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Zeferino Rocha*
Resumo
Este ensaio tem como objetivo fazer uma leitura crítico-interpretativa do artigo escrito
por Freud em 1907 sobre As ações obsessivas e os exercícios religiosos, ponto de partida de
seu estudo sobre o fenômeno religioso, no qual defende, em uma perspectiva clínica, a
analogia entre a religião e a neurose obsessiva. Depois de descrever o contexto histórico
do artigo e de resumir, em suas linhas essenciais, a trajetória da elaboração freudiana
do conceito e da estrutura da neurose obsessiva, o autor apresenta as principais carac-
terísticas e a analogia apontadas por Freud entre os dois cerimoniais e, finalmente, à
guisa de uma conclusão, submete a analogia a algumas reflexões críticas.
Palavras-chave: Freud; religião; neurose obsessiva; cerimonial obsessivo; cerimonial
e simbolismo religioso.
Abstract
This essay aims at making a critical-interpretative reading of the article written by Freud,
in 1907, about Obsessive actions and religious exercises, which was the starting point of his
study on the religious phenomenon, in which he defends, in a clinical perspective, the
analogy between religion and obsessive neurosis. After describing the historical context
of the article and summarizing, in its essential lines, the trajectory of the Freudian con-
cept and structure of obsessive neurosis, the author presents the main characteristics
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and the analogy pointed out by Freud between both ceremonials. Finally, by way of
conclusion, the analogy was subjected to some critical reflections.
Keywords: Freud; religion; obsessive neurosis; obsessive ceremonial; religious cere-
monial and symbolism.
Resumen
El presente ensayo tiene como objetivo lograr una lectura crítico-interpretativa del artí-
culo escrito por Freud, en 1907, relativo a ‘’Las acciones obsesivas y las prácticas religiosas”,
el cual fue el punto de partida de su estudio sobre el fenómeno religioso, y en donde
se defiende, desde una perspectiva clínica, la analogía existente entre la religión y la
neurosis obsesiva. Luego de describir el contexto histórico del artículo y de resumir,
en sus líneas esenciales, la trayectoria de la elaboración freudiana del concepto y la
estructura de la neurosis obsesiva, el autor presenta las características principales y la
analogía propuestas por Freud entre los dos ceremoniales y finalmente, a guisa de una
conclusión, somete la analogía a algunas reflexiones críticas.
Palabras clave: Freud; religión; neurosis obsesiva; ceremonial obsesivo y simbolismo
religioso.
Introdução
A interpretação freudiana do fenômeno religioso é estruturada por
três temas fundamentais: o da obsessão, o da culpa e o da ilusão. É meu
propósito, no presente ensaio, fazer uma análise interpretativa do primeiro
desses temas, ponto de partida do estudo freudiano da religião. Vale dizer,
o comportamento religioso interpretado por ele à luz de uma analogia entre a
religião e a neurose obsessiva.
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Contexto doutrinário
Quando Freud escreveu o artigo de 1907, ele já estava entusiasmado
com as descobertas feitas na clínica da neurose obsessiva. Esta, mais do que
a própria histeria, podia ser considerada uma verdadeira filha da psicanálise,
pois Freud foi o primeiro a definir e delimitar seus mecanismos psíquicos e
sua estrutura. Desde 1896, no artigo sobre “A hereditariedade e a etiologia
das neuroses”, ele afirmara que a neurose obsessiva (Zwangsneurose) era uma
afecção psíquica autônoma e independente.
Uma vez que a analogia entre o cerimonial religioso e o cerimonial
obsessivo, para ser bem compreendida, precisa ser primeiramente situada no
contexto da teoria freudiana da neurose obsessiva, vamos relembrar aqui, em
suas linhas essenciais, a trajetória da sistematização freudiana do conceito
metapsicológico e da estrutura da neurose obsessiva. Para proceder com
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obsessivo. Donde uma tendência muito grande que têm os obsessivos para a
racionalização. Da mesma forma que o histérico erotiza o corpo, o obsessivo
erotiza o pensamento.
À luz do que foi dito sobre a vida pulsional e o ego do obsessivo,
compreende-se melhor que na temática predileta dos obsessivos predomi-
nem temas metafísicos, religiosos e sagrados. Isso significa que os obsessivos têm
preferência pelo campo do enigma e do mistério. Esta predileção explica-se
por causa do domínio que tem a dúvida sobre sua vida intelectiva.
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dido e que o obsessivo o ignore. Ele sabe apenas que não pode abster-se de
cumprir seu cerimonial, embora ignore o sentido dos gestos e dos pequenos
arranjos que executa sempre da mesma maneira ou de um modo que varia
segundo regras metódicas.
Além do mais, o deslocamento do afeto sobre outras representações
compatíveis com o ego, explica o investimento de coisas banais que se tor-
nam formações substitutivas de coisas muito importantes. É por isso que os
obsessivos investem uma enorme quantidade de energia no cumprimento do
cerimonial e levam muito a sério seus mais insignificantes detalhes.
Enquanto formação de compromisso, o cerimonial, em parte, satisfaz o
desejo das representações recalcadas, embora permaneça inofensivo diante da
censura. Compreende-se, pois, que o cerimonial, não obstante sua aparente
absurdidade, esteja “a serviço de interesses muito importantes da persona-
lidade” e que os obsessivos o cumpram como se obedecessem a uma série
de “leis não escritas” (FREUD, 1907 [1982] p. 14 / [1976] p. 122). Essas
leis, no entanto, não são leis ditadas pela razão, mas impostas pelo desejo
inconsciente porque não estão submetidas a nenhuma outra lógica a não ser
à lógica contraditória do desejo que preside as elaborações do inconsciente
(GREEN, 1967, p. 640).
Se o pensamento racional pode decretá-las absurdas, e se essas leis da
obsessão podem ser objeto de inúmeras críticas por parte do eu, nem por
isso os obsessivos deixam de executá-las. A angústia, que surge em caso de
omissão, dá ao cerimonial o caráter de “uma ação sagrada” (eine heilige Han-
dlung). É precisamente por causa desta força mágica do pensamento obsessivo
que o cerimonial neurótico tem, não só um valor preventivo diante da punição
temida em caso de omissão, mas também um valor permissivo diante de outras
ações, que, sem isso, seriam proibidas.
Lembremos que, na lógica da obsessão, os pensamentos são de tal modo
investidos, que podem substituir os atos. Os obsessivos não procuram seu
gozo nos objetos, mas nas fantasias que exprimem o objeto de seus desejos
ou, dito de outro modo, é no pensamento sexualmente investido que o ob-
sessivo encontra o lugar de seu prazer.
Por isso Freud afirma que as ações compulsivas, que regem o compor-
tamento obsessivo fazem parte de sua vida privada e íntima e, ao executá-las
eles não gostam de ser olhados nem observados. Tanto no gozo, quanto no
sofrimento, os obsessivos encenam um espetáculo que é dirigido só a eles.
Atormentam-se com suas reprovações, mas o espetáculo que encenam é
representado exclusivamente para seu próprio prazer e gozo.
Portanto, as ações compulsivas e todo o cerimonial dos obsessivos têm
um sentido. Como nos sonhos e nas outras formações do inconsciente, esse
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sentido não se encontra no conteúdo manifesto dos gestos ou dos ritos dos
quais o cerimonial se compõe, mas antes em seu conteúdo latente. A interpre-
tação psicanalítica pode revelá-lo na medida em que descobre as motivações
inconscientes que se encontram em sua origem.
Para Freud, a motivação psíquica subjacente às compulsões e interdi-
ções do cerimonial obsessivo é um sentimento de culpa inconsciente, ligado às
representações recalcadas e a todas as reviviscências a que ele está ligado. O
sentimento de culpa tem um lugar central no esquema freudiano da neuro-
se obsessiva e na interpretação que ele deu ao fenômeno religioso. Ele é a
chave de sua interpretação psicogenética da religião e Freud vê nele uma das
principais motivações psicológicas das crenças religiosas (ROCHA, 2010).
São esses os traços característicos do cerimonial neurótico do obsessivo.
Em 1907, Freud reconhecia que “não tinha ainda conseguido penetrar na
essência, sem dúvida muito profunda, da neurose obsessiva”. Mesmo assim,
ele acredita que “do conhecimento da gênese do cerimonial neurótico poder-
-se-ia ousar tirar conclusões analógicas sobre os processos psíquicos da vida
religiosa” (FREUD, 1907 [1982], p. 13 / [1976] p. 121). Vejamos, em seguida,
como Freud estabeleceu essa analogia e quais conclusões dela tirou.
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