade dos números e estatísticas, das
certezas científicas, da ordem instituída, da banalidade da fome e da guerra, na verdade não
passam de situações temporárias e ilusórias – que vivemos todos num turbilhão. Nesse
sentido, não há nada de mais estranho, indesejável e externo às estruturas sociais vigentes que
a alteridade e a comunidade que se funda em respeito a ela.
É com a alteridade e com a comunidade (communitas) que é possível romper, ainda
que ponto a ponto, grupo a grupo, com um modo de vida (e de morte) que a atual
modernidade tem levado ao seu mais alto grau de sofisticação. Um modo de viver marcado
por paradoxos e ambigüidades – incluir para excluir, fazer guerras para realizar a paz,
promover a liberdade do indivíduo fomentando a injustiça.
A inversão ética que se dá com emergência da alteridade institui a possibilidade de
ruptura: não sou eu quem digo – “tu és excluído”, a partir de pressupostos teóricos, culturais
ou simbólicos pessoais, mas é o tu (o outro) que me chama com um rosto que pode me revelar
sua dor e sofrimento.
Este rosto ao me revelar sua condição, seu “ser”, obriga-me a uma resposta, e com isso
institui-se uma linguagem e um discurso. A primeira ruptura com a modernidade é esta: estar
presente ao apelo que a visão do rosto do Outro me faz, detendo o tempo líquido na
inalienável responsabilidade que tenho pelo vislumbre do rosto. Esta ruptura encontra-se no
âmbito da relação interpessoal e intersubjetiva. É lá que a ética se funda, ética como justiça,
não como normas morais, mas como afirmação da pessoa humana.
A ruptura e o desafio encontram-se nisto: em ter como fundamento não um sujeito que
conhece – um sujeito cognoscente, mas um sujeito ético, a pessoa, aquele que vê a face do
outro como absolutamente outro que não ele, distinto, mas nunca diferente.
79

2.3. O CONHECIMENTO NA RUPTURA ÉTICA: INTRODUÇÃO DA QUESTÃO


PÉDAGÓGICA

O tempo e a diferença na modernidade contemporânea dispersam e pulverizam valores


e ações que antes estavam circunscritas a um âmbito mais orgânico ou integrado. Hoje por
exemplo, existem várias “éticas” possíveis – ética ambiental, bioética, ética médica, ética
político-partidária, entre outras, todas portando seu próprio conjunto de códigos práticos. É
possível associar o surgimento desse vasto espectro de “éticas” à questão da fragmentação e
especialização do conhecimento, porém, tanto a fragmentação quanto a especialização do
saber estão amarradas à alteração do tempo e ao surgimento da diferença como valores e
necessidades na e da sociedade pós-industrial.
Porém as éticas, assim delimitadas por suas pertinências práticas – profissionais e
políticas, perdem a razão originária de ser: ética no singular é resposta a uma situação de
sofrimento e dor que surge na separação ou ruptura (Taylor, 2000).
A palavra ética originalmente vem do grego clássico (éthos) e possui duas grafias
possíveis: ηθοζ e εθοζ. O primeiro éthos (ηθοζ) refere-se ao lar que o ser humano habita, sua
casa, seu “estar em casa”, não querendo com isso significar o espaço físico do lar, mas o
íntimo e o hábito pessoal – os valores, comportamentos e modos de ser do indivíduo. Nesse
sentido, este éthos (ηθοζ) é individual, pois cada um tem a sua própria ética.
O segundo ethos (εθοζ) não se refere ao indivíduo, mas ao coletivo, ao “nós”. É um
ethos social e significa costume ou o modo de viver em conjunto. Este ethos reflete o fato de
vivermos em sociedade e estarmos integrados num modo de vida que possui certas regras e
valores.
Enquanto que ao éthos (ηθοζ) está reservada uma atitude contemplativa, no
recolhimento da morada, o segundo ethos (εθοζ) funda-se na razão, na lógica da ação e dos
imperativos, e costuma ser descrito em termos da moral. Ao primeiro está associado a busca
da felicidade humana, enquanto que ao segundo a questão fundamental é a existência “do mal
que existe quando pessoas se juntam em sociedade, para habitar o ethos que é societal.”
(Taylor, 2000, p.68).
É certo que esta tensão entre o particular e o geral, entre o bem individual e o bem
coletivo, entre a contemplação e a lógica não é novidade moderna, mas está de tal forma
80

ampliada que é possível dizer que se constitui em grave crise: a crise da banalidade do mal,
das infinitas possibilidades de conhecer à revelia do “outro”, de dominar e de ser negligente.
Nesse sentido, a questão da obrigação moral (do âmbito dos imperativos societais)
deve ser circunscrita à ação pessoal da responsabilidade e do fazer do recolhimento da morada
o lugar de acolhimento do outro, pois,

morar não é precisamente o simples facto da realidade anônima de um ser


lançado na existência como uma pedra que se atira para trás de si. É um
recolhimento, uma vinda a si, uma retirada para sua casa como para uma
terra de asilo, que responde a uma hospitalidade, a uma expectativa, a um
acolhimento humano.(Levinas, 1980, p.138)

É certo que uma ética fundada na alteridade se constitui em profunda ruptura no


fundamento da razão moderna, resistência aos processos de dominação de uma razão soberana
que tudo abarca e explica, de um modo de ser e de um conjunto normativo que prescinde e
impede a vida humana plena e o advento das relações justas e responsáveis, e do
funcionalismo de um sistema (econômico e político) que se mantém sem finalidade aparente.
Nos discursos das ciências sociais e humanas parece haver uma necessidade de
encontrar um único sentido para as coisas ou um único modelo capaz de dar conta da
complexidade da vida social. Na crítica à modernidade acaba se privilegiando um aspecto,
seja o econômico, o social ou político, abrindo mão de outras perspectivas que compõem o
mosaico moderno e as rupturas sugeridas se tornam, via de regra, utopias não realizáveis, pois
estão desde o início, capengas de algo constituinte – as questões sociais esquecem o
indivíduo, as econômicas desprivilegiam o simbólico e as políticas estão infestadas de
questões privadas.
Pensar esta ruptura se dando em planos diferenciados da vida humana, articulados
dentro da complexidade social, política, econômica, simbólica e cultural atual é antídoto à
própria razão que a pensa, um “contra-pensamento”, outra perspectiva da razão, não
hegemônica, particular e instrumental, mas crítica e necessária à condução dos processos
democráticos e à condição de possibilidade de uma vida ética.
81

Um “contra-pensamento” que articule valores e conceitos que foram expurgados pelo


pensamento moderno – o sonho, o imaginário, o corpo, a incerteza, o erro e o “Outro” - a
alteridade do e no mundo, assim reconhecendo seus limites, condição sine qua non para se
decidir responsavelmente no presente sobre ações que terão conseqüências no futuro,
fundando um princípio de responsabilidade legitimado não apenas numa torção da razão
moderna (que se camufla numa ou outra ideologia), mas num pensamento complexo que
segue uma outra rota.
Este “contra-pensamento” inclui o “Outro”, não como compreensão, tematização,
conceito ou conteúdo dado a priori, mas como a condição de possibilidade da surpresa, da
irrupção do novo e do humano. Como diz Levinas (1980, p.27), “É para que a alteridade se
produza no ser que é necessário um ‘pensamento’ e que é preciso um Eu. (...) A alteridade só
é possível a partir de mim.”
Este “contra-pensamento” fundamenta uma racionalidade responsável e intersubjetiva,
que se dá em relação com um mundo sempre possível de nos surpreender e de nos revelar
algo que não sabíamos.
Esse é um dos sentidos da educação e do aprendizado que deve ser resgatado: a
surpresa da revelação e de nos percebemos “sabendo” algo que no instante anterior não
sabíamos.
Este “contra-pensamento” fundamenta, portanto, um processo educativo cuja base é o
rompimento não apenas com a razão moderna, mas com a modernidade e atual globalização
que via de regra impedem a surpresa e a revelação, preferindo a ordem instituída e o
desvelamento. Esta educação, relação com um mundo que não nos é transparente, com um
outro homem ou mulher que não são estereótipos de algo que já conhecemos, é uma educação
cuja referência é o “Outro” e realizada com ele a cada ponto do caminho.
Mas educação e aprendizagem também remetem ao conhecimento, à possibilidade de
conhecer e tematizar o mundo - o “Outro”, por meio de conceitos num processo de
objetificação.
Ao conhecimento está relacionado não apenas o verbo conhecer, mas o verbo poder –
eu posso conhecer, conceituar, tematizar, enfim, posso transformar a realidade num objeto de
conhecimento. A condição de possibilidade desse poder é a liberdade. Mas a liberdade é
“manter-se contra o outro, apesar de toda a relação com o outro, assegurar a autarcia de um
82

eu. A tematização e a conceptualização, aliás, inseparáveis, não são paz com o Outro, mas
supressão ou posse do Outro” (Levinas, 1980, p.33).
Fica então a pergunta: como é possível realizar uma educação que tenha como
princípio a justiça e como limite a alteridade no e do mundo?

2.3.1. Liberdade, conhecimento e educação: a pedagogia de Paulo Freire e o dilema ético

Dentre os educadores brasileiros, Paulo Freire com certeza é aquele que lançamos mão
quando queremos discutir o papel da educação na construção da justiça entre os homens.
Voltada para o empoderamento de indivíduos e grupos “excluídos”, ou como ele mesmo diria,
dos oprimidos, a pedagogia freiriana alçou o diálogo à categoria de fundamento da
humanidade do homem, dando a ele o sentido de libertador da opressão e transformador da
sociedade – o diálogo, para Freire, é em si educativo e libertador.
Nascida no bojo das transformações político-econômica das décadas de 50 e 60 do
século passado, no Brasil, a teoria freiriana introduziu novas categorias para a reflexão da
prática educativa. Tendo como fonte o existencialismo cristão, a idéia de liberdade é explícita
nos seus escritos, sendo entendida como condição indispensável para que os homens realizem
sua vocação histórica, a de “ser no mundo”, isto é, a de serem humanizados. Essa liberdade,
que não poderia ser doada, era busca contínua na natureza inacabada do ser humano.
Paulo Freire observava as mudanças políticas que aconteciam naquela época: o
sectarismo de direita – o golpe militar de 1964, as organizações populares, os movimentos
sociais que surgiam e a emergência do sectarismo de esquerda. Ao sectarismo ele contrapunha
o radicalismo, como sendo este a verdadeira matriz do revolucionário. “A radicalização, pelo
contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta” (Freire, 1986, p.22).
Percebia a sociedade brasileira como uma sociedade fechada, reflexa e alienada, onde
o centro das decisões econômicas estava fora dela. A angústia de ver seu povo em situação de
opressão, dominados por interesses alheios, interesses econômicos e políticos que mantinham
grande parte da população brasileira em situação de fome e ignorância, levou Freire a se
engajar na luta pela emancipação e transformação sociais. Essa luta deu-se para ele no campo
da pedagogia, pois entendia que a educação e o conhecimento poderiam ser instrumentos de
83

libertação dos homens e mulheres de sua condição de oprimidos. Mas não seria qualquer
educação ou conhecimento que poderia realizar esta tarefa emancipatória, mas sim uma
educação problematizadora e um conhecimento crítico. A educação libertadora seria “aquela
que permite aos sujeitos assumirem uma posição profética, entendendo-a como a capacidade
de “denunciar as estruturas desumanizantes e, ao mesmo tempo, “anunciar” um novo projeto
de sociedade” (Damke, 1995, p.60).
Na base deste processo pedagógico libertador está a noção de conscientização.
Conscientização que como processo, deveria caminhar da ingenuidade para a criticidade dos
atos humanos.
A noção de conscientização, tal como Freire a define, envolve um processo em que os
homens e mulheres são vistos como sujeitos históricos e de conhecimento, que ao
problematizar o mundo e a si mesmos em suas realidades cotidianas, percebem-se em situação
de opressão ao mesmo tempo em que percebem a possibilidade da transformação.
Esta problematização se dá a partir da “abertura do ser” isto é, abertura da consciência
às coisas num movimento de ir aos demais entes e ao mesmo tempo deixar-se invadir por eles.
Esta abertura, intencional e recíproca, significa que o mundo se faz presente à nossa
consciência por meio do conhecimento, conhecimento que modifica a consciência,
modificando o ser humano.
Porém, esta consciência intencional aponta que o conhecimento é sempre inacabado,
que o sujeito ao dirigir sua atenção para um objeto, o faz a partir de um foco, não podendo dar
conta de sua totalidade. Isso significa que os objetos são compreendidos como totalidades
inteligíveis às quais cabe à consciência captá-los, mas este conhecimento nunca representará o
todo.
Ora, esta consciência é individual, é a consciência de um sujeito. Dessa maneira, a
condição de possibilidade do conhecimento é a subjetividade, pois é o sujeito que pode deter-
se perante as coisas para pensá-las e descobrir o sentido das mesmas. Segundo Damke, a
referência teórica freiriana para esta idéia vem de Husserl com seu “perspectivismo” pela
idéia de inacabamento das coisas e “pela possibilidade de serem abordadas por ângulos
diferentes, o que as modifica e enriquece” (1995, p.64).
Paulo Freire apesar de defender a educação como uma práxis política a serviço da
libertação permanente da humanidade, entende que isto não é automático, pois percebe que a
educação pode servir aos interesses da dominação e da manutenção do status quo, sendo dessa
84

forma uma educação que desumaniza os homens e mulheres. A este tipo de educação, Freire
dá o nome de “educação bancária”. A educação bancária é aquela na qual os educandos são
passivos recipientes do conhecimento, acomodados às escolhas externas sobre o que aprender,
conformados à idéia de que nada sabem e, portanto, à situação de objetos do processo
educativo onde o sujeito é o educador, explicitando a relação autoritária que subjaz entre o
educador e o educando.

Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se


julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da
ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro. (Freire, 1986,
p.67)

Mas para Freire, os seres humanos foram criados como seres ativos e construtores de
conhecimento ao invés de passivos receptores ou recipientes de saber. Segundo Damke (1995,
p.64):

A curiosidade natural do sujeito face ao mundo e à atividade da


consciência são os fundamentos ontológicos da reflexão e da ação humana.
A intencionalidade da consciência situa o conhecimento numa perspectiva
transformadora, pois segundo as teorias freirianas e fioriana, ser intencional
significa ter um caráter ativo, indagador, reflexivo e criador.

O humanismo cristão identificado em seus trabalhos permeia os fundamentos da


educação libertadora por ele advogada. A educação libertadora possui os mesmos propósitos
do cristianismo, quais sejam, a justiça e a liberdade entre os homens e dos homens e isso é
visto como vocação ontológica do ser humano, o “ser mais” - ser livre e viver uma vida justa
e plena.
85

Mas homens e mulheres tinham medo da liberdade, preferindo a segurança


conformada na situação de opressão. Preferiam manter valores estranhos a eles, valores
introjetados pelas classes dominantes, numa espécie de antropofagia dos seres, engolidos em
suas irredutibilidades – não há alteridade na opressão. Como o próprio Freire (1986, p.50)
salienta,

Esta tendência dos opressores de inanimar tudo e todos, que se


encontra em sua ânsia de posse, se identifica, indiscutivelmente, com a
tendência sadista. ‘El placer del domínio completo sobre outra persona (o
sobre outra criatura animada), diz Fromm, es la esencia misma del impulso
sádico. Outra manera de formular la misma idea es decir que el fin del
sadismo es convertir um hombre em cosa, algo animado em algo inanimado,
ya que mediante el control completo y absoluto el vivir pierde uma cualidad
esencial de la vida: la libertad’.

Apesar de ser importante a descoberta de se verem castrados na sua fala, de se verem


na polarização opressor – oprimido, de se perceberem impossibilitados de “ser mais”, só isso
não basta para a libertação. Para a libertação é necessário o engajamento na práxis libertadora.
Esse engajamento, para Freire é individual, ainda que dirigido “ás massas populares
oprimidas”, se dá pela consciência individual, onde o elemento de subjetividade é
imprescindível, porém mantendo com a objetividade uma relação dialética, numa busca
permanente de libertação. A verdadeira revolução é permanente.
Dessa forma, a educação libertadora, proposta por Paulo Freire, tem na pedagogia
problematizadora sua âncora e como objetivo a emergência da consciência crítica. Porém essa
emergência não é um mero insight, ou algo espontâneo, é antes resultado de uma ação
pedagógica diretiva que problematiza o mundo e constrói um determinado conhecimento e
nesse sentido, Freire desenvolve uma epistemologia construtivista. A tomada de consciência a
que Freire se refere é resultado do processo de tematização do mundo – o dizer a palavra –
desvelando a realidade, já que “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo”
(Freire, 1986, p.92). Todo o processo que Freire chama de investigação temática necessita da
liberdade - liberdade de tomar as decisões sobre os temas que serão trabalhados e os conceitos
86

e categorias que serão utilizados. Segundo Joderlsma (1999), para Freire, “to be human is
construct knowledge, which is to name, which is to transform, which is to be an active agent,
which is to be a subject. But naming can only be possible ontologically in freedom.”
Este é um processo baseado no conhecimento, ou seja, na idéia de que o conhecimento
é motor de transformação social, e que por meio dele é possível realizar a vocação dos
homens de serem livres e de viverem numa sociedade justa, livre de opressões.
A busca pela liberdade e pela justiça social marca a pedagogia freiriana. A liberdade é
suporte não somente da abordagem construtivista que permeia o processo pedagógico, mas é
em si o objetivo desta “pedagogia dos homens em processo de permanente libertação”.
(Freire, 1986, p.44). O que transparece então é que a justiça surgiria quando os homens
estivessem livres da opressão, ou seja, a justiça seria decorrência da realização da vocação dos
homens de “ser mais”, de serem livres. O processo de libertação dos homens seria já o
caminho para a vida plena e justa, caminho este, salientando, trilhado nos campos do
conhecimento crítico, da “palavra verdadeira” que pronuncia o mundo.
Dito isso, cabe então perguntar, porque o termo “dilema ético” no título deste item?
Acontece que liberdade e justiça não são noções irmãs nem são convergentes por
“natureza”. Ao contrário, liberdade e justiça podem constituir polaridades antes que
complementaridades. É nesta possibilidade de antagonismo que se encontra o dilema ético da
proposta educativa de Paulo Freire (Joldersma, 1999).
Como disse antes, a possibilidade de conhecer o mundo, de tematizá-lo tem como par
a possibilidade de possuí-lo e dominá-lo.
A alteridade é uma noção que Freire não adota. Prefere trabalhar na polaridade
opressor-oprimido, ambas circunscritas a um mesmo todo – a luta de classes com fortes tons
gramscianos (principalmente no que se refere ao papel das elites intelectuais comprometidas
com a libertação dos oprimidos). Ainda que tenha clareza do pertencimento a uma totalidade,
esta se refere muito mais ao modelo político-econômico gerador de um grande contingente de
excluídos (oprimidos e marginalizados) do que propriamente à totalidade moderna com suas
múltiplas dimensões – sociais, simbólicas, culturais e epistemológicas (além das econômicas e
políticas).
Mas é na alteridade que reside toda a possibilidade de justiça, toda a ética. Ética que o
próprio Freire sonhou poder ver emergir e para qual trabalhou toda a vida. Porém duas
perguntas se fazem pertinentes: a noção de liberdade nos trabalhos de Freire pode levar à
87

justiça que almeja? O conhecimento como emancipação está de acordo com uma proposta que
se queira ética?
Para ambas as perguntas Emmanuel Levinas responderia negativamente. Para Levinas
a possibilidade aberta pela idéia de liberdade do ser e de ser leva à violência. Violência que se
faz contra o outro, no caso de Levinas referido aos seres humanos e as relações
intersubjetivas.
Esta violência se dá por meio de um conhecimento que tematiza e conceitua o “outro”,
o reduzindo ao “mesmo”, isto é, negando-lhe sua alteridade, englobando-o numa totalidade de
sentido que é dada pela consciência intencional do sujeito, ou seja, por meio do olhar
perquiridor e livre do sujeito – sujeito que pensa e conceitua, que classifica e organiza, e que
se sente livre para dizer que este homem é rico, aquele é pobre e excluído, e se é excluído
então deve ser incluído, onde? Na mesmice da qual o sujeito que conceitua faz parte,
mesmice onde só existem sujeitos (“eus”) nunca “outros”, onde só há possibilidade de
“diferenças negociadas”, nunca distinções abertas. Nas palavras de Levinas (1980, p.33):

A relação com o ser, que actua como ontologia, consiste em


neutralizar o ente para o compreender ou captar. Não é, portanto, uma
relação com o outro como tal, mas a redução do Outro ao Mesmo. (...). A
posse afirma de facto o Outro, mas no seio de uma negação de sua
independência. “Eu penso” redunda em “eu posso” – numa apropriação
daquilo que é, numa exploração da realidade.

Para Levinas o Outro não pode ser possuído, conceitualizado ou tematizado. Assim,
reduzir a realidade aos temas e conceitos construídos pelo sujeito cognoscente, mesmo que
historicamente contextualizado, significa abrir mão da alteridade mundana.
Este conhecimento construído não é meramente desvelamento da realidade. Não há
neutralidade na pronúncia do mundo. O ato de nomear é um processo de objetificação, uma
maneira de fazer o mundo enquanto Outro se tornar familiar ao mundo do sujeito
cognoscente, reduzindo a distinção à identidade. É uma forma de domesticação e controle do
mundo, do Outro.
88

A diferença entre Freire e os opressores está por um lado no projeto político – voltado
para a maioria excluída, e por outro complementarmente, para o fato de incluir esta maioria
no pequeno círculo de poder delimitado pelas elites econômicas, mesmo que visando uma
transformação. Sua pedagogia procura ser emancipatória e libertadora nesse sentido – de
incluir um número cada vez maior de homens e mulheres no mundo dado, no sentido de sua
transparência aos sentidos humanos, supondo que estes homens e mulheres libertos de sua
condição de opressão e alienação desse mundo, por meio do conhecimento, transformam a
realidade social. O projeto de Freire, ainda que bem intencionado, permanece dentro da paleta
simbólica da modernidade e dos ideais do Iluminismo.
Freire acerta ao tratar a educação como sendo um ato de profundo amor aos homens
elegendo-o como motor para o ativismo político-pedagógico e ao tratar os homens e mulheres
como seres concretos, contextualizados social, histórica, cultural e politicamente. Entretanto,
não basta contextualizar sócio-histórica e politicamente homens e mulheres em situações de
opressão e humilhação para que a educação seja um acontecimento ético – isso somente pode
ocorrer se estes homens e mulheres puderem ser vistos como outros, absolutamente outros, de
quem nada se pode saber que não seja revelado por eles ao contrário de descoberto ou
desvelado pelo sujeito. Esta revelação possui um sentido único e anterior às determinações
históricas e culturais, conhecidas a priori, ou seja, elas não são a “primeira palavra” no
discurso (diálogo) entre o Outro e o Mesmo. Antes delas está a expressão do Rosto que se faz
imperativo moral.
Afirmar a liberdade antes da responsabilidade é abrir a possibilidade de ver o “outro”
como objeto de perquirição de uma consciência livre e intencional, e dessa forma no processo
político-pedagógico freiriano onde a liberdade e o conhecimento são os pilares, a alteridade se
perde, e a questão da justiça (ética) no sentido exposto por Levinas, não se realiza.
Nas palavras de Levinas (1980, p.32):

Afirmar a prioridade do ser em relação ao ente é (...) subordinar a


relação com alguém que é um ente (a relação ética) a uma relação com o ser
do ente que, impessoal como é, permite o seqüestro, a dominação do ente (a
uma relação de saber), subordina a justiça à liberdade. Se a liberdade denota
a maneira de permanecer o mesmo no seio do Outro, o saber (...) contém o
sentido último da liberdade. Ela opor-se-ia à justiça que comporta
89

obrigações em relação a um ente que recusa dar-se, em relação a Outrem


que, neste sentido, seria ente por excelência.

Pode-se argumentar que o oprimido a que Freire se refere é um Outro a quem se deve
responder, na sua condição de vítima e dessa forma engajar-se na luta pela libertação de sua
condição de oprimido. Isto não seria uma inverdade, porém a construção teórico-filosófica de
Freire não parte dessa noção - de responsabilidade (que é resposta a Outrem) antes de
liberdade - e sim de um conjunto de pressupostos políticos e econômicos sobre os oprimidos
dados a priori do estabelecimento da relação. A polaridade opressor-oprimido encerra ambos
numa totalidade dada pela categorização política realizada a priori pelo sujeito que conceitua.
A tradição cristã que permeia os trabalhos de Freire aponta para a caridade, para a
justiça e para liberdade. Freire tem consciência da dominação que os oprimidos e
marginalizados sofrem e da necessidade urgente da transformação social. Seu projeto é
político e mesmo “religioso” antes que pedagógico propriamente dito. O fundamento do
projeto pedagógico, contudo, encontra-se no sujeito cognoscente – e este sujeito, na crítica
levinasiana, não funda a ética, a justiça. O sujeito que funda a ética é o sujeito ético, isto
significando que todo conhecimento é posterior à ética. Anterior ao conhecimento está a
responsabilidade pelo outro.
É o chamado do Outro, que me obriga à responsabilidade, que permite o surgimento
da liberdade e a justifica. Nesse sentido a responsabilidade não pode ser resuminda à
responsabilidade política, como uma tomada de posição ou engajamento, mas sim dever
moral, condição da humanidade do homem. Neste nível ético, o conhecimento envolve uma
forma de responsabilidade e obrigação que vem de um lugar fora de mim - vem do Outro.
Segundo Levinas (1980, p.176):

Mas o Outro, absolutamente Outro - Outrem- não limita a liberdade do


Mesmo. Chamando-o à responsabilidade, implanta-a e justifica-a. A relação
com o outro enquanto rosto, cura da alergia, é desejo, ensinamento recebido
e oposição pacífica do discurso.

Ou mais adiante:
90

O ser que se exprime impõe-se, mas precisamente apelando para mim


da sua miséria e da sua nudez – da sua fome – sem que eu possa ser surdo ao
seu apelo. De maneira que, na expressão, o ser que se impõe não limita, mas
promove a minha liberdade, suscitando a minha bondade. A ordem da
responsabilidade ou a gravidade do ser inelutável gela todo o riso, é também
a ordem em que a liberdade é inelutavelmente invocada de modo que o peso
irremissível do ser faz surgir a minha liberdade. O inelutável não tem a
inumanidade do fatal, mas a seriedade da bondade (Levinas, 1980, p.179).

A proposta freiriana continua popular no Brasil. Não tenho dúvidas quanto a


pertinência de alguns de seus pressupostos em muitos campos educacionais, principalmente
aqueles ligados a educação popular e aos movimentos sociais. Pode ser encarada como uma
pedagogia necessária para o desenvolvimento de certo equilíbrio de forças sociais e políticas,
mas enquanto baseada na liberdade do sujeito e no poder do conhecimento, na idéia de que o
conhecimento é emancipatório, não poderá ser chamada de ética, pois no seu ponto de partida
falta a alteridade radical e a conseqüente responsabilidade pelo Outro que institui a eticidade.
Curioso e sintomático da crise da modernidade é o fato de que a responsabilidade ter-
se tornado nos últimos anos termo recorrente em vários discursos políticos. Porém, esta
responsabilidade não é a mesma a que me referi acima. Levinas tem uma visão dura, drástica
e profunda a respeito da responsabilidade – ela é anterior ao ser, e sendo pré-ontológica, funda
sua humanidade, sendo portanto irrecusável. Ele entende a responsabilidade

como responsabilidade por outrem, portanto, como responsabilidade por


aquilo que não fui eu que fiz, ou não me diz respeito; ou que precisamente
me diz respeito, é por mim abordado como rosto (Levinas, 1982, p.87).

O rosto do outro fala-me. Sua fala é uma ordem – uma obrigação da qual não posso
me furtar sob pena de me tornar não humano. Nesse sentido, esta obrigação, responsabilidade
que se abre como bondade, é o que institui a liberdade de amar.
Resumindo, a possibilidade aberta de tudo conhecer, ou de compreender o mundo
como transparente, dado aos sentidos, abre também a possibilidade de cometer algum tipo de
91

violência contra o Outro – transformando-o no “Mesmo”, em mais um objeto de


conhecimento sobre qual se pode fazer algo – sem limites.
Para uma educação que se queira ética, o conhecimento deve ser referenciado ao
Outro, à alteridade tanto como limite, quanto como ponto de partida, origem, fundamento.
Isso rompe com a idéia do fundamento numa consciência intencional do sujeito cognoscente -
contínua re-edição do sujeito cartesiano.
Partida e limite, a alteridade radical obriga a uma resposta - a responsabilidade como
obrigação moral que impede qualquer tentativa de poder sobre o Outro. Nesse sentido, se o
conhecimento ainda é uma resposta que damos, ele deve ser resposta à alteridade, ao
chamado de sua face e não o exercício de uma liberdade individual alicerçada em ideais
iluministas.
Esta resposta, enquanto conhecimento, não pode ser qualquer uma – dado o
impedimento moral que o rosto do “Outro” revela-me. Assim, este conhecimento será, em si,
resistência à posse e extermínio do outro, resistência à “banalidade do mal”, carregando a
possibilidade de abertura ao bem, à bondade. Um tal conhecimento fundado num sujeito ético,
aquele que permanece frente ao Outro e é por ele chamado a responder na afecção da visão de
seu rosto, será capaz de apontar para relações justas no mundo.

2.3.2 Diálogo, linguagem e discurso: a relação com Outrem

“A necessidade do outro é radical; mostra a incompletude do Ego/Eu sem


reconhecimento, amizade, amor. Hugo tem toda razão: ‘O inferno está
inteiro na minha solidão’”.
Edgar Morin

“Nada de essencial sabemos uns dos outros, salvo quando entramos em


comunicação uns com os outros”.
Karl Jaspers

O ser humano está irremediavelmente destinado a se relacionar. O sentido é


existencial: o ser humano existe em relação. A única opção possível dada ao homem é quanto
à qualidade dessa relação.
92

Segundo Martin Buber (1979) o homem é um ser relacional, que vive a dualidade do
pronunciamento de duas palavras fundantes da existência humana, a palavra Eu-Tu e a
palavra Eu-Isso. Essas palavras delimitam o horizonte de atuação humana quanto à qualidade
das relações estabelecidas. Se na primeira palavra (Eu-Tu) a relação fundada é o encontro face
à face, inteiro, recíproco, imediato e presente, na segunda palavra (Eu-Isso) a relação que
surge é a experiência desprovida de presença, objetivável, parcial, passada.
Ambas as palavras são necessárias à existência humana. A questão que Buber coloca é
que um indivíduo que não pronuncia a palavra Eu-Tu não é humano: “o homem não pode
viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO não é homem” (1979, p.39).
O Eu que pronuncia Tu é diferente do Eu que pronuncia Isso, sem que se isso se
constitua em um abismo esquizofrênico, mas sim, na possibilidade de duas estruturas
relacionais dadas por meio de ações essenciais distintas do homem que constroem atitudes
essenciais correspondentes. Buber chama essas atitudes essenciais de movimentos básicos
(Buber, 1982).
No relacionamento Eu-Isso a palavra proferida tem a intenção de conhecer o mundo,
classificá-lo e transformá-lo. Isso se dá sobre a base da uma razão moderna cujos pressupostos
já foram descritos neste trabalho anteriormente. O Isso é o objeto de conhecimento,
aquilo/aquele que não é sujeito, aquilo/aquele que tem sua alteridade negada. Claro está que
muitas ações humanas são e devem ser do âmbito dos relacionamentos Eu-Isso, como o ato de
buscar alimento, por exemplo. Entretanto, o que vemos hoje é um alargamento indistinto
desse modo de ser sobre o mundo – esta é a crítica de Buber. A palavra-ação Eu-Isso não
funda a humanidade do homem, na verdade o coisifica; sua pronúncia por meio do
movimento básico do homem de dobrar-se-em-si-mesmo instaura um monólogo e a mesmice:

Chamo de dobrar-se-em-si-mesmo o retrair-se do homem diante da


aceitação, na essência do seu ser, de uma outra pessoa na sua singularidade,
singularidade que não pode absolutamente ser inscrita no círculo do próprio
ser e que contudo toca e emociona substancialmente a nossa alma, mas que
de forma alguma se-lhe torna imanente; denomino dobrar-se-em-si-mesmo
a admissão da existência do Outro somente sob a forma da vivência própria,
somente como “uma parte do meu eu”(Buber, 1982, p.58).
93

A relação Eu-Tu, ao contrário, é a relação dialógica, não-intencional, é a palavra como


diálogo instaurado pelo movimento de voltar-se-para-o-outro (Buber, 1982). É a relação onde
a alteridade é preservada, onde o diálogo é verdadeiro porque não pretende nem supõe nada
anterior ao acontecimento do encontro. O diálogo é verdadeiro porque não é experiência nem
descoberta, mas vida e revelação.
Esta relação dialógica é recíproca, isto é, os seres humanos ligados dialogicamente
estão voltados uns para os outros e nesse sentido são co-responsáveis uns pelos outros, pois a
responsabilidade reside no ato de responder verdadeiramente ao que nos acontece no mundo:

Uma realidade concreta do mundo, novamente criada foi-nos colocada nos


braços: nós respondemos por ela. Um cão olhou para ti, tu respondes pelo
seu olhar; uma criança agarrou tua mão, tu respondes pelo seu toque; uma
multidão de homens move-se em torno de ti, tu respondes pela sua miséria
(Buber, 1982, p.50).

Mas esse sujeito humano que vive a dualidade da sua atitude frente ao mundo não é
uma idealização. Ele é um ser encarnado, enraizado na sua condição biológica, física e
cultural.
Para Morin (1999, p.189), “todo indivíduo-sujeito é um centro gerador/receptor de
comunicações e toda associação entre indivíduos (celulares ou policelulares) comporta
intercomunicações entre congêneres”. Essa comunicação é possível, pois os indivíduos-
sujeitos possuem um código comum possibilitado pelo mesmo aparelho computante, que no
caso humano é o aparelho neurocerebral, chamado por Morin de máquina hipercomplexa.
Essa assertiva aparentemente seca reveste-se de sentido quando compreendemos que Morin
busca enraizar a noção de sujeito na physis e na biologia, retornando o sujeito humano a um
outro lugar na produção do conhecimento – conhecimento que buscando a verdade é limitado
pelas traduções e representações realizadas pelo pensamento e pelas incertezas, erros e ilusões
criadas pelo sujeito.
A comunicação é uma característica de todo e qualquer ser vivo. O ser vivo computa
permanentemente e ao computar constitui-se como centro de comunicações e ações. Morin
não se preocupa com a qualidade dessa comunicação - o que é comunicado, o dito - nem
94

como se dão as relações interpessoais que possibilitam a comunicação. Sua intenção é


enfatizar que a comunicação existe potencialmente como possibilidade para todo indivíduo-
sujeito e que as sociedades (associações) são caracterizadas pelas intercomunicações entre
congêneres, sendo que estas comunicações veiculam informação, distinção e identificação.
Para Morin o sujeito é egocêntrico, mas esse egocentrismo não conduz
necessariamente ao egoísmo, por outra, é sua condição egocentrada que permite ao sujeito,
uma vez situando-se no centro do mundo, aí colocar o outro, através de um ato de amor.

Portanto, o egocentrismo do sujeito favorece não somente o egoísmo, mas


também o altruísmo, pois somos capazes de dedicar o nosso Eu a um Nós e
a um Tu (Morin, 2002, p.75).

Esse ato de amor seria um ato da vontade humana, que opta dentro de um espectro
polarizado desde o total egoísmo, onde no limite reside o assassinato, até o total altruísmo,
onde no limite encontramos o sacrifício de si para o outro. Esse ato de amor é o ato de voltar-
se ao outro, e é um ato responsável, pois “amor é responsabilidade de um Eu para com um
Tu”(Buber, 1979, p.17).
Este amor não é o amor romântico, idealizado, mas comporta em seus fundamentos a
distinção e o conflito, pois “liga as individualidades egocêntricas nos seus caracteres mais
íntima e intensamente subjetivos” (Morin, 1999, p.411). Somente dessa maneira, frente á
exclusividade da presença do outro, é possível surgir o amor na relação dialogal Eu-Tu.
Nesse sentido, para Buber, não há amor sem diálogo. Não há amor verdadeiro se não
houver um “sair-de-si-em-direção-ao-outro” - que já é resposta, é diálogo. Este diálogo
amoroso, no sentido da doação, gratuidade e responsabilidade é capaz de criar um vínculo real
de comunicação, onde os interlocutores estão presentes e inteiros. Como nos diz, Jaspers
(1953, p.65):

Cuando el amor puede realizarse, la vida se despliega dichosa. Los hombres


se reconocen en el tiempo, por así decirlo. El mundo se convierte para ellos
en lenguaje de la transcendencia. Más alla del derecho y del contrato, y más
95

allá de la moral, se origina para ellos la confianza, de un modo que escapa a


todo cálculo, en fundamentos transcendentes. Sin esfuerzo, como en juego,
la existencia concreta se realiza entonces sobre la base de la más profunda
seriedad, en la franqueza, desarrollándose intensamente entre las sombras
del fin correspondiente a toda existencia concreta.

Tanto Buber quanto Morin, reconhecem que o amor pode se perder, se modificar ou se
tornar cego, o que acarretaria o mal na humanidade. Para Morin, o amor sendo falível e frágil,
“pode degradar-se num resíduo egocêntrico (a possessividade) ou transmutar-se no seu
antagonista (o ódio)”(1999, p.411). A humanidade viveria um excesso de amor degradado –
amor cego que conduz ao egoísmo. Nas palavras de Buber “enquanto o amor for cego, isto é,
enquanto ele não vir a totalidade do ser, ele não será incluído verdadeiramente no reino da
palavra-princípio da relação.” (1979, p.18)
Enquanto Buber fala das possibilidades relacionais, restritas a dois modos de ser (Eu-
Tu, Eu-Isso), Morin fala de duplo programa e de abertura e fechamento do sujeito. Para Morin
existiria na subjetividade humana uma espécie de “quase duplo programa”, onde um levaria o
sujeito a se dedicar a si mesmo, e o outro programa o levaria a se dedicar aos outros. Ao
mesmo tempo,

(...) o outro comporta, efetivamente, a estranheza e a similitude. A


qualidade de sujeito permite-nos percebê-lo na semelhança e
dessemelhança. O fechamento egocêntrico torna o outro estranho para nós;
a abertura altruísta o torna simpático. O sujeito é por natureza fechado e
aberto (Morin, 2002, p.77).

A humanidade do sujeito, que para Buber estaria na possibilidade da pronúncia, pelo


sujeito, da palavra Eu-Tu, para Morin reside na possibilidade de se perceber a subjetividade
do outro.
96

O ponto capital é que cada sujeito humano pode considerar-se, ao mesmo


tempo, como sujeito e como objeto e objetivar o outro enquanto o
reconhece como sujeito. Infelizmente, é capaz de parar de ver a
subjetividade dos outros e considerá-los somente como objetos. A partir daí,
torna-se “inumano”, pois deixa de ver a humanidade deles ou, ao contrário,
só pode amar ou odiar cegamente (Morin, 2002, p.80).

Tanto Morin quanto Buber entendem que a condição humana do sujeito humano reside
na sua capacidade de reconhecer a alteridade. Em Buber esse reconhecimento passa
necessariamente pela possibilidade de dizer Tu a um Outro, de estabelecer o diálogo face-à-
face.
Uma outra forma de pensar o diálogo é apontada por Paulo Freire. Enquanto que
Morin e Buber entendem que a humanidade do homem reside na percepção e aceitação da
singularidade do Outro, e que para Buber isso significa dizer Tu a um Outro – instaurando a
relação dialógica, Freire, como já visto, ancora a humanidade do homem na pronúncia do
mundo, que só é possível no encontro dos homens. Este encontro é o diálogo para Freire e é a
essência de sua pedagogia e do processo de conhecimento, sendo sensivelmente diferente do
diálogo buberiano, apesar de vê-lo também como uma relação recíproca.
Uma primeira distinção entre o diálogo buberiano e o freirano reside no amor. Para
Freire, diferentemente de Buber, não há diálogo sem amor, o que torna compreensível o fato
de Freire dizer que não é possível dialogar com os opressores, entendidos a priori, como
aqueles que se sentem superiores aos demais, que se vêem como “donos da verdade”, que
dominam os outros e que, portanto, não amam o mundo. Este diálogo freiriano reporta-se a
impossibilidade de ocorrer o diálogo quando o oprimido tem sua “voz castrada”. Isto
significa, que este oprimido encapsulado numa totalidade, que para Freire é a opressão
política, econômica e social em que vive, não pode dialogar porque teve sua alteridade
negada.
Para Buber, sendo o diálogo uma relação do tipo Eu-Tu, dando-se na presença e na
totalidade (inteireza), este pode ocorrer mesmo que não haja amor entre os interlocutores, ou
em outras palavras, pode haver diálogo (modo relacional Eu-Tu) entre oponentes, rivais e
guerreiros. Em suas palavras:
97

Mesmo Jesus amou, manifestadamente, entre os “pecadores”, somente os


desprendidos, os amáveis, os que pecavam contra a Lei, e não os
impermeáveis, presos aos seus patrimônios, que pecavam contra ele e a sua
mensagem; no entanto, ele permanecia num relacionamento direto tanto
com os primeiros como com os últimos (Buber, 1982, p.55).

Ainda que Freire cite Buber ao utilizar as palavras fundantes Eu-Tu e Eu-Isso ao
comentar o aspecto da colaboração inerente à teoria da ação cultural dialógica, reservando ao
Eu-Isso o lugar da antidialogicidade e da cosificação dos sujeitos, deixa permanecer o fato de
que, a relação Eu-Tu, por Freire dita dialógica, é constituída por dois seres cognoscentes, ou
melhor, por dois seres que se sabem seres de conhecimento e que se sabem, a priori,
relacionados para pronunciar o mundo, sendo assim uma relação intencional:

O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui.


Sabe também, que, constituído por um tu – um não eu – esse tu que o
constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta
forma, o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relações constitutivas,
dois tu que se fazem dois eu. (...) Na teoria dialógica da ação (...) há sujeitos
que se encontram para a pronúncia do mundo, para a sua
transformação.(Freire, 1986, p.196)

Mesmo tendo a intenção de apresentar a dialogicidade como sendo fundada na


palavra-princípio Eu-Tu segundo Buber, Freire não se desvincula da questão do conhecimento
como motor da emancipação social e base para a justiça e para liberdade. O diálogo freiriano
estabelece-se, portanto, como uma possibilidade da consciência intencional do sujeito de
conhecer o mundo e pronunciá-lo, transformando-o já nesse processo, onde a pronúncia é
resultado da problematização e tematização sobre o mundo.

Segundo Damke (1995, p.76):


98

Na teoria freiriana o diálogo aparece como uma condição para o


conhecimento. Freire admite que o conhecimento tem uma dimensão
individual. Acredita, porém, que a dimensão individual não explica tudo. O
ato de conhecer, segundo ele, dá-se num processo social e o diálogo é,
justamente, uma mediação desse processo.

Poderia-se argumentar que sendo um processo educativo ele possui uma diretividade e
não poderia estar aberto a espontaneidade da não intencionalidade do acontecimento do
encontro dialógico buberiano. Entretanto este não é o problema mais grave, e sim, como já foi
dito antes, o fato de que o encontro, ou a resposta ao chamado do outro se dá na liberdade e
não na responsabilidade, o que contrapõe escolha e obrigação (ou dever), e na perspectiva
assinalada tanto por Buber quanto por Freire de reciprocidade relacional.
A perspectiva de uma reversibilidade na relação entre um Eu e um Tu, entre o Mesmo
e o Outro, implica na possibilidade de ligá-los num sistema, num todo que destruiria a
alteridade radical, uma vez que “estariam reunidos sob um olhar comum e a distância
absoluta que os separa seria preenchida” (Levinas, 1980, p.24).
Garantir a alteridade é garantir a ética. A responsabilidade por Outrem - outro
enquanto absolutamente outro - reside exatamente nesta assimetria, significando que a
responsabilidade é uma obrigação em relação a Outrem, independente da responsabilidade
que porventura o Mesmo possa ter nessa relação.

Neste sentido sou responsável por Outrem sem esperar a recíproca, ainda
que isso viesse a me custar a vida. A recíproca é assunto dele. Precisamente
na medida em que entre outrem e eu a relação não é recíproca é que eu sou
sujeição a outrem; e sou ‘sujeito’ essencialmente nesse sentido. Sou eu que
suporto tudo.(Levinas, 1982, p.90)

Esta relação assimétrica entre o Mesmo e o Outro, onde os termos da relação estão
distantes e separados, é segundo Levinas (1980; 1982) assentada na linguagem. Linguagem
99

que pressupõe o acolhimento do Outro. O Outro apresenta-se a mim como exterioridade na


aparição do seu rosto, rosto esse que ultrapassa a idéia de Outro em mim.
Não é possível falar do rosto sem que com isso esteja instalada a violência contra a
exterioridade, contra a alteridade. Contudo o rosto fala e sua fala é sua própria expressão que
obriga a uma resposta em face da inquietude e da afecção profunda provocada por sua nudez,
por sua significação sem contexto, por um sentido que o pensamento não aclara. Esta resposta
é o acolhimento do Outro que se dá no discurso.

A relação com Outrem ou o Discurso é uma relação não alérgica, uma


relação ética, mas o discurso acolhido é um ensinamento. O ensinamento
não se reduz, porém à maêutica. Vem do exterior e traz-me mais do que eu
contenho. (Levinas, 1980, p.38)

Este discurso contrapõe-se à representação do rosto, ao fenômeno, à tentativa de fixar


o passado. Ele é atual e ao mesmo tempo atualização que se dá pelo auxílio da palavra. A
palavra traz assistência à aparição do rosto, ao ser que se manifesta e que apela para mim.
Mas Outrem não fala de si, sua palavra não o tem como tema ou objeto, mas fala do
mundo. Na sua linguagem o mundo é proposto e tematizado como sua manifestação e por isso
o sentido desta tematização não pode ser original – no princípio está Outrem.
O mundo proposto no discurso não é desvelamento do mesmo sobre o outro, contra o
outro, mas manifestação, revelação de Outrem, que assistido por sua palavra, comunica. Esta
proposição objetiva, assim referenciada, tem sentido ético, pois “mantém-se entre dois
pontos que não constituem sistema, cosmo, totalidade” (Levinas, 1980, p.82).
O mundo do desvelamento é o mundo do fenômeno, dos fatos e da transparência
suposta pela razão instrumental - efetivada nos fundamentos do conhecimento objetivo
moderno. Mas como Levinas (1980) acentua, “o espetáculo do mundo silencioso dos factos
está enfeitiçado”(p.78) e somente

a presença de outrem quebra o feitiço anárquico dos factos: o mundo torna-


se objecto. Ser objecto, ser tema, é ser aquilo de que posso falar com
100

alguém que atravessou a tela do fenômeno e me associou a ele.(...) Por a


palavra na origem da verdade é abandonar o desvelamento que supõe a
solidão da visão – como tarefa primeira da verdade. (p.85)

O discurso só é possível no “face-a-face” do inter-humano e é neste “estar frente à”


que surgem as fontes éticas da linguagem, sendo este discurso referência a um conhecimento
responsável, e já ensinamento, pedagogia ética.

2.3.3 Os princípios de uma educação para a responsabilidade – uma pedagogia da


alteridade

Será já possível, neste ponto, a partir das considerações anteriores, propor uma prática
educativa fundada em princípios éticos?
Freire, Buber e Levinas, cada um a seu modo, trouxeram contribuições específicas que
se apresentam como condições de possibilidade da proposição: Buber ao colocar a formação
da subjetividade humana no âmbito do encontro inter-humano e o nascimento do humano
propriamente dito na possibilidade da relação dialógica, do dizer a palavra Eu-Tu, na
presença, na inteireza, na vulnerabilidade frente ao outro e no caráter imediato do encontro;
Freire ao associar a Educação ao compromisso político-social de transformação das condições
concretas das vida de homens e mulheres em estado de marginalização, opressão e
esquecimento; por último, Levinas, trazendo à tona o sentido radical da alteridade e da
responsabilidade, da explicitação dos fundamentos da liberdade e da justiça e as relações entre
o poder e o conhecimento objetivo.
O desenho desta proposta educativa será apresentado articulando dois vetores de
reflexão:
a) As relações educativas: educador – educando;
b) Racionalidade e conhecimento nas relações pedagógicas;

Uma preocupação patente nos trabalhos sobre educação concentra-se nos processos de
ensino-aprendizagem e na noção de eficiência e controle da aprendizagem. Isso pode ser
101

evidenciado pelo grande número de revistas e periódicos dedicados quase que exclusivamente
à discussão das metodologias e estratégias de ensino, cada um desses periódicos, por sua vez,
destinados às áreas específicas do conhecimento formal (ciências naturais, meio-ambiente,
línguas, história, matemática, etc.). Esse foco é reflexo da noção de que o conhecimento
objetivo é formativo per se e condição sine qua non para a formulação de julgamentos
adequados sobre a realidade. É ainda resquício de formulações cartesianas, permeadas de
valorações tácitas, tais como a idéia de que a razão instrumentalizada, técnico-científica, é
melhor e mais adequada à formação do indivíduo na sociedade contemporânea, visando,
inclusive, a construção de sua cidadania.
O problema que se coloca em primeira instância a partir desta constatação não é o fato
de se pensar a formação técnica e profissional, ou de se refletir sobre os processos de ensino-
aprendizagem, mas sua ênfase, que pouco espaço deixa para uma “pedagogia com rosto
humano” (Ruiz, 2004).
Para que essa pedagogia “com rosto humano” possa ocorrer, é necessário compreender
a educação como sendo uma ação entre pessoas, ao invés de indivíduos abstratos, encontro
entre alteridades irredutíveis a funções ou papéis, o que significa inicialmente a revisão da
relação educador-educando.
Nesse contexto, a primeira crítica que se pode fazer é que a relação entre
professor/educador e aluno/educando, não deve estar fundamentada nas noções de
transmissão ou construção de saberes, mas originalmente no encontro onde o
professor/educador se reconhece responsável pelo outro, obrigado a dar-lhe resposta. Este é o
ponto fundamental da relação ética no âmbito da educação. Esta responsabilidade, ao modo de
Levinas, implica a assimetria e uma resposta que já é em si ensinamento – se não “objetivo”
num primeiro momento, com certeza ético na origem.
Esta assimetria não deve ser entendida desde o ponto de vista do poder – como
assimetria de poder. Ao contrário, numa tal responsabilidade radical pelo outro não há
assimetria de poder, pois, se houvesse, esta assimetria seria a dominação, constituindo-se em
paradoxo frente à própria aceitação da alteridade do outro.
Como dito no item anterior, a resposta é a acolhida do outro – aceitação de sua pessoa
numa realidade concreta, sócio-histórica e cultural, não podendo ser este outro reduzido a um
aprendiz de “competências e habilidades” ou às suas condições sócio-históricas e culturais. O
acolhido é alguém singular, sob todos os pontos de vista, que sente, pensa, tem prazer e vive
102

no aqui e agora. “Y sus ‘circunstancias’, em su passado y su presente, son inseparables del


acto del acogida. De otro modo, hacerse cargo del otro no dejaria de ser uma expresión
vacía, carente de sentido o um puro sarcasmo” (Ruiz, 2004). Somente assim, é possível
garantir a educação como não sendo algo pretensamente neutra, atemporal e deslocada da
sociedade onde se vive.
Dessa forma, esta educação ética exige do educador, em primeiro lugar, a
sensibilidade para a alteridade que o intima, que já é em si, a “saída de si em direção ao
outro”, movimento de lançar pontes por sobre o abismo da fratura existencial. Nesse
movimento o outro ensina; seu ensinamento é moral - dá-se na manifestação de sua expressão
assistida pela palavra, instaurando a linguagem e o discurso. As pontes são essencialmente
pontes comunicativas.
Este discurso não é, contudo, um discurso vazio, informações soltas e abstratas, mas
refere-se sempre ao mundo do outro trazido à palavra. Mais do que “contextualizado”, como
comumente se refere ao ensino moderno, o discurso não é reflexo de um mundo dado e auto-
evidente, mas reflexivo ao por em questão exatamente o mundo dos fenômenos e das
aparências onde a alteridade não tem vez. Assim, este discurso, também se faz como ação de
resistência aos modelos que aceitam o “curso da história” ou a aceitação pacífica dos fatos, e
nesse sentido é uma utopia concreta. Faz-se como compromisso e engajamento –
responsabilidade que já é ação, resposta.
Mas o compromisso e o engajamento não são anteriores – anterior é Outrem. Assim,
uma educação ética não desenha, a priori, ações de “engajamento”, de “problematização” ou
de “diálogo” baseadas na possibilidade de conhecer a realidade, numa espécie de re-edição
revisitada dos pressupostos modernos do Iluminismo. Se há algum conhecimento da realidade
possível implicando na possibilidade de transformação social e política, ele será sempre
resposta a Outrem, resposta como ação e responsabilidade. Por isso, esta educação chama-se
de “educação para a responsabilidade” e tem na alteridade o fundamento de sua pedagogia.
Como nos diz Gur-Ze’ev (2002):

This detachment from the given and the self-evident is governed by the
possibility that each subject can be supported, enriched and challenged by
the other. The partner in dialogue is acknowledged in her otherness,
irreplaceable as a particular person, in her difference rather than her
103

sameness. At the same time, the dialogue which makes possible a certain
kind of transcendence is a political event and is socially contextualized,
although impossible to reduce to historical developments, power games and
symbolic exchange.

Esta separação do mundo dado, do mundo dos fatos auto-evidentes tendo como ponto
de partida a ética da “visão” do rosto do outro, conduz à reflexões específicas sobre o
conhecimento objetivo e sobre a razão, onde primeiro, a “essência da razão não consiste em
assegurar ao homem um fundamento e poderes, mas em pô-lo em questão e em convidá-lo à
justiça” (Levinas, 1980, p.75) pondo em questão a liberdade de conhecer à revelia do outro, e
segundo complementarmente, a impossibilidade deste conhecimento, proposição de um a
outro no discurso, basear-se em regras metodológicas modernas, cartesianas onde
fragmentação, a simplificação do objeto e a liberdade de um cogito soberano são seus
fundamentos.
Portanto é necessária também uma outra maneira (método) de conhecer que possa ser
ressonante com a proposta de respeito à alteridade humana e de tematização de um mundo
que, ainda que nos sustente, nos defina biológica e fisicamente e nos contextualize
historicamente, é aberto e dinâmico e do qual estamos separados – ainda que dele façamos
parte. Esta separação permite e apela à responsabilidade, não apenas pelo outro ser humano,
mas ao mundo e à sua biodiversidade.
Esta responsabilidade é introduzida no âmbito do que é dito no discurso entre o
Mesmo e o Outro: o Outro se refere ao seu mundo, apresenta-o ao Mesmo, entretanto, este
mundo apresentado não é um mundo solitário, ou melhor, vazio, ele é povoado de objetos,
idéias e pessoas, é um “mundo vivo” que também apela a ele e demanda sua responsabilidade,
já que o sujeito ético não pode responder unicamente pelo rosto singular que o solicita,
abandonando todos os demais .
Esta responsabilidade se faz cada vez mais necessária em face dos desafios
vivenciados desde o início do século XX devido ao desenvolvimento descontrolado da
tecnociência, do embaralhamento na questão sobre os fins e os meios e o conflito entre
globalização e pluralidade.
104

Nesse sentido complexificar este conhecimento - a proposição dita no discurso - é


desenvolver uma atitude responsável ao mesmo tempo em que se apresenta como resistência à
métodos reducionistas.
No campo do conhecimento objetivo instaurado no discurso, ou seja, o que é dito, esta
complexificação se dá na busca por articular os vários saberes, pois uma coisa (objetos,
informações, idéias) é o que é, devido também ao seu contexto, aquilo que a
forma/mantém/elucida, que ao mesmo tempo é, e não é, parte dela. Também é importante
frisar que objetos e idéias já são em si leituras que o ser humano faz e, portanto, comportam
interpretação/tradução, sem esquecer que da mesma forma que o objeto comporta uma idéia
de si, a ele associada, uma idéia comporta sua concretude - se realiza na vida sendo ela
própria um ser vivente dotada de produção/reprodução/organização (Morin, 1998).
É exatamente a impossibilidade de reduzir um todo a mera soma de suas partes que
torna urgente a busca de uma nova forma de conhecer e conseqüentemente de ensinar a
conhecer.
Nesse sentido, é fundamental buscar promover este conhecimento e a educação para a
responsabilidade deve procurar incluir o ensino de formas que permitam estabelecer as
relações e influências mútuas e recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo.
Pensar este conhecimento como sendo organizado por relações complementares e
antagônicas, unas e múltiplas, onde a verdade sempre comporta a possibilidade de erro e
ilusão, exige uma total reforma na própria maneira de pensar.

Se a complexidade, essa modelização do pensamento moriniano, é um


paradigma pós-cartesiano, deve permitir-nos não apenas formular os
problemas de outra maneira, mas inventar as soluções. O método do
pensamento complexo não é um evangelho nem uma tábua de Moisés; é a
arte de religar o que a análise desagrega, de contextualizar quando o
reducionismo separa, de "historizar" o método, os conceitos e o sujeito
pensante , para não ser governado - ou sê-lo o mínimo possível - pelo
idealismo da simplificação ou da abstração.(Bianchi, 1999, p.125)

GE DF
105

3. AS CORES DO BORDADO: EDUCAÇÃO NA GESTÃO SÓCIO-


AMBIENTAL E AS REDES SOCIAIS SOLIDÁRIAS

No solo las ballenas


Los delfines los osos
Los elefantes los mandriles
La foca fraile el bontebok
Los bosques la amazônia
Corren peligro de extinguirse
También enfrentan esse riesgo
Las promesas / los himnos
La palabra de honor / la carta magna
Los jubilados / los sin techo
Los juramentos mano em biblia
La ética primária / la autocrítica
Los escrúpulos simples
El rechazo al soborno
La cándida vergüenza de haber sido
Y el tímido dolor de ya no ser.

Mario Benedetti

Como já foi dito nos capítulos anteriores, são visíveis os sintomas da crise da
modernidade contemporânea que são explicitados a partir dos fundamentos do modelo de
desenvolvimento moderno - a razão tecno-científica e o princípio de mercado - e na
concepção de autonomia e liberdade do sujeito. Esta crise apresenta-se como uma crise ética,
porque se resume, ao final das contas, ao tipo de relação que os homens mantém entre si e
com o mundo, onde a idéia de que tudo pode tornar-se recurso tem sustentação na
instrumentalização da razão, na operacionalização dos lucros e na atomização dos indivíduos.
Um dos campos onde os sintomas da crise são mais visíveis é o campo sócio-
ambiental. Nele encontramos não apenas a questão econômica que emerge da necessidade do
mercado capitalista em dominar a natureza e transformá-la em recurso ou objeto de
investigação tecno-científica, mas também as próprias relações sociais subjacentes, que
desprezando o conjunto da vida humana e ambiental apresentam-se como barbárie social –
guerras, pobreza, marginalização e fome.
É certo que cada um desses aspectos pode e tem sido tratado separadamente,
investigando suas causas em campos distintos do saber, como a economia, a política e a
cultura, por exemplo. Cada um desses campos contribui, à sua maneira para a compreensão do
106

fenômeno e apontam soluções específicas. Entretanto, cada vez mais se reconhece a


insuficiência destas soluções, dada a sua parcialidade e muitas vezes, seu determinismo
excludente. A partir das discussões em torno do modelo de desenvolvimento e crescimento
econômico que degrada o ambiente pondo em risco a existência e a continuidade da vida, a
questão ambiental foi trazida à luz, e, desde então, o campo sócio-ambiental a partir de sua
intrínseca complexidade, tem-se constituído nos últimos anos como catalisador e articulador
de uma série de fenômenos que antes eram vistos separadamente, tornando-se um cenário
possível para a observação compreensiva das várias situações sociais, políticas e econômicas
que têm ocorrido nos últimos 50 anos no mundo.
A complexidade deste campo surge como limite da racionalidade teórica e
instrumental da modernidade em cujas margens situa-se o “mundo economizado, arrastado
por um processo incontrolável e insustentável de produção” (Leff, 2003a, p.18).
Dessa forma, esta complexidade ambiental é uma resposta não somente ao
estranhamento causado pela razão tecno-científica que reduz o mundo a categorias do
pensamento e a construtos teóricos, mas também à regência do mercado, que extirpando
violentamente as alteridades mundanas, transforma o potencial humano e ambiental em
mercadorias impossibilitando a criação de laços sociais que não sejam medidos pelo lucro e
pela vantagem pessoal.
O campo sócio-ambiental não é apenas vitrine da crise ética da modernidade
contemporânea, mas apresenta-se também como sendo o local onde o enfrentamento dessa
crise tem uma das suas condições de possibilidade: a complexificação ambiental que requer
um saber ancorado em bases diferentes das racionalidades instrumental e econômica moderna.
Para este campo convergem saberes de diversas origens e metodologias criando um campo de
saber transdisciplinar. Segundo Leff (2003a, p.20),

(...) a solução da crise ambiental (...) não poderá dar-se somente pela via de
uma gestão racional da natureza e do risco de mudança global. A crise
ambiental nos leva a interrogar o conhecimento do mundo, a questionar esse
projeto epistemológico que buscou a unidade, a uniformidade e a
homogeneidade; esse projeto que anuncia um futuro comum, negando o
limite, o tempo, a história; a diferença, a diversidade, a outridade.
107

É certo, como diz Leff (2001), que este “saber ambiental” é mais do que simples
articulações entre conhecimentos disjuntos, mas se apresenta também como uma “emergência
de conjunto de saberes teóricos, técnicos e estratégicos, atravessados por estratégias de
poder no saber” (p. 147). Põe em xeque não apenas a racionalidade moderna, mas as relações
sociais e políticas, o fundamento econômico desta sociedade e o imaginário simbólico que
permeia a formação das identidades sociais e pessoais.
Não é, contudo, uma solução mágica para os problemas que enfrentamos, não é uma
re-edição da idéia de emancipação social por via do conhecimento, pois reconhece seus
limites - a parcialidade, os erros, as incertezas e as ilusões intrínsecas a toda e qualquer
representação conceitual realizada pelo ser humano. Refere-se ao ambiente como sendo um
campo heterogêneo e conflituoso no qual se confrontam saberes e interesses distintos.
Entretanto, é nessa diversidade cultural que é possível antever as possibilidades reais de
construção social de sustentabilidade, buscando alternativas ao desenraizamento de grupos
sociais e a elaboração de laços de pertencimento e cuidado (responsabilidade) com o homem e
seu meio.
Esta construção social de sustentabilidade remete-se à noção de communitas e a
possibilidade de criação de espaços de encontro e diálogo. Espaços onde o diálogo seja
instaurado a partir de uma resposta a Outrem; espaços onde a política seja fundada a partir da
necessidade de justiça, como um ato de sabedoria (ou amor) para com o terceiro da relação
(os “outros” - homens, mulheres e o próprio ambiente - além de Outrem que também
demandam respostas).
Com certeza esta é uma tarefa árdua para qual convergem, ou devem convergir,
esforços de diversos campos de ação humana. Um deles é o campo educacional. Em especial,
como objeto desta tese, o campo da educação voltado aos processos de gestão sócio-
ambiental.
Nesse sentido, a associação de uma pedagogia da alteridade ao processo de gestão
sócio-ambiental norteando sua dimensão educativa é condição de possibilidade para o
nascimento de um processo de organização social que se paute pela justiça, pela solidariedade
e pela responsabilidade. Esta organização social, no caso do Riacho Fundo se apresentou sob
a forma de uma rede social solidária, cujos pressupostos teóricos serão discutidos neste
capítulo.
108

3.1 A EDUCAÇÃO PARA A RESPONSABILIDADE E O CAMPO AMBIENTAL

3.1.1 O saber ambiental na perspectiva da pedagogia da alteridade

Um mundo significativo é um mundo em que há Outrem pelo qual o mundo


da minha fruição se torna tema com uma significação. As coisas adquirem
uma significação racional e não apenas de simples uso, porque Outro está
associado às minhas relações com elas. Ao designar uma coisa, designo-a
outrem. O acto de designar modifica a minha relação de fruição e de
possuidor com as coisas, coloca as coisas na perspectiva de outrem. (...) A
palavra que designa as coisas atesta a sua partilha entre mim e os outros.(...)
A objetividade resulta da linguagem que permite pôr em causa a posse. Esse
desprendimento tem um sentido positivo: entrada da coisa na esfera do
outro. A coisa torna-se tema. Tematizar é oferecer o mundo a Outrem pela
palavra.

Levinas

O saber ambiental, para ser uma resposta possível ao conflito ético atual deve ser
resposta ao “Outro”, no sentido já exposto no capítulo anterior. É este dizer a Outrem que
funda a possibilidade de um dito responsável no sentido das relações entre o poder e o
conhecimento, isto é, este saber nascido no discurso entre o Outro e o Mesmo resiste à
formulação moderna onde o conhecimento é uma forma de poder e de dominação de um sobre
o outro; resiste a ver o “objeto do conhecimento” como um objeto “asséptico”, que se presta
ao cálculo, à construção e à transformação desde fora, como algo que foi feito para ser
destrinchado em suas particularidades e dominado e apela à responsabilidade, que no caso
ambiental, refere-se às condições de vida no planeta, atuais e das gerações futuras.
No campo educacional, a complexidade da problemática sócio-ambiental tem
frutificado em novas metodologias, estratégias e fundamentalmente novos olhares sobre a
significação do que é educar. Bebendo em fontes variadas, a educação ambiental tem
chamado para si um conjunto de práticas que antes estavam representadas apenas no universo
da educação popular e dos movimentos sociais.
Ao mesmo tempo, esta educação ambiental reflete a ambigüidade da modernidade
contemporânea. Num extremo, pode apresentar-se como responsabilidade por Outrem e pelo
109

ambiente, na radicalidade de uma pedagogia da alteridade que oferece um discurso crítico,


balizado por um pensamento complexo, das dimensões conflituosas da sociedade moderna,
situando-se dessa forma como um processo de humanização sócio-historicamente
contextualizado. Noutro, pode apresentar-se como uma visão ingênua, ainda dentro do
paradigma moderno do pensamento fragmentado, oferecendo como substrato da
aprendizagem a formação de bons comportamentos em relação ao meio ambiente e aos
“outros”, sem entretanto se perguntar sobre seus próprios fundamentos.
Essa ambigüidade é visível nas escolas e em muitos movimentos populares de caráter
educativo voltado às questões sócio-ambientais. Muitas vezes o que se ouve são palavras de
ordem em defesa da natureza, do meio-ambiente e da biodiversidade, porém sem nenhuma, ou
quase nenhuma elaboração crítica anterior, sem ligação com a crise ética da modernidade
contemporânea e desconectada da relação com o mercado capitalista. São noções ainda
referidas a um “mundo natural”, não-humano, belo e perfeito porque criação divina, ou um
sentido “fágico” - um amálgama entre o indivíduo humano e o meio ambiente - e que em
ambos os casos a humanidade não tem o direito de destruir.
Esta é uma ambigüidade difícil de ser solucionada, pois está imbricada na própria
ambigüidade do ser humano em se ver fraturado em relação ao meio ambiente ao mesmo
tempo em que dele faz parte. É o posicionamento em relação a uma alteridade mundana
referida ao meio ambiente que traz inúmeras implicações de ordem político-econômica e
social, uma vez que a idéia de uso do ambiente e de seus “recursos” está embaixo de uma
grossa camada de cimento histórico-social do desenvolvimento humano, comportando
aspectos religiosos, políticos, econômicos, científicos e tecnológicos, todos fundidos num
“senso-comum” que ao mesmo tempo impede e demanda a revisão do modo humano de ser e
existir no mundo retornando dessa forma ao ponto de partida da crise – o modo humano de se
relacionar com e no mundo.
Dessa forma a educação ambiental na perspectiva de uma pedagogia da alteridade
deve lidar exatamente com essa ambigüidade, centrando esforços em criar espaços para que o
modo humano de se relacionar com e no mundo seja responsável, isto é, espaços para a
emergência do discurso crítico, do diálogo dos saberes, do encontro de alteridades. Espaços
em que as relações de dominação sejam barradas na porta de entrada, onde o tempo possível
seja o tempo do diálogo e do encontro, que não se fluidifica, pois parte de um dizer e se
realiza num dito dotado de sentido e que por isso permanece e se faz história. Espaços, em
110

última análise, que mesmo tendo sido criados no horizonte da problemática ambiental, a partir
da abertura-do-ser-ao-outro, da resposta à alteridade, carreguem o germe da comunidade
(communitas), do fortalecimento de identidades locais como resistência a pasteurização do
mercado permitindo a criação de laços de pertencimento e cuidado, laços ativos, cuja própria
existência já é transformação.
A educação ambiental ao assumir a alteridade como seu ponto de partida, instaura na
gestão um diálogo que apresenta “mundos” - o mundo de cada sujeito no discurso; um
ambiente que ao ser apresentado pelo sujeito passa a ser “seu ambiente”, sua casa, seu lugar
de vida. O diálogo explicita o caráter de confronto de mundos, de idéias, de visões, de desejos
e de interesses referentes a um ambiente que também possui sua própria externalidade, no
sentido de não ser assimilável no sistema teórico dos paradigmas objetivantes do
conhecimento moderno. Esse confronto não busca a coerência ou consenso por meio de uma
racionalidade baseada em um discurso comum, um fundo racional e normativo dado a partir
de pressupostos teóricos, políticos sociais e culturais construídos desde fora da relação, mas
almeja a paz – a unidade de uma pluralidade que não forma uma totalidade fechada.
Nesse sentido, o ambiente passa a ser tema para reflexão, algo que é ofertado para
discussão desde o Outro, algo sobre o qual se pode falar. É nesta possibilidade de tematização
do ambiente ofertado ao diálogo que o saber ambiental se faz pertinente.

Somente a partir do limite de sua existência e de seu entendimento, de seu


ser na diferença e na outridade, o ser humano elabora categorias para
apreender o real; e neste processo cria seu mundo de vida e constrói uma
realidade. Esse saber sempre tem sido atravessado pela incompletude do ser,
pervertido pelo poder do saber e mobilizado pela relação com o Outro. (Leff,
2003a, p.24)

Ora, se a questão fundamental da crise é a questão ética, no sentido da relação que os


homens mantém entre si e com o meio, a questão do conhecimento torna-se presente, pois na
base dessa relação moderna está o cogito cartesiano e a possibilidade (poder) de conhecer o
mundo - já de antemão transparente aos sentidos - e dominá-lo.
111

Na crítica levinasiana a categoria da Totalidade 21, esclarece essa idéia, segundo o qual
o Outro (a alteridade) é subsumido no Mesmo (outro nome para “eu”). Este movimento de
subsunção dá-se por meio da objetificação do outro – uma violência realizada pelo
conhecimento objetivo fundado na razão instrumental moderna. Este conhecimento coloca os
homens numa relação intencional e interessada, fazendo parte do processo de totalização.
Levinas entende que conhecer continua e continuará sendo uma possibilidade (potencial)
humana, porém este ato de conhecer deve ser subordinado à ética, entendida como resposta a
Outrem – responsabilidade.
Porém, deixar de lado a racionalidade instrumental e econômica por outra que combata
a fragmentação do saber e a assepsia dos objetos de conhecimento reduzidos aos modelos
teóricos da tecnociência, não é suficiente para se constituir como uma resposta à crise ética.
Não basta, por exemplo, o saber ambiental ter como horizonte a alteridade, ou seja, preservar
e respeitar a alteridade como em alguns discursos inclusivos e de respeito às “diferenças” e à
“diversidade”. Aqui há um perigo sutil, o de se deixar contaminar pela possibilidade de criar
um outro método de conhecimento que mesmo aceitando seus limites intrínsecos – as
representações, traduções e significações realizadas pelo sujeito no ato de conhecer, funde-se
numa noção de identidade individual em cuja base está a autonomia do sujeito cognoscente, o
que remete para a centralidade no ser, no “eu” que conhece e teoriza, regressando dessa
maneira ao “cogito ergo sum” cartesiano, que mesmo “complexificado”, permanece na esteira
da ontologia.
Entretanto, é certo que uma tal racionalidade complexa, não fragmentada, que articula
antagonismos e complementaridades, certezas e incertezas, ordens e desordens, permite a
abertura de janelas para olhar um mundo dinâmico, mutável e surpreendente. Estas janelas
não excluem, a princípio, a alteridade mundana. Entretanto, este conhecimento assim
entendido não pode ser exercício solipsista, desde a liberdade do sujeito, que não responde a
Outrem, apesar de admiti-lo no seu “método”. Um conhecimento de tal natureza não é ético e
conseqüentemente não pode ser resposta à crise.
Nesse raciocínio, o saber ambiental e o diálogo de saberes, como colocados por Leff
(2003a; 2003b), respondem em parte à necessidade ética atual, apresentando o ambiente como

21
Para Levinas, a história do ocidente, em especial a história da filosofia ocidental, tem consistido em buscar
formas para reduzir o Outro ao Mesmo, neutralizando a ameaça do desconhecido. Esse processo de busca
chama-se totalização e “à construção dialética, imanente e com pretensão de auto-compreensão e auto-
legitimação – em que convergem os resultados desse esforço de totalização – temos chamado de Totalidade”.
(Souza, 1996, p.18).
112

o campo da externalidade ao logos moderno e o diálogo de saberes sendo instaurado como


resposta à alteridade. Segundo este autor,

El Otro es rostro, pero también es lo otro del saber totalizador. El ambiente,


en tanto que es un saber, aparece como esa externalidad (lo absolutamente
Otro) del conocimiento objetivo que busca la mismidad entre la palabra y la
cosa, la identidad entre el concepto y lo real, el reflejo del ente en el
conocimiento. Por ello, el ambiente no es una dimensión internalizable o
asimilable dentro de un sistema teórico, una economía del saber, o en los
paradigmas objetivantes del conocimiento. (2003b, p.21)

Esse diálogo de saberes pauta-se pela perspectiva aberta pela linguagem de tornar
comum o mundo do sujeito, isto é, de ao fazer-se comunicação (diálogo) abrir o mundo de um
ao mundo do outro, falando e escutando, ouvir a palavra que traz auxílio ao rosto, à sua
expressão. Ao mesmo tempo, sendo o mundo do sujeito, de um Tu, de um Outro, resiste a ser
internalizado nos dogmas modernos – auto-explicativos e auto-evidentes. Este diálogo é
marcado pela alteridade que não se deixa reduzir à generalidade da condição de espécie humana,
trazendo à tona a diversidade cultural e a justiça como sendo a justiça desde o outro, isto é, “justicia
que no se disuelve ni se resuelve en un campo unitario de derechos humanos, sino en el derecho a
tener derechos diversos de seres diferenciados por su cultura” (Leff, 2003b, p.22).
O diálogo como responsabilidade, resposta a Outrem, funda um saber ambiental que
transcende o conhecimento ancorado na relação com objetos, isto, é, a relação com um mundo
dado, transparente aos sentidos. Abre a perspectiva do inusitado; questiona os marcos
econômicos sobre os quais são edificados os limites de possibilidades da realidade; questiona
a própria realidade como tendo uma história linear e previsível; põe na berlinda o discurso
moderno globalizante que desprezando a pluralidade cultural apresenta as diferenças como
intercambiáveis, negociáveis dentro do mercado das identidades sociais possíveis. Este saber
ambiental, portanto,

cuestiona el proyecto totalizante del conocimiento objetivo y la fijación del


conocimiento en el presente, de la historia basada en “hechos”, de un futuro
113

limitado a la extrapolación de las tendencias de la realidad, sin cambio, sin


creatividad, sin posibilidad. El diálogo de saberes parte de la idea de pensar
la relación entre el ser y el saber, de la reapropiación del mundo desde la
reconstitución de la identidad; abre el concepto genérico del ser (Heidegger)
para pensar la diversidad del ser cultural dentro de una política de la
diferencia. (Leff, 2003b, p.30)

Mas este ambiente que nos acolhe, também é alteridade no sentido mais estrito do
termo. É também um rosto que me apela, que nos apela enquanto nos acolhe. Ao mesmo
tempo chama e responde a nós, humanos. O rosto deste ambiente às vezes é uma paisagem
idílica, outras, um esgoto a céu aberto. Mas em ambos os casos um acolhimento que se fez
como morada. Às vezes ele grita, explode, se agita e nos atemoriza – pois é indecifrável. É um
rosto de muitas faces, muitas facetas, tantas quantas forem os olhares que o mirem e por isso
nos confunde.
O ambiente pode ser Outrem para mim, numa relação que mantenho eu e ele, como
nos momentos em que solitária descubro nele um companheiro silencioso, que oferta a si
mesmo, como quando mergulhava em mar aberto, e encostada numa pedra no fundo do mar
olhava as vidas que passavam ligeiras em cardumes ou o suave movimento de uma raia que
parecia voar, como uma gaivota. Sua oferta é a de me manter viva, a mim, aos outros, a ele
mesmo. Aqui, entre ele e eu, decido se respondo a ele em sua oferta e o acolho na minha
responsabilidade ou se apenas me aproprio de territórios, paisagens e cenários construídos por
mim a partir das minhas necessidades. Aqui reside o sentido fundamental da educação
ambiental a partir da alteridade – a responsabilidade pelo ambiente como resposta obrigatória
à oferta da vida, como compromisso com a vida e nesse sentido é também resposta à
sociedade humana e à sua própria manutenção. Esta resposta ao rosto do ambiente que me
apela e me acolhe, diferentemente da assimetria postulada por Levinas, é simétrica, ou
melhor, recíproca, porque retorno a um acolhimento e a uma oferta e é nesta reciprocidade
que reside a possibilidade da vida.
Em outros momentos o ambiente é o terceiro incluído numa relação que mantenho
com outros seres humanos, grupos ou instituições e aí está o cerne da questão da
responsabilidade do ponto de vista político-social. Este ambiente passa a ser objeto de uma
gestão sócio-ambiental cuja dimensão pedagógica deve conduzir ao estabelecimento desta
114

responsabilidade, em face das disputas e conflitos que surgem ao se referir ao ambiente como
tema de um discurso ou diálogo. Neste momento o resgate da exterioridade do ambiente se
faz necessária para que seja possível a justiça ambiental, entendida aqui como um conjunto de
princípios que mantenham a oferta da vida, hoje e amanhã.
Esta exterioridade do ambiente é resgatada, por um lado, por meio de um diálogo de
saberes no qual ocorre a emancipação do poder da palavra a partir do embate entre alteridades
irredutíveis cuja tensão faz surgir um horizonte de possibilidades no confronto dos mundos
que exige novos sentidos e olhares para com o ambiente. Por outro, a exterioridade do
ambiente, na dimensão educativa do processo de gestão ambiental, emerge no apontamento da
responsabilidade de cada um em responder à oferta ambiental e comprometer-se com a vida.
Nesse sentido, o saber ambiental efetivado num diálogo de saberes não prescinde do
conhecimento objetivo. A epígrafe deste item vem lembrar que o conhecimento das coisas é
algo que o ser humano realiza e continuará fazendo. As coisas são ofertadas por alguém a um
outro na comunicação e se transformam em objetos tematizáveis. Mas para serem ofertadas
precisa haver separação. Esta separação é fundamental para que o objeto a ser tematizado não
faça com o interlocutor uma unidade, uma totalidade e seja subsumido em sua mesmidade, e
por outra, que o tema enunciado não aprisione o interlocutor, não o reduza à representação.
Quando ofereço um mundo, no caso o ambiente que trago a presença do outro pelo auxílio da
palavra, (designar uma coisa a outrem) me separo dele. É preciso que os temas ganhem
exterioridade e esse é o sentido da objetividade. A objetividade que possui um fundamento
ético deve ser entendida como separação e só pode ser possível no encontro entre Mesmo e o
Outro, como resposta do Mesmo ao Outro. “Esta objetividade é correlativa não de um
qualquer traço num sujeito isolado, mas da sua relação com Outrem”(Levinas, 1980, p.187).
Dessa forma, esta objetividade deve ser marca distintiva de um diálogo de saberes em
torno de questões sócio-ambientais que expressam os conflitos de interesses em torno da
apropriação social da natureza, para garantir a impossibilidade de reabsorver estes conflitos
numa totalidade epistemológica. Na prática, isso significa que o diálogo de saberes ao por em
movimento as falas e ações referidas ao meio ambiente faz emergir a necessidade da política
na mediação dos conflitos visando à justiça em relação aos homens e ao meio ambiente. Ao
mesmo tempo, a exterioridade que a objetividade demanda neste diálogo não é apenas
exigência no campo do conhecimento, mas alteridade real – fratura, separação, pois referida a
um ambiente que nos apela a nos comprometermos com a vida.
115

Por isso, mais do que uma “política da diferença” como afirma Leff (2003b), esta é
uma política da alteridade, pois não está restrita apenas às diferentes visões e falas dos
sujeitos humanos envolvidos no diálogo em torno de um ambiente concebido como um
“campo de saber” ou “como externalidad del logos (de las ciencias objetivantes, de la
realidad generada como reflexión del conocimiento sobre lo real)” (Leff, 2003b, p.29), mas
resgata a alteridade do próprio ambiente, relembrando a percepção, desde dentro, de nossa
separação dele e que por isso é possível falar em justiça.
Então, se o ambiente se constitui numa alteridade, este deve nos falar e sua “palavra”
deve ser originalmente um ensinamento moral: preserve a vida. Este ambiente nos fala
através de signos que traduzimos de diferentes formas a partir da relação que com ele
mantemos. Ele nos apresenta sua oferta, mostra sua fúria, nos engole e dizima, nos provê
vida. Mostra suas rachaduras, seus ciclos, fluxos e correntes, seu fogo interior, seus mortos e
seus vivos. Deixa rastros do seu passado, linhas, trilhas e esculturas de um tempo em que era
mais jovem. Deixa também os vazios das vidas que não existem mais e as estratégias que
criou para se re-equilibrar e suportar a perda. Nos mostra suas partes gangrenadas e as
plásticas que se viu obrigado a realizar. Conta uma história.
Este ambiente também nos fala que nele estamos nós, que fazemos parte do seu
mundo vivo, da história que ele conta, e que, portanto, sua fala deve ser a nossa fala.

3.1.2. A dimensão pedagógica na gestão sócio-ambiental e a construção de


sustentabilidades.22

A dimensão educativa dos processos de gestão sócio-ambiental tem um papel


importante a cumprir desde o ponto de partida da alteridade. No processo de gestão sócio-
ambiental que ocorreu (e ainda ocorre) no Riacho Fundo, os conflitos relacionados ao meio
ambiente estão relacionados à ocupação do solo que devido às políticas locais de
assentamento, ao recrudescimento da especulação imobiliária e das invasões ilegais, geraram
um alargamento da malha urbana sobre áreas do cerrado causando grande impacto –
especialmente nos recursos hídricos locais, uma vez que boa parte dos lotes urbanos foi
22
Baseado no artigo Mourão Sá, L e Makiuchi, M.F., “Cidade e natureza: tecendo redes no processo de gestão
ambiental”. Sociedade e Estado, v.18, n.1/2, jan /dez 2003, p.89-113.
116

edificada sobre frágeis mananciais – minas e olhos d’água, além do grave aumento da pressão
antrópica sobre os córregos.
Ao mesmo tempo a realidade da qualidade de vida urbana não é menos preocupante. O
Riacho Fundo, em especial o parcelamento do Riacho Fundo II, vivencia problemas de infra-
estrutura, tais como a falta de drenagem de águas pluviais, a falta de arborização e redução de
cobertura vegetal necessária para a recarga do lençol freático e a falta de estrutura adequada
de saneamento, além de problemas no âmbito do convívio social, como a falta de espaços
públicos de convivência onde se possa participar de atividades de cultura e lazer. Além disso,
estas famílias foram reunidas repentinamente, trazidas de locais diferentes do Distrito Federal,
algumas destas, famílias de carroceiros e catadores de lixo que moravam em lixões, outras,
famílias de baixa renda, porém empregadas no mercado formal gerando relações internas de
preconceito social, como atestado em falas de professoras das escolas públicas ao se referirem
aos problemas que enfrentavam com seus alunos, sendo um deles o preconceito social
evidenciado entre os filhos de carroceiros e catadores e os demais colegas.
Estas condições sócio-ambientais se apresentam como conflitos de interesses pessoais,
culturais, econômicos, sociais e políticos. Conflitos cuja mediação adequada, que seja
resposta e resistência aos fundamentos da crise ética moderna, só é possível na
responsabilidade, não na barganha. Enquanto a barganha de interesses for o motor da
mediação, o conflito permanecerá, mesmo que travestido de pacificação e silêncio.
O gestor/educador ambiental nesse processo possui uma função particular, a de
promover um diálogo justo, isto é, de agir politicamente no sentido de preservar a organização
da pluralidade – afinal, como diz Levinas (1980), a responsabilidade infinita que tenho por
Outrem, que se abre como bondade, não pode ser pervertida em injustiça contra um terceiro.
Nesse sentido, a política surge como necessidade de limitar esta responsabilidade pelo Outro
para que seja possível a vida em sociedade, e não apenas na ordem do “entre-dois” do “frente-
a-frente”. Esta vida em sociedade deve perceber o ambiente, como um “terceiro incluído” ao
qual se deve fazer justiça, mantendo a possibilidade da vida - tarefa árdua em face da
apresentação do ambiente como bem disponível para uso, na ótica da utilidade, da redução e
do imediatismo modernos. Dentro do diálogo o ambiente surge como tema, porém um tema
que não pode ser subsumido em categorias conceituais abstratas e dadas desde fora da
relação, devendo ter sua exterioridade preservada para que possa surgir um conhecimento
objetivo, no sentido que Levinas dá a este termo.
117

Este conhecimento objetivo nascido no diálogo de saberes questiona os modos de


apropriação social da natureza, denunciando a racionalidade instrumental e econômica
modernas apontando, por um lado, o que Beck (2003) chama de sociedade de risco, isto é, a
integração da natureza aos processos de industrialização transformando-se em “riscos e
perigos que são negociados no processo de socialização e se desdobram em uma dinâmica
política autônoma”(p.24) e por outro, o acentuado processo de individualização da sociedade,
um individualismo institucionalizado, onde as instituições básicas da sociedade, como a
educação e os direitos políticos, por exemplo, estão voltadas para o individuo e não para o
grupo ou a família. (Beck, 2003)
Conseqüentemente, este indivíduo moderno sente-se desobrigado de manter relações
responsáveis (no sentido de responder a outrem) com e no mundo, visto como mercadoria real
ou potencial, cuja aproximação se dá em função da satisfação de seus desejos travestidos de
necessidades pela ação do marketing e da mídia.
Este indivíduo moderno é o sujeito autônomo, livre para conhecer, um sujeito
perquiridor que busca sua felicidade pessoal, seu reconhecimento social – “seu lugar ao sol”.
Um sujeito que, mais que egocentrado, é egoísta, pois responde unicamente a si mesmo.
A mediação de conflitos sócio-ambientais tem na sua constituição (do conflito)
exatamente o debate com este tipo de indivíduo, que representa não apenas a si mesmo, mas o
ideário econômico, social e político da modernidade contemporânea que insiste em integrar
não só o ambiente no processo industrial como objeto mercadológico e de produção, mas
também os outros homens e mulheres, entendidos como força de trabalho ou como coisas que
devem ser coaptadas ou compradas, servindo de mediadoras da satisfação de seus desejos e
interesses iniciais.
Esta relação fisiológica e clientelista surge na mediação de conflitos sócio-ambientais,
uma vez que o ambiente, como campo social, constitui-se como um novo espaço de relações
sócio-políticos, onde os interesses políticos e econômicos voltados à produção e ao mercado
capitalista confrontam-se com um ideário ambientalista baseado em valores e
comportamentos por vezes conflitantes, e que se traduzem nas trajetórias de militantes,
profissionais e especialistas atuantes, tanto no âmbito do poder público, como da sociedade
civil e comunidades locais. (Carvalho, 2002)
No Riacho Fundo, tem sido possível acompanhar e observar o processo pelo qual o
ambiente se constitui localmente como campo epistemológico, simbólico e político, servindo
118

de referência tanto para as práticas e discursos modelados no paradigma predatório da


apropriação privada, como para uma ruptura paradigmática e uma reordenação das formas
dominantes de construção dos sujeitos sociais.
O discurso ambiental, principalmente em relação à gestão do Parque Ecológico do
Riacho Fundo, à preservação das nascentes e da biodiversidade local, apresenta-se como uma
referência capaz de aglutinar uma diversidade de atores sociais, desde técnicos e funcionários
públicos, políticos e lideranças clientelistas tradicionais, até organizações civis inovadoras,
constituídas por jovens militantes com raízes na vivência ecológica da região, e profissionais
liberais moradores do assentamento urbano, que se dedicam às bandeiras da preservação
ambiental.
Estes personagens assumem, cada um a seu modo, a identidade de educadores
ambientais, e apresentam uma demanda crescente por formação teórica e prática a respeito
das múltiplas dimensões que envolvem a compreensão das questões ambientais e as
possibilidades de sua atuação no nível local e regional.
É possível observar na dinâmica socio-política local, esta característica marcante das
ideologias ambientais, como um processo de rotulagem que integra uma diversidade de atores
e de interesses, fazendo convergir para espaços de debate e disputa, uma variedade de
interesses simultaneamente difusos e particularistas, em busca de legitimidade e de consenso.
Um ponto que serve de divisor de águas entre esta diversidade de interesses e
orientações no campo ambiental é a presença do registro do sujeito ecológico e do educador,
nas identidades sociais.
Com base na pesquisa de Carvalho (2002), pode-se afirmar que a qualidade de
educador se manifesta como um rebatimento do ambientalismo na identidade do sujeito
ecológico, já que ele se constitui numa motivação política e intersubjetiva de interpretar a
realidade vivenciada em sua prática e construir um novo conhecimento, numa rede de
significados e de produção de sentidos onde a intenção transformadora é o mote principal.
Dessa forma, o sujeito ecológico não se constitui apenas como indivíduo, mas também
como movimentos e grupos sociais que constroem e reconstroem constantemente identidades
alternativas, na medida em que atuam politicamente no espaço coletivo.
Observa-se que os grupos e pessoas cujas motivações e orientações práticas estão
marcadas por uma necessidade instituinte de um novo paradigma apresentam um diferencial
119

que se manifesta em suas demandas por conhecimento e por sua capacidade de mobilização
coletiva face á percepção da urgência imprimida pelo caráter crítico das situações ambientais.
Portanto, de acordo com as demandas que emergem dos contextos locais onde os
sujeitos ecológicos se manifestam como legítimos agentes do processo de gestão ambiental, a
qualidade que pode ser aportada pelos processos educativos ao contexto socio-político diz
respeito à capacidade de construção coletiva de um saber ambiental que integra e ultrapassa a
racionalidade instrumental, disjuntiva e predatória do paradigma clientelista e privatista,
tornando-se capaz de acionar as possibilidades de emergência de novas formas de construção
de conhecimento e estratégias de ação. Ao mesmo tempo, ao constituir-se como diálogo de
saberes funda uma relação espaço-temporal propicia ao nascimento de relações comunitárias
no molde das communitas.

O saber ambiental levanta a questão da diversidade cultural no conhecimento da


realidade, mas também o problema da apropriação de conhecimentos e saberes dentro de
diferentes ordens culturais (...). O saber ambiental não só gera um conhecimento
científico mais objetivo e abrangente, mas também produz novas significações sociais,
novas formas de subjetividade e de posicionamento diante do mundo. Trata-se de um
saber que não escapa à questão do poder e à criação de sentidos civilizatórios. (Leff,
2001, p.231)

As condições e o contexto de construção deste saber e da efetivação do diálogo


necessitam, portanto, de ganhar visibilidade no seu aspecto essencialmente político, no
sentido de que a educação deve ser entendida como um processo de agenciamento das
vontades, interesses e conflitos que se manifestam nas práticas coletivas, visando a produção
de uma percepção crítica e criativa e de atitudes responsáveis. Responsabilidade por Outrem
que se institui como ética, frente à vulnerabilidade da natureza e dos homens, em face da
radicalização dos processos de modernização que negam ou escondem os riscos do processo
de industrialização, do aumento populacional e da intensificação do processo de
individualização.
Nessa ótica, o ambiente urbano, por explicitar os conflitos entre a sociedade e a
natureza, é o locus das ações preferenciais, no processo de gestão ambiental. Isso reforça a
120

necessidade de transcender a educação ambiental como simples abordagem de conteúdos


biológicos ou das ciências naturais, para uma abordagem complexa, onde todo o
conhecimento organizado - científico ou local - articula-se em direção a uma práxis
responsável em relação ao ambiente, humano e natural. Dessa forma, a integração do político
na dimensão educativa, é condição de um efetivo surgimento de alternativas viáveis às
questões ambientais concretas.

As estratégias acadêmicas, as políticas educativas, os métodos pedagógicos, a produção


de conhecimentos científico-tecnológicos e a formação de capacidades se entrelaçam com
as condições políticas, econômicas e culturais de cada região e de cada nação para a
construção de um saber e uma racionalidade ambientais que orientam os processos de
reapropriação da natureza e as práticas do desenvolvimento sustentável. (Leff, 2001,
p.154)

Processos e práticas que devem, acima de tudo, primar pela responsabilidade. A


responsabilidade como ponto de partida de um processo educativo não deve estar restrita
apenas ao âmbito do indivíduo, mas deve referir-se ao coletivo e às ações das políticas
públicas frente às questões sócio-ambientais.
Nesse sentido o educador/gestor ambiental ao responder ao Outrem na sua
responsabilidade, instituindo e mediando um diálogo de saberes, deve saber que fomenta além
da emergência de um novo conhecimento (saber/racionalidade), uma nova possibilidade de
vinculação social entre os sujeitos do diálogo (do qual ele também faz parte), isto é, de uma
nova práxis dirigida não apenas ao ambiente como exterioridade, centralizando nas relações
entre sociedade e natureza, mas à nossa vida social e as relações que mantemos uns com os
outros.
Esta nova dimensão social é fomentada, no caso da gestão sócio-ambiental, a partir de
um processo educativo, constituindo-se como possibilidade de sustentabilidade social e
cultural, uma vez que aponta para novas formas de organização social enquanto é paz na
pluralidade e diversidade cultural. Este é o espírito da communitas, que não sendo sustentada
por consensos a priori, dados desde fora dela e passíveis de contaminação de um ideário
moderno, tem por base a alteridade e o diálogo que surge no frente-a-frente.
121

Entretanto, esta possibilidade somente pode ser efetivada nestes termos, como resposta
inicial a outrem, como instauração de um diálogo de saberes que prime pela diversidade
cultural dos sujeitos em suas alteridades irredutíveis, que aceitando a separação em relação ao
ambiente o veja como possuidor de sua própria alteridade, resgatando uma noção de respeito
pelo sagrado que se aplica também à humanidade – um mundo vivo no ambiente – e por isso
devedora do mesmo ensinamento. Esta sustentabilidade social e cultural faz-se como justiça
ao “terceiro incluído” na relação, seja um indivíduo humano ou o ambiente. Esta justiça é a
condição moral do ensinamento de preservar a vida. Sem ela vivenciamos a morte anunciada.
Por isso a dimensão educativa nos processos de gestão ambiental deve ser entendida
como um processo responsável, pressupondo, prima facie, a alteridade e a ética que ela funda
como base das relações intersubjetivas e da relação homem-natureza.
O enraizamento político, cultural e social do processo educativo intrínseco à gestão
das questões ambientais pressupõem a abertura de espaços de diálogo e encontro, onde possa
ser possível não só explicitar os conflitos, mas sobretudo, caminhar para suas soluções.
Contudo, é importante salientar que cada espaço aberto, cada encontro, já são per se,
processos educativos. Não como elos de uma cadeia, mas como fios de uma rede tecida à
várias mãos.

3.2 REDES SOCIAIS SOLIDÁRIAS

No contexto do Riacho Fundo, o processo de gestão sócio-ambiental propiciou a


formação de uma organização social em forma de rede fundada na solidariedade e na
responsabilidade. Essa rede, resultado de mobilização social local, inicialmente construída a
partir da organização de professores de escolas públicas da região para conhecer e conservar o
Parque Ecológico, tornou possível ampliar no espaço local da bacia hidrográfica do Riacho
Fundo, os espaços necessários para dar visibilidade à diversidade de interesses e conflitos
sócio-ambientais. Nesse sentido, a rede constitui-se num campo educativo – local para debate
e promoção de idéias, ao mesmo tempo em que sedimentou, a partir das parcerias
estabelecidas, uma prática solidária, voltada ao enfrentamento dos problemas sócio-
ambientais locais.
122

Esta prática solidária instituiu-se a partir da responsabilidade que os integrantes da


rede demonstraram no fazer cotidiano respondendo às necessidades de grupos e pessoas em
condições desfavoráveis. Ao mesmo tempo, a rede ao preservar os espaços de encontro e
diálogo, criou condições de possibilidade para que informações, práticas e conhecimentos
referentes ao meio ambiente local fossem trocados e articulados criando um campo de saber
sócio-ambiental gerador de uma nova cultura ambiental.

A rede foi fruto de trabalho cooperativo entre professores de escolas públicas locais,
integrantes de organizações não governamentais que atuam na área, pesquisadores
universitários e membros da comunidade local. Todo o processo de gestação desta rede é
exemplar da mobilização social em torno da necessidade de explicitar as questões urbanas,
integrando a dimensão política na educativa no intuito de construir um novo campo de ação
sobre a organização social local.

Para que a discussão sobre a formação desta rede – seus fundamentos, desafios,
vitórias e derrotas façam sentido é necessário antes alinhavar alguns conceitos básicos
referentes a estrutura de redes em geral, e definir o que seja uma rede solidária voltada à
responsabilidade desde o ponto de vista da alteridade, como possibilidade de servir de
embrião e espaço que se aproxime, ou seja ele mesmo, um espaço comunitário.

3.2.1 Rede social – um conceito da modernidade

Redes sociais são redes de relações que são inerentes ao cotidiano humano. Este fazer
cotidiano é fruto dessas relações em rede – amigos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho,
professores, alunos, etc. Nesse sentido, redes sociais não invoca nada de novo. É a própria
estrutura da socialização humana que permite e demanda estas conexões. Entretanto, da
mesma maneira que o paradigma da modernidade contemporânea rebatendo na formação
social transforma suas relações, vemos surgir dois conceitos de redes sociais baseados em
pressupostos distintos: o primeiro forjado na dinâmica da economia neoliberal (as redes
neoliberais), o segundo criado como resistência e aposta em outra lógica econômica e social
(as redes solidárias). Num primeiro momento pode parecer que o que as distingue é sua práxis
123

econômica, porém, observando mais atentamente, será possível perceber que a distinção
fundamental é a noção de poder e a gestão interna associada, isto é, enquanto um conceito
reporta-se à rede como tendo a possibilidade de concentração de poder em determinadas
conexões, pressupondo a gestão sendo comandada pelos desígnios do mercado globalizado, o
outro conceito entende que a rede somente pode existir como dissolução do poder a partir de
uma auto-gestão.
As redes neoliberais são bem definidas no livro “Sociedade em rede” de Manuel
Castells (1999). Castells define rede da seguinte maneira: “Rede é um conjunto de nós
interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta” (p. 498). Sua intenção neste
livro é analisar as novas dinâmicas sócio-econômicas traçando um panorama da sociedade e
dos mercados na era da informação. Para este autor a tecnologia da informação facilitou
enormemente o processo de fortalecimento de redes. Segundo Castells, “redes são estruturas
abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam
comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de
comunicação” (p.498).
Para Castells redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista
contemporânea – globalizada. Neste novo estágio do capitalismo, o acesso ao know-how
tecnológico e a facilitação dos fluxos financeiros são fundamentais, por isso a estrutura
reticulada, onde nós e conexões são grupos, indivíduos e fluxos de informação e capital, é
segundo este autor, a estrutura morfológica social mais adequada.
Do ponto de vista das relações sociais que se estabelecem nessa estrutura, Castells
(1999) pontua:

A construção social das novas formas dominantes de espaço e tempo


desenvolve uma metarrede que ignora as funções não essenciais, os grupos
sociais subordinados e os territórios desvalorizados. Com isso, gera-se uma
distância social infinita entre essa metarrede e a maioria das pessoas,
atividades e locais do mundo. Não que as pessoas, locais e atividades
desapareçam. Mas seu sentido estrutural deixar de existir, incluído na lógica
invisível da metarrede em que se produz valor, criam-se códigos culturais e
decide-se o poder. Cada vez mais, a nova ordem social, a sociedade em rede,
parece uma metadesordem social para a maior parte das pessoas. Ou seja,
124

uma seqüência automática e aleatória de eventos, derivada da lógica


incontrolável dos mercados, (...). (p.504)

A essa metadesordem social que Castells aponta associa-se a tendência dos indivíduos
reagruparem-se

em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais, nacionais.


(...) Enquanto isso, as redes globais de intercâmbios instrumentais, conectam
e desconectam indivíduos grupos, regiões e até países, de acordo com sua
pertinência na realização dos objetivos processados na rede, em um fluxo
continuo de decisões estratégicas. Segue-se uma divisão fundamental entre o
instrumentalismo universal abstrato e as identidades particularistas
historicamente enraizadas. (Castells, 1999, p.23)

O conceito de rede em Castells refere-se a uma arquitetura vertical, em forma de


pirâmide, ainda que sua base seja larga. Sua análise, voltada á estrutura do mercado e á
organização das empresas multinacionais, descreve estas empresas como estruturas ligadas
em rede, em cuja base estão as células operacionais, responsáveis pela atualização
tecnológica, tanto do ponto de vista de processos como de produtos. É esta base que é comum
no jogo do mercado globalizado, formando o que Castells chama de “redes internacionais” da
economia globalizada.
Este alargamento da base, ou por outra, a transformação de uma empresa
multinacional - cuja estrutura vertical subentende várias unidades hierarquicamente
associadas - para uma rede internacional, dá-se em função do aumento dos custos
operacionais relacionados à crescente complexificação tecnológica, o que “não resulta na
internalização das transações na empresa, mas na externalização das transações em custos
compartilhados por toda a rede”(Castells, 1999, p.211).
Estas redes são estruturas que apesar de permitirem fluxos de informação, serviços e
capital, não constituem mudança significativa na estruturação do poder no sentido do
empoderamento de grupos e indivíduos, mesmo Castells afirmando que “a morfologia da
125

rede também é uma fonte de drástica reorganização das relações de poder” (p.498), pois
apenas a base destas redes é compartilhada, não sua “cabine de comando”. Elas emergem da
necessidade do capital fluir, escapar rapidamente dos entraves políticos e culturais locais, e
principalmente, dividir entre a concorrência os custos operacionais do desenvolvimento
tecnológico, ao mesmo tempo em que pulveriza as responsabilidades sobre atos cometidos
contra grupos sociais e o meio ambiente.
Na verdade o autor não se refere à possibilidade de dissolução do poder numa malha
reticulada, ao contrário, sua “drástica reorganização” refere-se à concentração do poder em
nós desta rede, concentração advinda da informação sobre os mercados de capitais e fluxos
financeiros que, por exemplo, assumem o “controle de impérios da mídia que influenciam os
processos políticos” (p.499).
Dessa maneira, a rede que Castells descreve é uma rede tridimensional, em forma de
pirâmide, com uma base larga cuja razão de existir reside na possibilidade de dividir custos
operacionais e dissolver responsabilidades. Não é à toa que Castells afirma que este tipo de
estrutura organizacional é adequado ao modelo econômico globalizado atual – esta rede que
Castells descreve é o próprio design operacional do capital moderno, na sua volatilidade e
irresponsabilidade, além de permitir inferir uma descrição das relações sociais
contemporâneas instauradas no âmbito privado a partir dessa morfologia social. No caso,
estas relações sociais sofrem do mesmo mal: voláteis e irresponsáveis.
A descrição de Castells naturaliza as redes, pois faz parecer que a constituição destas é
evolução natural do capitalismo, escondendo o conflito entre estas redes e as outras redes de
resistência ao ideário economicista moderno.
Dessa maneira um outro conceito de rede se faz presente como denúncia e resistência
às redes neoliberais: a rede social solidária.

3.2.2. Rede social solidária – um conceito-ruptura

Nas últimas décadas têm surgido em todo o mundo várias organizações voltadas à
promoção da justiça social. Inicialmente surgiram organizações no campo da política e da
cultura, como redes e organizações ecológicas, educacionais, voltadas ao direito da mulher,
126

do negro, pela qualidade de vida nas metrópoles, entre outras. A partir de suas práticas e
fundamentos estas organizações que emergiram da sociedade civil contribuem para criação de
uma nova cultura, pois questionam a exclusão social, o domínio do mercado sobre as relações
sociais no âmbito do privado e do público e a posição do Estado em relação ao mercado e à
sociedade. Nesse sentido, o que se coloca em questão é a própria democracia e a necessidade
de se instituir mecanismos democráticos onde a sociedade civil possa ter controle tanto sobre
o Estado quanto sobre o mercado. Como diz Mance (2001):

A noção de democracia que emerge nesta consistência como projeto a


expandir e que já é praticado no interior de inúmeras redes é aquela que visa
assegurar realmente as liberdades públicas e privadas, eticamente exercidas,
ao conjunto das pessoas e sociedades. O exercício concreto dessas
liberdades, todavia, supõe condições materiais, políticas, educativas
informativas e éticas para realizar-se como manifestação de cidadania. Nesta
luta por assegurá-las coletivamente, surgiram movimentos e organizações
que, posteriormente, conformaram redes sociais que progressivamente
começam a colaborar entre si.

A necessidade que motivou a criação e expansão destas redes relaciona-se, não apenas
ao modelo econômico atual que vem esvaziando os espaços de participação popular nas
questões políticas enquanto suprime as liberdades privadas, mas igualmente ao paradigma da
modernidade como um todo, que cria subjetividades alienadas ao mesmo tempo em que induz
a formação de identidades coletivas falsificadas – angústia social e existencial. Com efeito,
estas redes vêm constituir-se como verdadeiros nichos comunitários, espaços possíveis para a
criação de subjetividades coletivas e pessoais autênticas, isto é, eticamente referenciadas. São
redes formadas por pessoas, grupos e movimentos populares compostas por contingentes
dominados e excluídos pela modernidade e por grupos a eles solidários, que se articulando em
práticas voltadas ao empoderamento popular, buscam tornar possível a criação de condições
políticas e materiais de vida, o fluxo de informação e formação educacional, balizados pela
relação ética de respeito à alteridade.
127

A tecnologia da informática e da comunicação em tempo real, utilizada amplamente


pelo capital para fluir e não ser “capturado” é, no caso das redes solidárias, utilizada para
ligar, para conectar, para “estar junto” em torno de práticas e de um ideário que se
contrapõem como resistência a volatilidade assustadora das relações sociais – públicas e
privadas – contemporâneas. Dessa maneira, estas redes expandem-se em redes de redes por
todo o planeta, apontando uma utopia em construção.

A partir delas - considerando-se o que começa a emergir em sua consistência


complexa de rede - pode-se vislumbrar os primeiros sinais do nascimento de
uma nova formação social que tende a superar a lógica capitalista de
concentração de riquezas e exclusão social, de destruição dos ecossistemas e
de exploração dos seres humanos, afirmando a construção de novas relações
sociais, econômicas, políticas e culturais que, organizando-se em
colaboração solidária, têm o potencial de dar origem a uma nova civilização,
multicultural e que deseja a liberdade de cada outro em sua valiosa
diferença. (Mance, 2002a)

Uma das redes que mais tem crescido nos últimos anos é a rede de economia solidária,
que envolve uma diversidade de práticas, associadas ao consumo, produção, serviços,
comercialização e financiamento de empreendimentos.
As redes de economia solidária surgem no final do século XX, em torno da década de
sessenta, contrapondo-se à lógica econômica do capital e ao mercado globalizado, e à sua
conseqüente exclusão social. Existem hoje, ao redor do mundo, redes de troca, redes de
comércio e produção solidária e organizações que, não podendo ser caracterizadas como redes
solidárias, atuam, contudo, em benefício das populações excluídas pelo processo de
globalização. Entre elas Mance (2002) destaca a European Fair Trade Association
(congregando nove centrais de importação localizadas na Áustria, Bélgica, França, Grã-
Bretanha, Alemanha, Noruega, Holanda Itália e Suíça), o Grameen Bank (Bangladesh), o
Ökobank (Alemanha) cuja linha de financiamento privilegia ações ecológicas e pacifistas, não
financiando indústrias de armas ou nuclear, o banco Triodos (Países Baixos), o banco Ético
(Itália), Sistemas Locais de Emprego e Comércio (LETS, Canadá), Rede Global de Trocas
128

(Argentina), Economia da Comunhão (Brasil), difusão de softwares livre (como o Linux) e


organizações de marca (identificando ao consumidor os produtos do comércio solidário, como
a marca Max Havelear – surgida na Holanda em 1988).
No Brasil, o fortalecimento de redes de economia solidária se deu em função da
realização de várias ações de âmbito local, regional e nacional, como a experiência do Banco
Palmas (Ceará), os Fóruns de Economia Solidária em cada estado da federação que
congregam grupos de produção, comercialização e serviços solidários, a Rede Universitária
de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, a Rede Brasileira de Socioeconomia
Solidária e a Rede Global de Socioeconomia Solidária.
Os princípios da rede de economia solidária, segundo Mance, assentam-se no
paradigma da complexidade e na práxis libertadora cuja referência encontra-se na filosofia
da libertação. Na verdade, Mance (2002), afirma que ao longo dos últimos 30 anos, a filosofia
da libertação avançou para uma abordagem complexa:

a) demolindo a pretensão de ontologias modernas em afirmar conceitos


incorrigíveis, questionando a lógica indutivo-dedutivo-identitária, afirmando
o não-ser como fonte de inovação; b) reafirmando a exterioridade do real
frente aos conceitos elaborados, resgatando a dimensão do mistério frente ao
conhecido (...); c) recolocando a confiança ética no outro como condição
para a realização humana da proximidade, frente à incerteza de qualquer
conhecimento a priori e a posteriori sobre a alteridade em seu devir; (...) g)
reconstruindo as categorias tempo e espaço a partir da proximidade humana;
h) recolocando as relações de autonomia e dependência entre todos no seio
da economia, política e cultura, visando dialogicamente construir novas
relações humanas desde a proximidade com os seres negados, considerando
a exterioridade de cada pessoa, povo ou cultura.(...) (p.55).

Esta base apresentada por Mance para os fundamentos da rede solidária tem
ressonância com os fundamentos de uma educação para responsabilidade baseada numa
pedagogia da alteridade. De fato, o sentido pedagógico destas redes, reside na possibilidade
do diálogo onde “conhecimentos e sentidos diferenciados peculiares à diversidade de
histórias, culturas e pessoas, mesmo não sendo unívocos, podem simultaneamente ter
validade desencadeando devires moleculares e molares”.(Mance, 2002, p.57)
129

Ao mesmo tempo a utopia anunciada nas redes solidárias tem seu ancoradouro no
pensamento libertário, em especial nas reflexões de Gustav Landauer, que via a revolução
socialista como sendo uma construção e reconstrução permanente Associava dois conceitos à
idéia de revolução - topia e utopia. Topia referia-se às condições de vida de cada povo, que
podiam ser adequadas ou precárias. Utopia era para Landauer (apud Mance , 2000, p.129)

(...) um conglomerado de aspirações e tendências da vontade individual,


sempre heterogêneas e isoladas, mas que, em um determinado momento de
crise que exaspera os entusiasmos, vai se unificando e se organizando em
uma forma de vida social, isto é, na tendência de formar uma topia de
funcionamento impecável, onde seja excluída toda espécie de defeitos e
injustiças.

Nesse sentido, toda topia é seguida de uma utopia, que é seguida de nova topia, na
medida em que a utopia é reação a uma topia estabelecida e da qual se origina, ao mesmo
tempo em que é recordação de utopias similares anteriores. Este é um movimento sucessivo,
de estabelecimento de estabilidades (topias) e transformações (utopias). Dessa forma, a
revolução é o caminho de uma topia a outra passando por períodos de instabilidade. A
revolução também estaria presente como princípio, na busca pela realização da unidade
“desse complexo de sentimento, vontade e recordação” que a utopia presente dentro dos
períodos de topia traz.
Para este pensador anarquista a revolução não está associada ao momento da tomada
do poder de Estado pela classe trabalhadora, mas

“se relaciona com toda a convivência humana. Não apenas com o Estado, a
divisão em classes, as instituições religiosas, a vida econômica, as
tendências e criações intelectuais, a arte, a educação e o aperfeiçoamento
espiritual, mas com o conglomerado de todas estas formas de manifestação
da convivência, que em algumas épocas se encontra em estado de relativa
estabilidade, embasada no assentimento geral.” (Landauer, apud Mance
2002, p.128)
130

As redes sociais solidárias possuem esse caráter utópico e revolucionário, pois


possuem condições de articular as utopias individuais que surgem como contraponto à
insatisfação com o modelo social, econômico e político vigente na contemporaneidade (topia),
representado pelo capitalismo, pela sociedade individualizada e pela política voltada aos
interesses privados.
Como pontua Mance (2002):

Células de colaboração solidária podem se espalhar por toda a parte onde


seja possível às pessoas organizarem atividades autônomas de consumo e
labor e, ao articularem-se em redes, poderão engendrar paralelamente ao
sistema capitalista um novo sistema econômico, político e cultural, capaz
não apenas de absorver todos os excluídos pelo capitalismo, como também
suplantar esse sistema, multiplicando o tempo livre de todos para a
promoção do bem-viver (p.132).

Por fim, as redes solidárias, em especial as redes de economia solidária descritas por
Mance (2002) possuem princípios e características gerais, tais como a participação coletiva, a
autogestão, a cooperação, a preservação ecológica, entre outros, que servem como modelo e
base para outras redes de caráter diferenciado, tais como as redes de educação e meio
ambiente. Estas características e princípios serão tratados em mais detalhe no próximo item.

3.2.3 Características gerais de uma rede social solidária

A partir dos dois princípios básicos das redes sociais solidárias – complexidade e
práxis libertadora apontados por Mance, emerge um vasto conjunto de características e
movimentos da rede. São aspectos que dizem respeito à arquitetura, à gestão, aos movimentos
de conexão, aos fluxos e às finalidades da rede solidária. Esses aspectos tem sido bem
descritos em bibliografia recente (WWF, 2003; Mance, 2002) Neste item serão discutidas
131

algumas dessas características, consideradas fundamentais ao processo de formação e gestão


de uma rede solidária.
Quando se diz que uma rede solidária possui uma arquitetura horizontal, o que está
em questão é a idéia da concentração de poder e de uma ordem hierárquica. Diferentemente
das redes empresariais capitalistas, o poder numa rede solidária não se concentra num ou
outro ponto, nem a rede possui uma ordem que surja de algum controle central.
Dessa forma, a rede solidária é descentralizada implicando na noção de
multiliderança. Não é apenas o fato de que integrantes da rede possam em certas
circunstâncias exercer a liderança em uma ação, mas o fato de que ao mesmo tempo em que o
poder é diluído na rede, uma conexão (integrante) pode receber a convergência de todo o
poder da rede, por um investimento de confiança para realizar determinada ação ou tarefa
representando toda a rede. Nesse sentido, cada ponto representa toda a rede. Esta é a
característica hologramática da rede – o todo contém as partes e cada parte contém o todo.
A multiliderança e a horizontalidade da rede implicam num tipo de dinâmica que
prioriza as conexões que cada integrante da rede realiza, isto é, o grau de conectividade -
quanto mais conexões um participante da rede realiza, maior o fluxo de informação e serviços
e conseqüentemente de articulação das lideranças na realização de tarefas e ações.
A rede solidária, à exemplo dos sistemas vivos, é um sistema evolutivo e auto-
regulável, possuindo seus próprios mecanismos internos de regulação e reprodução e nesse
sentido uma rede solidária pode implementar seus mecanismos internos de regulação de
forma diferenciada relativamente à outra rede. Esses mecanismos, entretanto, são
condicionados à necessidade da circulação do poder e aos princípios democráticos que regem
toda rede solidária.

Um sistema é evolutivo na sua existência visto que, em relação aos seus


constituintes, é uma forma nova, uma organização nova, ordem nova, um ser
dotado de qualidades novas. Constitui a base de novas morfogêneses, que
utilizarão as suas emergências como elementos primários. (Morin, 1997,
p.131)
132

Como a rede é auto-regulável, ela está em constante processo de auto-organização,


autoproduzindo-se, o que explicita o caráter de autopoiese da rede. Esta autopoiese supõe a
dialógica entre ordem/desordem/organização, isto é, um movimento contínuo onde ordem e
desordem atuam numa dupla lógica entre antagonismo e complementaridade.
Isso significa que na rede, os momentos de ordem (estabilidade, consenso) são
seguidos de momentos de desordem (instabilidades, conflitos) e assim sucessivamente e nesse
movimento a rede segue se consolidando. Nesta auto-organização estão as idéias de
recursividade e de retroalimentação – isto é, o fato da rede constituir-se numa determinada
organização, formada por nós e linhas, que produz organização a partir da circulação aleatória
de fluxos de informação que retroagem na rede modificando o estado inicial.
Entretanto, esmiuçando um pouco mais, uma rede real nunca estará pronta, terminada,
pois ela é um sistema aberto, permanecendo à temperatura de sua própria destruição. Este é
um ponto extremamente delicado ao se tratar de redes sociais, a idéia de que por meio de uma
ação externa à rede se possa impedir que esta se extinga. É um erro crasso. Ao fazer isso, a
intervenção externa cria um foco de poder e hierarquia e joga por terra a própria rede. No caso
de redes sociais solidárias a aposta que deve ser feita reside na própria regulação interna da
rede que se dá a partir de seus fundamentos valorativos e nos laços solidários que realimentam
a rede. Se estes forem suficientemente claros e fortes a rede encontrará mecanismos para se
manter, se refazendo a partir dos conflitos que geraram a desordem.
A auto-regulação da rede associada à desconcentração do poder demanda um fluxo
contínuo de informação. Na verdade sendo a rede um espaço de relação, esta somente se
realiza na comunicação. A informação e o diálogo, mais do que características de uma rede,
são mecanismos de regulação interna, pois,

no relacionamento, assim como na prática da comunicação, o que há é uma


profunda troca de fluxos formadores e reguladores, na qual uns vão
construindo, moldando, alterando impressões, idéias, visões de mundo,
valores e projetos dos outros e vive-versa. Esse ambiente de troca e auto-
regulação coletiva, baseado na comunicação, faz de uma coleção de
elementos díspares um grupo, um todo orgânico, uma comunidade. (WWF,
2003, p.86)
133

Como numa comunidade, a adesão à rede é voluntária e se faz a partir de objetivos e


valores comuns compartilhados, que são expostos em termos de pactos ou projetos que
congregam os esforços de todos. É sobre o pacto ou o projeto que a auto-regulação da rede se
faz sentir mais claramente, na medida em que os conflitos, instabilidades e divergências
recaem sobre eles – sobre os valores explicitados, sobre as responsabilidades compartilhadas e
sobre as estratégias delimitadas, fazendo com que se refaçam continuamente, reafirmando ou
negando suas condições iniciais. Enfim, o pacto ou projeto externaliza a rede, torna a rede
visível, dando a ela o sentido de uma “comunidade de propósito” (WWF, 2003, p.88). No
caso das redes solidárias, esta comunidade se funda sobre ideais de justiça social, diretamente
relacionados à responsabilidade por Outrem. Esta é uma dimensão política que se reflete na
tanto na operacionalização da rede quanto na sua própria existência – existir enquanto rede
solidária já é uma ação política transformadora de uma realidade social, ainda que localizada
pontualmente. Remete-se ao pensamento de Landauer, onde as utopias individuais podem ser
agenciadas de tal forma a mudar uma topia local. A rede promove esse agenciamento, a partir
de fundamentos dados desde a responsabilidade pelo outro e pelo diálogo fundado como
resposta.
Ao mesmo tempo, este caráter político transformador é viabilizado pela dimensão
educativa do processo de formação e manutenção da rede. Nesse processo, redes solidárias
têm como finalidades internas a vivência da cooperação, o exercício da responsabilidade e
conseqüentemente a coexistência dos distintos (pluralidade e diversidade) em suas irredutíveis
alteridades.
Devido a sua morfologia (horizontalidade, desconcentração do poder), à sua
multiliderança e aos seus fundamentos libertários, a rede só pode existir numa autogestão, ou
seja, numa gestão coletiva e participativa. Entretanto é importante salientar que dentro da rede
níveis diferenciados de participação podem ocorrer por parte dos diversos integrantes. Alguns
estarão muito fortemente engajados no fazer cotidiano da rede, outros terão atuação mais
pontual e localizada. Em ambos os casos, contudo, mantém-se a gratuidade da participação
que se faz em função dos pactos estabelecidos em torno de princípios e valores
compartilhados. Esta participação voluntária e gratuita expressa a condição de autonomia dos
integrantes da rede – autonomia para agir, decidir e estabelecer conexões. Entretanto,
novamente, esta autonomia (liberdade) não é referenciada no sujeito solitário, mas pactuada
na rede, cujo princípio motor é a responsabilidade – ou seja, a resposta a Outrem.
134

3.2.4 Rede solidária, educação para responsabilidade e meio ambiente

Numa rede solidária, como a descrita acima, fica claro seu potencial educativo no
aspecto de uma pedagogia da alteridade. Em seus pressupostos filosóficos, na perspectiva da
práxis libertadora da filosofia da libertação, a alteridade é o ponto de partida da ética.
A congruência desse fato faz da rede um espaço possível para o diálogo de saberes
colocado por Leff no que tange aos aspectos de uma rede voltada para as questões sócio-
ambientais.
Redes educacionais e de meio ambiente podem ser agenciadoras de utopias,
empoderando os participantes e grupos locais, construindo um diálogo produtivo no sentido
da mediação dos conflitos políticos, econômicos e sociais cujo cerne localize-se em questões
ambientais.
Ao mesmo tempo, estas redes solidárias educacionais inserem-se na vida cotidiana
local, multiplicando esses agenciamentos através das múltiplas conexões que são realizadas-
novos integrantes, apoios e parcerias tomam contato com a utopia coletiva que se vai
construindo. É uma oportunidade de inserir-se em arenas diferenciadas, que trazem para
dentro da rede novas possibilidades e desafios que fazem com que a rede se refaça
constantemente.
As redes de educação e meio ambiente, como a REMA Riacho Fundo, são moldadas
num processo dialógico de confronto de alteridades - processo que supõe e implica conflitos
que são mediados a partir dos pactos (valores, objetivos e princípios) comuns. No caso da
questão ambiental, o ambiente é reiteradamente trazido à luz, seja como alteridade a qual se
deve justiça, seja como tema (mundo do sujeito) que media um diálogo.
O saber que daí emerge não é apenas um resultado linear de uma aglutinação de
conhecimentos diversos, mas um complexo tecido relacional entre-humanos e entre homem e
natureza. Esse conhecimento complexificado sobre a realidade sócio-ambiental local é
elaborado através da construção de vínculos de pertencimento e cuidado, viabilizando
relações éticas, incentivando a construção de vínculos comunitários que sejam condição de
possibilidade da transformação da realidade de degradação sócio-ambiental local.

A rede surge a partir do reconhecimento da necessidade de construção desse


conhecimento por parte dos grupos locais implicando numa atuação educativa capaz de criar
135

espaços socio-culturais de autopercepção crítica e de gestação de relações interpessoais


solidárias.
Da mesma forma que uma rede solidária não possui hierarquias, os saberes que
emergem do encontro dialógico também são des-hierarquizados, pois não se rendem à idéia
de que apenas um tipo de conhecimento é válido.

Esse movimento de dissolução de padrões fixos de imposição-subordinação de


saberes caminha consoante com a idéia de que é necessário promover a superação da
dicotomia entre justiça e a autonomia nas relações humanas, fundando um principio de
responsabilidade na alteridade.

Essa dicotomia é superada pelo conceito de relações comunitárias que são fruto de
uma dialógica entre autonomia e integração, cabendo aí o exercício educativo da co-presença
das diferenças entre distintas visões de mundo e da possibilidade de sinergias a partir do
reconhecimento de pertencimento a um mesmo contexto de crise sócio-ambiental.

Uma rede de educação e meio ambiente solidária, traz a face da organização social
local, a mobilização interna e a abertura para tecer novas relações com grupos e pessoas que
comunguem dos mesmos ideais e valores expressos em seu projeto. Desenvolve as
autonomias individuais e coletivas sempre pautadas pela responsabilidade com o outro – ser
humano e ambiente. Atua no sentido de consolidar os espaços democráticos da rede
vivenciando os conflitos de forma aberta e direta e buscando desenvolver os aspectos
intensivo e extensivo, característicos das redes solidárias, isto é, envolver um número cada
vez maior de pessoas gerando novas células solidárias.

Dessa forma, a rede articula-se para sobreviver, buscando em outros grupos e células
solidárias os serviços e ações necessárias a sua manutenção. Expande-se para manter-se,
gerando condições para que novas células surjam oferecendo os serviços que ela precisa. As
células conectam-se umas às outras, mediadas pelo fluxo de informações e valores. A rede
cresce realizando sua autopoiese.

GE DF
136

4. ENCONTRANDO AS AGULHAS DO BORDADO: A PESQUISA –


PARTE I

4.1. PESQUISA-AÇÃO: DINÂMICA E TEMAS CENTRAIS

A estrutura desta pesquisa ancora-se na abordagem conhecida como pesquisa-ação.


Entretanto, não há uma metodologia única de pesquisa-ação, sendo este termo normalmente
utilizado para designar pesquisas cujo caráter intervencionista na situação-problema é
enfatizado. Existem algumas correntes bem estabelecidas na abordagem da pesquisa-ação,
entre elas a experimental, a psicossocial, a integral, a transpessoal e a existencial (Barbier,
2002). Nesta pesquisa optei por utilizar um modelo de pesquisa-ação que conjuga por um
lado, a visão sistêmica e os princípios da complexidade expostos nos trabalhos de Edgar
Morin (1996;1997;1998;1999;2002) e, por outra, que se aproxima da pesquisa-ação integral
que

“visa a uma mudança pela transformação recíproca da ação e do discurso,


isto é, de uma ação individual em uma prática coletiva eficaz e instigadora, e
de um discurso espontâneo em um diálogo esclarecido e até mesmo
engajado.” (Morin A. apud Barbier, 2002, p.78)

Para Barbier (2002), a pesquisa-ação integral estaria entre as abordagens psicossocial e


existencial, ambas referenciadas à ecologia humana, porém com graus diferentes quanto à
implicação do grupo de pesquisa envolvido (entendido como sendo o conjunto formado pelos
pesquisadores profissionais e os grupos sociais envolvidos). Na primeira abordagem,
psicossocial, o distanciamento é visto como necessário ao processo de instrução envolvido na
pesquisa-ação. Na segunda, existencial, a implicação é fundamental para o processo de
formação que subjaz à pesquisa. Dessa forma, a pesquisa-ação integral situa-se entre a
instrução e a formação dos sujeitos e num continuum entre distanciamento e implicação que
varia segundo o andamento da própria pesquisa.
A pesquisa-ação integral (PAI) envolve cinco dimensões - contrato, participação,
mudança, discurso e ação -, sendo que em cada uma delas podem ser descritas diferentes fases
137

referenciadas ao grau de implicação da pesquisa (Morin,A. 2004). As fases podem ser


compreendidas dentro da idéia de temporalidade e intervenção contínua da pesquisa-ação
junto aos grupos sociais. Nesse sentido, elas explicitam estágios possíveis da pesquisa que vão
sendo aos poucos modificados. Assim, por exemplo, uma pesquisa pode iniciar-se com um
contrato fechado, o que significa que os limites das ações e as funções de ambas as partes na
pesquisa são muito bem definidos, porém pontuais e com pouca flexibilidade para mudança.
A esse tipo de contrato geralmente associa-se uma participação passiva dos sujeitos,
geralmente mediatizada por um discurso submisso frente à autoridade científica representada
na figura do pesquisador profissional.
Cabe ao pesquisador que atua em pesquisa-ação encontrar as brechas para a
negociação do contrato, buscando ampliá-lo no sentido de envolver e mesmo engajar os
sujeitos nas ações, criando espaços de encontro, atuando dialogicamente, buscando níveis de
participação e de ações do grupo cada vez mais cooperativas e coletivas no apontamento dos
problemas e das possíveis soluções.
A seguir exporei brevemente os pontos principais de cada uma das dimensões e fases
da pesquisa-ação integral tendo como referência principal os trabalhos do educador André
Morin (2004).

4.1.1. O contrato

O contrato, segundo André Morin, pode ser aberto ou fechado, formal ou informal,
estruturado ou não estruturado.
Do ponto de vista da pesquisa-ação, o contrato é uma de suas condições de
possibilidade. Pensando em termos da PAI, o contrato deve ser aberto, formal e não
estruturado, sendo que um contrato fechado “tende a não fazer sentido em pesquisa-ação
integral, já que impede todo questionamento” (Morin,A., 2004, p.62). Todo contrato é
resultado de uma negociação entre as partes envolvidas, o que pressupõe a noção de diálogo.
O caráter formal ou informal do contrato dá-se na delimitação dos objetivos da ação conjunta
e das funções que cada membro do grupo irá desempenhar e é explicitado segundo a clareza
da exposição dos objetivos e das funções. Apesar da exigência da formalidade no contrato,
138

André Morin coloca que este deve ser flexível o suficiente para comportar as mudanças que
surgem em todas as fases da pesquisa-ação e que retroagem, não apenas nas finalidades e
objetivos inicialmente delimitados, mas no próprio processo da pesquisa como um todo.

4.1.2. A participação

Na PAI existem três modos de participação: representativa, cooperativa, co-


gerenciada.
Apesar de André Morin referir-se ao modo representativo de participação, não entende
que este seja um modo adequado à pesquisa-ação integral, pois não supõe o engajamento
pessoal, ou por outra, o comprometimento necessário à mudança buscada pela PAI. No
entanto, entendo que a representação pode ser um início necessário, principalmente quando a
PAI prevê ou busca a organização de grupos e redes sociais envolvendo a sociedade civil e o
poder público, por exemplo, onde grupos sociais são representados por alguns indivíduos.
O desenvolvimento da PAI, contudo, deve se dar no sentido de criar espaços para um
maior comprometimento das pessoas e grupos envolvidos, de tal forma que a participação
atinja o modo cooperativo. Segundo André Morin (2004, p.66), o desejável é que a PAI vise a
co-gestão, “isto é, a participação de todos os membros em todas as tarefas decisivas do início
ao fim”. Para tanto faz-se necessário explicitar uma palavra chave no contexto da PAI:
responsabilidade, pois é esta responsabilidade que faz com que o participante na PAI deseje a
co-gestão como forma de trabalho. Dessa forma, os espaços de encontro e diálogo que
emergem durante o processo, visam, sobretudo, a possibilidade de emponderamento das
pessoas e dos grupos, no sentido de se responsabilizarem pelo processo de formação inerente
à metodologia da pesquisa-ação integral. Por essa razão é que entendo que a PAI pode iniciar-
se como um processo de participação representativa e passiva, e caminhar para uma
aprendizagem de cooperação e engajamento.
139

4.1.3. A mudança

A mudança na PAI possui três modalidades: aplicativa, de desenvolvimento e


transformativa.
Segundo André Morin, a mudança é a finalidade da pesquisa-ação – a mudança que se
faz na ação e no pensamento:

Não se trata de uma pura e simples aplicação de uma teoria, nem de


uma pesquisa sistemática de desenvolvimento, mas de uma demárche de
transformação graças à espiral de revisão que se traduz na ação e no
pensamento. (200, p.73)

É claro que outros tipos de pesquisa também podem gerar mudanças. Entretanto,
somente a pesquisa-ação coloca em dúvida os questionamentos iniciais e o desenvolvimento
do processo como sendo parte do próprio processo e a mudança, dessa forma, “está inscrita
no coração do processo” pois a avaliação recorrente retroage na pesquisa-ação, gerando
novas possibilidades, intervenções e reflexões.
Mas no coração do processo da pesquisa-ação está também a ação. Por isso, a
mudança inicia-se quando uma ação concreta é realizada pelos participantes da PAI. Morin
assinala que mudanças podem acontecer sem que uma ação concreta seja realizada, porém,
ainda segundo ele, “a primeira ação dos atores pode revelar uma escolha que esses últimos
são capazes de assumir” (2004, p.74), o que para o desenvolvimento da pesquisa-ação é vital,
pois não se pode exceder os limites das capacidades individuais e coletivas no processo.
Numa pesquisa-ação, uma mudança do tipo aplicativa, ou de desenvolvimento, pode
ocorrer quando pesquisadores profissionais desejam ver os resultados ou o desenrolar do
processo da aplicação de uma determinada teoria. O contrato pode ter sido estabelecido de tal
forma que a necessidade inicial dos participantes demanda uma ação desse tipo. Entretanto,
esse tipo de mudança restringe-se às relações causais – não há retroações esperadas. Desse
ponto de vista, o processo da pesquisa-ação pode se dar por terminado. Voltamos então ao
contrato – ele delimita as condições de possibilidade da pesquisa-ação. Se for aberto o
suficiente, poderá fazer uso destas etapas iniciais para dar continuidade à pesquisa e buscar a
140

mudança que Morin avalia como sendo a desejada na PAI, a mudança “transformativa”, isto
é, a mudança que se traduz na ação e no pensamento .

4.1.4. O discurso

André Morin distingue três modalidades de discurso: espontâneo, esclarecido e


engajado. Para este autor, a pesquisa-ação integral é centrada no discurso. No
desenvolvimento da pesquisa o discurso é enriquecido, passando de estágios mais intuitivos
para estágios mais críticos. O discurso na PAI subentende uma linguagem comum e por ser
marcado pela implicação, deve ser ancorado na vivência pessoal e coletiva do grupo focado.
O discurso a que se refere a pesquisa-ação é aquele que remete às etapas de
conscientização e participação do homem e da mulher na construção do mundo. Portanto, o
discurso desejado pela PAI é aquele que poderíamos chamar de crítico. É o discurso que
trans-forma o mundo, ou seja, a práxis (reflexão-ação) efetiva resultante da tomada de
consciência que não é apenas o entendimento racional do problema, mas também a imperiosa
necessidade de atuar no mundo. Nisso, o entendimento do discurso na PAI e a concepção de
diálogo freiriano (Freire, 1986) estão muito próximos – ambos visam a consciência crítica,
reflexiva e atuante para mudar as condições nas quais se encontram homens e mulheres.

4.1.5. A ação

De todas as dimensões da pesquisa-ação, a ação é a mais importante, porque define a


pesquisa-ação. Para André Morin, a ação que pode ser individual, coletiva ou comunitária,
não é uma ação aleatória, mas inscrita na vivência dos participantes da pesquisa, no caso das
pessoas e grupos sociais com os quais se está realizando o trabalho, induzindo ao
questionamento e à reflexão. Dessa forma, a ação não pode ser totalmente planejada para não
por em risco as aberturas para o aprofundamento da implicação dos participantes. Segundo
André Morin (2004, p.82):
141

As ações que são qualificadas de pesquisa devem deixar espaço para o


processo de conscientização, de reflexão, de análise, de correção, de
verificação e de crescimento do conhecimento.

A ação está presente, de maneiras distintas, em todas as dimensões da pesquisa.


Quando no ato da contratualização, por exemplo, uma ação é realizada pelo grupo social ao
aceitar ou demandar auxílio nas soluções dos problemas inicialmente detectados. Essa ação,
ainda que frágil do ponto de vista da implicação das pessoas, já indica uma potencialidade de
engajamento futuro. O mesmo ocorre com o discurso que se modifica junto com a ação, numa
relação indissociável.
Resumindo, a pesquisa-ação é definida pela ação e visa à mudança. Essa ação possui
um discurso mediatizado por uma linguagem e valores comuns ao grupo social focado, que
necessita de um nível mínimo de participação para ocorrer e que para ser realizada demanda
um contrato ou pacto entre as pessoas envolvidas esclarecendo quais são os objetivos e os
papéis que cada um irá desempenhar. Ação que por fim incita à mudança, mudança que é uma
nova práxis regenerando a própria pesquisa-ação, por meio da transformação dos grupos
sociais com os quais se trabalha, alcançando novos níveis de implicação e de conscientização.
A PAI se apresenta, assim, como uma espécie de espiral com movimentos de
recorrência e retroação.

4.1.6. A abordagem sistêmica e complexa na pesquisa-ação integral

A idéia de anel não significa unicamente reforço retroativo do processo sobre


si próprio. Significa também que o fim do processo alimenta o seu começo,
pelo retorno do estado final do circuito sobre e no estado inicial: o estado final
torna-se, de certo modo, o estado inicial, embora permaneça final; e o estado
inicial torna-se final, embora permaneça inicial. (Morin, E., 1997, p. 175)

A pesquisa-ação é uma abordagem voltada à pesquisa nas ciências humanas e sociais,


e tem, portanto como campo/objeto/atores homens e mulheres em relação com o mundo. Mas
142

homens, mulheres, mundo e relação estão em constante evolução, transformação. Há


pesquisas que fazem recortes adotando parâmetros que restringem a temporalidade não a um
intervalo de tempo, mas a uma condição estacionária e a observação se dá a partir de um
único ponto de vista (ou área disciplinar) descartando um grande conjunto de fatores. Esse
tipo de pesquisa pressupõe seu campo como um sistema fechado, onde apenas algumas
relações e interconexões internas são observadas, geralmente de fora, por um observador não
participante. Não é o caso desta pesquisa que apresento. O entendimento de que o campo,
objeto e atores estão em permanente movimento obriga que a investigação seja
contextualizada dentro desse parâmetro que é o movimento em si. Isso significa não abrir mão
das incertezas e desordens que emergem naturalmente num sistema aberto – residem no
mundo da vida as condições de sua criação e destruição – pois como sistema aberto, as ações
abrem-se aos acontecimentos. Entretanto, ao mesmo tempo, esse sistema é também fechado,
pois somente assim é possível preservar sua identidade e autonomia. Mas o que é essa
abertura na pesquisa-ação?
Não é simplesmente dizer que, eu enquanto pesquisadora, entendo que o campo é
aberto, sujeito a intervenções externas não previstas, mas compreender também que ações
decididas no grupo social focado se tornam aberturas para o novo – que geralmente é incerto
– a mudança vem como uma desordem inicial (desorganiza o anterior estabelecido), mesmo
que desejada ela implica numa reacomodação que se dá num processo de ordem-desordem-
organização.
Esse processo é sistêmico e complexo. O pensamento sistêmico possui três princípios
fundamentais (Morin, E., 1997): dialógico, recorrente e hologramático.
O princípio dialógico é aquele que associa, a todo sistema, os princípios de
complementaridade e antagonismo, significando que duas lógicas estão unidas sem que se
perca a dualidade. Segundo André Morin, referindo-se a dialogia na pesquisa-ação (2004,
p.98):

Na pesquisa-ação, considera-se o conjunto das opiniões e sua


complementaridade através do diálogo; este último deixa também emergir os
antagonismos, sobretudo no momento da busca das estratégias, como também
quando se tenta harmonizar projetos individuais dentro de um conjunto.
143

O princípio recorrente é talvez aquele que mais obviamente se aproxima do design de


um circuito espiral metodológico. O princípio coloca a forma de alimentação, produção e
regeneração dos processos em organizações ativas – as condições de sua autoprodução, ou
seja, o processo observado em sua totalidade gera e re-genera, pois possui as condições de se
anelar sobre si mesmo transformando seus produtos finais em causas iniciais. Não é apenas
retroação, apesar de englobá-la enquanto movimento, mas recursividade, pois os elementos
para a retroalimentação estão dentro do sistema que os produziu e que assim se produz
continuamente.
Dessa maneira, na pesquisa-ação não se temem a discussão e o debate, pois,

não se tem receio da desordem, da explosão, sabendo que brotará uma nova
ordem e que os enunciados ordenados gerarão, por sua vez, componentes
criadores. (Morin, A., 2004, p.98)

O princípio hologramático refere-se às relações entre parte e todo dentro de um


sistema. Na pesquisa-ação estas relações estão no âmbito das relações entre os sujeitos e o
grupo social do qual fazem parte e entre todos estes e o contexto social do qual fazem parte e
que dá origem aos problemas da pesquisa.
Segundo Edgar Morin (1996, p.98), o princípio hologramático pode ser descrito da
seguinte forma:
o todo está de certo modo incluído (engramado) na parte que está incluída
no todo. A organização complexa do todo (holos) necessita da inscrição
(engrama) do todo (holograma) em cada uma das suas partes, todavia
singulares; assim, a complexidade organizacional do todo necessita da
complexidade organizacional das partes, a qual necessita recorrentemente da
complexidade organizacional do todo.

Resumindo, como diz Edgar Morin, a complexidade está na base. Ela pode não ter
uma metodologia, mas possui um método que se desenvolve a partir dos três princípios acima
enunciados. Fundamentalmente, na busca pela verdade é necessário incluir, no pensamento
complexo, a não verdade, a incompletude de todo pensamento e a impossibilidade de pensar
em conceitos dando-os por concluídos.
Segundo este autor,
144

O imperativo da complexidade é, também, o de pensar de forma


organizacional; é o de compreender que a organização não se resume a
alguns princípios de ordem, a algumas leis; a organização precisa de um
pensamento complexo extremamente elaborado. Um pensamento de
organização que não inclua a relação auto-eco-organziadora, isto é, a relação
profunda e íntima com o meio ambiente, que não inclua a relação
hologramática entre as partes e o todo, que não inclua o princípio de
recursividade, está condenado à mediocridade, à trivialidade, isto é, ao
erro...(Morin, 1999a., p.192)

4.1.7. Técnicas e instrumentos de coleta de dados na pesquisa-ação

Nesta pesquisa os instrumentos de coleta e registro de dados se deram por meio de


diários de itinerância, onde registrei minhas impressões pessoais sobre as situações
vivenciadas e anotei as falas dos sujeitos envolvidos, gravações em áudio e vídeo de
entrevistas e reuniões realizadas com a REMA e seus parceiros, totalizando 20 horas de
gravação, marcação de freqüência nos cursos de extensão oferecidos à rede, fotografias,
entrevistas com familiares de alunos e atividades desenvolvidas com os alunos nas escolas
como parte do levantamento das representações conceituais sobre o Parque Ecológico do
Riacho Fundo.
Algumas dessas atividades, como as que foram desenvolvidas com os alunos e as
entrevistas com seus familiares, foram sugestão do grupo focado (professores da REMA) para
atender sua necessidade em diagnosticar o contexto socioeconômico das famílias e as
representações conceituais de seus alunos.
A pesquisa-ação desenvolvida neste trabalho utilizou o planejamento em espiral que
apóia-se na técnica de escuta sensível, ambos descritos por Barbier (1998; 2002) .
A escuta sensível é uma técnica de pesquisa-ação muito utilizada na pesquisa-ação
existencial desenvolvida por Barbier. Ela se apóia na empatia e exige que o pesquisador
profissional saiba “sentir” “o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro” (Morin,A.
2004, p.94), reconhecendo a irredutibilidade deste outro a qualquer categoria conceitual. Na
145

escuta sensível, os valores, emoções e imaginário do pesquisador são revelados desde o início
por meio de um diálogo que se instaura face a face, mantendo assim a coerência da pesquisa,
já que o pesquisador pode recusar-se a trabalhar com determinado grupo se “algumas
condições se chocarem com seu núcleo central de valores” (Morin,A., 2004, p.94) - é
importante relembrar que o pesquisador profissional na PAI é também ator, no sentido de agir
em conjunto com os demais participantes da pesquisa.
Resumindo, a presente pesquisa fundamenta-se num modelo de pesquisa-ação integral,
cujo planejamento possui um design em espiral que inclui todas as dimensões acima descritas.
Este planejamento em espiral se dá na perspectiva sistêmica complexa descrita no item
anterior, sendo sua característica fundamental a recursividade – pois cada fase pressupõe a
possibilidade de modificar o conjunto da pesquisa.

4.2. A PESQUISA DE CAMPO

Caminante, son tus huellas


el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.

Antonio Machado

O trabalho de pesquisa de campo será apresentado em duas partes: neste capítulo


procuro delinear as condições iniciais que propiciaram a organização da REMA, sendo,
portanto um capítulo fortemente descritivo. O capítulo seguinte (capítulo 5) possui também
um caráter descritivo, porém como se refere à organização da rede, inclui a interpretação do
seu movimento de organização, a partir dos acontecimentos, ações e estratégias que
ocorreram na REMA no período analisado (2003-2004). Em ambos os capítulos, procuro
evidenciar as respectivas fases da pesquisa-ação, assim como explicitar as técnicas utilizadas.
146

4.2.1. O início das ações: Comitê comunitário do Riacho Fundo e a Escola Olho d’Água23

Desde 2001, a Universidade de Brasília, através do Programa de Educação Ambiental


e Ecologia Humana (PEAEH) da Faculdade de Educação e do Núcleo de Gestão e Educação
Ambiental do Centro de Desenvolvimento Sustentável – (NEGEA), vem realizando ações de
mobilização e educação em gestão ambiental como parte de atividades de ensino, pesquisa e
extensão junto às populações urbanas e agrícolas residentes na sub-bacia do Riacho Fundo. A
escolha da sub-bacia do Riacho Fundo como lócus preferencial das ações de mobilização e
gestão comunitária se deu em face dos problemas ambientais amplamente descritos em
literatura recente (Fonseca, 2001; Leal, 2002; Sá, L. e Makiuchi, M., 2003; Mello, 2003;
Penna, 2003) alguns destes já descritos em capítulos anteriores deste trabalho.
Como resultado dessas ações, em meados de 2002, realizou-se o 1º Fórum Ambiental
do Riacho Fundo a partir do qual formou-se um comitê comunitário chamado de Comitê
Comunitário Sócio-Ambiental do Riacho Fundo, inicialmente constituído por moradores da
região administrativa do Riacho Fundo. O comitê tinha como referência o padrão de Gestão
de Bacias Hidrográficas, buscando na sua constituição ser representativo do poder público,
dos usuários e da sociedade civil organizada, reunindo dessa forma, grupos e instituições
locais, na intenção de vir a se ampliar para as demais comunidades da sub-bacia do Riacho
Fundo, e constituir oficialmente o Comitê Gestor da mesma, conforme prescrição da
legislação vigente.
Um dos principais focos de convergência da gestão comunitária dos recursos hídricos
pela comunidade local situava-se, à época, em torno do processo de criação do Parque
Ecológico de Uso Múltiplo do Distrito Federal que protegeria as nascentes da sub-bacia do
Riacho Fundo. Nessa perspectiva, o comitê concentrou esforços no sentido de buscar
informações junto à administração regional do Riacho Fundo sobre a criação, regulamentação
e cercamento do Parque Ecológico, assim como informações sobre o estudo do plano de
manejo do parque realizado pela Universidade Católica de Brasília e atividades de
capacitação do próprio comitê, tais como oficinas sobre legislação ambiental e temas
relacionados às questões específicas da degradação ambiental local.

23
Escola Olho d’Água é um nome fictício. Optei por trocar todos os nomes das escolas envolvidas, assim como
dos participantes da REMA citados no intuito de preservar o cotidiano escolar.
147

Como resultado deste movimento de abertura de espaços de diálogo e encontro, o


Comitê Comunitário Sócio-Ambiental do Riacho Fundo gerou várias demandas no sentido de
mobilizar setores da comunidade local e agilizar ações ambientais.
Uma delas foi a sugestão da inserção das escolas da região no processo de mobilização
para conhecer e conservar o Parque Ecológico, o que viabilizou o surgimento da Rede de
Educação e Meio Ambiente do Riacho Fundo – REMA Riacho Fundo, formada inicialmente
por professores das escolas públicas locais e que é tema deste trabalho.

O Comitê Comunitário Sócio-Ambiental do Riacho Fundo

Apesar da pesquisa centrar-se na formação da REMA, há momentos anteriores a esta


formação que são sumamente importantes, pois contextualizam minhas ações iniciais nas
escolas que possibilitaram a emergência da rede. A entrada nas escolas deu-se na
continuidade dos trabalhos iniciados pelo PEAEH e NEGEA junto ao comitê comunitário do
Riacho Fundo. Minha primeira ação no conjunto dessas atividades foi participar como
observadora no 1º. Fórum Ambiental do Riacho Fundo. A partir desse momento passei a
freqüentar as reuniões periódicas do comitê, a maioria delas, realizadas à noite, no auditório
da Administração Regional do Riacho Fundo.
Assim, ao iniciar esta pesquisa, a identificação do problema local já havia sido
realizada em pesquisa anterior, uma vez que as atividades do PEAEH e do NEGEA já se
desenvolviam há um ano e meio antes da minha entrada. Nesta altura, um contrato verbal
havia sido estabelecido, entre a equipe de pesquisa e os demais membros da comunidade que
agora se reuniam no comitê, que permitia e demandava ações conjuntas entre os
pesquisadores e alunos da UnB e a comunidade do Riacho Fundo.
Como já foi dito, as questões principais debatidas no comitê referiam-se à gestão do
parque e aos recursos hídricos locais. Segundo as falas dos membros do comitê, boa parte dos
moradores desconhecia a existência formal do parque e utilizava aquela área de forma
inadequada. Além disso, havia uma tensão em torno da constituição do Conselho Gestor do
Parque e o receio de que tal conselho, ao ser formado, fosse inoperante e sem a
representatividade real da comunidade, tendo como conseqüência um plano de manejo do
148

parque que não atendesse à população, ou por outra, que o plano de manejo não fosse
cuidadoso o suficiente em preservar os recursos naturais existentes na área.
Nos meses que se seguiram ao Fórum Ambiental, envidei esforços para construir um
vínculo de confiança com os membros do comitê. Participei de várias reuniões buscando
escutar a fala de todos, no sentido da escuta sensível colocada por Barbier. Desde o início
explicitei meus interesses como doutoranda em fase de pesquisa, expondo minha intenção em
trabalhar com escolas e professores num processo de organização comunitária. Assim, quando
houve a sugestão do comitê de inserir as escolas no processo de mobilização e educação
ambiental em torno do Parque Ecológico e o pedido para que a equipe da UnB contribuísse
nesse processo, a sugestão foi dirigida particularmente a mim.
Para iniciar o trabalho, o Comitê Comunitário sugeriu que eu entrasse em contato com
a escola “Olho d’Água”, por ser a mais próxima do Parque. A escola atende alunos de 1 a 4ª
séries, na faixa etária de 6 a 15 anos.

A Escola Olho d’Água

Da minha casa até a Escola Olho d’Água são aproximadamente 40


kms. O caminho quase não tem semáforos, apenas três, na região do Núcleo
Bandeirante. Para chegar na escola, é preciso passar por uma estrada de
terra que atravessa o parque. A estrada passa por cima de um córrego, mas,
segundo os professores, quando chove muito, fica intransitável, pois alaga
na área da ponte improvisada. Nesses dias, não tem aula. A estrada é
esburacada, mas a paisagem vale a pena.
Chegando na vila de moradores, poucas casas e uma igreja antiga,
toda de madeira. Não tem comércio. Logo a seguir vejo dois ônibus
escolares parados. São os transportes das crianças, pois a região é de difícil
acesso. A escola é pequena, quatro prédios - dois de alvenaria, dois de
madeirite, pintados de branco e azul. As salas são simples, janelas
pequenas, chão de cimento queimado, telhado de brasilit.
Os professores que me atendem são amistosos. Há um clima de
acolhimento neste lugar. Sinto-me bem. O café é bom.
As crianças, muitas delas, usam chinelos. Algumas estão sujas e não
tem uniforme. Mas brincam e muito, no pátio e no pequeno parquinho
cercado.
A escola está rodeada pelo parque. Uma professora me diz que atrás
da escola, bem perto, há uma nascente – um olho d’água que brota do chão.

Diário de pesquisa
149

Meu primeiro encontro com os professores da escola foi marcado com a direção da
escola. Fui num dia, pela manhã e à tarde, para poder conversar com os professores durante o
horário que seria reservado à coordenação pedagógica. Nossa conversa seguiu no sentido de
explicar porque eu estava ali, a existência do comitê comunitário, os problemas sócio-
ambientais que haviam sido identificados e a solicitação para que a UnB pudesse oferecer
apoio para construir um trabalho educativo, em torno das questões sócio-ambientais locais.
Minha proposta era construir, com os professores interessados, um projeto educativo de
educação e gestão ambiental para ser desenvolvido junto à comunidade, a partir da escola,
incentivando a relação entre a escola e a comunidade. Deixei claro que não trazia nenhuma
proposta fechada – mas que estaria presente junto ao grupo ajudando a construir e
implementar a que fosse elaborada. Na conversa com os professores, percebi que alguns
destes não sabiam que a área verde em torno da escola fazia parte do Parque Ecológico do
Riacho Fundo, nem que nele estavam localizadas as nascentes do córrego do Riacho Fundo
entre outras.
Inicialmente os professores mostraram-se reticentes quanto a virem construir um
projeto de educação ambiental, pois segundo eles, um grupo da UnB já havia estado na escola
no início do ano com proposta similar – sugerindo a elaboração de projetos ambientais na
escola. Alguns professores motivados pela perspectiva de realizar projetos na escola
elaboraram o projeto chamado “Projeto Meio Ambiente”, mas como o grupo da UnB não
tinha retornado, o projeto acabou não saindo do papel. Perguntei se sabiam que grupo era
este, e ao me responderem, percebi que era o grupo ao qual eu estava ligada. Sem esconder o
fato, disse que eu estaria pessoalmente envolvida nesse trabalho e que não os deixaria na mão.
Como minha perspectiva inicial era a de realizar um trabalho coletivo, de tal maneira a
propiciar condições de possibilidade para o surgimento de canais de comunicação entre a
escola e a comunidade por ela atendida, propus incluir o projeto desses professores numa ação
ligada à comunidade através do Comitê Comunitário. Assim, os trabalhos iniciaram-se
contando com um grupo formado por cinco professoras da escola, eu e a colaboração de uma
bolsista, Flávia, do programa de educação ambiental da Faculdade de Educação da UnB e de
Cristiano, geógrafo da SEMARH do setor de Educação Ambiental.
Apesar de minha aproximação com a escola, iniciada a partir do segundo semestre de
2002, ter sido viabilizada pelo Comitê Comunitário do Riacho Fundo, e entender que em
relação ao comitê havia um pacto de ações que pressupunha os limites das ações de cada um
150

dos integrantes do grupo, junto à escola isso ainda deveria ser feito. Estava naquele momento
da pesquisa abrindo uma nova frente com um novo grupo que possuía necessidades, valores e
linguagem muito distintos das que compunham o comitê. O primeiro passo, sem dúvida para a
possibilidade da realização deste novo pacto era o estabelecimento de confiança mútua.
Durante as reuniões que se seguiram com os professores da Ruralzinha, ficou claro para mim
que novos problemas emergiam, problemas relacionados à estrutura institucional da escola
pública e das relações sociais mantidas dentro daquela escola. Esses problemas demandavam
soluções que diferiam, e muito, dos pequenos projetos de educação ambiental normalmente
desenvolvidos nas escolas. Mas naquele momento eu ainda não tinha pista de qual poderia ser
a solução. Sabia, entretanto, que manter o diálogo aberto e acolher cada um deles num espaço
de convivência, responsabilidade e amorosidade fazia parte dessa solução.
Sempre que possível, Cristiano e Flávia participavam das reuniões que eram semanais.
Apesar de que em cada encontro com as professoras eu procurava discutir quais seriam as
estratégias que poderíamos lançar mão para trabalhar com os alunos e suas famílias as
questões referentes ao Parque Ecológico e aos recursos hídricos locais, as conversas eram
descontraídas e deixava por conta do grupo o rumo da discussão. Algumas vezes o assunto
principal versava sobre problemas internos à escola, a relação com a direção, a política
educacional desenvolvida pela Secretaria de Educação ou sobre a pouca participação dos
demais colegas nessa atividade. Em outros momentos o grupo discutia e organizava ações
referentes ao Parque. Como eu não estava ali para dar nenhuma “solução milagrosa”, nem
“nenhuma receita metodológica” que pudesse ser aplicada de imediato, não havia pressa. De
certa forma, aquele pequeno grupo via nossa estada ali na escola, como uma oportunidade de
realizar os projetos que tinham ficado na gaveta.
Aos poucos a confiança foi sendo estabelecida e os professores falavam mais
abertamente das questões que os incomodavam.

A identificação dos problemas junto aos professores da Escola Olho d’Água

a) A relação com os alunos e suas famílias

A maior parte dos alunos atendidos pela Escola Olho d’Água são oriundos do Riacho
Fundo II. Como foi dito no capítulo 1, este é um assentamento urbano relativamente novo,
151

com algumas quadras sem asfaltamento e tratamento de águas pluviais, possuindo vários
assentados de baixa renda. Em levantamento realizado nesta pesquisa em 39 domicílios de
famílias de alunos dessa escola, em 23% das famílias todos os adultos estão desempregados,
em 41% apenas um trabalha, sendo que em 87% dos domicílios moram de 04 a 09 pessoas.
Além disso, 66% das famílias recebem algum benefício do governo como os programas de
cesta básica e Renda Minha.

Figura 4.1 – Foto do parque infantil da Escola Olho d’Água

Apesar dos professores terem consciência dessa situação social, a relação mantida com
os alunos era nitidamente uma relação de tensão e suavidade. Por um lado a dificuldade de
ensinar alunos que se mostravam na maioria das vezes agressivos e arredios, com dificuldades
de aprendizagem e com pouca disponibilidade para ações solidárias entre os colegas, somada
aos problemas da instituição escolar que segundo os professores era viciada e não incentivava
ações inovadoras. Por outro, a percepção de que boa parte desses problemas era de ordem
social e política por um lado e afetiva por outro e que seria necessário encontrar formas para
152

se fazer o trabalho docente, apesar de todas as dificuldades impostas aos alunos e aos próprios
professores.
Sobre as famílias dos alunos, alguns professores criticavam a política assistencialista
implementada pelo atual governo, pois segundo eles não haveria necessidade para estas
famílias de procurarem trabalho, pois esta política dificultaria as iniciativas de
desenvolvimento sustentável e a mobilização dos moradores para o engajamento por
mudanças nas condições de vida, pois estariam acostumados a “receber tudo de mão
beijada”, “sem esforço”, uma vez que muitos faziam parte dos programas assistenciais do
governo do Distrito Federal recebendo cesta básica, vale-gás e Renda Minha.

Figura 4.2 – Vista dos prédios da Escola Olho d’Água

Segundo os professores, muitas mães não tinham conhecimento dos cuidados básicos
que se deve ter com as crianças, principalmente referentes à higiene e limpeza pessoal,
153

deixando que seus filhos freqüentassem a escola com os uniformes sujos e sem terem tomado
banho. Dois motivos eram apontados nas falas dos professores para explicar a dificuldade em
se realizar atividades com as famílias: o primeiro era que a escola ficava numa região de
difícil acesso e que para os familiares chegarem ali teriam que vir à pé, já que não havia linha
de transporte coletivo; o segundo era que para atrair os pais seriam necessárias atividades com
um caráter muito prático, tal como ensinar algo que pudesse ajudá-los a melhorar suas
condições de vida (com isso querendo dizer melhorar a renda).
Outro problema, identificado pelo grupo, era o fato de muitos alunos não terem uma
família estruturada, e em alguns casos as famílias apresentavam problemas com alcoolismo e
maus tratos (às mães e aos filhos) exemplificado nas seguintes falas: “muitos não tem pai, ou
são filhos de pais diferentes”, “tem aluno que já bebe”, “muitas mães chegam aqui
bêbadas”, “já tive aluno que chegou aqui cheio de manchas roxas no corpo”. Num dos casos
relatados por uma professora, um aluno vítima de maus tratos foi encaminhado ao IML para
exame de corpo de delito e segundo o médico legista, aquele tipo de caso só ocorria na média
de três ao ano, devido à gravidade da extensão dos ferimentos. Numa outra situação, durante
a encenação de uma peça de teatro, cujo enredo versava sobre a reciclagem do lixo, a
personagem segurando um papel com a foto de uma lata de cerveja pergunta o que era aquilo
- esperando como resposta “metal” - mas os alunos respondem “Skooool!”, então pergunta:
“quem já bebeu cerveja?”, recebendo como resposta vários gritos de “eu” e outras tantas
mãozinhas levantadas.
Os alunos ainda apresentavam preconceito social (conta uma professora, que os alunos
que eram filhos de carroceiros e catadores de lixo eram marginalizados pelos demais colegas),
ausência de sentimento de cooperação, baixa auto-estima (também referida às famílias),
convívio com o uso de drogas em casa, falta de cuidado com os lugares que são comuns a
todos e com o meio ambiente local. Um caso interessante levantado pelos professores para
referirem-se ao cuidado com o meio ambiente local era o cuidado com as mangueiras do
pátio: segundo eles, os alunos não deixavam as frutas amadurecerem. Numa ocasião uma das
professoras viu a meninada pendurada nas árvores tirando os frutos ainda verdes e disse para
todos descerem. Para sua surpresa, desce da árvore um pai de aluno, que junto com as
crianças estava tirando as frutas para comer. Segundo a professora Carla, “a impressão que
fica é que os alunos não têm a cultura de esperar amadurecer – têm medo que ao esperar,
outro vá antes e arranque as frutas”.
154

Por último, havia ainda a constatação de que vários alunos que apresentavam
dificuldades de aprendizagem e comportamento agressivo ou recluso deveriam passar por
diagnóstico psicológico, pois segundo os professores, eram crianças que precisariam de apoio
específico e ensino especial. Segundo as informações que os professores tiveram, uma das
regras para a doação dos lotes pelo governo do Distrito Federal no Riacho Fundo II era que as
famílias que apresentassem casos de deficiência física ou mental teriam prioridade em relação
às outras. Segundo os professores, os alunos “não têm disciplina”, “são muito agitados,
alguns possuem deficiências mentais e não foram ainda diagnosticados por que a Secretaria
de Educação não faz o seu trabalho”, “alguns são agressivos”, “não aprendem”, “têm muitas
deficiências cognitivas e afetivas”, “tem traumas”.

b) As relações entre os professores na escola e com a instituição escolar

As relações entre os professores também sinalizavam outro conjunto de problemas.


Nas conversas com o grupo, os professores incomodavam-se com o fato dos demais colegas
não quererem participar. Em suas falas era possível perceber uma cobrança da participação do
corpo docente em atividades coletivas de forma mais orgânica. A leitura deste grupo é que
não havia comprometimento em se fazer um trabalho pedagógico adequado e que na verdade:
“cada um só quer saber do seu”.
Era visível o ambiente de competição e indiferença na escola. Uma das frases que
mais ouvi durante todo o período que a freqüentei, foi: “ninguém quer saber de coordenar”-
referência às coordenações pedagógicas que deveriam ocorrer na escola e que à princípio
seriam momentos de discussão sobre os problemas e apontamentos de soluções e estratégias
pedagógicas. Nesse período inicial a escola não contava com a figura do coordenador
pedagógico e as reuniões que ocorriam eram de pequenos grupos ou então motivadas por
atividades do calendário escolar, como dia das mães ou festa junina. O espaço da coordenação
pedagógica seria o espaço de “encontro oficial” mas que esvaziado de voz e relevância
deixava de ser significativo no fazer do cotidiano docente.
Dessa forma poucas ações eram tomadas como ações realmente coletivas, onde os
professores desde o início dialogavam e deliberavam sobre. As ações que eram de iniciativa
155

individual ou de pequenos grupos acabavam gerando desconfiança e competição entre o


restante do grupo docente.
Entretanto, o grupo percebia também que a desmotivação da categoria era um aspecto
importante para a pequena participação de colegas nas atividades que estávamos
desenvolvendo. Os baixos salários, o número elevado de alunos por sala, a falta de infra-
estrutura física adequada na escola, a pouca, senão nenhuma, ajuda da Secretaria da Educação
na solução de desafios encontrados relacionados aos alunos (alguns já apontados no item
anterior) eram as explicações mais comuns dadas pelo grupo, associada à falta de
reconhecimento por parte da direção, ou mesmo a falta de incentivo da direção e dos demais
colegas para que houvesse engajamento em novas atividades.
Esse quadro relacional terá grande influência tanto na emergência da REMA quanto na
sua auto-organização. O conflito entre a cooperação e a competição por um lado e as
dificuldades de realização do diálogo na instituição escolar, perpassarão toda a pesquisa e
serão tratados com mais detalhes no capítulo cinco, quando apresentar as relações entre a
REMA e o poder público.
Mas como já disse antes, senti que o acolhimento dos professores à minha pessoa tinha
sido extremamente amistoso. Minha percepção era de que ali, apesar de todos os problemas
identificados, em especial aqueles referentes às relações sociais estabelecidas na escola, havia
um desejo latente de fazer algo diferente por um número considerável de professores. Mesmo
aqueles que não podiam participar das reuniões, ou por outra, ainda não se sentiam à vontade
para tanto, passavam em frente à sala e conversavam rapidamente, cumprimentavam, sorriam,
comentavam que gostariam de participar, perguntavam sobre os horários das reuniões e se eu
estaria lá no ano seguinte.

c) As idéias de natureza e meio ambiente

Nos encontros com o grupo, ficou claro que nenhum das professoras tinha noção do
que significava uma área tornar-se parque ecológico, e de certa forma, a importância que
atribuíam ao fato resumia-se à idéia de que “sempre é bom preservar o verde”. A visão destes
professores sobre a natureza estava impregnada de “romantismo” e simbolismo religioso,
156

onde a natureza existe por “obra da bondade divina” sendo por essa razão, “boa” para o
homem.
O ser humano apresentava-se como ser superior, destacado da natureza, e esta teria
sido criada por Deus para servir ao homem e dessa forma, os seres humanos deveriam ser
responsáveis por esse patrimônio divino. Como professores entendiam que deveriam ensinar
que a natureza é “boa” pois provê a subsistência humana e que o importante era ensinar a
preservá-la para que fosse possível continuar usufruindo dela. Entretanto os limites do que
seria natureza e a relação entre o ser humano e a natureza não estavam claros. Em algumas
falas a natureza era tudo aquilo que o homem não criou, ou não tocou. Em outras, natureza
comporta uma ação humana, como por exemplo, as hortas escolares, que seriam exemplos
pedagógicos de “como cuidar da natureza”. Por isso, a entrada/existência do ser humano na
natureza era ambígua para esses professores – por um lado o homem fazia parte da natureza
(também foi criado por Deus), mas por outro, era colocado de fora a produção e ação do
homem sobre o ambiente, mas que no final das contas, o define.
Penso que no limite desse raciocínio, seriam forçados a dizer que somente o homem e
a mulher nus, sem cultura, sem linguagem e sociabilidade fariam parte dessa natureza.
Por outro lado, os professores que compunham o grupo desejavam fazer atividades
relacionadas ao meio ambiente, em especial organizar a horta escolar que estava prevista no
projeto que tinham elaborado no início do ano. Para eles, em suas falas, preservar a natureza
era entendido como criar condições melhores de vida para todos. Associavam as atividades de
educação ambiental aos cuidados com a saúde humana - como beber água limpa, ingerir
alimentos sem agrotóxicos e fazer o descarte adequado do lixo para não ficar exposto a
doenças – e com a possibilidade de poderem trabalhar, na prática, as idéias de
responsabilidade e solidariedade entre os alunos.

Um pacto de ações desenvolvidas com o grupo da Escola Olho d’Água

Durante os encontros percebi que as professoras queriam realizar alguma atividade


com seus alunos relacionada ao Parque Ecológico e a comunidade em geral. Porém faltava
pouco para terminar o ano letivo e os docentes temiam a descontinuidade das férias. Optamos
por fazer um levantamento dos entendimentos (representações) dos alunos sobre o parque, a
157

natureza, a escola e condições de moradia. As professoras propuseram redações temáticas e


desenhos.
No dia em que elas trouxeram os trabalhos dos alunos, observamos alguns dos
desenhos e redações. Duas professoras se mostraram preocupadas com as concepções que
seus alunos tinham sobre o parque ecológico – alguns alunos tinham desenhado um parque de
diversão, e outros um lugar “selvagem” onde se poderiam caçar animais.

Figura 4.3. – Desenho de aluno da 1ª. série sobre o Parque Ecológico do Riacho Fundo (2002)

Essa atividade simples surtiu um efeito muito positivo no grupo no sentido de


contextualizar as ações futuras que pretendiam desenvolver na escola, pois algumas
professoras ficaram surpresas com as respostas de seus alunos, principalmente sobre suas
condições de moradia, levando à reflexão de que a questão ambiental não é só “preservar o
verde”, mas também uma questão social, isto é, que o meio-ambiente e a sociedade não estão
separados. Aqui neste momento há uma mudança no discurso – ele passa a introduzir de
forma mais articulada a relação ambígua inicial entre o ser humano e a natureza.
158

Paralelamente, em função do teor das discussões que tínhamos durante os encontros,


sugeri como estratégia de trabalho a construção de um roteiro de entrevistas a ser aplicado no
início do ano seguinte nas famílias dos alunos. O objetivo desse instrumento era traçar o perfil
dessas famílias quanto a aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais, como por
exemplo, as relações sociais estabelecidas, a história de vida, os saberes locais identificados e
os problemas enfrentados no cotidiano. A partir desse levantamento seria possível, no grupo,
traçar estratégias pedagógicas para o circuito comunidade–escola que viabilizassem a
construção de relacionamentos interpessoais mediatizados pelas questões do enfrentamento
cotidiano coletivo.
Passamos os encontros seguintes, até o final do semestre letivo, organizando esse
roteiro. Esta foi uma etapa fundamental na tessitura das relações no grupo: ao se organizar o
roteiro, estávamos também, elaborando um pacto de ações, incorporando um conjunto de
valores que pressupunham a responsabilidade com os alunos e com suas aprendizagens e com
o meio ambiente local. O roteiro espelhava o produto desse pacto: ainda que tenha sido minha
a sugestão, a idéia de construir o roteiro de entrevistas foi aceita por todos, tendo sido
elaborado coletivamente, incluindo as questões relevantes que todos gostariam de saber.
Assim, naquele momento, era importante para o grupo conhecer as condições materiais de
vida das famílias dos alunos, como eram as relações que se estabeleciam entre as crianças e
seus pais quanto aos cuidados dados aos estudos, à cultura e ao lazer e as relações que
mantinham na comunidade com seus vizinhos e familiares.
O roteiro pressupunha também a continuidade dos trabalhos para o ano seguinte – as
entrevistas deveriam ter sido realizadas entre os meses de janeiro e março de 2003, para que
fosse possível inserir seus resultados no planejamento docente.
Entretanto, de um total de 150 entrevistas previstas com as famílias da região próxima
à escola e ao Parque Ecológico foram realizadas apenas 39 durante o ano de 2003.
Inicialmente pensávamos em envolver os próprios moradores da região para a
aplicação dos roteiros de entrevista, mas não conseguimos mobilizar, junto ao Comitê
Comunitário, um grupo para tal empreitada 24. Dessa forma, parte das entrevistas foi realizada
pela Viverde, uma ONG sediada no Riacho Fundo, cujos integrantes participavam das
reuniões do comitê. O restante das entrevistas foi feito por alunos da Faculdade de Educação

24
No ano de 2003 o Comitê Comunitário do Riacho Fundo entrou num processo de desmobilização interna
inviabilizando a proposta inicial de realizar as entrevistas com o apoio da comunidade local.
159

da Universidade de Brasília, como parte do projeto de final de curso desses alunos ao longo
do primeiro semestre letivo de 2003.
Apesar das dificuldades, o pacto não foi inviabilizado pelo fato do roteiro de
entrevistas não ter sido aplicado em tempo hábil. Continuamos nos encontrando e buscando
novas formas para realizar as ações que haviam sido desenhadas no ano anterior e que
basicamente agora se resumiam em duas perspectivas:
1- criar condições de possibilidade para se elaborar projetos de educação ambiental e
implementá-los na escola;
2 – criar estratégias de atração de novos participantes no grupo, incluindo um número
maior de professores daquela escola.

4.2.2 - Retornando ao Comitê Comunitário – retroação e emergência: novas escolas

Em reuniões realizadas em fins de janeiro de 2003, o Comitê Comunitário buscava


encontrar formas para mobilizar a comunidade e influir no processo de estruturação do
Conselho Gestor do Parque Ecológico. Uma das estratégias levantadas na ocasião foi a
realização de um novo Fórum Ambiental no final daquele ano. Durante o mês seguinte, várias
reuniões foram realizadas, buscando identificar os grupos e instituições que deveriam ser
contatados para interagirem com o comitê no sentido de colaborar com a mobilização da
comunidade em torno do Parque Ecológico e da gestão dos recursos hídricos locais Entre as
instituições indicadas, EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e a
Cooperativa 100 Dimensão (Cooperativa de Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos e
Reciclagem com Formação em Educação Ambiental) - tinham posição chave, pois estavam
localizadas no Riacho Fundo. Foram marcadas reuniões com essas duas entidades e iniciou-se
um contato que num futuro próximo mostrar-se-ia como fundamental na estruturação da
REMA Riacho Fundo.
Paralelamente, o comitê propôs como ação de mobilização, informação e articulação
do Fórum o envolvimento das escolas públicas da região. Como o trabalho junto a Escola
Olho d’Água já havia iniciado e o comitê estava acompanhando seu desenvolvimento,
perguntaram se não poderíamos expandir o trabalho para as demais escolas públicas da XVII
160

Região Administrativa. Respondi naquela reunião que talvez fosse possível e na reunião
seguinte cheguei com a proposta de criar uma rede de trabalho entre as escolas, em torno da
temática transversal – meio ambiente, em específico a questão da água e a gestão dos recursos
hídricos do Riacho Fundo. A idéia era circular informações sobre projetos de educação
ambiental nas escolas e mobilizar os professores a realizarem atividades pedagógicas sobre o
Parque Ecológico e as condições do córrego do Riacho Fundo. Contudo, seria necessário o
apoio do comitê, pois deveríamos aproveitar a semana que antecede o início do ano letivo,
conhecida como Semana Pedagógica, para conversar com todos os professores.
O tempo era pouco para nos organizarmos, pois a semana pedagógica iniciaria na
semana seguinte. Fiquei incumbida de buscar a relação das escolas do Riacho Fundo na
Gerência Regional de Ensino da Secretaria de Educação e telefonar para as administrações
escolares marcando os melhores horários para os encontros. Na reunião seguinte do comitê
montamos uma agenda de visitas. Foram visitadas nove escolas públicas da região, e
conversamos com todos os professores reunidos. As visitas tiveram a participação de um
membro do comitê comunitário e as discussões correram no sentido de identificar os projetos
de educação ambiental nas escolas e convidar os professores a organizar projetos de educação
e gestão ambiental para a comunidade a partir da escola. Falei também que a idéia seria
construir uma rede de trabalho educativo entre as escolas, já que todas estavam dentro da
mesma sub-bacia e atendiam a mesma comunidade.
A constituição da rede de escolas estava prevista para se dar através da ação conjunta
de representantes do Comitê Comunitário e organizações do Riacho Fundo, a Administração
Regional do Riacho Fundo e pesquisadores da Universidade de Brasília.

Fiz a qualificação ontem. Foi tudo bem. Agora é que são elas...Hoje,
corri de uma escola para outra conversando com os professores. Engraçado,
a chamada Semana Pedagógica na verdade dura três dias. Tenho que visitar
o máximo de escolas possível, porque depois será muito difícil reunir os
professores. Hoje consegui ir em três escolas.
(...)
Stephanio, tem me ajudado muito. Ele se apresenta aos professores
como representante do Comitê Comunitário do Riacho Fundo e da ONG
VIVERDE e fala das dificuldades de lidar com o meio ambiente local e da
161

importância da escola participar no processo de gestão ambiental. Além


disso, não conheço o lugar. Não sei dirigir nesta cidade e ele é meu guia. No
Riacho Fundo II tudo parece estar sendo construído ao mesmo tempo... As
ruas são de terra batida, buracos e poeira. As casas, muito juntas umas das
outras, estão, a maioria, nos tijolos ou no reboco. Calçadas são poucas,
árvores também. O Riacho Fundo I já é mais urbanizado.
Diário de pesquisa
19/02/03

Das visitas realizadas durante a semana pedagógica no ano de 2003, noventa


professores, de seis escolas diferentes, mostraram interesse em participar do projeto. Nesse
grupo estavam incluídos professores da Escola Olho d’Água, perfazendo nessa escola o total
de nove professores.
Durante os quatro meses seguintes foram realizados vários encontros em cada escola
com os grupos interessados, buscando compreender a realidade da escola, do trabalho
docente, a história de vida dos alunos e suas famílias e da relação escola-comunidade. Nesse
período, procurei conciliar minha presença com os grupos de professores e os horários das
coordenações nas escolas, mas o fato desses horários variarem de escola para escola, de
existirem horários diferentes de folga para os professores, além da desmotivação frente à idéia
de criar algo coletivamente que demandaria tempo e dedicação (à despeito da demonstração
inicial de interesse) tornou o trabalho inviável.
Os grupos estavam desarticulados, não havia interlocução entre professores de escolas
diferentes e as condições para se criar projetos de educação e gestão ambiental com alguma
organicidade pareciam cada vez mais distantes. Entretanto, muitos professores ainda estavam
interessados no trabalho de equipe e os nossos encontros terminavam sendo uma discussão de
como poderíamos viabilizar esse trabalho. O caminho encontrado foi a realização de um curso
de extensão ofertado pela UnB, tendo como professores o professor de Geografia Cristiano
Calisto da SEMARH e eu. O curso “Educação ambiental e organização de redes” (Cf. anexo
2) ocorreu no período de maio a julho de 2003, com vinte professores inscritos oriundos de
cinco escolas diferentes do Riacho Fundo I e II e tinha como objetivo básico a criação, com os
professores, de um projeto que viabilizasse a relação dialógica entre a escola e a comunidade,
162

tendo como eixo a temática sócio-ambiental, e em especial, a gestão local dos recursos
hídricos.
O curso procurou promover a troca de conhecimentos, informações, práticas e
contextos entre os professores das escolas do Riacho Fundo, a criação de vínculos de
solidariedade e apoio entre a comunidade e reforçar os vínculos entre as organizações da
sociedade civil e poder público na comunidade local.
Nesse sentido, iniciamos os trabalhos com uma discussão sobre a questão ambiental –
histórico e desafios, passando a estudar a realidade regional e local, em especial a Bacia
Hidrográfica do Paranoá e a Sub-bacia do Riacho Fundo, incluindo aspectos da fitofisionomia
do cerrado.
Temas como impacto urbano sobre a biodiversidade local e os aspectos sociais e
ambientais locais foram tratados através de visitas de campo e entrevistas que tinham como
objetivo o conhecimento da região, pois boa parte dos professores tinha dificuldade em tratar
assuntos relativos às questões locais, principalmente os aspectos ambientais.
Duas visitas de campo foram realizadas - uma trilha no Parque Ecológico do Riacho
Fundo e uma trilha urbana numa quadra residencial do Riacho Fundo II.

Figura 4.4 – Foto do córrego do Riacho Fundo– Trilha Ecológica (2003)


163

Na trilha ecológica, contamos com a participação da ONG Viverde, da Brigada


Ecológica do Riacho Fundo e de alunos do curso de Engenharia Florestal da UnB. O objetivo
era conhecer as condições do Parque, do córrego do Riacho Fundo e observar a fitofisionomia
do cerrado presente naquela região.
Na trilha urbana o objetivo era conhecer as condições de implantação da cidade,
observar as condições de urbanização e moradia. Nessa trilha o grupo foi subdividido em três
grupos menores para que fosse possível entrevistar moradores e comerciantes em diferentes
ruas da quadra. Ao final de cada trilha os professores apresentaram um relatório de campo
constando suas anotações e impressões sobre as visitas. Esses relatórios formaram a base para
a construção do projeto final do curso de extensão (Cf. Anexo 1).

Figura 4.5 – Foto da entrevista com carroceiros locais durante a Trilha Urbana (2003)

Entretanto organizar o projeto não foi tarefa simples. Os professores viam muitas
dificuldades para implementar qualquer projeto nas escolas. Suas falas indicavam que nas
escolas não havia apoio para desenvolver novas idéias, fosse da direção, fosse dos demais
164

colegas. Somado a isso, havia ainda a dificuldade prática – muitas idéias demandavam
recursos humanos e financeiros que a escola não tinha e que segundo eles, a Secretaria de
Educação não dava. “Então como fazer?”, “Porque gastar tempo escrevendo algo que não
vai sair do papel?” - essas eram as perguntas mais freqüentes no curso na etapa de elaboração
do projeto, e a minha resposta era sempre a mesma: “escrevam tudo que gostariam de realizar
nas suas escolas e porque; só assim a gente pode saber o que fazer e onde teremos que
procurar ajuda”.
Assim as dificuldades iniciais foram sendo superadas pela idéia de que o projeto era de
todos e, portanto nenhum dos professores estava na realidade só em sua escola, mas poderia
contar com o apoio de todos nós.
Dessa forma, apesar de ter iniciado o curso com a proposta de formar uma rede de
trabalho entre as escolas que buscava fazer circular a informação sobre projetos ambientais e
incentivar a elaboração de atividades de educação ambiental em torno dos contextos sócio-
ambentais locais, um novo tipo de rede emergiu, não mais uma rede de escolas, de caráter
institucional ou representativo, mas uma rede de pessoas comprometidas com um conjunto de
idéias, valores e ações expostas por todos no projeto final do curso.
Esse projeto final se constituiu num novo pacto de ações, sugerindo uma participação
mais cooperativa por parte destes professores abrindo uma nova perspectiva da pesquisa-ação,
agora direcionada ao novo grupo que iniciava a formação de uma rede. Nesta etapa, o grupo
contava com vinte professores de escolas públicas, além das participações de Cristiano e
minha. O projeto tinha como parceiros a Universidade de Brasília (por meio do programa de
extensão universitária), o Instituto de Desenvolvimento Ambiental (IDA) e o Comitê
Comunitário do Riacho Fundo, além do apoio da Administração Regional do Riacho Fundo.
O pacto de ações já demonstrava um nível superior de reflexão, pois, constava dele
não só o diagnóstico local das condições sócio-ambientais, mas os valores e princípios que
deveriam ser desenvolvidos junto à escola e a comunidade, tais como a cooperação, a
solidariedade, a responsabilidade e afetividade, entre outros. Além disso, este pacto trazia
também o contrato da pesquisa-ação, isto é, a minha função no grupo e como este grupo
atuaria na pesquisa. Os professores envolvidos no trabalho não estariam pesquisando o que eu
estava pesquisando – a intenção destes professores era investigar e criar formas de
implementar atividades voltadas à educação ambiental em suas escolas e junto à comunidade.
Minha função neste pacto era discutir com eles as possibilidades e estratégias para que isso
165

pudesse ocorrer e apoiá-los nas ações. Esta minha inserção, contudo, já era parte da pesquisa
propriamente dita e os professores sabiam disso. O diálogo em torno das estratégias e dos
valores que norteavam as ações, era o objeto de minha reflexão. A instituição desse diálogo e
a permissão para que eu pudesse observar com “os olhos da pesquisa” foram suas
contrapartidas no contrato de pesquisa. A reflexão, contudo era partilhada no coletivo,
mesclando-se às discussões que o pacto de ações exigia. Esta minha dupla função –
participante do pacto e pesquisadora esteve desde sempre no fio da navalha, exigindo uma
observação multireferencial, engajada em muitos momentos, distante em outros. Saber separar
estes momentos talvez tenha sido meu maior aprendizado.

4.2.3 – A emergência da REMA

Então Selma disse que tinha pensado num nome para a rede: Rede de Meio
Ambiente e Educação – ReMAE. Aí eu disse: “porque não tira o último “e”?
Poderia ser apenas REMA”. E assim a rede ganhou um nome.

Diário de Pesquisa

Ao término do curso, em nosso último encontro, debatemos o que faríamos para


frente, afinal o projeto estava praticamente pronto (faltava a revisão final e a elaboração da
introdução que tinha ficado sob minha responsabilidade) e os professores queriam
implementar as atividades nas suas escolas. As atividades do projeto dividiam-se em cinco
sub-projetos:
1. Horta sabor e saúde – hortas escolares
2. Coleta seletiva de lixo nas escolas
3. Saúde mental e física na comunidade
4. REMA Trilhas - trilhas ecológicas no Parque do Riacho Fundo
5. Luxo do lixo – oficinas de reciclagem e reaproveitamento do lixo.
Nesse encontro decidiu-se que seria importante divulgar o projeto junto a comunidade,
pois somente assim seria possível buscar apoios e parcerias para implementar as ações e ao
mesmo tempo criar vínculos com a comunidade. Duas propostas foram encaminhadas, a
166

primeira, a organização de uma página na web onde poderíamos colocar todas as informações
sobre a REMA; a segunda, a organização de um encontro com a comunidade e com os
parceiros em potencial para apresentar a REMA e seu projeto.
A página foi criada por um dos professores do grupo e publicada na web ainda no
primeiro semestre de 200325.
Fizemos uma nova reunião para discutir como seria a apresentação da REMA e
discutimos como seria o andamento dos trabalhos durante a apresentação. O grupo indicou
várias entidades e instituições, entre elas a EMBRAPA, a Cooperativa 100 Dimensão, a
Secretaria de Parques do Distrito Federal, a Coordenação de Educação Ambiental do
Ministério de Educação (COEA/MEC), a Diretoria de Educação Ambiental do Ministério de
Meio Ambiente (DEA/MMA), a SEMARH, o Comitê Comunitário do Riacho Fundo, a
Escola da Natureza (Secretaria de Educação do Distrito Federal - SE/DF), além de
associações de moradores da região para serem convidadas para o evento por meio de uma
carta convite, em anexo nesta tese.
A apresentação ocorreu em 30 de agosto de 2003, numa manhã de sábado, no
auditório da Administração Regional do Riacho Fundo I contando com representantes da
Escola da Natureza (SE/DF), COEA/MEC, DEA/MMA, IDA, da COMPARQUES (atual
Secretaria de Parques do Distrito Federal), da Administração Regional e moradores do Riacho
Fundo, de ONGs locais, além de alunos da UnB e professores das escolas públicas locais.
Ao se apresentarem para a platéia, os professores disseram seus nomes e completaram
com a frase: “faço parte da REMA”. A mim coube apresentar o grupo no início dos trabalhos.

4.2.4. Abertura de um novo anel

A REMA Riacho Fundo foi gestada num processo educativo em torno de questões
ambientais locais – onde os saberes locais e científicos se articularam por meio do encontro
dialógico. Ao mesmo tempo, esse diálogo de saberes que surgiu no grupo de professores que
compõem a REMA não poderia ter ocorrido se não fosse pela realização do acolhimento –
deles comigo, de mim para eles, entre eles, de todos nós com o ambiente. Nesse sentido, o

25
A página foi revista em 2004 e publicada em: http://geocities.yahoo.com.br/rema_riacho_fundo
167

saber que daí emergiu não foi apenas um resultado linear de uma aglutinação de
conhecimentos diversos, mas um complexo tecido relacional entre-humanos e entre homem e
ambiente.
Esse conhecimento complexo sobre a realidade socio-ambiental local surgiu no discurso
que se instaurou como resposta ao outro, acolhimento e bondade. Um discurso, que como
poderá ser visto no próximo capítulo, prenhe de contradições e conflitos.
A REMA Riacho Fundo, como uma rede solidária, tem o rosto da organização social
local, a mobilização interna corporativa, mas que entendendo-se aberta, transcende a
corporação de classe, buscando criar novas relações com grupos e pessoas que comunguem
dos mesmos ideais e valores expressos em seu projeto. Ao mesmo tempo, é resposta aos
entraves burocráticos da instituição escolar, pois se apresenta como forma alternativa de ação
docente de práxis autogestionária, tanto dentro dos muros da escola quanto fora deles.

GE DF
168

5. DANDO PONTOS E NÓS: A PESQUISA – PARTE II

E a agulha do real nas mãos da fantasia


Fosse bordando ponto-a-ponto nosso dia-a-dia.
(...)
Reproduzidos no bordado a casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza.

Gilberto Gil

Como foi dito no capítulo anterior, o primeiro curso de extensão teve como produto
final um projeto de ações e a emergência da REMA. Esse resultado foi conseqüência de um
processo de pesquisa-ação a partir da identificação dos desejos e valores comungados pelo
grupo participante do curso.
A idéia inicial de criar uma rede de circulação de informação e divulgação de projetos
e atividades relacionadas ao meio ambiente local, em especial ao Parque Ecológico do Riacho
Fundo, centrada nas escolas, pressupunha o envolvimento das escolas como um todo, isto é,
professores, funcionários, alunos e as administrações escolares. Contudo, a estratégia adotada
na pesquisa-ação foi a de envolver primeiro os docentes, indo em cada escola e conversando
com eles em pequenos grupos, para a partir daí formar uma “massa crítica” que pudesse
influenciar positivamente o restante do grupo escolar por meio da abertura ao diálogo e da
realização de ações voltadas ao meio ambiente local. Esta estratégia não se preocupava
inicialmente, portanto, com a obtenção de um apoio formal da instituição escolar. Mas as
barreiras para se trabalhar com os pequenos grupos em cada escola exigiram outra
abordagem. Ao adotar a idéia de realizar o curso de extensão, sabia que o trabalho poderia
tomar um rumo diferente, uma vez que nem todos os professores e professoras que se
mostravam interessados no trabalho que estávamos desenvolvendo teriam condições de se
inscrever no curso. Por outro lado, havia a possibilidade real de que todo o movimento de
construção de espaços de diálogo nas escolas ficasse profundamente comprometido pela
restrição do tempo que o cronograma do curso impunha e pela própria estrutura e expectativa
que os cursos em geral carregam. Por isso, ao propor o curso de extensão, procurei não só
discutir sua estrutura com os grupos interessados, mas viabilizar sua realização nas escolas do
169

Riacho Fundo I e II em turmas que atendessem os diferentes horários disponíveis daqueles


docentes.
O curso foi construído de tal forma a permitir que os participantes pudessem
determinar seu andamento – de 40 horas de carga total, 20 foram dedicadas às informações e
conceitos gerais: história dos movimentos ambientais, legislação ambiental, fitofisionomia do
cerrado e conceitos sobre redes solidárias. O restante da carga prevista foi dedicada às visitas
de campo e ao debate e organização do projeto voltado às questões sócio-ambientais locais e
às atividades na escola. Ao debatermos sobre redes, três conceitos chamaram mais a atenção
do grupo – autonomia, apoio mútuo e auto-gestão. Esses três conceitos eram o contraponto do
que os professores em suas falas apontavam como sendo a vivência em suas escolas – a falta
de autonomia26, a falta de apoio entre os colegas e a centralização do poder nas direções
escolares.
Analisando as conseqüências do curso de extensão, posso dizer que este viabilizou a
formação de rede. Os momentos de construção do projeto foram fundamentais para a criação
de vínculos entre o grupo, primeiro porque o curso constituiu-se num espaço aberto à troca
entre os participantes que dessa forma podiam se conhecer e expor seus desejos, temores,
práticas e vivências; segundo porque as questões e dificuldades que inicialmente pareciam ser
apenas do âmbito de uma escola (falta de apoio e centralização de poder, por exemplo) ou
particular (como o desejo de organizar uma horta escolar ou proporcionar atividades
direcionadas à comunidade) se mostraram comuns e o grupo percebeu que as necessidades
eram as mesmas.
Assim, os diagnósticos realizados sobre suas escolas, turmas, vivências, se
entrecruzaram e se mesclaram aos relatórios de campo elaborados sobre o Riacho Fundo. Esse
material constituiu o estofo do projeto, e a vivência no curso, o espaço de diálogo que
permitiu o surgimento da REMA.
Do ponto de vista da pesquisa-ação desenvolvida, o curso foi uma ação necessária à
direção do processo de formação de um grupo de trabalho. A demanda por uma solução às
dificuldades para realizar os encontros e organizar as atividades educativas voltadas ao meio
ambiente local, assim como a participação destes professores e professoras no curso sinalizou

26
A autonomia, desde o início dos trabalhos, sempre foi um ponto importante. Ela não está relacionada ao que o
professor pode fazer em sua sala de aula do ponto de vista pedagógico, mas à autonomia na escola, isto é, nas
possibilidades de realizar projetos que na maioria das vezes necessita de apoio administrativo e/ou prevê a
participação de outros colegas.
170

um maior comprometimento com o trabalho e uma participação mais ativa – tanto pela
demanda quanto pela participação no curso propriamente dito.

Figura 5.1 - Foto do grupo de professores durante a realização da Trilha Urbana no Riacho Fundo II
(1º. Curso de Extensão, maio de 2003)

Do ponto de vista da formação da rede, é possível identificar quatro etapas bem


delimitadas: nuclear, abertura, sedimentação e re-abertura. O primeiro curso reflete a etapa
nuclear que tem por marca a definição de valores e objetivos comuns que redundam num
projeto de intenções do grupo e onde é organizado o núcleo ético-valorativo da rede, sem o
qual a rede não consegue se manter e ir adiante no seu processo de estruturação. No caso da
REMA esse núcleo era formado pelo tripé democracia direta, solidariedade e cooperação. As
etapas seguintes serão descritas no decorrer deste capítulo.

O projeto, que envolvia ações a serem desenvolvidas coletivamente por um grupo


implicado tanto na sua elaboração quanto na execução, passou a ser entendido como um pacto
entre os participantes fundamentado num diagnóstico sobre as condições sócio-ambientais
locais, voltado num primeiro momento para o cotidiano escolar, e num conjunto de valores e
171

princípios gerais norteadores das ações propostas. A pesquisa se deu sobre este pacto, agindo
e observando o desenvolvimento e implantação das ações do projeto e da constituição da rede.
A ação de extensão universitária que eu trazia naquele momento mesclou-se com as
ações descritas no projeto e com a organização da rede solidária. Como já foi dito
anteriormente, se antes o objetivo da minha ação era contribuir no fomento a organização
comunitária em torno de questões sócio-ambientais locais, a partir do curso de extensão ela
passou a estar envolvida com o fomento à estruturação de uma rede social que despontava,
abrindo a perspectiva da pesquisa sobre os processos de formação dessa rede e suas
implicações no âmbito das relações sociais.
Mas ao final, projeto e rede se confundiram – a rede tinha um projeto, e o projeto era a
rede. Desde o início a rede teve essa característica dinâmica – implementar as ações descritas
no projeto era implementar a rede, fortalecê-la. Mas como ter certeza de que o que se
organizava era uma rede e não apenas uma equipe de trabalho em torno de um projeto comum
e que por força de modismos denominava-se “rede solidária”?

5.1 - ESTRUTURA DA REMA – ARQUITETURA E MOVIMENTO

Para que uma organização seja considerada rede, certas características básicas devem
estar presentes em sua arquitetura: adesão e participação voluntária, conexões e fluxos entre
os grupos e indivíduos, existência de objetivos e valores compartilhados, organização
horizontal, multiliderança e gestão democrática (WWF, 2003). Para que seja uma rede
solidária, ela deve constituir-se como um espaço possível para a criação de subjetividades
coletivas e pessoais autênticas, isto é, eticamente referenciadas, realizar práticas que tenham
por fim o empoderamento e a participação popular e ser revolucionária, no sentido de integrar
utopias individuais em utopias coletivas visando o bem estar de todos e o exercício
democrático (Mance, 2002).
O movimento na chamada do sub-título não se refere apenas aos fluxos de informação
ou serviços que uma rede realiza e que se dão por meio das relações que estabelece. No caso
da REMA, este movimento está intimamente relacionado à qualidade desses fluxos que por
sua vez remetem ao pares autonomia/dependência e competição/cooperação, visíveis em
172

quase todas as relações que dão forma a esta rede: entre o individual e o coletivo (dentro da
rede), entre a rede e a comunidade (nos apoios, parcerias e nos diálogos com a comunidade
em geral), entre eu e a REMA e na sua constituição como um grupo de professores e
professoras que está dentro de um sistema institucional (Escola) sofrendo por um lado as
disputas internas da instituição, mas por outro, reconhecendo os limites impostos pela
autoridade e legitimidade que a instituição pública carrega.
Esses dois pares estão na raiz da formação da REMA, pois deles originam-se os
embates para a construção da identidade da rede e do compromisso pessoal de cada um com
este coletivo.
Este movimento reflete-se na dimensão pedagógica do processo de formação da rede,
onde o diálogo é a fonte e o resultado – fazer dialogar as autonomias e dependências, as
competições e os apoios, aprendendo a negociar interesses individuais e coletivos.
Porém, sem sombra de dúvida, as condições internas de possibilidade para emergência
de uma rede solidária residem no tripé constituído pela participação voluntária, pelos valores
e princípios solidários compartilhados e pelo fluxo de informações.
No caso da REMA, desde o início dos trabalhos, mesmo antes da emergência da rede,
os professores participaram dos encontros e discussões, assim como do curso de extensão, de
forma livre – o convite que foi feito durante a semana pedagógica, relembrando mais uma
vez, pressupunha a livre participação, tanto de professores em sala de aula, quanto de
membros das direções escolares, no intuito de organizar um trabalho coletivo em torno de
questões ambientais locais. A permanência de um grupo motivado em manter os laços iniciais
criados entre nós e interessado em desenvolver propostas de educação ambiental levou à
elaboração do curso de extensão – como forma de solucionar o problema do tempo para os
encontros, associado à necessidade expressa em suas falas de conhecer melhor a condição da
cidade e do parque.
Já nesse estágio era possível notar a motivação e a organização interna de um pequeno
grupo, que compartilhava os mesmos objetivos e valores relacionados tanto ao trabalho
pedagógico de forma mais ampla, quanto à temática da educação ambiental. Esse grupo era
formado principalmente pelos professores da primeira escola em que entrei – a escola Olho
d’Água, com quem tinha um relacionamento mais antigo.
A partir do curso e da emergência da REMA, a opção de fazer parte ou não da rede se
tornou mais explícita, e ao mesmo tempo em que novos professores desejavam fazer parte,
173

outros se desligaram ou se afastaram temporariamente. Esta característica de abertura (à


participação) mostrou ser condição de existência da rede e sobre esta condição a rede auto-
organizou-se, em movimentos de avanço e recuo ininterruptos.
Nesse sentido, a apresentação da REMA à comunidade em agosto de 2003, foi
fundamental para a idéia da abertura e criação de novos vínculos. A preparação da
apresentação sinalizou para os membros da rede novas perspectivas – a possibilidade de criar
parcerias e receber novos integrantes. Foi também durante a apresentação que os participantes
do curso se comprometeram com o projeto da rede, e iniciaram, ainda que timidamente, a
desconcentração de poder em minha pessoa – no sentido da dependência em relação a minha
liderança iniciando um processo de multiliderança.
Este momento de apresentação inclui aspectos preciosos para a análise de como a rede
foi se estruturando. Por isso vou me deter mais detalhadamente nesta etapa.

5.1.1 - Quando a rede se expõe

Organizar a apresentação não foi tarefa simples. A auto-estima dos professores era em
alguns casos muito baixa – queriam apresentar o projeto e tecer parcerias, mas não se viam
aptos a defender a idéia ou organizar a apresentação e esperavam que eu fizesse isso. A
autonomia emergente da REMA ainda não era forte o suficiente para dizimar a dependência
em relação ao meu trabalho e função no grupo. Esta delicada relação entre eu e a REMA
como sendo uma relação de dependência e ao mesmo tempo de desenvolvimento de
autonomias individuais e coletivas, manteve-se ao longo de todo o período de observação da
estruturação da rede, isto é, durante o biênio 2003-2004.
Um encontro foi realizado para tratar da organização da apresentação. Nos reunimos
num sábado pela manhã e definimos a estrutura do evento, o que seria importante ser dito, a
formação de grupos de interesse (em torno de cada subprojeto), a lista das pessoas, grupos e
instituições que seriam convidadas e o formato geral da carta-convite a ser elaborada (Cf.
anexo 6). Foi neste momento que a auto-estima baixa dos professores ficou exposta, pois
certas instituições eram listadas, mas os próprios professores tinham dúvidas se elas iriam
estar presentes ao evento, pois afinal, “esse pessoal não vai se deslocar até ao Riacho Fundo
174

para ver um projeto de professores...”. A esse tipo de discurso eu contrapunha que o projeto
que foi elaborado era realmente algo novo, e que certos grupos e instituições teriam interesse
em participar e por isso deveríamos estar preparados para dialogar com eles.

Figura 5.2 – Foto da REMA (reunião em julho de 2003)

Com essas condições para organizar o evento, procurei envolver a rede num conjunto
de co-responsabilidades, enfatizando suas capacidades pessoais e coletivas visando o
empoderamento do grupo.
No dia do evento, os professores estavam entusiasmados com a presença de
representantes de instituições que eles imaginavam não compareceriam, como a Escola da
Natureza- SE/DF), COEA/MEC, DEA/MMA, a Comissão de Parques da Secretaria de Meio
Ambiente e Recursos Hídricos do DF - COMPARQUES/SEMARH (atual Secretaria de
Parques do Distrito Federal) e membros de ONG’s locais. A participação dessas pessoas
surtiu um efeito extremamente positivo no ânimo dos integrantes da REMA – eles se sentiram
reconhecidos no trabalho que estavam apresentando e nas suas capacidades pessoais. Ficaram
175

à vontade para dirigir os trabalhos e para assumir publicamente a rede que estavam
construindo. A fala de cada um ao se apresentar ao público “Eu faço parte da REMA” marca
o nascimento da rede.
Os professores se expuseram, tanto nos seus desejos quanto nos problemas que viam
para implantar atividades relacionadas ao meio ambiente local a partir das escolas em que
atuavam. Por isso, deixaram claro a necessidade de apoio para realizar os subprojetos e
convidaram os presentes a participar das atividades.
O projeto elaborado pela REMA, enquanto pacto entre os participantes, pressupunha
valores tacitamente aceitos. Os principais valores eram a cooperação e a solidariedade.
Durante o evento, suas falas deixaram transparecer esses valores, apresentando-se como uma
rede de pessoas, professores e professoras de escolas públicas do Riacho Fundo, motivados a
realizar atividades nas escolas e junto à comunidade, voltadas principalmente à construção de
uma nova visão acerca do meio ambiente. Deixaram claro que o projeto era de todos e não
prerrogativa de uma escola, estando, portanto, aberto à participação de todos e que apoios e
parcerias seriam realizadas visando o coletivo da REMA e as ações prioritárias do projeto.
Mas como disse no início deste capítulo, o movimento desta rede foi marcado pelos
pares autonomia/dependência e cooperação/competição. Ainda que a REMA neste estágio de
organização buscasse a autonomia coletiva e individual e cooperasse internamente, isto não
exclui as tensões do processo. Assim por exemplo, durante o evento, em uma das falas de
apresentação de professores, Selma, uma professora integrante da rede apresentou um
discurso que além de destoar da fala geral do grupo, já que se apresentou primeiro como
assistente de direção de uma escola do Riacho Fundo e depois, como integrante da REMA
(quando todos os outros fizeram o contrário) evidenciava uma condição de competição –
“minha escola já tem horta que funciona muito bem pois a direção da escola conseguiu o
apoio da Administração Regional”. A fala de Selma foi objeto de discussão em encontro
realizado com a REMA dias após o evento. Este tema será retomado mais adiante.
A partir do evento e dos contatos que foram realizados, a rede começou seu processo
de expansão e de implantação das atividades descritas em seu projeto. Algumas das
instituições convidadas que não estiveram presentes ao evento foram contatadas
posteriormente, como a EMBRAPA e a Cooperativa 100 Dimensão.
Também a partir dessa data, a liderança no grupo começou a migrar por meio de um
processo de transitividade – informações e contatos com grupos e indivíduos relacionados a
176

mim circulavam na rede livremente o que facilitava a emergência de iniciativas por parte dos
professores da REMA. Dessa forma, enquanto Carla, professora da escola Olho d’Água,
assumiu a iniciativa por certas ações, principalmente realizando contatos com grupos e
instituições, um outro grupo de professores da REMA, interessado no subprojeto de trilhas
ecológicas organizou os contatos com a Administração Regional do Riacho Fundo e a
COMPARQUES/SEMARH-DF para apoiar a ação.
Depois da apresentação da rede à comunidade, algumas atividades de educação
ambiental começaram a ser realizadas nas escolas onde os professores da REMA lecionavam,
entre elas as trilhas no parque ecológico com professores e alunos, atividades direcionadas aos
alunos sobre a questão do consumo e do lixo e sobre o Parque Ecológico do Riacho Fundo.
A rede aumentou a sua atividade e iniciou o processo de descentralização, adquirindo
uma autonomia relativa, principalmente em relação a minha pessoa, pois, através das
conexões que haviam sido construídas entre os seus membros, um fluxo de informação e
serviços se consolidou. Apesar disso, eu ainda era referência para o grupo, principalmente em
relação àquilo que os professores entendiam como sendo a “costura” da REMA - suas
articulações e possibilidades - sendo ainda considerada por todos uma espécie de liderança na
rede.
Esse estágio inicial da formação da REMA é caracterizado na etapa nuclear como um
embrião que carrega as informações e potencialidades de criação de um novo ser. Porém,
como todo estágio embrionário, profundamente frágil e necessitado de suporte. Por isso,
seguindo esta alegoria, minha presença no processo de formação da REMA deu-se no sentido
de, por um lado, proteger a rede como projeto e ação e, por outro, nutrir o embrião, o que
significa no vocabulário das redes, funcionar como hiperconector, facilitando o acesso a
grupos, pessoas e informações.
Além disso, é necessário frisar que apesar de ter entrado nas escolas por solicitação do
Comitê Comunitário local, as escolas não haviam feito essa demanda – para os professores e
direções escolares minha presença era uma oferta da comunidade. Também no desenrolar do
processo, o Comitê Comunitário passou por problemas de organização interna, perdendo
grande parte de sua representatividade local e dessa forma o fomento a um processo de
organização na escola em torno de questões ambientais locais terminou centralizado nas ações
de extensão universitária que eu trazia e representava.
177

Por isso não causa estranhamento o fato de que, ao surgir a REMA, o grupo
identificasse em mim a coordenação dos trabalhos internos na rede. Não havia naquele
momento outra opção – ela teria que ser construída e isso passava por um crescimento
endógeno do grupo. Demandava mais encontros onde todos pudessem trocar experiências,
expressar os desejos, apontar os problemas e criar soluções. A confiança precisava ser
reforçada tanto em relação ao projeto e seu andamento como nas relações intersubjetivas e
interpessoais no grupo. O fato do grupo se “sentir” rede trazia a segurança de contar com
apoios e espaços de diálogo – muitas vezes utilizado para processos de catarse pessoal quando
um membro da rede chegava e descarregava todos os problemas que tinha na escola para
implantar um ou outro subprojeto da REMA. Nessas ocasiões o grupo ouvia e buscava uma
solução coletivamente para o problema do colega.
Por outro lado, ser uma “rede solidária” trazia novos desafios, sendo o principal, a
vivência da produção coletiva e solidária que, apesar de desejada como valor humano a ser
cultivado, impunha ao grupo a necessidade de lidar com as diferenças individuais ao mesmo
tempo em que demandava a consolidação de sua própria identidade, no caso uma identidade
que não se resumisse apenas a uma estrutura formal reticulada, mas cujos princípios tivessem
ancoragem na nas relações éticas instituídas como responsabilidade pelo “outro”.
Provavelmente o melhor exemplo, nesta etapa de formação da REMA, foi a situação já
descrita acima, da professora que expressou um comportamento individualista na
apresentação da rede à comunidade. Em reunião realizada depois do evento, professores
comentaram a atitude dela em franca reprovação, e na discussão que travamos, vimos que
seria adequado procurá-la para conversar. Sugeri que alguns membros da rede fizessem isso e
o grupo pediu que eu estivesse junto. Mas nesse ínterim, uma situação escolar envolvendo
Selma e um aluno, filho de outra professora que freqüentava algumas das reuniões da REMA,
jogou por terra o esforço de aproximação. Alguns professores, naquele momento bastante
ativos na rede, boicotaram o processo de aproximação e diálogo e então o afastamento se deu,
por ambos os lados. Por um lado, esse acontecimento expressa a dificuldade, ainda viva
naquele momento, de se produzir um discurso argumentativo em torno dos objetivos e valores
que nortearam a produção do projeto da rede solidária e sua emergência e que embora aceitos
tacitamente necessitavam explicitação e arrazoados de tal forma que o compromisso de cada
um com todos e de todos com a rede fosse objeto de constante reavaliação e debate. Por outro,
explicita a qualidade das relações instauradas naquele momento e os valores que as
178

norteavam, pois ao expressar por meio de sua fala uma posição externa ao projeto coletivo da
REMA, Selma transpareceu sua não-implicação, a auto-suficiência (sua e da direção de sua
escola) e colocou-se numa posição auto-excludente em relação à rede. Além disso, e
permeando a situação, estava a questão pessoal entre membros da REMA e a professora em
questão.
A REMA ainda necessitaria de tempo, um tempo de gestação onde fosse possível
aprender a lidar com a diversidade, instaurar um diálogo real, onde os antagonismos
pudessem ser expostos e os consensos construídos, um tempo de gestação de uma identidade
nova.
Curiosamente, seguindo a alegoria do embrião, esta fase de gestação durou
aproximadamente nove meses,– em maio de 2004 a REMA encontrava-se num estágio
profundamente diferente deste relatado acima. Nesta época, por exemplo, Selma tinha
retornado à rede. Havia mudado de escola e expôs para o grupo as difíceis situações pessoais
que tinha vivido no ano anterior. O grupo a aceitou de volta e ela passou assumir uma função
de coordenação no grupo – principalmente no que tangia aos aspectos relacionados à Gerência
Regional de Ensino do Núcleo Bandeirantes.

5.1.2 – O tempo de gestação: alimentando a rede

Apesar das dificuldades já apontadas, no estágio embrionário, a gestão democrática já


se fazia presente. As decisões eram tomadas a partir do debate e de um consenso construído
entre os participantes nas reuniões da REMA. Assim foi, por exemplo, decidido que era
necessário um novo curso de extensão, desta vez voltado aos subprojetos e buscando
aumentar o número de integrantes da REMA. A principal motivação para este curso era a
dificuldade que os professores expunham em trabalhar determinados subprojetos. Como fazer
uma horta na escola, por exemplo? Como separar o lixo para a reciclagem? Como trabalhar
pedagogicamente essas ações com os alunos em sala de aula? O 2º. curso de extensão (Cf.
anexo 3) foi elaborado seguindo as necessidades que a rede delineou e foram chamados
grupos e instituições para atuarem como docentes e instrutores no curso. As instituições
chamadas foram escolhidas em função da perspectiva que a rede possuía na época de criar
179

parcerias. Foram convidadas para o curso a EMATER-DF, a Escola da Natureza SE/DF, o


IDA e a Cooperativa 100 Dimensão.

Figura 5.3 – Foto do encontro no Pró-Rural/EMATER-DF (2º. Curso de Extensão, novembro de


2003)

O movimento era intenso na REMA. Professores se afastavam da rede enquanto outros


entravam, subprojetos iniciavam sua implantação – como o de trilhas ecológicas enquanto
outros esperavam as parcerias se solidificarem. Reuniões ocorriam periodicamente, tendo a
escola Olho d’Água como base dos encontros. Nas escolas os professores procuravam
introduzir as questões ambientais no cotidiano de sala de aula, ainda que os subprojetos não
estivessem implantados. Paralelamente acontecia o curso de extensão que trazia novos
contatos, informações e conhecimentos. O curso previa visitas à Cooperativa 100 Dimensão
para conhecer o processo de separação de lixo e a realidade dos cooperados, uma nova trilha
no Parque Ecológico, contando com a organização da Escola da Natureza que também
180

promoveu encontros na sua sede para debater e trocar experiências didáticas e realizar
oficinas de reciclagem e reaproveitamento de resíduos sólidos e um período no Pró-Rural da
EMATER/DF dedicado à organização de hortas escolares, além de encontros regulares nas
escolas.
A REMA decidiu utilizar o período de tempo do curso (outubro a dezembro de 2003)
para aprender a trabalhar com os temas dos subprojetos, e ao mesmo tempo continuar
procurando apoios e fechando parcerias para que fosse possível a partir de início do ano de
2004 implantar os subprojetos nas escolas.
O segundo semestre de 2003 foi o período de gestação que aludi acima. A rede
necessitava de tempo e de informações. Os professores precisavam de espaços de encontro e
diálogo, onde pudessem trocar informações e práticas, aprender novas formas de trabalhar
com os alunos e tempo para amadurecer as possibilidades de trabalho com a comunidade e
nesses aspectos, o segundo curso de extensão propiciou o tempo e o espaço necessários.
Paralelamente, o grupo aumentava seu grau de organização – decidia sobre as
condições das parcerias e apoios e já entendia que deveria tomar as rédeas do processo em
suas próprias mãos. A esse grau de organização mais intenso correspondia um nível de
participação cooperativo onde as reuniões contavam com alto índice de participação e as
tarefas eram divididas entre os membros da rede. As lideranças internas ao grupo começavam
a emergir e esse movimento foi reforçado por minha fala ao dizer que não poderia continuar
responsável por articular apoios, parcerias e a própria manutenção da rede no ano seguinte,
pois deveria me afastar para escrever a tese de doutorado, mas acreditava que já existiam
pessoas dentro do grupo capazes de assumirem essa função.
Por causa desse movimento de crescente independência o último encontro do segundo
curso de extensão foi dedicado a discutir o futuro da REMA, em especial a sua organização
interna, as funções das lideranças e a captação de recursos humanos e financeiros dentro da
rede. Fizemos uma avaliação da conjuntura da rede naquele momento. A rede havia se
ampliado, incluindo novos colegas de outras escolas, articulado alguns apoios importantes
para a implantação de certas ações nas escolas e definido parcerias de trabalho. Como apoios
e parcerias mais importantes, tínhamos, além da própria UnB, o apoio da EMBRAPA
(cedendo mudas, sementes e esterco para as quatro hortas escolares), da EMATER/DF (que se
propôs a designar um técnico que poderia visitar as hortas uma vez ao mês e acompanhar o
desenvolvimento), da Administração Regional do Riacho Fundo (cedendo o espaço do
181

auditório para grandes reuniões, ajudando no transporte de alunos para atividades no parque,
limpando terrenos das escolas para o plantio das hortas), da COMPARQUES (em atividades
relacionadas aos parques do DF), da Secretaria de Agricultura do Distrito Federal (doando
mudas para reflorestamento) e a parceria com a Cooperativa 100 Dimensão e com o IDA.

Figura 5.4 – Foto da REMA (reunião em dezembro de 2003)

O grupo entendeu que deveria se preparar para conseguir novos apoios, procurar
estratégias para implantar os subprojetos em suas escolas no ano seguinte e galgar um estágio
mais organizado, principalmente do ponto de vista da comunicação interna – que ainda era
muito deficiente, pois a maioria dos professores não tinha acesso à internet. Além disso, um
novo problema surgiu uma vez que, até aquele momento, todos os apoios e parcerias que
foram obtidos envolviam apenas prestação de serviços ou doação de material, não envolvia
repasse financeiro. Mas isso poderia acontecer. Como solicitar e gerir o recurso? Neste ponto,
a Secretaria de Educação foi descartada como possível intermediária do processo. O grupo
preferia que a UnB ou o IDA pudessem ser as instituições que o representassem. A solução
182

encontrada foi criar um pequeno grupo dentro da REMA que ficaria responsável por isso, e
juntamente com o IDA faria a gestão dos recursos. Nesse sentido, o IDA, que estava presente
ao encontro, se ofereceu para dar um curso para a REMA voltado a esse tema – gestão de
redes e terceiro setor. Este curso foi ofertado no ano seguinte, ainda no primeiro semestre de
2004.
A temporalidade já tinha se fixado na existência da REMA e os professores sentiam-se
mais à vontade em planejar o futuro. Sabiam que no início do ano seguinte a REMA
continuaria existindo e que haveria muito trabalho ainda, mas uma etapa diferente, um passo
adiante no processo, pois agora existir em rede tornava o planejamento possível.
O retorno dos encontros da REMA deu-se em fins de janeiro de 2004. Nesta primeira
reunião a REMA tratou dos encaminhamentos para organizar a entrada dos subprojetos nas
escolas. O subprojeto que parecia mais bem articulado era o de coleta seletiva do lixo. Mas
apresentava alguns problemas, pois para que a coleta fosse realmente implantada seria
necessário envolver toda a escola - professores, funcionários e alunos.
Ao pensar nas possíveis estratégias para a mobilizar as escolas para a implantação de
um programa de coleta seletiva, o grupo percebeu que era chegado o momento de dialogar
com as direções escolares no sentido de envolvê-las no processo que a rede estava iniciando.
O caminho encontrado foi propor às direções escolares a realização de um encontro comum,
com todos os professores das escolas e os parceiros da rede durante a Semana Pedagógica
para apresentar o projeto da coleta seletiva e as propostas de apoio da REMA às atividades
escolares voltadas à temática meio-ambiental.
A principal parceria neste programa era com a Cooperativa 100 Dimensão. Esta
cooperativa formou-se em 1998 a partir de um curso de capacitação do SEBRAE/DF. Seus
cooperados, hoje em torno de 200, eram homens e mulheres fora do mercado de trabalho, a
maioria, moradores do Riacho Fundo. A parceria estabelecida entre a REMA e a 100
Dimensão naquele momento pressupunha a troca de serviços e produtos – a cooperativa
recolheria o lixo seco das escolas, que segundo a presidente da cooperativa, era um “lixo rico,
papel branco”, e em contrapartida ofereceria aos professores cursos de reutilização dos
materiais e reciclagem, com vistas ao trabalho pedagógico em sala de aula e à organização de
possíveis oficinas para a comunidade local. Para a cooperativa, a parceria se mostrava muito
vantajosa, pois o acréscimo deste tipo de resíduo em especial, vindo de quatro escolas grandes
do Riacho Fundo, significava a possibilidade de incluir no grupo de trabalho da cooperativa,
183

mais quinze cooperados, “pais e mães de família que estão aí na fila esperando para
trabalhar”.

Figura 5.5- Foto da área externa da Cooperativa 100 Dimensão (2004)

O encontro comum entre as escolas durante a Semana Pedagógica ocorreu no início de


fevereiro e contou com a participação de duas das quatro escolas envolvidas com a REMA –
as outras duas não puderam comparecer pois já tinham fechado seu cronograma de atividades
para aquela semana. No entanto, todas as escolas implantaram a coleta seletiva em 2004.
Professores presentes ao encontro que não participavam da REMA se mostraram
interessados nas questões sócio-ambientais locais. Um debate ocorreu após a apresentação das
propostas da REMA e foi possível perceber o interesse de alguns em discutir a viabilidade de
instalar as hortas escolares, de criar um programa de plantio de árvores no Riacho Fundo II,
além da necessidade de se mobilizar a população local para uma maior organização
comunitária.
184

Dessa forma, ao realizar este encontro, um espaço-tempo formal da Escola foi


reorganizado em rede – a coleta seletiva que as escolas iriam desenvolver não era apenas
projeto de uma escola ou mesmo da REMA, mas com o apoio desta, um projeto de âmbito
comunitário – envolvendo quatro escolas, uma cooperativa local de coleta e reciclagem de
resíduos sólidos e a Universidade de Brasília.
Como resultado prático da reunião foi organizada uma agenda de mobilização para o
mês seguinte nas escolas, com atividades desenvolvidas pelos professores e pela cooperativa –
palestras e oficinas voltadas aos funcionários, professores e alunos.
A partir da semana pedagógica do ano de 2004 o movimento da REMA aumentou. As
reuniões da rede se intensificaram, mas apesar de intensa, a participação se dava de diferentes
formas – alguns professores estavam presentes e altamente engajados no fazer da rede –
planejavam ações em suas escolas, buscavam novas informações, queriam continuar
discutindo temas ligados à educação e ao meio ambiente. Por outro lado, outros professores
se faziam representar por colegas nas reuniões, preferindo ficar em suas escolas e lá procurar
implementar as decisões tiradas pelo grupo.
Indo às escolas, contudo, era possível perceber a ansiedade em fazer os subprojetos
acontecerem, mesmo os professores que não faziam parte da rede, perguntavam se a coleta
seletiva ia ser implantada, se as hortas seriam organizadas. Se, por um lado, essa ansiedade
denotava o desejo de ver os projetos acontecerem, por outro, o discurso desses professores
deixava transparecer a distância entre eles e a REMA, entre eles e seus colegas da rede: era
como se os projetos de horta, trilhas, coleta fossem ser dados a eles – já prontos, sem que eles
precisassem se envolver. Algumas reuniões da REMA tiveram como pauta exatamente este
estado de mobilização nas escolas e a preocupação em se criar estratégias para implicar os
demais colegas nas atividades em andamento, assim como, em trazer novos integrantes para
rede.
A REMA contava nesta época com vinte e quatro professores divididos em quatro
escolas do Riacho Fundo. As lideranças internas se posicionavam, buscando os contatos e
organizando os trabalhos dentro da rede. Ao mesmo tempo novas demandas surgiam do
grupo, como por exemplo, a necessidade de se criar um espaço para discutir questões
relacionadas à educação e ao meio-ambiente. Como proposta sugeri a criação de um grupo de
estudos, com reuniões quinzenais, em torno do pensamento de Edgar Morin. Sugeri o livro
“Os sete saberes necessários para educação do futuro” e iniciamos os trabalhos. As reuniões
185

eram à noite, na casa de uma das professoras do grupo. Fizemos cinco encontros, mas tivemos
que parar, pois alguns dos professores envolvidos iniciaram um curso pela Secretaria de
Educação que ocorria também à noite e o grupo achou melhor esperar um outro momento
para reiniciar as discussões.

Figura 5.6 – Foto tirada em reunião da REMA (junho de 2004)

Eu já não era tão necessária, do ponto de vista das conexões que poderia fazer, mas
ainda referência quanto ao planejamento do movimento da rede como um todo. Permanecia,
portanto, acompanhando a dinâmica de organização da rede e na medida do possível, apoiava
e colaborava nas ações que eram delineadas.

Este tempo de gestação da rede refere-se, dessa maneira à etapa de abertura, pois se
relaciona ao momento do segundo curso de extensão onde a rede abre-se para parceiros em
potencial e procura articular um conjunto de práticas e saberes necessários à
operacionalização de seu projeto e da própria rede.
186

Mas no movimento de implantação dos subprojetos e de fortalecimento da rede, os


problemas começaram a surgir e meu nível de participação na rede naquele momento teve que
ser reavaliado.

5.1.3. Novos rumos: aprendendo a ser rede

A REMA começava a aprender a lidar com as diferenças internas no grupo que se


tornavam mais explícitas. Por um lado professores e professoras nitidamente engajados, “na
linha de frente” das ações e das iniciativas da rede, por outro a vivência de uma cultura de
representatividade onde integrantes da REMA preferiam permanecer em suas escolas
enquanto seus colegas “mais engajados” tomavam as decisões e as repassavam para eles.
Dessa forma, o ano de 2004 inicia-se com uma participação em relação às reuniões da
rede em formas distintas, coexistindo a participação cooperativa e a representativa.
Entretanto, no que concerne às ações nas escolas, a participação, em geral, tendia mais à
cooperação entre os membros da REMA lotados numa mesma escola e alguns colegas,
professores, que aderiam a um ou outro subprojeto apoiado pela rede.
A par dessa situação específica entre engajamento x representação, outra situação
importante neste mesmo período foi experienciar as diferenças individuais no âmbito dos
temperamentos, valores e objetivos particulares que eram expressos no coletivo. A
reavaliação da identidade da REMA, ou seja, o resgate e o debate sobre seus objetivos,
valores e formas de agir, foi propiciada pela entrada de novos integrantes na REMA e pelo
diálogo com parceiros potenciais, criando um período de re-adapatação dentro da rede – do
grupo já formado em relação aos novos colegas e vice-versa e em relação ao tipo de parceria
que seria possível estabelecer com grupos, instituições e pessoas.
Uma rede em seu movimento de auto-organização cresce de forma aleatória, mas é
sujeita tanto às restrições que o coletivo da rede impõe sobre ela mesma e sobre os
participantes, quanto às restrições que os participantes impõem uns sobre os outros e sobre o
coletivo, levando-se ainda em consideração as imposições de ordem externa à rede. Essas
relações são de cunho hologramático e viabilizam a auto-organização da rede retirando desta
o casuísmo ético-valorativo que inicialmente se pode pensar sobre um crescimento aleatório.
187

Crescer de forma aleatória significa agregar pessoas, grupos e realizar parcerias, mas
ao fazer isso, o processo auto-organizativo da rede, com seus mecanismos de auto-regulação
faz com estas pessoas, grupos e parcerias uma vez agregadas à rede reconstruam, por meio do
diálogo propiciado pelos espaços de encontro na rede, o conjunto ético-valorativo que a
fundamenta. Isso significa que a identidade da rede é uma “identificação em curso” no sentido
dado por Boaventura Santos (1997) – implicando na dialética permanência-transformação. O
conjunto ético-valorativo da rede é sempre posto em questão, pois os conflitos se dão neste
núcleo, mesmo que mascarados em questões técnicas ou de forma – conflitos relacionados às
responsabilidades (como resposta a Outrem) da rede no âmbito das suas partes e do coletivo
(pessoas e grupos internos e externos à rede), às tentativas de concentração de poder sem o
voto de confiança ética que cada membro da rede deve dar para que uma tal concentração
ocorra e à possibilidade, sempre aberta, do caráter revolucionário perder-se na estabilidade de
uma “topia” confortável.
A identidade da rede solidária dá-se então numa formação continuada que pressupõe a
dialética dos princípios de inclusão e exclusão explicitados, por exemplo, nas entradas e
saídas de integrantes da rede, na modificação ou mesmo supressão de certas estratégias de
ação da rede e na possibilidade mesma de abertura e fechamento ao próprio diálogo face-a-
face, pois enquanto una (um coletivo) e plural (pessoas distintas) a rede abre-se ao diálogo na
diversidade (princípio da inclusão) com aqueles que são “outros” – também pessoas, mas se
fecha ao perceber a diferença (princípio da exclusão) e a tentativa de ser incorporada a um
projeto outro que não seja aquele finalitário da rede naquele momento e que apesar de ser
finalitário ponto a ponto, é objeto de constante refinamento. Isso conduz a um movimento de
alternâncias e recorrências onde as polaridades dos pares inclusão/exclusão,
distinção/diferença, abertura/fechamento e diálogo/monólogo (silêncio) se equilibram, se
revezam e se sobrepõem.
Esse é um movimento ininterrupto, próprio das organizações vivas27 como a rede e
que aponta para uma constante tensão inerente ao processo de crescimento e desenvolvimento
da rede. A esse movimento de auto-organização da rede que explicita as tensões entre o todo
(rede) e as partes (integrantes da rede e parceiros), tanto de ordem interna como externa,
chamo de tensão do crescimento reticular .

27
Para maior aprofundamento no conceito de organizações vivas, Cf. Morin (1999a.;2002).
188

Esta tensão é fundamental para que a rede se enraíze nela mesma e se fortaleça, mas
também uma prova de fogo, já que como toda auto-organização, ela é passível de extinção.
Algumas situações foram especialmente emblemáticas desta tensão do crescimento na
REMA. Uma dessas situações está ligada à relação entre a REMA e a Escola da Natureza.
Esta escola foi criada pela Secretaria de Educação em 1996, no Parque da Cidade, para
atender alunos e professores da rede pública e privada do Distrito Federal e entorno. Seu
objetivo era desenvolver a educação ambiental mediante a oferta de cursos e oficinas voltadas
à reciclagem de papel e reaproveitamento de resíduos sólidos variados, trilhas ecológicas,
oficinas de arte entre outras atividades similares. Na relação estabelecida entre REMA e
Escola da Natureza dois momentos são sinalizadores da tensão de crescimento da REMA: a
participação da Escola da Natureza nos trabalhos do segundo curso de extensão e a iniciativa
da Escola da Natureza de criar uma rede de educação ambiental no Distrito Federal.
Inicialmente a presença da Escola da Natureza nos trabalhos do 2º. Curso de Extensão
trouxe à tona a necessidade de se rever as relações entre a rede e as instituições públicas, em
especial à Secretaria de Educação do Distrito Federal. Apesar de reconhecerem que a Escola
da Natureza poderia contribuir no processo de implantação dos subprojetos tinham
dificuldade de separá-la da imagem da Secretaria de Educação do Distrito Federal, com a qual
tinham divergências políticas ou de forma mais geral de encaminhamento quanto à gestão da
rede pública escolar. Estas divergências políticas ativavam o questionamento sobre a própria
identidade da REMA ao explicitar o rebatimento das identidades individuais na identidade
coletiva da rede. Também trazia à tona o movimento descentralizado da REMA em
contraposição ao centralismo político local.
Dessa forma a idéia de autonomia retornou à discussão, e em reunião realizada em
novembro de 2003, os professores da REMA se mostraram decididos a manter a rede
autônoma, sem estar ligada a uma instituição específica, porém entendendo que com isso
poderiam ter dificuldades em desenvolver os subprojetos nas escolas. Ao mesmo tempo
perceberam que para eles era importante o reconhecimento da REMA como um grupo
portador de uma identidade diferenciada e para isso seria necessário aprender a dialogar com
outros grupos, entidades e instituições públicas de tal forma que apoios e parcerias pudessem
ser tecidos, mas sem abrir mão da autonomia que agora eles começavam a vivenciar e nesse
sentido mantiveram-se abertos a realizar parcerias com a Escola da Natureza.
189

A rede estava nesta época vivenciando a diversidade que o 2º. Curso de Extensão
proporcionava. Sua realidade era aprender a cooperar e consolidar a autonomia num
movimento próprio de abertura, articulando novos conhecimentos e práticas que surgiam nos
diálogos entre os participantes do curso e entre estes e os novos parceiros e apoios. Esse
“aprender” que o curso proporcionou transcende o conteúdo específico inicialmente definido
para ele e segue na direção da criação do discurso crítico que surge no encontro de
alteridades. Um discurso que amparado pela complexidade ambiental pode apontar novos
caminhos e alternativas técnicas e políticas aos problemas identificados na implantação dos
subprojetos nas escolas.
A REMA vivia nesse momento o fortalecimento de sua identidade a partir da resposta
que dava aos “outros” como responsabilidades assumidas, abrindo-se para novos grupos e
pessoas, num movimento de auto-reconhecimento enquanto rede e no reconhecimento das
partes (pessoas, entidades e grupos) desta rede. Este fortalecimento viabilizou a criação de
laços de pertencimento e cuidado, dando efetividade ao “solidário” da rede.
No início do ano de 2004, a Escola da Natureza decidiu implementar uma nova
estratégia de abordagem da educação ambiental junto às escolas do Distrito Federal, criando o
projeto da Rede de Educação Ambiental do Distrito Federal.
Sendo um projeto institucional de uma das unidades da Secretaria de Educação, o
caminho encontrado para viabilizar a implantação desta rede foi primeiro buscar as parcerias
formais e institucionais e utilizando a prerrogativa de órgão público, convocar por meio das
Gerências Regionais de Ensino – GRE’s, as direções e professores das escolas para informar
sobre a perspectiva de se criar esta rede e convidá-los a participar.
Quando este movimento da Escola da Natureza chegou na GRE do Núcleo
Bandeirantes, a gerência responsável pelas escolas do Riacho Fundo, um pequeno turbilhão
começou a ser formado dentro da REMA.
A REMA ao saber do projeto da Escola da Natureza ficou preocupada com a possível
perda de autonomia. Segundo suas falas, “como podemos continuar existindo, se a Secretaria
vem com um projeto de cima para baixo?” Para os professores que participaram da reunião
chamada pela Escola da Natureza na GRE, “eles querem fazer aquilo que nós já fazemos...”
e, para completar, “eles estiveram com a gente ano passado e não falaram nada com a
gente”.
190

O momento foi muito delicado. De uma só vez, foram colocadas em questão, pelo
próprio grupo, a autonomia, a identidade e legitimidade da REMA, a existência dentro de uma
estrutura de poder e suas relações de interdependência e a noção de compromisso e liderança
na REMA.
O sentimento geral era de que a REMA não era reconhecida nas suas atividades, que
por não se apoiar em poderes institucionais, mas em motivações pessoais, não era legítima e,
portanto, passível de não ter reconhecimento. A identidade da REMA foi posta em questão, a
partir do conflito que se instaurou quando a identidade pessoal de cada membro foi sobreposta
à sua função na instituição pública escolar – por isso o receio de serem tragados pelo projeto
oficial da Secretaria de Educação. Ao mesmo tempo, a questão da legitimidade deixava
transparecer a necessidade que os membros da rede sentiam em obter reconhecimento oficial
– primeiro das direções escolares e, depois da própria Escola da Natureza, vista por eles como
representante da Secretaria de Educação. Como contra movimento, os integrantes da rede se
fecharam em torno da proteção do projeto da REMA, reivindicando reconhecimento de sua
existência e defendendo seu espaço de autonomia. Esse era o discurso dos professores que,
aflitos com a possibilidade de serem engolidos pela máquina institucional escolar, abriram
mão das lideranças emergentes e voltaram-se para mim, no intuito de eu ser a pessoa que os
representaria nessa defesa. Situações embaraçosas ocorreram entre a Escola da Natureza e a
REMA e a possibilidade do diálogo efetivo entre estas duas entidades ficou profundamente
comprometida. Assim a solução encontrada naquele momento foi o distanciamento,
exemplificado na fala da professora Susana ao dizer “eles façam a rede deles, nós
continuamos fazendo a nossa”.
Esta situação demonstrou a enorme fragilidade do processo de organização da rede. A
REMA na medida em que é formada por professores de escolas públicas é sujeita às disputas
pelo poder que ocorrem dentro da instituição. Disputas que se dão entre os professores no seu
fazer cotidiano, entre estes professores e suas direções escolares e entre as próprias unidades
da instituição, como por exemplo, a Escola da Natureza que com sua nova estratégia de ação
denota uma busca por maior espaço político frente à Secretaria de Educação. Nesse processo a
REMA sofreu profunda reavaliação, resultando numa maior identificação de suas reais
possibilidades, limites e tipos de estratégias que poderiam ser realizadas.
No processo de tensão do crescimento da REMA a diversidade, a abertura e o diálogo
referidos à relação com a Escola da Natureza deram lugar à diferença, ao fechamento e ao
191

silêncio. Em contrapartida, a participação dos membros da REMA nas reuniões cresceu


vertiginosamente, como se a rede fosse verdadeiramente um organismo vivo, que tendo que
acionar suas defesas, convoca todas as suas células. O fechamento da rede para a Escola da
Natureza foi uma medida drástica, mas que se deu no intuito de salvaguardar o núcleo ético-
valorativo da rede, que tinha como fundamento a autonomia, a cooperação e a
descentralização. A rede não via possibilidade em diálogo, pois não tinha confiança na Escola
da Natureza e não podia se arriscar no jogo da política local.
Naquele momento, nenhum de seus integrantes conseguia ver como a Escola da
Natureza, sendo representante da Secretaria de Educação para as questões referentes à
Educação Ambiental, poderia ficar fora das disputas políticas locais e da centralização de
poder gerando uma rede que tivesse os mesmos fundamentos da REMA, principalmente
aquele referente à descentralização do poder. Essa decisão, na verdade, foi reforçada por
outras situações que ocorreram naquele mesmo momento e que também apontavam a
dificuldade de dialogar com o poder público e com as administrações burocráticas da escola.
Na reunião para tratar as questões levantadas pela ação da Escola da Natureza, outro assunto
foi debatido, desta vez um problema localizado numa das ações da REMA.
Para dar início ao projeto de coleta seletiva, um grupo de professores de uma mesma
escola – a escola Ipê, resolveu realizar um evento, para marcar o início das atividades do
projeto de educação ambiental na escola. Para o evento seriam convidadas as entidades que
estavam apoiando o projeto da escola, como a REMA, a Cooperativa 100 Dimensão e a Coca-
Cola e representantes da Secretaria da Educação, como a Gerência Regional de Ensino e a
Escola da Natureza. O problema surgiu quando a direção da escola demonstrou a intenção de
convidar dois políticos locais, deputados distritais, para o evento. Os professores da rede
ficaram muito apreensivos. Primeiro porque, segundo os colegas daquela escola, quando o
corpo de professores soubesse da intenção da direção, o projeto poderia não acontecer, em
função da impressão de vinculação partidária, ou como foi dito “de usar o trabalho da escola
para se promover politicamente”. Segundo porque poderia parecer que a própria REMA teria
essas vinculações o que poderia ser desastroso em relação às parcerias que haviam sido
consolidado e que estariam presentes ao evento.
O grupo achou que a melhor solução seria os professores conversarem com a direção
da escola e esclarecer esses pontos, deixando claro que a rede não apoiaria nenhuma ação que
tivesse qualquer vinculação partidária ou que pudesse ser usada em benefício de um ou outro
192

político. A conversa com a direção da escola surtiu o efeito necessário e o evento transcorreu
tranqüilamente. A escola como um todo se engajou no projeto de coleta seletiva e nas ações
que a REMA havia proposto, mantendo a distinção entre o apoio que a rede poderia ofertar
por meio de propostas e parcerias e as atividades e autonomias próprias do fazer docente
naquela escola. Dessa forma, esta escola organizou seu próprio projeto (Projeto Meio
Ambiente), incorporando entre outras atividades a coleta seletiva e a organização da horta
escolar, ambas com o apoio da REMA. Esta escola passou a ser considerada, pelo grupo,
“modelo” para a exemplificação da relação desejada com as escolas. Nesta escola cinco
professores eram participantes da rede. Contudo o processo desencadeado na escola permitiu
que todos – professores, alunos e funcionários, participassem das atividades de educação
ambiental desenvolvidas e apoiadas a partir da REMA.

Figura 5.7 – Foto tirada durante o evento de abertura do Projeto de Educação Ambiental na escola Ipê
– Riacho Fundo II (abril de 2004)

Ainda no primeiro semestre de 2004, a REMA vivenciou duas situações que


contribuíram positivamente para o sentido de reconhecimento da existência da rede. A
193

primeira foi o convite para participar de uma reunião no MMA para o “Enraizamento da
Educação Ambiental no Distrito Federal” e a segunda foi o convite feito pela Cooperativa 100
Dimensão para que a rede participasse como parceira no evento que ela estava promovendo
no Riacho Fundo chamado “I Encontro Sócio-Ambiental – Qualividas” (Cf. anexo 8).
Na reunião no MMA, em maio de 2004, foram discutidas as estratégias viáveis para o
enraizamento da educação ambiental no Distrito Federal, em especial a organização da
Câmara Interinstitucional de Educação Ambiental do Distrito Federal- CIEA-DF e o
fortalecimento de redes de educação ambiental locais. Por essa razão, tanto a REMA quanto a
Escola da Natureza foram convidadas para a reunião na medida em que representavam
experiências de formação de redes de educação ambiental.
Ao final da reunião foi sugerida a participação da REMA nas discussões para a
organização da Câmara Interinstitucional de Educação Ambiental do Distrito Federal (CIEA-
DF). Posteriormente, membros da rede interessados nessas discussões se revezaram nas
primeiras reuniões marcadas, mas devido à falta de tempo e aos horários que se sobrepunham
aos seus turnos letivos, a REMA se afastou do processo. Contudo, um de seus parceiros, o
IDA, representado por seu presidente que acompanhou boa parte do processo de formação da
REMA, encaminhou as contribuições da REMA (principalmente no que tangia à história do
seu próprio processo de formação) às discussões da CIEA-DF e ao processo de formação da
REA-DF (Rede de Educação Ambiental do Distrito Federal) proposto pela Escola da
Natureza.
Numa entrevista com o diretor da Escola da Natureza, realizada em outubro de 2004,
este colocou que a Escola da Natureza tinha resolvido adotar as estratégias da REMA para
buscar fomentar o processo de formação da REA-DF, ou seja, estavam investindo na
formação de grupos de interesse em torno de questões ambientais por meio da realização de
cursos específicos.
O segundo convite, feito pela Cooperativa 100 Dimensão, pressupunha uma atividade
conjunta a ser realizada em junho junto à comunidade do Riacho Fundo pela comemoração do
aniversário da cidade e do dia do meio ambiente. A Cooperativa tinha intenção de realizar
várias atividades relacionadas à educação ambiental e convidou a REMA para colaborar como
parceira no evento, divulgando as ações que a REMA realizava nas escolas ao mesmo tempo
em que solicitou à REMA que ficasse responsável por realizar um levantamento junto à
comunidade sobre o interesse por cursos de formação profissional que a 100 Dimensão
194

poderia ofertar, com vistas à organização das oficinas de produção comunitária. O convite
para este evento selou a parceria entre a cooperativa e a REMA, pois a rede estava agora
envolvida nos projetos que a Cooperativa tinha traçado internamente, entre eles, a expansão
da coleta seletiva do lixo para a cidade, tendo como um dos eixos mobilizadores as escolas
onde a REMA apoiava atividades de educação ambiental, e o apoio à formação de grupos de
produção e atividades de cultura e lazer, junto às crianças e adolescentes e suas famílias.

Figura 5.8 – Foto tirada em frente ao stand da REMA durante o evento 1º. QUALIVIDAS, Riacho
Fundo II ( junho de 2004).

A partir da parceria estabelecida ações da REMA e da Cooperativa começaram a se


entrecruzar. Assim, por exemplo, quando a REMA solicitou o apoio da Brasal Refrigerantes –
subsidiária da Coca-Cola - para a coleta seletiva nas escolas, a Cooperativa 100 Dimensão foi
apresentada como parceira do trabalho. Naquele momento a empresa buscava uma entidade
local, com as características da cooperativa, para tomar parte de uma campanha nacional de
195

reciclagem, dentro da obrigação legal que as empresas possuem de dar destinação correta dos
seus resíduos, associada a uma ação de responsabilidade social. Dessa forma, a Cooperativa
100 Dimensão foi convidada a fazer parte da campanha tendo a rede como parceira nas ações
de mobilização e educação ambiental nas escolas. A campanha está prevista para iniciar em
2005.
O primeiro semestre de 2004 foi fértil em situações que colocaram a REMA em
constante questionamento. Internamente também estavam sendo realizados ajustes a partir dos
novos relacionamentos que vigoraram desde a finalização do segundo curso de extensão com
a entrada de novos integrantes na rede e a efetivação das parcerias, em especial com o IDA e
com a Cooperativa 100 Dimensão.
A entrada de uma professora (Fernanda) que também era assistente de direção de uma
escola local trouxe uma nova dimensão nas relações internas da rede explicitando de que
maneira uma distinção inicial torna-se diferença e daí exclusão.
Fernanda já tinha procurado participar no primeiro curso de extensão, porém, na época
estava em uma outra escola do Riacho Fundo II, exercendo a coordenação pedagógica e
segundo ela “era trabalho demais, não dá para fazer tudo”. No segundo semestre de 2003,
ela conseguiu participar do curso, e o fez ativamente, vindo a participar também das reuniões
da rede. Porém, em 2004 ela transferiu-se para a escola Pequi vindo a ocupar o cargo de
assistente de direção.
Ela demonstrava no grupo um temperamento de muita iniciativa e imaginei que talvez
em algum momento a liderança do grupo poderia passar por ela.
Porém aos poucos o papel que assumia na instituição escolar passou a prevalecer sobre
sua pessoa e ficaram evidentes as dificuldades em desenvolver uma atitude voltada para o
coletivo da REMA e não exclusivamente para a escola que acreditava estar representando. Os
interesses explicitados por ela restringiam-se às necessidades que ela, como assistente de
direção, imaginava serem pertinentes à sua escola. Ao invés de movimentar-se na rede como
colaboradora tecendo junto as estratégias para o desenvolvimento das ações e projetos já
desenhados, abrindo-se para novas perspectivas de construção coletiva, já que este era o
movimento da rede naquele momento, passou a ser solicitante de atividades e respostas, como
se a rede existisse para prover as soluções para os problemas que enfrentava na escola –
problemas estes dados na perspectiva da direção escolar.
196

O problema não era o interesse explícito em sua escola, pois todos de uma forma ou
outra, trabalhavam também no sentido de desenvolver as ações onde efetivamente
lecionavam, mas o fato de que o diagnóstico exposto por ela não era confirmado por outros
professores participantes da rede que estavam lotados na mesma escola. Sua fala refletia o
distanciamento que havia entre a direção que representava e o corpo docente daquela escola:
“esse povo é muito difícil”, “eles não querem nada”, “se não vem pronto, não funciona”.
Como contraponto, os professores da rede que lecionavam nessa escola diziam que
não era bem assim, que realmente o corpo docente “era resistente”, não porque fosse
“difícil”, ou porque não “quisessem nada”, mas porque não confiavam na direção, pois esta
era “autoritária” e por isso era difícil colaborar. Ainda colocaram que Fernanda, ao realizar
as reuniões com o corpo docente não expunha as estratégias da REMA, nem convidava ou
incentivava a participar das reuniões, mesmo sabendo que boa parte das reuniões da REMA
era realizada no espaço físico da escola.
Assim a rede viu transferido para sua arena o debate e o antagonismo direção escolar –
corpo docente. Com o passar do tempo, pude notar que os demais professores evitavam
debater certos assuntos na frente dela, principalmente aqueles relacionados às suas escolas e
aos problemas com suas direções pois não sentiam mais confiança.
O que inicialmente era diversidade e distinção natural entre os pares – a rede tinha
além de professores, uma vice-diretora e uma coordenadora pedagógica colaborando
ativamente – tornou-se diferença mergulhada em desconfiança e então, distanciamento.
Fernanda passou a não participar tanto das reuniões, mas manteve o contato comigo
durante algum tempo, até que o silêncio chegou.
Como disse acima, neste crescimento da rede as tensões são partes constitutivas. A
REMA estava aberta à participação de todos, mas esta professora ao ingressar na rede passou
a fazer parte também do movimento de auto-organização que revê a todo o momento o núcleo
ético-valorativo que fundamenta a rede – é um processo de auto-regulação que se dá na
disputa e na cooperação, entre os interesses particulares e os interesses coletivos e que pode
modificar ou não este núcleo por meio do processo das imposições mútuas entre a rede como
um todo orgânico e suas partes constituintes, ou seja, os sujeitos.
O fato da diferença ter prevalecido à distinção e a diversidade, tanto no caso de
Fernanda, quanto no caso da Escola da Natureza denota a dificuldade da rede dialogar em
situações nodais de poder – isto é, quando o outro se apresenta como sendo investido de um
197

poder que não circula na rede. Não é o caso do cargo que a professora ocupa na instituição
escolar (já que a REMA contava com a participação de membros das direções escolares
locais), ou mesmo a própria instituição que a Escola da Natureza representava (já que foi
convidada a participar do segundo curso de extensão e vista como possível parceira), mas o
que seus discursos e práticas refletiram para o grupo.
Assim, esta postura de externalidade à rede explicitada pela ênfase nos interesses
particulares representativos do cargo e posição que ocupavam no sistema escolar, afastou
naquele momento as possibilidades de emergência de diálogo entre estes indivíduos e grupos.
Pode parecer que esta postura da REMA em relação a estas duas situações tenha sido
dogmática. Mas não é bem assim. A abertura para o diálogo foi efetivada, mas a percepção da
impossibilidade de haver circulação do poder e atos colaborativos nos encontros entre a
REMA e a Escola da Natureza e internamente à rede criaram uma espécie de situação de
“proteção imunológica”. Aqui reside a idéia de diferença que carrega a perspectiva de
exclusão, pois não pressupõe a possibilidade de diálogo. Enquanto a Escola da Natureza e
Fernanda eram vistos e se apresentavam como distintos, ou seja, fazendo parte de uma
diversidade mundana com a qual a rede convivia, o diálogo foi possível e desejado. Quando
esta situação se modificou, no início do ano de 2004, a rede também respondeu de forma
diferente.
Esse movimento se deve ao fato de que as redes, e neste caso, a REMA, são espaços
de possibilidade para revelação do Outro – espaços de distinção e coletividade, de
acolhimento e conflito, ou seja, espaços de encontro e diálogo e que fazem do pertencer um
compromisso, nunca uma apropriação ou posse.
No espaço de encontro, Fernanda e Escola da Natureza revelaram-se: expuseram não
somente seus interesses objetivos, mas seus núcleos valorativo-simbólicos que ao explicitar a
concentração de poder (local, institucional e burocrático) fez emergir um conflito onde o
diálogo face-a-face deixou de existir, pois as faces foram obliteradas e em seu lugar surgiram
os estereótipos sempre dados a priori, as relações de apropriação e o fechamento defensivo.
Assim, quando a tentativa de posse, ou seu duplo – a concentração de poder, se
apresentam, o espaço de revelação se transforma em espaço de descoberta – ação de des-
cobrir, uma ação violenta de um sobre o outro, geralmente contra o desejo do outro,
reduzindo este outro a algo já pensado – a pessoa de Fernanda decai para sua função
administrativa – assistente de direção e o grupo de colegas professores da Escola da Natureza
198

passam a ser vistos como representantes do poder burocrático da Secretaria de Educação do


Distrito Federal. É importante frisar que esta “visão” é uma visão de mão dupla, isto é, a
REMA também passa a ser vista na representação pública que ela carrega: para Fernanda uma
“entidade” que deveria responder aos seus anseios enquanto representante da direção e
resolver os problemas que ocorriam na escola relacionados aos projetos e ações propostos
pela rede, e para a Escola da Natureza, um grupo que já tendo iniciado o processo de
formação de redes em educação e meio ambiente no Distrito Federal, ainda que sobre outras
bases, era visto como rival ou pelo menos como elemento perturbador do processo que estava
sendo iniciado. As relações passam a ser “cosificadas” e o encontro deixa de ser ético para ser
“ontológico, econômico e mundano” (Dussel, 1977).
No final do primeiro semestre letivo de 2004 as atividades estavam sendo implantadas
nas escolas. Todas as quatro escolas já realizavam a coleta seletiva e três estavam
encaminhando as hortas escolares. A REMA se reunia periodicamente, uma vez ao mês, e a
cada quinze dias alguns membros da rede se encontravam para o grupo de estudos. O
subprojeto de trilhas escolares estava sendo organizado, buscando criar uma agenda comum
de visitação ao Parque Ecológico do Riacho Fundo para o semestre seguinte no período da
estiagem.
Contudo alguns problemas práticos ainda permaneciam, como por exemplo, a
dificuldade da Cooperativa 100 Dimensão ofertar os cursos de reciclagem e reaproveitamento
do lixo para os professores, a comunicação interna entre os membros da REMA e a baixa
mobilização em certas escolas em torno dos subprojetos em andamento.

Do ponto de vista da formação da REMA, este primeiro semestre de 2004 delimita a


terceira etapa, chamada de sedimentação que envolve a atuação da REMA enquanto
identidade ético-política diferenciada, implementando atividades de teor sócio-ambiental nas
escolas e na comunidade, promovendo o estabelecimento de parceiras e apoios e buscando
condições para dialogar com as instituições públicas.

Na passagem de um semestre letivo para outro, contudo, um acontecimento numa das


escolas com a qual a REMA tinha interação detonou um grave processo de dispersão dentro
da rede.
199

5.1.4 – As imprevisibilidades, as perdas e os ganhos

Durante o primeiro semestre letivo de 2004 a escola Olho d’Água começou a


apresentar problemas internos da ordem de relacionamento pessoal e administrativo. Esses
problemas apesar de não estarem relacionados à REMA envolveram professores ligados a ela
e tiveram profundo impacto nas ações que estavam sendo desenvolvidas naquela escola.
De forma geral a situação resume-se a uma disputa por espaços de poder dentro da
escola. Espaços estes que foram, segundo falas de professores e professoras, negligenciados
pela direção escolar ao longo dos últimos três anos. Segundo alguns professores, a diretora
não exercia adequadamente o cargo o que detonou um processo de endurecimento da direção
na medida em que alguns professores tomaram a iniciativa de encaminhar ações e projetos na
escola, função esta que deveria estar sendo desempenhada pela diretora. O processo de tensão
na escola foi afunilando-se até chegar a seu ponto crítico em fins de junho de 2004. Vários
acontecimentos convergiram para esse momento crítico, entre eles:
a) denúncias feitas na GRE do Núcleo Bandeirante sobre o não cumprimento do horário de
trabalho pela diretora, a não realização de coordenação pedagógica e o mau funcionamento da
secretaria escolar.
b) tomada de iniciativa de alguns professores em dirigir processos na escola, inclusive do
âmbito administrativo, contrapondo-se frontalmente à figura da diretora.
c) a postura da vice-diretora como contraponto à administração realizada pela diretora.
d) o difícil relacionamento entre colegas professores desde um ponto de vista dos
temperamentos pessoais até às divergências quanto ao encaminhamento da gestão escolar,
incluindo questões administrativas e pedagógicas.
A partir desses acontecimentos, a direção da escola, na figura de sua diretora, iniciou
um processo defensivo, suprimindo as situações que lhe eram inconvenientes. Dessa forma,
sua primeira medida foi pedir o afastamento da vice-diretora do cargo e solicitar sua remoção
para a regional de ensino, assim como do secretário da escola. A seguir, tomou os projetos
que estavam sendo implantados, alguns com o apoio da rede, como sua prerrogativa de
200

execução e em poucos dias, por exemplo, com o auxílio dos funcionários responsáveis pela
limpeza, a horta escolar estava plantada.
Esses acontecimentos aumentaram o desconforto em alguns professores, que já se
indispunham com a direção e que passaram a se confrontar com seus colegas.
Esta situação se rebate sobre a REMA primeiro porque tanto a vice-diretora, quanto os
professores que tomaram iniciativas frente à diretora são membros da rede, e segundo, porque
as condições dos relacionamentos pessoais internos à escola tornaram difícil a continuação
dos projetos e ações que eram apoiados pela REMA. Professores da rede lotados nesta escola,
se desligaram, ainda que temporariamente da rede – não viam sentido em continuar
participando uma vez que não poderiam agir em suas escolas. O momento era de
desmotivação frente ao caos formado na escola.
Esta situação exemplifica muito bem um dilema existente na relação entre a rede e
Escola – a separação das identidades. A REMA não é projeto da escola, nem pressupõe que
todos os professores de uma escola onde a rede apóie atividades voltadas ao meio ambiente
façam parte da rede e freqüentem suas reuniões. É desejado, mas não é de forma alguma
obrigatório. Contudo, como é formada por professores que encaminham as idéias da rede em
suas escolas, os projetos e propostas da REMA correm o risco de se sobrepor às atividades
cotidianas desenvolvidas nas escolas, principalmente se a escola não tem claro o seu próprio
projeto político-pedagógico ou vivencia a existência de “vácuos pedagógicos” – falta de
projetos e atividades motivadoras, falta de motivação docente, falta de organização e
cooperação em torno de questões pedagógicas, falta de coordenação pedagógica. No caso da
escola citada foi o que aconteceu. Para alguns professores da REMA que lecionavam nessa
escola, a REMA veio “tapar um buraco” já que, segundo suas falas, “nessa escola a gente não
tem projeto político-pedagógico de verdade – é só no papel”, ou, “antes dos projetos da
REMA a gente não tinha nada aqui”. Porém este “tapa buraco” passou a ser dentro da escola
motivo de disputa e confronto – entre alguns professores da REMA naquela escola e a direção
escolar e entre estes professores e seus colegas.
O confronto se dá na medida em que com os projetos da rede explicitam-se os “vácuos
pedagógicos” e a disputa passa a ser pelo domínio do espaço de poder aberto, pelos projetos,
dentro da escola. Membros da REMA lotados naquela escola passaram a pressionar seus
colegas a participarem das reuniões da rede e dos projetos em andamento, como se as
reuniões fossem substituir as coordenações pedagógicas, e as propostas da rede, o projeto-
201

político-pedagógico. Tanto que, no início do ano de 2004, o projeto político-pedagógico da


escola foi baseado nas propostas e projeto da REMA, tendo sido organizado pela vice-diretora
e mais alguns professores – todos membros da REMA. Essas iniciativas pessoais acabaram se
estendendo para outras áreas do cotidiano escolar – aquelas referentes aos assuntos
administrativos e burocráticos da escola, e dessa forma, o confronto com a direção tornou-se
inevitável.
A situação da REMA nesta escola foi discutida em reunião da rede buscando encontrar
estratégias para manter os projetos em andamento naquela escola. A sugestão encaminhada
por Selma (que já tinha retornado ao grupo) foi organizar um seminário28 junto à GRE do
Núcleo Bandeirantes para os diretores das escolas no intuito de esclarecer as propostas da
REMA e as atividades que estavam sendo desenvolvidas. A estrutura do seminário procurou
evidenciar as atividades de educação ambiental que a REMA apoiou nas escolas e abrir as
perspectivas de trabalho cooperativo tanto com as escolas quanto com outras entidades que
estavam presentes ao evento, como a Secretaria de Parques e o Fórum de Economia Solidária
do Distrito Federal. Optou-se por escolher como exemplo de relação entre a REMA e as
escolas, a escola Ipê, pois tinha desenvolvido seus próprios projetos em educação ambiental a
partir das sugestões e apoios da REMA.
Apesar do convite ter sido encaminhado aos diretores por meio da GRE, poucos
diretores estavam presentes ao evento e a avaliação da rede foi que o evento, apesar de bem
preparado, não atingiu o objetivo inicial, que era poder explicitar, principalmente para a
direção da escola em questão, as possibilidades de interação com a REMA.
Dessa maneira, a rede não viu outra opção que não o afastamento, ao menos
temporário, daquela escola e das atividades que estavam sendo desenvolvidas lá. Assim, a
REMA inicia o segundo semestre de 2004 com 6 integrantes a menos e com a perda de acesso
à escola Olho d’Água.
Apesar desta situação ter-se apresentado como muito difícil para os membros da
REMA, veio a contribuir para uma estabilização da rede, na medida em que a rede começou a
perceber seu próprio “tamanho”, isto é, suas limitações, e a desenvolver uma postura mais
madura, própria do tempo e dos conflitos vivenciados. Assim, em relação às escolas, a rede
passa a perceber sua função de parceira, podendo por um lado incentivar o desenvolvimento

28
Este seminário ocorreu no dia 30 de agosto de 2004, no auditório da Administração Regional do Riacho Fundo
I, exatamente um ano depois da primeira apresentação da REMA à comunidade.
202

de projetos em temáticas sócio-ambientais e por outro, ser apoio ou co-operar com os projetos
e atividades que as escolas desenvolvem.
Também, se por um lado um grupo ativo se desligou da rede, por outro, aqueles que
ficaram assumiram a liderança e deram continuidade às reuniões e às atividades inicialmente
propostas. Ainda havia muito a fazer, pois nem todos os projetos tinham sido implantados
adequadamente nas escolas. Havia entraves na organização das hortas em duas escolas e o
projeto de trilhas ecológicas tinha sido suspenso por causa da ocorrência de hantavirose no
Distrito Federal. Mesmo o projeto de coleta seletiva, que funcionava nas quatro escolas, tinha
problemas do ponto de vista da parceria estabelecida, uma vez que até aquele momento, a
cooperativa não tinha conseguido ofertar os cursos de reutilização e reciclagem do lixo para
os professores.

Figura 5.9 – Foto tirada durante 1º. Seminário da REMA (agosto de 2004)
203

No segundo semestre de 2004, movidos pela dispersão provocada pela saída dos
colegas da escola citada acima, a REMA começa a discutir a estrutura de organização da rede,
e o professor Hélio em sua fala diz que “talvez fosse melhor que o grupo tivesse uma
coordenação central” que pudesse dar conta de organizar as atividades e a agenda da REMA.
A discussão que se segue encaminha-se para os contrapontos dados pelos demais colegas, que
não aceitaram a idéia, pois “se tiver coordenação central deixa de ser rede”. Para estes
professores era importante manter esse caráter descentralizado da rede, o que os forçava a
serem pró-ativos, apesar da pouca disponibilidade de tempo para dedicarem-se a REMA.
Assim, também a questão da disponibilidade do tempo de cada um para reunir e
planejar atividades de educação ambiental foi explicitada – os professores colocaram as
dificuldades que tinham: a maioria tinha uma carga de 40 horas na escola, alguns estudavam à
noite, outros tinham outro trabalho além da docência. Todo o trabalho que vinham
desenvolvendo na REMA era voluntário, encaixando as reuniões nos horários possíveis: sexta
à noite, sábado e domingo ou então em algum período de coordenação pedagógica onde nem
todos da rede podiam comparecer. A rede ainda não tinha vislumbrado como seria possível
criar um espaço/tempo periódico para os encontros e planejamentos de atividades ambientais
na REMA sem perder a autonomia frente à instituição escolar. Isso era e ainda é um grande
problema.
Além disso, a questão da liderança foi tratada com mais profundidade, pois os próprios
professores da rede estavam preocupados – agora comigo, pois ainda não tinha me afastado da
rede como tinha dito que faria. Em suas falas fui formalmente liberada da função que exercia
no grupo: “não se preocupe, a gente já pode levar a rede, vá escrever sua tese”, “a gente vai
tocando e ano que vem você vai estar de volta, não vai?”. No grupo havia professores que já
tinham assumido a função de liderança dos trabalhos da rede – Susana, Carmem e Hélio. Com
a dedicação destes três os problemas com as hortas e a coleta seletiva iam sendo resolvidos.
Com eles também se abriu outra ação da REMA, não prevista no seu projeto inicial - ações
voltadas à economia solidária na comunidade local.
O Núcleo de Gestão e Educação Ambiental do CDS tinha interesse em iniciar o
processo de economia solidária no Riacho Fundo, como parte das ações voltadas à
organização comunitária local. Procurou a REMA com esse intuito e no grupo alguns
professores se motivaram a realizar atividades com os alunos em suas escolas. Algumas
204

reuniões na REMA foram realizadas voltadas a essa proposta, uma delas contando com a
participação de representante do Fórum de Economia Solidária do Distrito Federal.

Como quarta e última etapa, este segundo semestre de 2004 aponta para uma re-
estruturação da rede, dizendo de uma nova abertura– onde novos projetos e acordos são
propostos e tecidos juntos com as parcerias estabelecidas ou outras que venham a ocorrer,
reorganizando o projeto inicial quanto as suas possibilidades de atuação. Esta etapa de re-
abertura sugere um retorno ao projeto inicial, não apenas no sentido de novas atividades que
podem ser realizadas, mas num questionamento que reafirma seus princípios ético e
valorativo, e busca novas frentes de atuação política e educacional condizentes.

GE DF
205

6. O BORDADO QUE SURGE: INTERPRETAÇÃO E CONCLUSÕES

Mas então, ousei comentar, estais longe da solução...


Estou pertíssimo, disse Guilherme, mas não sei de qual.
Então não tendes uma única resposta para vossas perguntas?
Adso, se a tivesse ensinaria teologia em Paris.
Em Paris eles têm sempre a resposta verdadeira?
Nunca, disse Guilherme, mas são muito seguros de seus erros.
E vós, disse eu com impertinência infantil, nunca cometeis erros?
Freqüentemente, respondeu. Mas ao invés de conceber um único erro
imagino muitos, assim não me torno escravo de nenhum.

(O nome da Rosa, Umberto Eco)

No início dos trabalhos desta pesquisa em 2002, encontrei diversas pessoas no Riacho
Fundo que tinham necessidade de atuar no campo ambiental. Suas motivações eram várias –
desde a necessidade de alguns produtores rurais de terem maior controle da qualidade da água
do córrego que atendia suas lavouras até os jovens que lembravam de um córrego mais limpo,
onde pescavam e se banhavam quando crianças. Neste amplo espectro, encontravam-se
lideranças na comunidade, políticos locais, associações comunitárias e moradores. Todos
tinham algum interesse especial na questão ambiental, fosse um interesse visando o bem
comum ou o seu próprio. Era um universo eclético, muitas vezes conflitante que demandava
soluções.
Na pesquisa que se iniciou junto a este grupo, as escolas ocupavam um lugar
privilegiado no que tangia às questões ambientais, dado o caráter formativo voltado às
crianças e adolescentes e por sua inserção junto à comunidade por meio das famílias.
Nas escolas, contudo havia um vácuo de ações voltadas ao meio ambiente, não por que
os professores não desejassem atuar – no ano de 2003, havia noventa professores interessados
em trabalhar as questões ambientais locais, mas por problemas de ordem institucional e de
relacionamento interno dentro das escolas.
206

A REMA surgiu nesse vácuo de ações. Surgiu como possibilidade de atuar no campo
ambiental nas escolas e junto da comunidade. Possuía em seus sub-projetos atividades
diretamente ligadas a comunidade como o de “Saúde mental e física para a comunidade” e as
“Oficinas de artesanato” voltadas tanto para os alunos quanto para suas famílias, buscando
possibilitar a melhoria das condições materiais e afetivas destas famílias.
A análise deste estudo pretende tecer algumas conclusões referentes às questões de
pesquisa, em especial às condições de possibilidade de formação de laços comunitários,
partindo inicialmente das três dimensões que constituem o núcleo ético-valorativo da REMA:
educativa, política e comunitária, identificadas no processo de formação e de manutenção da
rede. Por outro lado, por se tratar de uma pesquisa-ação, que possui um caráter de intervenção
e participação nas ações do grupo social focado, a análise necessita incluir a relação entre a
pesquisadora e o grupo social. No último item serão colocadas as conclusões finais e as
sugestões pertinentes ao processo de formação de redes e à gestão sócio-ambiental.

6.1. AS DIMENSÕES DA REMA

6.1.1 A dimensão educativa

Tomando a definição de Carvalho (2002) para o “sujeito ecológico”29 observo que a


REMA desde sua fundação em 2003 nasceu com esta marca. A REMA, que surgiu como
demanda de mobilização da comunidade em torno das questões sócio-ambientais locais,
constituiu-se, desde cedo, como fomento a esta mobilização, atuando nos campos educacional
e político e solicitando conhecimento sobre as questões sócio-ambientais locais.
Cada participante da REMA tinha suas próprias motivações relacionadas ao meio
ambiente, sendo que no início da sua formação, a maioria dos membros possuía uma visão
romantizada do ambiente, pois não a relacionava às questões econômicas e sociais e oscilava
entre um conceito de natureza separado completamente do homem e uma relação amalgamada
onde homem e natureza eram indiferenciados.

29
Cf. Capítulo 3, seção 3.2.2.
207

Ao longo do processo de formação da rede, as concepções sobre o meio ambiente


foram se modificando. Esta modificação deu-se primeiro como um “fazer” da própria rede –
encontros, conversas abertas, pensar atividades - numa ajuda mútua entre seus participantes.
As diferentes visões de ambiente iam aos poucos sendo apresentadas e colocadas num espaço
de diálogo, aonde novas concepções iam surgindo. Paralelamente, os cursos de extensão como
parte desta formação da rede, contribuíram com um conjunto de informações – técnicas,
científicas, filosóficas e políticas que se miscigenaram ao processo, e ao final de um ano a
concepção de ambiente no grupo já portava suas implicações políticas, econômicas e sociais,
que foi explicitada em suas falas, colocando o ambiente como sendo um ambiente humano,
mas que possuía suas fragilidades e singularidades e que precisava ser objeto de atitudes
responsáveis.
Este movimento de maturação de um novo conceito de ambiente está relacionado à
emergência dos sujeitos éticos na rede. Os espaços que inicialmente eram apenas de convívio
e de conhecimento foram se transformando em espaços de diálogo e de abertura ao outro.
Com isso, as diferentes visões de ambiente que surgiram podem ser interpretadas na
perspectiva do discurso em Levinas, ou seja, como um conhecimento objetivo resultante da
revelação dos mundos subjetivos de cada integrante da rede.
A atuação nas escolas também passou a ser diferenciada em relação às questões
ambientais. O processo detonado a partir da coleta seletiva do lixo é exemplar nesse sentido.
Das quatro escolas que se relacionavam com a REMA, duas ficaram muito mobilizadas com o
projeto da coleta seletiva, sendo que uma delas criou seu próprio projeto de educação
ambiental, envolvendo toda a escola. Essa é uma diferença crucial entre o antes e o depois da
REMA nas escolas, pois como atestava as falas de todos os professores – a escola não tinha
projetos que articulassem a instituição como um todo.
A possibilidade de realizar os subprojetos apoiados pela REMA permitiu aos
professores (não só os que faziam parte da REMA) a criação de atividades novas,
direcionadas aos seus alunos, a partir da questão ambiental. Além dos subprojetos da horta,
trilha e coleta seletiva, foram realizadas peças teatrais, desfiles de moda e banda de música (a
partir do reaproveitamento do lixo), redações temáticas, além de várias outras atividades
relacionadas aos subprojetos ou deles derivados. Essa profusão de possibilidades
metodológicas influiu de maneira muito positiva tanto na relação ensino-aprendizagem dos
208

alunos, quanto na motivação do professor, tornando as aulas, segundo os professores, mais


dinâmicas e melhor aproveitadas.
O comportamento dos membros da REMA em relação às questões ambientais também
demonstrou mudança desde a formação da rede, ao demandaram por novas informações e
conhecimentos sobre as questões ambientais locais (em especial o Parque Ecológico),
educacionais e sobre a própria formação da rede, levando membros da REMA a participarem
de novos cursos (o segundo curso de extensão ofertado pela UnB, o curso “Gestão de redes e
terceiro setor” ofertado pelo IDA e o curso “Formação de professores e o saber ambiental”,
ofertado pela SEMARH/EAPE) além de cursos de especialização em educação ambiental
ofertados pela Universidade Católica de Brasília e a formação de um grupo de estudos sobre
educação e complexidade.
Todo este movimento de mudança de comportamentos e concepções sobre o meio
ambiente deu-se na ordem de uma educação ambiental referenciada pela pedagogia da
alteridade. Desde o início, o processo de formação da REMA criou espaços para que estas
visões fossem apresentadas como ofertas a todos os demais para debate e reflexão. A oferta só
foi possível porque os espaços criados foram espaços de diálogo, onde a relação se dá com
Outrem, uma relação de respeito e de sensibilidade. Nesta oferta, o ambiente era tema e
alteridade, objeto de reflexão que ao mesmo tempo demandava por justiça.
As reflexões em torno do ambiente local realizadas durante o primeiro curso de
extensão possibilitaram a articulação de uma série de fatores que antes eram vistos de forma
fragmentada, tais como a existência do lixo em terrenos à margem das estradas no Riacho
Fundo, a política local de doação de lotes e a conseqüente expansão urbana, as famílias que
eram atendidas por essa política, a poluição do córrego do Riacho Fundo e as condições do
Parque do Ecológico do Riacho Fundo, somadas a um conjunto de informações sobre o
cerrado e o histórico de ocupação do solo no Distrito Federal, entre outras.
Nessa articulação de conhecimentos, vivências e práticas foi construído um saber
sócio-ambiental que colaborou na formação da identidade da rede, na medida em que proveu
a rede de um discurso e objetivos comuns em torno do ambiente local.
Ao mesmo tempo, como resposta a Outrem, ou seja, como responsabilidade, este saber
sócio-ambiental portou a objetividade necessária para se pensar os conflitos ambientais locais
e agir no sentido da justiça, buscando alternativas viáveis à degradação ambiental. Nesse
sentido, o projeto elaborado no primeiro curso de extensão (Cf anexo 1) reflete o discurso e
209

objetivos comuns do grupo, assim como os diagnósticos locais e as sugestões de ações que
poderiam ser realizados nas escolas e junto à comunidade, servindo como eixo para a rede
recém criada.
Mas o processo de construção deste saber não parou nessa etapa, continuou
ininterruptamente, assimilando novos conhecimentos a partir da vivência, agora da rede já
existente, e dos desafios que surgiram. Este saber retroagiu na rede, modificando conceitos e
práticas que existiam, alterando comportamentos e posturas pessoais, trazendo novas
possibilidades de ação e novas frentes onde atuar, o que pode ser exemplificado na atuação da
REMA em projetos de economia solidária, ou atuando em projetos da Cooperativa 100
Dimensão, algo que não estava previsto no seu projeto original.
Esta dimensão educativa da rede possui singularidades, pois se apresenta por um lado
como ação – mobilização e participação popular, tecendo relações com grupos e pessoas,
envolvendo-se num processo de gestão sócio-ambiental local – e, por outro,
complementarmente, como construção coletiva de um saber sócio-ambiental que conduz a
novas estratégias de abordagem em relação ao meio-ambiente (conhecer as condições
ambientais locais, realizar trilhas, dialogar com os moradores) e ao fazer cotidiano dos
professores envolvidos na rede.
Todo este movimento da rede mostra seu caráter de formação continuada, típica de
uma “identificação em curso” como assinalado por Boaventura Santos (1997). Esta
identificação em curso carrega entre outras coisas a permanente construção de saberes e
práticas direcionadas tanto às questões ambientais locais, quanto à própria construção da rede
– suas relações e dinâmica, possibilidades de captação de recursos financeiros e apoios, a
questão das lideranças e do empoderamento coletivo e pessoal. Este movimento é educativo
enquanto formador da rede, e, ao mesmo tempo, multiplicador de novos comportamentos,
uma vez que a rede se comunica e atua nas escolas e na comunidade.
Dessa forma a rede tem uma dupla dimensão educativa – dentro dela, como formação
interna de seus membros e do seu coletivo, e fora dela, com os grupos com os quais ela
dialoga e atua. Essa dupla dimensão educativa não se resume, contudo aos aspectos
propriamente cognitivos de uma relação de ensino-aprendizagem nos moldes tradicionais,
mas é uma dimensão educativa da pessoa, ou seja, referido ao universo relacional da rede e de
seus membros e à qualidade destas relações. Com efeito, este caráter educativo se espraia
210

também para o âmbito das relações político-sociais e culturais como sendo formativas da
rede.
Todas as situações que a REMA vivenciou foram políticas em alguma medida,
entendendo a política como a arte de fazer justiça a todos os envolvidos, e não apenas mera
negociação de interesses particularistas. E nesse sentido, esta política possui uma dimensão
educativa, qual seja, a de aprender a dialogar com a diversidade, com o outro, com o distinto.
Como foi dito no capítulo anterior, este diálogo muitas vezes foi impossibilitado, porque no
lugar da distinção surgiu a diferença, tornando o diálogo um monólogo de dois e nesses casos
o conflito apenas ficou latente e silencioso, na maioria das vezes esperando um outro
momento onde o diálogo fosse possível. Isto foi o que aconteceu com a professora Selma e
com a Escola da Natureza. No primeiro caso, o diálogo ocorreu, e a diferença deu lugar a um
acolhimento; no segundo, ainda permanece a diferença.

6.1.2. A dimensão política

Segundo Mance (2002), uma rede solidária tem a marca da transformação social, no
sentido de ser um contraponto aos pilares da modernidade contemporânea: o princípio de
mercado, o processo de individualização da sociedade e a razão instrumental tecno-científica.
A rede solidária descrita por Mance é uma rede de economia solidária e tem como
fundamento um projeto político fundado numa práxis libertária, autogestionária e
democrática.
A REMA é uma rede solidária nesse sentido. Ainda que não lide com a cadeia de
produção, consumo e comercialização de produtos, tem forte atuação na prestação de serviços
e na produção e fluxo de conhecimentos, trazendo como fundamento um projeto político-
pedagógico cuja raiz assenta-se exatamente na práxis libertária, autogestionária e
democrática, subentendendo-se como contraponto aos pilares da modernidade
contemporânea.
Esse projeto político-pedagógico pode ser observado principalmente nas relações que
estabeleceu com parceiros e apoios e nas relações que manteve com as escolas,
principalmente com as direções locais.
211

Em primeiro lugar, como disse no capítulo anterior, a REMA sempre esteve aberta às
parcerias e apoios, entretanto, no diálogo que se estabelece pode haver convergência ou
divergência de opiniões. Neste caso, essas divergências/convergências têm muito que mostrar
dos princípios e valores que norteiam as ações da REMA e do seu caráter político.
A REMA, além de ser uma organização social é também política, tanto pela
explicitação de um poder – poder da rede, do coletivo -, quanto pela postura de
descentralização de poder, autonomia, solidariedade e autogestão democrática que vivenciou
no seu cotidiano. Esta organização é uma communitas e nesse sentido, o projeto político que a
REMA procurou desenvolver foi pautado pela responsabilidade pelo outro, pela perspectiva
do diálogo e do encontro. Em certas situações, com parceiros como a Cooperativa 100
Dimensão, este projeto político, explicitado nas falas, nas conversas entre os membros da
REMA e a cooperativa, foi bem recebido e encontrou ressonância. Em outras, como na Escola
da Natureza, o mesmo projeto político apresentou-se como ameaça a um espaço de poder que
aparentemente estava sendo objeto de disputa.
Esta visibilidade da rede causou enfrentamentos, uma vez que esta tem como um de
seus fundamentos o empoderamento pessoal e coletivo na rede e na comunidade, o que bate
frontalmente com a política clientelista local entranhada nos mais diversos níveis da
administração pública. Por isso, o enfrentamento com a Escola da Natureza.. Claro que, num
primeiro momento, a ameaça que a REMA representava para a Escola da Natureza residia
numa simples disputa de espaço – o espaço de existência da rede ou da gestação da rede no
Distrito Federal. Mas ambos os lados colocaram-se em posições inatingíveis, dados os
projetos diferenciados, tanto do tipo de rede (institucional e não-institucional) quanto de
orientação política.
Do ponto de vista da formação política da REMA, um acontecimento importante foi
esta não conseguir olhar para a Escola da Natureza sem deixar de ver a Secretaria de
Educação do Distrito Federal e a política que ela representava - clientelista, fisiológica,
centralizadora e autoritária. Foi impossível naquele momento para os membros da REMA
desvencilharem-se dessa representação política, dada a vivência que tinham em suas escolas e
com a própria burocracia da Secretaria de Educação. Esta vivência, mesmo que sentida de
forma diferenciada por cada um dos integrantes da REMA, fazia parte do mundo de cada um
e os definia enquanto sujeitos políticos inseridos no contexto da educação pública formal no
Distrito Federal.
212

Por outra, a própria Escola da Natureza adaptou-se à política da Secretaria de


Educação, ao iniciar a construção da a REA-DF (Rede de Educação Ambiental do Distrito
Federal) pelo caminho burocrático e centralizador. O choque foi inevitável. Se naquele
momento a REMA não tinha ainda explicitado seu projeto político, depois do evento ele ficou
translúcido. As falas dos professores deixavam claro que não entrariam no jogo da
“politicagem local”, nem “seriam engolidos pela instituição”, o que eles queriam “era
trabalhar com a comunidade”, “realizar as atividades de educação ambiental nas escolas”,
“ajudar as famílias dos alunos”, porque “tinha muita gente pobre que precisa de ajuda”,
“que a Escola da Natureza não ia conseguir fazer uma rede como a REMA porque a
Secretaria não ia deixar o poder na mão dos professores e da comunidade”, que “isso não
interessava a eles”.
Cada integrante da REMA tinha seus motivos particulares para divergir da orientação
política e educacional da Secretaria de Educação, mas no geral, a divergência concentrava-se
no centralismo político e no autoritarismo institucional que não dava margem para que as
comunidades escolares pudessem desenvolver suas autonomias – políticas e educacionais.
O mesmo ocorreu com o problema na Escola Olho d’Água. O conflito, desta vez
restrito a um conjunto de participantes da REMA e a uma escola, teve na raiz a mesma
condição política de enfrentamento – o modo de operar da Secretaria de Educação rebatido na
figura da diretora da escola. Neste caso a REMA sentiu o conflito por meio dos colegas que
lecionavam naquela escola e que expuseram o problema ao grupo na tentativa de pensar
soluções possíveis à manutenção dos projetos ambientais em curso na escola.
Apesar do problema inicialmente não ser com a REMA em si, o rebatimento
aconteceu. O enfrentamento tornou visível a competição ao âmbito da escola entre professores
que participavam da REMA e os demais colegas e a fragilidade do processo de seleção para
os cargos de direção escolar. Da mesma maneira que os integrantes da REMA questionaram a
posição da Escola da Natureza no processo de formação da REA-DF, questionaram a posição
da diretora, que viram como autoritária, centralizadora e realizando na escola uma
administração clientelista, nos moldes da administração pública superior, já que ela “fechava
os olhos” ao cumprimento do horário dos professores e à redução dos horários dos alunos, em
troca de “paz e silêncio” na escola.
A oferta do seminário para os diretores das escolas, através da GRE do Núcleo
Bandeirantes foi uma estratégia política, nova para REMA que até então tinha procurado
213

afastar-se de embates institucionais. Porém em vista dos acontecimentos pareceu a atitude


mais justa a ser tomada, no sentido de esclarecer o papel da REMA junto às escolas e as
possibilidades de apoio aos projetos em educação ambiental. Apesar de não ter surtido o
efeito desejado, esse movimento demonstrou, por um lado, uma maturidade no tratamento dos
conflitos políticos-institucionais, e, por outro, o sentido da ação política como mediação de
relações sociais justas.
Por último, as parcerias que se consolidaram mostram a dimensão política da REMA e
o seu projeto. Uma dessas parcerias é Cooperativa 100 Dimensão. Quando se decidiu realizar
o projeto de coleta seletiva do lixo uma das questões levantadas era qual seria a destinação
dos resíduos. Primeiro pensou-se na empresa Novo Rio Papéis, depois sugeriram a 100
Dimensão. A opção de tecer parceria com a Cooperativa no lugar de vender os resíduos
coletados nas escolas para a Novo Rio Papéis se deu em função dos membros da rede
associarem à Novo Rio Papéis às desvantagens do princípio de mercado como nas seguintes
falas: “eles só querem ganhar dinheiro” e “ainda por cima pagam mal”, além disso, segundo
a REMA a parceria com a Novo Rio Papéis não traria nada novo para as escolas ou para o
processo educativo dos estudantes e que seria preferível apostar na cooperativa local de
catadores, com quem se poderia criar atividades direcionadas à preservação ambiental local,
além de verem a opção de trabalhar com a cooperativa como sendo a mais justa do ponto de
vista social.
Essa opção demonstra um espírito de engajamento em causas ambientais e sociais,
marcando também o tipo de orientação política que a REMA teria daquele momento em
diante. Pois esta opção não era simples de ser tomada, já que a parceria que a rede fazia era
estendida às escolas e a negociação com as direções e os demais professores passava por
explicar porque preferia a troca de serviços (oferta de cursos de reciclagem e
reaproveitamento de resíduos) com a Cooperativa 100 Dimensão - que tinha problemas de
estruturação interna na oferta desses serviços -, à venda do lixo coletado nas escolas para a
Novo Rio Papéis. Este foi um nítido trabalho de mediação política.
Dessa forma, a REMA enquanto uma rede solidária constituindo-se num sujeito
ecológico e ético, atuou politicamente no espaço coletivo da escola e junto à comunidade,
defendendo posições orientadas pela prática da cooperação e responsabilidade social, muitas
vezes em ambientes de disputas onde interesses particularistas, privatistas e clientelistas se
colocavam como empecilho ao surgimento de um diálogo eticamente referenciado, vendo-se
214

dessa forma, forçada a criar outras estratégias de legitimação das ações que desenvolvia,
como, por exemplo, abrir mão da parceria com a Escola da Natureza, buscando outros grupos
que pudessem colaborar nas questões metodológicas referentes à educação ambiental.

6.1.3. A dimensão comunitária

A REMA enquanto rede carrega o espírito da comunidade. Um dos aspectos de uma


rede é exatamente a coexistência da diversidade. Entretanto isso não diz muito a respeito da
qualidade dos laços que são construídos. Aqui comunidade pode ser qualquer coisa e coisa
nenhuma, pois muitas “comunidades” são criadas em rede e se dissolvem no instante seguinte.
Como já foi adiantado, a REMA é uma comunidade no sentido da communitas definida no
capítulo um desta tese, e nesta análise importa apontar os aspectos dessa dimensão
comunitária.
Durante o período de acompanhamento da formação desta rede pude observar em
vários momentos a eclosão dos espaços para o diálogo onde se afirma a pessoa humana.
Espaços que foram possibilitados, primeiro, pela estrutura organizacional de rede, que recriou
a relação espaço-tempo moderna em contraposição à impermanência do tempo e à
fluidificação das relações sociais, mas que somente foram consolidados porque as pessoas
compartilhavam valores comuns (democracia, solidariedade, autonomia individual e coletiva,
cooperação e autogestão), objetivos comuns (atuar junto às escolas e na comunidade na
mobilização em torno de questões sócio-ambientais e buscar alternativas para a melhoria das
condições de vida das famílias em situação desfavorável) e o mais importante - desejavam
que a pessoa humana fosse respeitada na sua singularidade, desejavam que fosse possível
encontrar o outro sem estar em situação de defesa ou ataque, desejavam poder afirmar o outro
e serem afirmados como pessoas e como coletivo. Esse é o diferencial desta comunidade para
outras comunidades. Foi este diferencial – o desejo, que fez com que a REMA trilhasse os
caminhos da solidariedade, da cooperação, da autogestão, da democracia interna. Isto se deu
desde o primeiro momento, quando ainda a REMA não existia de fato, no embrião da rede -
nas conversas com professores da Escola Olho d’Água e do relacionamento que ali se
estabeleceu entre nós. O espaço de diálogo havia surgido, como resposta minha às
215

necessidades dos professores e como resposta deles à minha procura. Este foi um espaço de
confiança e segurança, um espaço de acolhimento no sentido que Levinas postula, sem pré-
conceitos nem preconceitos, apenas abertura ao outro.
Este espaço foi profundamente ampliado no primeiro curso de extensão e a rede se
criou nele, apossando-se dele de forma afirmativa, fazendo dele sua marca, seu objetivo, seu
fundamento, tornando-se uma communitas que pode ser chamada de “comunidade de desejo”,
desejo de ser responsável e justa.
É importante relembrar que a dimensão pedagógica do processo de gestão sócio-
ambiental junto ao grupo da REMA foi marcada pela pedagogia da alteridade e ainda que os
espaços tenham sido criados no horizonte da problemática ambiental, a possibilidade da
relação comunitária existir consolidou-se. A REMA surge como uma estrutura organizacional
coletiva, dotada de identidade própria, ainda que em permanente formação, onde internamente
existem laços de responsabilidade e pertencimento.
Esta identidade coletiva é uma identidade comunitária, onde os conflitos internos são
resolvidos tendo em vista esses laços de responsabilidade que são anteriores a todo e qualquer
conflito que surja dentro da rede. Nos espaços de diálogo, onde se afirmam as pessoas
humanas e onde um saber é construído, desde a oferta do mundo de um ao mundo do outro, os
conflitos tomam a dimensão de temas, ganham exterioridade e podem ser objeto de reflexão,
antes que constrangimentos ou geradores de diferenças e exclusão. Isso define as condições
anteriores da própria comunidade – ali só há espaço para alteridades, não é possível a eclosão
de diferentes e quando ocorre não há conflito - a diferença sai imediatamente da rede, pois se
permanecesse (ou conseguisse fazer isso) não seria instaurado um conflito - que poderia se
tornar objetivo porque oferta ao diálogo -, mas sim uma situação de dominação, de opressão
ou indiferença - inaceitável para toda e qualquer comunidade.
Com este espaço preservado, as parcerias surgiram e se juntaram ao mesmo projeto.
As duas parcerias (Cooperativa 100 Dimensão e o IDA) que acompanham a REMA desde
cedo também primaram pelo mesmo espaço e valores. A rede que se consolidou desta maneira
era uma rede solidária no sentido estrito do termo tendo em seu fundamento a possibilidade
do encontro de alteridades e de relações eticamente referenciadas.
É este espaço (que não é físico) que explica porque mesmo aparentemente afastados
uns dos outros, por motivos pessoais, de trabalho ou outros, em face da necessidade de uns
todos se juntam e se mobilizam.
216

Esta dimensão comunitária da REMA torna esta rede um projeto especial em função
dos desafios atuais vividos globalmente e em função dos desafios locais que ela tem que
enfrentar cotidianamente. A aposta na responsabilidade pelo outro, nas relações éticas
fortalece profundamente a rede no seu âmbito interno, mas torna difícil a possibilidade de
diálogo com o poder público, que opera via de regra, com outros fundamentos para a justiça e
para a política.
Ao mesmo tempo, esta dificuldade se apresenta como desafio para REMA - aprender a
dialogar com o poder público numa relação que preserve seu núcleo ético-valorativo, isto é,
que não seja uma relação de dominação ou indiferença social frente a uma identidade coletiva
que se apresenta, buscando com isso reduzi-la a uma totalidade representada pelo Estado. Isso
não significa, entretanto, encontrar ou construir uma base comum de entendimento, a priori da
relação, mas por outra, lançar uma ponte de comunicação onde seja possível a cada um dos
interlocutores apresentar seu “mundo” e ser ouvido. E isso é um aprendizado para ambos os
lados, cuja condição de possibilidade reside na sensibilidade para ouvir o chamado do outro, a
palavra do outro e com isso instituir um espaço de diálogo. Esta é uma tarefa árdua, mas não é
uma utopia irrealizável, uma vez que a REMA ao longo do seu processo de formação teve a
oportunidade de efetivar diálogos com instituições públicas.
A dimensão comunitária da REMA indica o tom das outras duas discutidas acima – a
educativa e a política: ambas são referenciadas pela alteridade. A educativa pauta-se pela
possibilidade de um processo que tenha como ponto de partida as singularidades humanas e
ambientais, referenciando um conhecimento e um saber a ser elaborado e posto em circulação
na rede. A política surge como ação de mediação para justiça social e ambiental, pressupondo
a possibilidade do discurso ético entre alteridades irredutíveis, fundamento da relação
comunitária. Por isso é que tendo o diálogo sido inviabilizado nas situações onde a REMA
teve sua identidade coletiva negada, a ação política (no sentido da mediação para justiça) não
pode acontecer, restando em seu lugar o afastamento, mesmo que temporário, dessas
situações. Esse afastamento não é simplesmente uma preservação frente ao “diferente”,
definido a priori, mas ao contrário, a constatação, desde uma abertura para o outro, que o
outro não pode dialogar, porque se coloca numa condição competitiva, excludente ou
autoritária. Nesses termos, já diria Paulo Freire, não é possível diálogo.
Os afastamentos que a REMA teve que realizar causaram frustração, porque foram
desencontros, mas mesmos estes tiveram seu caráter construtivo, no sentido de demandar da
217

REMA a criação de novas estratégias de atuação política e social, dentro e fora da rede. Nesse
sentido, possuem também um caráter educativo e como não poderia deixar de ser, formador
da própria rede, ao por em questão seus fundamentos ético-valorativos e seu modo de operar
socialmente.

6.2 O FIO DA NAVALHA – RELAÇÕES ENTRE A PESQUISADORA E A REMA

Como disse no capítulo anterior, minha presença na REMA deu-se em duas formas
distintas – como participante do pacto de ações delimitado pelo grupo e como pesquisadora.
Entretanto, esta participação na REMA com integrante do grupo estava marcada pelo
processo de gestão sócio-ambiental que vinha realizando junto com o NGEA/CDS e o
PEAEH –FE da Universidade de Brasília.
Nesse sentido ao abordar a Escola Olho d’Água em fins de 2002 a intenção era buscar
criar condições para o surgimento de mobilização nas escolas e a partir delas, na comunidade.
Esta frente de mobilização com as escolas era tarefa minha dentro do grupo de gestão sócio-
ambiental, uma vez que outros grupos estavam atuando junto aos produtores rurais, junto ao
conselho gestor do parque e fomentando iniciativas de economia solidária – com a base de
sustentabilidade ecológica local.
Do ponto de vista da pesquisa que iniciava, a perspectiva era acompanhar este
movimento de mobilização como um todo, identificando a dimensão pedagógica desta gestão,
nas várias frentes que se abriam. A idéia inicial era procurar criar condições para que as
informações sobre o meio ambiente local e sobre projetos de educação ambiental
desenvolvidos nas escolas pudessem circular na comunidade a partir das escolas, por isso
propus a comunidade e às escolas, especificamente, a criação de uma rede de escolas, como
sendo uma rede de circulação de informação. Entretanto, no fazer da pesquisa-ação, junto
com ao grupo de professores, identifiquei em suas falas a necessidade de se organizarem
internamente, de buscarem conhecer as condições sócio-ambientais locais, de articularem
conhecimentos e realizarem atividades voltadas ao meio-ambiente. Neste momento a pesquisa
tomou outro rumo, assim como minha atuação como gestora e educadora junto ao grupo –
havia percebido em estado de latência uma rede de outra qualidade, baseada não apenas na
218

noção de uma circulação de informações, mas fundamentalmente, de projetos e objetivos


comuns que ligavam os professores. Desse momento em diante passei a agir no sentido de
possibilitar a emergência deste novo sentido de rede, e a pesquisa que inicialmente referia-se a
um processo mais amplo de organização comunitária, ficou restrita ao acompanhamento da
formação desta rede.
30
Dentro da rede que se formava, atuei como hiperconector durante um ano,
assumindo a coordenação que era oferecida pelo grupo.
Dito isso, as duas funções se sobrepuseram, por um lado a pesquisa, e, por outro, a
coordenação do grupo.
Como coordenadora de um processo de organização social, com as características da
REMA, a atuação principal foi no sentido de procurar criar espaços de diálogo dentro do
espaço institucional da escola, muitas vezes marcado por relações autoritárias e
centralizadoras. Os cursos de extensão, assim como os encontros da REMA, tiveram esta
característica, pois ocorreram nos espaços físicos das escolas, desde uma mediação política
com as direções escolares.
Esta função de realizar as mediações políticas necessárias para que espaços de diálogo
possam ocorrer é fundamental em qualquer processo de gestão, cabendo ao gestor realizar
esta mediação. Nesse sentido, minha função de coordenação do grupo explicitou a gestão
política nas questões ambientais e educacionais locais, colocando como sendo fundamental a
uma coordenação da REMA saber fazer essas mediações. Esse foi um processo visível para os
integrantes da rede e, em minha análise, o motivo pelo qual a rede levou um ano para que
uma nova coordenação emergisse, pois a mediação que deveria ser feita supunha a conversa
entre um professor da escola pública e sua direção, e não como acontecia comigo, já que eu
era representante da Universidade de Brasília, não fazendo parte do quadro das escolas locais.
Esta possibilidade de uma coordenação/gestão política passava antes pelo
fortalecimento de uma identidade coletiva diferenciada relativa à escola, à qual um futuro
coordenador pudesse se referir, mantendo o afastamento necessário para que o diálogo e a
mediação fosse possível. Como gestora do processo, não poderia me furtar a cumprir este
papel, demandado pelo grupo, e como pesquisadora deveria observar minha função como
sendo necessária ao fortalecimento dessa identidade coletiva e esperar o momento onde as

30
Hiperconectores são pontos na rede que realizam conexões de maneira mais intensiva comparativamente aos
demais. Também são chamados de “pontos de mil linhas” ou pólos de convergência e irradiação. Para maior
aprofundamento Cf. WWF (2003), cap. 2.
219

novas lideranças assumiriam a rede. Como descrito no capítulo anterior, esse foi o movimento
que ocorreu. Entre agosto de 2003 e agosto de 2004 a rede fortaleceu-se e novas lideranças
assumiram a função de realizar não só os contatos, mas as mediações políticas que eram
possibilitadas, passando a dialogar com o poder público, representando a REMA.
Ao mesmo tempo, esta dupla função trouxe outros desafios: o de observar as relações
internas ao grupo, desde dentro, onde vínculos de ordem afetiva haviam se estabelecido e o de
me afastar das mediações dos conflitos entre membros da rede, procurando não tomar partido.
Esta atitude foi a mais difícil de ser realizada, tanto da minha parte, quanto da parte dos
integrantes da REMA, que nos diálogos estabelecidos demandavam a minha opinião. Difícil
porque, por um lado, existia um espaço aberto de diálogo entre nós que permitia, ou mesmo
demandava a presença para o outro, e por outro, pela relação de confiança instaurada desde o
início que pressupunha que as relações interpessoais e intersubjetivas não seriam
“cosificadas”, no processo da pesquisa, isto é, objeto de minha livre perquirição à revelia do
outro.
Entretanto foi este espaço de diálogo que existia na REMA que permitiu que esta
situação conflitante pudesse ser transcendida, tanto para mim, quanto para os demais
integrantes da rede. Neste espaço de diálogo pude apresentar-me, não apenas como alguém
definido por suas funções no grupo - educadora, pesquisadora ou gestora, mas
fundamentalmente eu como pessoa, e o que eu trazia para o grupo. Dessa forma a confiança
inicial foi revista e passou a ser uma confiança em mim, e não apenas em como eu conduziria
a pesquisa.
Paralelamente, permeando toda esta situação estava o processo educacional construído
coletivamente, onde novamente, eu tinha uma função específica referida tanto ao processo de
gestão sócio-ambiental local, quanto ao fomento à estruturação da REMA.
Por um lado, a função de educadora relativamente às questões sócio-ambientais e à
organização da REMA demandava a construção de um saber ambiental, a partir de uma nova
racionalidade, distinta da razão instrumental, que pudesse dar conta da complexidade que as
questões ambientais locais levantavam. Por outro, era necessário uma pedagogia que tivesse
“rosto humano”, que não fosse apenas um conjunto de métodos e técnicas diferenciadas, mas
que pudesse acolher o outro em sua condição de pessoa.
220

Esta pedagogia, como dito no capítulo dois, foi a pedagogia da alteridade, construída
desde o início como espaço de diálogo e emergência de discurso crítico, referido tanto às
relações interpessoais e intersubjetivas, quanto em relação ao meio ambiente local.
A prática desta pedagogia resumiu-se ao estar presente, a ouvir e responder aos
professores, parceiros e colaboradores, durante os encontros, cursos e atividades; a se
responsabilizar pelo processo educativo e incorporando técnicas e métodos consoantes com a
proposta, como as dinâmicas de grupo, os encontros abertos e o planejamento coletivo de
atividades e cursos. Esta prática inicialmente aberta por mim, como resposta aos professores
em suas necessidades, passou a ser na rede uma prática comum, entre os membros da rede e
entre estes e os parceiros e colaboradores.
Ao mesmo tempo, a partir da necessidade dos professores e do processo de gestão
sócio-ambiental de articular os conhecimentos e práticas em torno de questões ambientais,
esta pedagogia possibilitou a concentração de esforços na discussão temática sobre o
ambiente local e a comunidade, buscando identificar os desafios e criar, a partir de um saber
ambiental, estratégias de ação social e política.

6.3. O ACABAMENTO DE UM BORDADO SOCIAL

As redes em sua generalidade podem reconstruir a relação espaço-tempo


contemporânea, uma vez que são des-hierarquizadas, atuam no princípio de gestão partilhada
e adotam mecanismos de comunicação que possibilitam conexões com pessoas e grupos
distanciados fisicamente. Entretanto, apenas redes com caráter solidário, podem se tornar
espaços de acolhimento da alteridade, desde que tenham em seu fundamento a
responsabilidade pelo outro como anterior à liberdade individual.
Nesse sentido, e somente nesse, é possível falar em communitas, ou em comunidade
ética.
O processo político-educativo da gestão sócio-ambiental no Riacho Fundo
desenvolvido junto à REMA permitiu observar que nesta rede a desconcentração do poder se
dá, por um lado, a partir da articulação de saberes e conhecimentos e por outro pela
coexistência na diversidade, implicando na aceitação da alteridade irredutível. Sobre esses
221

dois pilares esta rede vem construindo a possibilidade de re-configurar a relação espaço-
tempo moderna, auxiliada por suas características intrínsecas de horizontalidade e
conectividade. Nesse sentido, os espaços de diálogo criados pela REMA são espaços de
afirmação da pessoa humana, constituindo dessa forma espaços de relações comunitárias no
sentido da communitas definida no capítulo um desta tese.
A gestão sócio-ambiental levada a cabo no Riacho Fundo possui alguns elementos
trazidos pela REMA que são importantes de assinalar e discutir. São eles:

a) a relação entre a emergência de uma estrutura organizacional como a REMA e


os espaços sociais público-institucionais e da sociedade civil no Riacho Fundo;
b) a relação entre a comunidade e a escola;
c) as políticas públicas para gestão sócio-ambiental, e ,
d) os limites da experiência da REMA no contexto da modernidade
contemporânea.

6.3.1. A emergência da REMA e os espaços sociais no Riacho Fundo

A emergência de uma rede com as características da REMA– não ligada ao poder


público, autônoma e solidária - diz muito sobre o processo de gestão sócio-ambiental naquela
cidade e sobre as necessidades de organização popular que se apresentaram.
Em primeiro lugar está a idéia de confiança que uma organização não vinculada ao
poder público local traz. Isto pode ser atestado na fala da presidente da Cooperativa 100
Dimensão quando diz que a decisão de realizar uma parceira com a REMA deu-se, primeiro,
porque a rede não tinha relação como o poder público local, pois apesar de ser uma rede de
professores, não tinha vinculação com a Secretaria de Educação, e, segundo porque sentiu
confiança na proposta da REMA.
Esta confiança de um lado, significa, neste caso, desconfiança de outro. Ao poder
público local está associada a imagem da mediação política como barganha de interesses
clientelistas e privatistas, subentendendo o outro como mero intermediário para a satisfação
desses interesses. Essa é uma idéia muito comum, recorrente nas falas dos professores da
222

REMA, dos membros da Cooperativa 100 Dimensão e entre alguns moradores do Riacho
Fundo.
Em segundo lugar, a noção de autonomia e solidariedade da rede aporta uma
possibilidade da própria organização comunitária local, que apesar de sujeita à política de
troca de favores pessoais, efetivada pelo governo local, possui espaços abertos para
emergência de um comportamento social e político diferenciado, voltado ao bem estar comum
e à preservação ambiental. Isso pode ser visto não apenas com a formação da REMA, mas
com outras organizações e entidades que se formaram e se mantém no Riacho Fundo
atualmente, como a própria Cooperativa 100 Dimensão.
O que coloca estas duas organizações em condição de comparação são seus
fundamentos ético-valorativos internos, que são muito similares e que justificam a
permanência destes dois grupos atuando ainda hoje no Riacho Fundo.
Outras tentativas, como o Comitê Comunitário do Riacho Fundo, foram frustradas
porque desde o início, estes fundamentos não ficaram claros, ficando resumidos a um
conjunto de intenções particularistas, tanto de moradores quanto de representantes de política
local, reunidas num mesmo bloco de atuação.
Além disso, a influência das práticas políticas trazidas pelos representantes do poder
público local para as organizações comunitárias e populares atua no sentido de minar
processos de empoderamento e organização sociais que poderiam ter outros rumos se não
estivessem comprometidos com um conjunto de valores que são incompatíveis desde a
origem.
Nesse sentido, a experiência da REMA mostra as possibilidades de organização
comunitária num processo de gestão sócio-ambiental que não se deixou contaminar pelos
ditames da política local, preservando ao máximo seu espaço de mediação política eticamente
referenciada. Isso não é simples e talvez não seja prático, porém o que está em jogo é a
aposta numa outra maneira de relacionamento social, e no caso, em novas possibilidades de
trabalho educativo em torno das questões ambientais desde a escola, mas ao mesmo tempo,
procurando formas de não estar a ela referenciada, uma vez que a escola pública apresenta
um modelo de gestão que não prima pelo empoderamento do coletivo escolar, nem pela
criação de vínculos com a comunidade, além de estar sujeita às turbulências políticas da
administração superior.
223

Nesse ponto, é mister diferenciar uma identidade coletiva como a REMA de outras
instâncias sociais como o mercado e o Estado. Na sociedade atual não há maneiras de se
evitar o convívio com o mercado e o Estado. No caso de questões ambientais, em principal, a
gestão de conflitos passará necessariamente pelo debate e disputa nestas instâncias, porém a
sociedade civil precisa encontrar com urgência mecanismos de fortalecimento para o embate,
mecanismos que definam uma identidade social e política que não possa, no jogo da política,
ser desprezada ou ignorada, o que significa não apenas a construção de novas identidades
sociais, como as redes solidárias, mas fundamentalmente, estratégias de legitimação dessas
identidades.
Instituições públicas que deveriam servir para este fortalecimento, preservando o bem-
comum, defendendo o direito do cidadão e do coletivo da sociedade, sofrem a pressão do
mercado capitalista globalizado, correndo o risco de ficarem reduzidas à defesa de posições
privadas nacionais e internacionais, transformando a política em barganha de interesses.
Isso pode ser visto na política ambiental onde as instituições públicas nacionais
sofrem enormes pressões do mercado globalizado e dos interesses privados regionais, seja no
caso das sementes transgênicas e da biodiversidade da floresta amazônica, seja na
transposição do rio São Francisco.
No caso do Distrito Federal, em particular do Riacho Fundo, não é diferente. A
política de assentamento urbano adotada pelo governo local não se pauta pela preservação da
diversidade ambiental, nem observa o bem comum ou o fortalecimento das relações
comunitárias, mas é motivada por interesses privados, econômicos e políticos. Esses
interesses guiam o discurso e a prática do poder público local e cativam famílias inteiras, que
vivendo na necessidade, não têm como não agradecer os lotes que receberam, mantendo uma
relação clientelista e paternalista com o Estado, mesmo que as condições urbanas de vida não
sejam as adequadas, ou que as áreas destinadas para os assentamentos sejam áreas de
relevância ecológica.
Dentro desse contexto político, social e econômico do Riacho Fundo, a REMA pode
atuar no sentido ampliar sua rede incluindo não apenas novos professores, mas moradores,
educadores ambientais, gestores, tecendo parcerias com grupos que também atuam
politicamente na ponta, junto à comunidade, buscando criar novos espaços de diálogo onde o
ambiente local seja trazido à discussão na profusão de visões e vivências e explicitando, dessa
forma, o jogo de interesses que permeia a política local de ocupação do solo.
224

Esta é, na verdade, a perspectiva da REMA, ampliar-se para o contexto da sub-bacia


hidrográfica do Riacho Fundo, incluindo outros núcleos urbanos como Candagolândia,
Núcleo Bandeirantes, Vicente Pires, conectando novos professores, moradores e educadores
ambientais que atuam na área, buscando tecer novas parcerias. Com esta ampliação poderá
ter uma noção mais abrangente dos desafios sócio-ambientais que atingem o contexto urbano
delimitado pela sub-bacia.
A emergência desta rede no processo de gestão sócio-ambiental local mostra a
existência de espaços sociais que podem ser organizados segundo uma nova lógica, distinta
tanto dos princípios que regem o mercado globalizado, quanto da estrutura social
marcadamente competitiva e individualista da modernidade contemporânea.
São espaços banalizados, não apenas no sentido do vocabulário mercadológico (isento
de valor), mas do discurso público oficial que reduz e deslegitima iniciativas locais e
comunitárias por temer a emergência de espaços sociais fundamentados em alteridades reais,
sobre as quais não pode ter controle.
Dessa forma, a emergência da REMA é a realização de uma pequena utopia, de uma
catálise de desejos e da transformação de um espaço, dito menor, o espaço do diálogo, do
encontro e da partilha, em um espaço de ação social.
Estes espaços continuam abertos às emergências organizacionais comunitárias e a
existência da REMA vem mostrar que eles não apenas podem se organizar numa forma
diferente, mas podem, também, se ampliar dentro do contexto social ao qual pertencem.

6.3.2. A escola e a comunidade

O segundo elemento que a REMA traz ao processo de gestão sócio-ambiental no


Riacho Fundo refere-se à relação entre a comunidade e a escola pública.
Como foi já dito, a escola pública no Distrito Federal sofre um processo de
deterioração em suas relações internas, por reproduzir a política local. Nesse sentido,
guardadas possíveis exceções, as escolas deixam muito a desejar quanto ao relacionamento
com a comunidade. Dificilmente um processo de gestão sócio-ambiental que se paute pelo
empoderamento da comunidade e busque a organização comunitária autônoma em torno de
225

questões sócio-ambientais locais encontrará eco nas administrações escolares. As relações


com a comunidade geralmente resumem-se aos encontros festivos (dias dos pais, mães e
festas juninas) ou em realização de bazares.
Dessa forma, a instituição escolar alija-se do processo de participação comunitária
que a gestão sócio-ambiental procura desenvolver pela inabilidade de fazer o poder circular,
já que não possui dentro da escola uma direção comprometida com o estabelecimento de laços
com a comunidade e/ou por não ter um corpo de professores que atue organicamente no
sentido de demandar estas relações.
Quando uma direção escolar procura atuar buscando desenvolver a capacidade
organizativa, tanto dos professores da escola quanto da comunidade local, a gestão ambiental
pode encontrar nessa escola uma parceira importante, pois tem acesso a um grupo
comunitário extenso (alunos e familiares) e ao mesmo tempo lida diretamente com a
dimensão pedagógica. Entretanto essa situação é uma exceção. As escolas, por meio das
direções, justificam essa ausência como devida ao cotidiano escolar, que impede ações mais
efetivas direcionadas à comunidade e porque possuem um cronograma e um currículo a
cumprir, definido a priori. Isso é em parte verdadeiro, mas não justifica a ausência, uma vez
que os parâmetros curriculares nacionais para o ensino fundamental, para o tema transversal
meio ambiente, colocam que por ser a escola uma

instituição social que exerce intervenção na realidade, ela deve estar


conectada com as questões mais amplas da sociedade, e com os movimentos
amplos de defesa de qualidade do ambiente, incorporando-os às suas
práticas, relacionando-os aos seus objetivos. (BRASIL: 1998, p.192)

Nesse sentido, o surgimento da REMA é uma resposta a este estado de deterioração


das relações sociais na escola e à inércia político-pedagógica das escolas frente às demandas
sociais e ambientais locais.
Entretanto, a resposta que a rede traz não é simples nem unívoca. O processo de
formação da REMA, e os conflitos internos e externos que foram observados, mostram que há
ainda um longo caminho a ser percorrido até que se possa dizer que efetivamente esta rede,
atuando no campo escolar, realiza uma nova forma de operar a relação entre a comunidade e a
escola.
226

De imediato surgem duas questões inter-relacionadas, a primeira referida ao modo


como a comunidade é percebida pelos professores da rede e a segunda à maneira como eles
lidam com o conflito entre a identidade coletiva da rede (externa à escola do ponto de vista
institucional) e suas próprias identidades individuais (em parte ancoradas na profissão e na
própria escola pública).
Assim, no processo de formação da identidade da REMA, ficou clara em vários
momentos a necessidade que os professores possuíam de delimitar um campo de atuação
social e político distinto da escola pública, principalmente rejeitando seu modelo de gestão,
descolando-se da ordem institucional pública local. Porém, estes mesmos professores, ao
manterem a docência como referência de suas próprias identidades, deixaram o vínculo com
a escola guiar a forma como se relacionariam com a comunidade.
Nessa perspectiva, apesar de desejarem tecer relações com a comunidade e atuar no
sentido de incentivar novos comportamentos sócio-ambientais, as falas dos professores
deixavam escapar uma visão elitista e distanciada da comunidade e a dificuldade em abrir
mão da postura assistencialista que a política local, rebatida na escola pública, desenvolvia.
Esta situação fica clara na indefinição das responsabilidades e competências referidas
ao âmbito escola-família onde falta o compartilhamento das responsabilidades pelo processo
formativo do aluno. Na verdade, isto não chega a ser novidade, principalmente se
regressarmos ao contexto da modernidade contemporânea, onde espaços banalizados e
temporalidades perdidas criam as condições para a pulverização das responsabilidades sociais
e pessoais. Porém, neste caso, o grave é constatar que a escola pública é um desses espaços
banalizados, onde o Estado e o mercado têm atuado junto à sociedade civil no sentido de
apresentá-la como dispendiosa por um lado e ineficiente por outro.
Nesse discurso de banalização da escola pública, esta vai perdendo o caráter de
formação do aluno, ao introjetar este discurso em suas práticas sociais. A escola pública tem
assumido, quase que pacificamente, a deterioração do seu campo de atuação, resignando-se a
ofertar uma instrução básica insuficiente, aceitando ser vista apenas como um local onde
crianças e jovens permanecem parte do dia e mantendo uma relação paternalista com a
comunidade.
Os professores participantes da REMA, mesmo tendo consciência desse estado de
banalização da escola pública e da relação assistencialista que a instituição escolar mantém
com a comunidade, por meio das famílias dos alunos, não se perceberam reproduzindo a
227

prática de tratar a comunidade como diferença, e como algo referenciado à escola e às


práticas docentes.
Este rebatimento da instituição pública na formação da identidade da rede esteve
durante todo o tempo sujeito às contradições, tanto na fala quanto na prática dos professores.
Na verdade, explicita um aspecto da tensão do crescimento reticulado,31 onde as
individualidades buscam compor uma nova identidade coletiva, negando, por um lado, o
modelo de gestão política da instituição escolar e, por outro, ancorando esta identidade no
conjunto de ideais pedagógicos e de formação que a escola representa ou deveria representar.
Esta formação de identidade coletiva está intimamente ligada, no caso da REMA, à
possibilidade de transcendência, no sentido da superação das ambigüidades de processos que
se sobrepõem – a reavaliação da identidade pessoal de cada um dentro da rede, por um lado e
da própria rede em relação à escola e à comunidade, por outro.
As ambigüidades transparecem no discurso da rede. A REMA é vista como alternativa
à inércia e à falta de apoio e autonomia dentro da instituição escolar, surgindo no vazio de
competências e gestão, apoiando e incentivando projetos voltados ao meio ambiente e
comunidade local. Entretanto, a comunidade está dada a priori, assumida pela lente da escola
pública que a define como indiferente, não participativa e à espera de doações.
Enquanto que dentro da rede, espaços de acolhimento da alteridade foram criados, em
relação à comunidade estes espaços eram, até outubro de 2004, embrionários e pontuais,
como por exemplo, na perspectiva de iniciar experiências de economia solidária com grupos
sociais locais. Estas iniciativas não congregavam a rede completamente, como resultado de
uma reavaliação do projeto inicial, mas como iniciativas de grupos dentro da rede.
A possibilidade de transcendência destas ambigüidades reside, dessa forma, na própria
dinâmica da REMA, na entrada de novos integrantes que não façam parte da estrutura
burocrática da escola e na consolidação da rede como espaço de acolhimento. Dessa maneira,
novos olhares e mundos são benéficos ao processo de formação de uma identidade coletiva
que possa efetivar práticas sócio-pedagógicas eticamente referenciadas, aí entendendo a
relação da rede-comunidade para além do viés escolar.
Nessa perspectiva, a experiência da REMA traz para a discussão sobre os processos de
gestão sócio-ambiental a questão da finalidade desses processos e a função do gestor
ambiental. Esta rede aponta pistas sobre a finalidade – o empoderamento popular por meio da

31
Cf. capítulo 5, p. 161.
228

tessitura de relações sociais não hierarquizadas, cuja gestão é uma auto-gestão dando-se em
espaços de diálogo e acolhimento das alteridades.
O processo de gestão sócio-ambiental, em torno das questões locais do Riacho Fundo,
ao atuar junto às escolas mobilizou os professores, formando núcleos de interesse e apoiando
atividades a serem desenvolvidas com alunos e familiares, dentro da possibilidade que todo
professor possui de autonomia didática. Mas esse atuar teve como linha mestra a construção
dos espaços de diálogo e de acolhimento, por um lado, e a articulação de conhecimentos e
vivências por outro, possibilitando a eclosão de novas formas relacionais na escola. A REMA
surgiu neste processo de gestão sócio-ambiental somado à urgência sentida por professores
em ocupar e transformar os espaços banalizados, tanto na comunidade local, quanto dentro da
escola.
Dessa maneira, se o que se procura passa pela organização comunitária e pela ação
concentrada de esforços em torno de projetos de caráter educativo e ambiental, é necessário
rever o papel do gestor, pois uma tal gestão necessita do incentivo à emergência de redes que
possam envolver a escola pública, ocupando espaços em aberto, transformando-os em espaços
de diálogo.
Estas redes formadas por pessoas, antes que instituições ou entidades, sentirão o
reflexo de cada identidade pessoal na formação da sua identidade coletiva – esse é um
rebatimento que deve ser esperado e não deve ser motivo de frustração, ao contrário, é este
movimento de adaptação/transformação e acolhimento/rejeição, que faz com que a rede se
firme como uma utopia realizável.
A atuação do gestor no fomento à formação de redes de tal natureza não se restringe
apenas a função de hiperconector, aumentando a autonomia dos indivíduos e do coletivo que
se forma, mas passa pelo entendimento de que na gestão, estas redes deverão ser colocadas
em contato com outras redes e grupos, criando uma diversidade de estratégias e possibilidades
de apoio mútuo. Este movimento, mais do que simples gestão de questões ambientais, forma
gestores e educadores ambientais, que atuando politicamente e pedagogicamente abrem
condições de possibilidade para o fortalecimento de identidades sociais e políticas, coletivas e
comunitárias que podem, dessa forma, entrar em debate, ou mesmo disputa, com o Estado e o
mercado.
229

6.3.3. As redes e as políticas públicas para a gestão sócio-ambiental

O terceiro elemento que a REMA introduz para reflexão sobre o processo de gestão
ambiental refere-se à relação entre as redes solidárias e o poder público regional e federal, em
especial as políticas públicas para a educação na gestão sócio-ambiental.
A participação do poder público na formação de uma rede solidária, com as
características da REMA, pode ter uma função construtiva.
Um primeiro aspecto positivo desta participação reside na possibilidade da formulação
de uma política pública que vise à implantação de linhas de formação de gestores e
educadores sócio-ambientais ancoradas em bases éticas, isto é, que não apenas mostre a
necessidade de criar relações sociais comunitárias no sentido da communitas, mas que já seja
em si um tal espaço comunitário, ou seja, a própria formação é espaço para criação de
vínculos sociais solidários mediatizados pelo diálogo que se contrapõe a uma relação espaço-
tempo fluida.
No âmbito da sua formulação, esta ancoragem pode implicar numa outra organização
dentro de uma estrutura formal e burocrática como o Estado, menos centralizada e mais
humana, no sentido da responsabilidade como habilidade de resposta e acolhimento do outro.
Isto significa a criação de novos espaços que preservem as autonomias individuais e coletivas
dos grupos envolvidos e das condições de possibilidade para a realização de mediações
políticas pautadas pela responsabilidade.
Esta formação de gestores e educadores sócio-ambientais voltada ao fortalecimento de
redes de educação e meio ambiente não prescinde das estratégias comumente utilizadas nos
processos formativos: cursos, seminários, encontros e debates. A diferença não está no tipo de
estratégia que se utiliza, nem mesmo na idéia de uma estratégia construída coletivamente, a
partir das necessidades apontadas e das condições sócio-ambientais onde as redes atuam, mas
em como ela surge – se resposta a outrem ou se afirmação de premissas de qualidade e
eficiência em gestão.
Na perspectiva ética, esta dimensão pedagógica é resposta a outrem e, portanto,
necessita ser compreendida como parte da formação continuada das identidades coletivas das
redes, constituindo-se em um dos espaços de diálogo entre estas e o poder público.
230

Nesse sentido, a gestão pública deve ser necessariamente uma gestão democrática e
participativa, que crie mecanismos de reconhecimento e legitimação de redes não
institucionais como a REMA, permitindo a ocorrência de diálogos e construção de consensos.
Esta legitimação é importante para a construção de uma sociedade democrática, pois
redes solidárias podem ser revolucionárias, mas não devem ser clandestinas, nem
menosprezadas no jogo das políticas locais. Como disse antes, a sociedade civil necessita
encontrar mecanismos para se fortalecer no debate político com as instâncias do mercado e do
Estado.
As redes solidárias surgem nesta perspectiva de empoderamento da sociedade civil e a
legitimação destas redes indica uma nova possibilidade de discurso e debate no campo
político. É certo que esta própria legitimação se dá como campo de argumentação e disputa,
entretanto, a flexibilidade e a extensividade das redes permitem que sua legitimação se dê,
num primeiro momento, por sua atuação na sociedade civil, articulando utopias individuais
em construções coletivas dotadas de sentido. Este respaldo social demanda, desta forma, a
legitimidade de forma mais ampla, como um ator social que necessita estar presente aos
debates e deliberações que atingem seu campo sócio-político de atuação.
Essa necessidade de legitimação traz à tona o segundo aspecto da relação entre redes
solidárias e poder público, no que tange aos processos de gestão sócio-ambiental e à
formação de gestores e educadores: o conflito de interesses.
Ora, é razoável perguntar como é possível, por exemplo, na perspectiva ética trazida
pelas redes solidárias, formar gestores e educadores ambientais oriundos de instituições
públicas que desenvolvem uma gestão política clientelista, voltada aos interesses privados.
Ou seja, como lidar nesta formação com o rebatimento das identidades individuais na
formação de uma identidade coletiva diferenciada?
Da experiência da REMA é possível retirar alguns elementos que clarificam esta
questão, como por exemplo, a formação do seu núcleo ético-valorativo, a ocupação de
espaços sociais menosprezados do ponto de vista do capital e do Estado (espaços sem
legitimidade política) e o desejo de relações fundadas em princípios solidários e de
reconhecimento de alteridades.
A rede solidária, com seu próprio movimento de regulação interna, a partir do seu
núcleo ético-valorativo, possui condições para prover os mecanismos de mediação dos
conflitos entre os interesses privados (como por exemplo, o rebatimento da política local nas
231

identidades individuais) e o interesse coletivo da rede. O processo de formação de gestores e


educadores ambientais voltados ao fortalecimento das redes solidárias dá-se neste movimento
de regulação interna das redes. Esta formação relaciona-se com a mudança não apenas no
discurso dos membros das redes, mas também no grau de participação e engajamento em
processos de transformação social.
A legitimidade destas redes a partir do respaldo da sociedade civil introduz a
perspectiva de um novo ator no debate político, significando que não compete apenas às redes
solidárias encontrarem uma solução para o diálogo, mas a todos os envolvidos.
A formação dos gestores e educadores dá-se dessa forma no sentido do esforço em
articular diálogos possíveis, porém lastreados nos princípios solidários e comunitários, no
sentido da communitas. Com isso quero dizer que há uma inversão no sentido da política
usualmente realizada: a abertura para a recepção das alteridades barra as possibilidades de
barganha. Dessa forma, a política e a mediação de conflitos, tendo como um dos atores uma
rede solidária respaldada socialmente, passa a ser entendida como uma mediação para a
justiça, com o outro e com o ambiente.
A formação de gestores e educadores ambientais faz parte do processo de gestão
sócio-ambiental em sua dimensão político-pedagógica. O fomento a esta formação traz, na
perspectiva de redes solidárias como a REMA, a necessidade de se trabalhar pedagogicamente
no princípio de uma pedagogia da alteridade, onde a responsabilidade possui precedência à
liberdade e ao conhecimento.
Este princípio cria as condições de possibilidade para o estabelecimento dos espaços
necessários para que novas relações sociais possam surgir, a partir da re-estruturação das
relações espaço-tempo modernas, da emergência de vínculos de confiança e da elaboração de
um conhecimento que é resposta ao outro.
A noção do tempo é resgatada nesta análise ao se pontuar a necessidade de
permanência que estas redes possuem, e que está intimamente ligada à necessidade de
legitimação, isto é, do reconhecimento da rede como sendo uma organização social que tem
duração e influência no seu campo de atuação.
Esta necessidade de permanência está clara, por exemplo, no caso da REMA. A
urgência em realizar projetos que pudessem ter continuidade na escola e junto à comunidade
foi, desde o início, a grande motivação para que os professores se unissem. Ao mesmo tempo,
232

como disse antes, “a rede tinha um projeto, e o projeto era a rede”32 o que traz a força desta
necessidade de permanecer, de não se liquefazer e de não se perder nas tramas da burocracia
escolar.
A busca pelo reconhecimento e pela legitimidade das ações da REMA também aponta
o receio, sentido pela rede, de se deixar engolir em outras ordens sociais que não inspiravam
confiança, tanto no sentido da permanência, quanto no da possibilidade de manter sua própria
identidade. Isto pode ser observado na qualidade dos conflitos vivenciados pela REMA com o
poder público, conflitos estes relacionados tanto à delimitação de seu espaço de atuação,
quanto à obtenção de reconhecimento.
Dessa maneira, a formação de gestores e educadores na perspectiva das redes
solidárias não poderá deixar de conter as contradições e os conflitos dos rebatimentos
individuais. É possível que no processo pedagógico da formação destes gestores, alguns
desistam ou saiam temporariamente, retornando em outro ponto da história. O que é
importante, contudo, não é a permanência de cada indivíduo dentro do coletivo – ainda que
isso seja muito desejável, mas a permanência do processo, a permanência do espaço de
acolhimento, a permanência do espaço de communitas. Este é o aspecto positivo, real e
concreto que uma rede solidária pode ofertar – o espaço de comunidade que se refaz
continuamente e que permanece aberto aos que quiserem dele fazer parte.
Dessa forma a questão da continuidade se faz pertinente neste vínculo de confiança
que o espaço de communitas possibilita e que pode e deve ser criado para que alguma
mudança no comportamento dos indivíduos se faça sentida, ou melhor, revelada por ele no
acolhimento do processo de formação.

6.3.4. Os limites da experiência da REMA no contexto da modernidade contemporânea.

Do ponto de vista dos limites da experiência da REMA, o relacionamento com os


poderes públicos apresenta-se como seu maior desafio, pois o fundamento do diálogo
encontra-se numa perspectiva ética que infelizmente parece muito distante do cotidiano das
instituições públicas. Realizar este espaço de encontro entre redes solidárias fincadas na

32
Cf. capítulo 5, p. 148.
233

perspectiva da responsabilidade pelo outro e instâncias públicas é, na verdade, a formulação


de uma nova utopia, uma transformação que se dá pela ocupação de espaços sociais abertos e
esquecidos, transformando-os em espaços de relações comunitárias no sentido da
communitas.
No campo das políticas locais do Distrito Federal, a experiência da REMA aponta esta
dificuldade de dialogar com os poderes públicos. Por um lado, a rede vivenciou o reflexo das
identidades individuais dos professores de escola pública na formação de sua identidade
coletiva, tornando, de início, distante a possibilidade de diálogos com instâncias da Secretaria
de Educação, por exemplo. Por outro, este distanciamento forçou a revisão de certos
parâmetros internos o que, retroagindo na rede, possibilitou a elaboração de algumas
alternativas para dialogar com o poder público.
Os conflitos vivenciados na rede foram fundamentais para se compreender como é
possível preservar espaços de vivência comunitária dentro da modernidade contemporânea.
Estes espaços foram resposta à imediatez das relações sociais, à negligência e ao
individualismo. Ao mesmo tempo, não estão desconectados da sociedade, fazendo parte de
um conjunto de relações sociais onde instâncias do mercado e do Estado se fazem presentes
como atores nas arenas dos debates políticos, econômicos e sociais.
A questão limite que a REMA aponta é, na verdade, reflexo de um movimento mais
amplo, sentido nas sociedades ocidentais – a relação entre o Estado e a sociedade civil, onde
novas formas de organização social se fazem necessárias para uma adequada gestão pública.
Nesse sentido, a questão da participação social é revisitada para atender as demandas de
horizontalidade na relação entre e o poder e a sociedade civil. O processo de regulação social
passa por alterações fundamentais onde as estruturas piramidais e autoritárias possam dar
lugar a redes interativas. Essa passagem, ainda que visível no movimento do capital e na
sociedade civil de forma geral, permanece distante da estrutura burocrática do Estado. O
Estado ainda tateia no escuro buscando novas formas de governabilidade.
A experiência da REMA mostra que não é fácil realizar diálogos ou mediações
políticas voltadas à instauração da justiça, mas que o diálogo é também um espaço de
aprendizagem, de reconhecimento e legitimação dos atores envolvidos. Nisso, tanto o Estado
quanto as redes aprendem a se fazerem – o primeiro encontrando espaços descentralizados,
democráticos e flexíveis que podem servir de contraponto à cultura político-administrativa
baseada na noção ultrapassada de ordem, e, as redes afirmando seu espaço de atuação quanto
234

à natureza e finalidade na gestão social. Esse encontro entre Estado e redes solidárias pode,
dessa forma, contribuir para um processo de re-estruturação rumo a uma governabilidade
participativa e democrática.
A experiência da REMA ainda mostra que redes solidárias necessitam buscar respaldo
na sociedade civil de onde emergiram, por meio da ampliação de seu campo de atuação. Isso
significa, no vocabulário das redes, conectar novos grupos e indivíduos, como cooperativas,
ONG’s e associações, articulando projetos e ações comuns, como a experiência da economia
solidária e a colaboração em projetos da Cooperativa 100 Dimensão, por exemplo.
Esta ampliação do campo de atuação social é fundamental para a legitimação da rede
solidária como uma organização social diferenciada, sem perder sua autonomia.
É certo que momentos de negação de diálogo podem ocorrer e para isso não há uma
solução pronta, mas sempre será possível denunciar claramente a negação colocada,
chamando à responsabilidade e dissolvendo os discursos de homogeneização social e de
estabelecimento de ordens ultrapassadas e autoritárias.
Para tal atitude, a rede necessita se compreender como um espaço solidário e de
acolhimento de alteridades, onde sua identidade coletiva se forma, se reforma e se transforma
constantemente na dinâmica da elaboração de pactos internos e externos. Não sendo dessa
maneira, os pactos que se estabelecem não permanecem no processo de formação da rede e
esta corre o risco de se dissolver. O importante, como já disse antes me referindo ao processo
de gestão sócio-ambiental, não é tanto a permanência de todos os indivíduos e grupos, ou
mesmo a mensuração de certo nível de participação e engajamento, mas a permanência do
processo de tecer novas relações sociais balizadas em princípios frontalmente distintos
daqueles apregoados pela modernidade globalizada. Esta permanência é fundamental na
criação de novas expectativas de vida humana e de relacionamento com o ambiente.
É esta inversão do tempo, que remete à duração das ações e projetos, somada á
abertura a outrem, que se consubstancia no que há de mais original na experiência da REMA.
Esta temporalidade permite o estabelecimento do encontro da abertura para o outro que se faz
como sensibilidade e bondade. Uma palavra que ficou ausente em todo o texto desta tese faz-
se agora presente: paciência. Não vejo como é possível ter paciência - sentido de espera e
continuidade - se não se vive um tempo diferente, um tempo que permite a espera porque se
sabe existindo. Esta paciência associada ao acolhimento do outro jamais será sinônima de
resignação ou de espera com os braços cruzados (de braços cruzados não é possível acolher
235

ninguém), e nessa perspectiva esta paciência é ação de transformação social, de ruptura com
os pressupostos modernos discutidos nos primeiros capítulos.
Dessa forma, o espaço ocupado pela REMA na organização social local, foi um espaço
que estava disponível, escondido do mercado e desprezado pelo poder público, pois foge do
controle externo e não pode ser dominado, pois depende apenas do desejo e do engajamento
dos envolvidos.
Redes como a REMA podem, contudo, se extinguir, mas podem da mesma maneira se
refazer em outro local e contexto, bastando apenas que um dos integrantes se abra ao diálogo
com um outro e criem um espaço de oferta àqueles que queiram participar.
Assim, é tanto um espaço de conflitos e de mediações, como um espaço de dádiva, de
cooperação e de desejo.
Nesse espaço a REMA fez sua casa, uma casa em forma de rede.

GE DF
236

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245

ANEXOS
246

REMA RIACHO FUNDO – Rede de Educação e Meio


Ambiente do Riacho Fundo
NEGEA/CDS-UnB – Núcleo de Educação e Gestão Ambiental/
Centro de Desenvolvimento Sustentável - Universidade de Brasília

Julho de 2003
247

PARTE II

5. A organização da rede: encontros, falas, curso de extensão

A REMA Riacho Fundo começou a surgir a partir de encontros periódicos realizados


nas várias escolas públicas do Riacho Fundo I e II contando com a participação de professores
locais e de pesquisadores da Universidade de Brasília.
Foram visitadas 9 escolas da XVII Região Administrativa de Brasília, e dessas,
professores de 6 escolas interessaram-se em organizar um trabalho coletivo voltado às
questões socais e ambientais locais. Durante 4 meses foram realizados vários encontros em
cada escola com os grupos, buscando compreender a realidade da escola, do trabalho docente,
do histórico dos alunos e da relação escola-comunidade. Uma das condições levantadas para a
organização do trabalho era o conhecimento da região, o que apresentou-se como problema,
pois boa parte dos professores do grupo tinham dificuldade em tratar assuntos relativos às
questões locais, principalmente os aspectos ambientais, pois desconheciam a região. Os
encontros então evoluíram para a realização de um Curso de Extensão cujo objetivo era
permitir o reconhecimento das condições locais – sociais, econômicas e ambientais para que
fosse possível elaborar um projeto da rede voltado para a realidade socio-ambiental da região.
O curso de extensão teve duração de três meses e iniciou-se com uma discussão sobre
a questão ambiental – histórico e desafios, passando a discutir a realidade local, em especial a
Bacia Hidrográfica do Paranoá e a Sub-bacia do Riacho Fundo, incluindo aspectos da
fitofisionomia do cerrado.
Temas como impacto urbano sobre a biodiversidade local e os aspectos sociais e
ambientais locais foram tratados através de visitas de campo.

As visitas de campo: levantamento de dados, fotos e relatórios


Durante o Curso de Extensão realizado junto aos professores da REMA Riacho Fundo
foram organizadas duas visitas de campo com objetivo de servir de diagnóstico dos problemas
locais.
A primeira atividade foi uma Trilha Urbana em área do Riacho Fundo II. A quadra
escolhida foi a QN 08 por apresentar contrastes econômicos, campo de visão para a região do
Parque Ecológico do Riacho Fundo e uma Associação de Carroceiros.
O objetivo da Trilha Urbana foi promover o contato dos professores com os principais
problemas oriundos do impacto urbano sobre a biodiversidade local, buscando detectar as
condições sócio-ambientais das famílias moradoras da região do Riacho Fundo.
A segunda atividade foi uma Trilha no Parque Ecológico do Riacho Fundo, tendo
como objetivos apresentar o Parque aos professores, uma vez que boa parte destes não
conhecia o parque, identificar as fitofisonomias do cerrado e as condições do Córrego do
Riacho Fundo.
Os professores da REMA Riacho Fundo organizaram os roteiros de observação e
produziram relatórios de campo com a intenção de identificar os elementos locais relevantes
para a contextualização do projeto da REMA.

a. Dados do Relatório da Trilha Urbana

• Data: 17 de maio de 2003 – sábado pela manhã.


248

• Concentração: Sub-Administração do Riacho Fundo II: Discussão do trajeto a ser


percorrido na trilha.
• Local escolhido: QN 08 E e QN 08 F Riacho Fundo II

No caminho para a quadra escolhida encontramos uma área à margem da rua utilizada
como depósito de lixo. A área é contígua à cerca da EMBRAPA Sementes e recebe resíduos
orgânicos e restos de material de construção. A partir dessa observação discutimos o processo
de consumo na atualidade moderna, os bioindicadores de degradação do solo encontrados na
área, como o surgimento da mamona e a importância do tema para o trabalho docente.
Ao chegar na quadra encontramos várias baias de uma extinta Associação de
Carroceiros. No local encontramos o Sr. Raimundo, carroceiro, residente em Brasília desde
1974, vindo do Rio Grande do Norte e morador do Riacho fundo II há sete anos, vindo da
invasão do Condomínio Privê. Segundo a asociação tinha em torno de 36 carroceiros.

Raimundo: Na época que nós mudemos prá cá tinha isso aqui tinha até
documentação, tudo arrumado aqui. Aí foram bagunçando, foram bagunçando,
sabe? Aquele que era administrador vinha, é.., certo? Aí, pronto, virou esse
negócio aí.
Entrevistador: Mas quem bagunçou? Foi o governo?
Raimundo: Não, é o.., né?, você entende bem, né? O cara, vamos dizer, eu aqui é
o secretário, aí o outro é o outro, aí o outro é outro (...) aí pronto, cortaram. Aqui
tinha luz tinha gambiarra, tinha água, tinha tudo.
....
Vão tirar. Vão botar nós aonde?
...
Eu tô com vinte cavalos roubados. Não é brincadeira.

Segundo ele, não há cooperação entre os carroceiros e a administração regional na


busca da solução dos problemas, tais como usuários de drogas nas baias, regularização de um
local para colocar as baias, regularização do trabalho. Não há liderança no grupo, apesar do
grupo reunir-se eventualmente.
Depois dessa entrevista, fizemos uma rápida análise de alguns tópicos relevantes com
o auxílio do mapa ambiental do Distrito Federal, datado de 2000, observando aspectos da
vegetação nativa e do relevo. Foi possível observar que a vegetação nativa do local foi
substituída por uma grama invasora. Ainda com o auxílio do mapa, percebemos que a área
destinada para a implantação do assentamento encontrava-se dentro Faixa de Proteção
Ambiental.
Na QN 08 a equipe foi dividida em 03 grupos. Cada grupo realizou um conjunto de
entrevistas com moradores e comerciantes locais. Na visita foi possível observar diferenças
qualitativas nos imóveis construídos no local: casas de dois pavimentos dividindo a mesma
rua com casebres onde residem mais de uma família. A água servida corre em certos trechos
da rua e o lixo pode ser observado em áreas comuns e descampados, apesar dos moradores
entrevistados terem dito que há coleta de lixo na comunidade em dias intercalados.
As ruas dessa quadra são asfaltadas, mas falta meio fio, calçada em alguns trechos e
canalização de águas pluviais o que acarreta, no tempo das chuvas, ao acúmulo de água em
algumas casas.
Não há arborização. Nem praças ou pequenos parques. As áreas não asfaltadas são de
terra compactada.
249

A região possui transporte coletivo, que passa nas avenidas principais. A água
utilizada é oferecida pela CAESB e atende a demanda da comunidade. O comércio resume-se
a serviços básicos, mas está em expansão.
Sobre a saúde, os entrevistados colocam que contam com um posto de saúde que
constantemente não tem atendimento por falta de profissionais.
Sobre a escola, os entrevistados não crêem que o número seja suficiente. Não há
escolas de nível médio.
Para os entrevistados a segurança é precária: os moradores estão insatisfeitos pela falta
de rondas preventivas.
Não há atividades de lazer e cultura. Os moradores entrevistados ou não conhecem o
Parque Ecológico do Riacho Fundo, ou se conhecem, não compreende sua importância.

b. Dados do Relatório da Trilha no Parque Ecológico do Riacho Fundo

• Data: 07 de junho de 2003 – sábado pela manhã.


• Concentração: Zona Rural do Riacho Fundo, próximo a Colônia Agrícola Sucupira

Durante a concentração, foi dada orientação, pelo guia e pela Brigada Ecológica do
Riacho Fundo, sobre os procedimentos de segurança que seriam adotados no decorrer da
trilha. Uma rápida atividade de alongamento foi realizada antes de iniciar a caminhada.
O grupo foi então dividido em 4 grupos menores, para anotações e recolhimento de
amostra de água do Córrego do Riacho Fundo em pontos diferentes para posterior análise.
O grupo seguiu em fila e nos lugares que ofereciam para travessia os participantes foram
auxiliados por corda e pela equipe da Brigada.

I. O Parque Ecológico

1. O início da caminhada e as condições do córrego

Ao realizar a trilha ecológica, diversos fatores de degradação ambiental foram observados.


A trilha segue margeando o riacho, a princípio a água parece limpa, mas logo se nota uma
área com as margens do córrego desbarrancadas e um acúmulo de dejetos (isopor, pneus,
garrafas, madeiramento de construção, metais, plásticos, papéis, etc.) provenientes da área
urbana trazidos principalmente pela enxurrada dos períodos de chuva. Nota-se também que
esses dejetos barram o fluxo normal das águas, ocasionando um trasbordamento e ampliando
o campo de poluição às margens do rio. A área analisada é nitidamente degradada pela ação
antrópica onde foram encontrados resíduos de fogueira, lixo e algumas árvores com sinais de
golpes de facão ou instrumentos cortantes.
A água do córrego, apresenta cor escura e odor forte e desagradável. Em alguns pontos de
pouca circulação da água, encontram-se espumas formadas por materiais desconhecidos e
provavelmente oriundos da ETE (estação de tratamento de esgotos) que situa-se próxima ao
trecho da trilha escolhido, cujo esgoto tratado é lançado nessas águas, indo desaguar no Lago
Paranoá. Não foram vistos peixes nesse trecho do córrego, apenas alguns tipos de moluscos
adaptados à sua situação de poluição. Durante o percurso foram observadas pequenas quedas
d’água, elementos importantes para a oxigenação da água.
Durante algum tempo, o córrego foi usado para o despejo das vísceras de porcos que eram
abatidos numa pocilga próxima, através de uma vala de concreto construída entre o local de
abatimento e o córrego.
250

Foi possível ainda observar que com a força das águas pluviais, muitas árvores de grande
porte foram derrubadas sobre o riacho, criando anteparos naturais, represando grande parte do
lixo que as enxurradas trazem para o córrego.

2. A vegetação de galeria do Córrego do Riacho Fundo

Ao entrar no parque nota-se a presença de vegetação típica de mata de galeria, podendo


ser encontradas algumas espécies mais conhecidas como angico, samambaias, serapilheira,
mamica de porca, ingá, entre outras. Existem algumas clareiras devido à degradação e
algumas árvores mortas. Nos locais onde as árvores eram muito altas e suas copas
entrelaçavam-se encontra-se pouca vegetação rasteira e pouca presença da luz solar. Nos
locais onde as árvores estavam caídas percebe-se uma grande quantidade de vegetação
rasteira e árvores em crescimento, que sinalizam a riqueza de nutrientes ali depositados.
Mesmo com a influência antrópica, a natureza se recompõe na medida do possível.
Em alguns pontos das margens do córrego, identifica-se a presença de mamonas, vegetação
típica de solo lixiviado ou área degradada. A alta umidade relativa do ar no percurso, favorece
o surgimento de fungos e liquens na vegetação da região, sendo um bio-indicador de boa
qualidade do ar.
O latossolo identificado possui cor escura e de profundidade considerável, ao longo do
curso do córrego. O solo apresenta composição aluvial, formando um novo solo sedimentar.
Em toda a trilha foram ouvidos poucos pássaros, poucos vestígios de presença de animais,
como pegadas, trilhas ou pelos. Os que foram percebidos, como pelos, foram recolhidos para
analise. O cerrado é rico em variedade de espécies animais, porém dada a proximidade do
trecho escolhido com as áreas urbanas, as espécies podem Ter migrado para áreas mais
distantes do homem.

II. As áreas externas ao Parque Ecológico do Riacho Fundo

1. A estrada que atravessa o parque e une Riacho Fundo I ao Riacho Fundo II

As áreas próximas ao parque apresentam resíduos de plásticos, madeiras, entulhos e lixos


domésticos. A ação antrópica e desarmoniosa contribui para a destruição e devastação das
áreas limítrofes ao parque. Dentro de suas limitações, existe uma estrada reunindo o Riacho
Fundo I ao II prejudicando a vegetação natural, afastando a fauna local com o movimento de
carros e pessoas e comprometendo o curso e o desenvolvimento de algumas nascentes que
estão em seu trajeto.
Pouco mais de 60% do parque encontra-se cercado, aguardando mais recursos e menos
burocracia para atender a preservação total de sua área. A vegetação local encontra-se pouco
preservada ou substituída por outro tipo não original do cerrado. Algumas áreas possuem
pastagens cultivadas e adaptadas para suprir a alimentação dos animais que foram criados em
épocas anteriores, como pasto para os cavalos dos carroceiros.

2. Os condomínios e chácaras próximas ao parque

As chácaras localizadas na área do parque ocupam pontos onde o solo é mal trabalhado
utilizando-se de técnicas rudimentares e sem maiores cuidados tornando-o pobre e vulnerável
à ação de enxurradas e do intemperismo.
251

O tipo de cultivo realizado pelos chacareiros inclui, na maioria das vezes o uso de técnicas
e insumos agrícolas que contribuem para a contaminação do solo, atingindo os lençóis de
águas subterrâneas que afloram para superfície.
No ponto mais acima da estrada, próximo ao Instituto de Saúde Mental, encontramos uma
área onde se pretende construir um mirante para observação do parque. Deste ponto é possível
observar uma vista panorâmica do parque e perceber que a paisagem urbana predomina sobre
a paisagem natural. É possível ver de um lado, uma pequena área verde que corresponde ao
parque e a cidade que avança ameaçadoramente.
No retorno ao ponto inicial da trilha, rodeando a mata, foram encontradas uma nascente à
beira da estrada e uma cobra coral falsa atropelada e morta. Também foi possível perceber a
presença de invasão de chacareiros ao redor do parque.

Meio Ambiente Local: Parque Ecológico e o Córrego do Riacho Fundo

7.1. Contexto das ações, do cotidiano escolar e identificação dos problemas

Os assentamentos Riacho Fundo I e II foram criados na década de 90 para pessoas de


baixa renda vindas de várias localidades do Distrito Federal e de outros estados da federação.
Na região escolhida para os novos assentamentos já existiam algumas colônias agrícolas,
surgidas na época da construção de Brasília. Toda a área, rural e urbana passou a se constituir
como região administrativa, a XVII Região Administrativa de Brasília. Grande parte dos lotes
urbanos foram doados pelo governo local para pessoas que não tinham residência própria,
vivendo em invasões, tais como as invasões da ENCOL, Condomínio Privê, no lixão da
Estrutural entre outras. Tiveram prioridade no recebimento de lotes, famílias cujos membros
apresentassem algum tipo de deficiência (mental ou física).
Lotes também foram comprados através de cooperativas, como a Cooperativa dos
Rodoviários.
Um grande número de famílias são sustentadas apenas pelas mulheres – boa parte
das crianças não conta com a figura do pai presente na estrutura familiar. Além disso, as
famílias apresentam problemas diversos, comprometendo os laços afetivos familiares entre
eles: alcoolismo, violência doméstica, abusos, uso de drogas, prostituição e gravidez precoce.
Inicialmente esses assentamentos não ofereciam condições de infra-estrutura para
abrigar as famílias que continuaram a sobreviver em condições sub-humanas o que ocasionou
a venda de muitos lotes por parte de alguns proprietários, caracterizando o ciclo da política
habitacional do Distrito Federal: “ ganho, vendo, invado, ganho de novo”.
Atualmente, contudo, Riacho Fundo I e parte do Riacho Fundo II já possuem infra
estrutura básica, com ruas asfaltadas, escolas, comércio local e casas de alvenaria. No entanto,
ainda encontramos áreas onde o quadro inicial permanece, e onde as famílias vivem de
benefícios do governo local, como cestas básicas, programa Renda Minha (em substituição ao
Bolsa-Escola do governo anterior), vale-leite, entre outros. Esse assistencialismo acentuado
dificulta as iniciativas de desenvolvimento local sustentável e a mobilização dos moradores
para o engajamento por mudanças nas condições de vida.
Riacho Fundo se localiza numa área dotada de atributos naturais relevantes,
protegidos por uma APA e ARIE que visam proteger a diversidade biológica, disciplinar o
processo de ocupação humana e assegurar a sustentabilidade dos seus recursos naturais.
No entanto, o surgimento da cidade tem contribuído fortemente com uma pressão
antrópica e a eliminação de trechos com formações nativas, comprometendo a qualidade de
vida das populações humanas locais.
252

No cotidiano escolar dos professores da REMA Riacho Fundo são identificadas


inúmeras dificuldades, tanto do ponto de vista da aprendizagem dos alunos, quanto das
condições sócio-econômico-ambientais nas quais vivem suas famílias. Some-se a essas
dificuldades o excesso de burocracia escolar, a falta de recursos materiais e a pouca interação
entre a escola e a comunidade.

Entre os desafios mais comuns destacamos:

1. A ausência de participação das famílias nas atividades escolares e no


acompanhamento escolar dos seus filhos;
2. Des-responsabilização da família perante a educação de seus filhos: processo de
transferência de responsabilidade para a escola.
3. Ausência de cuidados na família em relação à higiene pessoal dos alunos;
4. Ausência de cuidados na família em relação à conservação dos materiais
escolares dos alunos;
5. Alto índice de reprovação entre as séries iniciais, podendo-se encontrar alunos
com mais de doze anos ainda sem saber ler ou escrever;
6. Falta de pré-requisitos: os alunos progridem para séries superiores sem o
aprendizado adequado anterior;
7. Dificuldade dos alunos em concentrar-se nos estudos e desinteresse pelo
aprendizado;
8. Dificuldade dos alunos em elaborar o pensamento e desenvolver o raciocínio
lógico;
9. Presença de deficiências visuais e de fala;
10. Conteúdo escolar inadequado à realidade local;
11. Sintomas de baixa auto-estima, agressividade e violência nos alunos;
12. Uso de drogas e álcool pelos alunos;
13. Desenvolvimento precoce da sexualidade;
14. Ausência de sentimento de cooperação e solidariedade entre os alunos;
15. Presença de preconceito religioso e social entre os alunos e suas famílias;
16. Ocorrência de ações de depredação do meio ambiente por parte dos alunos;
17. Ausência de cuidado com os locais de uso comum;
18. Convivência com o lixo;
19. Ausência de projetos voltados à realidade local que possam motivar os alunos e
engajar a comunidade e os professores na melhoria das condições gerais de vida.

7.2. Valores a serem desenvolvidos e incentivados

O projeto da REMA Riacho Fundo: Parque Ecológico e Córrego do Riacho Fundo


procura, a partir da identificação dos problemas sócio ambientais locais, desenvolver e
incentivar por meio das suas ações com professores, alunos e grupos locais os seguintes
valores humanos:

1. Auto estima
2. Afetividade
3. Cooperação e solidariedade
4. Responsabilidade
5. Cuidados pessoais
6. Disciplina escolar
253

7.3 Objetivos Específicos do projeto

a) Estabelecer mecanismos de conscientização da necessidade de preservar o meio


ambiente, sensibilizando sobre a importância da educação ambiental dentro da
comunidade;
b) Promover a troca de conhecimento e informação, práticas e contexto, entre a escola e a
comunidade local, buscando a integração Escola-Comunidade;
c) Desenvolver ações interdisciplinares para a melhoria do ensino-aprendizagem dos
alunos;
d) Desenvolver atividades coletivas na REMA para o trabalho docente junto às escolas e
a comunidade;

7.4. Atividades propostas: escola e comunidade na concepção de rede de colaboração


solidária – subprojetos

A partir dos objetivos propostos e dos valores humanos a serem incentivados pelo projeto
da REMA, organizamos um conjunto de ações a serem desenvolvidas:

1. Organização de um Fórum para a REMA Riacho Fundo apresentar seu projeto para a
comunidade.
2. Organização de grupos de estudos e cursos de capacitação para os professores da REMA
Sub-projetos:

1. Sub-projeto "Coleta Seletiva de Lixo nas Escolas".


2. Sub-projeto "Horta"
3. Sub-projeto "Saúde Mental e Física na comunidade"
4. Sub-projeto "Arte e vida" - com apresentações de teatro e filmes.
5. Sub-projeto "REMA Trilhas" - visitas de campo em áreas do Parque Ecológico do Riacho
Fundo
6. Sub-projeto "Riacho Fundo em Debate" - encontros e palestras sobre questões locais, tais
como, urbanização, condições do meio ambiente, as instituições locais e seu papel no
desenvolvimento sustentável da região, entre outros.
7. Sub-projeto " Escola e Rede" - encontros para debater novas perspectivas coletivas de
trabalho docente.
8. Sub-projeto "Gincana e Feira Ecológica"
9. Sub-projeto "Jornal REMA VIRTUAL"

Oficinas:

1. Oficina "Limpeza e Higiene Pessoal" - com informações e produção de sabonetes, sabão,


xampu e similares para a comunidade
2. Oficina "O Fantoche e a Música" - produção de fantoches e instrumentos musicais a partir
de reciclagem de materiais. Apresentação de peças elaboradas pelos alunos.
3. Oficina "O luxo do lixo" - produção de artefatos (domésticos, brinquedos) a partir da
reciclagem do lixo: papel reciclado, vidros, garrafas pet, etc.
254

7.5. Necessidades para o desenvolvimento das atividades propostas: parcerias,


cursos, visitas de campo

As atividades acima descritas demandam, num primeiro momento, capacitação de


participantes da REMA, tanto no que tange às questões sócio-ambientais e novas dinâmicas
para o ensino-aprendizagem, como nos temas específicos de alguns sub-projetos, como por
exemplo os projetos "Horta" e "Coleta Seletiva de Lixo". Essa capacitação será viabilizada
pela Universidade de Brasília em parceria com outras entidades, tais como EMBRAPA e Sem
Dimensão - Cooperativa de Coleta e Reciclagem de Lixo, por exemplo.
Além disso, a REMA entende que é necessário conhecer as condições locais mais
aprofundadamente, necessitando, portanto, de realizar novas visitas de campo em locais como
a Estação de Tratamento de Esgotos da CAESB - ETE Riacho Fundo, Usina de Tratamento de
Lixo, além de realizar novas trilhas no Parque Ecológico do Riacho Fundo acompanhando o
córrego do Riacho Fundo.
Para a realização dessas atividades e projetos será necessário, porém, além de parcerias
para prestação de serviços, a captação de recursos financeiros.
Abaixo estão sugeridas algumas instituições que podem vir a contribuir com a rede:

Universidade de Brasília
Escola da Natureza - SE/GDF
Administrações Regionais - Riacho Fundo I e II
Sem Dimensão - Cooperativa de Coleta e Reciclagem de Lixo
Associações de Moradores e Produtores Rurais locais
Comitê Comunitário do Riacho Fundo
SEBRAE/DF
SESC
SLU
CAESB
Polícia Militar Florestal
Corpo de Bombeiros
Jardim Botânico de Brasília
Fundação Airton Senna
Athos Bulcão
255

PROJETO DE EXTENSÃO: CURSO PRESENCIAL


Ano: 2003 Semestre: ( x ) 1º ( ) 2º
1. IDENTIFICAÇÃO
1.1. Título do Projeto/Atividade
Educação Ambiental e organização de redes

4. PROGRAMA
Temas Carga horária
1. Meio Ambiente 10 horas
• Aspectos históricos do pensamento ambiental
• Direito ambiental no DF
• A questão da água no Distrito Federal: Lago Paranoá e Córrego do
Riacho Fundo
• O Cerrado e o Parque Ecológico do Riacho Fundo
• O impacto urbano – assentamentos e condições sócio-ambientais de 10 horas
vida
2. Os grupos e conhecimentos locais no Riacho Fundo
• Reconhecimento do entorno: aspectos físicos, biológicos, sociais,
históricos, econômicos, culturais e afetivos.
• Identificação dos grupos sociais do Riacho Fundo 10 horas
• Identificação e valorização dos conhecimentos locais: a história da
região e dos grupos sociais; os conhecimentos referentes ao meio
ambiente local.
10 horas
3. Redes Solidárias
• O conceito de rede solidária
• A rede solidária entre as escolas
4. A escola e a comunidade
• Articulação entre os conhecimentos locais e os conhecimentos
sistematizados no que se refere à temática à socioambiental.
• A questão socioambiental como eixo articulador de rede solidária
entre as escolas
• Constituição de um projeto didático em escolas do Riacho Fundo na
perspectiva da rede.

PROPOSTA DE CURSO PRESENCIAL DE EXTENSÃO


256

PROJETO DE EXTENSÃO: CURSO PRESENCIAL


Ano: 2003 Semestre: ( ) 1º ( X ) 2º
1. IDENTIFICAÇÃO
1.1. Título do Projeto/Atividade
Educação Ambiental e organização de redes: implementação de projetos

4. PROGRAMA
Temas Carga horária
1. Hortas Escolares e alimentação alternativa 12 h
• Princípios básicos de cultivo de hortaliças e fitoterápicos.
• A horta como eixo didático-pedagógico em sala de aula.
• Princípios da alimentação alternativa: reaproveitando cascas e sementes.
2. A organização de coleta seletiva na escola
• A questão do lixo: conceitos e destinação. 12 h
• Lixo, saúde e qualidade de vida.
• Decomposição de lixo orgânico.
• Materiais recicláveis.
04 h
3. Brinquedos pedagógicos: reciclagem
• Utilização de brinquedos ludos-educativos em sala de aula.
• Confecção de brinquedos a partir de materiais recicláveis e sucata.
4. Trilhas ecológicas
• O papel das trilhas ecológicas na formação ambiental do aluno. 08 h
• Elaboração de roteiros de observação e guias para relatório de campo.
• Organização de trilhas no Parque Ecológico do Riacho Fundo.
5. Redes solidárias e a comunidade: processos de gestão de redes e integração 04 h
comunitária
• Planejamento de ações em rede: escola e comunidade.
• Captação de recursos humanos e financeiros.
• Formação de lideranças.

PROPOSTA DE CURSO PRESENCIAL DE EXTENSÃO


257

Questionário 01
Professores da Escola Classe “Olho d’Água”

Nome:____________________________________________________________________
Série que trabalha:__________________________________________________________
Data: ___/___/___

1. Quais as condições sócio-econômicas e necessidades dessa comunidade?

2. Quais são (ou seriam) os interesses dessa comunidade?

3. Qual o perfil do aluno médio da escola?

4. Com que conhecimentos os alunos chegam à escola? Quais os saberes que eles trazem
para a escola?

5. Na sua opinião, quais os assuntos/temas que os alunos se sentiriam mais motivados para
aprender? Por quê?

6. Tendo como parâmetro as questões didáticas e as condições para o bom exercício da


docência, existe trabalho cooperativo entre professores, direção e funcionários?

7. A Escola tem história de trabalho em equipe? Em caso positivo, qual?

8. Qual o papel da cultura no ato de conhecer?

9. Como promover um conhecimento que seja capaz de aprender problemas globais e


fundamentais e neles inserir os conhecimentos parciais e locais?

10. Para você o que é natureza?

11. Qual a relação que você vê entre o homem e a natureza?


258

ROTEIRO DE ENTREVISTAS
COMUNIDADE DO RIACHO FUNDO
ESCOLA CLASSE RIACHO FUNDO – RURAL
Entrevistadores:____________________________________________________________
_________________________________________________________________________

Data: ___/ ___ / 2003

A . IDENTIFICAÇÃO GERAL

1. Nome completo do aluno: _________________________________________________


2. Série: __________ Turma: __________
3. Nome do entrevistado (a): _________________________________________________
4. Grau de parentesco com aluno: ___________________ 5.1 Idade: _________________
5. Estado civil: ____________________
6. Endereço: _____________________________________________________________
7. Número de famílias que residem nesse endereço: ______________________________
8. Quantas pessoas vivem na casa? ____________________________________________

B. INFRAESTRUTURA DOMÉSTICA
1. Moradia
1.a.( ) Própria – quanto tempo? ____________________
1.b.( ) Aluguel
1.c.( ) Outros
_____________________________________________________________________

1.d.Antes de morar neste endereço, onde moravam?


________________________________________________________________________________

1.e. Possui comércio na residência? ( ) sim ( ) não


1.f. Eletrodomésticos: ( ) TV ( ) Som ( ) Geladeira ( ) Fogão ( ) Vídeo ( ) outros _______
________________________________________________________________________________

1.g. Rua asfaltada? ( ) sim ( ) não 1.h. Tamanho da casa (m2): ____________________

1.i. Número de pavimentos da casa: _______ 1.j. Número de cômodos:


__________________________________________
259

2. Casa: 2.f. ( ) tapumes/madeirite


2.a.( ) alvenaria rebocada 2.g.( ) com banheiro dentro de casa
2.b.( ) alvenaria não rebocada 2.h.( ) sem banheiro dentro de casa
2.c.( ) piso cimentado Observações:
2.e.( ) piso não cimentado __________________________________________
_______________________________
3. Esgotamento sanitário: 3.d. ( )CAESB
3.a. ( ) fossa séptica Observações: ______________________________________
3.b.( ) fossa negra _________________________________________________
3.c. ( ) não tem _
4. Qual o destino do lixo doméstico? 2.i. ( ) coleta por caminhão
4.a. ( ) enterra 2.j. ( ) outros
4.b.( ) queima citar:__________________________
4.c. ( ) céu aberto

5. No caso de coleta por caminhão, com qual freqüência esse lixo é recolhido?
__________________________________________________________________________

6. Essa freqüência atende a sua necessidade? ( ) sim ( ) não


6.a. Em caso negativo, qual seria a freqüência adequada?
_____________________________________________________________________________

7. Em seu lixo doméstico, existe maior quantidade de:


7.a. ( ) papel
7.b.( ) metal
7.c. ( ) vidro
7.d.( ) orgânico
7.5.( ) outros. Quais?
_______________________________________________________________
8. Você tem a prática de reutilizar algum tipo de lixo (por exemplo, caixas, potes de vidros,
papelão, etc.) ( ) sim ( ) não
8.a. Em caso afirmativo, de que maneira? _______________________________________________

9. Quais são as enfermidades comuns na família? Com que freqüência elas ocorrem? (Preencha
com a legenda a seguir: 1 – Sempre 2 – Às vezes 3 – Raramente)
Dor de cabeça Diarréia Problemas Problemas de Piolhos Outros(citar)
respiratórios pele
9.a. Mulheres
9.b.Homens
9.c. Crianças
9.d.Idosos
260

10. Qual a fonte de água? 10.e. ( ) mina ou nascente


10.a. ( ) cisterna desprotegida 10.f. ( ) cacimbão/reservatório
10.b. ( ) cisterna protegida 10.g. ( ) CAESB
10.c. ( ) poço tubular profundo 10.h. ( ) outros
10.d. ( ) córrego _______________________________
11. Qual o tratamento da água para consumo?
11.a. ( ) filtro
11.b. ( ) ferve
11.c. ( ) limpeza freqüente e conservação da caixa d’água
11.d. ( ) nenhum
11.e. ( ) outros
11.f. Observações:_______________________________________________________________
__________________________________________________________________________

C. HISTÓRIA DA FAMÍLIA
1.a Qual a composição da família da criança residente na casa?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
2.a Quanto tempo moram em Brasília? ____________________________________________
_____________________________
3.a E no Riacho Fundo?
_________________________________________________________________________
4.a Nessa casa?_______________________________________________________________

5.
Idade:
Naturalidade:
Residência:
Trabalho:

Avô materno

Avó materna

Avô paterno

Avó paterno
261

6. Conte um pouco sobre como e por quê a sua família chegou à Brasília.
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

7. Possui religião? Qual? E seus familiares próximos, pertencem a algum movimento ou serviço
ligado à religião?
_____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________

8. Participa de festas tradicionais? ( ) sim ( ) não


Quais? _________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________

D. RELAÇÕES SOCIAIS
1. Existem parentes seus morando no Riacho Fundo ? ( ) sim ( ) não
Em caso afirmativo, responda as questões 2 a 6.
2. Quem são os parentes e onde moram?

3. Vocês mantém contato constante? ( ) sim ( ) não

4. Possuem alguma relação comercial ou de trabalho com esses parentes? ( ) sim ( ) não
4.a. Em caso afirmativo, qual o tipo de relação?

5. Possui alguma relação de solidariedade ou apoio com esses parentes no trato da casa, dos filhos
ou idosos? ( ) sim ( ) não

5.a. Em caso afirmativo, descreva a situação:


_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
262

6. Como você caracteriza sua relação com seus parentes:


6.a.( ) distante
6.c.( ) próxima
6.d.( ) amigável
6.e.( ) imposta
6.f.( ) solidária
6.g.( ) motivada por interesses
6.h.( ) outros ___________________________________
6.i Observações:

7. Você conhece todos os moradores desta rua?


7.a. ( ) sim, todos
7.b.( ) sim, a maioria
7.c. ( ) não, a minoria
7.d.( ) não, nenhum
8. Escolha um termo para caracterizar sua 8.f. ( ) indiferente
relação com seus vizinhos: 8.g.( ) de cooperação
8.a. ( ) distante 8.h.( ) de competição
8.b.( ) próxima 8.i. ( ) de necessidade
8.c. ( ) amigável 8.j. ( ) outros
8.d.( ) conflitante 8.k Observações:
8.e. ( ) motivada por interesses

9. Você ou alguém da sua família participa de atividades comunitárias? ( ) sim ( ) não


Em caso afirmativo, quais?
9.a. ( ) mutirão de construção
9.b.( ) mutirão de limpeza
9.c. ( ) festas beneficentes, religiosas ou não
9.d.( ) outras______________________________________________________________________
10. Costuma recorrer aos vizinhos em caso de urgência (acidentes, doenças, etc.)?
( ) sim ( ) não
10.1 Em caso afirmativo, qual (is) vizinho(s)? ___________________________________________
10.2 Cite uma situação:_____________________________________________________________
____________________________________________________________________________

11. Você ou alguém da sua família, participa de:


11.a. ( ) Associações de moradores
11.b. ( ) Sindicatos
11.c. ( ) Clubes
11.d. ( ) Pastorais
11.e Indique quais:
____________________________________________________________________
263

E. ESCOLA E FAMÍLIA
1. Em sua família, quantos adultos sabem:
1.a. ( ) Só ler
1.b. ( ) Só escrever
1.c. ( ) Ler e escrever
1.d. Observações: __________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

2. Existe adulto estudando na sua família? ( ) sim ( ) não


2.1 Em caso afirmativo, diga quem e qual o curso/série: ___________________________________

3. Quantos filhos estão estudando?

4. Qual a idade, série e a escola que freqüentam?

5. Seus filhos são pontuais na escola? ( ) sim ( ) não

6. Seus filhos freqüentam regularmente a escola? ( ) sim ( ) não


6.1 Em caso negativo, por quê? _____________________________________________________
_________________________________________________________________________________

7. Os pais participam das reuniões na escola? ( ) sim ( ) não


7.1 Em caso negativo, porque? ____________________________________________________
_________________________________________________________________________________
7.2 Observações: _______________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

8. Os pais têm hábito de leitura? ( ) sim ( ) não


8.1.Em caso afirmativo, quais são as leituras: _________________________________________
_________________________________________________________________________________
8.2 Em caso negativo, porque não lêem: _____________________________________________
_________________________________________________________________________________

9. Os filhos possuem ajuda na realização das tarefas escolares? ( ) sim ( ) não


9.1.Em caso afirmativo, quem costuma auxiliar? __________________________________________
_________________________________________________________________________________

10. Da família, quem conversa mais com os filhos?

11. Existe algum momento especial de diálogo em família?

12. Quais são os programas de TV mais assistidos pela família?

13. Onde as crianças costumam brincar?


264

14. As crianças participam de alguma atividade extra-classe?


14.a. ( ) Esportes ___________________________________
14.b. ( ) Curso de línguas ____________________________
14.c. ( ) Informática
14.d. ( ) Artes
14.e. ( ) Outros __________________________________________________________________

15. Quais os passeios que a família costuma fazer:


15.a. ( ) Parques
15.b. ( ) Jardim Zoológico
15.c. ( ) Jardim Botânico
15.d. ( ) Shoppings
15.e. ( ) Cinemas
15.f. ( ) Clubes
15.g. ( ) Cachoeiras e córregos ______________________________________________________
15.h. ( ) Casas de familiares ________________________________________________________
15.i. ( ) Outros __________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
16. Quantos estão empregados e qual atividade que realizam? ________________________
_________________________________________________________________________________

17. Recebem algum benefício do governo? Em caso afirmativo, qual?___________________


_________________________________________________________________________________

18. Como conseguem material escolar?


18.a. ( ) pais compram 18.d. ( ) doação da escola
18.b.( ) parentes/amigos 18.e. ( ) outros ________________________________
18.c.( ) benefícios do governo

19. Com qual regularidade você observa o material escolar do seu filho?
19.a ( ) Todos os dias 19.d ( ) Raramente
19.b ( ) Uma vez por semana 19.e ( ) Nunca
19.c ( ) De vez em quando 19.f ( ) Outros _________________________________

20. O que esperam da escola para seu filho?


________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________

21. Como é a sua participação para ajudar seu filho a conseguir o que almeja e/ou o que se espera
dele?
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

CONVITE
REMA - Rede de Educação e Meio Ambiente do Riacho Fundo

A Universidade de Brasília, por intennédio do Programa de Gestão e Educação


Ambienta! do Centro de Desenvolvimento Sustentável- CDS/UnB, vem convidar a Vossas
Senhorias a participarem do evento de apresentação da Rede de Educação e Meio
Ambiente do Riacho Fundo - REMA Riacho Fundo, a realizar-se no dia 30 de agosto de
2003, a partir das 9:00 horas, no Auditório da Administração Regional do Riacho Fundo I.

A REMA Riacho Fundo é uma rede de colaboração solidária, fonnada a partir da


iniciativa de professores das escolas públicas do Riacho Fundo I e TI, cujo objetivo é o de
estabelecer mecanismos de conscientização da necessidade de preservar e conservar o meio
ambiente promovendo a troca de conhecimento e informação, práticas e contexto, entre a
escola e a comunidade local, buscando a integração Escola-Comunidade.

Na oportunidade a Rede apresentará suas propostas de trabalho junto à comunidade, tais


como: projetos de coleta seletiva de lixo, hortas escolares, programa de saúde mental e
física, oficinas de reciclagem entre outros, com o intuito de buscar parcerias e apoios locais
para o desenvolvimento das atividades.

Estarão sendo convidadas para o evento, instituições tais como: EMBRAPA, Gerência
Regional de Ensino do Riacho Fundo; Instituto de Saúde Mental; Cooperativa 100
Dimensão; Cia do Lacre; Fórum das ONG's; Comparques; SEMARH; PM-Flo; Instituições
de Ensino Superior entre outras.

Certos da particip~ção de representantes de Vossa Instituição, bem como o vislumbre


de futuras parcerias, agradecemos antecipadamente.

Maióres Informações: Prof.3 Maria de Fátima R. Makiuchi. Telefone: 9984 9913.E-


mail: mariamakiuchi@uol.com.br

4o~~.
.1 de Fátima R. Makiuchi Profa. Kátia Marthes Fonseca G. Moreira
UnB/CDS REMA Riacho Fundo
Governo do Distrito Federai
/ Secretariade Estado da Educação
Gerência Regionalde Ensino do Núcleo
Bandeirante
Redede Educação e Meio Ambiente do
A sub-bacia do Riacho Fundo foi RiachoFundo - R&\L\ Riacho Fundo
(
{' uma das áreas mais agredídas desdeo início da
construção de Brasília. Ar marcas da
exploração e da ocupação desse tenitótio Organização do Evento
expõem verdadeiras cicatrizes, observadas
ainda hoje.

o cinturão verde idealizado ao longo


Elves Leal Barbosa - CEF 03 RF I
do cómgo Vicente Pires e seus tributários(...) Kellen Gianni- CEF 03 RF I
foi progressivamente destruído pelo 1.0 Seminário do
desmembramento dos lotes rurais, criando um MargarethOliveira- EC 01 RF I
tecido urbano onde deveria haver um conjunto
Projeto REMA - Rede
Sandra Ribeiro Salomão - Comunidade
de núcleos rurais sustentáveis, preservando de Educação e Meio
áreas de nascentes, as veredas e as matas, Sibele Lucchesi B. de Sá - CE 01 Cand.
protegendo esses cenários e gerando alimentos
Ambiente
fartos e sustentáveis. (Fonseca, 2001:175) Suzymara Mamédio - CEF 01 RF II

. .,:,:,~?~q;.~;- ,!:
... ;!!I1!,!II:!r!"/:.
Agosto de 2004
REMA RIACHO FUNDO
http://geocities.yahoo.com.br/rema_riacho_fundo
D1io.~~A \
.I::d YJ.C.L "t """'"1
. KellenGianni- CEf 03 RFI mais digna, responsável e participativa apoiada
. Dabate em ações de cooperação e solidariedade.
E5te evento tem .L
por fi.n..wdadcfomentar as
17:00 - Encerramento
experiências debeii;'~lvidas pela Rcde de OBJETrVOS DA REMA
Educação e Meio Ambiente do ~cho Fundo
(REMA) junto às escolas da Gerência a) Estabdecer mecanismos de
Regional de Ensino do Núcleo Bandeirante e conscientização da necessidade de
\' instituições parceiras. OQUEÉAREMA? preservar o meio ambiente,
sensibilizando sobre a importância da
PÚBUCOALVO A REMA é uma rede de pessoas que se educação ambiental dentro da
preocupamcom as questõessócio-ambientais comunidade;
Diretores das escolas públicas e particulares e do DistritoFederal. b) Promover a troca de conhecimento
parcenas. e informação, práticas e contexto, entre
Formada no ano de 2003, principalmente por a escola e a comunidade loca~ buscando
REALIZAÇÃO professores de Escolas Públicas do Riacho a int~gração Escola-Comunidade;
Fundo, procura desenvolver atividades nas c) Desenvolver ações interdisciplinares
30 de agosto de 2004 das 14:00às 17:30 horas. -escolas e junto à comunidade que possibilitem, para a melhoria do ensino-aprendizagem
Auditório da Administração Regional do por um lado, a melhoria nas condições da dos alunos;
Riacho Fundo I - Distrito Federal docência e por outro, uma melhoria nas d) Desenvolver atividades coletivas na
condições de vida da comunidade local. REMA para o trabalho docente junto às
PROGRAMAÇÃO escolas e a comunidade;
Centrada na gestão sócio-ambiental da Sub-
14:00 - Abertura
bacia hidrográfica do Riacho Fundo, PRINCíPIOS DA REMA
. IsraelR S.Monteiro( aluno- 8"D) desenvolveu um projeto de ação, de cunho
. SibeleLucchcsi - REMA didático-participativoque agora implementa.
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REMA o projeto inclui as seguintes ações: ,. Gestão em rede:relaçãohotizontat,


. Luis Emesto Mourào - IDA autonomia e autogestão democrática
. - '-ey---'- - ------
-Onrn ~llo1m()t() MMA
1. Horta escolares
2. Coleta Seletiva do Lixo
2.
-
.-finlidariedade
-.. - - - -
e ahnin
-Â -
mútun
--
. Representante da 3. Trilhas ecológicas 3. Responsabilidadesocial
COMPARQUES/GDF
4. Saúde mental e fisica para a comunidade
5. Oficinas de aJ.'tee aitesaJlato 4. Ailíor
15:15 - Intervalo
5. JTustíca
1
Neste ano de 2004, iniciamos uma nova frente
15:30- Relato de Experiências de ação, buscando a organização comunitária
. GrupoPopLixo em tomo dos princípios da Economia
. Suzymara Mamédio- CEF01RFII Solidária, gerando novas condições de vida -
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